Box da serie Amores em Kent - l - Tatiana Mareto Silva

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SÉRIE AMORES EM KENT Box com os livros Um, Dois e Três

TATIANA MARETO

Série Amores em Kent @ 2019-2020. Todos os direitos reservados. Obra protegida pela Lei 9.610 de 1998 (Lei de Direitos Autorais). É proibida a reprodução gratuita ou a comercialização desta obra sem autorização expressa da autora. É proibida a reprodução parcial da obra, mesmo que de forma gratuita, sem a indicação dos créditos autorais. Essa uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera coincidência. Plágio e crime. Crie, não copie. Revisão: Daiane Guedes Aragão Edição: Tatiana Mareto Para saber mais sobre a autora, visite http://www.tatianamaretoescritora.com

CON TEN TS

Algumas palavras minhas para vocês Um Duque para Chamar de Meu 1. Capítulo primeiro 2. Capítulo segundo 3. Capítulo terceiro 4. Capítulo quarto 5. Capítulo quinto 6. Capítulo sexto 7. Capítulo. sétimo 8. Capítulo oitavo 9. Capítulo nono 10. Capítulo décimo 11. Capítulo décimo primeiro 12. Capítulo décimo segundo 13. Capítulo décimo terceiro 14. Capítulo décimo quarto 15. Capítulo décimo quinto 16. Capítulo décimo sexto 17. Capítulo décimo sétimo 18. Capítulo décimo oitavo 19. Capítulo décimo nono 20. Capítulo vigésimo 21. Capítulo vigésimo primeiro 22. Capítulo vigésimo segundo 23. Capítulo vigésimo terceiro 24. Capítulo vigésimo quarto 25. Capítulo vigésimo quinto 26. Capítulo vigésimo sexto 27. Capítulo vigésimo sétimo 28. Capítulo vigésimo oitavo 29. Capítulo vigésimo nono Epílogo

Notas 30. Cena extra Um Conde para Curar meu Coração Prólogo 1. Capítulo primeiro 2. Capítulo segundo 3. Capítulo terceiro 4. Capítulo quarto 5. Capítulo quinto 6. Capítulo sexto 7. Capítulo sétimo 8. Capítulo oitavo 9. Capítulo nono 10. Capítulo décimo 11. Capítulo décimo primeiro 12. Capítulo décimo segundo 13. Capítulo décimo terceiro 14. Capítulo décimo quarto 15. Capítulo décimo quinto 16. Capítulo décimo sexto 17. Capítulo décimo sétimo 18. Capítulo décimo oitavo 19. Capítulo décimo nono 20. Capítulo vigésimo 21. Capítulo vigésimo primeiro 22. Capítulo vigésimo segundo 23. Capítulo vigésimo terceiro 24. Capítulo vigésimo quarto Epílogo A Sobrinha do Marquês 1. Capítulo primeiro 2. Capítulo segundo 3. Capítulo terceiro 4. Capítulo quarto 5. Capítulo quinto 6. Capítulo sexto 7. Capítulo sétimo 8. Capítulo oitavo

9. Capítulo nono 10. Capítulo décimo 11. Capítulo décimo primeiro 12. Capítulo décimo segundo 13. Capítulo décimo terceiro 14. Capítulo décimo quarto 15. Capítulo décimo quinto 16. Capítulo décimo sexto 17. Capítulo décimo sétimo 18. Capítulo décimo oitavo 19. Capítulo décimo nono 20. Capítulo vigésimo 21. Capítulo vigésimo primeiro 22. Capítulo vigésimo segundo 23. Capítulo vigésimo terceiro 24. Capítulo vigésimo quarto Epílogo Nota da autora Sobre a autora Outros livros da autora

Algumas palavras minhas para vocês

Esse box contém os três primeiros livros da série AMORES EM KENT, que está publicada na Amazon também individualmente. Você vai encontrar três volumes no ebook, sendo que o primeiro contém o livro Um Duque para Chamar de Meu, o segundo contém o livro Um Conde para Curar meu Coração e o terceiro contém o livro A Sobrinha do Marquês. Apesar de ter realizado pesquisas e ter adquirido um bom conhecimento dos usos e costumes da era e do local escolhidos por mim (Inglaterra Vitoriana), eu me dei algumas liberdades literárias para conseguir desenvolver a história da forma como pensei. Assim, algumas datas foram utilizadas de acordo com o meu interesse, sem que isso possa ter alterado fatos históricos importantes, as propriedades foram inventadas para satisfazer as necessidades da trama, e o comportamento dos protagonistas não necessariamente segue os padrões mais rígidos daquela época. Por que isso, Tatiana? Porque eu escrevi um romance em que padrões são rompidos e diferenças são superadas. Talvez isso nunca fosse acontecer de verdade, mas livros de ficção são para que possamos sonhar, não é mesmo? Então vamos sonhar. Mesmo sendo uma série de romances de época, os livros contém cenas eróticas. Como meus demais romances, há cenas com conteúdo sexualmente descritivo, mesmo que essas cenas tenham sido descritas dentro de um vocabulário adequado para a época, dentro de um padrão de comportamento sexual da época. A série é composta de romances com conteúdo erótico e cenas de sexo, adequado apenas para quem gosta desse tipo de livro. Era isso que eu tinha para contar nesse momento. Espero que vocês se

divirtam durante a leitura. A autora

UM DUQUE PARA CHAMAR DE MEU

Capítulo primeiro

Arredores de Kent. Inglaterra, 1891 E LIZABETH NÃO AGUENTAVA MAIS ANDAR . Ela praticamente arrastava uma valise quadrada, pesada, e duas crianças, que também estavam exaustas, pela mão. Patrick e Peter já tinham parado de reclamar do cansaço havia alguns minutos e ela esperava um pouco de paz, só que eles precisavam parar em algum lugar e descansar, já que era quase noite e fazia horas que estavam fugindo de Londres. Fugindo. A cidade tinha sido tomada pela Escarlatina. Até os adultos estavam adoecendo e já havia muitas mortes declaradas. As equipes sanitárias passavam pelas ruas lavando as vias com jatos de água, como faziam com a cólera, acreditando que, assim, lavariam a doença embora. Elizabeth tinha suas dúvidas e preferiu não arriscar com os dois filhos pequenos. Pessoas como ela ficavam. Só os nobres fugiam quando uma epidemia começava, recluindo-se em suas propriedades afastadas do epicentro do problema. Pessoas como ela não tinham propriedades, precisavam trabalhar para garantir sustento e não sabiam para onde ir em caso de calamidade. Mas ela já tinha perdido o marido para a cólera, não queria arriscar a vida de seus meninos. — Mamãe, estou com fome. — Peter reclamou, puxando-a pela saia e tirando-a de seus devaneios. — Já vamos conseguir um lugar para jantar. Mas precisamos encontrar uma estalagem. Ela dissera sem muita convicção, já que não tinham visto nenhuma construção nos últimos quilômetros. Caminhavam por uma rua de pedras e

muitas carruagens passavam por ali, mas nenhuma ousaria perguntar se queriam ser levados a algum lugar. Para os nobres, eles eram invisíveis, apenas plebeus miseráveis que serviam como criados, mas não eram para ser vistos fora desse contexto. A esperança de Elizabeth se acendeu quando viu uma fumaça em distância considerável. Aquilo vinha certamente de uma chaminé e, onde tinha chaminé, tinha uma casa ou hospedaria. Qualquer lugar serviria para que ficassem, ela só esperava que fossem aceitos. Não por sua condição plebeia, mas porque vinham de um lugar infectado. — Eu não aguento mais andar. — Patrick parou e sentou no chão de terra. — Vamos parar só um pouco, por favor. — Não podemos nos dar ao luxo de parar se quisermos chegar em algum lugar, meu filho. — Elizabeth segurou as mãos pequenas do menino e o puxou para cima. Ele se recusou, voltando a sentar. Ah, Patrick sempre fora teimoso, mas ele estava certo. Os pés dela também a estavam matando, quase a ponto de abandonar os sapatos em um ponto qualquer da estrada. Enquanto debatia com as crianças se paravam ou seguiam, mais uma carruagem passou por eles. Era apenas outro transporte que os ignoraria, mas aquela, curiosamente, fez meia-volta e parou ao lado da família. Estava escuro, mas Elizabeth percebeu uma dama que colocava a cabeça para fora e os encarava. A dama era muito jovem e usava um gorro para esconder os cabelos castanhos. — Estão em apuros? — Ela perguntou a Elizabeth. Era uma surpresa que uma dama tão refinada, em uma carruagem maravilhosa, suntuosa, cheia de adornos e arabescos, falasse com ela. — Cansados apenas, milady. — Elizabeth fez uma referência. Ela sabia como se portar com a nobreza. — As crianças estão exaustas e com fome. A porta da carruagem subitamente se abriu e um criado desceu, colocando um caixote para que a dama pudesse descer. Ela, no entanto, disse algo próximo a seu ouvido e se manteve dentro do transporte. — Minha senhora está se oferecendo para conduzi-los até seu destino. Elizabeth arregalou os olhos enquanto as crianças pulavam em animação. Eles nunca tinham viajado em uma carruagem e ela precisou segurar Peter pelo colarinho da camisa, porque ele já estava correndo para entrar no veículo. — Mas não temos destino. Estamos procurando uma estalagem para passar a noite, fugindo da epidemia em Londres.

O criado voltou a ter com sua senhora e conversaram mais uma vez em tom baixo. Peter se debatia, querendo entrar na carruagem, afirmando que tinha sido convidado, que queria sentar nas almofadas. As crianças estavam sujas de poeira e vermelhas de suor, já que fazia calor naquele início de verão. — Levaremos vocês até a estalagem. — A jovem dama disse, colocando novamente a cabeça para fora. — Ela fica a poucos quilômetros daqui. Podem entrar. Elizabeth não conseguiu mais segurar os filhos. Os dois meninos correram para entrar no veículo, como se não tivessem sido educados nos melhores modos. Um pouco desconfiada da bondade inesperada da dama, ela se aproximou da carruagem e viu que era tão luxuosa por dentro quanto por fora. Nem nos áureos dias em que sua família tinha dinheiro e eles viviam em uma zona mais abastada de Londres, ela tinha viajado em uma carruagem como aquela. Era certamente o veículo de um nobre. Seria aquela dama uma duquesa gentil demais que assumira o compromisso de oferecer conforto aos menos afortunados? Elizabeth entrou e se sentou, puxando os filhos para seu lado, ficando de frente para a jovem. — Como se chamam? — A dama perguntou. — Sou Lady Agatha, também estamos fugindo da epidemia. — Elizabeth Collingworth. — Ela baixou a cabeça, tentando fazer uma reverência no espaço apertado. A carruagem voltou a andar e os meninos celebraram. A vantagem de crianças pobres era que elas se empolgavam com tudo, porque não eram acostumados a ter nada. — Esses são meus filhos Patrick e Peter. É muita gentileza da senhorita nos conduzir até um abrigo, milady. — Meu pai era um homem que fazia o bem a todos, sempre. Ele jamais deixaria uma família necessitada à margem de uma estrada. O seu pai era um homem único, foi o que Elizabeth quis dizer, mas não disse. Nenhum nobre se preocuparia com uma família como a dela, não importa onde estivesse. Quando avistaram a estalagem, os meninos comemoraram mais uma vez e Lady Agatha sorriu, contagiada com a alegria deles. A carruagem parou em frente à construção, que tinha muitas janelas e lamparinas a gás iluminando o pátio. O criado abriu a porta e ofereceu a mão para que Elizabeth descesse. Nenhum dos dois usava luvas, mas não havia

aqueles códigos de etiquetas entre criados. Os meninos desceram sozinhos, correndo para dentro da estalagem em enorme algazarra. Será que algum dia aqueles meninos ficariam sem energia para gastar? Ela duvidava. — Obrigada, milady. O bom Deus lhe pagará tamanha bondade. — Ela agradeceu à dama, que estendeu a mão para o criado, intencionando descer. — Gosto de honrar a memória do meu pai, mesmo que isso me coloque toda semana nas colunas de fofocas dos folhetins locais. — Ela riu. — John, farei uma pausa na viagem, preciso esticar meus pés. — Milady, seu irmão pode… — Deixe que me entendo com Aiden depois. — Lady Agatha moveu os ombros, indicando que não se importava com as ordens do irmão, quaisquer que fossem. — Vamos conhecer essa estalagem e ver se suas instalações são dignas de uma dama.

Elizabeth entendeu que seu agradecimento a desvinculava da senhora nobre e se aproximou do balcão onde um jovem magricela, de cabelos espetados para cima e dentes mal formados, fazia anotações em um papel. — Boa noite. Preciso de abrigo para mim e meus filhos, e de um bom jantar. — Vai te custar três libras, uma por pessoa. Sem nem olhar para ela, o rapazote continuou rabiscando o papel. — Mas esse valor é muito acima do que é praticado! — Elizabeth se indignou. Uma noite em uma estalagem como aquela não lhe custaria mais do que alguns xelins. Três libras era dinheiro que ela não poderia dispor naquele momento. Ficaria sem ter como alugar um casebre para se abrigar quando chegasse a… algum lugar. — Tempos de crise, senhora. O dono mandou cobrar uma libra de qualquer um que requisitasse hospedagem nesse período. Como a senhora está com duas crianças… — Isso é um absurdo! — Ela bateu com a mão sobre o balcão, pretendendo que isso mostrasse sua indignação. — Vocês estão explorando o sofrimento das pessoas, isso é imoral. Quero falar com o dono. Outras pessoas entraram na estalagem e se aglomeraram no balcão. O rapazote desapareceu por uma porta para buscar o gerente e Lady Agatha

também se aproximou. Os filhos começaram a reclamar que tinham fome e queriam a comida que viram em outro salão, mas foram impedidos de entrar porque não eram hóspedes. A balbúrdia instalada fez com que ninguém conseguisse ouvir ninguém. Quando o dono chegou, Elizabeth protestou pelo valor cobrado. Sua veemência, no entanto, fora tratada apenas como insubordinação de uma mulher exagerada. Ela já estava acostumada a ser chamada de louca, sempre se colocando contra as injustiças que presenciava. — Senhora, o preço é esse. — O homem disse, irredutível. — Se quiser, pague, se não, pode se retirar com esses pequenos vândalos. — Meus filhos não são vândalos. — Elizabeth indignou-se ainda mais, apesar de não poder afirmar com muita certeza que o homem estava errado. Seus filhos eram muito educados, mas também muito ativos. — O senhor não deveria se aproveitar das pessoas para lucrar. — Lady Agatha se envolveu na discussão. — Isso é vil, vai manchar a reputação do seu estabelecimento. — São apenas negócios. Eram apenas negócios, Elizabeth sabia, mas aquele dinheiro iria fazer falta. Ela não podia pagá-lo mesmo sabendo que os meninos precisavam comer. Teria que continuar caminhando pela estrada até encontrar um lugar em que eles não fossem explorados. — Pode ficar com sua ganância. Vamos embora daqui. Os meninos protestaram, reclamando. Peter ameaçou chorar e lágrimas rolaram por aqueles olhinhos pequenos e muito azuis. Elizabeth ajoelhou na frente do filho para explicar a ele que pessoas pobres, como eles, não tinham muitas escolhas na vida. Desistiu, não precisava destruir os sonhos dele, era melhor ensiná-lo a progredir e não a aceitar sua miséria. Elizabeth conhecia dos dois lados da vida, a riqueza e a ostentação e a pobreza miserável das docas. Depois que o pai perdeu tudo que conquistou em mesas de jogos, eles precisaram todos trabalhar para não passar fome. Elizabeth tinha apenas quatorze anos quando começou a costurar para fora e, depois, se tornou dama de companhia de jovens nobres. Sua educação irretocável era seu talento e o que garantiu o sustento de sua família por muitos anos, depois que seu marido morreu. Os filhos foram criados com a mesma educação dos pequenos nobres, mesmo que, de vez em quando, parecessem pequenos diabinhos. Bem, quase sempre eles se pareciam diabinhos, mas sabiam se portar se quisessem.

— Vou pedir a meu irmão que interfira. — Lady Agatha disse para ela, depois que o movimento dissipou. — Não é justo que esse homem explore as pessoas em momentos de necessidade. — Creio que não haja lei contra isso. — Elizabeth desanimou. — Agradeço toda a sua bondade, Lady Agatha, mas não vejo como seu irmão terá influência em uma situação como essa. — Ele é o Duque de Shaftesbury. Oh. Por aquela Elizabeth não esperava. Aquela gentil dama era irmã de um duque. E não era um duque, mas o duque, um dos mais ricos e prósperos da Inglaterra inteira. Assim que Lady Agatha disse o título do irmão, como se as palavras fossem mágicas e abrissem portas secretas, um barulho na entrada chamou a atenção de Elizabeth. Talvez ninguém tivesse ouvido nada e fosse apenas a presença intensa da pessoa que acabara de chegar, mas ela sentiu como se um lufo de ar fresco lhe tivesse arrebatado o corpo. O vento imaginário bateu em sua face e esvoaçou seus cabelos. Pela porta entrava um homem que parecia iluminar o ambiente mais do que qualquer lamparina. Elizabeth teve certeza, em um segundo e meio, que aquele era o homem mais lindo de toda a Inglaterra porque era inadmissível que outros como ele existissem. Vestindo calças de linho bege, camisa branca e colete vinho com paletó da mesma cor, ele tinha os cabelos castanhos e ondulados penteados cuidadosamente. Seus olhos eram de um castanho escuro tão intenso que podiam conter a noite inteira dentro deles e sua pele tinha uma tonalidade bronzeada similar a dos homens que trabalhavam nas docas. Mas aquele homem certamente não trabalhava nas docas. Ele tinha o porte da realeza. Não havia dúvidas de que era um nobre perdido por aquela região, provavelmente fugindo da epidemia como ela. Sua boca era vermelha e os lábios grossos estavam comprimidos. Os olhos atentos procuravam alguma coisa e miraram Elizabeth alguns segundos depois. Ela quase deixou cair ao chão a bolsa de moedas que segurava. Sim, o homem olhava para ela, não olhava? Sua expressão não era suave, havia um vinco severo entre suas sobrancelhas que lhe conferia um ar de quem seria capaz de implodir o lugar, se assim quisesse. Como se a sua presença já não fosse impactante o suficiente, ele veio na direção dela. E, naquele instante, enquanto seu coração disparava por causa de um completo desconhecido que nunca deveria tê-la notado em lugar algum, a

fraqueza do dia a abateu. Elizabeth sentiu o peso de um dia inteiro de fuga, caminhadas e desejos de matar um dono de estalagem, e seu corpo sucumbiu. Tudo ficou escuro, girando, até que ela sentiu o chão se aproximar enquanto caía desmaiada no meio do salão.

Aiden Trowsdale foi preparado para assumir o ducado desde que nasceu. Ele foi criado para ser um duque, foi praticamente treinado para a ser um cavalheiro, um nobre, um homem respeitável na sociedade. Com o falecimento de seu pai, dois anos atrás, ele herdou o título e se tornou o 13º Duque de Shaftesbury, um dos títulos de nobreza mais antigos da Inglaterra. A morte do pai não lhe trouxe apenas o ducado. Aiden também precisou lidar com coisas para as quais não estava tão preparado assim, como as mulheres da casa. Enquanto ele estudava e se formava com distinções, treinava todos os esportes e se destacava em qualquer atividade masculina, estava afastado de casa, da mãe e da irmã mais nova. Ao assumir o título e as propriedades, as coisas ficaram reais e as responsabilidades não eram mais hipotéticas. Sua irmã, Lady Agatha nunca fora uma jovem difícil. Ao contrário, era dócil e gentil, mas a morte do pai a transformou no demônio de saias. Como a mãe era uma mulher doente que nunca saía da propriedade de verão da família, a residência em Londres estava quase sempre desamparada. E a irmã, quase sempre aprontando das suas. A quarta governanta tinha acabado de se demitir, apesar do tentador salário que lhe fora oferecido, e Aiden não sabia mais o que fazer para conseguir uma mulher para administrar sua casa - e sua irmã, já que a mãe não fazia um bom trabalho. Ele precisava se casar, essa era a opção mais esperada. Um homem na sua posição e com sua idade já deveria estar casado e, preferencialmente, com um herdeiro a caminho. Mas Aiden nunca desejou casar-se, apesar de saber que deveria fazê-lo. O problema era que casamento exigia um esforço que ele não estava interessado em empregar. Tinha que escolher uma noiva, cortejá-la, ajustar os trâmites com a família dela, e todas as demais formalidades que envolviam o enlace matrimonial entre a aristocracia. Aiden não conseguira nem passar da primeira etapa, já que a maioria das damas eram lindas e agradáveis, mas não o interessavam.

Todos os planos que ele não pretendia cumprir foram interrompidos pela epidemia de Escarlatina que, de uma hora para outra, se alastrou por Londres. Aiden preparou as carruagens, mandou a irmã na frente e, depois de deixar tudo organizado na Casa Trowsdale, seguiu para Kent, onde ficava Thanet Bay. O litoral, com seu ar fresco, deveria ser o melhor lugar para se esconder até que as coisas estivessem melhores na capital. Mas a irmã não o deixaria em paz durante esse período, ele já sabia. A caminho de Kent, sua carruagem subitamente parou no meio do caminho e um dos criados que o acompanhava, Geoffrey, desceu para falar com ele. — O que houve, Geoffrey? Por que paramos? — Vossa Graça… o cocheiro avistou a carruagem de sua irmã. Aiden colocou a mão na porta e a abriu, saindo do transporte. Estavam no meio do nada em uma estrada provavelmente muito utilizada como rota de fuga dos nobres, e que deveria estar repleta de ladrões esperando para arrancar até as botas dos aristocratas que por ali passavam. A preocupação de que algo tivesse acontecido com Agatha o fez esquecer a prudência e lançarse para fora e dar alguns passos na direção de um pátio iluminado, até ver a carruagem ainda parada na frente de uma estalagem. — Céus, o que ela aprontou dessa vez? — Deseja que eu vá verificar, Alteza? — Não, vamos encostar. Estou mesmo precisando de uma boa dose de uísque, está muito quente e úmido. O duque voltou para dentro da carruagem, que se movimentou por mais alguns metros até parar ao lado da outra. Havia um burburinho incessante vindo do lado de dentro e Aiden suspeitou que todos ali estariam fugindo, também. Provavelmente não haveria muitos nobres no lugar, que parecia não ser o mais adequado para sua irmã tomar um chá ou jantar. Em alguns quilômetros eles estariam no Birmingham Inn e poderiam desfrutar do tratamento digno à aristocracia. Por que raios ela não esperou mais um pouco? Assim que entrou, percebeu que tinha razão. Apesar de bem vestidas, as pessoas daquele lugar não eram nobres. Talvez burgueses endinheirados que tinham adquirido propriedades nos arredores de Kent, mas não possuíam títulos a ostentar. Logo encontrou sua irmã conversando com uma dama qualquer. Não. Aiden estava enganado, não era uma dama qualquer. Ele olhou para sua irmã mas tudo que viu foram os cabelos louros, meio acobreados, que

engoliam a luz de todas as velas acesas naquele salão. Eles emolduravam o rosto mais delicado e os olhos mais transparentes de toda a Inglaterra. Não havia nada nela que não parecesse uma pintura renascentista, mas Aiden podia jurar que os renascentistas não eram tão talentosos. Ele percebeu que algo estava errado com ela. Sua face empalideceu quando ela o viu, como se fosse um fantasma que tivesse vindo para assombrá-la. Seu corpo começou a desmoronar como um castelo de cartas mal feito e ele só teve tempo de se aproximar para segurá-la em seus braços e impedir que caísse ao chão.

Capítulo segundo

— O H ! — Agatha assustou-se e colocou a mão na boca. As pessoas se afastaram. A epidemia deixou todos muito apavorados, já que a última, de cólera, matou trinta por cento da população de Londres. 1 Mas Aiden não teve tempo de pensar que aquela mulher pudesse estar doente. Ele apenas precisou segurá-la em seus braços quando ela desfaleceu, não podia deixar que caísse ao chão e se machucasse. Em um movimento rápido, ergueu-a e procurou um lugar onde pudesse estender seu corpo inerte. Ela não pesava muito mais do que a metade do seu próprio peso. — Ela não pode ficar aqui no meu salão! Um homem se aproximou do duque, que o olhou de cima para baixo. Aiden era alto, muito alto, e aquilo fazia com que quase todas as pessoas lhe parecessem minúsculas. — Além de explorar as pessoas, o senhor não tem um pingo de humanidade? — Agatha se enfureceu. Pronto, lá estava a personificação do diabo tomando forma nas bochechas vermelhas da irmã. Ela fechou as mãos enluvadas em punhos e marchou na direção do dono da estalagem. — Ela desmaiou de fraqueza porque você não deixou que ela comesse! Novamente o burburinho cresceu e aquele falatório estava deixando Aiden com dor de cabeça. Ele acomodou a mulher em seus braços, já que ela não dava sinais de que acordaria, e encarou o homem de meia idade que tinha segurava um monóculo para enxergar Agatha melhor. Talvez ele se arrependesse disso, depois. Sua irmã sabia ser assustadora quando queria - e isso era quase sempre. — Dê-me um quarto. — Aiden disse. Sua voz grave retumbou pelo salão e as pessoas pararam de falar. O dono da estalagem olhou para o duque com

um brilho dourado nos olhos. Um nobre nunca pedia algo, ele sempre ordenava. E pagava bem. — George! — O homem gritou e o menino magricela apareceu. — Leve este senhor à casa dos fundos. Com um movimento de cabeça que indicava um “sim senhor”, o garoto pediu que o duque o seguisse. Antes que Aiden pudesse dar o segundo passo, uma voz estridente veio gritando em sua direção. — Mamãe! Aonde você vai levá-la? Patrick segurava Peter pela mão e ambos tinham a boca suja de algum doce, que tinham obtido de um hóspede gentil. Agatha se aproximou dos garotos e eles olharam para ela como se pedissem respostas. Aiden não entendeu, eles chamavam a mulher em seus braços de mãe? Mas ela não podia ser mãe deles, ela não podia ter idade para ser a mãe de ninguém. — Sua mãe desmaiou. — Agatha disse para o garoto, ajoelhando-se até ficar de sua altura. — Meu irmão irá levá-la para o quarto para que possa descansar. Vamos juntos? Patrick concordou e Agatha indicou que era para prosseguirem. A casa dos fundos era composta por dois ambientes e era suntuosa demais para uma estalagem que não abrigava a nobreza. Havia uma antessala com um aparador e dois sofás, além de uma lareira que estava apagada, e um quarto com uma cama bastante grande, emoldurada por um dossel imenso com cortinas aveludadas. Aiden depositou a mulher sobre os lençóis brancos e desamassou a roupa com as mãos enluvadas. — Os meninos não podem ficar sozinhos com ela desmaiada. — Agatha disse, depois que o duque a encontrou na antessala. Os garotos estavam agarrados à saia da irmã como se ela estivesse responsável por protegê-los. — Agatha, como você conhece essas pessoas? — Aiden perguntou, aproveitando para se servir de uma dose de uísque. Pelo bom Deus, como ele precisava de uma bebida. Ainda bem que aquele quarto era adequado às suas necessidades. O homem que atendeu sua ordem era esperto. — Eu os recolhi na estrada. Estava fugindo da epidemia e trouxe-os até a estalagem. Eu ia convidá-la para um chá em Thanet Bay quando você chegou. O duque puxou a irmã, que se desvencilhou dos meninos, e arrastou-a para um canto. — Pelos céus, você não pode sair por aí recolhendo pessoas! Nem deve se relacionar com esse tipo de gente, Agatha!

— Esse tipo de gente, Aiden, é uma mãe e seus dois filhos! — A irmã se soltou e cruzou os braços na frente do corpo. — Ela precisava de ajuda e não me arrependo de tê-la ajudado. Igual você agora, carregando-a nos braços enquanto todo mundo acha que ela tem uma doença contagiosa. — Ela pode ter! — Mas você não se importou. Não, ele não se importou. Aiden passou as mãos pelos cabelos, que estavam desgrenhados, e bebeu seu uísque todo em um gole. Serviu-se de mais e encarou a irmã, que tinha razão. Quando viu a mulher prestes a desmaiar, sua primeira - não, sua única atitude foi segurá-la. A criação que receberam, principalmente do pai, impedia que vissem pessoas necessitadas e não corressem em auxílio. Por isso, mantinham uma escola, dois orfanatos e faziam bailes beneficentes para recolher fundos para o hospital. Ninguém em Londres fazia bailes beneficentes, apenas Agatha. Ela talvez não fosse o demônio, mas uma mulher muito diferente das outras. E ele sabia que aquilo, provavelmente, dificultaria seus planos de arranjar para ela um ótimo marido. E Aiden, ele não podia falar muito diferente de si mesmo. O duque era um espécime atípico na nobreza. Ele se envolvia com burgueses, negociantes e industriários. Tinha pretensões de desenvolvimento econômico e social. Não acreditava na indolência dos nobres que nunca precisavam trabalhar para sobreviver e que apenas desperdiçavam a fortuna acumulada por seus ascendentes. Aiden era tão incomum e inadequado para a sociedade londrina quanto sua irmã. A diferença era que, como homem e portador de um título importante de nobreza, ele podia ser excêntrico. Sua indiferença às muitas regras sociais e seu desprezo pela arrogância da nobreza eram toleradas porque ele era o Duque de Shaftesbury. — Certo, mas agora temos que ir. — Aiden decidiu. — Ela já está abrigada e os filhos estão bem. — Eles não podem ficar sozinhos. — A irmã insistiu. — Ficarei com ela até que acorde. O duque coçou a cabeça. Por mais que ela soasse gentil e delicada, Agatha tinha uma determinação que nunca o permitia dizer não. Mesmo que sua proposta fosse absurda. Ficar ali era atrasar sua ida para Thanet Bay, criar atritos com sua mãe e, pior, expor-se à doença. Bem, talvez a pior parte fosse levantar os questionamentos da duquesa. Tudo que Aiden não precisava era

da mãe lhe fazendo perguntas. Mas, mesmo assim, ele não sabia se havia alguém contaminado naquela estalagem e, se houvesse, todo seu plano de fugir de Londres um pouco antes do esperado e livrar sua família dos riscos da Escarlatina seriam perdidos. — Você sabe que basta que eu dê uma ordem e você será levada comigo, não sabe? — O duque ameaçou, imaginando se a irmã seria capaz de temer sua autoridade. — Sou seu irmão mais velho e o Duque de Shaftesbury, até se casar, você obedece a mim. Se eu mandar, John… — Então mande. — Agatha cruzou os braços e se sentou em uma poltrona. — Só sairei daqui quando a Sra. Collingworth acordar. Maldição. Ele não teria coragem de mandar o criado agarrar Agatha e colocá-la nas costas. Talvez ele mesmo devesse fazer isso, mas… seus olhos vagaram rapidamente para a mulher deitada na cama. Realmente, havia alguma coisa errada com ela. Olhou depois para os dois meninos sentados no sofá. Eles estavam abraçados um ao outro e tinham olhares assustados e arregalados. Estavam sujos e magricelas, mas eram crianças muito bonitas. O mais velho tinha o mesmo cabelo da mãe. — Certo. Por que não jantamos e, se ela não acordar até terminarmos de comer, chamamos um médico para vê-la? Por minha conta. Agatha levantou-se e bateu palmas de alegria. Ela tinha vinte anos, mas poderia ter dez. Sua empolgação era como a de uma criança em uma doceria. — Eu sabia que você tomaria a decisão certa, Aiden. O duque bufou e chamou John, seu mordomo, que viajava com Agatha. Pediu que servissem um jantar privado naquele quarto em que estavam, enquanto a Sra. Collingworth se recuperava. Depois, pediu a Geoffrey que levasse os meninos para tomarem um banho, onde fosse possível encontrar água quente. E para jantar. Havia uma banheira no quarto, mas lavar as crianças ali faria muita algazarra. A ama de companhia de Agatha se comprometeu a cuidar dos meninos, que foram com ela na promessa de que a mãe estaria acompanhada. Depois que o quarto esvaziou, Agatha disse que iria procurar um lugar para se refrescar antes do jantar. Ela saiu e o duque ficou sozinho na companhia da desacordada estranha.

Assustada, foi como Elizabeth despertou depois do desmaio. Ela lembrava de ter caído, mas não de ter tocado o chão. Seu corpo estava deitado em uma superfície tão macia que ela teve certeza que morrera e aquelas eram as nuvens do céu. Ou talvez ela não fosse para o céu, já que era uma pecadora. Não era? Seus olhos demoraram a enxergar a silhueta de um homem que, daquela vez, não olhava para ela. Velas iluminavam o lugar onde estava e nada tinha mais luz do que ele. Acomodado no parapeito da janela, olhava para a escuridão como se pudesse enxergar pela noite. Ele estava de lado e seu perfil era duro como se tivesse sido talhado por um machado. Queixo quadrado e nariz proeminente. Elizabeth podia jurar que tinha uma covinha no queixo. Mas, afinal, quem era ele? Provavelmente ela tinha morrido e ele era o Paraíso. Desde a infância, Elizabeth acreditava em amor. Ela sonhava com o amor que a arrebataria e a levaria aos céus. Com o homem para quem ela olharia e se apaixonaria de forma instantânea. Suas amigas eram mais pragmáticas e riam dela. Homens eram como negócios, só que ela era uma romântica. Esperava viver um amor avassalador e tinha certeza que, um dia, ele chegaria. Talvez ela estivesse olhando para ele naquele momento. — A senhora acordou. — O homem disse, virando-se para ela. Ele não demonstrava muita emoção na voz. Elizabeth sentiu um pequeno desconforto com a forma como os olhos dela a observavam. — Onde estou? Onde estão meus filhos? Quem é o senhor? — Muitas perguntas. — Ele veio na direção dela e seu coração martelou alto demais. Os ombros largos davam a dimensão de que ele era grande, mas, daquele ângulo, ele parecia ainda maior. Ela se sentou na cama, nervosa com o que ele poderia fazer com ela. Só não tinha certeza se estava com medo ou excitada. Damas respeitáveis não se sentiam excitadas. Por sorte ela não era nem dama, nem respeitável. — Sou o Duque de Shaftesbury. A senhora está em um quarto nessa… estalagem, já que desmaiou no meio do salão. Minha irmã insistiu para que esperássemos que acordasse e seus filhos estão sendo lavados. Eles estavam… imundos. As pausas na fala do homem sugeriam que ele escolhia palavras. Então era o duque. O irmão mencionado por Lady Agatha, dono de muitas

propriedades espalhadas pela Inglaterra. Poucas pessoas não tinham ouvido falar do duque, seja por sua riqueza, seja por seu jeito pouco habilidoso nos eventos sociais e no trato com pessoas. — Alteza. — Elizabeth tentou fazer uma reverência, mesmo sentada, mas estava se sentindo zonza. Tombou o corpo para frente e quase caiu novamente. Foi amparada pelos braços do duque. Aqueles braços. Eles estavam descobertos, ela conseguiu perceber e sentir o calor da pele dele que passava através do tecido de sua camisa branca. Eram fortes, firmes e masculinos. Ele tinha um cheiro de roupa lavada que a deixou inebriada. — Sra. Collingworth, acho que deve ver um médico. — O duque disse, ajudando-a a sentar novamente. — A senhora está grávida? — Por Deus, não! — Elizabeth deu um gritinho e colocou a mão na frente da boca. Aquela percepção era absurda, mas o duque não podia saber. Ela tinha dois filhos, ele certamente pensava que fosse casada. — Eu não comi nada o dia inteiro, é isso. O homem garantiu que ela estivesse acomodada no colchão da cama e deu dois passos para trás. Claro que não era adequado que ele estivesse tão perto dela, mas Elizabeth não queria que ele se afastasse. A proximidade daquele corpo a fazia sentir-se melhor, menos vulnerável. — Nosso jantar será servido. Minha irmã está retornando e creio que ela insistirá para a senhora comer conosco. Elizabeth engoliu e sentiu a boca seca. Olhou rapidamente ao redor e viu uma jarra com água. Subitamente ela sentia muita sede. Levantou-se com mais cuidado e pegou um copo do milagroso líquido. Suas mãos estavam tremendo e ela olhou para elas, à luz da vela. Ficou um pouco assustada com o que viu - havia manchas vermelhas por sua pele. — Vossa Graça poderia me ajudar? Ela se virou para o duque, que a observava com seriedade. Apesar da ausência de expressões amistosas em sua face, ele estava com os olhos cravados nela, sem conseguir desviá-los. Elizabeth deu dois passos na direção dele e pediu que segurasse a vela. Depois, colocou juntas as duas mãos e analisou cuidadosamente o que via. — O que está havendo, Sra. Collingworth? — Oh, céus. — Aquilo não era nada bom. Nada bom, ela sabia que as manchas significavam uma coisa - ela estava doente. Não era fome que a fizera desmaiar nem fome que a deixara fraca, ela estava contaminada. —

Alteza, afaste-se. Com alguns passos para trás, Elizabeth bateu a cabeça na parede. Ela não podia estar perto do duque, nem deveria ter ficado perto dos filhos ou da gentil Lady Agatha. Ela estava doente e aquela moléstia era muito contagiosa. Era dela que estavam fugindo. O duque ignorou seu pedido e foi até Elizabeth, pegando suas mãos com as dele. O homem tinha as mangas da camisa dobradas e não usava luvas, ele não deveria estar tocando-a. Mesmo assim, pareceu não importar. Seus olhos procuraram alguma coisa errada e não encontraram. Foi então que ela sentiu novamente o calor emanando dele - não era um calor normal. — Alteza, o senhor está se sentindo bem? — Perguntou, já imaginando que ele dificilmente responderia que não. — Estou com dor de cabeça. Minha irmã costuma me causar muita, por que? Elizabeth passou os dedos pelos antebraços do duque. Seus olhos estavam cravados nos globos escuros que capturavam para si toda a luz ambiente. Havia pavor nos dela e confusão nos dele. Mas ela apenas confirmou o que suspeitava, o duque estava quente demais para ser apenas efeito do clima. Ele estava quente porque tinha febre. E manchas vermelhas pelo corpo. Antes que ela pudesse ter uma reação qualquer, a porta do quarto abriu e a voz de Lady Agatha foi ouvida. — Aiden, o criado já está subindo com o jantar. A Sra. Collingworth… A jovem dama parou quando chegou à porta do quarto e viu que Elizabeth segurava seu irmão, que a encarava sem qualquer reação razoável. A cena não devia ser das mais agradáveis porque dava uma impressão totalmente errada. — Lady Agatha, por favor, não se aproxime. — Elizabeth bradou. — O que está havendo? — Saia do quarto, vou explicar. Mas preciso que mantenha distância de nós. — Sra. Collingworth, eu estou começando a ficar assustado. — O duque deu um passo para trás e quebrou o contato entre eles. — Estamos contaminados, Vossa Graça. — Ela disse, sem conseguir pronunciar exatamente o nome da doença. — Temos os sintomas da Escarlatina e ninguém deve entrar em contato conosco até vermos um médico. Com uma interjeição de espanto, Lady Agatha fez o que lhe foi pedido e

saiu, fechando a porta entre ela, Elizabeth e o duque. — Eu não estou doente, eu me sinto ótimo. — Claro que se sente, Alteza. — Elizabeth foi até a porta e trancou-a. A sua agitação podia ser facilmente interpretada com algo inadequado, principalmente por se isolar em um quarto de estalagem com um homem. Um duque. Ele era um maldito duque. — Mas eu tenho motivos para suspeitar que estamos contaminados. — Isso é uma grande bobagem. O duque fez menção de ir até a saleta de acesso para abrir a porta e Elizabeth não podia permitir aquilo. Pensou rápido e tomou certamente uma decisão desesperada, agarrando o homem pela roupa e fazendo-o virar para si. Ele foi pego de surpresa e não reagiu quando ela, com dedos atrapalhados, atacou os botões da camisa até abri-la quase que totalmente. Só então Elizabeth entendeu que não deveria ter feito aquilo. Não porque ele era um duque e ela não podia tocar a nobreza daquela forma. Ela deveria ter sido cautelosa e mantido distância porque aquele homem era mais perigoso que o diabo, com sua pele lisa e seu peito musculoso, permeado de fios escuros que desapareciam onde a calça e a camisa se encontravam. Ela esticou os dedos para tocá-lo mas recobrou o juízo antes de fazê-lo. Pegou a vela e colocou próxima ao peito - aquele peito! - do duque. — Veja, Alteza. — Ela apontou para a região do seu diafragma, onde manchas vermelhas de vários matizes subiam na direção de seu pescoço. O homem tomou-lhe a vela das mãos e terminou de retirar a camisa, ficando seminu e fazendo com que Elizabeth não conseguisse mais respirar. Ela desaprendera, naquele momento, como levar o ar até seus pulmões. — Maldição. — Ele blasfemou, colocando a vela de volta sobre uma bancada. — A senhora também tem essas manchas? — Certamente que sim. O duque foi até a porta de madeira e gritou pela irmã. — Agatha, mande chamar o doutor Davies. É urgente. E não deixe ninguém entrar nesse quarto. — O que está havendo, Aiden? — A voz da jovem estava fraca do outro lado da porta. — Os filhos da Sra. Collingworth já estão aqui, estamos assustados. — Parece que estamos doentes. — O duque disse. Não havia uma nota naquela voz que não indicasse controle, mesmo em uma situação de pânico. — Até que isso seja confirmado, não quero ninguém em contato conosco.

Chame o doutor, ele deve estar na vila. — Certo. Vou alugar um quarto na estalagem, então. Para ficarmos. — Não. Você pegará os meninos, uma carruagem e irá para Thanet Bay assim que pedir a John para ir buscar o doutor. Geoffrey acompanhará vocês. O silêncio indicara que Lady Agatha tinha entendido as ordens de seu irmão. O choro, em seguida, indicara que Peter não estava satisfeito com os arranjos, mesmo que eles viessem de um duque. O coração de Elizabeth apertou e o ar ainda não conseguia entrar em seus pulmões. Medo era o que corria em suas veias naquele momento, não porque seus filhos estavam do outro lado da porta, mas porque, se ela morresse, eles não teriam ninguém para olhar por eles. Seriam órfãos e ela sabia o destino que tinham os órfãos. — Peter. — Ela correu até a porta e chamou a atenção do filho menor com algumas batidas na madeira. — Preste atenção, filho. Eu preciso que você e Patrick acompanhem Lady Agatha até a casa dela. Como ela é uma dama, não pode andar sozinha por aí, à noite. Você é um cavalheiro, então deve acompanhá-la. Você pode fazer isso? O choro cessou. — Eu posso. Mas quem vai cuidar de você, mamãe? Elizabeth não sabia. Ela não tinha como responder ao filho porque não havia, de fato, ninguém para cuidar dela. Desde a morte de Gregory, ela cuidava de si mesma e dos filhos. — Eu farei isso, meu jovem. — A voz grave do duque ecoou por cima dela. Elizabeth virou-se repentinamente e ele estava ali, muito próximo a ponto de seus corpos quase se tocarem. Seus olhos se encontraram e as palavras morreram na garganta dela, como se qualquer coisa que pudesse dizer fosse insignificante, então.

Capítulo terceiro

Q UANDO ACORDASSE DO PESADELO , Aiden iria descobrir o que andou bebendo. Ele tinha que estar muito embriagado e entorpecido para ter o sonho mais surreal de toda a sua vida. Nesse sonho, estava preso em uma casa elegante para hóspedes, em uma estalagem qualquer, com uma plebeia. Eles estavam padecendo de uma doença muito grave e isolados. E ele estava morrendo de fome. A parte estranha era que Aiden estava acordado, portanto não podia estar sonhando. Girava pelo quarto em passos largos, iluminado pela chama débil de algumas velas, enquanto era observado pela mulher mais linda que já vira. Mulher que ele não conhecia, mas de quem tinha prometido cuidar. Reviveu mentalmente as últimas horas e teve certeza que, se não estivesse enlouquecendo, a doença já teria carcomido seu juízo. Aiden nunca fora um homem que se incomodasse muito em cuidar das pessoas. Ele cuidava das coisas. Aprendeu assim a ser um excelente duque, atento às suas responsabilidades e afazeres. Depois da morte do pai ele fora catapultado para um mundo que lhe era estranho. E, naquele momento, mesmo que parecesse um absurdo, também era extremamente razoável que ele decidisse cuidar de Elizabeth Collingworth. — Aonde está o maldito jantar? — Esbravejou mais para si mesmo do que para uma plateia, já que não havia nenhuma. — Devem ter desistido de trazer, Vossa Graça. — A Sra. Collingworth estava com a voz fraca e embargada. Aiden não sabia dizer se era cansaço, nervoso ou a doença. — O senhor mandou que ninguém se aproximasse… — Então decidiram nos matar de fome. — Ele parou de girar e percebeuse ainda sem camisa. Sua peça de roupa estava jogada no chão e de repente

fazia muito frio. A brisa fresca que entrava pela janela não poderia causar nele tanto impacto. O duque estava acostumado a correr pela propriedade, a tomar chuva e a fazer exercícios ao ar livre. Era um homem saudável, não fazia sentido algum ficar doente. Foi até a porta e a espancou. Bateu com uma das mãos com força, querendo chamar a atenção de alguém. Por sorte, seus criados eram fiéis e um deles estava de guarda, esperando qualquer demanda do duque. — Vossa Graça precisa de algo? — Era a voz de Granger, o mais jovem de seus empregados. Por que deixaram justo o menino para trás? — Sim. Preciso que sirvam nosso jantar. Deixem as travessas na porta, não interessa como vão fazer, mas estamos com fome. E descubra por que raios o doutor Davies ainda não está aqui. Mais silêncio. Aiden se irritou novamente porque ninguém o respondia. Será que pensavam que podia ver através das paredes? Sentou-se em um sofá e arrancou as botas, que o estavam incomodando. Desamarrou todos os cadarços sem qualquer paciência e atirou-as longe, enquanto se encolhia entre almofadas. Estava com mais frio, naquele momento, mas não pretendia demonstrar fraqueza para a mulher que estava logo ali, no outro quarto. Pressionou as têmporas com as duas mãos e sentiu, finalmente, o corpo sucumbir. A dor de cabeça era lancinante e fazia com que ele desejasse arrancar o membro fora com uma espada. Sua garganta ardia e ele sentia como se tivesse engolido uma bola de pelos. Deitou a cabeça em uma almofada e fechou os olhos. Estar naquele pesadelo, agora, não seria tão ruim. Estava prestes a perder os sentidos quando percebeu o frescor em sua testa. Tecido cobriu seu corpo e ele se agarrou a ele como se sua vida dependesse de um cobertor. — A febre está muito alta, Vossa Alteza. — A voz suave e feminina entrou em seus ouvidos como música. Como, no meio de tanta agonia, ela conseguia ainda ter uma voz de anjo? Se os anjos falassem, Aiden duvidava que tivessem um timbre tão delicado como aquele. — Precisamos abaixá-la. Quis pedir para ser deixado em paz, mas não teve forças. As mãos pequenas e firmes da Sra. Collingworth tocaram seu pescoço e ele pensou que ela, se fosse uma mulher respeitável, não o estaria tocando ali. O acetinado de seus dedos traçava uma linha suave por sua face enquanto ela sussurrava qualquer coisa que se parecia uma música. Ela estava cantarolando e sendo gentil com ele por motivo algum.

Aiden ouviu batidas na porta e depois vozes. Enrolou-se ainda mais nas cobertas quando o trinco foi aberto e um vento forte esfriou a saleta. Logo a temperatura se estabilizou e seu nariz captou o aroma de… comida. — É o jantar? — Sim, Alteza. Trouxeram uma sopa encorpada, vai lhe fazer bem tomar um pouco. Ele queria muito comer, havia um buraco em seu estômago. Ao mesmo tempo, não conseguia nem mesmo abrir os olhos de tão cansado que estava. Provavelmente não era cansaço, era a doença, a febre. As mãos que o tocaram estavam tão quentes como ele, porém eram firmes e decididas, como se mãos pudessem ter personalidade. Ergueram seu tronco e colocaram mais almofadas em suas costas enquanto Aiden se sentia fraco e impotente. Tudo que ele não era, que ele nunca foi. Abriu os olhos e observou-a, mesmo que a razão já lhe tivesse abandonado o corpo. Era realmente linda, a Sra. Collingworth. Tão linda quanto plebeia, tão delicada quanto mãe de dois filhos, tão cheirosa quanto distante. Tudo naquela mulher o atraía na direção dela ao mesmo tempo que repelia qualquer possibilidade de relacionamento entre eles. Ela levou a colher de sopa até a boca dele e o caldo morno tocou seus lábios. O duque levou a mão para pegar a tigela de sopa, ele não precisava ser alimentado como se fosse um bebê, porém os dedos trêmulos não conseguiram cumprir a tarefa. — Deixe que eu faço isso. — A Sra. Collingworth disse, enquanto esfriava a sopa com um pequeno sopro de ar. Ela provavelmente fazia o mesmo para os filhos dela e para os filhos das mulheres para quem trabalhava. Aiden começou a divagar sobre o que fazia aquela mulher, se ela era criada de alguém, se tinha um marido trabalhando que ela tinha deixado para trás, se era uma meretriz e por isso vivia sozinha com crianças. Enquanto pensava, histórias se formavam em sua cabeça e o duque não conseguia parar de olhar para ela. A mulher tinha a suavidade de uma orquídea e sua pele era tão branca quanto o leite. Ele pode ver as manchas rosadas em suas bochechas e não teve certeza se eram pela Escarlatina ou pela vergonha de estar ali, com ele, em uma intimidade que não era adequada. Estava difícil comer e sua garganta ardia, mas ele se esforçou para fazê-lo apenas para que ela continuasse ali, sentada próxima a ele, aquecendo-o com seu calor. — Obrigada. — Ela sussurrou com uma expressão cansada. — Obrigada

por ter feito meu filho se acalmar naquele momento. Ele é muito sensível e apegado a mim. — Sensibilidade não é uma qualidade muito adequada a um homem. — Aiden resmungou, não sabendo dizer nada agradável. Ele era daquele jeito, péssimo com interações sociais. Sua gentileza poderia ser comparada à de um cavalo selvagem ou qualquer outro animal bruto e indomado. As mulheres, elas eram bem vindas em sua cama e, de preferência, iam embora logo depois do sexo. Se ficassem mais, era porque haveria mais sexo. Fora isso, ele não tinha nenhuma habilidade em dialogar com elas. — Sensibilidade é adequada a qualquer pessoa, Alteza. Ela nos faz humanos. A Sra. Collingworth se esforçou para sorrir. Ela não se irritou com ele por ter criticado seu filho, o que era esperado - as pessoas não demonstravam irritação com os duques. Duques tinham direito a opinião e frequentemente a emitiam, sem que fossem censurados por isso. E ela era uma mulher, afinal. Mas ele suspeitava que ela estava apenas sendo condescendente. O barulho da colher raspando a louça indicou que a comida acabara. Ela ofereceu mais, porém ele recusou, fechando novamente os olhos. A dor continuava e a febre não tinha cessado. A mulher-anjo ao seu lado puxou a coberta, forçando-o a levantar, e o conduziu, quase precisando arrastá-lo, até a cama. Aiden não tinha forças para protestar nem discutir, ele apenas se deixou levar até desabar no macio do colchão e sucumbir à doença.

Batidas à porta fizeram com que Elizabeth abrisse os olhos. Ela quis levantar mas não conseguiu, seu corpo insistia em ficar deitado por causa da dor e da febre. Sua garganta arranhava. A luz do dia já estava entrando pelas janelas e iluminando o quarto onde ela estava, a cama onde estava acomodada. Ao lado do duque. Aquilo fez com que ela erguesse o corpo em um salto. Havia um homem ao seu lado e ele dormia profundamente, relaxado e suando muito. Gotículas de suor brilhavam em sua testa, escorriam por seu pescoço e por seu tórax nu. Ele estava nu. Ela passou a noite ao lado de um homem nu. Passou a mão seu corpo, ela também não estava completamente vestida. Elizabeth sentiu calor imediato, e não era da febre, ao imaginar que aquele

duque a despira e a vira em suas roupas de baixo. Se ela soubesse que seria desnudada por um nobre, teria vestido alguma seda. Bem, ela não tinha seda para vestir. Por mais que ela soubesse que aquilo era um escândalo e que não haveria sobreviventes quando as fofocas começassem, ela não conseguia se importar muito. — Alteza. — A voz veio da porta. — Sou eu, Davies. O médico. Elizabeth levantou de uma vez, sentindo seus ossos estalarem, e se enrolou na coberta. O duque virou para o lado e grunhiu, agarrando-se ao seu cobertor. Mesmo doente e febril, aquele grunhido era sensual. Aquele homem era sensual. Abrindo uma fresta da porta Elizabeth se apresentou ao doutor. Ele colocou a mão na madeira e a empurrou sem pressa, entrando completamente no quarto. Estava com um pano à frente do rosto e suas mãos cobertas por borracha. — Preciso examiná-los, senhora. — O médico apoiou uma maleta preta sobre o aparador. Ele era baixinho e estava ficando calvo, um homem na meia idade. Vestia-se com roupas bem cortadas e costuradas, indicando que sua posição social era elevada. — Onde está o Duque de Shaftesbury? — Vossa Graça está dormindo. Ele teve muita febre, ontem. — Certo. Vou examiná-la primeiro, então. A senhora poderia… O doutor Davies fez um gesto indicando que ela precisava se desenrolar da coberta. Uma corrente fria a fez tremer da cabeça aos pés assim que o ar entrou em contato com as finas camadas do tecido que pouco a cobria. Tudo que vestia era uma camisola e calçolas. Não precisou de muito esforço do médico para identificar a doença. Elizabeth tinha manchas rosadas por todo o torso e braços, também espalhadas pelas pernas. Sua garganta estava inflamada e a febre era alta, ainda. Depois, ela conduziu o médico até o quarto, onde estava o duque, e foi acender a lareira. Elizabeth sempre acendia sua própria lareira. A casa onde morava, com os filhos, era um sobrado simples e gelado, com chão de terra e alguma umidade. Patrick vivia adoecendo por causa disso, sempre espirrando e tossindo. Para evitar o frio, até no verão, ela mantinha a lareira constantemente acesa, o que também ajudava a secar as paredes. Carregar madeira e fazer fogo nunca foram mistério para ela. Naquele momento, no entanto, ela sentia dor e ajeitar a lenha no compartimento foi uma tarefa

árdua. Feriu o dedo com uma farpa e arranhou o braço com um pequeno tronco mais rebelde. Depois de algum esforço, o fogo estava finalmente queimando e ela pode se acomodar na poltrona ao lado. — Senhora. — O médico retornou. — A infecção é mesmo Escarlatina, mas parece uma forma mais branda. Só o tempo dirá. Não há muito que eu possa fazer, além de recomendar banhos frios para baixar a febre, repouso e muita sopa. Deixarei um tônico de acônito para a infecção que pode ser muito útil, e recomendarei láudano se a febre causar euforia. — Podemos ir para casa? — Ela perguntou, ansiosa. — Recomendo que fiquem em isolamento para evitar que essa doença se alastre. Sei que as condições são… impróprias. — Ele pigarreou e frisou a última palavra indicando que a permanência de um duque, em um quarto, com uma viúva, causaria a ruína da reputação dela. — Mas informarei aos criados e pedirei vigilância. Elizabeth assentiu antes de o médico deixar a saleta. Ela suspeitava que o duque não fosse um cavalheiro preocupado com sua virtude e aquilo podia rapidamente transformar-se em um escândalo impossível de se reverter. Ele estava dormindo sem roupas ao seu lado. Ela não o vira nu, apenas seu peito descamisado, mas a sua calça estava pendurada em uma cadeira próxima à cama. Um homem sem calças é um homem nu. Ele também a despira e a deixara em suas roupas de baixo. Ela não sabia se estava mais frustrada por não ter impedido ou por não ter sentido as mãos firmes do duque em seu corpo. Céus, ele tinha mãos enormes. — Sra. Collingworth? A voz grave e masculina veio do quarto. Elizabeth reuniu forças para respondê-lo, preferindo se levantar e ir até o duque. Se ela conhecia bem os nobres, ele provavelmente daria algumas ordens a ela, mesmo que não fosse sua criada. Nobres adoravam dar ordens para pessoas como ela, adoravam mandar e ser obedecidos. — Pois não, Alteza? Ele estava sentado na cama e, por Deus, como era lindo. Elizabeth não sabia como conseguira dizer qualquer coisa diante daquela escultura masculina que terminava de abotoar suas calças. Com os pés descalços e peito descoberto, ela podia ver o bronzeado natural de sua pele e os músculos proeminentes por todo o corpo. Como aquele homem, um aristocrata, poderia ter tantos músculos? Ele não fazia trabalhos braçais, nunca deveria ter costas

tão largas, ombros tão firmes e uma barriga tão… As palavras faltavam para defini-lo. — Acredito que vamos passar alguns dias presos, aqui. — Ele lhe sorriu e ela quase desmontou em seus joelhos, como se aquele sorriso estivesse mergulhado em láudano e pudesse anestesiá-la. — Pode abandonar os tratamentos formais. Como a senhora está se sentindo? — Dolorida. — Ela se sentou novamente, em uma cadeira. O mais longe que podia daquele pecado em forma masculina. — Se vamos nos tratar por nomes informais, senhor, pode me chamar de Elizabeth. Um homem e uma mulher, desconhecidos, nunca se tratariam por primeiros nomes. Nem os conhecidos faziam aquilo, era indecoroso. Mas Elizabeth precisava sempre lembrar que ela não era uma dama da sociedade e que aquelas regras não foram feitas para os miseráveis plebeus. — É um nome muito bonito. — O duque se levantou e sua altura era ainda maior à luz do dia. Ele todo era maior - e melhor - com o sol reluzindo em sua pele e cabelos. Nem as manchas da Escarlatina conseguiam deixá-lo menos lindo. — Vou dar algumas orientações ao meu criado. Se a senhora quiser, pode tomar um banho. Tomar um banho. Elizabeth notou a banheira próxima a outra lareira, que já estava acesa antes, um pouco afastada da cama. Também havia um balde de metal e uma bica de água. Aquela não era uma estalagem modesta e aquele não era, definitivamente, o quarto pelo qual ela fora cobrada, antes. As instalações eram caras demais para hospedar uma trabalhadora como ela. O médico dissera que banho frio era bom para a febre. O corpo cansado de Elizabeth pedia por aquela banheira, pedia por uma água morna que lhe banhasse a sujeira de um dia inteiro de fuga inútil. Suas roupas estavam um pouco encardidas por fuligem e poeira da estrada e seu cabelo cheirava a fumaça. Ela adoraria deitar naquela banheira e lavar a cabeça, ficar cheirosa e limpa para que o duque a visse… Ele não a veria de forma alguma, como estava sendo tola. Homens como Aiden Trowsdale não notavam plebeias como ela, provavelmente nem mesmo para deitarem na sua cama. Perdida nos devaneios, ela se pôs a preparar o banho. Deixou a água esquentar no fogo da lareira, pegou a pedra de sabão que estava em uma caixa de madeira e o tecido que servia de toalha, para se enxugar. Olhou para a porta que separava o quarto da saleta e suspirou - não havia porta. A voz imponente do duque ecoava por todo o espaço e ela considerou como, afinal,

iria entrar naquela banheira. De uma vez só, fora a decisão. Apressada, na velocidade que a doença lhe permitia, Elizabeth tirou a roupa, deixando-a ao lado, jogou o balde de água quente e completou com água fria. Entrou na banheira e soltou uma blasfêmia quando encostou na água quase gelada. Era o que o médico recomendou, então era o que ela faria. Seu corpo começou a tremer mas ela resistiu. Encolheu-se, agarrando os joelhos com os braços e ficou ali por quase um minuto inteiro. Esfregou o sabão nela, limpou as impurezas da pele, mas não lavou os cabelos. Também não percebeu quando a voz do duque cessou e tomou um susto quando sentiu a sua presença ali. — Esse banho não parece estar sendo muito agradável. O coração de Elizabeth saltou duas batidas e ela tentou não olhar para ele. O que aquele homem estaria fazendo ali se ele sabia que ela iria se banhar. Não deveria manter-se na sala, por decoro? Ou será que ele era um duque devasso, libertino, daqueles que não tinham nenhuma decência? A fama do Duque de Shaftesbury era de um homem que quase não se socializava, mas… ele podia realizar orgias em sua casa. Oh. — Está gelado. Ou eu estou muito quente, não sei dizer. Mas o médico recomendou. — Isso parece mais tortura do que tratamento. Fingir que ele não estava ali não era uma possibilidade. Ele emanava calor e fazia com que o coração dela disparasse. Elizabeth tremia de frio e com a tensão daquele corpo masculino há menos de um metro de distância dela. Um corpo masculino diferente de tudo que ela já tinha visto, porque ela não estava acostumada a homens como aquele. Sem que ela esperasse, Aiden se aproximou mais e, pegando a toalha em suas mãos, colocou sobre os ombros dela. — Você parece estar se sentindo melhor. — Elizabeth murmurou. Não esperava que sua voz saísse tão fraca e trêmula, mas foi o que ela conseguiu fazer, agarrada à toalha enquanto seus dentes trincavam. — Sou um duque, ficar doente não é bem algo a que estou acostumado. Ele sorriu e ela cometeu o erro de olhar. Aquela era a boca mais perfeita que existia e ela só conseguiu pensar que ele poderia beijá-la. Não fazia sentido querer ser beijada pelo duque quase desconhecido, mas ela queria. O sorriso dele se transformou em uma linha fina e sua expressão assumiu contornos densos, sombrios. Algo o incomodou.

— Acho que a senhora deveria sair dessa água fria. — Aiden disse. — Não quero que morra sob meus cuidados. Dando dois passos na direção da banheira, seus pés firmes encostaram no metal e ele colocou as duas mãos nos ombros dela. Elizabeth sucumbiu a toda espécie de sensação: calor, frio, ansiedade, fraqueza, medo, desejo. O simples toque displicente daquele duque com poucos limites disparou todos os alertas dentro dela. Ele a fez levantar, puxando-a para cima com delicadeza e enrolando a toalha em seu corpo para que permanecesse coberto. Ela parou de respirar e engoliu o ar. Aiden virou de costas para que Elizabeth pudesse deixar a banheira e se vestir, desaparecendo em seguida pela saleta. Bateu à porta e falou mais alguma coisa com seu criado. Seriam mais alguns dias naquela tortura, como ela pretendia resistir a um homem como aquele?

Capítulo quarto

— S E O SENHOR QUISER , pode tomar um banho também. A voz da tentação ecoou nos ouvidos de Aiden. Há segundos ele estava a ponto de fazer uma besteira e não sabia como tinha resistido. Entrou no quarto na intenção de vê-la nua, ele queria ver aquele corpo perfeito por inteiro mesmo que estivesse doente. Aquela era a atitude de um devasso, de um homem que não respeitava as mulheres - e ele não as respeitava muito, mesmo. E aquela em especial o fez perder o senso desde a primeira troca de olhares. Pelo menos ela tinha se vestido, ou quase. Estava com uma camisola e nada mais, o que significa que todo acesso àqueles seios estava ali, ao seu alcance. Seria muito tempo sem uma mulher em sua cama? Será que Aiden estava em uma abstinência muito longa e isso o estava afetando? — Vou prepará-lo para o senhor. — Posso preparar meu próprio banho. — Ele disse, sem saber exatamente por quê. Ele não costumava nem preparar a roupa que vestiria, quanto mais um banho. Nunca fizera isso em toda a vida. E ela sabia, porque o risinho em sua boca vermelha dissera aquilo. — Está tudo bem, Alteza… Aiden. No final, a água fria fez com que minha temperatura abaixasse e estou me sentindo melhor. A deusa dourada voltou para o quarto e ele notou seus cabelos soltos, caindo por sobre os ombros. Ela desfez a trança para tomar banho e obviamente não tinha ninguém para refazê-la. Nem fazia qualquer diferença cobri-los com uma touca. O duque ouviu barulho de água e Granger trouxe a comida - o desjejum. Os dois combinaram um código, já que o duque estava confinado àquele quarto até segunda ordem do médico - sempre que

precisassem se falar, Aiden bateria. Ele não queria as pessoas entrando no quarto sem necessidade. O criado teria que ficar o dia inteiro na porta, mas o duque decidiu que um pagamento extra o compensaria. Ele também pediu notícias de Agatha, queria saber se mais alguém tinha adoecido em Thanet Bay. Achou prudente não querer nenhuma informação sobre a duquesa, porque ela provavelmente estava esbravejando e praguejando - mesmo que duquesas não esbravejassem nem praguejassem - porque o filho estava preso em uma estalagem com uma qualquer. Depois de colocar toda a comida para dentro, sentiu novamente o cansaço da doença e imaginou que Elizabeth tinha razão - ele precisava de um banho, como ela. — Está pronto. — Ela reapareceu na saleta e viu a mesinha cheia de iguarias, presunto e chá. — Vejo que ficar reclusa com um duque tem suas vantagens, afinal. Eu nunca seria servida dessa forma, ainda mais se estivesse doente. — A senhora pode comer, se quiser. — Sou grata. — Ela sorriu e era um sorriso perfeito. Merecia uma moldura. Ele sentiu um incômodo na região da virilha e rezou secretamente para que Elizabeth não prestasse nenhuma atenção à anatomia masculina. Aquela parte em questão estava um tanto quanto alterada. — Agora venha ou a água vai ficar gelada. Com alguma hesitação, ela segurou-o pela mão e o puxou para o quarto. Quando uma mulher fazia isso, ela geralmente o estava chamando para deitar em sua cama. Não era aquele o caso, mas ele não se importaria. Ou se importaria, já que nada daquilo era para acontecer. — Depois que o senhor se despir e entrar na banheira, me avise. Ela virou de costas e o duque olhou para seu próprio corpo. Ele geralmente tinha orgulho de sua forma física e sua virilidade, mas estava enfraquecido e todo manchado de vermelho. Podia fingir que não se sentia mal, mas tudo que queria era baixar aquela febre e dormir o dia inteiro. Fez o que ela pediu, arrancou as calças e se enfiou na banheira. — Maldição! — Praguejou ao sentar no gelo. — A senhora chegou a esquentar essa água? Elizabeth virou-se ainda com aquele sorriso nos lábios e Aiden nem tinha terminado de se ajeitar na água. Ela não olhava para ele, apenas pegou a toalha e colocou sobre a banheira, cobrindo praticamente toda a masculinidade quase exposta. Era como se ela já tivesse passado por aquilo

algumas vezes e soubesse exatamente o que fazer. — Vou lavar suas costas, Alteza. — Elizabeth abaixou ao lado da banheira e pegou a pedra de sabão. — Se quiser, posso lavar seus cabelos também. Aiden ficou em silêncio. Ele não sabia genuinamente o que dizer. — Fique tranquilo, sou a mãe de dois e uma mulher trabalhadora. Sei lidar com pessoas doentes. — Onde está o seu marido? A pergunta saiu rude, mas ele precisava de qualquer coisa para se distrair das mãos pequenas e macias tocando sua pele ferida. Mesmo que isso fosse fazer com que ela o achasse desrespeitoso, era melhor que servisse para que ficasse longe dele. — Sou viúva. — Ela respondeu, passando os dedos ensaboados por suas costas. Eram toques de um querubim que despertavam as partes mais sensíveis do duque. — Perdi meu marido para a cólera, cinco anos atrás. — Seus dois filhos são dele? Outra pergunta invasiva e inadequada, mas Elizabeth não pareceu se abalar. Suas mãos delicadas continuavam passeando pelas costas de Aiden, escorregando vez ou outra para seu peito. Ele desejou que ela pudesse abraçálo e entrar ali, naquela banheira, mesmo que vestida. — Não é porque sou uma plebeia que vive em Shadwell que sou uma prostituta. — A voz suave cantou nos ouvidos dele. — Quando fiquei viúva, Peter tinha acabado de nascer. — Não quis soar rude. — Ele ganiu no instante em que as mãos dela esfregavam sua lombar, quase dentro da água. Elas estavam muito perto, perto demais. — Eu me entedio facilmente, por isso gosto de conversar. Elizabeth levantou-se e começou a mexer no balde. O duque ajeitou-se na banheira, temendo que ela pudesse vê-lo nu e excitado. Seu pênis duro latejava dentro da água fria e ele nem mesmo lembrava que estava com uma doença muito grave. — Está tudo bem. — Ela despejou um pouco de água morna em sua cabeça e Aiden gostou quando os dedos femininos se embrenharam em seus cabelos. — Eu entendo a curiosidade. O senhor também não é casado? Não há uma duquesa esperando em sua propriedade? — Ainda não me casei. — O duque deitou a cabeça na borda da banheira. Ele queria ser apenas sentidos enquanto Elizabeth acariciava seu couro cabeludo, sua nuca, ensaboava seus cabelos como se fosse uma mãe cuidando

do filho. Não, aquele não era o toque de uma mãe. Aiden já fora tocado por criados e até por sua mãe, quando criança, e era tudo muito diferente. Aquela mulher tinha dedos sensuais que indicavam que ela sabia o que estava fazendo banhando um homem que estava em ponto máximo de excitação. Bem, talvez ela não estivesse muito consciente da segunda parte. — Uma pena. Tenho certeza que há várias damas interessadas no seu cortejo. O senhor é um homem muito… duque. O senhor é um duque. Aiden deixou um sorriso esticar seus lábios porque ele tinha certeza que ela completaria a frase com outra coisa que não a obviedade do seu título de nobreza. Todos sabiam que ele era um duque e sim, muitas mulheres iriam querê-lo exatamente por esse motivo. Mas Elizabeth não hesitaria ou engasgaria nesse ponto específico. Aquilo significava que ela também estava abalada? Que ele causava nela o mesmo efeito intoxicante que ela causava nele? Elizabeth jogou mais água sobre os cabelos do duque até tirar totalmente o sabão. — Talvez sim, mas eu não me interessei muito em cortejá-las, até hoje. Eu não sou um homem que corteja mulheres, Elizabeth. Eu geralmente não presto nem atenção no nome delas. A confissão extremamente grosseira extraiu uma interjeição sutil da mulher ajoelhada ao lado de Aiden. Ela tentou disfarçar e engoliu a palavra, mas ele percebeu que o momento a impactou, também. Elizabeth levantou-se e estendeu outra toalha para o duque. — Vou deixá-lo para que se vista. Acho que precisamos comer alguma coisa.

Cuidar de Aiden Trowsdale poderia ter parecido uma ideia razoável no início, mas se transformou na coisa mais imprópria que Elizabeth já fizera em toda a sua vida. Ela chegou a duvidar de suas próprias intenções gentis depois que seus dedos se perderam na pele e nos cabelos daquele homem que personificava o pecado. Claro que ele era um duque e os nobres não estava acostumados a fazer nada por si próprios. Mas ela exagerou. Não precisava lavar suas costas. Nem seus cabelos. Mas o fez mesmo

assim, sabendo que aquilo despertaria sensações que ela já tinha esquecido há muito tempo. Na verdade, eram sensações completamente novas. Por mais que ela e o falecido Gregory tivessem um relacionamento bastante romântico, Elizabeth não se lembrava de ter sentido aquela sensação que fazia com que as borboletas em seu estômago se agitassem. Mas Elizabeth estava acostumada a cuidar de pessoas. Ela passara boa parte de sua vida, até então, cuidando da família. Do marido, dos filhos. Dos patrões. Cuidar do Duque de Shaftesbury não deveria ser tão difícil. — Obrigado. A voz do duque fez com que ela se sobressaltasse em seus devaneios. Elizabeth estava na saleta, ajeitando a comida do desjejum, mesmo que seu corpo não estivesse interessado em comida. — Não precisa agradecer, Alteza. Afinal… Ele estava muito perto dela e aquilo fez o coração de Elizabeth disparar, martelando incessante em seu peito. — Se me permitir retribuir, eu gostaria de trançar seu cabelo. Elizabeth virou-se repentinamente, segurando um prato com pães, presunto e ovos. Seus olhos esbugalhados indicavam que ela não estava entendendo a suavidade daquele homem que, até então, só tinha blasfemado e dado ordens. — E o senhor sabe trançar cabelos? — Ter uma irmã muito mais nova e uma mãe muito pouco afetuosa faz com que aprendamos algumas coisas. — Mas havia criados para isso. Sua irmã não tinha uma tutora? — Nós temos dúzias de criados, mas Agatha sempre foi apegada a mim. Ela deu uma risada curta e estendeu ao duque a comida que acabara de servir. Elizabeth precisava de qualquer coisa para reduzir aquela intimidade entre eles, mas apostava que a reclusão só faria com que se aproximassem mais. — Vamos comer, primeiro. Depois, precisamos descansar, como mandou o doutor. Não precisarei de tranças, por enquanto. Mas comer foi difícil enquanto sua garganta doía, seu corpo estava ainda exausto e sua mente girava sem parar pensando em todas as coisas impróprias que ela queria que o duque fizesse com ela. Era tudo certamente por causa dos delírios da febre. Elizabeth não era uma donzela, menos ainda uma dama, mesmo assim ela não saía deitando com todos os homens de Londres. Depois do marido, ela

nunca mais teve um amante. E, cada vez que Aiden Trowsdale levava um pãozinho à boca, ela desejava que ele deitasse aquela boca sobre a dela. Desejava aquelas mãos em seu corpo. Desejava aquele corpo sob o seu. Céus, e ela o conhecia há um dia. Um mísero dia era suficiente para fazêla desejar que aquele homem fizesse coisas impróprias com ela. No mais, a doença não deveria abatê-la o suficiente para que não sucumbisse àqueles desejos impuros? — O senhor deveria se deitar. Ela sugeriu, recolhendo os pratos e empilhando a louça. O duque, parecendo ainda bastante afetado pela febre, levantou-se cambaleante e desapareceu pelo quarto. Elizabeth bateu à porta e lá estava Granger, o criado que tinha passado a noite em um corredor e estava passando o dia sentado no chão frio. Aquilo era fidelidade ao seu patrão, mas ela não podia evitar sentirse mal pelo menino. Com recomendações de que o jovem não tocasse diretamente em nada e levasse tudo para a cozinha, onde as louças deveriam ser mergulhadas em água quente, Elizabeth trancou a porta e deitou no sofá. Ela também precisava repousar. Qualquer esforço era demais, seu corpo não aguentava nem os trabalhos mais simples do dia-a-dia. Já tinha fechado os olhos quando ouviu seu nome dançar na voz do duque. — Elizabeth. — Ele chamou e ela não respondeu. Queria ouvi-lo falar outra vez, queria saborear aquela voz. — Sra. Collingworth? Enrolada em uma coberta, ela foi até o quarto. Aiden estava embolado na cama, escondido por cobertores. — Diga, Alteza. — Por favor, não fique naquele sofá. Ontem precisei trazê-la para a cama, não me faça carregá-la novamente. Estou enfraquecido demais e gostaria de poupar energias. Oh. Então ela não tinha ido sorrateiramente até o duque no meio da madrugada, ele a carregara até a cama. Ele a despira e deitara ao seu lado. Aquilo era um absurdo. E ela então sofria por não ter sentido o calor daquele corpo no dela. — Mas não tenho outro lugar para ficar e preciso repousar. Estou me sentindo muito mal. — A cama é suficiente para nós dois. Acho que cabem umas quatro pessoas aqui. Provavelmente o estalajadeiro esperava hospedar nobres

libertinos que gostavam de ter muitas mulheres de uma só vez. Elizabeth sentiu as bochechas arderem e não era da doença. Ao mesmo tempo, suas coxas tremeram e ela percebeu que sua intimidade se agitou com a imagem que se formou daquele homem perfeito em uma cama rodeado das maiores beldades de Londres. A imagem lhe causava repúdio porque não queria que ele estivesse em uma cama com várias mulheres. Se alguém fosse se deitar ali com ele seria ela. E Elizabeth não tinha mais nenhum pudor em pensar aquelas coisas. Sua alma estava encomendada para o inferno. Cuidadosamente, para não entrar em um espaço físico que lhe conduziria a um toque involuntário de pele, Elizabeth deitou no colchão macio e seu corpo agradeceu silenciosamente. Ainda enrolada no cobertor, acomodou-se virando as costas para o duque e ansiando para que ele adormecesse logo para que, caso ela ficasse tentada a olhar e admirá-lo, o homem não percebesse. — Elizabeth. — A voz abafada chamou a sua atenção. — Conte-me uma história. — Que tipo de história, Alteza? — Qualquer uma. Conte-me sobre você. Quem é Elizabeth Collingworth? Uma mulher perdida. Uma que causa inveja em outras como ela apenas por poder dividir a cama com um duque, mesmo que seja só para conversar e dormir. Uma devassa que só pensa em ser tocada de todas as formas mais inapropriadas. — Não há nada interessante sobre mim. — Duvido. — A voz dele estava ficando mais embargada. — Aposto que há muito por trás da mãe viúva que… onde a senhora trabalha, mesmo? — Estou desempregada no momento. Eu trabalhava com os Pensington, mas eles se mudaram para a França. Era dama de companhia de Lady Charlotte. — Os Pensington. — A risada dele indicou que sabia quem era a família. — Então a senhora já deve ter conhecido o Conde de Cornwall. — Ah, sim. Ele cortejava Lady Charlotte. Eu o conheci, certamente. Um silêncio de alguns segundos fez com que Elizabeth pensasse que o duque tinha caído em um sono súbito. — Edward é meu amigo. Talvez o único amigo que eu tenha. A voz saiu baixa e sonolenta. Elizabeth quis virar-se para ele e afagar seus cabelos até que adormecesse. Ela gostava de fazer isso com os filhos e sentia vontade de cuidar daquele duque que, provavelmente pela primeira vez

em sua vida, estava vulnerável. Mas ela não fez nada daquilo, apenas continuou contando a ele a história que pedira. — Lorde Edward é um bom homem. Recomendei várias vezes a Lady Charlotte que aceitasse seus cortejos, mas ela estava muito envolvida com o lorde francês. Eles devem se casar, acredito que serão felizes já que ela o ama. — A senhora amava seu marido? Claro que amava. — Pessoas como eu têm o luxo de poder se casar por amor, Alteza. — Entendo. Continue falando. Elizabeth então atendeu àquele pedido, que era uma ordem. Ela contou sobre quando conheceu Gregory, em uma taverna. Fora buscar o pai, que tinha bebido demais outra vez. Um agiota fora à casa deles informar que o pai devia muito dinheiro e que estava embriagado em um dos antros de Whitechapel. Que deveriam dar um jeito de pagar ou sofreriam consequências piores. Enquanto a mãe ficou apavorada, Elizabeth simplesmente dirigiu-se até a taverna para resgatar o pai. Gregory estava bebendo com amigos e a ajudou. Ele era um homem lindo, forte e másculo, mas muito castigado pelos anos de trabalho intenso. Os dois se apaixonaram no instante em que se viram, ela soube depois. Eles se amaram, verdadeiramente, até a prematura morte dele. Contar aquela história fez com que Elizabeth tivesse belas recordações que lhe acalentaram a mente. Por mais pobre que fosse, eles eram uma família feliz. Tinham o necessário para sobreviver com alguma dignidade e estavam sempre juntos. Foi muito difícil viver sem Gregory nos primeiros meses, ela sofreu muito e passou muitas dificuldades financeiras até decidir usar seu estudo e sua educação para ganhar dinheiro. Enquanto Elizabeth narrava sua saga da juventude, o duque pegou no sono. O silêncio precedeu ao som de sua respiração pesada e ressonante. A dor e a febre acabaram por fazê-la sucumbir também.

Capítulo quinto

A VOZ de um anjo continuava ecoando na cabeça de Aiden enquanto ele lutava contra a febre. Estava muito cansado, o suficiente para não conseguir sair da cama mesmo sentindo fome e sede. Também sentia dor e frio e aquilo era o bastante para decidir ficar aonde estava. Abriu os olhos, encarou as costas e os cabelos claros de Elizabeth e não evitou sorrir. Por que, com tantas donzelas perfeitas em toda a Inglaterra, era aquela plebeia viúva que estava causando tanto rebuliço em suas entranhas? Enquanto a observava, ela se virou para ele. A face delicada acomodada sobre as mãos, apoiada no travesseiro. A Escarlatina não afetou em nada a beleza que Elizabeth carregava consigo. — O senhor está com uma aparência péssima. — Ela disse e sorriu. Maldição, aquele sorriso ainda iria fazer com que ele perdesse a linha. Depois, levou a mão à testa de Aiden e permaneceu ali por alguns segundos. — E a febre está muito alta. Tome outro banho. — Não tenho forças. Elizabeth fechou os olhos. — Nem eu. Também estou me sentindo como se fosse morrer, talvez eu vá. Há uma luz me atraindo, a luz está atraindo o senhor, também? — Deve ser o sol do lado de fora. — Ele riu. Não era o sol, Aiden também sentia que a morte poderia estar próxima. Não conseguiu nem se mover, apenas voltou a dormir. O sono, dessa vez, foi agitado e inconstante. Parecia um pesadelo, ele por vezes pensou estar caindo em um precipício, outras vezes sendo sugado por uma tempestade em alto mar. E o duque nunca nem tinha estado em alto mar para saber que sensação era aquela - mas era como se seu corpo adoecido inventasse as memórias por

si próprio. Ah, seria tão melhor ter memórias do corpo quente de Elizabeth sob o seu. Seria tão melhor saber como era tê-la em seus braços, aninhada em seu peito, o gosto dela em sua boca. Aiden nunca quisera mulheres aninhadas, nem fazia questão de lembrar-se delas depois. O prazer carnal era efêmero e satisfatório, ele não precisava rememorar gostos e texturas. A mente lhe pregou peças substituindo o pesadelo pelo desejo. Ele não estava mais caindo ou sendo atirado na parede ou esfaqueado em um beco, estava apenas ouvindo Elizabeth rir e contar histórias. Imaginou o corpo dela nu, suado e ofegante, chamando por seu nome. Aiden. E então a agitação passou e o duque adormeceu profundamente. Ouviu batidas à porta e seu criado o chamava, fazendo com que despertasse. Não sabia se era dia, ainda, ou noite. Se já era o dia seguinte ou o mesmo. Piscou várias vezes e a escuridão do quarto fez com que se localizasse no tempo. Uma brisa fria entrava pela janela aberta, que permitia que a luz da lua clareasse um pouco a cama onde estava. Não queria falar com Geoffrey, não tinha nem forças para se levantar e o calor o estava fazendo suar. Calor? Aiden tentou se mover e percebeu Elizabeth em seus braços. Ela estava aconchegada em seu peito, ele a tinha envolvido com o braço direito e ela segurava seu tórax com as mãos pequenas e macias. O duque fechou os olhos e colocou o nariz naqueles cabelos acobreados como o por do sol, inspirando o aroma que eles exalavam. Rosas? Não, gardênias. Elizabeth tinha um cheiro doce e marcante que ele não tinha sentido ainda, nem nas damas com quem compartilhara a cama, nem nas donzelas da aristocracia. Geoffrey continuou chamando e foi ignorado. Com cuidado, Aiden puxou Elizabeth para mais perto e a comprimiu em seus braços. O calor dela se misturava com o dele e aquilo foi o suficiente para que sua excitação aflorasse. O que veio a seguir apenas agravou a situação. Ela começou a despertar. Estendeu os braços e passou as mãos pelo peito nu de Aiden. Ele reprimiu um gemido quando os dedos dela deslizaram por sua barriga, hesitantes, em reconhecimento, e se enroscaram brevemente nos fios escuros que desapareciam na calça que ele vestia. Elizabeth então abriu os olhos, piscou e ergueu a cabeça. Sua expressão assustada estava misturada com a mais genuína confusão. Se ela tivesse descido os carinhos um pouco mais… ele não seria capaz de impedi-la.

Os olhares se cruzaram e permaneceram um no outro por um minuto inteiro. Aiden levou a mão até a face corada, enrubescida de Elizabeth e afastou alguns fios quase alaranjados da testa dela, limpando o suor que estava ali. Desceu o polegar pelas bochechas, pelo queixo delicado, parou ao tocar os lábios. Estavam tão próximos que ele podia sentir a respiração suave e morna tocando sua pele. E então o encanto se rompeu. O que ele estava fazendo? Aonde eles queriam chegar com aquilo? Elizabeth rolou para o lado e o espaço que ela ocupava ficou subitamente muito vazio, frio, oco. O duque encarou o teto por longos minutos, o silêncio quebrado pelas insistentes batidas na madeira, pela água gotejando em algum lugar do lado de fora, pelo ressonar das respirações aceleradas. Talvez ele conseguisse ouvir seu próprio coração martelando. A dor estava toda concentrada em sua virilha. Ele precisava dar um jeito de tomar aquela mulher para si ou livrar-se dela de uma vez.

Martelada. Outra martelada. Mais uma martelada. O coração de Elizabeth parecia a oficina de um ferreiro ou um canteiro de construção. Ela estava imóvel deitada de costas na cama, fitando o escuro do teto enquanto o ar escapava de seus pulmões sem que ela conseguisse respirar. Em algum momento durante o sono conturbado pela febre ela rolou para o lado do duque e acabou nos braços dele. Se não fosse morrer pela doença, precisava dar um jeito de sair daquela cama. O duque até parecia um homem gentil, mas era apenas isso. Ele poderia querê-la para uma noite, só que a simples ideia de ser amante de alguém a deixava enjoada. Elizabeth podia ser pobre e desempregada, mas não se prestaria a ser sustentada por um nobre como sua amante. E se daquela loucura ela engravidasse? E se gerasse um bastardo? A febre fez com que ela sucumbisse ao delírio novamente e seu corpo apagou.

Já fazia três dias que Agatha estava em Thanet Bay e ela ainda não tivera notícias de Aiden. O irmão estava confinado em uma estalagem, no meio do

caminho para Londres e os criados apenas disseram que ele continuava dando ordens e mandando como um duque. Bem, era o que ele era, mas Agatha o enxergava de outra forma. A maturidade a fez compreender o irmão e perceber que ele era, no fundo, uma alma solitária que não sabia muito bem como se aproximar das pessoas. Então ele usava sua autoridade sobre elas. — John. — Ela interpelou o criado no jardim. O sol em Kent estava agradável e o ar era limpo. As flores brancas e amarelas cobriam quase todo o arredor da enorme casa e o gramado estava de um verde vivo esfuziante. — Preciso que prepare a carruagem, vou ver o duque. — Lady Agatha, temos ordens expressas de Vossa Graça para que a senhorita não saia da propriedade. — Bem, se você não preparar a carruagem, vou montar em um cavalo e vou assim mesmo. — Ela colocou a mão na cintura e encarou o criado, que esfregou a cabeça com desânimo. — Entenda, eu preciso de notícias dele. Preciso falar com ele. Não vou fazer nada arriscado. John fez uma reverência e saiu. Era muito difícil convencer Lady Agatha de qualquer coisa quando ela não queria ser convencida. Logo, a carruagem estava pronta esperando e conduziu a lady e sua dama de companhia até onde Aiden Trowsdale estava. Ela entrou estalagem adentro e, antes de chegar até à casa dos fundos, foi interpelada pelo estalajadeiro. O homem pequeno e barrigudo arrumava os bigodes enormes com os dedos. Ele tinha uma aparência horrível, parecia um enfeite de jardim mal feito e mal pintado. Ele queria lembrá-la que a conta do irmão estava alta e que ele temia que, com a morte do duque, não recebesse o que lhe era devido. — Meu irmão não vai morrer, isso eu lhe asseguro. — Mas a Escarlatina é uma doença grave, milady. — O homem insistiu. — Por que não fazemos o seguinte: a senhorita me paga o que o duque deve até agora e depois ajustamos o restante. Claro que terá que pagar a parte da mulher também, já que ela parece não ter onde cair morta. — O senhor é uma pessoa odiosa. — Agatha moveu os ombros e olhou para sua criada com desânimo. — Mais interessado pelo dinheiro do que pela vida das pessoas. Não se preocupe, eu pagarei o que o senhor tem a receber. Dou a minha palavra. Mesmo com a promessa, o estalajadeiro seguiu Agatha. Para ele, a palavra de uma mulher não valesse nada. Claro que, se Aiden morresse, ela não seria sua herdeira. Mas Agatha tinha certeza que o irmão garantira a ela e à mãe uma forma de subsistência, por testamento. Ele tinha certeza que ela se

casaria e teria uma confortável vida ao lado de um nobre endinheirado, mas Agatha preferia acreditar que o irmão não contara com a sorte e deixara um testamento em seu favor. Geoffrey estava na porta do quarto com as costas recostadas na madeira. — Milady. — O jovem criado levantou-se ao ver Agatha se aproximar, marchando firme com o estalajadeiro e uma criada atrás dela. — Como está o duque, Geoffrey? — Em silêncio, milady. Desde ontem ele não bate na porta nem atende meus chamados. Já insisti e insisti e nada. Eu troquei com o Granger, mandei o menino descansa e estou aguardando ser solicitado por Vossa Graça. Mas confesso que estou preocupado. Agatha não disse nada, apenas bateu delicadamente à porta. Como não obteve resposta, bateu mais forte. E por fim, esmurrou a madeira na intenção de ser ouvida, sem muito sucesso. Não havia um som vindo de dentro do quarto. — Preciso entrar. — Ela disse, virando-se para o estalajadeiro. — Faça valer o dinheiro que receberá e abra essa porta. — O quarto está em isolamento, senhora. Não devemos entrar até que… — Eu pareço preocupada com isso? Apenas pegue uma chave reserva e abra essa porta, ou pedirei que meu criado a arrombe.

Aiden imaginou que estivesse sonhando, delirando ainda com a febre. Enfiado na banheira de água fria, ele sentia todos os seus ossos estalarem e os músculos tremiam, mas sua temperatura estava baixando gradualmente. Aquela tinha sido a primeira vez que preparara um banho e não pareceu ter muito sucesso. Em dois dias, era a primeira vez também que conseguia sair da cama. A dor não havia cessado, mas estava tolerável. O tônico deixado por Davies estava fazendo efeito. Ele olhava para a mulher adormecida e não sabia se estava com medo que ela acordasse e o pegasse nu novamente, ou se preferia que ela despertasse para poderem conversar um pouco mais. Ela tinha uma vida interessante e ele pouco conversava com mulheres interessantes. A maioria delas só falava com ele sobre o clima, enquanto Elizabeth Collingworth tinha histórias para

contar. Mas tudo que ele ouvia eram batidas à porta e elas ficavam mais fortes a cada vez. Precisava conferir se não eram parte dos devaneios causado pela febre. Depois do episódio do dia anterior, quando acordou com a mulher em seus braços, ele não tinha mais certeza de nada. Levantou-se com dificuldade e enrolou-se na toalha, tomando cuidado para cobrir seus quadris e esconder aquilo que Elizabeth não deveria ver. Ela não deveria ver nenhuma parte exposta do seu corpo, era verdade, mas algumas eram menos ofensivas do que outras. Seu peito nu, suas panturrilhas, seu pé descalço - isso ela podia tolerar. Mas nada muito além disso. Arrastou-se até a porta no instante em que a maçaneta girava e se abria. A imagem de uma Agatha agitada, vestindo rosa e dourado, surgiu à sua frente. A irmã levou as duas mãos à boca ao vê-lo quase despido. — Céus, Aiden. — Ela deu um risinho, afinal. — Você está vivo, graças ao bom Deus. — O que está fazendo aqui, Agatha? Você vai ficar doente, saia desse quarto. — Não seja tolo, estou o mais distante de você que posso. — Ela se escondeu um pouco por trás da porta. — Mas não me recuperarei jamais de ver tanto de você exposto. Que visão horrível. O duque olhou para si mesmo e quis rir. Nunca imaginou receber a irmã vestido - ou não vestido - daquela forma. Se alguém soubesse haveria um escândalo. Mas os últimos dias foram bem escandalosos para ele, doente e confinado com uma mulher viúva e de moral duvidosa em um quarto de estalagem. Ele havia feito com ela coisas bem indecorosas, desenvolvera uma intimidade física inédita. Mesmo que já tivesse se relacionado com várias mulheres durante sua vida, Aiden geralmente as tinha para os desejos carnais, apenas. Aquela proximidade etérea ele ainda não experimentara. — Vou demitir John. — O duque quis parecer irritado. Bastava alguns dias isolado para que suas ordens fossem ignoradas. — Quem deixou você vir aqui? — Até parece que John é capaz de me impedir quando quero fazer algo. — Agatha riu. — Onde está a Sra. Collingworth? Ela… — Ela está dormindo. A febre está muito alta. Nós passamos dois dias muito difíceis. — Quer que chame o doutor novamente? — Para ele nos entupir de láudano e tônicos? Isso posso fazer sozinho.

— Certo, então vou deixá-lo e voltar para Thanet Bay. Eu apenas queria notícias suas. Mas antes… o estalajadeiro quer receber seu pagamento. Pagamento? Aiden levou alguns segundos para compreender que tipo de pagamento um hóspede, ainda ocupando um quarto, poderia ter que fazer. — Ele quer que eu pague antecipado? — O duque deu dois passos na direção da porta. — Chame-o aqui. — Ele está aqui. Ele é uma pessoa horrível, Aiden! Ele explorou a Sra. Collingworth e agora está querendo explorar você também. Agatha abriu a porta por completo e o duque viu Geoffrey, com uma expressão assustada, e o estalajadeiro e seu bigode afiado na ponta. Toda a dor e exaustão da doença foram colocados em segundo plano. Saber que aquele homem explorava pessoas em situação de necessidade era uma afronta à educação que ele recebera do pai. Sem considerar as consequências do que estava fazendo, o duque agarrou o estalajadeiro pelo colarinho. Geoffrey e Agatha se afastaram. — Não gosto de gente mesquinha. — Aiden rosnou. — Vou pagar o que devo, o que a Sra. Collingworth deve, e vou embora dessa estalagem. Depois, tratarei para que ela receba as piores recomendações da região. — Mas Alteza, é que, com sua condição, eu pensei que… — Interessa-me pouco o que tenha pensado. — O duque o colocou novamente no chão, sem deixar transparecer que o fazia porque seus músculos estavam exaustos. Para quem estivesse observando, ele ainda era o homem mais forte daquela arguição. Voltou para dentro do quarto e fechou a porta, separando-o dos demais pela madeira carcomida. — Está decidido. Geoffrey, preciso que despache Lady Agatha de volta para Thanet Bay. Depois, pegue o cavalo e vá o mais rápido que puder para lá. Diga para John preparar a casa próxima ao poço. Coloque provisões de comida, deixe a lareira acesa e roupas de cama limpas. — Claro, Alteza. E então volto para cá? — Não, mande a carruagem nos buscar. Vamos para casa, vamos continuar nossa quarentena lá. Silêncio. Quando o duque decidia, estava decidido e apenas Agatha ou a duquesa tinham coragem de desafiá-lo. Naquele momento, no entanto, o que ele pedia era tão absurdo quanto coerente. Aiden não continuaria naquela estalagem com apenas uma cama, sem o conforto ao qual estava acostumado. Se tinha que ficar isolado, então faria isso do jeito que achasse mais conveniente.

— Imediatamente, Alteza. — O criado disse. Nada mais foi ouvido e Aiden relaxou finalmente. Quando estivesse em casa, em uma banheira grande o suficiente para cabê-lo e enrolado em roupas limpas, ele mandaria chamar o Davies e veria quanto tempo mais teria que se manter afastado das pessoas em geral. Elizabeth ainda dormia quando ele retornou ao quarto e ela não parecia bem. Rolava de um lado para o outro, murmurando qualquer coisa ininteligível. Quando tocou sua face suada com a palma da mão, Aiden percebeu que ela estava muito quente. Aquela mulher não podia morrer sob seus cuidados, ela tinha que resistir. Até porque o mundo seria um lugar menos bonito sem a beleza dela. O duque então colocou panos frios sobre a testa e o pescoço de Elizabeth. Sentado ao lado dela na cama, passou os dedos pelos cabelos dourados e esperou que ela se acalmasse com as duas mãos em seus ombros. Semiconsciente, ela ergueu o braço e o tocou na face. Dedos delicados e queimando como o fogo do inferno roçaram em sua barba por fazer e se apoiaram em seu peito. — Aiden. — Ela o chamou pelo nome. A sensação foi intrigante, ele sentiu o coração aquecer. — Não me deixe morrer. — A senhora não vai morrer. — O duque pegou a mão dela entre as suas. Ela era delicada e suave como porcelana. — Apenas resista, vai ficar tudo bem. — Se eu morrer, meus filhos não terão ninguém. Então ela estava preocupada com os filhos, claro que estava. Todas as mães sempre colocavam os filhos à frente do próprio bem-estar. Aiden lembrava bem de quando sua mãe teve o primeiro bebê natimorto. Cada um que lhe fora tirado ressecou uma parte do seu coração. Uma mãe sempre sofreria pelos filhos, mesmo que a sua mãe tivesse desenvolvido uma forma tão eficiente de afastamento que Aiden duvidava que ela pudesse sentir qualquer coisa, naquele momento. Já Elizabeth, ela estava sofrendo. — Prometo que cuidarei deles. — Aiden disse com convicção. — Garantirei que estudem e trabalhem em minha casa. Não faltará abrigo para seus filhos nem eles precisarão ir para um orfanato, Elizabeth. Eu prometo. Ela sorriu e seu corpo amoleceu, flácido sobre os colchões. Não, ela não poderia ter morrido. O duque baixou a cabeça para confirmar se Elizabeth ainda respirava e sentiu alívio imediato ao perceber que sim. A temperatura

estava alta mas ele tinha certeza que conseguiria fazer com que ela se recuperasse. Afinal, era o Duque de Shaftesbury e ninguém - quase ninguém - ousava desafiar suas ordens. Se ele dissera que Elizabeth não morreria, ela não se atreveria a morrer.

Capítulo sexto

T HANET B AY ERA uma propriedade enorme e produtiva, próxima ao litoral de Kent. Com um passeio curto de carruagem era possível chegar às praias no verão. Lá a família Trowsdale criava cavalos, algumas das mais belas raças europeias. E também possuía arrendatários que plantavam para subsistência e comércio locais. Não era a principal fonte de renda da família, porém era o lugar preferido de Aiden Trowsdale, tanto na adolescência quanto na vida adulta. Quando ele avistou a casa, naquela tarde, seus olhos brilharam em júbilo. A carranca que o acompanhava quase desapareceu de sua face e ele sorriu. Havia criados nos jardins, cuidando das plantas de sua mãe, havia janelas abertas e vida na casa. E duas crianças correndo pelo quintal. Crianças que ele nunca quis ter mas que estavam ali por um acidente do acaso. Dentro da carruagem, repousada em seus braços estava a mãe delas, Elizabeth Collingworth, uma plebeia que ele não conhecia muito bem mas que perecia da mesma doença que ele. Se aquela não era uma grande zombaria do destino, ele não sabia de mais nada. — Chegamos, Alteza. O cocheiro avisou que estavam parados nos arredores da casa do poço. Aquela era uma construção tão antiga quanto a mansão e ficava afastada alguns metros, para dentro do bosque que ladeava a propriedade. Havia uma trilha que passava pelas árvores frondosas e desembocava em um poço como aqueles das histórias infantis. O casebre fora moradia de empregados e estava vazio desde o 9º Duque de Shaftesbury Já fora um lugar para o qual Aiden levara suas mulheres. Algumas delas. Muitas delas. Quase todas elas já tinham passado pela casa. O que aquilo

queria dizer sobre sua própria relação com Elizabeth Collingworth? Depois de abrir a porta da carruagem, o cocheiro se afastou conforme orientado pelo duque. Com Elizabeth ainda apagada em seus braços, Aiden entrou na casa e depositou a mulher em uma das camas. Deixou que ela ficasse com a menor, porém naquela ele nunca tinha fornicado com ninguém. Com um sinal, mandou o cocheiro levar a carruagem embora e checou se todas as suas determinações tinham sido cumpridas. Havia comida, muita água fresca e da lareira emanava um fogo suave. O médico só iria vê-los no dia seguinte, então teria mais uma noite isolado. Não que esse fosse um problema para Aiden, ele adorava ter razões para se livrar dos compromissos sociais enfadonhos, principalmente quando sua mãe os organizava de sua reclusão. E, quando ele estava na propriedade, ela insistia em fazer jantares e bailes que apenas o irritavam porque eram todos com a intenção de arrumar para ele um casamento. Os músculos doloridos pela febre reclamaram do cansaço pela viagem, por carregar uma mulher nos braços - duas vezes - e por insistir em fingir que estava saudável. Sem nem mesmo se preocupar em tirar as botas, o duque deitou em uma das camas e relaxou.

Elizabeth sentiu que dormira por uma semana inteira. A dificuldade em reagir à doença e ao delírio fora enorme mas, depois de algum esforço, ela conseguiu abrir os olhos. Estava em um sono agitado havia horas e queria muito acordar, sem conseguir. O ambiente desconhecido fez com que ela sentasse na cama, assustada. Eram muitos sustos em menos de uma semana, muitos eventos inquietantes. Enrolada em um cobertor, tentou fazer um reconhecimento rápido. Era um espaço novo, aquele, muito mais elegante do que a estalagem. A cama era menor, de mogno e com enormes dosséis que chegavam ao teto. A parede decorada com papel damasco e algumas pinturas que ela não reconheceu. Ela estava sozinha. Calor emanava de outro cômodo e Elizabeth podia jurar que sentia a brisa fresca com cheiro de mar entrando pela única janela aberta no quarto. — A senhora acordou. — A voz do duque veio antes de sua imagem gloriosa na porta. Estava tudo muito escuro e ele carregava uma vela, que

iluminava seus olhos escuros. A forma como ele a olhava não sugeria que ele fosse um aristocrata - Aiden Trowsdale tinha feições duras e uma expressão masculina que sugeria que ele fosse como os homens com quem ela lidava em Shadwell, como os negociantes e industriários, como os plebeus. — Onde estamos? O que aconteceu? — Tivemos alguns contratempos e pedi que nos trouxessem para Thanet Bay. Estamos na minha residência de praia e essa é uma casa isolada. Não se preocupe, não estamos colocando ninguém em risco. Talvez ela estivesse em risco ficando em qualquer lugar isolado com aquele homem, mas entendeu que ele falava da doença. Ela não se sentia doente naquele momento. — O médico nos verá amanhã. — O duque prosseguiu. — Meus criados providenciaram comida, imagino que a senhora deva estar faminta. Oh, ela estava. Elizabeth sentiu o estômago reclamar assim que Aiden mencionou comida, apesar de que ela estava muito distraída com as ondulações que a chama da vela fazia no semblante sereno do duque. Apesar de parecer tranquilo, ele tinha uma expressão indissolúvel, impassível, rígida. Havia tanta informação em seus traços duros e masculinos que ela precisaria de muitos dias para entendê-los por completo. A casa em que estavam era pequena, mas confortável e acolhedora. A lareira acesa mantinha o calor dentro da sala e havia sofás espalhados, além de cristaleiras, estantes com livros e aparadores. Aiden serviu dois copos de uísque e entregou um a Elizabeth. Ela encarou o líquido âmbar e ficou curiosa pelo seu gosto. Molhou a ponta da língua e fez uma careta. Era amargo. — Nunca bebeu uísque? O duque sentou em uma cadeira enquanto a observava. Ele aparentava estar um pouco melhor, apesar das olheiras perceptíveis debaixo de seus olhos perfeitos. — Não. Na verdade, não temos dinheiro para essas comodidades. Algum xerez, eventualmente. Ela não tinha nenhum dinheiro - aquela era a realidade. O pouco que sobrava ia para as economias dos filhos, portanto Elizabeth vivia com o mínimo. Mas ela não falaria aquilo para o duque naquele momento. Ele parecia bastante alheio ao abismo que os separava. Serviu-se da sopa que estava na terrina e o caldo não fumegava, porém estava quente o suficiente. — Precisa de ajuda, Alteza?

Elizabeth deu uma risada baixa ao ver o duque tentar servir-se de um pouco de sopa e derramar boa parte pela mesa. — Geralmente estou cercado de criados. Não é comum, para um duque, servir sua própria comida. Ele disse e finalizou a tarefa, tomando o cuidado de limpar a sujeira com um pano. O duque não era tão inapto quanto sugeria a sua criação e Elizabeth divertiu-se ao vê-lo desempenhar uma tarefa tão ordinária - comer. O movimento corporal de Aiden Trowsdale indicava que ele era consciente do poder masculino que possuía. A forma como segurava a colher, a pressão que seus dedos exerciam no metal e o flexionar dos antebraços para conduzir a sopa até a boca. Ele tornava qualquer coisa ao seu redor mais interessante apenas por estar presente. Ela ainda não compreendia os motivos pelos quais ele era tão atraente, mas podia imaginar alguns. Força. Poder. Gentileza. Ele a tratava como uma pessoa, enquanto nenhum aristocrata o fazia. — Eu gostaria de agradecer ao senhor por fazer isso. — Disse, tentando livrar-se dos pensamentos divagantes. — Por cuidar de mim. — Prometi a um jovem que faria isso. — Mesmo assim, o senhor não precisava prometer nada. — Elizabeth ergueu o copo de uísque, quase intocado. Era um brinde desajeitado, porém sincero. Como uma mulher, ela nunca brindou à mesa de ninguém, antes. — Obrigada, Alteza. Aiden aceitou o agradecimento dela e sorriu. Aquele sorriso que congelaria o frio e aqueceria o sol, que seria capaz de causar uma guerra ou selar a paz. Ele tinha a boca tão perfeita, os lábios grossos e vermelhos que eram simétricos e pareciam… saborosos. Ela quis saber o gosto que eles tinham. A barba que começava a crescer e esconder o maxilar quadrado dava ao duque um ar despojado de homem comum. Elizabeth desejou, naquele instante, que ele fosse realmente comum. Que o sangue azul dos Trowsdale não corresse nas veias dele para que ela pudesse simplesmente deixar que soubesse que ela o queria. Mulheres não tomavam a iniciativa, mas ela não se importaria que ele percebesse que ela aceitaria ser cortejada. Mas mulheres como ela jamais seriam cortejadas por nobres. Aquele duque podia ser um bom homem mas ela nunca seria suficiente. Aborrecida com aqueles pensamentos, Elizabeth virou o uísque em um gole, como o vira fazer. Estendeu o copo e pediu que ele lhe servisse mais.

— Não exagere. — Ele disse ao entregar-lhe a bebida. — É sua primeira vez. — Eu estava prestes a morrer. Ainda estou correndo risco de morte. Beber um pouco não pode ser pior do que convalescer da Escarlatina. Ao menos ameniza a dor. E ela então virou a segunda dose toda de uma vez. O uísque desceu arranhando e queimando em sua garganta mas Elizabeth fingiu que não sentiu nada. A ardência logo passou e, depois da terceira dose, tudo que ela via eram estrelas. — A senhora deve parar. — O duque impediu que ela mesma se servisse da quinta dose. — Vamos, converse comigo. Conte sobre os Pensington, qualquer segredo sujo que eles possam ter. — É a sua vez de contar histórias, Alteza. — Elizabeth jogou-se em um sofá, com modos pouco femininos. Sua delicadeza e sutileza estavam obnubiladas pelo álcool. — Conte-me por que ainda não se casou. A pergunta saiu crua e intrusiva, como aquelas que ele lhe fizera na estalagem. — Não achei ser necessário até agora. Mas sei de minhas responsabilidades, devo escolher uma noiva em breve. Claro que escolheria. Afinal, por que um duque ficaria solteiro depois dos trinta? Elizabeth não tinha certeza, mas aquele homem deveria estar por volta dos trinta. Já era para estar casado e cheio de herdeiros. — Um brinde à próxima duquesa. — Ela ergueu o copo com o restante do uísque e despejou-o garganta abaixo. Talvez não tivesse vontade de entorpecer-se antes, mas o próprio álcool a puxava cada vez para mais perto dele. — Tenho certeza que ela será uma boa esposa e vai amá-lo bastante. — Infelizmente, Elizabeth, algumas pessoas como eu não possuem o direito de escolher se casar por amor. Oh. A forma como ele disse aquilo fez com que ela imediatamente se arrependesse de zombar da nobreza e seus arranjos casamenteiros. Claro que um duque precisava de uma dama que atendesse aos padrões ingleses, que a Rainha fosse abençoar. Seus desejos não eram importantes diante da necessidade de manter a linhagem e garantir que o ducado permanecesse com a família. Mas aquilo era muito triste e solitário. Ela tivera um casamento feliz, por amor. Alguns nobres que conhecia também casavam por amor. O duque não deveria precisar se submeter ao casamento com uma mulher que ele não

amasse. — Desculpe-me, não quis soar rude. — O duque pegou o copo da mão dela e colocou de volta na bandeja. — A senhora deveria voltar para a cama. Se não repousarmos, podemos voltar a sucumbir da febre. Ela assentiu e Aiden desapareceu por uma porta escura. Elizabeth deitou a cabeça para trás e fitou o teto, sonolenta. A claridade precária da casa deixava o ambiente melancólico. O dia seguinte seria, provavelmente, um dia de liberdade. Quando o médico chegasse, veria que eles estavam bem o suficiente para sair do isolamento e Elizabeth poderia retomar seu caminho direto para algum lugar, ela apenas não sabia qual.

Edward McFadden conhecia Aiden Trowsdale por toda a sua vida. Não era tanto tempo, mas parecia que nunca existiu um sem o outro. Quando começaram a estudar juntos, Edward era um garoto introspectivo e com dificuldades de relacionamento. Sendo filho mais velho de uma família grande, assumira muitas responsabilidades e não tinha atenção suficiente dos pais. Mas Aiden era diferente. O garoto de cabelos e olhos escuros como a meia noite tinha uma aura que fazia com que todos o admirassem. Edward não entendia bem o que havia naquele jovem que o colocava sempre em posição de destaque. Ele brilhava e chamava a atenção. Nunca se metia em problemas, não gastava muito dinheiro, era o melhor aluno. E ele se interessou por Edward no primeiro momento em que cruzaram na biblioteca. Fizeram uma amizade que permaneceu e Edward talvez fosse a única pessoa que sabia quase tudo da vida de Aiden. Sabia, por exemplo, que suas qualidades se intensificaram. Ele cresceu mais inteligente, sagaz e persistente. Passou a conquistar mulheres com sua extrema capacidade de seduzir. Era eloquente e sempre se saía bem em ambientes sociais. Alguns defeitos sugiram, no entanto. Depois que eles voltaram para casa, já formados, Aiden foi lançado no caos silencioso da sua família. A mãe era uma megera cheia de traumas que ignorava a filha pequena e o marido. O pai era um benfeitor altruísta, um homem generoso que passava mais tempo cuidando de sua filantropia que dos filhos. E, com isso, Aiden se tornou a antítese em pessoa. Muito habilidoso em lidar com pessoas, sem nenhuma

vontade de se relacionar com elas. Enquanto ele sabia muito bem se portar em sociedade, Aiden detestava eventos sociais. Desenvolveu certa repulsa pelas regras rigorosas da aristocracia e se tornou um devasso incorrigível. Nisso, eles eram quase iguais. Gostavam de mulheres, principalmente se elas estivessem nuas em suas camas. Achavam as damas entediantes e não queriam se casar. Isso, somado a um “que” autoritário que sempre esteve presente no menino brilhante que ganhava todos os prêmios na escola, transformou Aiden no duque mais extravagante de Londres. Ele vivia em um permanente conflito entre o que queria fazer e o que deveria fazer, assumindo uma faceta dúbia que o tornou um aristocrata investidor e que circulava facilmente entre os burgueses. Por isso, quando ficou sabendo que o amigo estava em quarentena por causa de uma doença fatal, isolado em um quarto com uma mulher desconhecida, ele se preocupou mais com a segunda parte. Os homens que estavam reunidos em Greenwood Park eram todos de um círculo curioso de amizade. Todos muito ricos, a maioria rejeitada por uma sociedade que só valorizava o sangue azul. Edward McFadden era o centro das atenções por ser o anfitrião do pequeno encontro. O conde recebera seus convidados com um brunch farto, repleto de pães, carnes temperadas e muito uísque. Estavam presentes o Visconde de Whitby, o Sr. Sawbridge, industriário no ramo de locomotivas, o Sr. Hartright, investidor e importador de produtos das Índias, e o Sr. Riderhood, dono de um dos maiores clubes de aposta de Londres. Todos eles tinham em comum o projeto de revitalização de uma área em Shadwell, que pretendia atrair lojistas e famílias de classe média, além de viajantes e estrangeiros que visitassem a cidade. Alguns eram amigos há mais tempo, como o conde e Sawbridge, que tinham a mesma idade e frequentaram a mesma escola. — Aonde está Shaftesbury? Foi a questão levantada por Riderhood. O duque nunca perdia aqueles encontros de negócios. — Fiquei sabendo que ele está doente. — Edward serviu do seu melhor vinho do porto para os cavalheiros, depois que estavam recolhidos no escritório. — Não me explicaram direito, mas parece que é contagioso. — Ele está doente. — Sawbridge disse. — E há muitas fofocas sobre as condições em que nosso amigo se encontra. Parece que ele está

comprometendo a integridade de uma mulher. — Isso parece com algo que ele faria. — Hartright não tinha a melhor das considerações pelo duque. Apesar da diferença de origem entre eles, o investidor era um homem muito religioso e devotado à família. A vida de perversão e libertinagem de Aiden Trowsdale o incomodava. — Quem é a mulher, as fofocas dizem? — Não, apenas sabemos que eles estão confinados. Os dois, apenas, sozinhos. — Isso é um escândalo, mas nosso amigo vai superar. Temos que continuar as negociações até que ele esteja apto a retornar para nossa presença. Edward manteve os ouvidos atentos ao que conversavam os homens, porém seus pensamentos estavam no amigo duque e no que poderia estar acontecendo. Apesar do que pensavam de Aiden, principalmente em relação à sua capacidade de arruinar mulheres, ele sabia que o duque não era uma pessoa tão depravada. Aiden não costumava se envolver com virgens incautas, ele se relacionava com prostitutas ou mulheres livres que desejavam tornar-se amante de um nobre. Se ele estava doente e trancafiado com uma mulher, aquilo poderia não causar nenhum prejuízo à sua reputação já muito arranhada. Mas, se fosse uma dama honrada, se a reputação dela estivesse me risco, talvez o duque se visse forçado a casar-se com ela para reparar o dano. Edward precisava saber melhor sobre isso. Quando o dia seguinte chegou, ele decidiu ir até Thanet Bay ter notícias do duque. Pediu que selassem seu cavalo se preparou para ir à propriedade do amigo, já preocupado em como a duquesa viúva estaria em razão de tantas fofocas circulando.

A presença de Lady Caroline Eckley, em qualquer situação, era sempre equivalente a um fenômeno da natureza. Ela podia ser comparada a um furacão ou maremoto com grande facilidade. Quando ela entrou na mansão em Greenwood Park naquela manhã, tratando os criados como se fossem os dela e agindo como a dona da casa, o Conde de Cornwall considerou que estivera se preocupando com as pessoas erradas.

O caos na vida de Aiden Trowsdale tinha um metro e meio de altura, cabelos escuros como o ébano e olhos castanhos. Agia como uma dama e tinha nas veias o sangue dos Granville, mas nunca se casara nem demonstrara desejo em fazê-lo. Caroline era uma mulher livre que recebia uma substancial mesada depois do falecimento de seu tio, o antigo Marquês de Granville. Com isso, acreditava que não precisava de homem algum a quem devesse se submeter. Ela os usava apenas para seus interesses pessoais - e sexuais. Edward tinha certeza que ela queria notícias de Aiden. O duque era a mais recente aquisição em sua coleção de amantes e ela parecia encantada com ele, mesmo tendo desaparecido por meses. — Lady Eckley. — Edward recebeu-a depois que o criado informou da chegada turbulenta de Caroline. — A que devemos a honra de recebê-la tão cedo, sem que tenha comunicado previamente sua visita? — Seu motejo não me intimida, milorde. — Ela estendeu a mão enluvada para que ele a cumprimentasse. — Tenho certeza que o senhor sabe dos motivos de minha visita. Acabo de voltar de meu retiro no continente, onde visitei França e Itália com minha tia Gertie. Preciso saber notícias do Duque de Shaftesbury e não é como se eu pudesse perguntar sobre ele para qualquer pessoa. Não desejo levantar suspeitas. Edward deu uma risada e convidou a dama para que se sentasse. Ela vinha sem uma dama de companhia e eles não deveriam ser vistos em lugares privados. O grande salão era o espaço mais adequado da casa. Pediu a uma criada que lhes trouxesse chá e acrescentou, no seu, uma boa dose de brandy. — Por que não vai a senhorita mesmo até Thanet Bay e pergunta a Lady Agatha sobre o irmão? — A jovem Trowsdale não responderia a meus questionamentos. — Caroline bebericou seu chá e exibiu uma expressão inocente. — Ela não aprova a natureza do meu relacionamento com o irmão dela. — Deus não aprova o relacionamento de vocês. — Edward riu novamente. — Não que isso me importe, Ele também não aprova os meus. Diga, o que quer saber? — Ouvi que Aiden está doente. O que sabe sobre isso? — O mesmo que a senhorita. Eu estou de saída para visitá-lo, sendo atrapalhado por sua visita inoportuna. Caroline fingiu-se ofendida com a acidez do conde, mas ele sabia que ela raramente se importava com o que pensavam dela. Edward poderia ser rude,

até mesmo desagradável, e ela continuaria ali, impondo sua presença indesejada. Em verdade, ele não sabia bem o que ela estava fazendo ali, fingindo se importar com Aiden. O conde também sabia que Lady Eckley não costumava ligar para as pessoas a não ser que elas lhes estivessem garantindo alguma vantagem. Mesmo que ela e Aiden fossem amantes ocasionais, ela tinha diversos outros para deitar em sua cama em substituição ao duque. — Certo, não irei mais atrapalhá-lo com minhas preocupações. Mande minhas lembranças ao duque. — Talvez eu me esqueça de fazê-lo. Diga-me, Caroline, o que veio fazer realmente aqui? Não minta. A lady encarou Edward por alguns segundos, ajeitando os dedos nas luvas. Depois de um tempo longo demais, decidiu expor a verdade. — Soube que ele está com uma mulher. Já disseram até que ele está fingindo a doença para poder passar mais tempo com ela. Que mulher é essa, você sabe? — Não, e essas fofocas são provavelmente mentirosas. — Edward levantou-se, ajeitando a calça de montaria, feita de camurça bege. Elas combinavam perfeitamente com suas botas de couro que iam até os joelhos e com o conjunto de paletó e colete azuis. O conde costumava ter os melhores alfaiates à sua disposição porque vestir-se bem era um de seus prazeres. — Agora, se me dá licença, eu preciso visitar meu amigo. A senhorita pode terminar o chá e, se quiser, fazer companhia para Wilhelmina. Lady Eckley não demonstrou interesse na irmã mais nova do conde e tratou de acompanhá-lo na saída. Edward não sabia por que atraía mulheres tão complicadas. Elas pareciam sempre decidir fazer de seus ouvidos um muro de lamentações, como se ele fosse capaz de resolver os problemas que elas apresentavam. Ele preferia quando elas tinham medo dele, ou eram tímidas demais, ou falavam apenas sobre o clima. Não, na verdade ele não preferia. Edward adorava mulheres desafiadoras que não se importavam em olhá-lo nos olhos e dizer, talvez, uma blasfêmia ou outra. Rindo de suas próprias conjecturas, o conde montou em seu cavalo e dirigiu-se para Thanet Bay, ainda mais intrigado pelas fofocas que corriam sobre o Duque de Shaftesbury. Se Aiden estivesse escondendo uma mulher em sua propriedade ele acabaria descobrindo.

Capítulo. sétimo

O SOL em Kent era mais brilhante do que em Londres. Foi com essa certeza que Aiden acordou no dia seguinte, depois de uma noite de sono sem intercorrências. Ele ainda estava quente, sentia sua pele ardendo pela febre e as manchas continuavam dizendo que a doença continuava ali - mas também sentia que estava melhorando. A morte provavelmente não pairava mais sobre sua cabeça. Mas tinha alguma coisa que ainda o incomodava. Ele descobriu isso quando, olhando pela janela, viu Elizabeth Collingworth caminhando do lado de fora da casa. Descalça, com apenas uma camisola branca e com os cabelos mal trançados, ela parecia uma visão mística, etérea, do Paraíso. Ele não era um homem muito religioso, mas aquela mulher o instigava a pecar todos os minutos do dia. Em breve, ela não estaria mais ali e isso era bom. Aiden tinha que escolher uma noiva, casar-se com uma dama da aristocracia e aquela mulher, ali, bailando pela grama verde como se fosse uma fada, não servia para ser sua esposa. Também não iria aceitar se tornar sua amante. O melhor, para ambos, era que seguissem seus caminhos, totalmente opostos. E sua mãe o infernizaria por toda uma eternidade. Se Agatha era o demônio, ele precisaria de um adjetivo mais satânico para definir a duquesa. Aiden tentara compreender a amargura da mãe depois de perder tantas crianças, as que nasceram entre ele e sua irmã. A cada bebê que nascia morto, a duquesa definhava mais e mais. Aquilo significava que, para se manter sã, a mãe fizera um pacto com o inferno. Provavelmente, prometera a sua alma e a de mais algumas pessoas que pudesse arrebanhar. Tudo que ele menos desejava fazer era desagradá-la, principalmente porque a duquesa estava

sempre muito doente. Então, por que diabos ele não queria deixar Elizabeth ir? Por que tinha a ilusória sensação de que poderia tê-la, mesmo que por uma vez, e que isso seria o suficiente? Porque era um tolo, e a tolice não deveria ser característica de um duque. Ao sair do quarto, depois de tomar banho e se barbear, algo que ele fez com nenhuma destreza, encontrou uma linda mesa de desjejum, posta com perfeição. — Bom dia, Alteza. Pode se servir, espero que tenha acordado com fome. Havia chá recém preparado em um bule e ovos mexidos. Elizabeth manejava a cozinha com talento e ele subitamente lembrou que precisava de alguém como ela. Era urgente. Talvez oferecer emprego àquela mulher fosse a melhor forma de mantê-la por perto mais algum tempo. Até que a nova duquesa - sua futura esposa - pudesse decidir sobre os criados. — Sente-se bem, Elizabeth? — Aiden perguntou, sentando e servindo-se de ovos e presunto. Não era muito difícil colocar a comida no próprio prato, afinal. — Sim, tenho certeza que a febre diminuiu. E minhas manchas estão menos vermelhas. — Sorte da senhora. Eu ainda estou bastante avermelhado, como se um artista vesgo tivesse me usado como tela de pintura. Ela deu uma risada e o som daquele sorriso fez com que o duque se inquietasse na cadeira. Elizabeth aproximou-se dele sem muita cautela e puxou a gola de sua camisola, expondo a clavícula. — Veja. — Não consigo perceber nenhuma melhora. Talvez se… Mostre mais, mostre tudo. O desejo de vê-la com menos tecido superou a razoabilidade e a decência que ainda restavam em Aiden. Elizabeth não pareceu perceber a malícia por trás daquele comentário e ergueu a barra da camisola para exibir a panturrilha. — Agora não tem como dizer que não percebe. As manchas quase sumiram. Aiden respirou fundo e olhou para as pernas à sua frente. Elas eram condizentes com a mulher perfeita com quem compartilhara os últimos dias. Suas mãos adquiriram vida própria e tocaram os tornozelos de Elizabeth, com cuidado. Ele pensou que ela fosse estapeá-lo, o que não aconteceu. Vidrado na pele delicada desnuda, deixou que as mãos tocassem as panturrilhas. E a

parte de trás dos joelhos. — Parece tudo muito bem. Porém eu não saberia dizer. Esperemos o doutor. O duque desconversou e voltou a se concentrar na comida. Ele podia ignorar a prudência e beijá-la ali mesmo, mas aquilo seria irresponsável. — A senhora deveria vestir-se. — Ele disse, finalmente. Não dava para continuar resistindo a uma mulher seminua e seu pênis já reclamava dentro das calças. Precisava de alívio ou de parar de lidar com aquela mulher em roupas ínfimas. — Minhas roupas estão úmidas. Eu as lavei hoje cedo. — Cedo? Mais cedo? Que horas a senhora acordou? — Bem cedo. — Os lábios dela se partiram em um sorriso. — Estou acostumada a despertar por volta das cinco horas. — Pelo bom Deus, isso é realmente muito cedo. — Meu trabalho exigia minha presença nas primeiras horas da manhã. Agora, desempregada, eu acordo cedo para buscar serviço pela cidade. Já estava fazendo isso há dois meses, até que a epidemia chegou. Aiden respirou e continuou comendo. Elizabeth sentou-se e serviu o chá, bebericando na xícara de porcelana que tinha a cor de sua pele. Aquilo era mesmo um absurdo, mas não apenas por ela levantar cedo ou não ter roupas secas. Era um absurdo o quanto ele se importava, o quanto ele, sem motivo algum, desejou mudar a situação em que ela se encontrava. O pai era um bom samaritano. Um homem que gastou parte de sua fortuna em caridade. Construiu escolas para filhos de pessoas pobres, manteve hospitais, orfanatos e casas de apoio para mães viúvas. Ele visitava suas obras frequentemente e levava o jovem Aiden com ele. O duque cresceu aprendendo que o dinheiro representava caráter e que um homem era respeitado pelas obras que realizava. Talvez por aquilo ele desprezasse o ócio da nobreza e preferisse a companhia de investidores, industriários, negociantes. Na residência Trowsdale todas as pessoas de negócios eram bem vindas e o pai nunca deixou de convidar plebeus para seus eventos. O valor dos homens que frequentavam sua casa era medido pelas ações respeitáveis que eles realizavam na vida. E aquela era a primeira pessoa necessitada que cruzava seu caminho desde que assumiu o ducado. Elizabeth Collingworth era uma mulher de valor que precisava de ajuda para conseguir dinheiro para a sua

sobrevivência. — Não posso me vestir ainda, mas está tudo bem. — Ela retomou o assunto. — Eu… nós já compartilhamos uma intimidade maior do que essa, não? Ela disse e se levantou, recolhendo as louças e levando para uma tina. Depois, despejou o conteúdo de um balde que estava aquecendo no fogo e ergueu os cabelos para prendê-los. Naquele breve instante, Elizabeth deixou sua nuca à mostra, os fios dourados por entre seus dedos enquanto ela indicava que sentia calor com a pequena atividade. O esforço a estava deixando agitada e a febre, debilitada. Era demais, até mesmo para um homem doente. O duque deixou a comida e se levantou. De novo, desejou que Elizabeth não estivesse atenta à sua anatomia, pois duvidava que fosse capaz de esconder a ereção que forçava suas calças. Aproximou-se da mulher, que ainda estava de costas para ele. Segurou-a pelos ombros e fez com que se virasse e olhasse para si. Apenas para si. — Sabe qual é o problema dessa intimidade, Elizabeth? O corpo dela tremeu sob suas mãos. Ele sentiu que sua pele estava quente por baixo do tecido fino. — Sei. É indecorosa. Arriscou, sem certeza. A voz vacilante e abafada também era sensual e sugeria para Aiden que ela poderia desejá-lo tanto quanto ele a desejava. Que aquela conexão imediata entre eles não era fantasia de sua cabeça. Ou talvez ele quisesse tanto que ela o desejasse que estava apenas imaginando coisas. — Não. É irreversível. Uma vez que nos acostumamos um com o outro e que ignoramos as convenções, não conseguimos voltar atrás. — E Vossa Graça quer voltar atrás? Não, claro que ele não queria. O que Aiden queria, naquele momento, era tomar aquela boca perfeitamente desenhada para si. E foi assim que ele fez, dobrando o corpo sobre Elizabeth e colando seus lábios nos dela.

Ela sentia como se tivesse caindo em queda livre em um precipício. Era uma sensação inesperada e que arrebatava Elizabeth em uma espiral infinita enquanto a boca quente e macia de Aiden Trowsdale estava sobre a sua. O

beijo começou ríspido, um pouco abrupto, mas não demorou nem cinco segundos para que os dedos dele subissem pela nuca dela e se amoldassem ali, fazendo com que o toque de lábios suavizasse. Não era a primeira vez que Elizabeth era beijada. Era só infinitamente diferente do que ela se lembrava. Talvez fosse o calor que emanava daquele corpo masculino bruto, esculpido em músculos. Ou talvez fosse a enorme atração que ela sentira pelo duque desde que o vira na estalagem, antes de desmaiar. Talvez fosse também o cheiro masculino e amadeirado que emanava de sua pele lisa. Poderia ser o toque daquelas mãos fortes e marcadas por calos, mas que mantinham uma suavidade e maciez comuns às mãos aristocráticas. A pressão na nuca se intensificou no instante em que ele procurou abri-la para ele, pressionando delicadamente sua língua contra os lábios ansiosos de Elizabeth. Ao invés de resistir e afastá-lo, ela se pegou oferecendo espaço para acomodá-lo em sua boca, para receber o calor febril que se enroscava com sua própria língua e fazia com que ela sentisse aquele gosto de uísque que poderia inebriá-la em segundos. Ao invés de fazê-lo parar, Elizabeth ergueu os braços e o enlaçou pelo pescoço. Com um grunhido sensual e rouco, Aiden desceu os dedos pelo corpo dela, traçando as linhas de seus braços até posicionar-se em sua cintura e puxá-la para perto. No instante em que os dois corpos se uniram e ela sentiu-se esmagada contra aquele peito duro e viril, uma voz do lado de fora os tirou do transe. — Trowsdale! Era um homem que Elizabeth não identificou como nenhum dos criados, que jamais chamariam o duque daquela forma, nem como o doutor Davies. Mas ouvir o sobrenome causou um efeito imediato em Aiden, que se afastou repentinamente dela. Os olhares se cruzaram e ficaram presos um no outro enquanto ele passava os dedos pelos próprios lábios. — Edward, seu maldito. — O duque deu três passos largos e se apoiou na janela. Elizabeth sentiu os joelhos amolecerem e sentou em um dos sofás que estavam na sala mesmo. Não achou que conseguiria ir até o quarto se esconder e teve medo do que poderia acontecer se ele fosse até ela, lá. Não, não era medo. Ela temia, sim, que algo muito mais inadequado pudesse acontecer, mas o que sentiu foi antecipação. Ansiedade. — Fui até a mansão para confirmar as fofocas sobre você e me disseram que você estava aqui. É tão grave assim? Você não parece doente. O duque pressionou as têmporas, demonstrando que a interrupção o

deixou agitado. — Estou doente. Tenho Escarlatina e o doutor Davies me orientou ficar isolado para não arriscar contaminar mais ninguém. Sei que temos assuntos para conversar e conhaques para tomar, mas precisaremos adiar por mais uns dias, até que eu esteja recuperado. — Claro, jamais me colocaria como obstáculo à sua recuperação. Eu e os cavalheiros estamos conduzindo as negociações enquanto isso. Agora, o mais absurdo de tudo, também há fofocas de que você está comprometendo a virtude de uma dama. Você está com uma mulher, Aiden? Ah, claro que havia esse tipo de fofoca. Desde o momento em que Aiden pegou Elizabeth no colo para impedir que ela caísse, as pessoas já devem ter elaborado as mais cruéis teorias sobre o quanto o devasso Duque de Shaftesbury estaria comprometendo a reputação de uma mulher. — Edward, um cavalheiro não faz esse tipo de pergunta. — E outro cavalheiro dá respostas evasivas a esse tipo de pergunta. É bom saber que não esteja morrendo. Pedirei a John que me mantenha informado sobre sua saúde. Barulho de patas de cavalo indicaram que o homem, Edward McFadden, o Conde de Cornwall, estava se afastando. Como Elizabeth não ouviu que ele se aproximava, antes? O silêncio ruidoso do beijo fez com que ela se concentrasse apenas naquele momento e, se o conde não fosse cuidadoso, poderia tê-los pego no ato. Ela riu de nervoso e colocou a mão sobre a boca para esconder o riso. Era ridículo que pensassem que o duque estava comprometendo a virtude de alguém - Elizabeth não tinha mais nenhuma virtude para ser comprometida. Mesmo assim, ela sabia que um escândalo daqueles iria colocar um fim nas suas possibilidades de trabalhar para uma família nobre, novamente. Sorrateira, ela escondeu-se no quarto tentando se manter fora da visão de Aiden Trowsdale. Por minutos, a casa ficou em silêncio absoluto. O lado de fora era barulhento, com o farfalhar da copa das árvores e os pássaros gorjeando nos galhos. Aquela característica do verão deixava Elizabeth em êxtase, sempre. Ela sonhava em poder visitar o litoral nos meses mais quentes. Mas sua atenção estava toda capturada pelos movimentos sutis que aconteciam na sala. Ela não podia ouvir, mas ela sabia que ele estava ali. Sua respiração. Sua presença. A hesitação. Tudo aquilo que era percebido e sentido por ela enquanto os pelos de sua nuca se arrepiavam ao recordar do

toque e da pressão dos dedos masculinos. Ah, por que ela tinha deixado que aquilo acontecesse? Só serviria para deixá-la contemplativa e mulheres trabalhadoras não podiam se dar ao luxo de serem contemplativas. O duque tinha razão, aquela intimidade compartilhada por eles era, de todas as formas, irreversível. Ele apareceu na porta do quarto e ela deu um sobressalto. Passou as mãos suadas pela camisola e sentiu uma súbita vergonha de ter o corpo tão exposto. Antes do beijo ela não acreditava que aquele homem que estava ali à sua frente, aquela personificação do pecado e da beleza humana, poderia sequer notá-la. E então ele a segurou, ele a beijou, e ele fez com que o corpo dela despertasse e desejasse mais. — Edward já foi. O médico deve vir em algumas horas, se meus criados foram diligentes. Eu… — Assim que o médico vier e nos liberar, eu preciso ir. A frase saiu desajeitada, interrompendo o duque. Não parecia muito inteligente interromper um nobre, afinal, mas ela não pode evitar. Continuava esfregando a camisola com as mãos, sem conseguir livrar-se da ansiedade. Por estar muito centrada em suas próprias reações, Elizabeth acabou não notando a confusão estampada na face do homem. — E para onde pretende ir? — Não tenho certeza, mas deve haver algum lugar por aqui em que uma viúva e seus filhos possam se abrigar. O duque recostou no batente da porta e cruzou os braços. Encarou Elizabeth por alguns segundos e ela ficou ainda mais desconfortável em ser escrutinada daquela forma. Quis correr para o lado de fora e pegar suas roupas, mas duvidava que estivessem secas. — Elizabeth, você não tem para onde ir e eu preciso de uma governanta. Por que não fica em Thanet Bay durante o verão? Nossos aposentos de empregados são muito confortáveis, tenho certeza que seus filhos ficarão muito bem acomodados. A duquesa, minha mãe, é muito doente e quase não sai de seu quarto, por isso a casa está sempre à deriva e minha irmã carente de orientação feminina. — Está me oferecendo emprego, Alteza? Era difícil crer que o duque a quisesse como governanta. Bem, nem tanto, afinal ela contara a ele toda a sua saga com os Pensington. Como foi companhia de Lady Charlotte e a ajudou a se tornar uma dama respeitável. Como cuidava de tudo para a família e mantinha a casa em Londres

impecável. Outros nobres poderiam contratá-la por suas referências, porém a situação entre ela e Aiden era diferente. Ele não a enxergava como uma governanta nem pretendia empregá-la antes. O que havia mudado? — Sim, estou. — Ele finalmente respondeu. — Não vou conseguir dormir à noite se deixar que uma mulher e seus filhos pequenos saiam de minha propriedade para vagar por Kent, principalmente sem dinheiro. Os olhos dele a fitavam como um felino. Elizabeth não conseguia evitar o que sentia com aquele escuro profundo que a devorava. Aquela oferta poderia ser algo mais. Ele poderia estar com a impressão errada sobre ela, depois do bendito beijo. — Espero que Vossa Graça não esteja incluindo uma oferta para que eu me torne sua amante. Aiden ergueu as sobrancelhas depois que ela fez aquela insinuação de forma direta, porém suave. — Não, não estou. Mas a senhora estaria aberta a esse tipo de oferta? As palavras dele foram ditas com cuidado. A voz baixa era sensual e Elizabeth não sabia se a proposta realmente lhe ofenderia tanto ou se, no final, não parecesse tão ruim assim. Ela conhecera algumas amantes de nobres. Em uma sociedade que se casava por conveniência, muitos homens e mulheres buscavam satisfação sexual e espiritual em outras pessoas que não seus cônjuges. Mas Elizabeth não se sentia confortável com aquela realidade. Da forma como fora criada, ser amante de alguém não era muito diferente de ser a prostituta de alguém. — Não, Alteza. — Ela baixou o olhar para não ver se ele parecera frustrado, decepcionado ou aliviado. — Eu não estou aberta a ser a amante de nenhum nobre. Sou uma mulher honrada. — A minha oferta também é honrada. — Aiden disse, por fim. Ela voltou a olhá-lo e quase se arrependeu de tê-lo feito - o duque tinha uma expressão decidida e quase faminta que pouco condizia com o que estava dizendo. — Aceite-a, são apenas alguns meses. Alguns meses de bonança. De comida na mesa e dinheiro para pagar as contas. As poucas libras que tinha na bolsa eram fruto de muitas economias e ela não queria gastá-las deliberadamente. Pensava no futuro dos filhos e na possibilidade de pagar uma educação melhor para Patrick, que era tão inteligente. Provavelmente, Elizabeth estava apostando muito na bondade e generosidade daquele duque, mas não havia possibilidade de recusar trabalho remunerado naquele momento.

Capítulo oitavo

A PERDA completa do juízo deveria ser um dos sintomas da Escarlatina. Depois de beijar a mulher que convalescia com ele, Aiden ainda a contratou para trabalhar na mansão durante o verão. Aquilo tinha tudo para dar muito errado e ele simplesmente ignorou todos os riscos e ofereceu a Elizabeth um emprego de governanta na casa em Thanet Bay. Sua mãe definitivamente tornaria a sua vida muito difícil. Ela sabia que precisavam de uma governanta, mas a duquesa tinha um faro para os problemas que o filho arrumava. Elizabeth Collingworth era o maior deles. Não teve tempo de pensar na besteira que fez porque, depois da visita de Edward, uma carruagem se aproximou com o doutor Davies para examinálos. Fazia horas que se sentia bem e, se tivera febre, não era alta. O médico concordou que os sintomas estavam desaparecendo e que a saúde dele estava sendo recuperada. Era uma forma branda da doença, por sorte. Mesmo assim, Davies recomendou que ainda ficassem pelo menos dois dias em isolamento. — Vou morrer de tédio em dois dias. — O duque reclamou, abotoando a camisa branca de linho. — Ora, Alteza, não seja melodramático. Faça o que sabe fazer de melhor nesse tempo: absolutamente nada. Aiden rosnou para o médico e expulsou-o do quarto. Se Davies não fosse um amigo antigo, ele o puniria por falar daquela forma desrespeitosa. Mas afinal, o homem estava certo - duques e outros nobres usufruíam de longos períodos contemplativos. A nobreza não trabalhava, não costumava mover um músculo para fazer o que queria. Existiam criados, afinal. Mas ele era diferente. Aprendeu que o valor do dinheiro estava em ganhálo justamente. Conhecia vários herdeiros que já tinham começado a

desperdiçar suas fortunas em jogos, mulheres e outras diversões profanas. Sabia de vários nobres que viviam apenas com as propriedades inalienáveis, porque já tinham consumido todo o patrimônio que podiam vender. Aiden trabalhava desde que saira da faculdade e já tinha, com a ajuda do pai, mais do que quadruplicado o patrimônio dos Trowsdale. A família gozava de imensa fortuna e ele pretendia investir ainda mais. Também gostava de se exercitar. Praticava vários esportes, todos ao ar livre, e gostava de seu corpo em movimento. Costumava cavalgar para sentir o vento em suas roupas e cabelos assim como acordava cedo para correr e aproveitar as primeiras horas da manhã e a energia que elas portavam. Eram hábitos bastante incomuns para um duque, dos quais ele se orgulhava bastante. Seu melhor amigo, o conde, o acompanhava em suas atividades. Também era o Edward que o auxiliava no relacionamento com homens de negócios. Aiden sabia que a nobreza se tornaria obsoleta de alguma forma e que os empreendedores engoliriam a Inglaterra. Com o aproximar do novo século, as coisas estavam mudando muito rapidamente, principalmente no continente. Ele já tinha estreitado relações com dois negociantes e um fabricante de locomotivas. Sim, ele poderia morrer de tédio em dois dias, mas a mulher do quarto ao lado não permitiria que isso acontecesse. Talvez ela o matasse de desejo. Quando Davies foi embora, deixou com Elizabeth Collingworth as mesmas recomendações: dois dias a mais de isolamento, evitar atividades extenuantes, repousar. Aiden sabia porque ouvira a conversa, porém a mulher não reapareceu - manteve-se trancada em seu quarto até a noite cair sobre a casa. Ninguém mais tentou contato com eles nem os incomodou e o duque acabou adormecendo enquanto a luz do dia se esvaía. Ele teve certeza que sonhou com gardênias e cabelos da cor do sol. Jurava que no sonho havia risadas, vozes sensuais e uma mulher ofegante sob seu corpo. Acordou horas depois sentido muita fome e o corpo quente e dolorido. A febre voltara, mesmo que branda. Sentindo um mal estar incômodo e muita dor de cabeça, Aiden foi até a sala para perceber que a lareira estava com mais lenha, havia sopa fumegante sobre o fogão e algumas lamparinas acesas. Serviu-se de uma dose de uísque e notou sua mão tremer. Ele odiava aquela doença por fazê-lo vulnerável. Olhou pela janela pensando ter visto uma luz do lado de fora e lá estava Elizabeth, vagando pela noite como um espectro. A mulher era realmente diferente de tudo que ele já vira em sua

vida. Ela se portava como… um homem? Talvez. Ela não tinha um comportamento de dama da sociedade e era exatamente por isso que ela era tão interessante. — Aconteceu algo? — Aiden perguntou, indo até a porta. A mulher ainda não tinha se vestido e continuava desfilando com uma camisola quase transparente. Na escuridão, sua visão era tão intimidadora quanto fantasmagórica. Ela estava sentada na grama e olhava para o céu. — Na verdade, não. Estou vendo como é bonito o céu no litoral. Tantas estrelas… Aiden colocou-se ao lado dela e se sentou com a lamparina entre eles. Aquela posição era desconfortável e o deixaria com dor no pescoço. Jogou-se para trás e deitou com a cabeça apoiada nas mãos. — Londres tem muitas luzes. — Ele suspirou. — Eu gosto do campo, do litoral, do afastamento da cidade. Ela se deitou, também. Apoiou o cotovelo na grama e esqueceu o céu por alguns segundos para espreitá-lo. Aiden sentiu-se escrutinado. — Conte-me outra história, Alteza. O senhor e sua irmã parecem ser pessoas muito boas, que acolhem os necessitados sem fazer muitos questionamentos. A que isso se deve? O duque sorriu e virou-se de lado para que ficassem frente a frente. A luz da lamparina era fraca mas sombreava o corpo curvilíneo de Elizabeth e deixava muito pouco para a imaginação. Dava inclusive para ver o escuro dos mamilos e… ele precisava focar nos olhos dela, ou voltar a apreciar a lua. — Meu pai era um homem muito bondoso. Ele nos criou dessa forma, ensinando que a força de um homem não vem de seu título e suas posses, apenas, mas do seu legado. Para ele, o legado estava além do sangue azul, era o que esse homem deixou de contribuição para o mundo. — Ele não acreditava que fazer filhos e disseminar o sangue dos Trowsdale fosse um legado suficiente? — Não, meu pai era um visionário. — As memórias vívidas do pai inundaram a mente de Aiden naquele momento e ele sentiu nostalgia. Sabia que, na realidade em que viviam, muitas famílias não desenvolviam afeto e as relações eram quase negociais entre pais e filhos. Para ele as coisas eram diferentes. Pelo menos em relação ao pai. Ele fora amado, mas tinha extrema dificuldade em expressar os sentimentos de seu coração. — Albert Trowsdale tinha ideias muito avançadas para a nobreza e ele era usualmente suplantado no parlamento. Mas a força do ducado de Shaftesbury não esmoreceu.

— É muito intrigante ver sua admiração por seu pai. O meu colocou tudo que tinha a perder com jogos e mulheres. Passamos fome e necessidades materiais porque o homem não conseguia manter os botões das calças fechados. E eis que a mulher também não tinha nenhum decoro na fala. Aiden pigarreou, engasgando com saliva, enquanto ela deu uma risadinha ao notar o desconforto dele. O silêncio que se seguiu deu a dimensão da tensão estabelecida entre eles. A beleza da natureza foi esquecida por minutos inteiros em que eles apenas se olharam, até que o estômago de Aiden fez um ruído animalesco que foi ouvido certamente até pelos criados da mansão. — Acho que está na hora daquela sopa. — Elizabeth levantou, espanando grama e terra da sua camisola. Aiden suspirou novamente e a seguiu, certo de que dois dias eram muito tempo para compartilhar com aquela mulher sem comprometê-la de todas as formas possíveis.

Um dia passou sem que o duque sucumbisse ao desejo inadmissível que seu corpo sentia por aquela mulher. Ele tentou afastá-la de todas as formas, buscando se convencer de que ela era inadequada, uma plebeia, viúva. Que ela não poderia oferecer a ele nada além do que todas as outras já lhe tinham oferecido, mas isso não surtiu efeito. Toda vez que ela respirava perto dele, Aiden relembrava o beijo breve que compartilharam e desejava beijá-la novamente. O último dia de isolamento começou com Elizabeth chateada. Ela não levantou cedo da cama, como fizera das outras vezes, nem perambulou pelo gramado exterior. Não preparou o desjejum nem se incomodou em deixar o quarto. Aiden deveria comemorar não precisar resistir à tentação dourada que o provocava a cada segundo desde que seus olhares cruzaram naquela estalagem, mas havia algo errado com aquela reclusão. Já passava do meio dia quando ele decidiu fazer alguma coisa. Um Trowsdale raramente fugia de uma dificuldade e ele fora ensinado a enfrentar todos os desafios. Dobrou as mangas da camisa, abriu alguns botões no colarinho e decidiu preparar ovos com presunto. Ele já a vira fazer aquilo por três vezes, não devia ser tão difícil. Mas era quase impossível. As duas primeiras tentativas representaram

ovos queimados. Aiden também não obteve muito sucesso preparando um chá, já que ele não sabia como fazer a infusão. Ferveu água, mergulhou as ervas, e aquilo simplesmente não parecia certo. Já estava se sentindo frustrado e com sua virilidade ferida por não conseguir superar as mínimas habilidades de uma mulher quando ela abriu a porta e apareceu. — Está tentando colocar fogo na casa? A voz dela estava embargada, porém divertida. Elizabeth estava enrolada em um cobertor e tinha os cabelos despenteados. Não havia nenhum resquício de vaidade feminina naquela figura pálida que se mostrava para Aiden, mesmo assim ele nunca vira nada tão belo à sua frente. — Não creio que eu seja capaz, já que não consegui nem mesmo ferver um chá. Aparentemente, colocar fogo em qualquer coisa é uma tarefa complexa demais para um duque realizar. Ela se aproximou e mexeu o chá que estava em infusão, ainda. Provou um pouco e franziu a testa, encarando o duque com uma expressão que o deixou apreensivo. Era surreal que ele tivesse expectativa pela aprovação daquela mulher, que ele desejasse fazer qualquer coisa certa para que ela gostasse. — Basta coar, agora. O sabor muito bom, é camomila? — Sim, há muitas flores logo aqui perto. Eu gosto bastante de camomila. — Ora. — Ela ergueu as sobrancelhas em uma expressão surpresa. — O senhor colheu flores, Alteza? Apesar da aparente normalidade que o olhar dela transmitia, Aiden pressentiu que Elizabeth não estava bem. Aquela mulher tinha se mostrado forte e lutadora durante a doença, mesmo sucumbindo à febre. Ela cuidou dele, ele cuidou dela, os dois compartilharam momentos intensos demais e aquilo deu a ele conhecimento sobre coisas que não pretendia conhecer. A frequência de sua respiração, o som de sua voz, o olhar altivo e sempre alerta. Algumas dessas coisas estavam diferentes. — A senhora está se sentindo bem? Aiden continuou insistindo em preparar os ovos enquanto aguardava que ela lhe respondesse. A quarta tentativa deveria ser a da sorte. — Não estou. — Ela por fim confessou, longos segundos depois. — Tenho saudades dos meus filhos. E não tenho nada para vestir. Os ovos que estavam nas mãos de Aiden caíram na frigideira, com casca e tudo. Ele bateu no cabo de metal quente e queimou a mão, derrubando tudo pelo chão. Virou-se repentinamente para a mulher enrolada em um cobertor. Ela estava nua por baixo daquele tecido grosso? Não havia nenhuma peça de

roupas entre eles? Se havia um jeito de distraí-lo e causar um incêndio na casa, Elizabeth tinha descoberto sem muito esforço. — Suas roupas não secaram? Ele tentou recolher a bagunça e ela se abaixou para ajudar, tentando segurar o cobertor com uma mão, apenas. As pernas dela ficaram expostas e Aiden jogou o corpo para trás, batendo a cabeça no fogão à lenha. — Secaram, mas estão cheirando a… não sei, estão com um cheiro horrível. E minha camisola estava muito antiga, acabou rasgando quando tentei lavá-la, hoje cedo. O duque não acreditava que nada dela pudesse ter um cheiro horrível. Ali, naquele instante, a proximidade fazia com que ele sentisse o aroma de sabão que exalava do corpo de Elizabeth. E tinha as malditas gardênias, de onde aquele cheiro surgia? — Vou mandar que lhe tragam roupas limpas. — Aiden levantou. — Apesar de… eu não tenho como chamar os criados daqui. Isso pode ser um problema. — Está tudo bem, Alteza. — Ela sorriu e tomou a frigideira da mão dele, recolocando sobre o fogão. Depois, pegou um pano escurecido e umedeceu em água para limpar o chão, que era de pedra. Tudo aquilo com uma mão segurando aquele cobertor enrolado nos ombros. — Amanhã estaremos liberados para seguir nossos caminhos. Deixe-me fazer isso. Ela parecia realmente disposta a cozinhar naquelas condições. Aiden não impediria, já que tinha fome, mas ele podia ajudá-la de alguma forma.

Foi algo rápido mas que durou um ano inteiro. Elizabeth estava de costas para o duque, equilibrando-se para manter sua dignidade enquanto tentava cozinhar nua. Não estava tecnicamente nua, já que havia um grosso tecido sobre ela, mas aquele tecido cobria apenas sua pele desnuda. Talvez aquela condição a deixasse mais vulnerável, porém foi capaz de sentir com exagerado entusiasmo a aproximação de Aiden. Ele foi silencioso como um fantasma e ficou cinco segundos parado atrás dela antes de tomar uma atitude. Cinco segundos em que o coração dele martelou oito vezes. Elizabeth parou de respirar quando Aiden colocou as mãos em seus cabelos soltos e desarrumados e juntou os fios com os dedos,

elaborando uma trança frouxa. Aquelas mãos eram habilidosas demais para um duque. Ele não mentiu quando disse que sabia trançar cabelos. Depois, segurou o cobertor com as mãos grandes e seus dedos tocaram a pele dela, no pescoço e na clavícula. Elizabeth fechou os olhos enquanto os ovos estalavam na frigideira. — Confie em mim. Aiden sussurrou bem próximo ao ouvido dela. Elizabeth quis gritar que sim, ela confiava, apesar de não ter motivos para aquilo. O corpo dela inteiro retumbava com a mera proximidade do duque. Não havia certeza maior em sua realidade - ela queria ser tocada por ele. Elizabeth soltou o cobertor. O duque o manteve firme no lugar e, juntando as pontas, deu um nó na altura do pescoço dela. O tecido caiu frouxo por seu corpo, não cobrindo exatamente como deveria. Se ela se movesse, o cobertor também se moveria e partes dela ficariam expostas. Mas, ao menos, permitia que ela tivesse as mãos livres. — Vou me sentar ali atrás. O duque se afastou e ela sentiu um frio repentino, como se uma corrente de ar lhe atingisse. A presença dele a envolvia em calor e fazia tempo desde a última vez em que se sentira daquela forma. Provavelmente Elizabeth nunca percebera que sentia falta ou que precisava daquele tipo de calor, mas Aiden Trowsdale estava causando nela um efeito problemático. Estava fazendo com que ela desejasse coisas que não poderia ter. Cozinhar se tornou mais fácil. Os ovos ficaram com uma aparência ótima e o pão, que ela havia feito no dia anterior, ainda estava macio. Passando um braço pela própria cintura para evitar uma exposição desonrosa, Elizabeth levou a comida até a mesa e se sentou, tentando manter os olhos afastados do duque. — É sua vez de contar uma história. — O duque disse, cortando o pão com as mãos. Ela tentou evitar os olhos dele, o que não fez nenhuma diferença. Qualquer parte do corpo de Aiden despertava os sentidos de Elizabeth. — Fale-me dos sonhos de Elizabeth Collingworth. Ela riu. Claro que tinha que rir, mulheres como ela não tinham sonhos. Ao menos ela não tinha mais sonhos, eles foram despedaçados, pisoteados e incinerados quando ela tinha quatorze anos. Tudo pelo que ela foi criada virou pó aos seus pés e ela precisou encarar outra realidade - a de trabalhar por seu sustento e de viver em uma sociedade muito diferente daquela que deveria acolhê-la.

— Quando eu era uma menina, e minha mãe me ensinava coisas sobre o futuro e sobre como eu deveria me portar… quando minha tutora me dava orientações sobre a sociedade e a nobreza… eu tinha um sonho. Era uma coisa tola, mas eu por vezes sentia que poderia atingi-lo. — E que sonho tolo era esse? Vamos, a senhora não pode começar uma história e não terminá-la. — Meu sonho era se casar com um duque. Aiden engasgou com o pedaço de pão que levou à boca. A expressão resoluta de Elizabeth indicava que ela esperava aquela reação. — Parece o sonho de uma dama. — Ele disse, depois de beber um pouco de chá. Não, ele praticamente virou uma xícara inteira de chá enquanto Elizabeth o fitava preocupada. Aiden tinha a voz rouca, ela não sabia se era por algum incômodo em sua garganta ou se ele estava constrangido com o sonho dela. — Acontece que eu não sou uma dama. Não mais. Eu tive sonhos, mas Vossa Graça pode perceber que hoje eu apenas luto pela sobrevivência. Naquela época eu era uma menina e eu fui criada para me casar. Hoje eu sou uma mulher adulta e sei que há coisas mais importantes na vida do que escolher maridos aristocratas. — A sua família, ela… tinha ascendência? — Não. Mas eu podia conquistar um nobre, claro. Um baronete, talvez, até um visconde poderia ter interesse em desposar uma moça rica com um dote excelente. E eu era refinada, fui treinada para ser uma anfitriã perfeita, uma esposa dedicada. Seria fácil transitar comigo nas festas e bailes, eu não tinha estirpe mas tinha classe. O duque era apenas um sonho, mesmo. Nenhum deles se interessaria por mim. Eu não era boa o bastante. Elizabeth tinha certeza que jamais se casaria com um duque. Era um título alto demais, havia pretendentes muito melhores do que ela. Duques se casavam com mulheres nobres, filhas de condes ou outros duques. Eles não escolheriam ela, por mais que ela fosse a escolha perfeita. Ainda assim, ela sonhava. Ela sonhou. Aquilo tinha ficado no passado. — E então o seu pai perdeu tudo. Ele não precisava de muito esforço para entender a situação. — E eu perdi meu dote. Sem estirpe e sem dote, a minha vida miserável me conduziu a outros caminhos. — Lamento. A senhora certamente daria uma ótima esposa para qualquer homem na minha posição.

— O senhor não pode saber disso. — Ela o encarou. Nunca tivera tanta proximidade com um homem a ponto de conversar abertamente com ele sobre aquelas tolices sentimentais. Primeiro, porque nenhum homem queria realmente conversar sobre aqueles assuntos. Segundo, porque ela não se sentia confortável em falar deles. — Só me conheceu em posição de subserviência, como uma criada. Talvez possa acreditar que eu seja uma boa ama de companhia, ou tutora, ou até mesmo governanta. Mas, esposa? Aiden riu e terminou de comer o que havia em seu prato. A luz da vela que estava sobre a mesa bruxuleava em seu semblante rígido, amenizado por um breve sorriso nos lábios perfeitos. — Tem razão. Mas eu suspeito que minhas impressões estejam corretas.

Capítulo nono

D UAS COISAS IMPEDIAM Aiden de dormir naquela noite. Uma era a antecipação de retornar para casa e retomar suas atividades sociais. Mesmo que ele não gostasse da maioria delas, ficar enclausurado em uma casa isolada não era seu melhor conceito de diversão. E ele tinha negócios a tratar, investimentos a fazer, propriedades para supervisionar. Sua fortuna não se multiplicaria sozinha. A segunda era a mulher do quarto ao lado. Eles passaram momentos interessantes durante o dia, enquanto ela vestia um cobertor e nada mais. Durante todo o tempo ele desejou desatar aquele nó e despi-la para seu deleite. Pensar nela fazia com que o incômodo em sua virilha se transformasse em algo imenso. Poderia ser o tempo sem mulheres. Aiden não estivera ocupado em satisfazer seus desejos carnais nas últimas semanas, ele estava há tempos sem alívio. Provavelmente era por causa daquilo que o desejo por Elizabeth Collingworth estava lhe deixando louco. Era tanta loucura que ele chegou a se animar quando ela perguntou se havia uma oferta para torná-la sua amante. Por um minuto ele ansiou para que ela aceitasse uma proposta não feita, como se adivinhasse o desejo em seu peito. Ela negou, como era de se esperar. Apesar de pobre, aquela mulher tinha a alma de uma dama da sociedade. Se ela não seria sua amante, ela não seria nada além de sua governanta. E era inadmissível ter tanta vontade de beijar sua empregada. Desistindo de rolar de um lado para o outro, o duque se levantou e foi até a sala servir-se de uísque. Se ele bebesse duas ou três doses talvez seu corpo relaxasse e ele pudesse pegar no sono. Estava escuro demais para ler e não

havia nada que ele pudesse fazer para se divertir. Aquilo era o que ele pensava, até ver Elizabeth de pé na janela. Maldição, ela era apenas uma silhueta escura e avermelhada à luz da lareira, mas os seus cabelos estavam esvoaçantes como se flamejassem. — Não consegue dormir? — Ela perguntou, percebendo-o na sala. — Não. Espero que o uísque me ajude a resolver esse problema. Ela se virou para ele e estava lá, com aquele cobertor que não conseguia mais cobrir seu corpo inteiro. Estando os dois de frente, ele podia vê-la. Será que Elizabeth considerava que a ausência de luz a mantinha em segurança e escondia suas formas? Será que ela não percebia que a lareira continha claridade suficiente para expor sua pele parcialmente desnuda e deixar Aiden duro como granito? — Se tiver mais sorte do que eu. Bebi duas doses e só fiquei um pouco confusa. — O álcool faz isso conosco. — Aiden deu dois passos na direção dela. — Ele desinibe e amortece. Elizabeth foi até o bar e serviu duas doses do líquido âmbar. Entregou um copo ao duque e ficou com outro para si. Ele bebeu tudo em um gole e serviu-se de mais. Bebeu novamente de uma só vez para ganhar coragem. Não que Aiden precisasse de coragem, mas ele nunca fizera nada como aquilo que estava fazendo. — Amanhã estaremos liberados. — Ele deu outros dois passos até ela. — Provavelmente esse é o último momento em que ficaremos assim, sozinhos. Ela baixou o olhar e Aiden percebeu seu constrangimento. Ao mesmo tempo, não fez nada para impedir que ele se aproximasse mais. — Provavelmente muitas fofocas já surgiram. A sua reputação pode estar em perigo, Alteza — A reputação de um homem nunca está em perigo. — Ele estava perigosamente próximo e ela conseguia sentir o calor emanado da pele descoberta dele. — Já a sua, tenho certeza que sairá daqui bastante arranhada. Isso a preocupa, Elizabeth Collingworth? — Não tenho muito mais com o que me preocupar, Alteza. Eu não sou uma dama, não tenho reputação a zelar. Uma mulher das docas não será rejeitada apenas porque passou alguns dias com um duque em uma casa isolada. — Talvez não. Mas isso pode atrapalhar seus planos de trabalhar como tutora de jovens damas.

— Será uma consequência com a qual terei que lidar. A forma como ela o olhou era determinada, porém triste. Não havia mais virtude a ser arruinada nem as classes mais baixas davam tanta importância assim aos intercursos sexuais entre pessoas não casadas. Mesmo assim, ela parecia sempre presa entre dois mundos, aquele em que fora criada e aquele a que pertencia. Havia a dignidade que ela tentou precariamente proteger durante aquele curto período em que ficaram juntos. E ele teria total responsabilidade pelo que estava para acontecer. O silêncio perdurou enquanto Aiden se aproximava até estar a menos de dois centímetros dela. O cobertor roçava em sua pele, já que ele estava sem camisa. Aiden pegou o copo quase vazio da mão de Elizabeth e colocou sobre a mesinha do bar. Sua mão, então livre, posicionou-se nos cabelos dela e os dedos enrolaram os cachos loiros entre eles. — A senhora é a mulher mais linda que já conheci. A frase saiu quase como uma confissão. Um sussurro de sua alma, algo que Aiden dificilmente diria em voz alta em sendo verdade. Já dissera a outras mulheres que elas eram lindas, nunca que eram as mais lindas. Já dissera coisas para levá-las para a cama, a maior parte era apenas para conseguir um objetivo. Naquele momento, enquanto a face de Elizabeth corou em vários tons de vermelho, o duque entendeu que não precisava mentir para seduzi-la. Que a verdade era suficiente. — Alteza, eu… O duque calou os lábios dela com o polegar. — Não diga nada. Apenas me peça para parar. Ela não disse, então ele não parou. O polegar contornou os traços da boca dela e desceu para o pescoço, até se posicionar sobre o nó inconveniente daquele cobertor. Devagar, como se fosse um caçador prestes a pegar a presa, Aiden levou a outra mão até a nuca de Elizabeth e a beijou. Foi um toque de lábios, no início, em que a boca dele, muito quente e ansiosa, encontrou a dela, trêmula. O gemido que se seguiu fez com que Aiden forçasse uma abertura para sua língua. Como ela ainda não tinha pedido para ele parar, o duque desceu as duas mãos até a cintura da mulher e a puxou para mais perto.

Elizabeth estava começando a acreditar que ela nunca tinha sido beijada. O falecido Gregory não foi o único homem a tomar algumas liberdades com ela - depois dele, outros já tinham roubado um beijo ou outro, mas nada era como aquilo. Nada fora sequer parecido com aquilo. As duas mão do duque estavam firmes em sua cintura, os dedos pressionando sua carne e quase penetrando o cobertor. Dava para sentir o calor que delas emanava e a aspereza do toque, algo que não parecia muito comum a um nobre. As mãos dos nobres eram lisas e incólumes, mas as daquele homem pareciam rudes e até mesmo calejadas. E a língua dele estava se enroscando na dela, fazendo com que Elizabeth emitisse alguns sons muito constrangedores. — Alteza. — Ela murmurou sem afastar a boca dele. Estava com as duas mãos nos ombros do duque e os dedos já se arriscavam a delinear alguns músculos proeminentes que não deveriam estar ali, tão evidentes. — Eu não sou esse tipo de mulher. Ela não era. Elizabeth fora criada, na infância, como uma lady. Ela aprendeu o recato e o pudor necessários. Uma dama não sentia desejo. Uma dama aceitava seu marido, apenas seu marido, para gerar filhos dele ou para lhe dar o prazer carnal. Ela mesma não tinha aqueles interesses, uma dama respeitável não tinha. Foi o que cresceu ouvindo, como aprendeu a ser. Mas o mundo a fez diferente. Dura, talvez? Havia muito da antiga Elizabeth nela, mas boa parte fora tomada por uma mulher que precisou enfrentar uma realidade que não a permitia fragilidades. Ela entendeu que, na verdade, aqueles ensinamentos estavam equivocados. Uma mulher tinha desejos. Ela também poderia querer prazer. Uma mulher não pensava apenas em vestidos, sombrinhas ou no clima. Ela sabia dos assuntos, aprendia com facilidade e adorava conversar. Naquele momento, em que ela sentia a boca do duque por todos os lugares da sua pele, depois de todas as vezes em que o decoro fora abandonado por eles, ela só conseguia sentir. O desejo a fazia enxergar tudo nublado e não parecia errado que ela o quisesse. Daquela forma, de todas as formas. Elizabeth não tinha mais nada a perder. — Eu sei. — Aiden a puxou para mais perto ainda. Elizabeth sentiu a dureza de sua masculinidade pressionando-a por baixo do cobertor, que não cobria absolutamente mais nada. — Por favor, Elizabeth, peça-me para parar. Mande-me de volta para o meu quarto. — Eu não quero.

Céus, ela não queria mesmo. Não pretendia se entregar e não desejava se afastar. Não pretendia deixar que ele a tocasse nem conseguia evitar gemer por seu toque ou ansiar por mais. Mais contato. Mais intimidade. — Você precisa. — Talvez possamos fazer com que as fofocas não sejam fofocas, afinal. Três doses inteiras de uísque não apenas a desinibiram, abriram uma comporta por onde jorrava um rio que Elizabeth não podia mais represar. O rosnado emitido por Aiden Trowsdale demonstrou que ele não parecia muito preocupado com aquilo, que ele também gostaria de dar motivos para os fofoqueiros. Ele provavelmente estava apenas sendo respeitoso com ela, de uma forma bastante peculiar. Não apenas o beijo, mas o toque ficou mais intenso. Ela fechou os olhos para receber a boca dele novamente e daquela vez já se abriu para que ele a invadisse com a língua. Passando as duas mãos pelo pescoço de Aiden, Elizabeth uniu os corpos e seus seios nus tocaram o peito firme dele. A sensação dos músculos em contato com a sua pele era indescritível. Quando foi que ela se sentiu assim? Fazia tempo, ou talvez fosse nunca. Provavelmente Elizabeth seria confrontada em suas verdades naquele minuto em que passou beijando um duque - e nem era a primeira vez. Provavelmente ela não tinha ainda experimentado um prazer como aquele. Aiden direcionou seus beijos para outros lugares. As bochechas, o queixo, o pescoço. Enquanto deixava um traço de fogo em sua pele, ele subia as mãos devagar. Muito devagar, em um ritmo tão lento que causou agonia. Se ela sempre fora pervertida daquela forma, não tinha percebido. Mas Elizabeth jurou, naquele momento, que a culpa era do duque. Ele despertara nela sensações que ignorava. Quando o polegar dele escorregou para dentro do cobertor e tocou seu mamilo, ela gemeu. Ele considerou aquilo um incentivo e circulou o mamilo com o dedo, acariciando-o e provocando-o enquanto arrancava dela mais gemidos. Não havia mais vergonha que impedisse Elizabeth de demonstrar o prazer que sentia com aquele toque. Ela agradeceu estar apoiada no corpo dele, pois seus joelhos se transformaram em gelatina. Sem parar de beijá-la, Aiden segurou um seio nas mãos. — Isso é perfeito. — Ele o encaixou entre os dedos e o acariciou, fazendo com que ela se contorcesse de prazer. E então a boca de Aiden estava ali, beijando e lambendo o seio que ele segurava. Ela arqueou o corpo para trás e, não fosse a mão dele em suas costas, teria caído ao chão. — Não, isso é

perfeito. Isso. Peça-me para parar, Elizabeth. Não quero que você pare. Quero mais e quero agora. Ela não era capaz de impedi-lo em nome de uma honra que já tinha sido maculada. A única forma de acreditarem que ela e o duque não fizeram nada impróprio naquele período de quarentena era que ele a rejeitasse. Fora isso, ninguém acreditaria que aquela mulher fosse capaz de dizer não ao Duque de Shaftesbury. Talvez ela não fosse. Aiden sugou o mamilo e ela não conseguiu pensar mais nada além daquele prazer. Empurrada para a parede, ela se apoiou na pedra fria enquanto ele conduzia a mão livre também para dentro do cobertor e descia pelo corpo dela. Tocava suas curvas até embrenhar-se em seu sexo, buscando algum espaço ali, naquele lugar que estava pulsante e dolorido desde que o beijo começou. — Oh, Aiden. Ela suspirou ao senti-lo abrindo espaço para os dedos, por entre seus cachos e suas dobras femininas. O duque conhecia tão bem a anatomia das mulheres que não teve nenhuma dificuldade em encontrar seu centro de prazer - e foi ali que ele concentrou sua atenção. Fazendo círculos com o indicador, Aiden acariciava o botão rosado entre as pernas de Elizabeth enquanto ela não tinha mais condições de ficar de pé. — Faça isso. — Ele percebeu que ela estava trêmula em suas mãos. — Entregue-se. Parecia fácil para ele, mas era quase impossível que Elizabeth se entregasse tão facilmente. Por mais que ela ansiasse por aquele toque e por mais habilidoso que ele fosse, ela não fora treinada para sentir prazer, mas para dar. Ela se preparou para deitar, nua, abrir as pernas e esperar que o homem se satisfizesse. Mas aquele ali era diferente. Ele pedia que ela sentisse - e ela sentia muito, forte e intenso. — Eu não… Aiden deslizou um dedo para dentro dela. Oh, ela não conseguiria evitar. O calor que crescia em seu ventre parecia prestes a explodi-la em uma chuva de fogos de artifícios, como se Elizabeth fosse se transformar em ano novo. Seus olhos enxergavam luzes inexistentes enquanto ele colocava e tirava o dedo, inseria um segundo, e a sustentava com firmeza de contra a parede. Se já estava difícil sustentar sua dignidade, ele dedicar atenção a seus mamilos não ajudou muito. Elizabeth soltou outros gemidos constrangedores e sentiu seu corpo todo convulsionar.

— Sim, Elizabeth, você consegue. — Aiden murmurou, a boca muito próxima à dela. — Apenas deixe vir. E ela deixou. As luzes piscavam frenéticas e seus olhos não conseguiam mais ficar abertos. As ondas de prazer inebriante que se abateram sobre ela pareciam uma tormenta em alto mar, prestes a naufragá-la e deixá-la à deriva. Mas, por algum motivo, ela acreditou que houvesse um bote salva-vidas à sua espera. Talvez ela já tivesse sentido aquilo, antes. Mas não foi com aquela potência. — Aiden. — Ela gemeu baixo enquanto o mar acalmava e as nuvens escuras davam lugar à claridade do sol. Elizabeth era só metáforas e ela não sabia nem mesmo o que dizer. — Oh. O beijo que a silenciou foi sôfrego e intenso, mas suave. A boca dele estava quente e ansiosa, deixando rastros suaves de calor pelos seus lábios. — Considere essa como uma nova proposta. Ela não estava capaz de entender o que ele dizia. Aiden continuava com as mãos em seu corpo e os lábios em sua pele, mantendo-a muito estimulada depois do orgasmo. — Não entendo. — Eu não quero que seja minha criada. Eu desejo você, Elizabeth. — A boca traçou os contornos do seu maxilar, percorreu o caminho até a parte de trás da orelha. — Venha viver comigo. A nova proposta significava apenas uma coisa - ele a queria como amante. O que estava fora da mesa de negócios, antes, passara a ser a oferta principal muito rapidamente. Claro que para isso ela servia, para dar a ele prazer. Elizabeth não esperava despertar os desejos do duque mas, já que ele a queria, ele a queria apenas como sua concubina. E aquilo ela não poderia aceitar. — Não posso, Alteza. — Por que não? — Ele ainda a beijava e ela estava dividia entre o desejo de que ele a possuísse e o repúdio pelo que ele propunha. — Elizabeth, eu cuidaria de você. Cuidaria de seus filhos. Você nunca mais precisaria trabalhar. Só diga sim. Seria muito fácil. Nada em sua vida fora fácil desde a falência do pai. Mas Elizabeth não arriscaria levianamente colocar um bastardo no mundo, nem abandonaria sua moral apenas para ter uma vida fácil. Pense nos meninos, Elizabeth. Uma voz gritava dentro dela enquanto o

duque beijava seu pescoço. Ele não fazia nenhuma investida mais íntima, apenas a mantinha presa naquela espiral de desejo enquanto ela decidia. Pense no que você poderá proporcionar a Patrick e Peter. Eles terão uma educação de qualidade e poderão ir até a universidade. Eles poderão se casar com uma dama da classe média. Pense nos seus filhos. E ela pensou. Por mais que quisesse, ali, naquele momento, ceder a Aiden Trowsdale, ela não conseguiria olhar nos olhos dos meninos se virasse uma concubina. E, quando ele se cansasse dela, ela seria trocada por uma mulher mais jovem e com mais vigor, uma mais bonita e que soubesse fazer coisas que ela não sabia. — Não posso. — O momento findou. Ela puxou o cobertor para se cobrir e Aiden se afastou alguns centímetros. — Eu não sou uma amante, não sou esse tipo de mulher. Voltando para seu quarto, ela fechou a porta e se enrolou nos cobertores, sentindo um mal estar que certamente não era da doença. Seu corpo ardia de desejo e sua cabeça doía pela negativa. No dia seguinte ela precisaria ir embora e voltar para a miséria com seus filhos.

— Onde está meu filho? A duquesa viúva perguntou à sua criada particular. Ela sabia que Agatha estava na propriedade, mesmo que ainda não tivesse saído do quarto nenhuma vez, nem tivesse mandado chamar a filha. A jovem impetuosa não ia ver a mãe a não ser que fosse solicitada. Aquele fora um comportamento treinado desde a infância - Agatha nunca deveria entrar no quarto da duquesa sem um convite. Ninguém deveria. — O duque está na casa do poço, senhora. — Emma abriu as cortinas para deixar entrar luz solar no quarto. Já passava de meio dia, mas a nobreza raramente acordava antes daquele horário. — Parece que ele está de quarentena. — O que ele tem? Ninguém nessa casa pensou em me contar que meu único filho está doente? — Ele tem a febre vermelha, senhora. Escarlatina. Mas John disse que está tudo bem, eles estão se recuperando. Granger e Geoffrey têm garantido que nada lhes falte.

— Eles? O plural usado pela criada não tinha sido um mero acidente linguístico em razão de sua alfabetização precária. Seu filho estava com outra pessoa naquela casa isolada e a duquesa tinha que saber quem era. — Sim, senhora. — Emma baixou o olhar e encarou o piso de madeira. — O duque está abrigando a Sra. Collingworth, uma viúva de Londres. Ela também está doente. Uma viúva não parecia o tipo de mulher que atraía seu filho. Certamente era uma senhora de meia idade que teve a infelicidade de contrair a doença. Aquele comportamento bondoso Aiden aprendera com o pai e não parecia haver nada que o demovesse de ajudar os necessitados. Myrtle imaginou que não precisaria se preocupar com escândalos ou reputações porque seu filho estivera deflorando mulheres indefesas. — Assim que ele retornar para a mansão, informe-me. Quero acompanhar todas as notícias sobre o convalescimento do duque. Emma assentiu com a cabeça e saiu do quarto, ansiosa por libertar-se da duquesa maligna. Myrtle sabia que os empregados a abominavam e que sua fama de cruel era tão popular quanto a libertinagem de seu filho. Mas ela já tinha deixado de se preocupar com isso desde que percebera que não havia nada que pudesse fazer para evitar uma fofoca. Aquele era um indicador do que ela já suspeitava. Sua longa abstenção da família estava começando a cobrar um preço - o filho não se casava e a filha não lhe seria de nenhuma serventia, já que ela não pretendia depender do marido de Agatha para sobreviver. As melhores chances de Myrtle sempre foram em um casamento conveniente do duque com uma mulher de boa origem e que pudesse dar ao filho herdeiros suficientes.

Capítulo décimo

N ÃO FOI o sol nem o calor repentino que acordaram Elizabeth naquela manhã, muito mais tarde do que ela geralmente despertava. Seus ouvidos capturaram um miado e isso a tirou do transe do sono. Miado? Ela sentou na cama e puxou o lençol para si ao se perceber nua. Claro que ela estava nua, depois do que houvera na madrugada. A lembrança dos momentos de extrema intimidade fizeram com que suas bochechas ardessem. Sentiu-se muito devassa e impura, suja. Seu corpo estava marcado pelo toque indecente do duque com quem compartilhava os dias e noites desde que descobriu-se doente. Ela podia ter sonhado tudo aquilo. Não era difícil de imaginar. A doença sucumbiu seu corpo e a devassidão tomou conta de sua mente, então Elizabeth provavelmente sonhara com um duque másculo e sedutor que a beijava e tocava em partes inapropriadas. Com certeza foram sonhos todas aquelas sensações inebriantes causadas pelos dedos de um homem que ela nem imaginava que existia - lindo, forte, nobre, preocupado com a sua satisfação. Não tinha sido um sonho. A verdade doía em sua cabeça e ela sabia que precisava ir embora. O miado ainda ecoava em seus ouvidos mas, fora aquilo, não havia nenhum outro ruído no quarto. A porta estava recostada e ela estava sozinha. Ele a respeitara, não insistira para possuí-la, não forçou nenhum outro contato. Provavelmente, Aiden estava irritado com ela. Daquela vez ela se vestiu dignamente e seguiu o som do miado para encontrou o duque na sala. Ele estava de costas para ela, de frente para a janela, usando uma camisa branca perfeitamente passada e calças de camurça

muito justas. Ele tinha pernas enormes e qualquer roupa deveria ficar justa nele. Os cabelos, desarrumados, reluziam sob o pálido sol da manhã. E ele estava alimentando um gatinho. — Oh, céus, o que é essa coisinha doce? Aiden virou-se para ela e um sorriso ergueu os cantos de sua boca. — Bom dia. Esperava que esse danadinho não acordasse a senhora, mas ele parecia faminto. — É muito gentil do senhor cuidar dele, Alteza. O duque acariciou o pelo do gato, que pareceu muito confortável com ele, e se virou para Elizabeth. Ela sentiu o cheiro de presunto e chá e entendeu que ele, finalmente, tinha conseguido fazer a comida. Depois do fracasso do dia anterior, aquela parecia uma vitória e tanto. — Não temos animais domésticos em Thanet Bay. — Ele confessou, colocando uma frigideira cheia de ovos sobre a mesa. — Nem pão fresco nessa casa, portanto espero que ovos e presunto sejam suficientes para um desjejum razoável. Creio que, depois de comermos, podemos caminhar até a mansão. Ansiedade dominou Elizabeth e fez seu coração disparar. Ela não sabia se era porque ansiava ver os filhos ou porque estava gostando de ficar ali. Depois que cruzassem a porta da casa e se lançassem de volta no mundo exterior, eles voltariam a ser o duque e a criada, o homem de sangue azul e a mãe viúva sem ter onde cair morta. Qualquer coisa que eles tivessem experimentado naqueles dias isolados teria que ficar no passado. — Será ótimo retornar. — Ela não tinha certeza do que dizia. — Se Vossa Graça quiser, eu posso ir até a casa e pedir que sua carruagem venha lhe buscar. Depois eu pegarei os meninos e deixarei a propriedade. — Gosto de caminhar. — O homem bebeu um gole de chá e, por Deus, ele ficava lindo de qualquer jeito. Vestido como um lorde que era, ele estava tão magnífico quanto nos outros momentos em que ela o vira praticamente sem roupas. — Mas… por que deixará a propriedade, Elizabeth? A forma como ele a encarou a fez desejar esconder-se atrás da xícara. — Porque preciso retomar meu caminho, Alteza. Eu devo achar um lugar para ficar com os meus filhos e… — Vai recusar trabalhar para mim também? — Ele a olhava com as sobrancelhas unidas, sério, inquisidor. — Vai me rejeitar como homem e como patrão? — Vossa Graça não pode estar pensando… — Elizabeth bebeu um gole

do chá, sentindo a garganta seca. — Eu não o rejeitei, Alteza. — Ela murmurou. — Não entendo. — Eu não o rejeitei. — Elizabeth disse com mais certeza. — Nem como homem, nem como patrão. Apenas não posso aceitar ser a amante. O senhor não entende, o senhor não faz ideia de como é, para mulheres como eu. Quanto ao emprego, pensei que a oferta tinha sido retirada. Ele a fitou por mais tempo e ela quis esconder-se debaixo da mesa. — Nunca mais suponha as coisas por mim. — O tom de voz dele era sério. — Espero que possa ser minha governanta, ainda preciso de uma mulher qualificada para gerir os empregados. Por aquilo ela não esperava. Os olhos escuros de Aiden a encaravam com ansiedade, esperando uma resposta. Como poderia fazer aquilo funcionar? O que ela sentia por ele era real, não parecia uma tarefa simples ignorar o impacto que o Duque de Shaftesbury causou na vida dela. — Não sei se devemos fazer isso. Haverá fofocas e a duquesa dificilmente me aceitará. Sou jovem demais para ser uma governanta. — Mamãe não determina nada na casa há uma década. — O duque começou a recolher a comida de cima da mesa. Ela tentou impedi-lo, tomando as vasilhas da mão dele, mas Aiden demonstrou que gostaria de fazer o trabalho. — Eu quero que seja minha governanta. Pagamos bem aos empregados, pode confirmar com qualquer criado da casa. Elizabeth precisava decidir, mas não era uma escolha fácil. Ela teria que trabalhar meses na mansão e isso significava ver o duque todo dia. Ou talvez não, poderia ser que ela nem mesmo esbarrasse com ele em uma mansão tão grande. Seu trabalho não seria de contato direto com ele, poderia apenas administrar as empregadas e pronto. Eles precisavam do dinheiro. Assentiu com a cabeça e foi o suficiente. O duque compreendeu que ela dizia sim para aquela oferta específica, como já tinha dito antes. Trabalhar para ele era tolerável, mesmo que seu corpo o quisesse de outras formas.

Ela o rejeitara. Desde a noite, quando sua ereção dolorida se frustrou porque Elizabeth Collingworth preferia ser parte da criadagem a se tornar sua amante, sua virilidade estava mortalmente ferida. Será que ele esteve

enganado e ela não o desejava? A forma como reagiu ao primeiro beijo, depois ao toque dos dedos dele indicavam que sim, ela o queria. Talvez da mesma forma que ele a queria. Se Aiden não estava errado, por que ela o rejeitava? Ser sua amante era menos digno do que ser uma criada invisível? Ele poderia dar a ela todo luxo que ela merecesse. Cobriria-a de seda e jóias, possibilitaria a melhor educação para os filhos dela, faria com que ela tivesse tudo que sempre sonhou. E ele garantiria amá-la, compartilhar o calor de seu corpo com ela, oferecer prazer sem limites. E Elizabeth não o quis. Aquilo o magoara profundamente, mas ele não pretendia deixá-la ir. Se ela fosse embora ele nunca mais a veria e Aiden Trowsdale não estava pronto para esquecê-la. Caminhando de volta para a casa, ele ia à frente. O sol estava forte já durante a manhã e aquele seria provavelmente um bom dia para ir à praia. Era também provável Edward o convidaria para uma cavalgada que ele aceitaria. Combinariam uma caçada pelos bosques, Aiden encheria a casa de convidados e tudo voltaria ao normal. O duque não precisaria rememorar os dias em que esteve doente, temendo pela vida e isolado com uma completa desconhecida. — Seja bem-vindo de volta, Alteza. — John o recebeu pela entrada principal. — O conde pediu que eu o avisasse assim que retornasse, ele deseja lhe fazer outra visita. Uma mais adequada. — Certo. Mande o mensageiro até ele. Minha irmã já acordou? Aliás, que horas são? Minha mãe, ela… Aiden lembrou-se de não ter pego o relógio nem uma vez durante aquele confinamento. Não prestou atenção em horários nem em convenções. Foram dias de uma liberdade que ele desconhecia existir. — Quanto às horas, estamos por volta das dez, Alteza. Sua irmã está dormindo e a duquesa está como sempre, porém um pouco mais como sempre. Vossa Graça deseja tomar seu desjejum? — Eu já comi. — E muito bem, Aiden quis dizer, porém manteve-se com a postura de duque que ele sabia usar perfeitamente. — Mas quero me encontrar com Agatha quando ela acordar. Vou para meus aposentos, ainda estou muito fraco. Mande Geoffrey preparar um banho para mim. O duque caminhou pela extensão do salão de entrada e encarou as escadas com desânimo. Ele não se sentira mal no dia anterior mas, desde que estivera liberado para voltar, fora abatido de um cansaço terrível. Talvez

tivesse sido a caminhada. — Ah. John, eu contratei a Sra. Collingworth para ser nossa governanta. Por favor, receba-a e indique para ela o serviço. Ordene que preparem aposentos para que ela e os filhos sejam devidamente acomodados. O mordomo moveu a cabeça em concordância e se retirou. Aiden foi para o quarto e Geoffrey já estava lá, preparando a calefação para aquecer a água do banho. Havia um banheiro no quarto principal daquele andar, para uso do duque, e outro no quarto ocupado por sua mãe, para uso das mulheres. Ambos foram construídos por seu pai. Não mentira quando disse que ele era um visionário, Aiden não fazia ideia da fortuna que o pai gastara naquelas engenhocas de encanamento e aquecimento para que eles não precisassem carregar jarras e baldes de água quente escada acima. O criado o ajudou a retirar as roupas e, depois que o duque entrou na banheira, ajoelhou-se para lavar-lhe as costas. Aiden fechou os olhos por um instante e teve vontade de blasfemar. Maldição, aquilo estava muito errado. Aquele não era o toque de Elizabeth. — Pode deixar, Geoffrey. — O duque indicou que o criado deveria sair. — Eu quero apenas relaxar um pouco na banheira .

Quando Elizabeth entrou pelos fundos e viu seus filhos, ela teve vontade de chorar. Além das saudades que apertavam seu peito, eles estavam parecendo pequenos aristocratas. Nunca eles tiveram roupas tão belas e bem talhadas como a que estavam vestindo. Peter veio correndo e a abraçou, gritando mamãe. Patrick, mais contido, se aproximou com cuidado. Ela afagou a cabeça do filho mais velho e o beijou na testa. — Vocês se portaram bem? — Sim, mas Peter não quis dormir na cama dele. — Aquela não é minha cama. — O menino resmungou, com o nariz enfiado na saia da mãe. — Você vai nos levar para casa agora, mamãe? — Ainda não podemos. — Elizabeth ajoelhou-se e fez com que os meninos olhassem para si. Ela costumava conversar com eles de forma que seus olhos estivessem na mesma direção. — Eu fui contratada por essa família, portanto ficaremos aqui pelo verão. Será bom, quando voltarmos a cidade estará livre da doença. E temos um quarto confortável para ocupar.

Sabiam que na propriedade há um poço dos desejos? Não havia testado fazer desejos naquele poço, mas os meninos poderiam fantasiar um pouco. Talvez algum pedido deles fosse atendido, por que não? — Vamos nos mudar para cá? — Patrick não estava convencido. — Não, será temporário. Mas o quarto em que vamos ficar é melhor do que a nossa casa inteira. Vocês adorarão. Ela estava arriscando, mas provavelmente estava certa. Ambos concordaram. Elizabeth levantou-se e os encarou. Tanto Patrick quanto Peter vestiam um conjunto de linho e lã, com bermuda, camisa branca e colete. As meias cobriam todas as pernas e os sapatos eram certamente novos. Tudo era novo. — Quem lhes vestiu dessa forma, Patrick? — Ela precisava perguntar. — Lady Agatha nos deu roupas novas. Muitas roupas, uma mulher chegou aqui com caixas e mais caixas de roupas e nós experimentamos e ela ajustou. Oh. Elizabeth nunca seria capaz de recompensar a bondade daquelas pessoas. Talvez devesse trabalhar sem receber um salário, para ser justa. Mas ela precisava do dinheiro e o aceitaria de bom grado. — Nós dissemos obrigado, mamãe. — Peter complementou. — Fizeram bem. Agora eu preciso conversar com os empregados, vocês devem voltar a fazer o que vinham fazendo até agora. Os garotos correram para fora da casa e foram brincar no quintal. Elizabeth notou que o gato que o duque alimentara estava então rondando a casa e miando. Ele disse que não havia animais domésticos naquela região, talvez as coisas estivessem para mudar. John a estava aguardando para explicar sobre o serviço. Ela fora tutora de Lady Charlotte, naquela casa ela teria funções mais domésticas. Coordenar as criadas, a cozinha, cuidar da aparência dos aposentos. Não precisaria fazer serviços pesados, porém teria toda a responsabilidade do funcionamento das engrenagens. E responderia apenas ao mordomo. Aquilo parecia um bom emprego, melhor do que trabalhar servindo cervejas em uma taverna qualquer ou ser obrigada a prostituir-se. Aquela seria, definitivamente, sua última opção, porém ela nunca deixaria seus filhos sem ter o que comer ou vestir. Faria de tudo que estivesse ao seu alcance. Por sorte do destino, o trabalho que lhe ofereceram era digno. — Lady Agatha pediu que a senhora fosse vê-la ao chegar. Ela ainda não acordou, porém a criada subiu para apagar a lareira e abrir as cortinas.

— Eu servirei seu desjejum, então. Obrigada pelo acolhimento, John. O mordomo era um homem grande e esguio, com cabelos descoloridos pela idade. Sua dicção era muito boa, o que indicava que ele também tivera boa educação. Depois que ele se retirou, Elizabeth procurou as cozinheiras, Gretha e Loretta, para se inteirar dos procedimentos regulares. A casa parecia bem cuidada, apesar da insistência do duque de que eles precisavam de uma governanta. Ela ainda teria que conferir todos os aposentos da casa, mas faria aquilo depois que todos acordassem definitivamente. Levou as duas cozinheiras para inspecionarem a despensa e fazer um inventário do que havia para ser utilizado. Não se decepcionou com a fartura de comida e logo se sentou para elaborar um cardápio que serviria para a semana. Como as cozinheiras garantiram que sabiam ler, ela pediu papel e tinta para escrever e até mesmo considerou algumas receitas que duvidava que fossem servidas naquela residência. A criada de Lady Agatha informou que ela tomaria seu desjejum no salão. E que o irmão lhe faria companhia, portanto ela deveria servir comida para dois. Aquilo não parecia nada bom. Era ainda muito cedo para rever Aiden Trowsdale. Ela esteve com ele por vários dias, ela esteve com ele tempo demais - e ainda assim parecia muito pouco. Se fechasse os olhos podia sentir as mãos dele sobre ela. Em lugares que ela não estava acostumada a ser tocada. Maldito fosse aquele duque. Equilibrando uma bandeja e seguida por duas outras criadas, que eram assistentes da cozinha, Elizabeth entrou no salão principal sem nem ter trocado ainda de roupa. Ela usava sua saia de lã crua que cheirava como um cachorro molhado e sua blusa amarrotada que estava amarelada pela água suja do poço. Seus cabelos estavam razoavelmente trançados porque pedira ajuda a Moira, a criada privada de Lady Agatha. Ela tinha olheiras por dormir mal e seu corpo todo tremia de fadiga. Mesmo assim, manteve uma altivez esperada de sua posição. Não que ela fosse ser notada, as criadas não eram comumente vistas. — Elizabeth! — Lady Agatha agitou-se ao vê-la. — Que bom que esteja curada. Fiquei muito preocupada quando meu irmão precisou trazê-la quase desmaiada em seus braços. — Estou como nova, milady. Obrigada por tudo que fez por meus filhos. Eu jamais poderei pagar-lhe de volta. Enquanto servia a comida, Elizabeth não conseguiu deixar de antecipar a

chegada dele. Apenas a jovem Agatha e sua presença entusiasmada estavam ali, falando bastante sobre tudo que acontecera na casa durante o período de confinamento. Aparentemente, ela não se importava em conversar com os criados, ou considerava Elizabeth algo além de uma criada. — Eu gostaria que viesse comigo à vila. — Lady Agatha por fim disse. — Preciso fazer duas visitas e a senhora poderia me acompanhar. — Será muito bom poder ajudá-la, milady. Eu apenas tenho algumas tarefas que… — Que podem ser negligenciadas se for para que Agatha tenha a melhor companhia. A voz. Se Elizabeth não estivesse preparada para ouvi-la, teria desabado sobre as próprias pernas. O que havia naquela voz que causava tanto impacto sobre ela? Não ouvira o duque falar durante dias, e não o ouvira poucas horas atrás? Por que ele ainda estava causando tanto rebuliço em seu corpo a ponto de seu coração disparar e sua respiração travar? — Aiden, pensei que precisaria tirá-lo da cama. — Lady Agatha abraçou brevemente o irmão. — Então você me empresta Elizabeth? Sei que a contratou como governanta, mas eu me sinto muito sozinha aqui, minhas amigas ficam muito distantes e mamãe não sai do quarto! — A Sra. Collingworth pode acompanhá-la sempre que quiser. As tarefas da casa são importantes, porém fazer com que você tenha companhia qualificada é ainda mais. Quem sabe assim você não se torna uma dama respeitável? O Duque de Shaftesbury sentou-se à mesa. Ele também tinha sinais da convalescença, mas como estava magnífico. Tinha se banhado e barbeado, e usava um conjunto de colete e paletó azuis sobre uma camisa branca. O lenço em seu pescoço estava perfeitamente ajustado e preso com um alfinete perolado. — O que o faz pensar que ela é capaz de me transformar em uma dama? — Lady Agatha riu. A criada serviu-lhe ovos, presunto e torradas. Elizabeth levou até ela uma xícara fumegante de chá. — Ela fez um bom trabalho com a Srta. Pensington, pelo que sei. Charlotte Pensington era uma excelente referência. A jovem era completamente desqualificada para a sociedade quando fora tutelada por Elizabeth e terminou noiva de um lorde francês. Agatha Trowsdale era muito mais amável e adequada do que a jovem Lady Charlotte, seria muito mais simples moldá-la aos propósitos casadoiros do irmão. Mas, será que era isso

mesmo que Elizabeth deveria fazer? Por algum motivo, desde que fora obrigada a enfrentar o desemprego, a fuga, a doença e o desejo carnal mundano, ela começou a duvidar de algumas coisas. — Deseja chá, Alteza? — Ela perguntou sem virar-se para esperar uma resposta. Aiden assentiu com os lábios comprimidos e não disse nada em voz alta. Mas Elizabeth sabia o que ele tinha dito. Ou querido dizer. Providenciou uma xícara de chá de camomila e adoçou com uma pedra de açúcar e um pouco de leite. Mesmo que o duque conversasse com a irmã, Elizabeth não conseguia prestar atenção nas palavras, apenas na voz. E no calor que emanava dela. Aproximou-se com cuidado para que ninguém percebesse o quanto suas mãos tremiam e colocou a xícara à frente do homem. — Obrigado. A proximidade era um veneno, então Elizabeth afastou-se bruscamente da mesa. — Estarei na cozinha. Quando desejar sair, milady, avise para que eu me vista adequadamente.

Capítulo décimo primeiro

— V OCÊ AGORA AGRADECE AOS CRIADOS ? A voz estridente de Agatha despertou Aiden de um transe do qual ele não entendeu como entrou nem conseguiu sair sozinho. O jornal que ele pretendia ler estava na mesa à sua frente, o chá fumegava intocado e ele estava há vários segundos tentando descobrir por que aquela mulher fazia com que tudo girasse ao seu redor. Seria ela algum tipo de bruxa que o estivera enfeitiçando durante os dias reclusos? — Não seja petulante, Agatha. Agradecer a alguém é errado? — Aos criados, Aiden Trowsdale. — Agatha escondeu uma risada com a mão. — Você é mandão e autoritário, nunca vi você agradecer a ninguém, quanto mais à criadagem. Ninguém na sua posição agradece aos criados! Aconteceu algo que eu deva saber? — Sim. — O duque ergueu o olhar e enfrentou a irmã. Ele sabia que, se esmorecesse, ela não sossegaria enquanto não descobrisse o grande segredo que sua alma escondia. Talvez não fosse tão grande, mas era um segredo complicado o suficiente para permanecer secreto. — Eu fiquei doente e aquela mulher cuidou de mim. Talvez eu esteja grato, apenas isso. Se a explicação não fosse suficiente, com o tempo ele mostraria para a irmã que Elizabeth Collingworth era apenas a governanta que ele pretendia que cuidasse da casa pra que ele pudesse ter preocupações exclusivamente masculinas. Ele até quis que ela fosse algo mais, que ela aceitasse sua proteção e se tornasse sua amante. A partir do momento em que ela recusou, a posição de Elizabeth estava definida na casa. Depois do segundo desjejum do dia, forçado a não ficar na cama para não parecer fraco, Aiden decidiu que precisava de exercício físico.

Alguns metros de caminhada para os fundos de Thanet Bay, o duque construíra um galpão onde ele treinava sem ser incomodado. Era praticante de esportes regularmente e gostava de colocar o corpo em movimento. Ele até mesmo usava um saco de areia, como os boxeadores, para exercitar seus chutes e socos. Não que fosse socar alguém, os cavalheiros como ele decidiam suas desavenças em um duelo. Mas bater em alguma coisa ajudava a gastar energia. Quando o Conde de Cornwall chegou, Aiden já estava no seu galpão. Vestia uma calça de camurça um pouco encardida, não usava camisa, estava suado e com os cabelos grudados na testa e no pescoço. O duque tentava cansar o corpo para desanuviar a mente, ignorando que estivera doente e ainda convalescia de uma infecção grave. — Já está bem o suficiente para rolar no chão com os porcos? Edward se aproximou dobrando as mangas da camisa. Os dois tinham as melhores conversas e ideias enquanto duelavam na esgrima ou treinavam para jogos de rounders ou cricket. O conde sabia para o que era esperado. — Não perco meu tempo com doenças. Coloque a proteção e escolha suas espadas. — Aiden jogou um capacete de tela para o amigo e vestiu a camisa e o colete de proteção. — Um longo treino com o florete pode me ajudar a focar. Ele precisava mesmo de foco. Qualquer um que não fossem as curvas do corpo de Elizabeth. — Muito bem. — Edward jogou uma espada para o duque. — Conte-me seus planos para o verão. Pretendo fazer um jantar em Greenwood Park, minha mãe vai me enlouquecer se eu não encher a casa de convidados. — Pretendo organizar o final de semana tradicional de verão dos Trowsdale. — Aiden fez uma investida mas não acertou o conde, que se esquivou no momento certo. — Então faça isso. Apenas evite o pessoal de Londres, por causa da epidemia. — Não deve ter ninguém em Londres, mais. Só os trabalhadores. O duque tentou outra investida e sofreu um contra-ataque. Edward atingiu Aiden no meio da proteção e ele cambaleou para trás. — Concentre-se, homem. Quero um oponente à altura. Vamos organizar a caçada, então. Você está com empregados novos, isso não será um problema? — Sou o melhor oponente que você pode ter. — Outra investida rebatida

e a espada de Aiden voou para longe. Ele se irritou e arrancou o capacete, jogando-o longe. — Essa porcaria está me atrapalhando. Posso contar com sua ajuda para fazer a lista de convidados e organizar as atividades? Quero chamar todos os investidores possíveis. — Sabe que sim. — Edward também retirou o capacete, para que disputassem em total igualdade. Não valia nada, era apenas um treino, mas dois cavalheiros sempre tinham regras rígidas a seguir. — Você pretende convidar os Westphallen? Daquela vez, Aiden não conseguiu defender uma investida de Edward e foi novamente atingido na proteção. — Provavelmente não, aquelas filhas são pegajosas. O duque não gostava da companhia das damas da família Westphallen. Eram três mulheres jovens, a mais velha tinha vinte e três anos e já estava à beira da solterice, então viviam em uma saga para conquistar um marido nobre. Tirando a mais nova, que ainda não fora apresentada à sociedade, as outras duas poderiam facilmente enlouquecê-lo. Nem pelo respeito ao título de Miles Westphallen, o Visconde de Whitby, ele desejava tê-las na sua propriedade por muitos dias. — Porque você é o mais cobiçado solteiro de toda a Inglaterra, Trowsdale. — Outra investida de Edward jogou o amigo para trás e o atingiu no braço, abrindo um corte na pele. Sangue verteu e manchou parte da calça que Aiden vestia. — Tudo bem, vamos interromper. — Não precisamos, não foi nada. — Aiden atacou mais uma vez. — Eu não pretendo me casar com nenhuma das Westphallen. E não quero ser assediado até a próxima temporada, quando definitivamente escolherei uma noiva. — Certo, vamos convidá-las, então. — Edward deu uma risada. A luta não lhe parecia equilibrada, o duque não tinha nenhuma concentração nos golpes e não conseguia nem atacar nem defender. — Vou selecionar outras damas que estejam na região para que venham ao baile, com seus pais endinheirados e que possam começar a te ajudar a definir teu gosto por uma esposa. Aiden já tinha um gosto, e ele continuava em sua língua desde a noite anterior. — Não vou escolher uma esposa agora, Edward. — Certo. Então me explique por que contratou, como sua governanta, a mulher que esteve doente com você.

O duque não queria explicar nada. Ele nunca explicava suas atitudes para ninguém, estava acima daquelas necessidades. O amigo sabia disso, porém estava disposto a perturbá-lo. Aiden hesitou com o florete e quase sofreu outro golpe. — Ela precisava de emprego. — Eu ainda não a vi. Diga-me que ela tem cinquenta anos, uma verruga no nariz e está ficando careca. Edward investiu e recolheu a espada, provocando o duque a atacá-lo. Aiden desferiu um golpe que foi amortecido pela proteção do conde. Ele não queria falar de Elizabeth, ela o desorientava. Ele estava ali para não pensar nela. — Ela não é nada disso. O que te importa se eu contratei um novo empregado, Edward? Você por acaso é meu contador? — Sou seu amigo e me preocupo com você. Essa mulher, você a comprometeu? — Vá para o inferno. — Aiden investiu novamente. Os homens lutavam como que em uma dança. — Praguejar não vai me fazer deixar de me importar. Ah. Também preciso te avisar, que Lady Eckley voltou do continente. E ela está querendo notícias suas. A menção em Caroline Eckley fez com que Aiden se desconcentrasse ainda mais. Ele investiu contra o amigo, mas o conde foi mais rápido. Revidou e acertou Aiden novamente. A espada escorregou e a dor que o duque sentiu naquele momento foi aguda e incapacitante, fazendo com que caísse ao chão segurando a coxa entre as mãos. Havia uma perfuração de espada em sua perna direita. Aquilo não podia estar acontecendo com ele, Aiden se recusava a crer que fora tão imprudente e inconsequente em uma luta que se permitiu ser ferido pelo melhor amigo. Era uma brincadeira que eles faziam quase sempre, praticar esgrima era uma de suas paixões, mas eles nunca se machucaram. Alguns arranhões, que deixavam a demonstração de força mais interessante, mas um ferimento como aquele? Mesmo sentindo muita dor, ele não iria deixar que sua fraqueza ficasse tão evidente. Reassumiu sua posição ante o olhar apreensivo de Edward. — Não lutarei com você assim, Trowsdale. — O conde jogou a espada no chão. — Um cavalheiro precisa saber a hora de parar e você, pelo visto, está ainda muito afetado pela doença.

— Não seja covarde. — O duque rasgou um pedaço da sua camisa, que estava pendurada em um cabide, e amarrou no ferimento. — Já nos arranhamos antes e nem por isso paramos. — Isso não é um arranhão. Vamos para a sua casa, talvez aquele conhaque seja uma boa ideia, agora.

A vila próxima a Thanet Bay era bastante movimentada naquele período do ano. Elizabeth adorou poder acompanhar uma dama novamente, principalmente em compras. Ela adorava compras, mesmo que nada daquilo fosse para ela. Apesar dos gastos exagerados dos nobres, ela se sentia mais feminina ajudando as ladies a experimentarem colares e dando opiniões sobre tecidos. Aquilo era fútil, no final. Havia coisas bem mais importantes do que jóias e vestidos de seda para as mulheres trabalhadoras. Elas tinham que se preocupar com a comida em suas despensas. Mas fora divertido perambular com Lady Agatha pela vila, visitar uma estilista de renome, um joalheiro exclusivo e comprar tecidos para vestidos. A jovem também quis sapatos e, quando findou a tarde, elas tinham sacolas demais para carregar. Também fora providencial que Elizabeth não estivesse na mansão. Os filhos estavam bem com os demais empregados, vestidos e alimentados, e ela precisava ficar longe de Aiden Trowsdale. Quanto mais distante daquele cheiro e daquela presença masculina, mais tempo ela poderia resistir sem desejar estar em seus braços novamente. Porque não havia novamente. — Elizabeth, tem algo que gostaria de perguntar. A voz de Lady Agatha a tirou do transe e fez com que parasse de divagar. As duas estavam já dentro da carruagem, retornando para a propriedade. O veículo estava duas vezes mais pesado com tudo que estava sendo carregado. — Pois não, milady. — Como a senhora sabia como meu irmão prefere o chá? Elizabeth ergueu as sobrancelhas. Seria melhor se não se surpreendesse por aquela pergunta, se agisse de forma indiferente, mas não conseguiu evitar. Afinal, se aquela jovem notara alguma coisa em seu comportamento

que a instigara em questionamentos, talvez ela devesse se esforçar mais. Precisava muito daquele emprego para arriscar. — Eu servi Vossa Graça durante o período em que estivemos confinados. A resposta estava acompanhada de um sorriso. Por favor, que ela acreditasse porque era a coisa mais razoável a se dizer. Ele era um duque, por que serviria o próprio chá? Ela era uma empregada, o esperado era que fizesse seu papel. Certamente ela tinha memorizado aquela informação porque servi-lo lhe deu algum prazer, durante aqueles poucos dias. Porque era confortável demais estar na presença dele. Mas a lady não precisava saber. Aparentemente, a resposta satisfez a curiosidade da jovem aristocrata. Depois que a carruagem parou na frente da propriedade e os criados apareceram para carregar as sacolas de compras, Elizabeth decidiu que deveria retomar suas atividades na casa. Ela precisava inspecionar e inventariar os quartos. E eles eram muitos. Pelas orientações de John, o quarto da duquesa ficava na ponta direita da casa e deveria ser evitado. O mordomo não quis revelar muito sobre os motivos, mas Elizabeth suspeitou que a mãe de Aiden não fosse uma mulher fácil de lidar. Para tentar se manter longe daquele problema, ela começaria, então, pelo lado esquerdo da casa. Só naquela direção havia mais de dez quartos que precisavam ser vistoriados. Já estava saindo do terceiro quando ouviu um rosnado. Era mais como o ganido de dor de um cão, mas ela já fora informada que não havia animais na propriedade. Outro rugido fez com que ela compreendesse que alguém estava sentindo dor. E ela podia jurar que reconhecia aquele som. Tateando as portas e tentando descobrir de onde vinham os ruídos, Elizabeth acabou aonde ela suspeitava. Aquela era a imponente porta dos aposentos ducais. Elaborando uma desculpa para invadir o quarto do duque, caso fosse pega, ela abriu a enorme peça de madeira maciça, que rangeu melancolicamente. Dava para ouvir apenas os gemidos de dor que vinham de um quarto anexo. Elizabeth entrou nos aposentos de Aiden Trowsdale e fechou a porta. — Geoffrey, eu já disse que… — Sou eu, Alteza. — Ela o interrompeu, mantendo as costas apoiadas na madeira. Seu coração ribombava no peito porque ela não sabia o que iria encontrar ali. Nem mesmo entendia porque estava ali. Jurara que manteria distância daquele homem mas lá estava, flutuando na direção dele.

— Elizabeth? — Aiden colocou a cabeça para fora do quarto anexo e a olhou. — O que houve? — Estava inspecionando os quartos e ouvi vossos… ruídos. Precisa de alguma ajuda? — Não. — Ele desapareceu novamente. — Pode retornar para suas atividades. — Tem certeza? — Insistiu. — Porque Vossa Graça parece estar sentindo dor. Dez segundos de silêncio antecederam à aparição do Duque de Shaftesbury. Ele estava pálido, com o rosto tomado por gotículas de suor. Seu peito coberto por uma camisa branca com colarinhos abertos e mangas dobradas e aquela era a única peça de roupa que o duque vestia. Em seus quadris, uma toalha manchada de vermelho pendia. — Oh. — Elizabeth colocou uma das mãos sobre a boca. — O que houve, Alteza? — Eu me feri treinando esgrima. — O homem desabou sobre o colchão, segurando a perna com as duas mãos. Sua expressão de sofrimento era visível, mas ele tentava manter a voz firme para resguardar sua virilidade. — Está sendo difícil fazer o sangramento parar. — Deveria chamar o doutor. — Ela disse. — Vou pedir a Geoffrey que… — Não quero chamar o Davies para cuidar de um arranhão! — Aiden a interrompeu. — Se quiser me ajudar de verdade, poderia conseguir um pouco de láudano. A mão do duque apontava para o quarto anexo e Elizabeth decidiu ir até lá. Sabia que ele estava sendo teimoso e arrogante porque homens eram sempre teimosos e arrogantes quase o tempo todo, principalmente em se tratando de ferimentos. Nenhum deles queria demonstrar fraqueza, ainda mais na frente de uma mulher. Ela se deparou com um banheiro completo e precisou de alguns segundos para admirar a construção. Nunca vira nada como aquilo, com paredes cobertas, decoradas, banheira de cobre e todo o sistema de encanamento necessário. Deveria ter custado uma fortuna ao duque construir aquilo. Havia um armário de portas de vidro próximo à pia e lá ela encontrou o láudano. Pegou também um pano limpo e iodo. Aiden estava prostrado sobre a cama. Sua quase nudez não a espantava mais, depois de tudo que acontecera durante o confinamento. Ela já tinha inspecionado aquele corpo em partes e quase podia dizer que conhecia o

bastante de cada detalhe dele. — Beba. — Entregou o vidro com o láudano ao duque. — E agora me deixe tratar esse ferimento. O homem a encarou com alguma incredulidade. — O que pretende fazer? Elizabeth não respondeu, apenas ergueu parcialmente a toalha para buscar o ferimento. Como se o destino ainda não tivesse sido cruel o suficiente com ela, o corte era profundo e estava na parte interna da coxa direita do duque. — Se Vossa Graça puder afastar a toalha um pouco, eu farei um curativo. Ela esperava que ele entendesse que “afastar a toalha” significava manter suas partes masculinas longe do local onde Elizabeth precisaria trabalhar. Aiden usou sua mão grande e angulosa para atendê-la. — E a senhora sabe fazer curativos, Sra. Collingworth? — Posso apostar que costuro pessoas melhor do que o doutor Davies. Com um sorriso petulante, Elizabeth rasgou o pano que segurava em duas partes, embebeu uma em iodo e colocou sobre o corte. Aiden quase saltou da cama e mordeu o antebraço para não gritar - o láudano ainda não tinha feito o efeito esperado. Depois que o ferimento estava limpo, ela usou o restante do pano para enrolar a coxa ferida e manter o sangramento controlado. — Se o senhor ficar na cama por um dia, creio que não precisará de pontos. Beba mais um pouco do láudano e durma, Alteza.

Lady Agatha estava no jardim tomando seu chá quando Lady Caroline Eckley chegou em sua carruagem elegante, ornada em preto, dourado e vermelho. Fazia bastante tempo que Caroline não visitava Thanet Bay. Ela passara meses no continente com a família e se afastara do Duque de Shaftesbury, mas o tempo não fez com que seu interesse nele esmorecesse. Ao contrário, ela tinha certeza que desejava se tornar a nova duquesa, mesmo que ela não fosse a mais qualificada pretendente. Aiden não era um homem que se prendesse tanto às tradições. Na maioria das vezes ele as desprezava, e era com isso que Caroline contava. Eles eram bons amantes e ela sabia que o satisfazia. Suas chances eram poucas, mas ela se agarraria a elas como um caçador à sua presa. E ela estava ali para revê-lo. Escolheu um vestido de cetim amarelo e

prendeu os cabelos escuros com tiaras ornamentadas em fitas de veludo. Parte dos seus seios estava à mostra, mesmo que o acabamento de renda atrapalhasse um pouco a visão. Poucas mulheres tinham noção plena do poder que os decotes exerciam sobre os homens, mas Caroline sabia bem que eles dificilmente resistiam a belos seios expostos. Sua chegada não fora programada porque nunca era. A forma como a jovem Trowsdale a encarou deu a dimensão de que sua presença ali não era bem vinda. O que também era comum. Caroline costumava ser pouco desejada nos espaços da sociedade. O que lhe permitia trânsito fácil era o fato de ser sobrinha de Granville. Tendo se tornado órfã de pai e mãe ainda criança, o Marquês assumiu sua criação e, com isso, possibilitou que ela transitasse pela sociedade. O que ele não conseguiu prover a ela foi uma criação dentro das regras da feminilidade. Por vezes, Caroline parecia um homem. — Olá, querida. Lady Eckley acenou para Agatha, que não demonstrou nenhuma satisfação ao vê-la. — Caroline! Que prazer revê-la, como foi sua viagem pelo continente? Claro que aquele encantamento era fingido. — Ah, foi ótima! Aprendi muita coisa com outras sociedades, inclusive que a nossa é a mais elegante de todas. Os italianos são ótimos, mas os vestidos… que horror! Muito espalhafatosos. Os franceses eram muito melhores, mas Caroline achou melhor não comentar sobre todos os hábitos que faziam os franceses mais interessantes que os italianos. — Um dia teremos que combinar um chá para que me conte todas as fofocas. Preciso saber se é verdade que os homens italianos podem se casar com mais de uma mulher ao mesmo tempo. — Por que não começamos essa conversa agora? — Caroline se sentou em um banco de mármore para os convidados, sem conseguir evitar que seu olhar divagasse pela propriedade. Ela sabia exatamente em que janela estava o quarto do duque, mas não havia nenhum sinal dele em lugar algum. A anfitriã chamou a criada e pediu mais uma xícara para Caroline. — Seria mais simples se você dissesse logo que deseja ver meu irmão. — Agatha esticou para ela um olhar de quem sabia, e reprovava, as suas intenções. — E ele está? Ele já se recuperou?

— O duque está recolhido em seus aposentos. — Lady Agatha disse, com o olhar ainda sobre o semblante de Caroline. A jovem Trowsdale era como uma águia que não deixava passar nenhuma expressão. — Ele precisa repousar, ainda mais depois de receber uma visita do Conde de Cornwall. — Claro que precisa. Caroline sorriu e decidiu que não aceitaria ser enxotada de Thanet Bay. A família de Aiden tinha bons motivos para saber do envolvimento indecoroso entre eles, mas ela não se importava. Queria vê-lo, estava ali para isso. Continuou sentada com Agatha por mais algum tempo, provocando a jovem lady com assuntos frívolos da sociedade francesa e das mulheres que arrancavam os pelos do corpo com cera e pinças, até ter certeza que não havia nenhum movimento estranho na casa. Fingindo que ia embora, Caroline despediu-se de Agatha e entrou em sua carruagem. Mas, ao invés de deixar a propriedade, mandou que o cocheiro desse a volta e parasse na entrada dos fundos. Ela espreitaria a casa até que escurecesse o suficiente para escapar pela entrada lateral. Por sorte, ela sabia alguns caminhos para chegar ao quarto do duque.

Capítulo décimo segundo

O RUÍDO na porta fez com que Aiden se animasse. Depois de passar o dia na cama e ter fingido para os criados que o repouso era orientação do doutor Davies, ele esperava que Elizabeth voltasse para visitá-lo. Afinal, ela tinha cuidado dele, dado ordens a ele - e ninguém dava ordens a um duque, então era desejado que ela retornasse para conferir seu bem-estar. Ela era a única pessoa que sabia da extensão do ferimento, ele não confiara aquela informação a mais ninguém. Ninguém deveria saber suas fraquezas, mas com Elizabeth era diferente. Quando a porta de seu quarto se abriu, a decepção que abateu sobre o duque foi evidente. Ver Caroline Eckley ao invés do objeto de seu desejo o frustrou a ponto de não conseguir segurar uma interjeição de desagrado. — Olá, meu senhor. — A mulher disse, em baixa voz. — Eu voltei. Sim, ela tinha voltado. Ele já sabia e aquilo não lhe parecia importante. O duque mal se recordava de Caroline nas últimas semanas. Não pensou nela nem lembrou que ela estava em uma viagem pelo continente. — Estou vendo. O que está fazendo aqui em meu quarto, Lady Caroline? Como entrou nessa casa sem ser anunciada? Aiden ajeitou-se na cama, subitamente tomando consciência de sua nudez. O lençol que o cobria era fino demais para protegê-lo da mulher que escapava sorrateiramente para dentro do seu quarto. Houve um tempo em que ele não queria se proteger dela, que ele a receberia em sua cama de bom grado. Mas Aiden nunca gostou de mulheres que tomavam aquela decisão por ele. — Eu já entrei nessa casa sem ser anunciada várias vezes. — Ela piscou, os longos cílios escondendo a malícia no olhar que lançava ao duque. — Sua

irmã não pareceu favorável a me deixar ver como o senhor está. — Talvez porque nenhuma dama deva ser recebida no quarto de um cavalheiro. Caroline deu uma risada e tentou abafar o som com sua mão enluvada. Foi até a cama onde Aiden estava e olhou-o de cima em baixo, demorando um pouco de tempo demais examinando sua virilha. Normalmente ele teria se levantado e a arrastado para fora do quarto. Mas, estando nu, ele não pretendia se expor. — Nós vamos mesmo por esse caminho, Aiden? — Ela finalmente sorriu e colocou a mão no ombro desnudo dele. As formalidades tinham acabado. — Sua irmã disse que você está repousando por causa da doença, tem algo mais que não esteja revelando? — Caroline, eu não te devo nenhuma explicação. Você pode sair do meu quarto e retornar para sua casa. Não estou em condições de ter esse tipo de encontro, agora. Os dedos dela desceram pelo peito do duque e puxaram o lençol. Antes que Aiden pudesse tomar o tecido de linho das mãos dela, Caroline deu uma apreciada no que conseguiu ver. Com os lábios ligeiramente esticados, ela deu dois passos para trás, sabendo a hora de se afastar. O duque a encarava com tanta irritação que era um movimento inteligente não estar ao alcance de suas mãos. — Você continua em forma, milorde. — Ela passou a língua pelos lábios. — A doença não afetou em nada esse corpo que eu aprecio. De todos os lordes e vagabundos de Paris e Roma, nenhum deles tinha tanto vigor quanto Vossa Graça. Aiden desejou pular daquela cama e expulsar Caroline Eckley sem nenhuma elegância. Expor sua audácia por invadir o quarto de um duque sem ser convidada, anunciada, esperada. Mas ela foi mais rápida e saiu da mesma forma sorrateira que entrou, fechando cuidadosamente a porta depois de deixar os aposentos ducais. Ele não entendera a forma como reagira a ela. Caroline sempre fora uma boa amante, ela sabia jogos divertidos na cama e o deixava satisfeito sexualmente. Aiden estava dolorido de desejo há dias, sentindo seu corpo reagir violentamente à proximidade da governanta sem poder possuí-la. Se ele tivesse deixado que Caroline ficasse, poderia ter aliviado a tensão que o incomodava. Mas não, ele sequer considerou compartilhar a cama naquela noite com uma criatura tão irritante quanto Lady Eckley.

Os motivos para rejeitá-la eram muitos, porém apenas um o impediu. Aiden recusava admitir que Elizabeth pudesse afetá-lo a ponto de fazê-lo se fechar para outras mulheres, mas não havia outra explicação para o que acabara de acontecer.

Havia coisas que os empregados sempre sabiam em uma casa. Uma dessas coisas era a presença de visitantes inesperados e pessoas passando pelas passagens escondidas que eram geralmente utilizadas por eles. Quando Lady Eckley entrou na casa, ela acreditava que estivesse protegida pelo anonimato. Mas as cozinheiras sabiam exatamente quem ela era e o que ela sempre fazia perambulando pelas escadas laterais da mansão em Thanet Bay. Quando Elizabeth entrou na cozinha naquela noite, o assunto que estava na roda de fofocas das empregadas era exatamente o retorno da amante do Duque de Shaftesbury. — Já disse que ela não é amante dele. — Gretha parou de cortar o pedaço de carne e empunhou a faca na direção de Loretta. — Amantes são mantidas pelos nobres. Eu até as entendo, o que as motiva. Essa daí não, ela é apenas uma imoral. — Não importa o nome que dão. Sei que ela está de volta para a cama de Vossa Graça depois de desaparecer. Será que ela teve criança e escondeu? Será que o duque tem um bastardo perdido por aí? — Por Deus, espero que não! — O que está havendo? — Elizabeth interferiu porque não entendera nada do que as cozinheiras falavam. Algo sobre uma mulher na cama do duque e filhos bastardos fez com que ela se interessasse pelo assunto. — Estão fofocando sobre a vida privada dos patrões? — Não é fofoca. — Loretta sussurrou, virando-se para Elizabeth na intenção de poder falar bem baixo. — É que uma das amantes do duque estava no quarto dele, mais cedo. — Não é amante. — Gretha manejou a faca na direção da outra, indicando sua insatisfação com a escolha imprudente das palavras. — De quem estão falando? Quem é essa amante? — Lady Caroline Eckley. Ela é sobrinha de um marquês, mulher fina e sempre com vestidos tão elegantes. Mas não tem nenhuma moral, nunca vai

se casar porque nenhum homem quer uma mulher como ela. — Ela sempre frequentou a casa. — Gretha explicou. — Sabemos que ela e o duque… A mulher fez um sinal da cruz indicando que não pronunciaria o ato em voz alta. Elizabeth raramente se envolvia com aquele tipo de mexerico de empregadas, porém a ideia de que uma amante de Aiden estivesse rondando a casa a incomodou. O duque estava ferido e repousando, não era possível que ele estivesse recebendo mulheres em sua cama. Ela não se surpreenderia com nada que viesse dos homens. Talvez a melhor estratégia fosse manter-se afastada e atenta, observando os fatos. — Avisem-me imediatamente se virem essa mulher na casa, novamente. — Ela ordenou às cozinheiras. — Sim, Sra. Collingworth. Alguma outra orientação? — Vamos conferir o cardápio do jantar. Elizabeth aproximou-se do fogão para conferir o que estava sendo preparado e se tudo estava conforme suas instruções. A presença de uma dama do passado de Aiden, no entanto, a deixou incomodada e com um desejo ridículo de tirar satisfações com ele. Quase riu mais de uma vez por sequer considerar cobrar qualquer coisa do duque. Ele nunca lhe prometera nada e ela recusara a proposta que ele fizera. Sua relação com ele era profissional, apenas.

— O que vai fazer com ele? Elizabeth estranhou Granger agarrado ao gatinho alaranjado que tinha começado a rondar a mansão. O bichano já tinha frequentado a cozinha e ganhando leite e restos de peixe. Mas o criado o estava arrastando para fora da casa de forma um pouco bruta e aquilo despertou o interesse dela. — O gato está miando muito e está incomodando a duquesa. — O menino disse, um pouco constrangido. Elizabeth se aproximou dele e pegou o gatinho no colo, mas ele estava arisco. — Ela pediu que alguém desse um jeito no bicho. — Certo. Vamos dar um jeito, então, de mantê-lo alimentado para que não precise miar. Não é isso? Granger não entendeu muito, mas não insistiria. Elizabeth era a chefe dos

criados, ele não deveria desacatá-la. Achou melhor concordar e se retirar enquanto a mulher levava o bichano para o quarto que ocupava. Lá estava Peter e ele adorou cuidar do gato de forma definitiva. Assumiu a responsabilidade de tratar do animalzinho e deveria mantê-lo por perto sempre que possível. — Aonde está seu irmão? — Ela deu falta do filho mais velho. — Patrick está nos estábulos. Ele foi lá com o filho do cavalariço, eles estão amigos agora. Elizabeth entendia de onde os filhos tiravam o amor por animais. Ela sempre cuidava dos cães sarnentos que apareciam eventualmente e dos gatos perdidos pelos becos. Patrick era fascinado por cavalos e passava horas admirando as carruagens e cavaleiros que passavam pelas ruas de Londres. Mas ela temia que ele se metesse em confusão, fazendo algo que o duque desaprovasse. Precisava lembrar sempre que aquele trabalho era muito importante para eles. Ajeitou as saias e foi até os estábulos. Manter-se longe da casa parecia sempre uma boa ideia, pois ela ainda não tinha cruzado com a duquesa e esperava não fazê-lo tão cedo. Gretha e Loretta já tinham fofocado que ela era cruel e adorava maltratar os empregados. Elizabeth lembrou que ouviu algo como pacto com o tinhoso e apadrinhada por Satã para definir a mãe do duque. Talvez fosse exagero, ela apenas não queria tirar a prova. Os cavalos, aqueles eram magníficos. Um jovem escovava um puro sangue castanho do lado de fora e seu filho estava ali, observando. Ela levantou a saia para não sujar a barra e caminhou até ele, mas acabou atolando o sapato em uma poça de lama causada pela água que escorria pelo campo. — A senhora está bem? — Um homem a interpelou, vendo-a praguejar baixinho por causa do sapato arruinado. Elizabeth ergueu o olhar. — Sim, foi apenas um acidente. Agora terei que trocar o sapato e não tenho muitos pares sobrando. — Deixe-me ajudá-la. — O homem ofereceu a mão para que ela apoiasse e saísse da lama. — Sou James Hodges, o cavalariço do Duque de Shaftesbury. — Elizabeth Collingworth, a nova governanta. Na sociedade, ela jamais se apresentaria a um cavalheiro. Jamais aceitaria a mão dele se não tivessem sido apresentados primeiro, talvez apenas para salvar sua vida. Como eram apenas empregados e, para eles, a sociedade era

outra, Elizabeth não se importou. O Sr. Hodges era um homem por volta dos trinta e cinco, com cabelos escuros que continham alguns fios prateados, pele marcada pelo sol e ombros largos, típico dos homens trabalhadores. Talvez ele não fosse bonito, mas o sorriso em seus lábios era cativante. Ao menos tinha todos os dentes na boca. — O menino é seu? — Hodges indicou Patrick, ainda fascinado pelo cavalo. — Sim, ele adora animais. Espero que não esteja incomodando. — Não, pode deixá-lo. Meu Reggie pode ensinar algumas coisas a ele, se a senhora não se importar, e ele ajuda nos estábulos. — Ah, seria uma ótima ideia. — Ela sorriu de volta para Hodges e o momento ficou um pouco constrangedor. Era hora de se afastar. — Bem, vou retornar para a casa. Obrigada por aceitar meu menino. Qualquer coisa, fale comigo. O cavalariço fez uma reverência com um chapéu que ia colocar na cabeça e ela se afastou na direção da mansão. Aquele fora um encontro bem esquisito. Se fosse em outra ocasião, como em uma taverna, Elizabeth poderia supor que o homem flertara com ela. O comportamento foi de flerte, mas certamente ela estava enganada. Apesar de que não se importaria em ser cortejada por um homem trabalhador como aquele. Claro que Hodges era casado, tinha até mesmo filho, mas ele poderia ser um bom marido para ela. Tinha seus atrativos e um emprego que deveria pagar um salário mais digno do que o de outros homens nas docas. Um bom partido, era como chamava.

Ficar na cama era a maior punição que Aiden poderia sofrer por sua inconsequência. Foram dois dias parados, sem poder descer as escadas, esperando cumprir as ordens da governanta. Desde que Lady Eckley deixou seu quarto, a única pessoa que viu foi o criado Geoffrey. Agatha esteve em seu quarto logo depois do chá, mas ele fingiu que estava tudo bem e ela não retornou. E Aiden ficou ali, pensando em caçadas, bailes e casamento. A caçada era sua parte preferida. Adorava se embrenhar na floresta e fazer uma atividade coletiva e social que não representasse uma interação muito delicada, já que Aiden tinha péssimo jeito com as palavras. Os bailes

ele organizava mais por causa de sua mãe. Eram a única ocasião em que a duquesa aparecia em público, mesmo que por pouco tempo. Não que ele adorasse bailes, mas às vezes ficava feliz em ao menos ver a mãe. Já o casamento, aquele ele gostaria de poder esquecer. Aiden não queria se casar. A próxima temporada parecia perto demais, nenhuma das damas solteiras que ele conhecia o interessavam. Talvez houvesse alguma que ele não conhecesse, provavelmente a ideia de Edward era boa - naquele período do ano, havia moças de todas as partes da Inglaterra espalhadas por Kent, era possível que Aiden encontrasse alguém. Ou o problema podia ser que ele já tivesse encontrado. Mesmo que ninguém o tivesse visitado além de Caroline Eckley, a única pessoa que ele quis ver fora Elizabeth. Estava insatisfeito porque Geoffrey lhe banhara, mesmo sabendo que era aquela a função do criado. Estava insatisfeito porque ela não apareceu mais para fazer uma inspeção fingida nos aposentos, usando aquela desculpa para vê-lo. Estava insatisfeito porque seu corpo sentiu falta dela assim como sua mente. A pior parte de tudo foi espreitá-la do lado de fora. Por duas vezes, acompanhada por Hodges. O que diabos o cavalariço queria com a sua governanta? Alguma coisa ferveu dentro dele e tudo que ele pode fazer fora desejar transformar o homem em sua caça, levá-lo até o galpão e surrá-lo, mas não faria nada daquilo. Aiden Trowsdale não perdia a linha por causa de uma criada. Naquele dia, quando acordou cedo demais porque não aguentava mais dormir, ouviu o barulho das crianças. Aiden não tinha notado a presença dos filhos de Elizabeth naquela casa, ainda, mas eles gritavam do lado de fora e aquilo aguçou a curiosidade do duque. Não chamou o criado, apenas levantou-se e vestiu a calça e a camisa branca. Dispensou o colete e o casaco, pressentindo o calor do lado de fora, e desceu. Quando Geoffrey o viu, ficou agitado e preocupado, já que o duque não havia solicitado sua presença. — Vossa Graça precisa de algo? Devo mandar servir seu desjejum? — Está tudo bem, Geoffrey. Eu só precisava sair da cama, estou me sentindo ótimo. Onde está minha irmã? — Dormindo ainda, Alteza. Ela pediu que avisasse que hoje terá amigas para o chá das cinco e que solicita os serviços da Sra. Collingworth para si, durante todo o dia. Ah, mas ele não estava nada interessado em passar outro dia sem ver

Elizabeth. Só não podia deixar que percebessem. — Certo. Peça à Sra. Collingworth que venha me ver e traga a comida. Conversarei com ela. O criado assentiu e moveu-se na direção da cozinha. Aiden se sentiu subversivo e decidiu dar um passo além. — Geoffrey. — Pois não, Alteza. — Mudei de ideia. Vou comer na sala privativa. Peça que meu desjejum seja servido lá, e que eu não seja incomodado. A sensação de que faria algo proibido, algo muito secreto, encheu seu peito de ansiedade. Por mais que Aiden tivesse sido criado de uma forma menos convencional por seu pai, mesmo que ele não fosse fosse um daqueles nobres que zelasse pela moralidade imaculada, ele não costumava fazer muitas coisas erradas. Ele tinha sua quota de libertinagem porque podia. Ele era um duque, era um homem, ele poderia ter vinte amantes espalhadas pela Inglaterra e pela Escócia e ninguém criticaria sua moral. Fora isso, Aiden era correto. Ele se esforçava para levar adiante o legado de seu pai. Os desejos de sua mãe doente, que não eram poucos. As loucuras de sua irmã. Mas ali, enquanto se dirigia à sala privativa, seu espaço particular, onde estavam seus livros mais queridos e o sofá já tinha a marca de seu corpo, o duque se sentiu como um menino travesso. Minutos depois que se sentou e abriu um livro, apenas para fingir que não estava antecipando demais a chegada dela, Elizabeth entrou na sala com uma bandeja. O cheiro de camomila preencheu o ambiente, porém Aiden preferia gardênias. — Deseja me falar, Alteza? Ela perguntou enquanto colocava a comida sobre uma mesa redonda. A lareira da sala não estava acesa, mas fazia muito calor naquela manhã. Ou era apenas o duque que se sentia quente, ainda. — Minha irmã precisa de seus serviços hoje. Peço que atenda-a. A senhora… está bem acomodada na casa? Elizabeth serviu o chá, colocou o açúcar e o leite. Ela não se virou nem olhou para ele enquanto servia um prato com torradas e geleia fresca. Fazia tempo que Aiden não comia geleia. — O quarto que ocupamos é melhor do que merecemos. Vossa Graça foi muito gentil. Fechando o livro, Aiden levantou-se e sentiu uma pequena fisgada no

ferimento. Aproximou-se da mesa, ou dela, não tinha certeza, e sentiu quando Elizabeth travou os músculos. Ele não queria que ela o repelisse. Precisava que ela tivesse sentido falta daquele contato tanto quanto ele. Segurando a xícara, ela se virou. Parecia uma tentativa não muito eficiente de colocar alguma coisa entre eles. Aiden pegou o objeto com as duas mãos e depositou sobre a mesa. Depois, levou os dedos até o queixo de Elizabeth e ergueu sua face. Ela finalmente olhou para ele, o azul mais límpido que ele já vira. Nenhuma paisagem do lado de fora concorria com aquele brilho. — Seu chá vai esfriar. — Ela murmurou. — Esperei te ver, durante esses dias. — Ele confessou. — A senhora esteve no meu quarto quando me feri, então pensei… — Alteza. — Elizabeth baixou novamente o olhar. — Eu pensei que estivéssemos de acordo sobre isso. Que eu não serei sua amante. — Estamos de acordo. — Ele fingiu concordar. Aquela tinha sido uma decisão dela que ele respeitava, porém esperava que Elizabeth mudasse de ideia. — Ao mesmo tempo, eu ansiei pela senhora. Quis ouvir histórias. Saber mais sobre sua vida. Fiquei observando pela janela enquanto a senhora cuidava de tarefas que não são suas. Geoffrey comentou sobre como a senhora é cuidadosa e respeitosa. Eu a vi caminhar com Hodges e brincar com as crianças. Não sei como cumprir esse acordo se eu não estou conseguindo parar de pensar em… Ah, o proibido. Era difícil até mesmo completar as frases. Nem ele, nem ela, conseguiam ser explícitos naquilo que não compreendiam. — O senhor esteve ocupado nesses dias. Não seria prudente interromper. — Ocupado? — O duque ergueu uma sobrancelha enquanto analisava superficialmente a expressão da governanta. — Eu passei dois dias na cama, por sua orientação. Não havia nada… — Alteza. — Elizabeth o interrompeu. Ela tinha aquela mania inaceitável de interrompê-lo, porém ele não se aborrecia com isso. — Os criados sabem tudo que acontece em uma casa. Não é porque nos silenciamos que não saibamos. Eu não ousaria retornar ao seu quarto e deparar-me com uma mulher em sua cama. Maldição. Ela sabia sobre Caroline, e sabia tudo. Certo que as camareiras, as cozinheiras, as arrumadeiras fofocavam. Ele só não tinha considerado que Elizabeth era uma delas e acabaria descobrindo seus segredos não tão secretos.

— Não havia esse risco. — O duque confessou, por fim. — Ela não é sua amante? — A suavidade da voz dela não escondeu a crudeza da pergunta. Nem a latente mágoa em sua face. — Não é uma mulher que compartilha sua cama e… — Elizabeth. — Foi a vez dele interrompê-la. Aproximou-se e segurou a mão dela, colocando-a sobre seu peito. — Eu e Caroline, o que tenha havido entre nós ficou no passado. Ela não demonstrou ter entendido isso, portanto precisei ser mais claro com ela. Ela esteve em meu quarto, mas foi embora logo em seguida. O governanta olhou para baixo. Por alguns segundos fez-se tanto silêncio que era possível ouvir as respirações dentro da sala. — Não há nada entre nós. — Aiden reforçou sua afirmação. Elizabeth não parecia acreditar no que ele dizia. Não havia motivos para que ela acreditasse. Ele sempre fora um devasso. Qualquer mulher que se aproximasse seria rotulada de amante. Ainda mais uma que invadia seu quarto sorrateiramente. — Se houvesse, não seria de minha conta. — Ela ergueu o olhar e havia uma nota de desapontamento no azul translúcido que encarava o duque. — Eu não deveria questionar o que ocorre em sua vida privada. Quanto ao ferimento, o senhor está bem? Aiden quis gritar que não. Ele não estava bem porque um mal entendido atrapalhou o momento que ele planejara. A presença indesejada de Lady Eckley fora notada pelos empregados. Por Elizabeth. E ele estava ali, como um jovem tolo tentando se explicar para sua governanta sobre as mulheres que não frequentavam mais a sua cama. Aquilo estava errado. Aiden era um duque, não devia satisfações a ninguém. E ele queria ajoelhar à frente dela e implorar que ela acreditasse nele. — O ferimento foi superficial. A senhora exagerou nas recomendações — Voltou a sangrar depois que saí? — Apenas quando me levantei à noite, logo parou. — Não parece tão ruim. Eu fiquei preocupada. Ali estava a rendição que ele esperava. Que ele desejava, quando pediu para que ela fosse conduzida à sala privativa. O duque queria saber se Elizabeth pensou nele. Se ela se preocupou com ele. Não apenas porque viu uma mulher de moral duvidosa se esgueirando pela casa. E então ele estava tão próximo dela que sentia a respiração morna de

Elizabeth. Ela parecia hesitante. — Eu pedi que viesse aqui porque eu precisava te ver. Se quiser, eu me afasto e a senhora retorna para suas tarefas. Ela não se moveu. Não disse nenhuma palavra, não resistiu à proximidade, não deu um passo para trás. Ao contrário, colocou as duas mãos na camisa que ele vestia, ajustou o lenço no pescoço e fechou um botão que estava aberto. Depois, ergueu o olhar e quase foi engolida pela escuridão. Aiden sabia que a encarava com desejo demais, só não conseguia evitar. — Desculpe, Alteza, mas eu não sei como fazer isso. — O que seria isso? — Aiden levou a mão até a cintura dela e a puxou para perto. Os corpos trombaram, o cheiro dela era tudo que ele conseguia sentir. A outra mão retirou uma mecha de cabelo da testa de Elizabeth. Desceu pela face, deslizando suavemente os dedos pela tez macia e suave até os lábios, que estavam vermelhos. Intensidade, era aquilo que ele admirava tanto nela. Tudo em Elizabeth pulsava como se ela inteira fosse um vulcão prestes a entrar em erupção. Consciente apenas do seu desejo, o duque levou sua boca até a dela. Não fora um beijo, apenas um roçar de lábios. Ela ficou imóvel, a princípio. — Isso. — Elizabeth murmurou novamente. — Não sei como fazer isso. — Parece que sabe muito bem. Ele a beijou novamente. Daquela vez, Elizabeth segurou-o pela camisa e forçou o contato mais íntimo de seus corpos. A boca dela se abriu para receber a língua quente que a invadia. A sensação de beijá-la era algo que Aiden ainda não sabia descrever, talvez algo que ele nunca sentira antes. Ela tinha uma textura única, um gosto singular, um toque indescritível. Era como se ele estivesse beijando pela primeira vez.

Capítulo décimo terceiro

E LA PROVAVELMENTE ESTAVA FICANDO LOUCA . Abandonar a prudência nunca levava a resultados desejáveis, Elizabeth sabia bem que precisava manter distância de Aiden Trowsdale. Aquele homem era para ela como a cerveja para os homens das docas - um alívio para os dias de trabalho intenso e uma droga poderosa para derrubá-los quando a vida estivesse difícil demais para lidar. O duque era como aquela droga, que a incapacitava e atrapalhava a clareza de seus pensamentos. Então o que estava fazendo ali? Com ele, naquela sala? Por que não ouviu o comando e saiu, recatada como deveria, voltando para seus afazeres até que fosse solicitada pela lady? Por que ela deixou que ele a beijasse, ou por que ela queria tanto que ele a beijasse? Porque ela queria. Porque sentira a falta dele durante os dias em que o duque se manteve recluso. Porque, cada vez que ela ouvia alguém falar sobre ele naquela casa, era algo bom, algo interessante. Porque ela aprendera mais sobre o Duque de Shaftesbury e seus trabalhos de caridade e ficara tocada com tanta bondade. Porque, mesmo que ela quisesse se convencer de que ela não o desejava, Elizabeth sabia que era mentira. Enquanto as línguas se enroscavam e alguns gemidos de desejo eram reprimidos, Elizabeth sabia que tinha que se afastar. Nada bom poderia resultar de seu envolvimento com o duque, tinha certeza. O problema era que seu coração, que batia fora de ritmo, parecia discordar. — Talvez eu deva retornar para meu trabalho. — Ela balbuciou, sem força alguma na voz. Tudo que saía de sua garganta eram gemidos de prazer ao sentir a língua dele na sua. Interromper o contato dos lábios parecia algo muito errado de se fazer.

— Agatha está dormindo. — Aiden colou a testa na dela. — E eu mandei que não me interrompessem. Ela se assustou. Aquilo parecia muito mais imprudente do que ela estava disposta a suportar. — Por que fez isso? Os empregados vão desconfiar. — John é meu mordomo há décadas. Ele cuida dessa casa há muito tempo, confio nele. Assim como Geoffrey. — As mãos dele estavam em suas costas, descendo e subindo em uma carícia delicada. Ela continuava agarrada ao colarinho de sua camisa como se sua vida dependesse daquele contato. — Mas eu não quero forçá-la a nada, Elizabeth. Eu não me aproximarei da senhora novamente se for isso que desejar. A senhora pode preferir a companhia de outro homem, mas eu fico louco quando te vejo. Ah, ele ainda era um cavalheiro. O duque tinha todas as ferramentas para subjugá-la, mas ele preferia que ela concordasse. Que fosse consensual, que fosse por prazer. — Eu não sei o que quero. — Ela confessou e o rubor cresceu por suas bochechas. — Também não consegui parar de pensar no senhor, mas sei que não devo. Nem mesmo conheço outros homens por aqui, e eu jamais quis a companhia masculina depois que meu marido faleceu. — A senhora pareceu apreciar a aproximação de Hodges. Oh. Ela temeu que sua proximidade com o cavalariço pudesse lhe causar problemas. Não que houvesse realmente alguma coisa errada em conversar casualmente com outro empregado. Por dois dias, ele se mostrou uma companhia agradável e interessado em Patrick. Não se confundia, no entanto, com o desejo vulgar que sentia por Aiden. — Ele é um homem gentil. Mas estávamos apenas conversando sobre Patrick, ele tem cuidado do meu filho mais velho, ensinado muitas coisas sobre cavalos e dado a ele uma atenção masculina que o menino não tem. O duque estava então tenso sob seus dedos. Eles continuavam muito próximos, ela sentia a respiração dele em sua pele, as batidas irregulares do coração, o calor que emanava daquele corpo masculino. Ele não disse nada, apenas fechou os olhos por alguns segundos e, quando os abriu novamente, era como se a escuridão da noite estivesse dentro deles. — Tenho uma sugestão, se me permite. — Aiden se aproximou dos ouvidos dela e sussurrou. — Sei que não aceita se tornar minha amante, mas podemos não fugir um do outro. Nem fingir o que sentimos. Prometa-me que dará sinais se por acaso desejar minha companhia novamente. Eu farei o

mesmo. Ninguém precisa ficar sabendo. Elizabeth afastou-se alguns centímetros. O que ele propunha era bastante perigoso e excitante. Ela poderia demonstrar que o desejava e ele a atenderia. Ela teria direito de escolher, de solicitar, e um duque - aquele duque - estaria disposto a satisfazê-la. Parecia uma proposta irrecusável. Mas não era muito diferente da anterior. Ela acabaria na cama dele e, depois, substituída por uma esposa ou outras amantes. — O que é esse lugar? — Ela desviou o assunto. — Minha sala privativa. — Aiden olhou ao redor. Os dois ainda estavam muito próximos, grudados. Elizabeth soltou a camisa dele e ajeitou-a para eliminar os amassados. Depois ajeitou a própria saia e os cabelos, na intenção de não parecer que tinha sido beijada. — Ainda não consegui inventariar todos os cômodos. Vossa Graça tem muitos livros. Gosta de ler? — Sim, sempre li muito. E a senhora, lê? — Adoro ler. Eu poderia passar horas entretida com um livro, se tivesse horas disponíveis para isso. — Claro que a senhora adora. — O duque sorriu e caminhou até a estante que ocupava uma parede inteira. Examinou alguns volumes com encadernamento azul escuro e letras douradas e pegou um nas mãos. Entregou a Elizabeth depois de soprar um pouco de poeira da capa. — Pegue esse, é um romance. Agatha costuma adorar o estilo, a senhora provavelmente também gostará. Com um sorriso tímido e bochechas vermelhas de tanta vergonha, Elizabeth aceitou o livro e passou os dedos pelo baixo relevo do título. Ela adorava romances, mesmo que eles a fizessem sonhar com amores que ela não teria. Desde que conhecera o duque, já vinha sonhando com coisas que não podia ter, mesmo. — Devo mesmo retornar. Continuo não podendo aceitar sua proposta, Alteza, mas obrigada pelo livro. A forma como ele sorriu, antes dela se virar, indicou que Aiden estava magoado. Outra recusa dela certamente era uma afronta à sua masculinidade e provavelmente ele desistiria de insistir. Tentando não demonstrar sua ansiedade, Elizabeth voltou para a cozinha, onde pretendia estabelecer o cardápio do dia e determinar as tarefas das arrumadeiras. Teria pouco tempo até Lady Agatha acordar, portanto precisava ser ágil. Falhou em quase tudo. Seu corpo ardia e seus músculos não respondiam

adequadamente aos seus comandos. A boca tinha memória, continuava sentindo o doce toque e sabor de Aiden sobre ela. Poderia ser muito fácil sucumbir ao duque, mas era quase impossível fingir que nada tinha acontecido. Que ela não estava completamente dominada por sensações que a embriagavam como uísque. Não, ela estava equivocada. Seus sentidos estavam exageradamente aguçados, sua pele extremamente sensível, seu corpo muito desperto. O duque não a entorpecia, ele libertava sensações dentro dela.

Havia bagunça do lado de fora, no quintal, e Elizabeth decidiu intervir. Os filhos dela tinham feito amizade com os filhos de alguns arrendatários e estavam brincando nos arredores da mansão, um pouco escondidos próximos ao estábulo. A gritaria estava sendo ouvida da cozinha. Preocupada que eles pudessem incomodar, foi até onde eles jogavam para pedir que se afastassem mais ou fizessem menos algazarra. Como a duquesa não admitia nem mesmo o miado de um gatinho, as crianças certamente eram barulhentas demais. Fechou o romance que ganhara de Aiden Trowsdale, um pouco aborrecida por interromper sua leitura em uma parte tão interessante do livro. A jovem dama estava prestes a ser cortejada pelo vigoroso nobre e ela queria saber como aquilo se desenrolaria. Mas precisava interferir na brincadeira dos meninos. A medida em que se aproximava, uma voz diferente chamou a sua atenção. Não era infantil e Elizabeth podia jurar que ouvira aquele som em seus ouvidos algumas vezes. Não estava enganada, os meninos jogavam com outras três crianças e, no meio deles, estava o Duque de Shaftesbury. Em toda a sua magnitude, o nobre tinha as mangas da camisa dobradas, segurava um taco e ensinava os pequenos arruaceiros a melhorarem suas habilidades no jogo de rounders. Ela gastou alguns segundos olhando para ele. Não conseguiu se mover enquanto o duque conversava com os meninos e empunhava o taco, exibindo o bronzeado de seus antebraços. A camisa também tinha dois botões abertos, exibindo alguns fios escuros do peito esculpido que ela já havia visto vezes demais. A presença do duque era tão impactante que Elizabeth não conseguia prestar atenção em nada além dele.

— Alteza. — Ela se aproximou. — Se eles estiverem incomodando muito vou pedir que joguem em outro lugar. — Não incomodam. — Aiden deu uma tacada na bola e os garotos continuaram o jogo, correndo pelas bases. O duque afastou-se um pouco. — Na verdade, vi que eles precisavam melhorar a pegada no taco e vim orientálos. Eu não estou acostumado com crianças ao redor. Eles possuem bastante energia, não é mesmo? — Até demais. — Elizabeth riu e percebeu que o duque se aproximou dela, ficando ao seu lado. — Eu gostaria de ir até a praia, amanhã. Seus meninos conhecem o litoral? — Eles nunca saíram de Londres, Alteza. É o primeiro contato que têm com o campo, por isso estão tão animados. A vida aqui parece muito mais saudável para eles. — Com certeza é. Londres tem seus encantos, mas nada é como o litoral. — Aiden continuava observando o jogo enquanto conversava. — Está decidido. Providencie que estejam prontos para o passeio amanhã. Depois não terei muito mais tempo, já que precisamos organizar um baile que dura um final de semana inteiro. Elizabeth virou-se e encarou o perfil severo do duque. Sua face angulada e masculina estava suavizada por um sutil sorriso que pousara em seus lábios. Ele tinha os braços cruzados no peito e observava as crianças com diversão no olhar. Ela não acreditava no que estava ouvindo. — Vossa Graça os está convidando para ir à praia? — Sim, por que isso te espanta? — Ele também se virou para ela e quase a engoliu com seus olhos de obsidiana. — Estou convidando vocês. Gostaria que a senhora também estivesse no passeio. Ela escondeu a boca com a mão para que ninguém percebesse que estava estupefata com aquele convite. — Como sua criada, devo dizer que isso é bastante inadequado. Os patrões não convidam empregados para passeios, Alteza. — Acho que eu tenho o poder de decidir o que é ou não inadequado em relação aos meus criados. — Lamento informar mas, infelizmente, Vossa Graça não tem esse poder. O duque rosnou baixo e voltou a olhar para a frente, para os garotos. Ele certamente estava chateado. Homens poderosos sempre ficavam aborrecidos quando descobriam que seu poder era limitado.

— Certo. Mas talvez eu esteja ansioso demais pela sua companhia. Perdoe-me. Aquela confissão era tudo que ela desejava dele, porém a deixava em uma posição desconfortável. Elizabeth tinha certeza do que decidira, porém sentiase mal em aceitar investidas do duque mesmo depois de recusar ser sua amante. Mesmo assim, ela não conseguia evitar. — Estaremos prontos para o passeio. Elizabeth agradeceu e retornou para a casa. Seu coração continuava disparado e aquilo não podia ser saudável. Elizabeth considerou se sobreviveria àqueles meses na mansão de Thanet Bay, já que ela mantinha uma taquicardia permanente desde que vira Aiden Trowsdale pela primeira vez. Pelo menos ela teria distração com Lady Agatha pelo restante do dia e poderia tentar não pensar naquele homem por pelo menos algumas horas.

A paz em Thanet Bay tinha acabado. Ao menos foi o que Myrtle Trowsdale, a duquesa viúva, determinou enquanto se aproximava da janela para ver o que significava aquela algazarra. Ela odiava barulho e odiava ainda mais barulho de crianças. Não havia crianças na mansão, ela sempre deu ordens expressas aos criados para não permitirem que os filhos dos arrendatários chegassem a menos de um quilômetro da casa. Mas não tinha dúvidas, aquela gritaria indicava que suas ordens não eram mais cumpridas. O motivo ficou claro quando percebeu Aiden no meio da confusão. A doença deveria tê-lo prejudicado intelectualmente, pois o ranzinza do seu primogênito não era dado àquele tipo de atividade. Também não era dado a crianças. Ela tinha certeza que Aiden só lhe daria um neto pela extrema necessidade de produzir um herdeiro. — Emma. — A duquesa chamou e a criada entrou no quarto em menos de dois segundos. — Quem é essa mulher com meu filho? A criada não entendeu o que dizia a duquesa. Ajeitou a touca e passou a mão na saia, nervosa. — Que mulher, Alteza? — Venha aqui e veja, sua inútil. Mais do que depressa, a criada se aproximou da janela e viu a governanta conversando com o duque. A forma como estavam dispostos era bastante

incomum entre um patrão nobre e uma empregada, mas Emma não se surpreendia mais com nada naquela casa. Os Trowsdale não eram muito tradicionais. — É a Sra. Collingworth, a nova governanta. Vosso filho não lhe informou, Alteza? — Não estou sabendo de governanta alguma. Por que ele a contratou? De onde veio essa mulher? Emma explicou à duquesa sobre o confinamento do duque e da Sra. Collingworth durante a doença, sobre ela estar desempregada e sobre os filhos que precisavam de abrigo. Falou sobre a experiência com os Pensington e estava até mesmo entusiasmada em contar sobre como a governanta geria bem a cozinha e tratava bem os empregados. — Quero conhecer essa mulher. — A duquesa disse, mais para si mesma do que para a criada. — Vossa Graça deseja que mande chamá-la? — Não, eu vou descer para o chá de minha filha, hoje. Avise a Lady Agatha que estarei presente, mas não conte à governanta. Não quero que ela saiba, prefiro surpreendê-la. Com um aceno de concordância, a criada tratou de deixar o quarto da duquesa o mais rapidamente possível. Aquele era o covil do diabo, ninguém gostava de passar mais tempo do que o necessário. E, logo, o próprio demônio iria sair para passear, o que era muito incomum - a duquesa não saía de seu quarto a não ser nos poucos bailes oferecidos pelo filho. Mas ela precisava descobrir sobre a mulher que estava em sua casa. Durante cinco ou dez minutos, ela viu seu filho reluzir como o sol e não era pelo astro rei que brilhava imponente no céu. Ela era uma mãe, claro que sabia tudo sobre seus filhos. Não era difícil perceber que Aiden estava flutuando ao redor daquela criada e aquilo era muito preocupante. Myrtle tinha que tomar alguma providência e não podia esperar mais um dia.

— Eu convidei Lady Anne, Lady Sarah e Lady Madeline para o chá das cinco. Elas são divertidas, mas um pouco travessas. Aiden não gosta muito delas, na verdade… ele não liga para Anne, mas acha Sarah e Madeline muito atrevidas. “Não chame essas Westphallen para a casa, elas são irritantes”.

A jovem Agatha tagarelava enquanto finalizava seu desjejum, na companhia da governanta. Elizabeth tinha habilidades de tomar notas mentais das tarefas que precisava cumprir, mas precisava que elas fossem ditadas com um pouco menos de rapidez. Frear a irmã do duque, no entanto, parecia uma difícil missão. Agatha tinha a jovialidade dos seus filhos. — Mas a senhorita as convidou assim mesmo, porque o duque não lhe diz o que fazer. Certo, milady? — Certíssimo. A senhora compreende as coisas rapidamente, gosto disso. — A dama sorriu. — Quero que mande preparar bolos e biscoitos para o chá. Quando estamos apenas nós, as mulheres, podemos comer sem que critiquem nosso apetite. Ah. E quero que me ajude na organização das brincadeiras para o baile. Sei que Aiden está programando uma caçada, e o baile é quase um evento de negócios. Ele e Edward adoram reunir gente para falar coisas sobre política, investimentos e outros assuntos masculinos, mas eu e as mulheres podemos nos divertir. Pensei em alguns jogos para nos entreter e precisarei de ajuda. Eram muitos eventos em tão pouco tempo, mas Elizabeth estava acostumada. Chá naquele dia, baile, jantar - e uma casa cheia de convidados. E ela só pensava em um dia na praia ao lado do duque. Pensava que teria paz naquele dia de afazeres, porém não conseguia se desconectar de nenhum dos momentos vividos ao lado de Aiden Trowsdale. Nem quando alimentou seus filhos, ou mandou que eles fossem para o quarto se lavar depois de um dia inteiro jogando rounders com os vizinhos. Nem quando ajudou as cozinheiras a fazer uma receita nova de biscoitos, ou a arrumadeira a fazer um inventário das almofadas dos quartos de hóspedes, que poderiam ser ocupados em breve. Também não conseguia parar de sentir as mãos dele ao seu redor ou os lábios dele em sua pele nem quando ajudou Granger, o jovem criado que tanto lhes auxiliou na estalagem, a carregar lenha para dentro da casa. Elizabeth não precisava fazer muitas das coisas que fazia, mas ela tinha que se ocupar para não sucumbir à tentação de procurar o duque. Ou de sonhar com ele enquanto estivesse acordada. Antes do horário do chá ela se lavou e vestiu roupas limpas. Lady Agatha havia solicitado sua presença durante o período em que suas convidadas estivessem na casa, então ela precisava estar apresentável. Colocou sua melhor saia xadrez com sua camisa branca de babados e prendeu os cabelos debaixo da touca de renda. Não havia ninguém que lhe trançasse os cachos dourados, então pensara

em Aiden outra vez. Em como ele segurou seus cabelos entre os dedos e os ajeitou em tranças frouxas durante aqueles dias confinados. As convidadas de Lady Agatha chegaram por volta das dezesseis e trinta. Uma carruagem preta com ornamentos dourados e dois cavalos também pretos e magníficos trouxe as irmãs Westphallen. Outra carruagem, toda preta e cinza, carregava a Srta. Anne Brighton. Elas eram falantes e animadas e espalharam as enormes saias rodadas e bordadas pelos sofás e poltronas do salão de chá. Elizabeth abriu as portas para o jardim de inverno e permitiu que o sol do final da tarde iluminasse o ambiente. Mas a surpresa da tarde ainda estava por acontecer. Sem anúncio prévio, a duquesa desceu até o salão de chá e se juntou às damas. Ela era uma mulher pequena, muito magra e de cabelos ralos e prateados, mas ostentava poder e glória. Mesmo que seu corpo demonstrasse sinais de fraqueza, ela exalava força. Seus olhos castanhos capturavam tudo ao seu redor. Quando chegou, as damas fizeram uma reverência. — Que honra ter a companhia da senhora, Alteza! — Lady Sarah estava entusiasmada. — Faz tempo que não tomo chá em companhia de jovens damas, nem que tenho a oportunidade de discutir sobre o casamento do meu filho. As mulheres se entreolharam. Elizabeth sentiu a boca seca e a língua grossa, como se tivesse consumido láudano. Permaneceu impassível e aguardou ser solicitada, mesmo que aquela não fosse sua função. Sua curiosidade se aguçou pelo assunto inusitado. — O que tem para conversar sobre o casamento de Aiden? — Lady Agatha estranhou. — Vamos ver seu irmão, Agatha? — Madeline Westphallen perguntou, curiosa. — Ele está na propriedade? — Duvido que o duque vá aparecer aqui. — Lady Anne bebericou um pouco do chá que lhe fora servido. — Os homens raramente se interessam em conversar com as damas. Eles preferem companhias masculinas. — Eu espero que ele prefira minha companhia em breve. — Madeline prosseguiu. Elizabeth ouvia a conversa de pé, próxima a um janelão, apoiada no parapeito. — Ouvi dizer que ele pretende escolher sua noiva na próxima temporada. — Ele vai escolher. — A duquesa interrompeu. — E vai aparecer aqui. E talvez a noiva que ele escolha possa estar nessa sala. As damas não tentaram segurar o espanto com a fala da duquesa. Olhos

arregalados e bocas abertas indicaram que nenhuma delas esperava por aquela revelação. — Aiden precisa mesmo se casar. — Lady Agatha suspirou. Os olhos dela vagaram até Elizabeth e ela espiou a governanta por sobre a xícara de chá. — Quem sabe uma esposa não resolve aquele mal humor permanente dele? Aquela conversa aborreceu Elizabeth. Ela se virou para a janela e observou o lado de fora por alguns instantes. A beleza do céu de verão a distraiu por segundos enquanto seus ouvidos se desligavam do assunto Duque de Shaftesbury. Não queria saber com qual das Westphallen ele se casaria nem como uma esposa lhe faria bem. As coisas pareciam bem ajustadas, de certa forma. A duquesa, que ela não conhecera antes, estava determinada a decidir pelo filho sobre o casamento. Aquela era a prática mais comum dentre a nobreza - quando não eram os pais que escolhiam as noivas e maridos dos filhos, eles tinham grande poder de persuasão naquela decisão. Por um momento, naquele dia, durante a manhã, ela sonhou que poderia ter algo com o duque. Que ela poderia significar algo para ele. Que os momentos que compartilharam construíram algo entre eles. Mas ela estava se iludindo. O duque se casaria com uma dama da sociedade e a melhor chance que ela teria de se manter próxima a ele seria aceitando uma proposta indecorosa que já havia rejeitado. Era melhor parar de se enganar, mas ela sabia que falharia naquilo, também.

Capítulo décimo quarto

Q UANDO G EOFFREY INFORMOU que a duquesa estava no salão de chá, Aiden pensou que o criado estivesse ficando confuso. Sua mãe nunca descia do quarto. Quando queria falar ou ver alguém, pedia que fosse até ela. Muito fraca e debilitada desde o nascimento de Agatha, a duquesa era uma reclusa e a última vez que ela saiu do quarto fora no enterro do marido. O que a teria levado ao salão de chá? Ele precisava conferir aquilo, mesmo que sua presença no momento das mulheres fosse inadequado. E que ele tivesse que enfrentar as Westphallen, que sabia terem sido convidadas pela irmã. Agatha não era a maior fã daquelas duas, porém não havia muitas amigas na região. Ajustou a roupa e sentiu necessidade de estar arrumado para… o chá da irmã. Não, claro que Aiden não se preocupava em vestir-se bem para as convidadas tediosas de Lady Agatha. Estava pensando em encontrar a governanta pelos corredores da mansão, mesmo que a casa fosse tão grande que ele pudesse passar dias sem ver os criados se não os chamasse. E foi o que houve. Ela, Elizabeth, não estava em lugar algum à sua vista. Não vê-la era frustrante. Não tê-la era tortura. E não parecia haver nada que ele pudesse fazer para mudar aquilo. Havia? Sua decepção durou até o momento em que chegou ao salão. Tudo que ele viu em um canto foi a mulher que se destacava entre as outras. — Vossa Graça! — Madeline Westphallen dirigiu-se ao duque com algum entusiasmo. Eles tinham a intimidade adequada para que ela não precisasse esperar o cumprimento do homem, mesmo assim era como se a empolgação da jovem incomodasse Aiden. Ele descobriu que gostava de mulheres empolgadas, porém não gostava de Madeline. Não o suficiente.

— Senhoritas. Aiden aceitou as reverências que lhe foram dirigidas e se aproximou de Sarah Westphallen, primeiro. Era a irmã menos inconveniente, então ele segurou sua mão enluvada e beijou os dedos com sutileza. Fez o mesmo com Anne Brighton e só então chegou a Madeline. As damas suspiraram pela passagem do duque, que poderia revirar o olho em desânimo. Ele não queria, mesmo, despertar nenhuma esperança nelas. — Mamãe, a que devemos a honra de vossa presença? — Ele perguntou, aproximando-se. Seus olhos passearam por Elizabeth brevemente e pousaram na figura pouco expressiva da duquesa viúva. — Decidi ver como estão as coisas, já que você escolheu não me contar que contratou uma governanta. Ah. O mistério estava parcialmente solucionado, a duquesa descobrira sobre Elizabeth e queria explicações. Porém era esperado que ela chamasse o filho em seus aposentos. O simples fato de exigir satisfações pela contratação de uma empregada ainda não respondia totalmente a aparição surpreendente da mulher. — Foi uma decisão de oportunidade. — Você anda saindo demais com negociantes. — A duquesa franziu a testa, indicando seu desagrado com as companhias do filho. Um nobre de linhagem tão expressiva quanto a dele deveria deixar de lado os burgueses e relacionar-se com os portadores dos melhores títulos. — Bem, contanto que a casa esteja sendo cuidada a contento, sua atitude será tolerada. Da próxima vez, consulte-me antes. Aquela era a postura comum de Myrtle Trowsdale - desafiar o filho duque na frente das pessoas. Mais grave era quando ela tentava intimidá-lo na presença dos homens, forçando-o a adotar uma postura debochada. Daquela vez, eram apenas as ladies tolas que bebiam chá e só sabiam conversar sobre rendas e o clima, mas sua virilidade ficava comprometida sempre que a mãe media forças com ele. Talvez Aiden pudesse mandá-la passar algum tempo na Escócia. Ou no continente - Paris seria escandalosa o suficiente para deixar a duquesa viúva com assunto para infernizar as criadas por um ano inteiro. Mas ele não tinha coragem de livrar-se da mãe, aquilo não seria desejado nem aprovado por seu pai. — Como deseja, mamãe. — Aiden assentiu, sabendo que aquela não era a melhor hora de lutar uma batalha desnecessária. Como esgrimista ele sabia

exatamente o momento de atacar - e de recuar. — O senhor estará no jantar do Conde de Cornwall? — Perguntou Lady Madeline Westphallen. — Sim. — Ah, será uma honra revê-lo no evento. — Ela deu uma risadinha. — Aiden, você não tem nada masculino para fazer? — Agatha o interpelou, demonstrando que a presença do irmão incomodava. — Talvez fumar cigarros ou beber uísque em seu escritório. — Claro que tenho. Vou deixar as senhoritas conversarem. O duque se retirou do salão sem estar satisfeito. Havia mais por trás da súbita exibição de sua mãe no andar de baixo. Algo na forma como ela o escrutinava enquanto estava no meio do salão, mesmo que ele estivesse se policiando para fingir desinteresse por tudo - e todas. A duquesa viúva era mais perigosa do que parecia porque ela estava sempre espreitando a caça. Ele precisava ficar alerta.

— Srta. Westphallen. — A duquesa chamou a atenção de Madeline, que bebericava seu chá enquanto as outras damas conversavam sobre os solteiros que encontrariam no jantar do Conde de Cornwall. Ao menos Sarah e Anne estavam animadas a elencar as qualidades deles, já que Agatha apenas comentava sobre os defeitos dos potenciais maridos. — Pois não, Alteza. — A senhorita demonstra claro interesse no meu filho. Madeline fitou o chá. Certamente ela preferia não ser indiscreta, só não conseguia evitar. Sempre que o Duque de Shaftesbury estava no mesmo ambiente que ela, sentia uma necessidade visceral de falar com ele, de se aproximar dele, de ser notada por ele. Seu pai ficaria bastante satisfeito em casá-la com um duque, mas era mais do que um simples arranjo casamenteiro. Madeline sentia alguma coisa pelo homem que ela não sabia explicar. — Vosso filho é um homem bastante intrigante, Alteza. Ele desperta o interesse de todas as damas casadoiras. — Inclusive o seu. — Inclusive o meu.

A jovem estava corada e sentindo calor. A duquesa a olhava com curiosidade e ela não conseguia mais beber seu chá. Por sorte, as outras estavam ainda muito envolvidas em sua conversa para notar o seu desconforto. — Gostaria de casar-se com ele, Srta. Westphallen? Sim. Sim. Mil vezes sim. Tudo que Madeline sonhava era casar com Aiden Trowsdale. Ela desejava aquele homem ao seu lado, fazendo com ela coisas que apenas um marido deveria fazer. O calor se intensificou e os tons de rosa em sua bochecha também. — Seria uma enorme honra, Alteza. — Saiba que tem minha aprovação. — A duquesa ajeitou-se no canapé. — Não gostaria de intervir na escolha do duque em relação à sua esposa, mas ele não parece estar fazendo um bom trabalho decidindo sozinho. — Vossa Graça me honra com vossa aprovação. — Madeline sentiu seu coração disparar. — Mas não sei como isso poderia funcionar, o duque não me nota com nenhum interesse especial. — Isso vai mudar. Conversarei com ele e exporei meu desejo de vê-lo casado com a senhorita. Preciso que me ajude, Srta. Westphallen, já que o processo de cortejo nem sempre começa com o interesse do homem. — Não entendi, Alteza. — O cortejo, — a duquesa ajeitou-se novamente, tentando ficar mais perto de Madeline para soprar em seus ouvidos. — só parece ser responsabilidade do homem. Nós, mulheres, direcionamos o interesse deles para nós. Fique tranquila, eu lhe darei algumas dicas. Aquela conversa era de tudo intrigante para Madeline, que jamais esperou despertar o interesse da duquesa viúva. Na verdade, ela só vira a duquesa uma vez, no baile do ano passado, e a mulher não pareceu nem mesmo perceber sua existência. De repente, ela aparecia em um chá e informava que desejava ver Madeline casada com seu filho. Talvez fosse um sonho se tornando realidade. Um filho zeloso como era o Duque de Shaftesbury raramente deixaria de atender a um desejo de sua mãe doente. E ela sabia, pelas conversas que ouvia sorrateiramente dos cavalheiros, quando espiava enquanto eles tomavam o vinho do porto depois do jantar, que Aiden Trowsdale era um homem que fazia tudo a seu alcance para cuidar da mãe e da irmã. — Adoraria seu apoio e suas dicas, Alteza. E garanto à senhora que serei a melhor esposa para vosso filho.

Aquele evento de chá parecia um pesadelo para Elizabeth. Além de ficar de pé ao lado da mesa para servir as damas, ela tinha que suportar a conversa desagradável sobre um casamento sendo arranjado para o duque. Sua função não era servir, mas Lady Agatha parecia solicitar sua companhia para todas as ocasiões. Ela não se importava, gostava da jovem e estar na presença dela era empolgante. Mas aquele evento não estava sendo nada divertido. Sua invisibilidade se acentuou com a chegada a duquesa viúva e nem mesmo Aiden pareceu notála no salão. Sem contar o assunto que ouvira sem poder evitar. Deveria ser discreta porque uma criada não revelava nada sobre seus patrões, mas não concordava que a mãe decidisse a noiva do filho por suas costas. Aquilo não deveria surpreendê-la, era como as coisas aconteciam na sociedade. — Como se chama? A voz da duquesa atraiu a sua atenção. Elizabeth sentiu o coração disparar e, pela primeira vez desde que fugira de Londres, não fora por uma boa sensação. — Elizabeth Collingworth, Alteza. — Certo. Sirva-me mais chá. Ela pegou a xícara da duquesa e serviu o Earl Grey com leite, sem açúcar. Sua mão tremia e ela pensou que pudesse derrubar a louça quando a entregou novamente. — Ouvi que tem boas referências. — A duquesa continuou falando com ela, mesmo sem olhar para ela. — E sei que Eleanor Pensington é uma mulher bastante corajosa por contratar uma jovem tão bonita para ser acompanhante de sua filha. — Eu era tutora de Lady Charlotte, Alteza. A duquesa virou-se para escrutinar Elizabeth e ela sentiu as bochechas arderem. — Quais idiomas fala? — Inglês e Francês. — A senhora é muito educada e limpa para ser uma criada qualquer. Entendo por que meu filho a contratou e por que Agatha demonstra interesse na sua companhia. Porém espero que não se esqueça do seu lugar nessa casa. Elizabeth não sabia como reagir nem entendia o que significava aquele

momento. Provavelmente a duquesa viúva decidira aparecer para uma demonstração de força e para garantir que o comando da casa ainda era de sua responsabilidade. — Jamais me esqueceria, Alteza. — Isso é bom. A duquesa terminou seu chá e cutucou Emma, indicando que subiria de volta para seu quarto. A dama de companhia a auxiliou a levantar-se e depois a seguiu, sempre um passo atrás, até saírem do salão de chá. O coração de Elizabeth batia totalmente fora de ritmo e ela estava rígida como uma estaca de madeira. Não relaxou nem mesmo depois que a duquesa viúva se fora totalmente e ficara fora de suas vistas. Como as jovens conversavam e o chá já estava no final, ela pediu licença a Lady Agatha para retornar a seu trabalho. Não que tivesse muito a fazer, mas queria garantir que o jantar saísse conforme o esperado e precisava terminar de inspecionar o restante daquele andar. Só havia finalizado os cômodos do segundo andar. Eram cinco salões, todos muito bem decorados. O salão de baile era enorme e não tinha mobiliário significativo, apenas quadros e candelabros pendurados. O salão de jantar estava fechado havia algum tempo e a mesa central era tão grande, mas tão grande, que ela imaginou ser capaz de acomodar mais de cinquenta pessoas. Nunca vira uma mesa imensa como aquela. Depois visitou os outros salões e terminou na biblioteca. Por sorte não precisava inventariar os livros, pois eram três paredes cobertas até o teto por estantes repletas de obras encadernadas com perfeição e cores variadas. Azul, verde e marrom se dividiam em coleções bem organizadas. Esperava que houvesse uma contagem daquelas obras em algum lugar, por isso vasculhou as gavetas da escrivaninha localizada no canto. Como nada achou, Elizabeth entendeu que precisaria fazer a contagem ela mesma. Talvez devesse perguntar a John sobre aquela informação, mas seu estado de espírito estava conturbado depois da breve conversa com a duquesa viúva. A mulher pretendia afetá-la e conseguiu. Não esqueça do seu lugar nessa casa, a frase ecoava em sua cabeça. Não era como se ela pudesse se esquecer. Entendia que não precisava ser lembrada daquilo. — Elizabeth. Ela piscou ao ouvir seu nome. Estava virada para a janela, segurando alguns cadernos na mão, olhando para o monte de obras em diversos idiomas.

Não esperava encontrar ninguém, ou ser encontrada por alguém. Era ele, o duque que parecia presente demais em todos os lugares nos quais ela estava. Com uma casa daquele tamanho, deveria ser mais difícil que eles se encontrassem tanto. — Pois não, Alteza. — A senhora está bem? A forma como ele se dirigia a ela era muito informal e deveria deixá-la constrangida. Só que, depois de tudo que aconteceu entre eles, era meio ridículo que ela se sentisse ofendida por ser tratada sem cerimônias. O problema foi que ela não conseguiu respondê-lo. Elizabeth não estava bem. Havia toda a conversa que ouvira sobre o casamento de Aiden e o quanto aquilo a incomodou. Também a forma como ela fora tratada pela duquesa. Mesmo que Elizabeth soubesse que os criados eram sempre tratados daquela maneira, acabou se acostumando rapidamente com a gentileza de Lady Agatha e o interesse do duque. Isso a deixou um pouco incomodada, sim, até mesmo irritada. — Minha mãe estava no salão. — Ele se aproximou dela. A presença de seu corpo próximo causava arrepios em sua nuca. — Se eu a conheço, ela provavelmente falou algo desagradável. O que foi? — A duquesa nem mesmo me notou ali. — Acho difícil de acreditar. Ela desceu apenas por sua causa, Elizabeth. Eu peço desculpas, se tivesse ido até ela falar sobre sua contratação… Ele a tocou. Passou a mão sem luvas pelo braço dela e subiu até seu ombro. — Vossa mãe não disse nada demais. Mas ela se virou e seus olhos a traíram, de forma que ele compreendeu que ela mentia. Aiden levou as duas mãos à face de Elizabeth e roçou os lábios nos dela, que deveria resistir e se afastar porém não conseguia. — Eu queria tanto cuidar de você. — Arrastou um polegar por suas bochechas. — Por que não me aceita, Elizabeth Collingworth? Eu aceito, eu aceito tudo. Ela quis gritar, mas não diria nada. Por mais que o desejo de ser cuidada fosse maior do que a razão, ela manteria sua decisão. O silêncio fez com que o duque entendesse e se afastasse. O espaço vazio que ele deixou era incômodo demais. Se ela continuasse com aqueles encontros, seria difícil que resistisse por mais tempo.

Capítulo décimo quinto

A IDEN NÃO ESTAVA ACOSTUMADO A CRIANÇAS . Ele conviveu com Agatha, somente, e achava que só precisaria lidar com os pequenos novamente quando tivesse seus próprios filhos. E então, subitamente, ele decidiu levar não apenas um, mas seis moleques para a praia. Os filhos de Elizabeth e quatro meninos filhos dos arrendatários e do cavalariço. Claro que ninguém entendeu nada e os pais das crianças mal acreditaram quando receberam o criado pessoal do duque a solicitar a autorização deles para levar os filhos em um passeio pelo litoral. Mesmo assim, ele decidiu que iria fazer aquilo tudo apenas para que Elizabeth pudesse ver o mar. Precisou de três carruagens e de entupir uma com meninos bagunceiros para conseguir seu objetivo. Por sorte dele, o litoral não ficava muito distante de Thanet Bay. — Você está sendo gentil demais. — Agatha observou. O duque não tinha certeza se ela estava zombando de sua atitude ou confusa. Talvez as duas coisas. — A doença deve ter afetado sua cabeça. Ou foi outra coisa. — Não seja impertinente, Agatha. É triste que pessoas nunca tenham visto o mar. Lembre-se que fomos ensinados a sempre fazer o bem com nossas posses. A atrevida riu, tentando inutilmente esconder sua risada com a mão. Estavam os dois em uma carruagem, mas Aiden preferia dividir aquele espaço com outra pessoa. Passar algum tempo sozinho com Elizabeth, dentro de uma carruagem, ajudaria-o a aliviar a tensão. Porque ele estava tenso, estava ansioso por alguma coisa que ele sabia que não aconteceria. Foi uma longa hora até que a carruagem parou em uma via e permitiu que todos descessem. A barulheira das crianças foi imediatamente ouvida, seguida da risada dela. Descendo do transporte com a ajuda de Geoffrey,

Elizabeth gargalhava com a algazarra e aquilo fazia seu corpo chacoalhar. Ela não era como uma das damas que Aiden conhecia, ela não refreava as emoções. Assim que o sol tocou os cabelos dela, os raios iluminaram os fios mais claros e a transformaram no vislumbre perfeito de um anjo. — Patrick! — Gritou para o filho mais velho. — Vigie Peter e só entrem na água até os joelhos. — Pode deixar, mamãe. E lá foram os meninos correndo para a areia e, logo, brincando com as ondas que arrebentavam e deixavam rastros de espuma salgada. Havia muita coisa para fazer em uma praia, desde catar conchinhas pelo chão até construir castelos de areia. Aqueles garotos com certeza iriam ser divertir enquanto ele, o duque, passaria mais tempo com Elizabeth. Isso se Agatha deixasse. A irmã já tinha se juntado a ela e parecia um soldado ao lado da governanta, tagarelando qualquer coisa sobre o quanto eram audaciosos os trajes de banho das Américas. Por um momento, Aiden desejou que estivessem na América apenas para poder ver Elizabeth em roupas menores, mesmo que ele já a tivesse visto praticamente nua. Sem muita chance de evitar o inevitável, o duque tirou os sapatos, as meias, dobrou as calças até a metade da panturrilha e fez o mesmo com a camisa. Retirou o colete, abriu dois botões no colarinho, dobrou as mangas. Sem chapéu, o sol batia em sua face e fazia com que ficasse difícil enxergar. Depois, sentou-se na areia fofa para observar. E observou por quase meia hora. Elizabeth e Agatha brincavam com as crianças. Nenhuma das duas parecia uma dama da sociedade e ambas aparentavam ser adolescentes. Sem sapatos, sem meias, com as saias levantadas e o decoro abandonado à própria sorte, elas riam e os cabelos, que se soltavam das tranças, esvoaçavam com a brisa. Aiden considerou por que nenhuma das mulheres com quem deveria se casar o interessavam. Elas eram damas bonitas, de boas famílias, ricas, bem criadas e educadas, mas ele não sentia nenhum tipo de atração por nenhuma delas. Ao contrário, as achava entediantes e enfadonhas. Enquanto via Elizabeth Collingworth correr pela areia com um bando de crianças e lembrava de tudo que ele já ouvira dela, e já a vira fazer, ele comecava a entender os por quês. Acabou distraído com alguns pássaros que pousaram bastante perto e não notou quando ela se aproximou. Sentou-se ao seu lado, por sobre as pernas

dobradas, olhando para o horizonte. — São lindos, não? — Elizabeth apontou para as aves. Ele desejou dizer que, na presença dela, nada deveria ter o direito de receber aquele adjetivo. — São intrigantes. A senhora está se divertindo? — Sim, eu não me lembrava mais do oceano. Fazem muitos anos desde a minha primeira e última vez no litoral, então é como se eu estivesse debutando. E as crianças, elas estão eufóricas. Mas vejo que Vossa Graça não está compartilhando dessa diversão. Aiden se virou e respirou profundamente, encarando o perfil delicado e perfeitamente desenhado daquela mulher. Ela fazia com que ele se sentisse vulnerável e tolo. Só por isso ele deveria detestar estar ao lado dela, mas tudo que ele queria era que ela percebesse. Que ela entendesse o quanto o afetava. — Eu inventei essa excursão inteira apenas para desfrutar desse momento. — Confessou. — Você ao meu lado, nós dois conversando como se não houvesse nenhuma hierarquia entre nós. Já está valendo a pena. — Mas há hierarquia. — Ignore-a. Aqui, agora, hoje, apenas seja Elizabeth Collingworth e converse comigo. Diga-me com sinceridade, a senhora acha que minha irmã será uma dama respeitável qualquer dia desses? Ela riu. Virou-se para ele e havia um brilho malicioso que Aiden ainda não notara naqueles azuis que suplantavam o mar. — Sua irmã já é uma dama respeitável. Se pensa em moldá-la conforme a sociedade exige, já tive essa experiência uma vez e recomendo: não faça isso com Lady Agatha. Sua irmã tem um espírito que poucas pessoas possuem, ela é especial. — Eu sei. — Aiden suspirou novamente. Agatha estava ainda brincando com as crianças e seu vestido já estava ensopado. — Mas eu gostaria que ela se casasse com um bom marido. Alguém que pudesse mantê-la em segurança quando eu faltar. Mamãe, ela… — Ela se casará. — Elizabeth interrompeu o duque. Foi ele mesmo que disse que seria sem hierarquia e ela já o interrompia antes. — Sendo ela mesma, ela conquistará um homem que a amará e não precisará se casar com alguém que se importará mais com o dote do que com a mulher. — Esqueci que a senhora acredita em casamento por amor. — Eu acredito em amor, Alteza. Mas quem sabe sejam apenas devaneios de uma mulher tola que uma vez sonhou com príncipes e castelos? Elizabeth levantou-se e se pôs a caminhar pela orla. Claro que ele a tinha

ofendido, estúpido. Aiden nunca fora muito habilidoso em conversar com mulheres, principalmente porque elas nunca conversavam com ele, exatamente. Elas falavam sobre o clima. Ou também conversavam sobre rendas, sombrinhas e vestidos. Até poucos dias, ele acreditava que aqueles fossem os assuntos de toda mulher e que nunca valeria a pena falar mais do que cinco minutos com nenhuma delas. Ele não podia esperar para discutir com Elizabeth sobre suas pretensões de negócios. Apostava que ela teria argumentos que ele gostaria de ouvir. Então levantou-se e foi atrás dela, ignorando a presença de qualquer um que pudesse não entender por que um aristocrata caminhava, sozinho, ao lado de uma criada. — A senhora não é uma mulher tola. Peço desculpas se algo que eu disse fez com que entendesse que penso isso. — Está tudo bem. Eu sei que a ideia de amor, em sua condição, parece superestimada. Mas, se minha opinião tiver alguma valia, permita que sua irmã continue a ser como ela é. Verá que tudo vai dar certo assim mesmo. Pela forma como ela pisava na areia, parecia que Elizabeth estava chateada. Aiden achou prudente não persistir naquele assunto nem tentar fazê-la falar mais. Alcançou-a e ofereceu o braço para que ela o segurasse. Confusa, ela olhou ao redor para conferir que o litoral estava estranhamente vazio naquele dia. Se ela estivesse se perguntando aonde estariam todas as pessoas, ele também não saberia dizer. E então eles se olharam outra vez. Aiden tinha uma vaga memória da primeira vez em que seu olhar tocou o dela, em um incidente causado pela febre e um quarto com apenas uma cama. Naquele momento, eles estavam bastante conscientes mas o impacto foi o mesmo. Ela levou a mão para envolver seu braço com seus dedos macios e pequenos e ergueu a cabeça. Havia um sorriso delicado, quase imperceptível, naqueles lábios rosados. O sol reluzia nas mechas douradas dos cabelos de Elizabeth e faziam com que ela ficasse ainda mais linda. Aiden não conseguia respirar. Sua expressão era séria, de veneração. Havia algo que ele não sabia explicar quando ela o olhava daquele jeito. Ele poderia ajoelhar no chão e rezar para ela que não sentiria blasfêmia alguma. Seu coração estrangulou no peito e bateu um baque surdo algumas vezes, implorando para que ele fizesse alguma coisa para acabar com aquela agonia. Eles voltaram a caminhar. Ela segurava a dobra do seu cotovelo e o contato era pele com pele. Não havia barreira artificial de tecido que

impedisse que ele sentisse o calor daquele toque. A praia acabou, logo eles estavam em um rochedo onde o mar agitado estourava. — Vamos voltar? — Elizabeth perguntou. — Não. Podemos sentar aqui e observar as ondas nas rochas. É um espetáculo feroz, não acha? Ela assentiu com um movimento de cabeça. — Sua irmã vai desconfiar de algo, Alteza. — Aiden. — Ele se sentou e estendeu a mão, convidando-a para fazer o mesmo. — Chame-me pelo meu nome, eu imploro. Ele soa tão bem quando você o pronuncia. — Certo, Aiden. — Elizabeth sentou-se ao lado dele. Os ombros estavam colados. — Então vamos observar a ferocidade da natureza e a elegância das gaivotas. Sim, mas não apenas isso. Quando ele decidiu segui-la naquela caminhada, quando ofereceu o braço, o duque esperava que fossem longe o suficiente para que ninguém conseguisse notá-los. Não havia pessoas por perto nem carruagens, tudo que conseguiam identificar do outro lado da praia eram pontos em movimento. Ninguém conseguiria vê-los ali, conseguiria? Aiden esperava sinceramente que não. Por isso, passou a mão pelas costas de Elizabeth e a puxou para mais perto. Ela não resistiu, ao contrário, deitou a cabeça em seu ombro. Com os dedos trêmulos, ele percorreu a extensão dela com um carinho intermitente, deslizando a mão para cima e para baixo nos braços nus de Elizabeth.

O duque deveria ser um bom homem, mas possuía a ingenuidade dos aristocratas. Elizabeth não podia esperar que ele a compreendesse nem perderia seu tempo tentando fazê-lo entender coisas que não fariam diferença na vida do nobre. Ela preferia aproveitar o toque de suas mãos quentes enquanto compartilhavam a manhã na praia. Mas o tempo passou e eles precisaram voltar para a companhia dos outros. Enquanto caminhavam de volta para a realidade, ela via seus filhos se divertindo, imundos e molhados, e imaginava que estava se iludindo. Em breve aquilo iria acabar e eles voltariam para a vida medíocre que tinham, mas era a vida que podiam ter. Que aproveitassem as boas coisas enquanto

elas durassem. — Obrigada. — Foi o que conseguiu dizer antes que a mágica que lhes permitia desfrutar de momentos a dois acabasse. — Isso significou muito para Patrick e Peter, então eu agradeço por essa gentileza. — Mesmo que eu tenha feito isso apenas pela senhora? — Nesse caso, os fins justificam os meios. Ele riu e aquele deveria ser o sorriso mais lindo que Deus criou. Nunca lábios se ergueram daquela forma tão sensual, nem covinhas tão perfeitas se formaram nas bochechas de ninguém como elas se formavam nas dele. Aiden Trowsdale era uma obra de arte que andava e falava. E tinha um cheiro incrível de madeira e bergamota. — Foi um prazer ter sua companhia hoje. O duque segurou a mão dela e beijou os dedos de uma forma reverencial. Era impressionante como ele conseguia ser um devasso, tocando-a de forma inadequada em algumas situações, e um perfeito cavalheiro, em outras. Precisava parar de pensar no homem e conseguiu isso se ocupando de alimentar as crianças. Ela e Moira, a criada pessoal da lady, trataram de organizar um lanche para os meninos, mesmo que eles estivessem tão molhados e sujos que fossem comer mais areia do que qualquer outra coisa. Claro que ela não conseguiu evitar os olhares suspeitos que Lady Agatha lançou tanto para ela quanto para o irmão, que fingia não estar prestando atenção demais em tudo. Claro que também não conseguiu evitar pensar nele, afinal. Enquanto as crianças comiam, Elizabeth notou movimento ao redor. Duas meninas, uma delas menor do que Peter, observavam a comitiva. Elas estavam muito magras e pareciam famintas. Tinham olhos grandes e claros, cabelos que pareciam loiros mas estavam encardidos. Quando perceberam que estavam sendo vistas, tentaram se esconder atrás de algumas pedras que estavam próximas. Elizabeth foi até elas. — Como vocês se chamam? As duas a encararam sem saber se deviam responder. Seguravam a mão uma da outra e pareciam também amedrontadas. Talvez as pessoas que frequentassem a praia não as tratassem muito bem. — Podem me dizer. Eu sou a Elizabeth, mãe daqueles dois garotinhos ali. — Ela apontou Peter, que estava de pé imitando alguma coisa, e Patrick, que comia de forma serena enquanto observava os outros. — Eu moro em

Londres. E vocês? Uma delas apontou para a direção da vila. — Meu nome é Helga. — A de aparência mais velha disse. — Vocês querem se juntar a nós, Helga? Estamos comendo e acho que vai sobrar um pouco de comida. Querem nos ajudar? As duas se entreolharam e recuaram dois passos. Elizabeth se distraiu com as meninas e não notou quem se aproximava. Por trás dela surgia a figura imponente do Duque de Shaftesbury. Um pouco desgrenhado pelo vento, pelo sol e pela maresia, ele ainda parecia o homem mais poderoso da face da Terra. E sua presença causava estupefação e pavor em qualquer pessoa. — Ora vejam. Essas duas damas são suas convidadas, Sra. Collingworth? — Sim, Alteza. Mas elas estão um pouco reticentes em aceitar meu convite. Aiden ajoelhou-se à frente das duas garotas e pediu que se aproximassem. Um pouco receosas, elas deixaram que ele sussurrasse qualquer coisa e riram. Em uma conversa que durou um minuto e duas frases trocadas, o duque consegui convencê-las a se juntar aos meninos. — O que disse para elas? — Elizabeth quis saber, caminhando ao lado do duque na direção do grupo de moleques. — Como as convenceu tão rapidamente a confiarem em nós. — Eu apenas disse que, como um duque, eu poderia conceder um desejo para cada uma se elas aceitassem seu convite. — Oh. — Elizabeth colocou a mão na frente da boca para esconder seu entusiasmo. — E se elas pedirem coisas muito difíceis? — Eu sou um duque. — Ele sorriu e os olhares se cruzaram novamente. Ela sentiu um calafrio que percorreu todo o corpo em um segundo. — Mesmo que não seja minha função atender pedidos, eu posso conseguir tudo que quiser. Quase tudo. Estou certo que consigo conceder-lhes um desejo. Se a vida fosse justa com ela, Elizabeth jamais teria conhecido Aiden Trowsdale. Ela atrasou o passo para vê-lo seguir à frente e poder admirá-lo. Aquele homem era lindo por dentro e por fora. Ele tinha uma combinação cruel que fazia com que qualquer pessoa rapidamente se encantasse. Mesmo que ele fizesse questão de se mostrar autoritário e arrogante, ela entendera que havia muito mais debaixo da superfície. E mais ainda que ela gostaria de conhecer. Mas ela não podia se interessar pelo Duque de Shaftesbury. Precisava

superar o dia perfeito ao lado daquele homem proibido.

A volta para casa não representou conforto para Elizabeth. O restante do dia passaria de forma mecânica. Os trabalhos com a casa, os preparativos para garantir que tudo estivesse perfeito para o baile. Vários convidados da sociedade estariam presentes. A lista continha alguns negociantes e industriários também, mas eram homens ricos e influentes que certamente conquistaram, com ouro e moedas, um lugar naqueles eventos. Os cuidados com os meninos, depois que o jantar fora servido. A garantia que fossem para a cama depois de um banho morno e uma oração. Depois de tudo arrumado, Elizabeth aproveitou a tranquilidade da noite e a folga para ver a estrelas. Saiu pela porta dos fundos segurando um candeeiro e sentou-se em um banco improvisado próximo aos estábulos. Esperava não incomodar os cavalos, mas sua presença ali acabou atraindo outras atenções. — Sra. Collingworth. — O cavalariço se aproximou. — Não consegue dormir? — Não é isso. Eu apenas gosto de observar as estrelas. — Conhece as constelações? O homem sentou-se ao lado dela, com uma distância respeitável. Ela o fitou na quase profunda escuridão da noite e imaginou se ele conhecia as constelações. — Sim, algumas. Mas elas, aqui, ficam mais em evidência. — Reggie gostou bastante do passeio hoje. Disse que a senhora foi muito gentil. — Deve agradecer ao duque. — Ela sorriu, pensando em Aiden e nos momentos do dia. — O convite partiu dele. — O duque é um bom homem, assim como foi seu pai. Diga-me, senhora, já que tem as noites livres, gostaria de jantar em minha casa, amanhã? Elizabeth virou-se bruscamente para fitar novamente o cavalariço. Ele tinha uma presença mais bruta quando iluminado apenas pela pouca claridade da vela. Suas feições não eram feias e ele tinha uma gentileza que não era comum dos homens da classe dele. Deles. Seria aquele convite um cortejo? Uma forma de se aproximar dela com outras intenções? Depois de descobrir

que ele era viúvo como ela, as possibilidades se ampliaram. E, se fosse, ela estaria disposta a aceitar o cortejo de James Hodges? — Agradeço pelo convite, mas eu só folgo depois das vinte e duas. — Os jantares dos nobres nunca acontecem mais cedo. — Hodges moveu os ombros. — O horário não é importante. — Tudo bem. Aceito seu convite, Sr. Hodges. — Leve seus meninos, minha casa é bem espaçosa. Espero que goste da comida feita por um homem. O cavalariço levantou-se e, com uma reverência, se afastou. Aquele era realmente um empregado diferenciado dos demais. Enquanto Granger, Geoffrey e os outros homens da propriedade pareciam bastante brutos e eram iletrados, Hodges tinha um ar mais erudito. Mesmo que seu corpo indicasse os anos de trabalho pesado, ele tinha uma mente diferente. Talvez não fosse tão ruim assim investir em Hodges. Elizabeth acreditava que nunca mais se casaria e adoraria estar errada. A vida em Kent poderia ser mais agradável do que em Londres.

Capítulo décimo sexto

Q UANTO MAIS TEMPO ele passava próximo de Elizabeth, mais ele a desejava. E, insatisfeito em tê-la em sua casa, Aiden ainda inventava outras formas de mantê-la por perto. Mas ele temia que poderia perdê-la. Da janela de seu quarto era possível ver a claridade da vela que indicava uma pessoa no quintal. Pela silhueta que se movia e o brilho dourado que a acompanhava, aquela só podia ser a governanta. E, pouco depois, outra pessoa se juntara a ela, o cavalariço James Hodges. O que eles queriam, conversando sorrateiramente sob o véu silencioso da noite? Estavam próximos e Aiden não conseguia ter certeza se estavam muito próximos ou apenas em uma distância razoável. Não era possível distinguir se fariam algo impróprio. Oras, ela era uma criada viúva e Hodges também. Se eles quisessem ficar juntos, o duque não poderia, nem deveria, impedir. Provavelmente seria ótimo se Elizabeth conseguisse um marido para ajudá-la no sustento e criação dos meninos. O cavalariço já tinha um filho e… Mas o que ele estava pensando! Era óbvio que Aiden não queria que Elizabeth se casasse com outro homem. Ela deveria ser dele, apenas dele. Foi com aquele pensamento em mente que o duque pegou uma vela e desceu as escadas, tentando ser o mais silencioso possível. Provavelmente ele não se importaria se acordasse todos os criados, mas era melhor que estivesse sozinho se fosse fazer o que pretendia. Quando Elizabeth entrou novamente na mansão, ele a esperava na área de serviço anexa à cozinha. — Alteza! Ela se sobressaltou ao ver sua figura parcial e amarelada pela chama do fogo que tremeluzia na vela. Aiden tinha plena certeza do que faria ali,

mesmo que temesse ser rejeitado pela terceira vez. Só sabia que, depois de vê-la com o cavalariço tantas vezes e de imaginar que Elizabeth poderia ter em Hodges interesses que iam além da boa convivência entre empregados, ele precisava marcá-la como sua. — Não consegue dormir? — A voz profunda e grave ecoou baixa. Os criados dormiam do outro lado da casa, provavelmente não os ouviriam. — Quis ver as estrelas outra vez, ficar um pouco sozinha. — Mas não ficou sozinha. — Vossa Graça estava me observando? Havia uma nota de divertimento na forma como ela perguntou, mesmo que tentasse parecer séria. Elizabeth estava achando graça dos ciúmes que ele sentia. Maldição, Aiden não queria acreditar naquilo, mas tinha ciúmes da governanta. Aquele era um dos vários problemas de uma casa sem uma presença feminina marcante - o homem nunca deveria ficar por conta dos empregados. — Eu também cheguei à janela para ver as estrelas. Mentiu, porque ele realmente a estava observando. — O Sr. Hodges é um bom homem. Ele me convidou para jantar. — E a senhora aceitou? — Deveria recusar? — Não sei. A senhora me recusou, duas vezes. — Eu não o recusei, Alteza. — Ela murmurou, baixando o olhar. — Eu recusei ser sua amante. — E não é a mesma coisa? — Não querer se tornar amante de um homem, da forma como me propôs, é diferente de não querer esse homem. A frase dela saiu confusa mas ele a compreendeu. Talvez tenha compreendido da forma como desejou, interpretou-a como melhor atendesse a seus interesses, só que Aiden não iria perguntar se entendera corretamente. Aquele pequeno enfrentamento serviu para que ele soubesse de duas coisas importantes: uma, aquela mulher sentia algo por ele. Mesmo que apenas uma fagulha de desejo, mas ela sentia alguma coisa. E duas, ele não esperaria mais para tê-la em sua cama.

Elizabeth não pretendia dizer ao duque que o desejava, mesmo porque ela não conseguia medir as dimensões daquele desejo. Só que as palavras a atropelaram, saindo de sua boca sem muito cuidado. Toda vez que tinha conversas particulares com Aiden, ela falava demais. Claro que ele entenderia tudo errado, porque logo as velas estavam apoiadas em algum lugar e ele estava com as mãos em seu corpo. Aiden deu apenas um passo em sua direção e reivindicou boca dela com uma intensidade que Elizabeth ainda não tinha experimentado. As mãos dele a seguraram pela cintura e puxaram os corpos para mais perto, provocando o contato das roupas dele com as dela. Ele estava quente e os músculos tremiam. Não era o primeiro beijo que compartilhavam e era um totalmente novo. — Alguém pode nos ver. — Ela disse, abafada nos lábios dele, tentando não ser completamente entorpecida pelo toque da língua de Aiden na sua. O duque pareceu refletir sobre o que ela disse porque o beijo ficou suave e lânguido. — Tem razão. Venha comigo para meu quarto. Com uma martelada forte, o coração dela passou a bater alto demais, como se fosse sair do peito e pular pela boca. O ar ficou pesado e impossível de respirar. Se ela fosse com ele, sabia o que iria acontecer porque não estava disposta a recusá-lo mais uma vez. Se ela estivesse sozinha com ele no quarto principal, não iria conseguir dizer não. E, ao mesmo tempo, ela não lembrava de ter menos vontade de recusar alguma coisa. Queria dizer sim a Aiden, queria gritar para ele e pedir que fizesse o que tivesse vontade. Sua hesitação foi entendida como aceitação e ele segurou-a pela mão para conduzi-la pelos corredores. Não havia muita luz pela casa - as velas estavam apagadas - e não havia quase nenhuma luz no quarto de Aiden. A claridade avermelhada da lareira, proveniente da chama indolente que queimava desde cedo, fazia com que o ambiente fosse tomado por um efeito melancólico que combinava com a expressão severa do duque que a encarava. Depois de fechar a porta e girar a chave, Aiden deixou o lado de fora, o restante da casa, em segundo plano. As marteladas do coração dela podiam ser ouvidas no silêncio do quarto e Elizabeth tentava bravamente continuar respirando. Quando ele a tocou novamente, com os dedos nos cabelos dourados e tocando suavemente os contornos da sua face, ela exalou profundamente e soltou um gemido de prazer.

— Diga-me se eu fizer algo que não devo. Ele sussurrou com os lábios em seus ouvidos. Ela se agarrou aos ombros dele para não cair, sentindo os joelhos moles quando a boca de Aiden deslizou por seu maxilar e tomou a sua. — O senhor não deveria me beijar assim. — Deu uma risadinha nervosa quando ele desceu os carinhos para o pescoço dela. — Nem assim. — A boca dele já estava delineando a clavícula exposta pelo decote da camisa branca que ela vestia. — E eu deveria tocá-la assim? Aiden levou as mãos à cintura dela e desceu para as nádegas, fazendo com que ela segurasse um gritinho abafado. — Com certeza, não. Ele riu, esticando os labios que ainda a beijavam. Os dedos subiram e se colocaram nos botões da camisa dela, abrindo-os lentamente. Elizabeth era uma criada, ela não usava espartilho e seus seios estavam livres sob o tecido, esbarrando nas mãos do duque enquanto ele expunha partes do corpo dela que deveriam ficar bem cobertas. Toda vez que a pele dele roçava nos mamilos, Aiden soltava um grunhido de prazer. Até perder a paciência e arrebentar todos os botões que faltavam. Despudoradamente exposta, Elizabeth sentiu o ar fresco da noite tocando sua pele e a língua morna do duque lambendo seus seios livres. Ao invés de sair correndo ou mandar que ele parasse, tudo que ela fez foi arquear o corpo para permitir mais contato. — Acho que também não deveria fazer isso. Aiden colocou um mamilo entre os dentes, envolveu-o com os lábios e o sugou. Foi como ver as estrelas novamente, só que aquelas vinham acompanhadas de um prazer mais intenso. Ele já tinha feito aquilo antes mas as sensações ainda eram inebriantes. — Oh, Aiden, o senhor não… Ela perdeu a fala quando o outro seio foi para a boca dele, que alternava entre um e outro com lambidas suaves e mordiscadas leves. — Eu não devo prosseguir? — O duque desceu uma das mãos e começou a desamarrar os laços da saia que ela vestia. A hesitação do seu discurso não era sentida em suas ações. — Diga-me, Elizabeth, eu devo parar? Não pare. O grito de sua mente quase pode ser ouvido quando ela abriu a boca em surpresa ao sentir o tecido que a cobria descendo pelas pernas. Mas tudo que saiu foi um gemido constrangedor de prazer, que a deixou

envergonhada e fez com que ele esticasse mais ainda os lábios. O duque também não demonstrou paciência alguma com as calçolas ou com as meias. Empurrou tudo para baixo mas fez aquilo passando as mãos pelas formas do corpo dela, delineando as coxas, as panturrilhas, acariciando os tornozelos com cuidado. — Maldita seja a escuridão desse quarto. — Ele grunhiu ao ficar novamente de pé. Elizabeth sentiu-se estranhamente desprotegida naquele instante. Sua pele desnuda se arrepiou ante o olhar de inspeção que Aiden lhe dirigia. Era como se ele pudesse vê-la por inteiro, mesmo na parca luminosidade, e se deleitasse com a visão. Quando ele exigiu a boca dela novamente, Elizabeth entendeu que não pensara nas consequências de se entregar daquela forma. — Acha que é inapropriado se eu tocá-la assim? O duque disse e deslizou um das mãos por entre as coxas dela, subindo e descendo lentamente. Ela arfou em resposta e ele, segurando-a firme pela nuca para mantê-la em um beijo ansioso, conduziu os dedos até a feminilidade de Elizabeth. — Deus. — A blasfêmia não importou — É absurdamente inapropriado que o senhor me toque assim. Ele riu. O maldito duque ria do constrangimento e do prazer que causava a ela, sabendo que a colocava entre escolhas impossíveis. Enquanto isso os dedos dele acariciavam seu botão rosado, inchado pelo desejo. Ela poderia desfalecer de prazer ali mesmo, nas mãos dele, como foi na casa do poço, enquanto se recuperavam. Só que Aiden tinha outras intenções. Fez com que ela se deitasse no colchão macio, com as pernas penduradas e os pés quase tocando o chão. Naquela posição, a feminilidade de Elizabeth estava exposta para que ele pudesse acessá-la da forma que desejasse. E ela deixaria que ele fizesse qualquer coisa se ele pedisse, tamanho era o desejo que sentia pelo toque de Aiden. Ela quis se cobrir com os lençóis mas ele impediu. Deitou o corpo sobre o dela, colocando uma das pernas, ainda vestidas, por entre suas coxas, tomando-a nos lábios novamente. O beijo desceu para o pescoço e a clavícula até encontrar os mamilos intumescidos. O duque não permitia que ela antecipasse muito o que ele faria, ele simplesmente fazia. Colocou um dos seios na boca e sugou devagar, deliciosamente devagar, depois repetiu com o outro. Gemendo sob aquele corpo pesado, Elizabeth estava completamente

entregue. Sem pudor ou decoro. Ele a tinha completamente e não havia nada que ele quisesse para o que ela não dissesse sim. Os beijos continuaram descendo enquanto Aiden dobrava o corpo e separava as pernas dela com cuidado. — Alguém já te tocou aqui, Elizabeth? — Ele passou os dedos sobre os cachos dourados de seu sexo. — O senhor. — Ela riu. — Além de mim? — Não, eu lamento informar que só o senhor. — Isso não me desanima em nada. — Ele também riu. — A senhora me permite ser o primeiro? — Primeiro? Mas eu pensei que… — Eu ainda não te toquei aqui como eu pretendo fazer, agora. Oh. Ela não entendeu o que ele dizia até que um beijo na região do seu baixo ventre fez com que seu estômago borbulhasse. Ele se ajoelhou e ficou de frente para a intimidade desnuda. Ela ergueu um pouco o corpo para vê-lo e a lascívia nos olhos dele a deixou corada e excitada. Com os dois polegares, Aiden acariciou e abriu sua intimidade para fazer o que prometeu - ele a tocou lá, com a língua. O prazer imediato que irradiou pelas terminações nervosas dela fez com que Elizabeth jogasse o corpo para trás novamente. Nocauteada. — Aiden! — Ela se lamuriou enquanto sentia-o com a boca ao redor de sua feminilidade. — O que o senhor está fazendo? Isso não é contra a lei? Ele riu. — Sou um membro do Parlamento. — O duque ergueu o olhar. — Eu saberia se fosse. — Se não é contra a lei dos homens, deve ser contra a lei de Deus. Aiden ergueu o corpo e beijou-a na boca. Um beijo rápido, mas intenso, que significou sua vontade de silenciá-la. — Elizabeth, não há pecado em fazer algo que nós dois queremos tanto. A senhora não quer? Ah, ela queria. Queria muito, mesmo sabendo que não poderia, ou deveria, tê-lo. Ao invés de falar, ela apenas assentiu movendo a cabeça. — Então me deixe te dar prazer. Não se reprima. Ela faria qualquer coisa que ele pedisse. Com aquela certeza, Elizabeth relaxou os músculos e aceitou a boca dele quando tocou novamente seu centro de prazer. Aiden beijou e acariciou com os dedos e com a língua toda

a sua extensão. Depois, penetrou-a com um dedo e, não sentido muita resistência, inseriu mais um. Dentro dela, uma agonia deliciosa começava a crescer em seu ventre.

Mesmo que ele soubesse que Elizabeth não era nenhuma virgem, Aiden divertiu-se ao constatar que ela nunca havia sentido prazer da forma como ele lhe proporcionava. Havia algo de poderoso em ser qualquer primeira vez em uma experiência nova para ela, principalmente quando ele pretendia marcá-la de forma incontestável. E ela era tão deliciosa. Além do aroma de flores, ela tinha um sabor adocicado de pêssego e bergamota, com a nota exata de acidez que fazia o ato de beijá-la ali, em sua intimidade, tão bom. Claro que ele queria que fosse bom para ela, em primeiro lugar, mas estava sendo gostoso demais para ele, também. A cada desbravada de sua língua, Elizabeth gemia e se retorcia sobre a cama. Quando ele adicionou os dedos e a penetrou, pode sentir que ela se entregava totalmente. E a vontade de possuí-la ali, naquele instante, se intensificava a cada murmúrio delicado que ela exalava. Aiden queria vê-la gemer seu nome e desfalecer em seus braços de todas as formas possíveis. Mas ele não faria aquilo a não ser que ela pedisse. Enquanto Elizabeth resistisse em ser dele, Aiden respeitaria aquela decisão e se concentraria em fazer com que ela mudasse de ideia. Seu pênis dolorido e duro que clamava por sair de dentro das calças discordava daquela decisão. Enquanto sua língua circulava o centro de prazer de Elizabeth e seus dedos a penetravam, ele deixou a imaginação se perder e começou a divagar. Ela delirava com o toque dele e gemia até convulsionar em sua boca. A indicação de que ela chegava ao clímax o abalou. Se levantasse e a possuísse, ela não diria que não. Era fácil colocar fim ao seu martírio. Mas seria injusto e imoral se ela não o desejasse da mesma forma. Exaurido, Aiden deitou-se na cama ao lado de Elizabeth. Ela estava nua e extenuada sobre o colchão. Seu corpo imaculado parecia incapaz de se mover e ela tinha uma expressão indecente de quem ainda não tinha superado o êxtase. Ele estava com as calças úmidas de sua excitação, a camisa

desgrenhada e os cabelos despenteados. Se aquela não fosse a melhor representação de duas pessoas que haviam acabado de fazer sexo, ele não sabia de mais nada. Abraçou-a com todo cuidado e ela enfiou o nariz em seu peito. Aquela era uma ótima sensação com a qual ele poderia se acostumar.

O sol penetrou indolente pelas cortinas mal fechadas do quarto ducal e fez com que Aiden despertasse cedo. Ele demorou um minuto inteiro para perceber o espaço em sua cama e suas mãos acabaram repousando sobre sua virilha. Era uma manhã diferente, ele não acordou duro nem entorpecido pelo desejo. — Bom dia, Alteza. Geoffrey entrou no quarto e abriu as janelas. O criado tinha ordens para despertá-lo cedo todos os dias, para que o duque tivesse tempo suficiente para seus exercícios físicos. Aiden sentou-se na cama e olhou ao redor - ela não estava ali. Elizabeth saiu dos aposentos do duque pelo meio da madrugada, ciente de que ela não deveria ser vista pelos criados. — Um mensageiro do Conde de Cornwall deixou uma mensagem para Vossa Graça. Devo separar suas roupas de cavalgada? — Sim, por favor. — Aiden levantou-se e foi até o banheiro lavar-se. O cheiro de Elizabeth estava por todo lugar. Ele temeu que alguém pudesse senti-lo. — Antes, preciso comer alguma coisa. — Serviremos seu desjejum na sala privativa, Alteza. O criado saiu e retornou minutos depois para ajudar Aiden a vestir-se. O duque já suspeitava do que se tratava a mensagem de Edward e seria bom passar o dia na presença do amigo. Se ficasse na casa, sem nenhuma atividade, acabaria procurando a governanta novamente. Ele deveria estar satisfeito, mas não estava. Sua pretensão de passar uma noite com Elizabeth para abrandar seu desejo não teve sucesso. Ele não se satisfez fisicamente. Dar prazer a ela só fez com que a ânsia aumentasse. A vontade de tê-la em seus braços permaneceu. Ele acordou querendo vê-la. O melhor que podia acontecer era ser arrastado por Edward para algum tipo de atividade masculina. Depois de comer, dirigiu-se aos estábulos e seu cavalo já estava selado a

sua espera. James Hodges estava sorridente segurando os arreios do puro sangue castanho cujo pelo brilhava na claridade do dia. — Como ele está hoje, Hodges? — Bem disposto, Alteza. Esse meninão vai adorar um passeio. Aiden olhou ao redor para ver se a encontrava. Viu os meninos passarem correndo para uma parte mais afastada da propriedade e os jardineiros indo cuidar das flores da duquesa. O dia estava lindo e a brisa era fresca, mas ele se chateou por não ver Elizabeth antes de sair. Precisava parar de pensar naquelas bobagens. Conduziu o cavalo pelas trilhas na direção de Greenwood Park, onde se encontraria com o amigo e passaria um dia longe dos problemas que aquela mulher representava.

Capítulo décimo sétimo

D EPOIS DE PASSAR o dia na casa de Lady Anne Brighton, passar por Greenwood Park levaria Lady Agatha mais rapidamente para casa. Mas ela tinha outras intenções quando decidiu pedir que a carruagem cortasse caminho pela propriedade do Conde de Cornwall. Ela queria falar com Edward McFadden. O conde era o melhor - e talvez único - amigo de Aiden e poderia ajudá-la em um propósito. — Granger! — Ela bateu no teto da carruagem e gritou pelo criado. — Quero parar em Greenwood Park, peça ao cocheiro que me leve até a casa principal. — Como desejar, milady. Agatha sabia que o conde não a estaria esperando e temia que, talvez, ele não fosse estar em casa para recebê-la. Arriscou assim mesmo e teve sorte tão logo foi anunciada, ao chegar ao casarão da família McFadden, foi recebida pelo irmão mais novo do conde, o segundo filho, Lorde Isaac. Ele era um jovem bonito, até mais do que Edward. Mas Agatha não se interessava exatamente pelos homens, ainda. Talvez fosse do gosto de Aiden que ela se casasse com um dos meninos McFadden, já que Edward contava com três irmãos, só que ela não tinha certeza se gostaria de desposar nenhum deles. — Lady Agatha. — Lorde Isaac beijou a mão enluvada da dama. — É um prazer revê-la em Kent. Seu irmão acabou de sair. Se veio encontrá-lo, temo ter perdido a viagem. — Na verdade, gostaria de falar com seu irmão, o conde, milorde. Ela deu um risinho que sabia poder ser facilmente confundido com um flerte. Agatha fazia muito daquilo. O duque já a havia repreendido por sorrir

demais para os homens. Ela apenas não conseguia impedir. — Então seja breve. — A voz de Edward ecoou vinda do salão. — Não estou com tempo para perder com crianças. — Ele é sempre assim? — Ela sussurrou para Lorde Isaac. — Assim como? Um completo imbecil? Acho que sim. Os dois riram e dispersaram quando o conde pigarreou e se intrometeu no cochicho. Ofereceu o braço para Agatha acompanhá-lo até o jardim. Mesmo sendo amigo da família, ela sabia que o conde só tomava aquela liberdade porque ela estava devidamente acompanhada de sua criada. — Diga o que quer, Lady Agatha. Se veio sozinha, já sei que está tramando alguma coisa. — Eu não tramo coisas, milorde. — Ela se fingiu ofendida com a insinuação dele. — Mas gostaria de sua ajuda em nome da amizade que tem com meu irmão. O conde ajeitou-se na cadeira e chamou um criado, pedindo que servisse um chá para os dois. — Sou todo ouvidos. O que pretende? — Primeiro, gostaria que me dissesse se notou algo diferente em Aiden nesses dias. Se o percebeu distraído, um pouco arrebatado, talvez. Edward coçou o queixo quadrado e fitou a dama com seus olhos azuis. Ela enrubesceu ao se perceber examinada. Era a primeira vez que o conde causava nela algum efeito que não a vontade de estapeá-lo por suas falas rudes. — Se diz depois da doença, devo confessar que sim. Ele tem estado muito distraído, inclusive se feriu em um treino de esgrima e hoje quase bateu com a cabeça em um galho de árvore, durante nossa cavalgada pelo bosque. É como se a Escarlatina tivesse lhe afetado o cérebro. Estou até um pouco preocupado. Agatha riu. Um largo sorriso ao confirmar que sua percepção sobre o irmão não estava equivocada. Que seu melhor amigo também estava percebendo as mudanças no comportamento do duque. — Pois é por isso que gostaria de sua ajuda, com total discrição. Acredito que o problema de Aiden não tenha muito a ver com a doença. Ele está apaixonado. O conde engasgou com o chá que acabara de ser servido. — O duque? Apaixonado? — Deu uma risada e limpou os lábios com um guardanapo de tecido. Agatha se incomodou por estar tão atenta aos

movimentos do conde. — Deve estar enganada, Lady Agatha. Aliás, tenho certeza que está enganada. Aiden não é do tipo que se apaixona. — Pois ele está e eu gostaria que convidasse a Sra. Collingworth para seu jantar. Pretendo dar a ele a chance de interagir socialmente com ela e até mesmo tirá-la para uma dança. — Collingworth? — Edward se ajeitou novamente na cadeira. Ele parecia incomodado com a conversa. — Está falando da governanta? — Sim. A mulher com quem ele ficou confinado por uma semana e só eles sabem dizer o que aconteceu nesse tempo. Seja lá o que for, afetou meu irmão de uma forma que talvez nem ele esteja percebendo. A lady bebericou seu chá. Ela estava arriscando bastante se indispor com Aiden ao interferir daquela forma. Pior, arriscava se indispor com sua mãe, a duquesa que havia decidido casar o filho com Madeline Westphallen. Claro que os planos da mãe não dariam certo, Aiden não se casaria com Madeline apenas porque ela queria. Mesmo assim, a duquesa acreditava que tinha muito poder sobre o filho e contrariá-la era comprar uma briga que Agatha não poderia vencer. Mas aquela era a primeira vez que Agatha via o irmão tão afetado por uma mulher. O sempre indiferente Aiden Trowsdale tinha sido arrebatado pela linda e delicada mulher que apareceu em sua vida por uma obra zombeteira do destino. A jovem não tinha dúvida nenhuma que seu irmão estava apaixonado. — Milady, seu irmão é um duque. O Duque de Shaftesbury, um dos maiores e mais prósperos ducados da Inglaterra. Ele continua o legado de sucesso de seu pai e tem muitas responsabilidades. Atualmente, temos inclusive fechado negócios com a nova classe de negociantes e industriários para não ficarmos para trás na economia. Ele tem um papel relevante no parlamento britânico e a senhorita deseja casá-lo com uma… criada? A forma como o conde escolheu as palavras fez com que elas soassem quase educadas demais, mas eram rudes mesmo assim. Por mais que Lady Agatha soubesse das responsabilidades ducais do irmão, ela não conseguia ver problemas se ele quisesse escolher uma esposa que não fosse nobre. — Essa deveria ser uma decisão exclusivamente dele. — A jovem manteve sua postura de quem fazia a coisa certa. — Eu apenas gostaria de possibilitar que ele percebesse que está apaixonado. — Certo. Se eu convidar a governanta e recebê-la em minha casa no meio das famílias aristocratas, afrontando a condessa ao fazê-la cumprimentar uma

plebeia, a senhorita acredita que o duque compreenderá que gosta dela apenas por vê-la em um vestido de seda? — Apenas faça isso, milorde. Sei que peço algo grande, mas o senhor vive convidando plebeus para seus eventos. O que são esses negociantes e suas famílias sem estirpe que sempre frequentam sua casa? Eles não são melhores do que Elizabeth apenas porque possuem dinheiro. No final vieram da mesma classe social que ela. O conde coçou novamente o queixo. Era difícil argumentar com Agatha e ela sabia daquilo. Aquele era um dos motivos pelos quais Aiden sempre se irritava com ela. Dizia que ela era inteligente e petulante demais para uma dama e aquelas ofensas a entusiasmavam mais do que elogios. — Vou enviar um convite para a Sra. Collingworth. — Ele cedeu. —Mas, se Aiden não se encantar por ela nesse jantar, se seu plano não for bem sucedido, prometa-me que deixará de interferir nas decisões amorosas do seu irmão. — Temos um trato, então. — Lady Agatha terminou seu chá e depositou a xícara no pires sem fazer nenhum ruído. — Sabia que podia contar com sua ajuda, é ótimo que meu irmão tenha amigos tão progressistas. Ela se levantou para voltar para casa. Precisava colocar as outras partes do seu plano em prática, afinal, o jantar aconteceria em dois dias.

A casa de James Hodges era simples, porém melhor do que a sua, em Londres. Elizabeth percebeu aquilo no instante em que viu as grandes janelas abertas e a luminosidade que provinha da lareira e das velas. Patrick e Peter vinham atrás dela, um pouco desconfiados, mas entusiasmados em participar de um evento social. Para eles, era um grande evento. Como criada, ela não tinha nada muito elegante pra vestir. Estava com os cabelos soltos e conseguira ajustar um vestido antigo, que possuía uma saia em camadas e um decote generoso. Sentiu-se bonita e digna do cortejo de um pretenso marido. Ao mesmo tempo, sentiu-se impura como se estivesse prestes a cometer traição. O sorriso que deu para si mesma, na frente do espelho, continha a alegria de despertar o interesse de um bom homem e a tristeza de desejar outro. Bem, ela não era uma virgem que precisava estar intocada para o

casamento. Se Hodges fizesse alguma proposta, no futuro, seria consciente de que Elizabeth fora mãe duas vezes e teve um marido, antes. Mas seu coração, aquele não conseguia parar de reclamar pelas decisões racionais que a cabeça tomara. — Sejam bem vindos! — Hodges os recebeu e beijou a mão de Elizabeth quando ela se aproximou. — Reggie está na cozinha me ajudando com o jantar, já vamos servi-lo. Estão com fome? Os meninos assentiram com movimentos de cabeça. Do lado de dentro a casa era ainda mais confortável - havia um sofá estofado na sala, uma lareira grande e até mesmo livros em uma estante. O cheiro de ensopado que vinha da cozinha era agradável. — Deixe-me fazer algo. — Ela insistiu. — Não, hoje a senhora é minha convidada. Vamos comer um guisado que é receita da minha falecida mãe e tomar xerez barato. Sim, claro que eles iam. Um lado de Elizabeth estava ansioso por aquilo, outro desejava retornar para a mansão. Ela ainda não tinha visto Aiden depois de ter ido com ele até os aposentos ducais e não sabia como interpretar aquele afastamento. Como prometido por Hodges, o jantar foi saboroso e divertido. Reggie era um jovem espirituoso e inteligente, que vinha estudando sozinho porque não tinham dinheiro para matriculá-lo em uma escola. A vila não dispunha de escolas gratuitas financiadas pelos nobres e aquele pobre rapaz só poderia contar com ele mesmo para aprender. E o cavalariço era um viúvo que vivia para o trabalho e o filho, mas que já estava cansado de cuidar sozinho da casa. Durante o tempo que passaram juntos, Elizabeth teve certeza que ele pretendia casar-se novamente. E a primeira pretendente que ele se dispôs a cortejar era ela. — Obrigada pelo convite. — Elizabeth agradeceu enquanto caminhavam de volta à mansão. O cavalariço ofereceu-se para conduzi-la. — Foi uma noite muito agradável. — Agradeço que tenha aceitado. Espero que não me considere muito afoito, Sra. Collingworth, mas eu gostaria muito de poder cortejá-la, se for do seu interesse. Ela o fitou brevemente sob a luz prateada da lua. Suas impressões sobre o homem não mudaram - ele não dispunha de muita beleza física, mas seus traços singulares eram intrigantes e bem desenhados. Não havia mal algum em aceitar as investidas daquele homem que poderia resgatá-la de uma vida

penosa que já se estendia por cinco anos. Mães viúvas eram uma das categorias que mais sofriam na gelada e esfumaçada Londres. Havia Aiden, no entanto. Mas o duque não poderia ser considerado um impedimento para que ela aceitasse o cortejo de outro homem. Nem o que eles compartilharam. As intenções de Aiden para com ela se resumiam ao desejo de torná-la amante, enquanto Hodges demonstrava que tinha pretensões bem mais honestas. — Claro, Sr. Hodges. — Ela deu um risinho tímido ao perceber que ele ficou aliviado com a sua resposta. — Mas fique sabendo que sou uma mulher exigente. — Tomarei nota de suas exigências e tentarei atendê-las. Despediram-se ao chegarem à porta dos fundos. Elizabeth notou que Loretta os espiava pela janela da cozinha, no escuro, tentando passar despercebida. O cavalariço beijou a mão da governanta e ela entrou com os filhos, levando-os logo para a cama. Já passava da meia noite e crianças pobres dormiam bem mais cedo que aquilo. Não pode deixar de notar, enquanto se aprontava para dormir, que James Hodges a tratava com mais reverência do que Aiden Trowsdale. Seria aquilo um efeito dos momentos íntimos involuntários que ela compartilhou com o duque? Afinal, a conversa fluía com tanta facilidade e a proximidade era tão natural entre ela e Aiden que era como se ele não precisasse pedir permissões ou se prender a convenções. Eles eram íntimos, eles se tornaram íntimos desde o início e aquilo certamente fez diferença na forma como se tratavam. E ela precisava parar de pensar no duque. Aiden era um sonho de menina que tinha ficado para trás. Tendo um pretendente interessado nela, era mais prudente que se concentrasse em considerar um novo casamento e uma nova vida fora de Londres.

— Alteza. John entrou no escritório do duque depois de confirmar que ele estava ali. Aiden acordara mais cedo do que gostaria, com a cama vazia e fria. Ele não via Elizabeth por um dia inteiro e aquilo o estava deixando um pouco ansioso. Não sabia como ela reagiria depois do que houve, já que ela fora sempre tão resoluta em negar que seria sua amante.

Talvez fosse possível negar. O que eles fizeram não foi sexo. Foi? Aiden era homem, para ele o sexo era bem mais do que ele compartilhara com a governanta. Ele precisava estar dentro dela. Sobre ela. Ela não era, tecnicamente, sua amante. No fundo ele sabia que nenhum jogo de palavras mudaria a realidade. — Diga, John. — O criado do Conde de Cornwall trouxe uma mensagem para Vossa Graça. É o convite formal para o jantar em sua residência, amanhã. Aiden ergueu a cabeça e pegou o papel da mão do mordomo. A mensagem, escrita em linho e com caligrafia bastante elegante, convidava a família Trowsdale para o tradicional jantar realizado na casa em Greenwood Park. Era uma festa para poucas figuras da aristocracia que estavam em Kent. Dois marqueses, um conde e um duque, além dele, eram convidados, com suas respectivas familias. E, claro, as Westphallen. Por que diabos Edward cismou que ele iria querer se casar com uma daquelas mulheres desagradáveis? Também estariam presentes os Fairfax e os Oglethorpe, duas famílias burguesas que não ostentavam título de nobreza, mas tinham muito dinheiro e negócios de interesse do conde. — Certo. Por favor, envie Geoffrey com a confirmação, diga que vamos. A Sra. Collingworth, peça que venha me ver. Com um movimento de cabeça, John se retirou e deixou Aiden pensativo. Ele gostaria que Elizabeth fosse àquele jantar. Adoraria vê-la vestida em seda e renda, usando um vestido que fizesse justiça à sua beleza angelical ao invés das roupas cruas e sem graça dos criados. Mas não podia levá-la. Ela era sua governanta. Também não a levaria como dama de companhia de Agatha, essa não era uma prática comum em eventos como aquele. Aquilo o aborreceu em dobro. Ele era um duque que tinha tanto poder e, ao mesmo tempo, nenhuma decisão sobre a própria vida. Voltou a analisar os documentos que tinha em mãos por alguns minutos até que a porta novamente se abriu e ela entrou. Cabelos que reluziam com o sol e um brilho perfeito no olhar. — Mandou me chamar, Alteza? — Sim. Eu queria te ver. Ah, ele poderia falar bobagens tolas o tempo todo apenas para ver o rubor que tingia as bochechas dela. Elizabeth limpou as mãos no avental que estava pendurado em sua saia e sorriu, ajeitando uma mecha teimosa de cabelo para

dentro do gorro que usava. — Quer que eu traga seu desjejum? — Já comi. Eu realmente só queria te ver. Ela sorriu novamente e suas bochechas estavam então quase vermelhas. Aiden adorava levar cor àquela face linda. A timidez de Elizabeth fazia com que ela se parecesse ainda mais jovem. Era quase impossível acreditar que ela tinha um filho de sete anos. — Apesar de grata pela lisonja, nós não podemos continuar fazendo isso, Alteza. Eu… O Sr. Hodges pediu permissão para me cortejar. E eu dei. Aquela frase atingiu Aiden no meio do peito, como uma espada prestes a romper seu coração. Por mais que ele soubesse que havia algo suspeito na interação dela com o cavalariço, desejava que não fosse nada além de um flerte tolo. Mas, se Hodges fosse um homem esperto, ele jamais deixaria uma mulher como aquela lhe escapar. E não havia como competir com ele. Era ridículo que um duque se considerasse em posição de desvantagem em relação a um criado, mas o cavalariço poderia oferecer a Elizabeth um status que ele, Aiden, não tinha condições de fazê-lo. — Bem, ele pode cortejá-la, mas vocês não possuem nenhum compromisso. Estou enganado? — Não temos um compromisso. Ele não me pediu em casamento, se é isso que Vossa Graça quer dizer. — Então, enquanto não houver compromisso, significa que podemos nos ver. Aquela era uma atitude que lhe cabia bem. Aiden não costumava deixar aquilo que era de seu apreço sem esgotar todas as suas possibilidades de mantê-lo. Elizabeth era de seu apreço. E ele daria qualquer coisa para que ela mudasse de opinião sobre sua oferta. — Tudo bem, o senhor tem um bom argumento. Agora que estou aqui, se quiser pode me contar em que está trabalhando. Eu sempre acreditei que aristocratas não trabalhavam. Aiden riu e levantou. Pegou um documento nas mãos, considerou se deveria compartilhar com ela aquelas informações. Não eram segredo, mas a maioria das pessoas não o compreenderia. — Não trabalhamos. Mas eu não acredito que a saúde financeira da nobreza vá durar muito tempo. A Inglaterra é agora dos investidores, dos negociantes, de quem movimenta a indústria. Esses homens estão acumulando o dinheiro e nós, os nobres, apenas gastando nossas posses. Em

pouco tempo, seremos engolidos por essa classe média que sonha em chegar no nosso posto. Os olhos dela brilharam. Elizabeth estava interessada no que ele falava, então o duque indicou que ela deveria sentar em um sofá próximo. Depois, sentou ao lado dela e entregou o documento que segurava. — Essa é uma teoria e tanto. Acredita mesmo que ela vá se concretizar? — Talvez sim, talvez não, mas não ficarei esperando para ver se estou certo ou errado. Ela fixou a atenção nos papéis. Aquele era um contrato de investimento com um industriário importante e muito rico, que estava construindo prédios novos em Londres. Eram regiões empobrecidas que estavam sendo renovadas e atraindo a atenção da burguesia e dos americanos. Já havia hotéis e lojas abertas e convidando as pessoas de dinheiro a frequentarem os arredores, que eram afastados de Mayfair. Elizabeth sabia. Ela era uma observadora, Aiden já notara, e a região mais afetada por aqueles contratos ficava próxima de Shadwell, o bairro em que ela morava. — Vossa Graça vai investir com esse homem, então. Não é arriscado? — Um pouco. Por isso começarei com um investimento de média monta, para não me descapitalizar muito. Com o tempo, posso investir mais, só depende dele. A luz que refletia no azul límpido dos olhos dela indicava seu fascínio pelo assunto, mesmo que ele entediasse, ou confundisse, a maioria das damas. — Parece uma decisão muito inteligente, Alteza. Cada vez mais percebo a cidade crescendo na vertical, as docas recebendo mercadorias e turistas, e enviando nossos produtos para fora. Não sei se acredito que os nobres perecerão, mas eles já precisam dividir espaço com um novo grupo de pessoas que, até pouco tempo, não era admitido nas rodas sociais. — E amanhã, dois negociantes estarão na festa do meu amigo conde. Um deles é o homem que subscreve esses papéis na sua mão. Eles já estão entre nós. Aiden gostaria de encerrar a pequena distância entre eles e beijá-la. Ele não estava satisfeito. O prazer auto-infligido, duas noites atrás, não serviu para aplacar o desejo que ele sentia por ela. Ao contrário, fez com que ele se intensificasse. A vontade de estar com Elizabeth era maior do que antes, principalmente porque ela compreendia - e apoiava? - as decisões que ele

vinha tomando. Mas ele não fez isso porque o escritório foi invadido por uma Agatha agitada e animada demais. — Aiden, preciso sair para visitar minha estilista. Edward, aquele tratante, enviou esse convite em cima da hora e não tenho um vestido adequado para… Ela percebeu os dois sentados no sofá. Elizabeth levantou-se, um tanto constrangida, assim que a porta se abriu, mas Agatha era perspicaz. Parecia que o destino de Aiden era estar cercado de mulheres sagazes que não deixavam de notar nada ao redor. — Você tem mais vestidos do que pode usar, Agatha. Mas, se precisa de um novo, vá à estilista. — Certo. — Agatha os olhava com curiosidade. A irmã desconfiava de algo, claro que sim, mas ele não fazia ideia do que aquilo significava. — Então vou levar Elizabeth comigo. Aiden quis dizer que ela não deveria fazer aquilo, que a governanta tinha outros serviços. Mas ele havia garantido que a irmã era a prioridade sempre, então não deveria voltar atrás. Concordou e suspirou por passar o restante do dia sem poder ver Elizabeth novamente.

Capítulo décimo oitavo

E LA NÃO ESTAVA ENGANADA . O irmão e a Sra. Collingworth tinham um relacionamento estranho. Aiden sempre fora um homem distante e desinteressado pelos criados, Agatha duvidava que ele soubesse o nome de todos eles. Mas a governanta, ele a tinha contratado e ela estava sempre com ele em situações no mínimo inusitadas. Não que Agatha se importasse, ela achava o máximo que o irmão tivesse, afinal, vontade de estar com alguma mulher. Mas ela era uma plebeia e a lady não sabia o que fazer com aquilo. Se incentivasse Aiden, se ajudasse uma aproximação dos dois, isso poderia ferir Elizabeth porque ele não se casaria com ela. Certo? Bem, e por que não? A primeira coisa que ela precisava fazer era garantir que as duas fossem à festa de Edward McFadden e aquilo tinha sido providenciado com sucesso. Agatha não gostava muito do conde, ele era pedante e cheiro de regras e manias, mas poderia tê-lo como aliado. Naquele momento ele seria seu único aliado, já que a mãe não suportaria a ideia de aproximar o duque de uma plebeia viúva. Ela tinha um bom plano. Ele fez mais sentido no instante em que pegou o irmão tocando Elizabeth enquanto pegava um papel das mãos dela. Inventou a necessidade de levar a governanta para acompanhá-la até a estilista porque precisava conseguir um vestido para ela. Não dava para levá-la ao baile sem um vestido adequado. — Elizabeth, preciso confessar uma coisa. — A lady disse, quando as duas caminhavam na direção da loja de sapatos. Agatha também inventou que precisava de sapatos, claro. — Não estamos aqui para comprar algo para mim.

— Entendo. Será um presente, então? Algo para o duque? — Não, o duque não é muito fã de presentes desse tipo. Eu pensei em comprar um presente, sim, mas para a senhora. — Para mim? — Elizabeth parou no meio da via e levou alguns segundos para retomar o passo. — Lady Agatha, eu fico agradecida, mas não posso aceitar. Nem teria onde usar um sapato refinado como os que vendem nessa loja. As duas entraram e foram recebidas por um vendedor de olhar amistoso. Era um antigo conhecido de Agatha, que tinha uma coleção de sapatos que mal cabia em um quarto. — Terá, quando for comigo ao jantar do Conde de Cornwall, amanhã. — Milady, eu não vou ao jantar. Não é comum uma dama levar criadas de companhia em um evento social, portanto… — Elizabeth. — Agatha virou-se e segurou-a pela mão. O vendedor aguardou. — A senhora não irá como minha acompanhante, mas como convidada. Tenho certeza que, quando retornarmos para Thanet Bay, haverá uma mensagem do conde para a senhora. Concordamos que, apesar de seu contrato como governanta, sua situação na casa é bastante atípica. E, bem, eu sei que há algo entre a senhora e meu irmão. Aquela última parte saiu sussurrada, mas não evitou que Elizabeth enrubescesse e baixasse o olhar. — Não se preocupe. — A lady prosseguiu. — Seja qual for, seu segredo está seguro. Na verdade, eu estou empolgada não importa o que for que haja. Por isso quero que vá ao jantar, quero que ele tenha a chance de tirá-la para dançar. Você já participou desses eventos quando bem nova. Sabe como se portar neles. Elizabeth não parecia convencida e o plano de Agatha precisava da concordância dela para dar certo. Talvez com um banho de seda e um pouco de reforço da feminilidade dela, a resistência disspasse. E foi isso que a jovem dama fez: experimentaram sapatos, depois foram para a estilista e experimentaram alguns vestidos de segunda mão. Agatha só vestiria um exclusivo, só que não tinham tempo e o vestido não era para ela. Elizabeth tinha que estar perfeita para a noite seguinte. E ela estaria. O vestido escolhido era rosa, um tom intenso e elegante, com a saia enfeitada por laços, rendas e rosas. Não tinha mangas longas e o decote exibia o colo de forma a provocar sem exageros. Depois de alguns ajustes, ele coube perfeitamente em Elizabeth, como se tivesse originalmente sido feito

sob medida. — Está perfeito. — Agatha disse, animada. — Só precisa de uma joia no pescoço. — Certo, mas a senhorita não vai comprar uma joia para mim. — Não preciso, eu tenho várias. Há colares que foram de minha avó e nunca nem mesmo usei. Tem um que tem um quartzo rosado que certamente vai ficar perfeito com o vestido. A governanta retornou para o outro lado do biombo. — Lady Agatha, eu aprecio seu esforço, mas não entendo os motivos pelos quais minha presença nesse jantar é adequada. Eu sou apenas uma criada. — Não é. — A lady foi até ela para ajudá-la com o espartilho. Dispensou a estilista por um instante para poderem conversar. — Veja bem, eu sei que Aiden gosta da senhora. Não me faça perguntas, mas eu conheço meu irmão. E ele precisa de uma esposa, precisa de um herdeiro, e isso vai acabar fazendo com que ele se case por obrigação com uma dama que ele não ame. A risada de Elizabeth era um misto de nervosismo e horror. Agatha adorava despertar aqueles sentimentos nas pessoas. — E milady acha que eu sou a solução para isso? Que seu irmão consideraria casar-se comigo? — Por que não? Ele não precisa de uma dama com dote, somos muito ricos. Basta que seja alguém que ele ame.

A inocência de Lady Agatha era tocante. Elizabeth engasgou duas vezes com a própria risada nervosa durante uma conversa bastante constrangedora em que a lady insistia que Aiden Trowsdale gostava dela e poderia se casar com ela. Claro que o duque não se casaria com ela, em nenhuma das vidas que ela tivesse vivido. Se houvesse vinte vidas possíveis, ainda assim o duque não desposaria uma mulher como ela. — Milady, por mais que eu me sinta honrada com sua aprovação, seu irmão jamais desposará uma plebeia. Ele é um duque, tem responsabilidades a cumprir. A jovem deu uma risada divertida e terminou de soltar o espartilho. Foi bom voltar a respirar, Elizabeth não estava acostumada a ser tão apertada.

Aquilo era coisa que tinha ficado na sua adolescência. — Vamos ver. Deixe-me seguir com o plano. Você não gostaria de ser cortejada por um duque? Sei que ele é meu irmão, mas Aiden é um homem bonito. Ele é meio mandão todas as vezes, mas tem um bom coração. Ah, ela sabia muito bem o quanto o duque era bonito. E o quanto ficaria feliz em ser publicamente cortejada por ele. Não mais por causa de um sonho de juventude, mas porque ela gostava de Aiden. Poderia continuar negando e fingindo que sentia apenas desejo pelo homem, mas a verdade era que Elizabeth gostava da companhia do duque, muito mais do que deveria. Ele era divertido e falava coisas com ela que nenhum outro homem falaria. Tinha ideias progressistas demais para um duque e pensava no bem estar das pessoas menos afortunadas. Ele tratava bem os empregados, mesmo que agisse como um nobre quase sempre. Aqueles detalhes, que ela percebeu no pouco tempo ao lado dele, faziam de Aiden um nobre incomum. Ele a notara e ele a reconhecera como pessoa, enquanto nenhum outro aristocrata o fizera. Mas aquela situação criada por Lady Agatha era absurda. Se ela deixasse que o plano prosseguisse, por melhores que fossem as intenções da jovem, apenas um coração sairia ferido - e era o dela. Elizabeth não podia ser tão inconsequente. Mesmo assim, ela nada fez para impedir. Não recusou o vestido nem os sapatos nem o convite para ir à festa, mesmo que aquela informação só fosse ser revelada para Aiden no dia seguinte, poucas horas antes do jantar. — Eu irei aos festejos do conde. — Elizabeth concordou, já arrependida de tê-lo feito. — Mas a senhorita não pode provocar seu irmão a me tirar para dançar nem inventar uma história mirabolante sobre mim. Minha família já foi burguesa e frequentou eventos sociais com a nobreza. Não é preciso ser muito criativo para contar uma história sobre mim. — Combinado! — Lady Agatha bateu as palmas das mãos. — Estou muito excitada, quase poderia gritar de euforia. Não dava para compreender por que aquela jovem estava tão empolgada em casar seu irmão com uma mulher fora da sociedade. Um casamento daqueles representaria a exclusão de Aiden Trowsdale de todos os círculos sociais que ele conhecia. Deixaria de ser convidado para bailes e eventos e seria motivo de chacota nos clubes de cavalheiros. Também não dava para entender por que Elizabeth concordou em deixála prosseguir com aquela loucura, sabendo dos riscos e das consequências.

Talvez ela quisesse, afinal, ter um dia de realeza e frequentar um baile na alta sociedade aristocrática. Se não fosse sua vestimenta de criada e seu caminhar sempre dois passos atrás da lady, talvez ela até pudesse acreditar que passar a tarde na vila fosse um programa de uma dama. Quando retornaram para casa, a jovem ordenou esconder todas as compras em seu quarto e determinou que, no dia seguinte, Elizabeth deveria estar disponível para se arrumar quando faltassem três horas para o jantar. Greenwood Park ficava próximo de Thanet Bay, então elas não precisavam de muito tempo. Aquele era um plano que a deixou agitada. Mesmo já deitada, na cama, com as crianças dormindo, Elizabeth não conseguia pegar no sono. Olhava fixamente para a chama de uma vela que queimava solitária em uma arandela, sonhando com um salão de baile iluminado por muitos candelabros e cheio de cavalheiros elegantes, com casacas pretas, cartolas e bengalas, e damas com vestidos bordados e cheios de babados.

O péssimo humor do duque podia ser sentido no ar da mansão. Apesar da impecável postura do mordomo, John estava claramente temeroso ao informá-lo que sua mãe, a duquesa demoníaca, desejava vê-lo. Aiden não detestava a mãe, nem se importava muito em ir até ela, mesmo sabendo que seria ofendido. Preferia que ela o fizesse na privacidade de seu quarto ao invés de desqualificá-lo perante outros nobres, como costumava fazer quando deixava sua reclusão. O problema dele, naquela noite específica, era a falta da luz dourada dos cabelos de Elizabeth. A ausência do azul cintilante como o céu daquele verão, não poder sentir o cheiro das gardênias nem tocar aquela pele de porcelana. A governanta estava tirando o seu juízo mas ele não podia deixar que ninguém suspeitasse daquilo. Preferiu não bater à porta, apenas entrou nos aposentos da duquesa. Ela estava à janela, sentada em um canapé, observando o breu que começava a engolir o bosque que circundava parte da propriedade. Quando percebeu o filho chegando, ajeitou-se com sua mais inexpressiva face. — Mandou me chamar, mamãe? — Aiden perguntou com um sorriso. Ele nunca era correspondido, mas insistia em parecer feliz na presença dela.

— Sim. Quero que inicie o cortejo de Madeline Westphallen no jantar de Cornwall, amanhã. Ele engasgou. Talvez porque tentou não rir imediatamente do absurdo que lhe era pedido. — Cortejo? — Aiden repetiu a palavra marcando cada letra, desejando confirmar que não tinha se equivocado. — Sim, cortejo. Você é um homem de trinta e um anos que nunca demonstrou interesse em nenhuma dama, nunca frequentou uma temporada a sério. Já passou o momento desse comportamento, Aiden Trowsdale. Como o Duque de Shaftesbury você tem responsabilidades em dar continuidade à sua linhagem e precisa de uma esposa adequada. — A senhora decidiu, portanto, que Lady Madeline é adequada? — O duque mantinha sua atitude gentil mesmo que seu corpo indicasse seu desconforto ante a intromissão da mãe em seus assuntos. — Ela é filha de um visconde e está na idade certa para se casar. E tem afeição por você. Amanhã você deve reservar a primeira dança dela para você, isso indicará seu interesse. Aquilo era um completo absurdo. Aiden levou as duas mãos às têmporas e as pressionou, olhando para o chão enquanto respirava profundamente. Ele deveria gargalhar logo de uma vez e garantir que sua mãe entendesse que ele não pretendia, em nenhuma hipótese, cortejar Madeline Westphallen. Ou ele podia concordar. Tirá-la para dançar, manter a paz dentro de sua residência e, no final, escolher a noiva que desejasse. Ainda era cedo para a próxima temporada, ele tinha tempo para decidir. De uma forma ou de outra, ele acabaria se casando com uma dama como Lady Madeline e não havia muito que pudesse fazer para evitar. — Certo, mamãe. Amanhã, quando as danças começarem, eu tirarei Lady Madeline para dançar. Mas eu não posso prometer nada além disso. — A primeira dança, Aiden. — Uma dança. — Ele sorriu novamente. — Não prometo mais do que isso. Deseja mais alguma coisa? A duquesa levantou-se e caminhou até ele, que prendeu a respiração e sentiu seu coração acelerar. Por mais que fosse impossível amar Myrtle Trowsdale, ele a amava. Conhecera a versão agradável da mãe, a versão amorosa e gentil. A que não tinha sido amaldiçoada por cinco bebês que morreram logo após o parto. A que não tinha sido contaminada pela amargura, antes que ela se fechasse em uma armadura de desamor e azedume.

O duque que amava sua mãe ansiava por um abraço ou um sorriso. Mas o que ele recebeu naquele instante foi um olhar de desprezo que o inspecionou de cima em baixo. — Não seja uma vergonha para seu título. — Ela murmurou. — Sabe que odeio crianças tanto quanto você, mas precisamos de um herdeiro nessa casa. Quanto mais cedo começar, mais tempo terá para produzir um varão. Pare de agir como um irresponsável e procure uma esposa, Aiden. Agora pode ir. Pode ir era sinônimo de vá logo, a realização do desejo de qualquer pessoa que adentrasse nos aposentos da duquesa viúva. O duque engoliu uma lufada de ar e saiu, fechando a porta atrás de si. Recostou por alguns segundos na madeira bem lixada e ponderou brevemente se valia mesmo a pena tudo aquilo. Se valia a pena abrir mão de qualquer coisa para satisfazer um desejo de Myrtle. Ela continuaria odiando e desaprovando tudo que ele fizesse, não importando o que nem como fizesse. Ele dançaria com Madeline Westphallen. Mas ele se casaria com quem a dama que escolhesse e a mãe não poderia impedir.

— A senhora está linda. Lady Agatha estava mais animada do que de costume, dando saltinhos e batendo palmas toda vez que olhava para sua criação. Era o que Elizabeth significava naquela noite, o resultado de um dia inteiro de dedicação. Três mulheres ficaram trancadas no quarto da lady, protegidas por uma mentira fácil de acreditar: a necessidade de organizar o quarto de vestidos, que ficava anexo, e preparar Lady Agatha para os festejos da noite. Era desejável uma ajuda maior, mas elas não podiam confiar em mais ninguém para aquele plano. Se a duquesa desconfiasse que a governanta iria à festa do conde, ela teria um ataque do coração. Elizabeth não queria estar desempregada no dia seguinte, então precisava ser cuidadosa. Por isso, primeiro elas se banharam com leite e sais, para que a pele ficasse macia. Depois, elas se ajudaram com os vestidos, que necessitavam de muitas camadas e muitos ajustes. Por fim, dedicaram-se a cuidar dos cabelos. Quando Elizabeth se olhou no espelho, já no início da noite, a figura que ela viu fazia jus à frase da lady. Aquela mulher que olhava de volta para ela

era uma dama, ninguém diria que não. Os cabelos estavam trançados, presos e enfeitados com flores. O vestido rosa tinha um tom adequado para sua pele e a gargantilha com a pedra rosada ficou perfeita em seu pescoço. — Faz muito tempo que não me visto assim. — Ela girou lentamente no próprio eixo para admirar o trabalho perfeito das suas ajudantes e da estilista que elaborou aquele vestido perfeito. — Espero não me acostumar. — Já eu espero que a senhora se acostume. Porque, quando meu irmão te notar… Ele já a notara, Elizabeth quis dizer. Mas ela só conseguia pensar no quanto era ridículo aquele plano. Mesmo que o duque a desejasse, entre eles nunca haveria mais do que aquilo. Ou ela aceitaria ser sua amante, ou ela continuaria sendo sua criada. Não havia outra opção. — Isso nunca acontecerá, milady. Sem contar que sua mãe jamais será a favor de nada relacionado ao seu plano. — Minha mãe também não manda em Aiden. A senhora pode ser uma plebeia, mas Madeline Westphallen não é em nada mais qualificada. — Ela tem um título, milady. Ela é totalmente mais qualificada do que eu. — Bem, eu duvido que Aiden se importe mais com títulos do que com os sentimentos dele. Ele foi criado por meu pai, por Deus! Aquilo não acalmava o nervosismo que crescia dentro de Elizabeth desde que se trancou naquele quarto com a lady. Mas não adiantava discutir ou voltar atrás, ela tinha que enfrentar a estúpida decisão de se envolver naquela bobagem de seduzir o duque em um evento formal. Era uma exposição desnecessária de uma personagem fictícia, pois Elizabeth nunca poderia aparecer em público como ela mesma. — Moira vai garantir que um cabriolet te conduza a Greenwood Park. — Agatha disse, já se preparando para sair. — Vamos à frente e a senhora chega depois, porque eu quero ver a expressão de Aiden quando a senhora surgir naquela festa. Sobre mamãe, não se preocupe - ela já se recolheu e nunca sai do quarto à noite. A doença se agrava e ela sente dor. Elizabeth ouviu tudo com cuidado mas o estômago estava cheio de borboletas que voavam nervosas dentro dela. Os minutos viraram horas e, quando Moira indicou que ela deveria descer para ser conduzida até a propriedade do conde, ela quase não conseguiu sair do lugar. Só que, no final, ela queria ir à festa e aproveitar uma noite sem que ela fosse a mulher servindo os convidados. A casa do conde não ficava muito longe de Thanet Bay e o vento da noite

estava fresco o suficiente para que Elizabeth não sentisse enjoo com a ansiedade crescente. Aquele era um momento crucial porque, se o duque não gostasse de sua aparição surpresa, ela teria que voltar para Londres no dia seguinte, desempregada e desiludida.

Capítulo décimo nono

A PRIMEIRA COISA que Aiden viu, ao chegar a Greenwood Park, foram as damas casadoiras. Elas o perseguiam, era como se estivessem ali esperando os nobres solteiros para fisgá-los. O duque sabia que era um dos melhores partidos para aquelas jovens já próximas da solteirice, mas ele não podia se obrigar a querer nenhuma delas. Sua educação não permitia que fosse deselegante com elas, mas ele também não era gentil. Desceu da carruagem, ofereceu a mão para a irmã, e caminhou carrancudo para a entrada principal da residência dos McFadden. Várias pessoas se aglomeravam ali enquanto aguardavam para serem anunciadas e entrar, algumas apenas queriam esperar um pouco antes de enfrentarem as formalidades da noite. — Vamos entrar logo e sair desse formigueiro. — Aiden sussurrou para Agatha. Ela segurava a dobra do cotovelo dele e acenava para algumas ladies que conhecia. — Suas amigas estão doidas para me pegarem sozinho. — Não podemos entrar agora. — Ela murmurou de volta. — Tenho uma surpresa e ela deve estar chegando. O duque olhou para baixo e viu os olhos grandes e úmidos da irmã, que se assemelhavam aos olhos dos filhotinhos pidões. Céus, a irmã tinha aprontado alguma. Aquela era a certeza que emanava das palavras “eu tenho uma surpresa” emanadas de Agatha, porque ela sempre estava por trás das mais profanas armações. Tinha a quem puxar, afinal, porque a mãe também era bem engenhosa. — Que surpresa, Agatha? Por Deus, não me faça passar nenhum constrangimento hoje. Essa é a casa do meu melhor amigo. Ela riu, uma risadinha tímida que representava uma ingenuidade que ela

não tinha. Agatha era pura engenhosidade perversa e Aiden tinha medo do que ela planejava. — Vamos apenas aguardar, aí você decide se eu vou te constranger ou não. Aiden entregou a cartola e a bengala para um criado e colocou dois dedos no colarinho justo da camisa. O lenço não estava apertado, nem a roupa, ele tinha começado a suar por receito do que o esperava. Como a irmã olhava fixamente para a entrada, ele também fez aquilo e aguardou. Minutos e mais minutos se passaram até que um cabriolet parou na porta de Greenwood Park. Não era comum que os nobres chegassem em transportes como aqueles e por isso muitos dos presentes pararam para ver quem era o convidado inusitado. O queixo de Aiden Trowsdale tocou o chão e seu coração deu um salto pela boca quando de dentro do veículo saiu Elizabeth Collingworth vestida como uma rainha. Não. Ele conhecia a realeza e nenhuma dama real era tão bela, tão elegante, tão angelical como aquela que caminhava em sua direção. Ela vinha sozinha, o que era também incomum, e segurava o vestido com uma mão enluvada. Tudo nela reluzia como ouro e ela irradiava tanta luz quanto qualquer lamparina daquele jardim. Aiden deveria ir até ela, mas seus pés estavam colados no chão. Agatha o cutucou nas costelas e fez com que ele se movesse - era adequado que ele a recebesse. Com alguns passos vacilantes o duque parou à frente de Elizabeth e precisou de muitos segundos para estabelecer um raciocínio coerente. — Elizabeth. — Ele murmurou. As pessoas então olhavam para eles. — A surpresa de Agatha era… a senhora? — Acredito que sim. — Elizabeth sorriu. — Peço desculpas por isso, Alteza, mas a sua irmã sabe ser persuasiva. — Ah, sabe. — Ele ofereceu o braço para ela segurar. — Mas eu não quero que se desculpe eu… fico sinceramente feliz que esteja aqui, agora. Eu quis te ver todos esses dias, porém os compromissos me impediram. E eu quis muito que a senhora estivesse nessa festa, hoje. Sim, ele quisera muito vê-la, tocá-la, beijá-la e fazer amor com ela por três quase três dias inteiros, mas tudo conspirava para que se desencontrassem. Naquele momento, a presença dela ali era como um desejo secreto sendo atendido. Elizabeth segurou a dobra do cotovelo de Aiden e o calor dos dedos dela ultrapassavam qualquer barreira de tecido. Talvez ele estivesse enganado,

mas ela tremia e tinha o coração acelerado. — Eu não sei se deveria ter vindo, afinal. Não sei como serei anunciada. — Deixe que eu e Agatha nos preocupemos com isso. Afinal, a senhora foi convidada, não foi? — Sim, o conde me enviou um convite formal. — Então seu nome está na lista, não há nada com o que se preocupar. Só tem uma coisa, Elizabeth. — Diga, Alteza. — Bem, agora são duas. Uma, não me chame de Alteza. Duas, sua primeira dança é minha. Ela virou o pescoço e olhou para ele. Seus olhos azuis brilhavam emoldurados por belíssimos cílios longos e fartos. Se Aiden sabia como respirar, naquele instante ele tinha se esquecido. Não fez diferença que a mãe lhe tivesse expressamente exigido que reservasse a primeira dança para Madeline Westphallen. Nada ali, naquele momento, importava além da iluminada presença de Elizabeth Collingworth. — Isso não é um baile formal. Teremos dança? — Sempre temos dança nos jantares de Edward. E eu quero ter uma dança com você.

Todas as incertezas de Elizabeth desapareceram momentaneamente quando ela entrou segurando o braço do Duque de Shaftesbury em um salão cheio de nobres e pessoas com dinheiro. Ela podia ser recusada por todos aqueles cavalheiros e damas que não seria importante - ela já tinha sido aceita por ele. Por Aiden Trowsdale, o homem mais imponente, alto e lindo daquele lugar. Quando eles passavam, homens cumprimentavam e mulheres suspiravam, mas quem estava com as mãos nele era ela. A governanta, a plebeia incauta que decidiu aceitar fazer parte dos planos inconsequentes de uma lady bastante atrevida. — O Duque de Shaftesbury. Lady Agatha Trowsdale e Sra. Elizabeth Collingworth. O criado os anunciou com um brado alto e metade do salão principal se virou para vê-los entrar. A primeira face que Elizabeth reconheceu foi a de Edward McFadden e ele foi da confusão para a estupefação assim que os viu.

Assim como algumas ladies, dentre elas as que estiveram na casa em Thanet Bay para o chá das cinco. Todo mundo ali poderia reconhecê-la. Todas aquelas mulheres saberiam quem ela era, então não havia exatamente uma mentira sendo contada. Apenas uma brutal afronta à sociedade que eles tanto prezavam - uma plebeia qualquer não era introduzida como se fosse uma deles. — Seja bem vindo, meu amigo. — O conde veio recebê-los. — Vejo que trouxe uma convidada especial, hoje. Elizabeth fez uma pequena reverência. Edward chamou o criado que servia as bebidas e pegou duas taças de champanhe para as mulheres. — Sei que você já tinha plena ciência da vinda dessa convidada. — Claro. Isso já deixou mamãe louca, ela teve que mudar o mapa de disposição de lugares de um dia para o outro. Será intrigante. Vou cuidar dos meus outros convidados, divirtam-se. O conde se afastou e Aiden indicou que faria o mesmo. Pegou a mão de Elizabeth e beijou-a delicadamente por cima da luva. A forma como ele a olhou enquanto fazia aquilo causou um rebuliço dentro dela. — Moças, eu vou conversar com alguns cavalheiros. Nos vemos no jantar. Lançada aos lobos, à deriva em alto mar, perdida em um deserto. Aquelas eram algumas das sensações experimentadas por Elizabeth naquele instante, porque ela sentia como se todo mundo olhasse para ela e a escrutinasse de forma a tentar entender quem era aquela mulher desconhecida que recebia tanta atenção do duque. O duque desejado e cobiçado pelas damas solteiras daquele evento. O duque que administrava prósperas propriedades e fechava negócios milionários com os novos ricos de Londres. Talvez por causa da ansiedade, Elizabeth bebeu o champanhe muito rapidamente. O salão girou duas vezes mas parou exatamente quando as irmãs Westphallen se aproximaram dela e de Lady Agatha. Ela precisava se esforçar, não podia chamar os patrões de forma a indicar que ela fosse uma mera criada. Mesmo que ela fosse. Madeline era uma jovem bonita, apesar de ter um olhar de quem estava sempre prestes a atacar uma presa. Ela tinha cabelos castanhos escuros e olhos palidamente verdes, o que lhe conferia um ar exótico que certamente chamava a atenção dos homens. Por que ela ainda estava solteira, era um mistério. Sua irmã, Sarah, era bastante baixa e tinha formas arredondadas que

estufavam o vestido. Ela certamente estava fora dos padrões estabelecidos por aquela sociedade, porém parecia confortável com aquilo e sorria francamente. As duas eram muito diferentes, não pareciam irmãs. — Agatha! — Ela cumprimentou a lady. — Que bom vê-la, já estava achando que não teria nenhuma jovem solteira para me fazer companhia além de minha propria irmã. Precisamos garantir bons negócios na próxima temporada, aqui está cheio de bons partidos. — Não estou desesperada pela próxima temporada. — Lady Agatha sorriu. — Mas deveria! Não queira ficar como eu, com vinte e dois anos e sem marido. — Acredito que Agatha encontrará um ótimo casamento em breve. — Elizabeth disse, metendo-se aonde não deveria. Ela não conseguia ficar silente quando ouvia todo mundo insistindo que a lady deveria se tornar uma caça maridos e mudar seu espírito para conquistar um homem. Elizabeth acreditava que ela conseguiria aquilo sem precisar deixar de ser quem ela era. — Oh. — Madeline pareceu notar Elizabeth pela primeira vez. — Você trouxe a criada para a festa, Agatha? A jovem murmurou, tentando fingir que se importava que alguém as ouvisse. — Elizabeth é minha amiga e está hospedada em Thanet Bay pelo verão. Ela foi convidada pelo conde, por que eu não deveria trazê-la? — Claro que deveria. Mas a forma como Madeline começou a olhar Elizabeth a fez desconfiar de que a lady Westphallen não tinha ficado convencida. Aquilo, e o fato de ter sido ignorada pelas irmãs enquanto elas discutiam estratégias para caçar maridos durante o jantar e durante o final de semana do baile tradicional em Thanet Bay. A noite poderia ser mais cansativa se o mordomo não chamasse todos para servir o jantar. Elizabeth nem estava com fome, mas adoraria enfiar um pouco de comida na boca de Madeline Wesphallen para que ela simplesmente parasse de falar.

A condessa era uma mulher elegante e com uma expressão austera, para

quem Elizabeth não fora apresentada antes do jantar. Ela estava em uma das pontas da mesa e Edward, o conde, em outra. Ele tinha mais outros três irmãos, homens, que estavam em partes espalhadas da mesa. Todos eles eram solteiros ainda, Elizabeth desconfiou pela quantidade de damas que disputavam a atenção deles. A irmã mais nova também estava espalhada entre os convidados. A mesa era muito grande, quase poderia acomodar toda a população de Kent. A louça e a prataria estavam impecavelmente dispostas e Elizabeth sentiu um prazer secreto em ver uma mesa tão bem posta. Aquele era um serviço que ela apreciava, no final. O lugar que lhe tinha sido destinado era ao lado de Aiden Trowsdale. O mais cobiçado dos lugares para uma dama solteira. Ao ver Agatha e Edward se cumprimentarem sutilmente à distância, Elizabeth teve certeza que eles estavam juntos naquela armação. Por que aquelas pessoas tinham decidido que o Duque de Shaftesbury deveria cortejá-la? Claro que eles não tinham ideia do que já acontecera entre eles, mas, de qualquer forma, com tantas damas solteiras, ela deveria ser a última opção para retirar o duque da solteirice. Se houvesse uma lista, ela nem estaria nela. — A senhora sabe que eles fizeram isso de propósito, não sabe? — Aiden sussurrou para Elizabeth, depois que estavam sentados e sendo servidos. — Desconfio que tenham feito. Mas não entendo por que fizeram. — Nem eu. Prefiro aproveitar o momento a tentar desvendá-lo. Sim, ela também. Se gastasse seus esforços tentando compreender as pessoas ela acabaria perdendo boas oportunidades de se divertir. O serviço em Greenwood Park também era tão surpreendente quanto a decoração. A comida era muito bem coordenada e as bebidas harmonizavam perfeitamente com cada prato. Como uma dama não comia muito, ela se controlou para aceitar apenas pequenas porções e levou bastante tempo com cada bocado, movendo a cabeça em atenção às conversas da mesa. Todas elas giravam, de certa forma, sobre negócios, construções, empreendimentos. A vida em Londres estava mesmo mudando e ela considerou que Aiden tinha razão: em breve, a Inglaterra seria comandada pela burguesia. — E Vossa Graça, quando deixará essa vida libertina para trás e sossegará com uma esposa? Está na hora de encomendar um herdeiro, não? — Um homem de cabelos permeados por fios prateados disse. Elizabeth não tinha sido apresentada a ele, também. — O meu já está a caminho, dessa vez

será um menino. — Você disse isso nas outras três vezes, Lockwood. — Edward provocou. — Pretendo escolher uma noiva na próxima temporada. — O duque disse, mas não havia nenhuma emoção ou entusiasmo em sua voz. Ele parecia querer apenas encerrar o assunto, não deixar que aquela conversa se prolongasse. — Se for sortudo como seu pai, terá logo um filho. O homem era uma máquina de produzir herdeiros. Elizabeth franziu a testa e olhou para o semblante de Aiden. Ele estava tenso e aquele homem que falava parecia não saber muito sobre limites. O que ele quis dizer com aquilo? O duque tivera apenas dois filhos e um deles era Lady Agatha, uma menina. Ou ela estaria enganada? — Vamos esperar que eu seja como meu pai. Detestaria precisar engravidar minha esposa tantas vezes apenas para conseguir produzir um varão. — Senhores, por favor, vamos falar de assuntos mais agradáveis. — A condessa interviu. — Por que não conversamos sobre o baile e a caçada que o gentil Duque de Shaftesbury nos oferecerá em breve? O tema da conversa mudou e logo todos estavam falando dos eventos que teriam vez em Thanet Bay. Elizabeth sentiu Aiden ainda tenso. Depois ela perguntaria por que aquela discussão o incomodava e o que ela significava. Afinal, o peso da necessidade de se casar não deveria incomodar tanto um duque, deveria? Ela preferiu apenas observar durante o restante do jantar. Estava em uma posição complicada no meio dos nobres, agindo como se não fosse uma criada. Elizabeth queria acreditar que não estavam mentindo a seu respeito, já que ela não foi apresentada como uma dama. Mas não podia se enganar ninguém ali queria acreditar em quem ela era de verdade. Ao final, as mulheres saíram para outro salão, coberto com papéis de parede de tons pastéis e muitos quadros, enquanto os homens permaneciam à mesa para tomar um vinho do porto. Aquela seria a melhor hora para Elizabeth voltar para Thanet Bay, mas Lady Agatha insistiu que ela deveria ficar. — Sei que Aiden te pediu uma dança. — Ela sussurrou. — Mas não tem ninguém dançando, milady. Nem música tocando. — Terá. Em breve. Apenas espere e ouça.

Esperar era perigoso, principalmente quando algumas das damas presentes pareciam tão interessadas nela. Ou quando a conversa sobre o clima, sobre vestidos e sobre maridos futuros estava tão enfadonha. No meio das mulheres trabalhadoras, da classe mais baixa de Londres, os assuntos eram bem mais variados. Porém ela esperou, e se surpreendeu quando a música realmente começou a tocar. Eram cordas, ela reconheceria o violino e o violoncelo em qualquer lugar. Aliás, eram os violinos, e eles tocavam obras clássicas que Elizabeth aprendera a admirar na infância. A condessa apareceu no salão onde as damas tomavam chá e as convidou para o salão de baile, de onde vinha a música. Seria muito assustador acreditar que aquela mudança repentina no evento decorresse das intenções do duque em dançar com ela. Claro que Edward McFadden já tinha uma orquestra planejada desde o início, ele não conseguiria músicos para tocar em evento tão rapidamente. Se estivessem em Londres, talvez, mas ali? Não. Era apenas coincidência, mas a coincidência às vezes podia ser a mãe de todas as tragédias. Assim que pisou no salão de baile, ela o viu. Aiden estava como que a esperando e como se ninguém mais existisse naquele ambiente. Mil homens e mulheres poderiam estar naquela sala, mas Elizabeth só conseguia vê-lo. A forma como ele a olhava fazia com que ela se sentisse a única mulher daquele salão. — A senhora me prometeu a sua primeira dança. — Aiden segurou-a pela mão enluvada. — Se eu me lembre, o senhor exigiu que eu lhe prometesse minha primeira dança. — Ela riu e suas bochechas coraram. Ficaram no tom de rosa do vestido, dando àquela pele clara o tom de quem estava constrangida. — Se não fosse inadequado, todas as suas danças seriam minhas. — O duque a encarou com seriedade. Os olhos, dois globos escuros que a devoravam com ansiedade, indicavam que ele não estava brincando. — Não vou gostar que nenhum outro homem aqui coloque as mãos na senhora. — Ninguém mais vai me tirar para dançar, Alteza. — Acredito que a senhora se surpreenderá, então. O duque conduziu-a para o centro do salão. Havia já alguns casais que iniciavam sua dança e Elizabeth sentiu um breve temor de não se recordar dos passos que aprendeu ainda muito jovem. Ela nunca fora convidada para os bailes, apenas conseguia ver as danças quando elas aconteciam na casa dos

Pensington. Mas Aiden era um exímio dançarino. Com a mão na cintura dela e a outra segurando seus dedos trêmulos, ele fez um movimento com a cabeça indicando que ela deveria apenas segui-lo e passou a rodopiar pelo salão como se os pés dele fossem feitos de nuvens. Elizabeth segurou a saia e tentou fingir que estava relaxada e aproveitando a dança. Ela estava. Mas a presença de Aiden, em um evento social como aquele, depois de algum tempo sem que pudessem ao menos se ver, a deixou desorientada. — Eu gostaria de elogiar minha irmã e dizer que Agatha fez um ótimo trabalho com a senhora, hoje. — Ele disse. — Mas seria injusto, mesmo que verdadeiro. A sua beleza não precisava de retoques. — Alteza, eu… — Aiden. — Ele sorriu. — Eu não mereço elogios tão exagerados. — Não há nenhum exagero nas minhas palavras. — Os olhos indicavam mais uma vez que ele dizia a verdade. — Minha vontade, agora, era de girar com a senhora para fora desse salão e encontrar um local com privacidade o suficiente para que eu pudesse beijá-la. Ela corou novamente, a face rubra pelo desejo que estava estampado em cada expressão vinda do duque. Ao mesmo tempo, temeu que as pessoas pudessem notar. Que todo mundo ali percebesse que ela estava apaixonada pelo Duque de Shaftesbury e que nada bom poderia vir daquilo.

Capítulo vigésimo

A IDEN NÃO LIGAVA para bailes nem festejos sociais. Achava danças muito entediantes e preferia discutir negócios com os homens em outros espaços menos excêntricos. Mas ali, naquele momento, tudo que ele queria era dançar com Elizabeth Collingworth. Mostrar para todos naquele evento que ela concedera a sua primeira dança para ele, demarcar seu território de alguma forma. Desde que ela chegou ele mal conseguia disfarçar que não tirava os olhos dela. Se Agatha havia planejado aquilo para constrangê-lo em público, ela tinha conseguido atingir seu objetivo. O mais absurdo era que Aiden não conseguia entender o que sentira a ver Elizabeth chegar, vestindo seda e renda, produzida como uma dama da sociedade que ele conhecia, impactando com sua presença suave, porém marcante. Ela estava mais linda do que quando a viu pela primeira vez, na estalagem? Ou mais perfeita do que quando a despiu em seu quarto? Estaria Elizabeth mais digna de sua admiração apenas porque vestia roupas elegantes e tinha o cabelo empoado e penteado? Não. Ele duvidava que aquela produção toda fosse a razão de seu coração bater totalmente fora de um ritmo razoável. Então, por que ele sentia aquele aperto no peito e tanta dificuldade para respirar enquanto giravam pelo salão de baile ao som de Handel e conversavam sobre bobagens? — A Srta. Westphallen está enciumada de nossa valsa. — Elizabeth murmurou, movendo sutilmente a cabeça para o lado. O duque notou a figura de Lady Madeline segurando uma taça de champanhe com força demais enquanto os observava. — Ela não tem motivos para ter ciúmes.

— Não tem? — Não. Eu nunca prometi nada a ela, nem dei nenhuma esperança de que tenho algum interesse nela. Todos os meus negócios com os Westphallen envolvem o pai, que é um nobre negociante, como eu. Elizabeth respirou profundamente e ele não soube dizer se aquela reação se deu pela resposta dele ou porque a música estava prestes a acabar. — A senhora entende que eu devo dançar com as outras damas, não entende? — Aiden perguntou, assim que os últimos acordes da valsa terminaram. — Inclusive com Lady Madeline. — Assim como eu não devo recusar o pedido de outros cavalheiros. — Ela o seguiu para o canto do salão, deixando o centro para os próximos casais que já se posicionavam para a próxima dança. — Mas eu acho que devo voltar para Thanet Bay, Alteza. Continuar aqui é… — Justo, para a senhora. Uma tortura, para mim. Eu gostaria de pedir que me espere, que vá para casa comigo. — E isso não seria inapropriado? Se nos virem saindo juntos, vão comentar. Já estão comentando. Claro que iam comentar, mas Aiden suspeitava que fariam isso de qualquer jeito. Já havia várias fofocas sobre uma mulher que passou dias trancada com o duque, e como ele foi desonroso com ela, como ele a arruinou. Depois da presença de Elizabeth em Greenwood Park, todos acabariam associando a misteriosa mulher à visitante desconhecida que estava hospedada na propriedade ducal. Então, deixar a festa com ela seria apenas mais um ingrediente para servir de combustível à fofoca. Que ele não pretendia fomentar, pelo bem da honra de Elizabeth. Aiden pouco se importava que o considerassem um libertino. Ele não era, mas ganhara fama por não demonstrar nenhum interesse em se casar ou cortejar uma dama. Só que Elizabeth não merecia ser o centro do escárnio da maldosa sociedade londrina. Mesmo que ela não fosse uma dama. Mesmo que ela não fosse uma virgem que ele pudesse arruinar. Se ele pudesse evitar que ela fosse atirada aos leões, então o faria. — Tem razão. — Aiden beijou os nós dos dedos dela, por cima do tecido fino da luva. Eles ainda estavam trêmulos. — Aguarde algumas poucas músicas e volte para casa, se assim desejar. Nos vemos em outra oportunidade.

Durante todo o trajeto para Thanet Bay, Elizabeth tentou aceitar o que significavam as palavras de Aiden, ao despedir-se dela. Era uma promessa, mas uma promessa futura. Eles se veriam, aquilo aconteceria um momento ou outro, mas seria depois. Depois daquela noite. Depois daquela valsa. Apenas depois. Então, depois de algumas músicas e duas valsas dançadas com homens que ela fora apresentada superficialmente pouco antes, ela escapuliu pela porta lateral do salão. Fora cobertada por Lady Agatha. A jovem não concordou muito com a fuga, mas parecia tão satisfeita com alguma coisa que a auxiliou a sair sem ser notada. Ele quer te ver. Uma voz ecoava no vazio da mansão em que todos dormiam. Não havia nenhum som humano produzido nos espaços comuns. Todos os criados já tinham se recolhido, os filhos dela dormiam profundamente em suas camas e a duquesa estava em sua clausura regular. Espere por ele, a voz insistia. Mas onde? Sentada como um espectro em uma sala qualquer? Elizabeth fechou a porta dos fundos, deixando-a cuidadosamente destrancada para que o cocheiro pudesse entrar quando chegasse e olhou para a escuridão. Acendeu uma vela e tomou uma decisão - ela esperaria por Aiden até que ele chegasse, mesmo que demorasse muito. E ela o esperaria da forma como gostaria que ele a visse. Cada passo dado na escada que conduzia aos quartos foi uma sentença que a condenava a uma vida de pecado. Era uma resolução importante - a aceitação de que o desejo que sentia por Aiden Trowsdale era mais forte do que o medo de partir seu coração. Que a paixão que experienciava precisava de vazão. Em silêncio e tremendo como se seus músculos estivesse virando pudim, Elizabeth entrou nos aposentos do Duque de Shaftesbury e começou a acender todas as velas que haviam em sua vista. Logo, o quarto estava iluminado, aquecido e aconchegante. O ambiente era ricamente decorado. Aquela era a primeira vez que ela realmente notava os aposentos do duque - aquele espaço ainda nem mesmo tinha sido inventariado por ela. Papéis de parede com padrões sóbrios e cores pastéis, uma cama de mogno imponente, com um enorme dossel que subia até o teto e cortinas de seda, em tom verde claro com bordados, que se embolavam ao chegar ao chão. Havia duas janelas grandes, uma de cada lado da cama, e uma lareira com lenha queimando na parede da esquerda.

Tudo ali era masculino e cheirava a Aiden. Era como se cada parte daquele lugar estivesse impregnado de sua presença. Elizabeth então começou a retirar suas roupas - ao menos as partes que ela conseguia alcançar. Desfez o penteado, retirou a maquiagem do rosto com um pano úmido, arrancou os sapatos e puxou as meias pelas pernas. Também retirou as calçolas e restou apenas com os impossíveis botões do corpete e das saias, que seus dedos não conseguiam alcançar. O coração dela martelava em batidas tão altas que ela teve medo de acordar a duquesa. Sentou-se em um sofá próximo à lareira e esperou, temendo que precisasse esperar demais. Talvez Aiden não fosse chegar logo e, se chegasse, estaria com Lady Agatha. E se a lady visse a claridade vinda do quarto do irmão? Mas ela ainda assim queria arriscar. Duas horas inteiras se passaram até que ela ouviu os cavalos e uma carruagem parou no pátio frontal. Seu coração disparou novamente mas Elizabeth não se moveu. Manteve-se ali, sentada e tentando demonstrar que não estava ansiosa em invadir o quarto de seu patrão no meio da madrugada. Mas, quando a porta se abriu e ele entrou, todas as suas dúvidas viraram certezas. No instante em que ele a viu ali e a forma como os olhos dele capturaram os dela, tudo aquilo pareceu apenas a coisa certa a se fazer. Sem dizer uma palavra, Aiden deu alguns passos na direção dela, puxou-a para cima pelas mãos e a beijou. — Eu sonhei em encontrá-la aqui. — Ele murmurou com os lábios ainda colados ao dela. Elizabeth levou a mão até o pescoço dele e entrelaçou os dedos em seus cabelos. — Estou sonhando, ainda? — Eu não deveria estar aqui. — Ela disse. — Mas não é como se eu fosse uma virgem sendo arruinada por um duque libertino. Elizabeth afastou-se alguns centímetros e enxergou a confusão divertida nos olhos dele. — Eu vim porque eu… — Ela tentou complementar, mas ficou sem palavras para explicar o óbvio. Estava ali porque desejava Aiden Trowsdale da forma mais proibida e não sabia como fazer para evitar aquele sentimento. O duque entendeu que ela precisava de ajuda e voltou a clamar por sua boca, silenciando-a.

Quando chegou ao quarto e viu as luzes, Aiden parou de respirar. Ele suspeitou o que poderia encontrar, mas não imaginava tamanha sorte. A visão de Elizabeth sentada em seu sofá fez com que qualquer resquício de controle o abandonasse completamente e tudo que ele pode fazer foi beijá-la. Ela estava ali, ela o queria e isso era o suficiente por aquela noite. Enquanto as línguas se enroscavam durante um lânguido e demorado beijo, ele levou as mãos aos botões do vestido dela e percebeu que alguns estavam abertos. Por mais que fosse dolorido separar-se dela naquele momento de intensa intimidade, ele fez com que Elizabeth girasse em seus braços para poder acessar seu espartilho. Notou que seus dedos tremiam um pouco. Ele era um homem seguro, forte e indiferente aos sentimentos insensatos da paixão, porém era a segunda vez que notava seu corpo reagir tolamente na presença daquela mulher. — A senhora está linda. — Ele sussurrou na orelha dela. — Mas eu vou ter que tirar esse vestido. — Por favor, eu mal consigo respirar com esse espartilho. Ela riu pelo alívio do espartilho afrouxado. O tecido caiu por sua pele branca e Aiden então notou que ela não estava mais vestindo nada por baixo do amontoado de anáguas. Aquilo o excitou mais, mesmo quando ele acreditou que fosse impossível sentir mais desejo por aquela mulher. — A senhora foi assim para o jantar? — Claro que não. — Ela riu, virando-se de volta para ele, o tecido do vestido escorregando por sua pele sedosa. — Eu nunca andaria por aí sem roupas íntimas. Eu apenas… Os olhos dela baixaram. A timidez que o encantava contrastava com toda a iniciativa que a conduziu ao quarto dele. Aiden a beijou suavemente enquanto os tecidos deslizavam para o chão. Logo, todas as roupas que ela vestia eram uma pilha amontoada em um canto e, daquela vez, havia luz o suficiente para que ele pudesse vê-la. — Obrigado pelas velas. — Ele se afastou alguns centímetros. As bochechas dela irradiavam alguns tons variados de vermelho. Pelo calor do fogo, pela intensidade do momento, pela vergonha da nudez. — Eu queria mesmo poder te ver. — O senhor havia amaldiçoado escuridão, antes. — Elizabeth riu. — Agora que me vê, era o que esperava? O duque suspirou profundamente e levou alguns segundos para formular um pensamento. As chamas conjugadas das muitas velas acesas faziam com

que ele pudesse finalmente apreciar a mulher em seus braços. — Não. É bem melhor. Quando ele reivindicou a boca dela novamente, o beijo foi urgente, porém gentil. Os lábios dele sobre os dela davam a dimensão do desejo e o encontro das línguas era como o toque do veludo. Com as duas mãos na cintura nua, ele puxou Elizabeth para si e forçou a carne macia dela contra suas roupas. — Maldição. — Praguejou novamente. Ele ainda usava as roupas elegantes do jantar e era tecido demais para tirar. Os dedos vacilantes dela assumiram a função de abrir os botões do colete cinza, depois da camisa. Aiden puxou o tecido pela cabeça e descartou as peças na pilha que já tinha se formado. Com cuidado, ele a conduziu até a cama e fez com que deitasse. Começou a abrir os botões da calça mas Elizabeth colocou suas mãos sobre as dele. — Eu também quero te ver. — Ela piscou e o azul reluziu sob os longos cílios castanhos. Aiden respirou fundo novamente e colocou-se de pé. Ela apoiou o corpo nos cotovelos para observá-lo e aquela foi a primeira vez que ele, o quase insensível Duque de Shaftesbury, ficou envergonhado em se despir para uma mulher.

A audácia de pedir para vê-lo nu fora algo que surpreendeu Elizabeth. Aquele duque libertava o que havia de mais devasso dentro dela e ela estava adorando. Quando a linda calça acinzentada que ele vestia, de corte perfeito e elegantemente costurada, caiu pelos quadris e o expôs com completo, ela quase se arrependeu do seu pedido. Aiden era ainda mais lindo inteiramente despido. Seu corpo era realmente incomum em um nobre e os músculos proeminentes de seus braços e coxas fizeram com que ela se fixasse naquelas partes com excessiva atenção. Ele pareceu pudico ao ser escrutinado por ela, que não conseguiu evitar deixar seus olhos passearem por cada centímetro do homem mais lindo que ela já vira. Elizabeth conduziu seu olhar desde a boca vermelha e inchada dos beijos trocados até o peito permeado de fios escuros e o abdômen esculpido. Sua mão se ergueu na intenção de tocá-lo, mas ela não o fez. Os pelos desciam do peito e seguiam até a magnífica ereção que despontava proeminente em sua

direção. Sua boca salivou e ela ansiou por tê-lo. Aiden tinha razão. Não podia ser pecado se era o que desejavam. — Eu quero você. — Ela disse, quase um murmúrio. — Eu quero que você me possua, Aiden. O brilho escuro daqueles olhos flamejou. Toda a expressão dele se resumia à volúpia do momento. — Seu desejo é uma ordem, minha senhora. A frase, em tom zombeteiro, a chacoalhou por dentro. O duque se posicionou sobre ela e a beijou, abrindo sutilmente espaço para si entre as coxas trêmulas e ansiosas. Sem tirar a boca da dela, aproximou o pênis intumescido da sua feminilidade e se introduziu lentamente em Elizabeth, forçando seu peito másculo sobre ela e movendo os quadris com força moderada. Ela estava tão pronta para ele, tão ansiosa por recebê-lo que não foi difícil que Aiden encontrasse seu caminho até penetrá-la profundamente. Ela gemeu. — Desculpe-me por isso. Eu vou tentar ser delicado, mas não posso prometer isso. Não seja delicado, ela quis gritar. Não seja sutil. Mas as palavras não saíram. A força das estocadas foram se intensificando à medida em que ele movia o corpo sobre ela, forçando-a a abrir mais as pernas, provocando-a a enlaçá-lo pelos quadris, empurrando-a contra os colchões macios. Alternando as estocadas com beijos suaves nos lábios dela, Aiden mantinha o olhar firme sobre Elizabeth. E ela sentia crescer, novamente, o calor que ardia em seu ventre e descia até onde ele entrava e saía. Era uma pena que não podia durar para sempre. Que o corpo sucumbia ao prazer e o clímax fosse o indicativo de que aquela fricção de corpos chegaria ao fim. Aos poucos ela ergueu os quadris para buscar mais contato. Quando Aiden sentiu que ela estava próxima do êxtase, levou o polegar até o feixe de nervos que ansiava por aquele toque. Elizabeth não resistiu mais. Seu corpo inteiro convulsionou em ondas de prazer enquanto seus músculos apertavam o membro rijo que continuava entrando e saindo dela. A mudança de ritmo dele indicava que Aiden estava buscando a própria liberação. Com um beijo mais intenso, ele investiu mais duas vezes. Elizabeth o sentiu se expandir dentro dela. O corpo dele ficou pesado e uma pegada mais forte nos quadris dela marcou o momento em que ele, com um gemido grave, atingiu o orgasmo. Eles não se desencaixaram imediatamente. Aiden tinha a respiração

acelerada e o corpo suado pendia sobre Elizabeth enquanto as bocas se encontravam. Beijaram-se por minutos até que ele rolou para o lado, deitou no colchão e puxou-a para um abraço. A maior parte das mulheres que ela conhecia detestava o sexo. Não queriam que os maridos as procurassem e preferiam dormir em camas separadas. Quase todas ela reclamavam da relação sexual como se fosse uma tortura nas vidas de cada uma. Mas ali, naquele instante, Elizabeth sentiu-se abençoada. Nunca fora desagradável, antes, mas Aiden fez com que a experiência fosse transcendental. Era uma pena que ela precisasse ir embora em seguida.

Não era preciso palavras. Qualquer coisa que fosse dita poderia estragar a perfeição daquele momento, então eles ficaram ali por muitos minutos, deixando que seus corpos se aquecessem. Não era amor. Não tinha nada a ver com amor, mas era o suficiente. Quando a luz das muitas velas se extinguiu e apenas a lareira iluminava o quarto, eles estavam abraçados sob os lençóis. Elizabeth apoiava a cabeça no peito firme do duque e traçava os contornos de seu abdômen com a ponta dos dedos. Mesmo na penumbra alaranjada era possível notar o quanto ele era lindo. E ele acariciava seus cabelos e suas costas. Em silêncio, não havia nenhum ruído que não fossem os insetos e animais do bosque ao redor da propriedade. — Eu preciso ir. Foi uma afirmação duvidosa, quase soada em tom de pergunta. — Sim, precisa. Mas eu não quero que vá. — Ele a estreitou mais forte entre os braços. — Sou o Duque de Shaftesbury, será que não posso decidir nem mesmo quem pode dormir ao meu lado? Ela deu uma risada. — Talvez Vossa Graça possa. — A saudação formal tinha um tom zombeteiro e ele percebeu. Elizabeth levantou-se e se sentou sobre as suas coxas, deixando que seus dedos passeassem por uma extensão maior daquele corpo que ela adorava. — Mas, se eu ficar mais tempo aqui, talvez nenhum de nós vá dormir, exatamente. — E a senhora pretende me deixar acordado como?

Havia luxuria no brilho escuro dos olhos dele. Elizabeth sentiu sua garganta arranhar, mas ela não tinha como voltar atrás. Estava ali, com aquele homem à sua disposição, e ele a autorizava brincar com ele. Talvez brincar não fosse uma boa palavra, mas foi a que veio à sua cabeça. As mãos então passearam pelo tórax, pelo abdômen e encontraram os quadris firmes. Acariciou suavemente a cicatriz avermelhada que ainda estavam ali, demonstrando que sabia que ele havia se ferido. Ela se afastou um pouco e tocou a base da ereção que pulsava à sua frente. Era a primeira vez que ela prestava atenção naquela parte do corpo de um homem. O seu marido era tímido e não gostava de luz quando iam para a cama. Ela quase nunca vira Gregory nu. Já o duque, ele era bastante depravado. Ele a beijou em seu sexo, tocou sua intimidade com a língua, fez com que ela sentisse prazeres pecaminosos, e não se importava em exibir sua masculinidade para que ela pudesse… tocar. Então, ela tocou. Segurou-o com as duas mãos, passou o polegar pela ponta úmida, deliciou-se com o gemido que ele soltou. Depois, levou as mãos para cima e para baixo, simulando os movimentos que ele fazia dentro dela. Ele gemeu mais, fechando os olhos e arqueando as costas. E foi quando ela pensou, talvez também fosse bom se ela o beijasse ali. Afinal, ele fizera aquilo com ela e foi uma das melhores sensações de sua vida. Por que ela não poderia dar o mesmo a ele? Elizabeth segurou cuidadosamente o pênis em sua mão e tocou a ponta com os lábios. Aiden gemeu e abriu os olhos, o desejo pulsando em sua face. Ela lambeu, passando a língua em toda a sua extensão, e o encarou. Havia uma certa súplica em seu olhar, para que ele dissesse se gostava daquilo. Para que ele a orientasse como fazer. — Você pode colocá-lo na boca, se quiser. Aiden murmurou e ela atendeu. O gosto era ácido e o toque era macio, muito macio. Com cuidado, ela envolveu o membro rígido em sua boca e o engoliu. O duque gemeu, se retorceu, segurou-a pelos cabelos e a fez movimentar-se sobre ele. E foi então que ela percebeu que não era apenas ele que estava gostando, mas ela também. — Elizabeth. — Aiden gemeu mais. — Eu não vou aguentar. — Não seja exagerado. — Ela riu. — Mas fico feliz que tenha gostado. — Eu estou gostando. Suba em mim, deixe-me entrar em você. Venha. Ele a puxou pelas mãos e ela se acomodou com a ereção em sua barriga. Outra coisa que não estava acostumada, aquela proatividade toda. Aiden lhe

permitia o comando e ela estava adorando. Atendendo ao seu pedido, fez com que ele entrasse completamente dentro de si. Ah, a sensação de preenchimento era sempre fantástica. E o controle também, porque ela adorou cavalgá-lo até que ele não resistisse mais, virasse por sobre ela na cama e terminasse conduzindo-os ao ápice mais uma vez.

Capítulo vigésimo primeiro

A NOTÍCIA de que a governanta de Thanet Bay tinha sido convidada para o jantar em Greenwood Park chegou rapidamente até os ouvidos da duquesa viúva. Ela nunca tentou se manter alheia às fofocas só porque não saía do quarto - sua criada pessoal era quem fazia as vezes de alimentá-la com tudo de podre que era dito nos bastidores da sociedade. Claro que ela não ficou satisfeita em saber que seus filhos tinham levado uma criada a um jantar. Mesmo que o Conde de Cornwall não tivesse feito oposição, as fofocas maculavam o bom nome dos Trowsdale. Nem mesmo o seu falecido marido tinha sido tão imprudente em suas aventuras como benfeitor dos oprimidos. Albert Trowsdale era um bom samaritano, mas isso não fez dele um tolo. Aquilo significava que a duquesa teria que agir com mais rigidez. Ela precisava sair de sua reclusão, mesmo que aquilo custasse um pouco da sua saúde. Precisava controlar de perto a situação daquela governanta ousada que não saiba colocar-se em seu lugar. Naquela manhã ela decidiu fazer seu desjejum no salão principal, assim como seriam todas as demais refeições. Até o final de semana do baile, ela fiscalizaria a atitude dos filhos e tomaria as suas próprias, se necessário.

O bom humor de Aiden se esvaiu quando ele soube que sua mãe estaria presente no desjejum. Alguns meses atrás ele adoraria tê-la para as refeições. Enquanto o pai ainda era vivo, sua admiração pela mãe era imaculada,

mesmo que ela nunca lhe dirigisse uma palavra de afeto. Desde o falecimento do duque, tudo que a mãe fazia era aborrecê-lo. Principalmente no trato com Agatha. E ele estava começando a se fatigar disso. — Vossa Graça, há um mensageiro aguardando. — Geoffrey disse, enquanto ajudava o duque a se vestir. — Ele diz que traz um convite do Visconde de Whitby. — Certo. Pode descer e dizer a ele que me aguarde. O criado assentiu e retirou-se, deixando Aiden sozinho e pensativo. Ele mal tinha acordado e ainda sentia o calor do corpo de Elizabeth sob o seu. Sentia o gosto dela em sua boca e céus, era como se ele ainda pudesse sentir os espasmos do prazer que ela lhe proporcionou. O desejo que nutriu pela mulher, desde que a conhecera, não amenizou apenas porque ele a possuiu. Ao contrário, se intensificou. Seus compromissos não o deixariam divagar sobre o rompante da noite. O criado de Miles Westphallen portava um convite para uma tarde de cavalheiros e incluía os investidores. Os planos para a revitalização das docas, para a construção de navios e para a indústria ferroviária não estavam mais no papel. Em breve a primeira fábrica de locomotivas seria inaugurada e Aiden estava certo que ela instauraria uma nova era para a nobreza inglesa. E ele ainda precisava enfrentar a duquesa. — Bom dia, mamãe. — O duque fez uma reverência e beijou a mão da senhora franzina que estava sentada à mesa. — Vejo que anda disposta, descendo com frequência para as refeições. — Quero as novidades do jantar. Como foi sua dança com Lady Madeline? — Foi uma dança. — Aiden sentou-se e aguardou ser servido. — Minha irmã já acordou? — Ainda não, Alteza. — Disse o criado. — Eu exigi que fosse a primeira, Aiden. E eu exigi que ela significasse o início de um cortejo. Não era para ser “uma dança” apenas. — Mamãe, eu fiz exatamente o que prometi. Mas devo lembrá-la que a senhora não exige nada nessa casa. Eu sou o Duque de Shaftesbury. A duquesa não demonstrou nenhum abalo pela autoridade do filho. Ela não acreditava que ele fosse desobedecê-la porque ele nunca o fez. Aiden sempre tentou agradar a mãe, principalmente depois do nascimento de Agatha e de sua reclusão pela doença. Mas ela estava começando a extrapolar limites. Ou ele estava incomodado por saber que precisava cortejar e noivar

uma mulher que não fosse aquela que frequentou sua cama na noite anterior. Depois de alguns minutos, Agatha desceu para o desjejum e tratou de ocupar a mãe com assuntos femininos. Isso deu ao duque a oportunidade de retirar-se. — John, vou ao meu escritório. Peça que a Sra. Collingworth me encontre para as orientações do dia. — Estou bem aqui. — A duquesa se manifestou. — Posso muito bem cuidar dos afazeres da governanta. — A senhora não cuida de nada há anos. — O sorriso na face de Aiden não suavizava a dureza de suas palavras. — A governanta sabe que responde a mim, portanto prefiro continuar mantendo o bom funcionamento da casa. O duque ignorou os resmungos da mãe e fez aquilo que se propôs. Enquanto selecionava documentos para a reunião na casa do Visconde de Whitby, pensava em como resolver os problemas que estava causando. Envolver-se com a plebeia por quem estava certamente apaixonado era a pior decisão possível - e nunca parecera tão adequada. Ele sabia que não devia, mas não conseguia evitar. E, quando ela entrou pela porta, já despida do vestido elegante da festa e trajando suas roupas simples de criada, Aiden sabia que estava com problemas. Seu coração parou de bater por alguns segundos e ele sorriu. — Mandou me chamar, Alteza? O brilho azul dos olhos dela estava mais cintilante pela luz do sol que penetrava pela janela aberta. Aiden apoiou os documentos na mesa e quis ir até ela, pegá-la nos braços e beijá-la. Limitou-se a expirar uma grande quantidade de ar para dentro de seus pulmões. — Preciso que organize a casa para o final de semana. Vamos receber muitos convidados e já enviei mensageiros para os quatro cantos de Kent. — O duque serviu-se de um conhaque. — Também gostaria de saber como a senhora está. Elizabeth corou. O rubor rosado em suas bochechas fazia com que ela ficasse exatamente como na noite anterior. — Assim que eu tiver a lista de convidados em mãos, farei a melhor distribuição de quartos e organizarei os lugares à mesa. O senhor pode se tranquilizar, eu tenho alguma experiência com jantares e eventos da nobreza. — Tenho plena confiança em sua competência, Elizabeth. Aiden se aproximou dela e levou uma das mãos para cuidar de uma mecha de cabelo que caía para fora do gorro que ela sempre usava para

trabalhar. O polegar deslizou pelas bochechas e ela baixou o olhar, não conseguindo encará-lo. O duque levou sua boca até a dela e a beijou. Não foi erótico, não foi intenso, foi apenas um carinho com os lábios. — Preciso passar o dia fora, estarei com Miles Westphallen. Não deixe que minha mãe a aborreça, mesmo que ela tente. — Terei muito trabalho por esses dias. Manterei-me longe da duquesa. Aiden sorriu e a dispensou. Assim que Elizabeth deixou o escritório, ele se deu conta de que estava sorrindo e sentindo seu coração bater no ritmo. Ele já gostava tanto da presença daquela mulher e se permitia ficar tão feliz quando conversava com ela, ou simplesmente a tocava, que não imaginava mais passar um dia sem vê-la. Ele a queria ainda mais depois da noite anterior, se aquilo fosse possível.

Não era difícil evitar a duquesa viúva. Elizabeth tinha muitas tarefas e ainda tinha que cuidar dos filhos, cuidar do felino que ficava em seu quarto para evitar causar distúrbios, dar atenção a James Hodges, o homem interessado em cortejá-la. Isso tudo depois de ter passado alguns bons momentos na cama do duque, fazendo tudo que ela sabia ser pecado e sem nenhum remorso em pecar. Faltavam apenas três dias para o grande evento em Thanet Bay e ela precisou contar com todos os empregados para que os preparativos dessem certo. Montou um cardápio impecável com as cozinheiras, solicitou que Granger fosse à vila para repor a dispensa e adquirir alguns itens necessários para os pratos que foram escolhidos, deu orientações às arrumadeiras para que ajustassem cada quarto de acordo com o convidado que fosse ocupá-lo. Os quartos das mulheres teriam flores frescas todo dia e roupa de cama clara, em tons de rosa, amarelo e lilás. Os quartos dos homens seriam os de móveis mais escuros e papéis de parede com padrões mais agradáveis aos gostos masculinos. Os casais ficariam na ala esquerda, o mais longe possível do quarto da duquesa viúva. Seria conveniente para os maridos e suas esposas que os momentos de amor entre eles, caso acontecessem, não fossem chegar aos ouvidos sensíveis da mãe do Duque de Shaftesbury. A casa inteira estava agitada pela proximidade do evento e o duque se manteve o máximo possível ocupado com negócios. Elizabeth sabia que ele

precisava fechar alguns investimentos importantes e que aquele final de semana seria um marco para os seus projetos. Mesmo assim, sentiu falta de vê-lo, de conversar com ele, de estar com ele. — Mamãe, o gato fugiu. — Peter apareceu na cozinha, enquanto ela escrevia a distribuição dos assentos durante os almoços e jantares. — Patrick deixa a porta aberta, ele não presta atenção. — Certo, conversarei com Patrick sobre isso. — Ela chamou o filho e afagou sua cabeça. — Vá procurá-lo e tente não fazer muito barulho. Não queremos incomodar as pessoas. O menino assentiu. Elizabeth pegou um pedaço de presunto e entregou ao filho, para que ele usasse o cheiro como isca para o bichano. Acabou preocupando-se com Patrick, que passava tempo demais nos estábulos com Reggie. O filho não estava fazendo as tarefas que ela mandava nem estudando. Tudo que fazia era cuidar de cavalos. Naquele momento, Elizabeth considerou que precisava tomar uma decisão quanto a James Hodges. Se ela fosse aceitar se casar com ele, e aquela era a evolução natural do cortejo que ela tinha autorizado, ela não poderia ter dormido com Aiden. O que aconteceu entre ela e o duque não representava mais do que libertação carnal, porém ela se sentia muito imunda aceitando o cortejo de um homem enquanto se entregava ao pecado com outro. Ela não queria pensar naquilo por enquanto. Sabia que tinha, preferia evitar. Os dias passaram atarefados e ela quase não interagiu com a família Trowsdale, mesmo que se sentisse observada todos os minutos. Apenas um episódio fez com que ela se constrangesse - quando Lady Agatha a inquiriu dois dias depois do baile. — Elizabeth. — A jovem entrou no salão de chá enquanto a governanta inventariava as louças. — Conte-me sobre a noite em Greenwood Park. — Não sei o que dizer, milady. — Ela continuou a tomar nota de todos os pratos, xícaras, bules e porcelanas enquanto conversava. — Mas gostaria de agradecer por ter me dado a oportunidade de recordar minha adolescência. Foi uma noite muito agradável. — Quero saber sobre a senhora e meu irmão! — A lady falava baixo, demonstrando que não queria ser ouvida por ninguém além da sua interlocutora. — Vocês dançaram, ele estava fascinado pela senhora! Sim, ele estava. Elizabeth se deixou perder por alguns segundos, relembrando o baile, a dança, os olhares. Depois a noite, a entrega, o prazer

que compartilharam. E, então, ela não esteve mais com ele. Da mesma forma que sabia que o duque estava muito ocupado, ela não podia deixar de sentir insegurança. — Milady, mesmo que ele estivesse, o fascínio era por uma personagem. Eu não sou uma dama com quem Vossa Graça pode pensar em se casar. Lady Agatha fez uma careta de reprovação, demonstrando que ela não queria saber das diferenças sociais entre eles. Que ela as ignorava e que apostava que Aiden também ficasse satisfeito em descumprir as regras impostas pela rígida sociedade londrina. Mas a jovem não tinha a malícia de quem já vivera nos dois mundos. Elizabeth sabia que a aceitação social era importante. Que todos os negociantes burgueses que tinham projetos com o duque só pensavam no prestígio social que aquela aproximação poderia causar. — Eu quero conversar com ele, mas Aiden está o tempo todo envolvido com assuntos masculinos. E mamãe está tão presente esses dias! Mas ela é cruel, ela me monitora e ela faz perguntas desagradáveis, então estou tentando me portar mais adequadamente. A lady deixou o salão insatisfeita por não obter as respostas desejadas. Elizabeth não podia deixar que Agatha soubesse que o baile produziu parte dos efeitos que ela imaginava. Ela e o duque se envolveram, mas aquele envolvimento só representava a degradação moral de Elizabeth. Na sexta-feira os convidados chegariam e começariam a ocupar os quartos e demandar atendimento. Ela precisava garantir que tudo saísse a contento. Mesmo que o gato continuasse fugindo. Mesmo que Patrick insistisse em passar mais tempo com cavalos que com livros. Mesmo que Hodges se oferecesse para realizar alguns trabalhos e flertasse com ela durante o processo. Todos os seus esforços estavam voltados para fazer com que o final de semana fosse um sucesso. Apenas isso

Agatha já estava ansiosa demais aguardando a chegada dos convidados quando a primeira carruagem estacionou na entrada principal. O tradicional baile dos Trowsdale era um momento de diversão em que a casa ficava cheia de pessoas e muitas atividades afastavam o tédio. O primeiro grupo que

chegou foi a família Wesphallen, como esperado. Miles estava sempre adiantado e, daquela vez, ele trazia a terceira filha, Diana. A jovem estava com dezesseis anos e debutaria no ano seguinte. Ninguém na família perdia tempo na busca de maridos ricos e nobres para alavancar o prestígio dos Westphallen na sociedade londrina. A duquesa viúva estava no salão para recebê-los. Aiden não estava em lugar algum, mas Agatha sabia que ele logo apareceria. Os criados estavam em fila para recolher os casacos, bengalas e chapéus dos convidados. Duas outras carruagens chegaram, uma delas com Lady Caroline Eckley. Agatha não se lembrava de vê-la na lista de convidados, mas dificilmente eles deixariam de receber a sobrinha do Marquês Granville. Sua mãe preferia aturar qualquer coisa a desagradar a alta nobreza. A outra trazia a família McFadden - ou parte dela. Vinham Isaac, Nathaniel e Wilhelmina, enquanto Edward vinha a cavalo. O outro irmão, Emile, estava na universidade e talvez não pudesse atender ao evento. Edward era um homem petulante e tinha muitas liberdades na propriedade. Ao invés de entregar o cavalo para um dos criados, como todos fariam, ele foi direto para os estábulos. Confabulou com o cavalariço, brincou com o filho dele, entrou nas baias para ver os animais - tudo sem a presença do duque. Agatha não tinha muito apreço por seu comportamento, mas eles se conheciam desde sempre. Aquela família era mais próxima dela do que seus outros parentes de sangue. Por isso, ela tolerava Edward e seus excessos. — Milady. — O conde se aproximou e segurou a mão enluvada de Agatha. Ela quis puxar os dedos e dizer que não queria ser beijada por ele, mas a duquesa estava ali, olhando. Com uma careta, Agatha fez uma reverência enquanto Edward levava sua mão até a boca. Havia um sorriso zombeteiro em sua face e aquilo a incomodava ainda mais. Talvez a ponto de bater nele com um objeto qualquer. — Seja bem vindo, Lorde McFadden. O duque já deve estar descendo para cumprimentar seus convidados. Por enquanto, estamos servindo um brunch no salão principal. — É encantador vê-la fingindo ser uma dama. — A voz baixa do conde só pode ser ouvida por Agatha. Os olhos azuis dele, irritantemente profundos, a fitaram antes que ele se afastasse, mantendo o sorriso insuportável. Sim, Agatha adoraria bater nele com alguma coisa bem pesada, mas ela estava realmente fingindo ser uma dama. Aquela atitude era exclusiva dos eventos familiares. No dia-a-dia, a lady era bem menos comportada.

John informou que os outros convidados chegariam mais tarde, o que conduziu Agatha e a mãe até o salão. Elas estavam incomodadas com a ausência de Aiden, que ainda não tinha aparecido. Não era educado que ele deixasse os convidados esperando, mesmo que eles estivessem entretidos com o brunch delicioso que fora preparado com primor pela governanta. Elizabeth estava de pé, na porta fechada que conectava o salão ao corredor que levava aos fundos, observando o movimento. Usava uma saia de xadrez azul e uma camisa branca impecável, com colarinho de babados. Os cabelos estavam soltos do gorro que ela costumava usar e ela tinha os cabelos loiros trançados com perfeição. Agatha conseguia perceber nela um porte aristocrático que nenhuma das ladies daquele evento tinha. Elizabeth era a esposa perfeita para seu irmão, ela só esperava que Aiden tivesse percebido aquilo. — A senhora viu meu irmão? — A lady se aproximou na intenção que ninguém notasse seu questionamento. — Fazem alguns dias que não vejo Vossa Graça, milady. Mas ele solicitou que Geoffrey fosse até o escritório, é lá que deve estar. — Ele precisa vir receber os convidados. O que está havendo com ele, Elizabeth? Depois do baile, eu… houve algum desentendimento entre vocês? A governanta tentou esconder sua estupefação com a pergunta. Era como se Agatha colocasse situações absurdas que nem mesmo deveriam ser pronunciadas. — Não, milady. Nenhum desentendimento. — Certo, tentarei arrancá-lo daquele escritório. Ela provavelmente não era a pessoa mais adequada para arrancar Aiden de nenhum lugar. O duque era teimoso e, se estava se escondendo de algo, suas tentativas seriam inúteis. Mas ela sabia quem seria capaz de desafiar o irmão - o Conde de Cornwall. Ela teria que falar com ele de novo, mas era por um bem maior.

Capítulo vigésimo segundo

— E U NÃO ME lembro de ter autorizado visitas ao meu escritório. — Aiden reclamou ao ver Edward McFadden passar pela porta. — Terei que demitir todos os criados, será que ninguém compreende uma ordem nessa casa? O conde colocou as duas mãos nos quadris e encarou o amigo. O Duque de Shaftesbury estava sentado atrás de sua mesa, parcialmente escondido atrás de uma pilha de papéis. Havia uma grande bagunça entre os documentos e ele não parecia estar adequadamente vestido para receber cinquenta convidados na mansão. Ele não estava. Desde que acordara se sentia incapaz de enfrentar um exército de damas casadoiras que estariam interessadas em ser a próxima duquesa. Também não queria - ele não podia enfrentar Elizabeth. Depois da noite em que fizeram amor ele fora quase um canalha, não a procurando e colocando os compromissos profissionais na frente dos sentimentos dela. Isso se ela tivesse algum sentimento para com ele, se o momento tivesse sido mais do que puramente carnal. — O que diabos faz trancado aqui, Trowsdale? — Trabalho. Os nossos investidores chegam em breve e eu preciso finalizar esses contratos. Edward pegou os papéis e retirou da frente do duque. Colocou-os sobre uma escrivaninha e admirou a nova pilha por alguns segundos. — Pronto, eles estão finalizados. Agora vamos, sua irmã está nervosa porque você ainda não apareceu para cumprimentar os convidados. E o brunch está uma delícia. — As Westphallen já chegaram? — Miles nunca perde um brunch.

Não, o visconde não perdia um brunch. Aiden sabia que as irmãs estavam ali e que sua mãe começaria a empurrar Madeline para ele. — Mas tem outra coisa. — Edward prosseguiu. — Caroline apareceu. Segundo Agatha, ela não foi convidada. — Isso nunca a impediu. — Aiden se levantou e ajeitou as roupas. A calça marrom era adequada para o dia, assim como o colete verde bordado. Ele não usava casaco. — Estou muito cansado para fazer isso, Edward. Não pensei que fosse ficar exausto de interações sociais tão cedo. — Tem certeza que sua exaustão se deve as damas que perseguem um duque como marido ou às conversas pouco profundas tidas com os nobres que não adotaram nosso estilo de vida? O conde tinha os braços cruzados no peito e continuava fitando o amigo com olhos que o examinavam de dentro para fora. Aiden detestava sentir-se escrutinado daquela forma, ele não gostava quando o conheciam tão bem quanto Edward. E quase ninguém o conhecia. — O que quer dizer? Não estou bem para decifrar enigmas. — A Sra. Collingworth é mesmo muito bonita. Edward exibiu um sorriso que despertou no duque a vontade de arrancálo da face do amigo com um cruzado no queixo. — Cuidado com a linha que pretende cruzar, Edward. — Não pretendo cruzar linha alguma. Estou apenas constatando. Com tantas damas que conhecemos, você por acaso já viu alguma mais bonita que ela? É incrível acreditar que ela tenha dois filhos, seja viúva e tenha tanta experiência. — Enquanto o conde falava, Aiden dava passos lentos em sua direção. As mãos estavam fechadas em punhos e o olhar do duque indicava que ele pretendia matar alguém. — Eu creio que ela seja uma jóia rara que se perdeu no submundo londrino. Assim que cheguei eu a notei, ela não tem nada ordinário. Você não concorda comigo? Que a Sra. Collingworth possa ser a luz mais brilhante daquele salão? Aiden sentiu sua respiração acelerada e foi quando percebeu que estava erguendo o punho para agarrar o amigo pelo colarinho. Ele se irritou ao ouvir Edward elogiar daquela forma a sua mulher. Até a noite em que fizeram amor ele tinha certeza que poderia superá-la ou se satisfazer com uma vez apenas. Só que ele estava errado. — Edward. — O duque tinha os dentes cerrados e a voz saiu como um rosnado baixo. — Se você estiver pensando em se aproximar dela, por qualquer motivo, pense novamente.

O conde deu uma risada e colocou as duas mãos nos ombros de Aiden. — Céus, homem, você está tenso como uma estaca de madeira! Eu não quero me aproximar de ninguém, eu apenas queria provocá-lo para que isso acontecesse. Você não consegue me enganar, Trowsdale. — Isso o que? — Essa explosão. — Edward se afastou alguns passos e observou o duque, ainda em posição de ataque. — Você está pronto para me esganar apenas porque eu elogiei a sua governanta. Foi um elogio, Aiden. — Você faltou com o respeito. — Não faltei. Você a ama, não ama? Você se apaixonou em algum momento desde que ficaram confinados naquela estalagem e agora não sabe o que fazer, não é isso? — Você está louco. — O duque se afastou e virou de costas para o amigo. Encarando a parede decorada com livros, ele ficou imaginando por um breve momento se Elizabeth já lera o romance que ele emprestou a ela. Não queria ter que pensar no que Edward lhe estava falando. Não podia pensar. — Trowsdale, você já dormiu com ela? — O conde arriscou. — Um cavalheiro não faz esse tipo de pergunta. — Não sou um cavalheiro, sou seu amigo libertino. Somos devassos e adoramos ter muitas mulheres em nossas camas. Já compartilhamos amantes, Aiden. Você nunca se importou em comentar sobre uma mulher comigo. Diga, você já… — Aconteceu na noite depois do seu baile. — Aiden virou-se novamente para Edward, sentindo sua cabeça doer tanto a ponto de pensar que ela poderia explodir. O conde foi até o bar e serviu duas doses do conhaque especial, o que eles bebiam quando o assunto era sério. Entregou uma dose ao amigo, que bebeu tudo em apenas um gole. — Maldição, não era isso que você e Agatha estavam tramando? Não tente fingir, eu sei que vocês convidaram Elizabeth para o jantar apenas para me provocar. Bem, a armação foi um sucesso. Depois que eu voltei para casa, doido para fugir de Caroline, ela estava me esperando. O duque serviu-se de mais conhaque e encarou o líquido âmbar por segundos. Se ele ao menos pudesse ficar bêbado tempo o suficiente para não precisar lidar com aquele conflito naquele momento. — E eu acabei sendo um patife com ela. Depois que dormimos juntos eu tive que ir à casa do Visconde de Whitby e desde então não nos falamos. Mas não tem um minuto dos malditos dias em que eu não pense nela, ou que não a

sinta sob meus dedos. Em minha boca. — Seu medo então é sair e enfrentar a sua governanta. Não tem nada a ver com o fosso cheio de tubarões que terá que atravessar. Aquela era a constatação mais óbvia. O duque temia reencontrar Elizabeth em uma situação conflituosa como ter que cumprimentar, beijar a mão e sorrir para suas possíveis pretendentes. Primeiro, porque ele não as desejava. Não queria nenhuma delas. Segundo, porque ela provavelmente não ficaria satisfeita em vê-lo interagir com as mulheres que um dia seriam sua esposa. Isso porque ele queria acreditar que ela poderia ter ciúmes dele. Como ele tinha dela. Um dos motivos que fez com que Aiden se afastasse, de forma covarde, foi não suportar vê-la, nem mesmo imaginá-la, com James Hodges. Aquele comportamento era patético. — Eu sou o Duque de Shaftesbury. — Aiden bebeu a terceira dose de conhaque e apoiou o copo sobre a mesa. — Eu não tenho medo de nada. Vamos ao salão, tenho convidados a receber.

Outras duas carruagens chegaram depois dos Westphallen, dos McFadden e da espalhafatosa Lady Eckley. O Sr. Hartwright, com a esposa, um filho jovem e uma filha pouca coisa mais velha do que Lady Agatha, e o Sr. Sawbridge. Os criados estavam muito ocupados em recolher chapéus, casacos, bengalas, sombrinhas, e em conduzir os convidados para o salão. Granger e Reggie, que foi convocado para auxiliar durante o final de semana, carregavam as malas para o andar de cima, de acordo com os quartos indicados. Até mesmo Patrick estava com tarefas importantes. Ele precisava ajudar o cavalariço Hodges a cuidar do excedente de cavalos. Enquanto isso, a cozinha trabalhava em ritmo acelerado para dar conta da comida do brunch, do almoço e do jantar. Gretha trouxe duas primas suas para picar, cortar, limpar e lavar. Elas sempre eram contratadas por um período quando Thanet Bay estava cheia de convidados. E Elizabeth estava ali. Assim como o mordomo John, a função dela era garantir que tudo funcionasse a contento. Se houvesse falhas no serviço, ela seria responsável. Se houvesse qualquer pequeno detalhe que não saísse de

acordo com as mais altas regras de etiqueta, a culpa recairia sobre ela. Naquele final de semana ela provaria ser apta como governanta. Ou um completo fracasso. A segunda opção pareceu mais provável quando ele entrou no salão. O Duque de Shaftesbury tinha o cabelo um pouco desalinhado, a corrente do seu relógio de bolso estava exposta demais e o lenço em seu pescoço precisava de ajustes. Mesmo assim, não houve uma pessoa dentre os presentes que não parou para vê-lo tão logo ele chegou. A sua simples presença dispersava tanto poder que as damas suspiravam e os homens o respeitavam sem que ele precisasse dizer uma palavra. Acompanhado do Conde de Cornwall, ele tinha a expressão rígida e inamistosa, distante. Elizabeth não reconheceu imediatamente nele o homem com quem passou uma semana trancada, que a conduziu em uma dança e que fez amor com ela da forma mais terna. Ao mesmo tempo, ele era todo Aiden Trowsdale e sua imponência ducal. — Céus, como ele é lindo. Elizabeth ouviu uma dama dizer. Não virou para ver quem ousava admirar o seu homem, ela não conseguia desprender os olhos dele. — Parece que ele está firmando compromisso com uma das filhas do visconde. Hoje, Vossa Graça é o melhor partido no mercado dos casamentos. Ela não sabia de onde tinham saído tantas damas para admirar o duque, mas a conversa a incomodava. Ele não era um produto à venda em um mercado. O casamento dele não deveria ser uma decisão de negócios. Aiden merecia casar-se com a mulher que ele amasse. E, por Deus, como ela queria ser aquela mulher. — Não sei. — A primeira dama, que disse achar o duque lindo, foi até a mesa para servir-se de ponche. — Ouvi fofocas de que ele tem uma amante aqui nessa casa. Na verdade, duas amantes. A mulher que ele arruinou durante a semana em que esteve doente e outra. O duque é um devasso incorrigível, tenho pena da mulher que ele desposar. Não era saudável continuar ali ouvindo aquela conversa. Elizabeth examinou as mesas e os pratos ainda estavam cheios. Havia criados prontos para repô-los, bem como para servir chá. O ponche precisava ser trocado, essa foi a sua desculpa para esgueirar-se pelos cantos e desaparecer pela porta de acesso. Seu coração batia acelerado. Retumbava como os trovões dos dias de chuva. Era como se uma tempestade estivesse acontecendo dentro dela. A

simples visão de Aiden Trowsdale não podia desorientá-la daquela forma. Elizabeth era uma mulher experiente e madura, apesar da pouca idade. Ela não admitia que ele a afetasse tanto, cada vez mais. E isso depois que ele passou dias sem falar com ela, dias sem dirigir-lhe a palavra depois que fizeram amor. Ela deveria estar magoada com ele, não ainda mais apaixonada. A cozinha estava um caos, por isso ela foi até a lavanderia. As pilhas de roupas para lavar, lavadas e para passar conferiam um bom esconderijo. Elizabeth enfiou-se entre os vestidos que estavam pendurados e apoiou as duas mãos no tanque. Inspirou e expirou lentamente, algumas vezes. Não havia motivo algum para aquela reação exagerada do seu corpo. E ela precisava voltar para o salão. — Sra. Collingworth? John entrou na lavanderia. Seu porte era sempre elegante, como se nem o rompimento de uma adutora pudesse atrapalhar seu foco. Elizabeth recompôs-se e ajeitou os cabelos com as mãos. — Estou aqui, John. Os criados precisam de minha atenção? — Não, senhora. Eu apenas notei que tinha saído do salão e imaginei que a senhora precisasse de alguma ajuda. Ela precisava. Mas o mordomo não podia oferecer o alento que necessitava. — Eu tive um pequeno desconforto. — Ela mentiu para evitar que John especulasse. — Minha cabeça está doendo um pouco, já está passando. — Certo. Aguardaremos seu retorno. John retornou para o salão, onde sua atenção era sempre necessária. Nobres não realizavam quase nenhuma tarefa ordinária, fazendo com que os criados fossem demandados com frequência. Elizabeth colocou um pouco de água em uma bacia e usou para refrescar seu rosto. Já estava praticamente recomposta quando ouviu passos em sua direção. Ela não precisava vê-lo para saber que era o Duque de Shaftesbury quem estava ali. Elizabeth não se virou, apenas esperou que ele se aproximasse. Aiden colocou as mãos nos ombros dela e ajeitou o colarinho da camisa que ela vestia. Naqueles segundos em que ele a tocara, tudo que ela ouvia era o ruído da própria respiração. — John me disse que a senhora estava se sentindo mal. O duque segurou os cabelos dela e os afastou do pescoço. Elizabeth sentiu um sopro frio em sua nuca e o toque dos dedos dele em sua pele.

— Já estou retornando para o salão, Alteza. Eu apenas… — Elizabeth, olhe para mim. — Ele a interrompeu. Os polegares de Aiden desenhavam círculos imperfeitos na pele tensa do pescoço dela, enviando espasmos de prazer e dor pelo corpo intranquilo de Elizabeth. Por dias, ela desejou senti-lo novamente. Aquele toque era mais necessário do que o ar em seus pulmões. — Sei que minha atitude com a senhora não foi digna de um cavalheiro, mas eu gostaria de me explicar. Dê-me essa chance. — Essa não é a melhor hora nem o lugar adequado. Vossa Graça tem convidados e logo todos notarão que não está mais no salão. Ela se virou e ele estava ali. Real, a apenas alguns centímetros dela. Daquela distância ela podia estender os braços e tocá-lo. Traçar os contornos de sua face e afundar os dedos nos cabelos macios. Mas ele não era dela para que tomasse aquelas liberdades. — Meus convidados estão sendo devidamente entretidos pelo Conde de Cornwall. Edward sabe conduzir uma festa melhor do que eu. — O conde sabe que o senhor está aqui? — Ela perguntou. O silêncio dele serviu como resposta. — Céus, o conde sabe que… — Edward é meu melhor amigo. — O duque levou a mão até a face enrubescida de Elizabeth. Ela não sabia se estava nervosa, com calor ou envergonhada. — Ele não revelará a ninguém. Elizabeth, eu preciso dizer que eu pensei na senhora todos os minutos dos últimos dias. Eu deveria tê-la procurado, mas… Ele respirou fundo e fechou os olhos por breves momentos. Ela o observava tensa, os músculos retesados sob as camadas de tecido e a pele queimando onde ele mantinha sua mão. — Precisamos retornar, Alteza. A voz trêmula indicava que ela não desejava realmente sair dali. Daquele toque, daquele pequeno espaço que parecia tão seguro e assustador ao mesmo tempo. Aiden olhou para ela e era muito fácil se perder nos caminhos escuros daquele olhar. E então ele a beijou. Levou sua boca à dela e reivindicou um contato mais íntimo, ignorando a prudência. Era a primeira vez que ele a beijava sem que uma porta os isolasse do mundo exterior. Elizabeth também não se sentia prudente. Ela levou as duas mãos até o colete do duque e cravou os dedos no tecido, puxando-o para mais perto no instante em que ele procurava a língua dela com a dele. — Eu não quero que as coisas sejam assim. — Aiden traçou o queixo dela com a boca, enviando espasmos por todas as partes do corpo de

Elizabeth. — Nós dois, escondidos, fingindo. — Não há muitas opções, Alteza. — Ela deitou a cabeça para trás, oferecendo a ele espaço para seus beijos. — A não ser que Vossa Graça anuncie para seus convidados que cortejará uma plebéia viúva, não temos como não esconder. Nem mesmo se eu aceitasse ser sua amante o senhor poderia demonstrar esse tipo de afeto em público. Aiden emitiu uma espécie de rosnado, indicando que ele entendia as limitações impostas pela diferença social entre eles. Talvez o duque não aceitasse que, sendo tão rico e influente, não houvesse nada que pudesse fazer para mudar aquela situação. Não havia. — Eu não sei o que fazer. — Ele disse por fim, afastando-se alguns centímetros dela. A separação causou em Elizabeth uma sensação desagradável, como se ele tivesse arrancado dela uma parte importante de seu corpo. — Diga-me, Elizabeth. Eu sou o Duque de Shaftesbury e pela primeira vez eu não sei o que fazer. — Não vamos fazer nada. — O sorriso que ela estampou era falso. Elizabeth também não sabia o que fazer. Por ele, ela abriu mão da sua própria vergonha. — Na verdade, vamos retornar para a festa. O senhor vá para seus convidados que orientarei às criadas a prepararem mais ponche.

A noite trouxe um encontro de negócios que acalmou a irritação do duque. Ele tentou fingir que estava bem, porém demonstrou um comportamento desagradável durante quase todo o brunch. As mulheres o cercaram e insistiram em falar do clima em Thanet Bay, como se as estações do ano na propriedade acontecessem de uma forma diferente. Sua mãe o observava ao longe e demonstrava insatisfação por suas atitudes. Ao menos, ela tinha que aguentar as entediantes esposas dos nobres e negociantes que estavam na mansão. O momento de interação masculina era tudo que ele precisava. Reunidos no escritório do duque, um amplo espaço com sofás, cadeiras, mesas e muito uísque, os homens discutiam sobre os investimentos nas regiões mais degradadas de Londres. Apostando nas exportações e no comércio marítimo, pretendiam reviver áreas em Shadwell e atrair pessoas de maior prestígio. Quando o jantar foi servido, a governanta não estava presente. Aiden

sabia que ela precisava ficar na cozinha para garantir o melhor serviço, mas isso não fazia com que ele se aborrecesse menos. Enquanto comia cada prato que era primorosamente servido e agradecia os elogios dos convidados pelo cardápio refinado, sua cabeça estava em outro lugar. Elizabeth disse que ele deveria cortejá-la. Não, ela não disse, ela apenas o lembrou que aquela era a única forma de serem vistos em público. Ele precisava sondar o quanto aquilo afetaria a sua vida. E, como se suas preces pudessem ser ouvidas, a conversa na mesa seguiu em uma direção intrigante. — Ouviram comentários sobre o casamento do herdeiro do Marquês de Westmore? — Lady Jocelyn, esposa do Conde de Fortshire, perguntou. Estavam servindo o quinto prato, costeletas de cordeiro com molho. — Soube que ele foi obrigado pelo pai a se casar com a camareira da irmã mais nova. Ele comprometeu a mulher. A reposta de Lady Sarah deixou os presentes em um silêncio de alguns segundos. Apenas os talheres tocando a louça podiam ser ouvidos. Aiden bebeu um longo gole do vinho tinto que estava à sua frente. — É cruel arruinar a reputação de um jovem herdeiro assim. — Lady Jocelyn prosseguiu. — Posso apostar que a camareira aplicou um belo golpe no futuro Marquês. Será que ela era mesmo pura? — Eles estão apaixonados. — O Visconde de Whitby disse. — Esses jovens tolos acham que o amor é o motivo para um casamento. Conversei com o Marquês e ele afirmou que Lorde Brandon quis se casar livremente. Pena que sua vida social estará acabada. O Duque de Shaftesbury deixou a faca bater no prato e fez um barulho que chamou a atenção para si. Não era sua intenção. O burburinho causado pelo assunto cessou e os olhares sobre ele indicavam que era preciso dizer alguma coisa. — Não sei o motivo de tanto alvoroço. O casamento deles foi abençoado por Deus, a honra da jovem foi preservada e eles se amam. Isso não é o suficiente? — Ela é uma plebéia, Alteza. — Lady Madeline disse, um quase murmúrio. — É uma jovem muito intrigante, porém ela não é adequada para o futuro marquês. Depois que o Lorde Greenmore se manifestou e os criados chegaram para retirar os pratos e servir a primeira sobremesa, o assunto mudou. Mas, para Aiden, ele continuava ecoando em seus ouvidos. Ela não é adequada. A vida

social dele está acabada. Aquele deveria ser o aviso que ele precisava sobre Elizabeth. Ele podia tê-la, podia amá-la, mas não podia casar-se com ela. Lorde Brandon, o jovem futuro marquês de vinte e três anos, amigo de sua irmã Agatha, era um homem mais corajoso do que ele. Apaixonara-se por uma criada e arriscara sua vida inteira para viver aquele amor. Os homens da mesa o achavam tolo, Aiden o achava admirável. Mas Aiden era menos inconsequente que um jovem sem responsabilidades. Até que Lorde Brandon tivesse que assumir o marquesado, muita coisa poderia acontecer. A sociedade poderia acostumar-se com sua esposa. Ou eles poderiam acostumar-se sem a sociedade. Aiden era um duque, seus compromissos com o parlamento e com a sociedade eram importantes. Ele não podia arriscar sua reputação. Aquela constatação o abateu. Depois de ficar doente e quase morrer, de ferir-se com sua própria espada e de ser humilhado por seu melhor amigo, ele não esperava perder Elizabeth.

Capítulo vigésimo terceiro

O DIA FOI EXAUSTIVO , mas transcorreu com perfeição. Por volta de meia noite os convidados se recolheram, já que haveria uma caçada no dia seguinte. Os criados também foram dormir, mesmo que alguns não conseguissem ter um sono tranquilo. Nobres sempre chamavam, no meio da madrugada, com desejos estranhos. Elizabeth conferiu que seus filhos dormiam, que o gato estava preso no quarto com eles, e foi para quintal com seu romance. Não havia mais luz pela casa. A lua brilhava alta no céu e as estrelas proporcionavam um lindo cenário para que ela pudesse avançar na leitura. Com uma vela pendurada na parede, Elizabeth acomodou-se na parte de trás da mansão. Ninguém ia ali além dos empregados. Ela não conseguiu se concentrar. Seus olhos se perderam no horizonte, para além dos estábulos. Havia fumaça saindo das casas que ficavam nos arredores. Uma delas era de James Hodges, seu pretendente, e ela tinha ficado tão ocupada que não o vira naquele dia. Também não queria vê-lo. Depois do episódio na lavanderia, tudo que ela queria era Aiden Trowsdale. Com tantas coisas para ocupá-la, ela esperava não pensar no duque a cada minuto. Mas estava enganada. Cinco páginas depois, Elizabeth desistiu de ler. Olhou para cima e viu luz na janela do quarto do duque. A brisa causou-lhe calafrios. Se aquele trabalho não fosse tão importante para ela, a coisa certa a fazer seria ir embora no dia seguinte. Aquilo já tinha passado dos limites. Seus sentimentos por Aiden eram perigosos demais, ela acabaria com o coração partido. — Essa iluminação não é adequada para uma boa leitura. A voz fez com que ela se sobressaltasse e virasse para trás. A figura

soturna de um homem vestindo calças cinza e camisa branca de linho entrou em seu campo de visão. Ele tinha os cabelos um pouco desalinhados, mas foi como esteve o dia inteiro. Aiden Trowsdale era lindo de toda forma que desejasse aparecer. — Já estava me recolhendo. Ela fechou o livro e se levantou. Os olhar dele observou cada movimento do seu corpo. — Estou indo à casa do poço. — Ele disse, sem desprender os olhos dela por nenhum segundo. — Está muito escuro por lá, Alteza. É perigoso. — Não há perigo algum. Qualquer pessoa poderia ir até a casa se soubesse o caminho. Ele não disse mais nada, apenas deu alguns passos e se afastou. Elizabeth ficou ali, segurando o livro na mão e em dúvida se aquilo era um convite ou uma ameaça.

Aiden não sabia se ela entenderia seu recado. Se Elizabeth compreenderia que ele lhe fizera um convite ao dizer que iria para a casa do poço e que qualquer pessoa conseguiria chegar até lá. Ele esperava que ela fosse até ele, então. Aquele era um movimento arriscado. Com uma casa cheia de convidados e uma caçada marcada para a manhã seguinte, ele deveria dormir. Os quartos estavam todos ocupados e os criados ficavam de prontidão para atender qualquer chamado. Mesmo que ele conhecesse algumas passagens quase secretas, era quase impossível passar despercebido em sua própria casa. Mesmo assim, ele queria se encontrar com Elizabeth. Se precisasse mentir, enganar e infringir as leis para estar com ela, ele faria com prazer. Só não estava muito certo de que ela nutria por ele os mesmos desejos. Os minutos que sucederam à sua chegada à casa foram torturantes. Acendeu uma vela, a lareira, serviu uma dose de uísque e esperou. Aiden não estava acostumado a esperar por nada, nem ninguém. Quando Elizabeth abriu a porta da casa e preencheu o ambiente com seu cheiro de gardênias, ele pensou que seu coração fosse parar de bater. — Eu me sinto muito imoral fazendo isso.

Ela recostou na madeira da porta e o encarou. Suas bochechas estavam rosadas pelo esforço e pela vergonha, que ela abandonara para se render àquele encontro. Sua expressão não denotava arrependimento, apenas excitação. Elizabeth estava excitada pela possibilidade de repetir o ato indecoroso. O duque se levantou, apoiou o copo sobre a mesa e deu três passos na direção dela. Ele pensou no que dizer. Tinha muito o que gostaria de falar para Elizabeth, mas nenhuma palavra saiu de sua boca. Suas mãos se apoiaram na parede e os braços aprisionaram a governanta em um pequeno espaço que deixava os corpos muito próximos. Ela arfou, entreabrindo os lábios, e isso foi demais. Dobrando o corpo ele a beijou. Levou a boca até a dela e a reivindicou como se tivesse o direito de possui-la. Que o inferno o carregasse, ele tinha. Nenhuma mulher o fez sentir-se daquela forma e ele tinha experiência sobrando para ter certeza. A partir daquele momento, os dois corpos se uniram. Ele a segurou pelos quadris e ela passou os braços pelo pescoço dele. Aiden viu, pela primeira vez, vantagem no vestuário simples das criadas. Aquela saia era bem mais fácil de ultrapassar do que as saias cheias de camadas e goma das aristocratas. Suas mãos se amoldaram às formas das nádegas de Elizabeth e ele a suspendeu, forçando-a buscar equilíbrio no contato mais profano com o corpo dele. Empurrando-a contra a parede, Aiden desabotoou suas calças. Sua ereção dolorida fez contato com o tecido grosso da roupa dela e ele gemeu. As bocas se procuravam, ele a acariciava com a língua enquanto procurava afastar as poucas camadas que o separavam daquilo que desejava. Com um movimento rápido, Aiden ergueu-a novamente e a penetrou. Elizabeth gemeu e enfiou o rosto no pescoço dele. A sensação de estar dentro dela era fantástica. — Eu não quero mais que você aceite ser cortejada por Hodges. — O duque estava imóvel, o membro latejando dentro de Elizabeth enquanto ele se permitia acalmar. Ela o desorientava como nenhuma mulher nunca fez. — Invente qualquer desculpa e o dispense. Você não pode se casar com ele, Elizabeth. Você é minha, eu quero você para mim. Ela emitiu um som que parecia um rosnado e apoiou a cabeça no espaço entre o pescoço e o ombro do duque. Voltou a beijá-lo, mordendo suavemente o lábio inferior dele.

— Isso parece bastante pretensioso. O senhor quer que eu seja sua, e não posso exigir que seja meu? — Você não precisa exigir. — Aiden voltou a se mover, investindo contra ela com força. Ele precisava de alívio rápido, depois podia beijá-la, cheirá-la, prová-la e conduzi-la a um prazer intenso. — Eu já sou seu, Elizabeth. Por inteiro, sem restrições. Você é a única mulher que eu desejo e eu quero você na minha cama. Todas as noites. Ele estava embriagado pelo desejo. Abandonou o restante de dignidade que lhe sobrara com estocadas firmes e profundas. Murmurou palavras que não deveria dizer, fez promessas que não poderia cumprir. Manteve Elizabeth em seus braços, suspensa no ar, até que a necessidade de estar dentro dela amenizasse.

Mesmo sabendo que nada bom sairia de seu relacionamento com o Duque de Shaftesbury, Elizabeth se sentiu muito bem quando ele disse que a desejava. Melhor ainda, porque ele disse que era dela. Ele pertencia a ela, mesmo que não pertencesse. Aquilo significava mais do que um simples desejo carnal. Sentada na banheira de metal ao lado da lareira, com água cobrindo seus ombros, ela olhava para a chama flamejante enquanto seu pensamento divagava. Não sentiu a aproximação dele até que mãos firmes tocassem sua pele sensível. Aiden segurou os cabelos dela e ajeitou com as mãos, deixando a nuca desnuda. A respiração dele aqueceu a pele exposta e logo foi substituída pelos lábios quentes. Elizabeth sentiu um calafrio percorrer-lhe a coluna. — Eu vou cuidar de você, agora. Ela sorriu. Naquele momento ela não era mais senhora. No breve tempo que passavam juntos, não eram necessários pronomes de tratamento. Depois que ele declarou pertencer a ela, não havia mais hierarquia entre o que sentiam um pelo outro. — Preciso voltar para a casa. Se derem por minha falta… — Você é a governanta. — Ele colocou sabão nas mãos e as enfiou na água. Elizabeth se contorceu ao toque dos dedos longos em sua barriga, em seus quadris, em suas coxas. — Não tem que atender chamados de madrugada. Ainda tem muito que eu queira fazer essa noite.

— Vossa graça é muito mimado. Elizabeth deitou a cabeça na borda da banheira. Aiden massageava a parte interna das coxas dela e roçava a ponta dos dedos em sua abertura feminina. — Eu sou. Mimado, devasso e estou morrendo de desejo. Aquilo foi o suficiente para que ela risse, mas o riso se transformou em um gemido baixo quando ele acariciou-a no ponto mais sensível do seu sexo. Elizabeth abriu-se para que ele pudesse tocá-la melhor. Mais profundamente. Enquanto Aiden usava os dedos para estimulá-la, beijava seu pescoço, seu ombro, mordiscava o lóbulo da orelha. Os sons que ela não conseguia evitar a deixariam constrangida, antes. O duque libertou o seu lado mais impudico. E ele demonstrava satisfação em fazê-la gemer, provocando-a e excitando-a ao máximo. Os carinhos cessaram e ela abriu os olhos querendo protestar. Viu Aiden crescer em seu campo de visão e entrar na banheira com ela. — Aiden. — Ela se encolheu, dobrando as pernas. — Não há espaço para nós dois. — Da forma como eu planejo ficar, há bastante espaço. O duque riu e acomodou-se, erguendo-a pela cintura para fazer com que ela se sentasse sobre suas pernas. A água estava esfriando, não importava. A compreensão daquele corpo nu e excitado no qual ela estava apoiada fez com que ela desejasse ser possuída. Imediatamente. Ele não tinha mais o sorriso em seus lábios. Olhava para ela com desejo e reverência, passando as mãos espalmadas pelos seus braços, pernas, barriga. A expressão dele era perturbadora e capaz de confundi-la. A posição era incômoda mas não atrapalhou que Elizabeth segurasse o membro rígido do homem e sentasse sobre ele, permitindo uma penetração profunda. Daquela vez ele não tinha pressa. Com as mãos apoiadas nos ombros dele e os joelhos dobrados dentro do espaço reduzido, ela o cavalgou lentamente enquanto ele esfregava seu botão rosado com o polegar. Mais uma vez, Aiden não permitiu que ela atingisse o clímax. Ergueu-se da banheira, derramando água pelo chão, e jogou-a sobre o colchão macio da cama que estava pronta esperando por eles. Depois, forçou os joelhos dela abertos e levou a boca até o centro de sua intimidade. Elizabeth praguejou e se contorceu com a língua dele em suas partes íntimas. Não era a primeira vez. Ela já sabia que não era ilegal, ao menos para as leis britânicas. Porém, as sensações foram mais inebriantes. Talvez porque ela o desejasse mais, ou porque ele já a havia estimulado o suficiente.

Todo o interior dela pulsava e ansiava por um contato mais profundo. — Aiden, por favor. — Ela disse, a voz embargada pelo prazer iminente. O duque lambia e chupava o feixe de nervos intumescido e protuberante em sua feminilidade e quase lhe tirava os sentidos. — Por favor, me possua. — Não agora, minha querida. — Ele a penetrou com os dedos para proporcionar algum alívio. — Como eu disse, ainda há muito o que eu queira fazer. Vamos nos divertir muito essa noite. Ela quis dizer que obviamente eles não tinham muito mais tempo, mas foi silenciada pela boca dele novamente. Aiden a beijou, sugou os lábios, passou a língua pelos mamilos tesos. Segurou um com o dente e mordiscou enquanto acariciava-a entre as pernas. Toda vez que Elizabeth sentia que iria explodir em um prazer inebriante, ele retrocedia e começava tudo novamente. Até que ele a atendeu e a penetrou enquanto mantinha os estímulos na zona mais sensível da sua intimidade. Elizabeth cravou os dedos nos lençóis e arqueou os quadris para receber o orgasmo mais intenso de sua vida. Ela não tinha experiência naquelas sensações. Depois de conhecer Aiden ela teve certeza que nunca tivera nenhum tipo de prazer como aquele durante o ato sexual. O duque fazia com que ela desejasse ser tocada, penetrada e manipulada. Fazia com que ela quisesse passar um dia inteiro sendo beijada e possuída por dele.

A mulher era deliciosa. Vê-la gozar em sua boca, em sua mão, enquanto ele a possuía, dava a Aiden uma sensação de poder que ele achava já ter sentido outras vezes. Mas não. Havia algo diferente nela. Podia ser a resistência da governanta em ceder às suas propostas de tomá-la como amante. Mulheres difíceis eram sempre mais intrigantes. Porém ele suspeitava que era algo mais do que a sedução pela caçada. Por mais que o duque gostasse de ser desafiado, não era apenas o desafio que o atraía. Ele estava olhando para ela havia vários minutos. Era tarde, muito tarde, e até os ruídos do bosque estavam silenciosos. Os dois já tinham feito amor três vezes desde que chegaram à casa do poço e Elizabeth cochilava nos braços dele. Os cabelos loiros e cacheados estavam desgrenhados, ela tinha as bochechas rosadas e a respiração suave. A imagem fez com que o coração dele pulasse algumas batidas. Todo o

corpo dela era de uma beleza que ele ainda não vira. A pele era branca e macia como se uma porcelana pudesse ser estofada com algodão. Os seios eram fartos, os mamilos rosados e do tamanho perfeito. Para ele. Ela era perfeita para ele. E, ainda assim, Elizabeth guardava algumas marcas de quem ela era. Pequenas cicatrizes, calos nas mãos, notas de que sua pele fora castigada pelo tempo sem os cuidados merecidos. Nada que diminuisse sua beleza. Ao contrário, aquelas marcas davam a ela personalidade. Elizabeth era única. Aiden aconchegou-se ao lado dela, garantindo que a mulher não acordasse, e adormeceu. A exaustão do dia e da noite fizeram com que ele dormisse profundamente até os primeiros raios de sol penetrarem pelo vidro da janela, fazendo-o despertar. — Volte para a cama. Ele se ajeitou entre os lençóis quando viu Elizabeth saindo da banheira. Ela já tinha acordado, tomado banho e estava pronta para voltar para a vida real. E a vida real não permitia que eles ficassem juntos. — Bom dia, Alteza. — Ela lhe sorriu. — Está na hora de retomar minhas atividades. Os criados vão questionar onde estive e terei que inventar mentiras. Meus filhos já devem ter acordado e também vão me questionar. Eu não deveria ter dormido tanto. Aiden se levantou, vestiu suas calças e a interceptou no meio do quarto. Ajudou-a a abotoar as saias e ordenou que ela se sentasse à frente do espelho. Ele também queria ajudá-la com os cabelos. O duque adorava os cabelos de Elizabeth. — Não tenho nenhuma vontade de voltar. Gostaria de ficar aqui pelo dia inteiro. Talvez o final de semana. Mas aguardarei que você saia para que não sejamos vistos juntos. Ela lhe sorriu e ele não resistiu. Fez com que se levantasse e a beijou na boca. Elizabeth se abriu para recebê-lo, a lingua tocando a dele como se fosse veludo e seda.

Claro que Elizabeth estava perdendo o juízo. Louca, talvez, como se a doença não lhe tivesse afetado os pulmões, mas a cabeça. Ainda assim, saiu sorrindo da casa do poço. Cada momento compartilhado com o duque fazia sua visão mais clara, o dia mais ensolarado e o cantar dos pássaros mais belo. A mesma realidade que a impedia de ser a nova duquesa também a fazia sorrir como as

mocinhas tolas dos romances. Ela não conseguiu enganar nenhum dos empregados, mas eles também não lhe perguntaram nada. Os filhos estavam acordados e sendo alimentados por Loretta, que adorava entupir os pequenos de pães e bolos logo nos primeiros minutos da manhã. — Eles me ajudam provando a comida. — Era a desculpa que ela dava. Elizabeth sabia que a solteirona desenvolvera afeto pelos meninos e fazia aquilo porque queria cuidar deles. Depois de vestir uma roupa mais adequada à manhã de atividades da casa, a governanta foi coordenar a preparação do desjejum porque os homens sairiam para caçar. — Não consigo entender o prazer em perseguir animais indefesos. Ela resmungou enquanto conferia as louças que Gertie estava secando. As criadas estavam no salão principal. As cortinas de tecido bordado, estampadas com dourado, estavam abertas e havia muita luz solar penetrando pelas janelas. — Mas eles não caçam animais! — Gertie respondeu a uma pergunta não feita. — A senhora não sabe? O duque é contra maltratar animais. A caçada é uma espécie de busca por um tesouro escondido. Os cães sentem o cheiro que os criados deixaram nas pistas e o prêmio final é sempre algo muito valioso. — Por isso os nobres adoram a caçada dos Trowsdale! Outra criada demonstrou animação. Elas começaram a falar sobre as vantagens de se trabalhar para a família, mesmo com a presença da duquesa na casa. Elogios ao duque e a Lady Agatha, elogios ao falecido Albert Trowsdale, elogios os eventos e festas que eles faziam e aos trabalhos comunitários que eles conduziam. Se Elizabeth já não estivesse apaixonada pelo duque, ela imaginaria que aquela conversa era um plano de Lady Agatha para mostrar a ela o quanto o irmão era um homem interessante. Depois de supervisionar o salão e garantir que tudo estava perfeito, Elizabeth precisava ir à vila buscar algumas encomendas. Pediu que a carruagem dos empregados a levasse para não ficar muito tempo fora. Sua programação costumava ser impecável, ela nunca se atrasava ou deixava de cumprir o cronograma. Sem intercorrências, estaria de volta logo após os convidados terminarem a refeição e poderia, assim, organizar o salão de baile como desejava quando todos estivessem na caçada. Mas, quando ela retornou para Thanet Bay, carregando caixas e mais caixas de ornamentos para decoração, percebeu uma agitação nos estábulos. O jovem Reggie estava nervoso e, assim que ela saiu da carruagem, veio

correndo ao seu encontro. Sua expressão era de medo e o menino estava branco como cera de vela. — Sra. Collingworth. Sra. Collingworth, o Patrick. A menção do nome de seu filho fez com que ela quase derrubasse a caixa que carregava. — O que tem o Patrick, Reggie? — Ele pegou um cavalo e saiu, senhora. Tem poucos minutos, eu tentei impedir mas ele é muito rápido. Ia montar para ir atrás dele mas vi a senhora chegando. Reggie estava agitado e atropelando a fala. James Hodges apareceu para intervir ao ver o filho transtornado. — Como assim ele pegou um cavalo? — O que houve para ele fazer isso, Reggie? — Hodges questionou. — Você fez algo com ele? — Não. Ele saiu da casa, correndo. Estava chorando. O centro de gravidade de Elizabeth girou e ela precisou ser amparada pelo cavalariço para não cair ao chão. Aquilo não fazia sentido para ela. Patrick sempre fora um garoto tranquilo e muito educado. Ele nunca pegaria um cavalo sem permissão e sairia galopando pela propriedade se algo muito grave não tivesse acontecido. — Reggie, reúna alguns homens. Vou levar a Sra. Collingworth para dentro e vamos sair em busca do garoto. Chame os arrendatários e seja rápido.

Capítulo vigésimo quarto

A BUSCA por Patrick gerou uma comoção que se espalhou rapidamente por Thanet Bay. Elizabeth não quis aceitar ser conduzida para a mansão, mas ela tremia muito e não estava em condições de ficar de pé. Loretta preparou um chá de valeriana e fez com que ela bebesse, enquanto uma operação de resgate era montada nos bastidores. Hodges conseguiu reunir três dos arrendatários. O ajudante do estábulo ficaria porque os nobres estavam já saindo para perseguir o tesouro. Para não perturbar o evento, o cavalariço decidiu conduzir a busca como uma atividade paralela. Esforçou-se para evitar que os convidados percebessem qualquer movimentação que não fosse aquela planejada para eles. Mas ele não conseguiu enganar o Duque de Shaftesbury. Vestindo uma calça de montaria de camurça escura, camisa branca e colete de brocado, Aiden Trowsdale percebeu que alguns dos seus arrendatários estavam ali nos estábulos e que as baias estavam todas vazias. Os cavalos menos valiosos tinham sido retirados e estavam selados nos fundos do estábulo. — Há algo errado. — Aiden disse, atraindo a atenção do conde. Edward aproximou-se para ver o mesmo que via o amigo. — Sr. Hodges, por que os arrendatários estão nos estábulos e porque os cavalos estão selados nos fundos? O cavalariço se aproximou com algum receio. O duque era um homem gentil, mas seu excesso de autoridade fazia com que os criados temessem algumas explosões. — Eles vão sair em uma busca pela propriedade, Alteza. — Busca de que? — O filho da governanta. Ele desapareceu e vamos procurar o menino.

A informação atingiu o duque como um soco no queixo ou uma pontada do florete. Ele olhou ao redor mas não viu Elizabeth. — Explique-me isso. Quem desapareceu e o que houve? — Não sabemos direito, Alteza. Meu filho, Reggie, viu o jovem Patrick sair correndo da casa, pegar um cavalo sem sela e galopar descontrolado pelo campo. Prometemos à Sra. Collingworth que acharíamos o menino. Ninguém sabe por que ele fugiu. Aiden ficou em silêncio por alguns segundos para organizar o pensamento. O filho de Elizabeth estava em perigo e aquela informação era muito importante. — Há quanto tempo foi isso? — O conde perguntou. — Menos de meia hora, milorde. — Avise aos convidados que a caçada mudou. — Aiden disse. — Vamos todos sair em busca do menino. Quero todos os homens disponíveis e indisponíveis em um cavalo. Vamos varrer cada centímetro dessa propriedade e vamos até a vila, mas não retornamos para cá sem o garoto. — Sim, senhor. — Hodges fez um movimento com a cabeça — Convocarei todos os criados. — É uma ordem minha, Sr. Hodges. — O duque insistiu. — Não aceito nenhuma escusa de ninguém. Quem não estiver doente ou inválido nessa propriedade deve montar um cavalo e ajudar a encontrar Patrick. Eu vou conseguir roupas dele para provocar os cães. Edward… Aiden virou-se para o amigo, que já estava segurando as rédeas de seu puro-sangue. O conde costumava entendê-lo mesmo antes de dizer alguma coisa. — Eu coordenarei as buscas no bosque. Pedirei a Sawbridge que organize uma expedição até a vila. Vá falar com ela.

Quando Elizabeth viu o duque se aproximando, ela não conseguira notar toda a mobilização na casa. As mulheres estavam reunidas no jardim e observavam, sem compreender bem, os homens se organizando em grupos. A conversa se dava de ouvido em ouvido e, se ela estivesse consciente do que estava acontecendo, saberia que a a fofoca não a pouparia. Não daquela vez. Mas tudo que ocupava sua mente era Patrick. Ela ainda não sabia onde

estava Peter, tudo tinha acontecido há minutos. O chá de Loretta não tinha produzido efeito ainda quando o duque segurou-a pelas mãos. O movimento parou. Dava para ouvir um gota de orvalho tocar a relva. As criadas que as cercavam se afastaram e foram cuidar de outros afazeres. As mulheres no jardim se viraram. Aiden usava luvas, mas ele segurou a mão despida de Elizabeth entre as suas. A forma como ele fez aquilo era íntima demais. Um duque não deveria ter aquela intimidade com uma governanta. — O que houve? Ele perguntou, no instante em que Peter apareceu. O pequeno estava escondido na cozinha e se aproximou ao ver o duque. — Eu não sei. Cheguei da vila e Reggie veio falar comigo. Eu preciso achá-lo, Aiden, eu tenho que… eu não posso… — Acalme-se. — O duque esfregou os dedos dela. — Nós vamos encontrá-lo. Todos os homens vão procurá-lo e ele não deve ter ido longe. Provavelmente se aborreceu com alguma coisa. — Foi a senhora elegante. — Peter murmurou por trás da saia da mãe. Aiden ajoelhou e indicou que o menino devia se aproximar. — Ela brigou com Patrick e ele ficou triste. — Que senhora, Peter? — O duque segurou o menino pelos ombros. Peter parecia assustado. — Qual das damas brigou com seu irmão? — A fada. — O pequeno murmurou. — Ela tem os cabelos prateados como uma fada, não tem? A expressão estampada na face do duque indicava que ele sabia de quem Peter estava falando. Elizabeth também sabia. Não era novidade que a duquesa não gostava de crianças. Mas eles não esperavam que ela fosse ofender tanto um menino a ponto de fazê-lo fugir. — O que ela disse para o Patrick? — Aiden insistiu. — Ele estava na biblioteca procurando o gato. Ele foge muito, Alteza. Ela disse que ele tinha que ir embora. Que criados não podiam estar ali, que ele não era bem vindo na casa. Elizabeth pegou Peter no colo. O filho mais novo era pequeno, mas muito esperto. Poucas coisas o incomodavam e ele jamais teria se afetado tanto com uma fala da duquesa. Já Patrick era muito sensível. O duque se levantou e limpou a poeira dos joelhos. — Vou trazer seu filho de volta. — Eu também vou procurá-lo. Pegarei com o Sr. Hodges um cavalo e… — Você não vai a lugar algum, Elizabeth. — O duque interrompeu-a. —

É muito perigoso para uma mulher sair cavalgando por bosques. — Aiden, é o meu filho. Eu vou sair atrás dele com ou sem sua autorização. Se quiser garantir minha segurança, leve-me com você. Nenhum dos dois notou a informalidade do tratamento na frente dos criados. Menos ainda se preocuparam que alguém estivesse ouvindo. O duque fitou Elizabeth por alguns segundos. Eles estavam perdendo tempo. — A senhora sabe montar? — Eu monto com as pernas passadas pelo cavalo. Como você. — Pelos céus! — Aiden pressionou as têmporas. — E como pretende fazer isso com esse vestido? — Dê-me um minuto. Eu tenho vestes de montaria. E ela tinha, realmente. Elizabeth não tinha a oportunidade de cavalgar há muito tempo, mas ela adorava fazer isso como se fosse um homem. Nunca conseguiu se adaptar à sela feminina, nem à cavalgada com saias. Entregando Peter para que Loretta cuidasse, ela foi até seu quarto e vestiu sua roupa de montaria. Ainda servia perfeitamente. Talvez estivesse um pouco justa nos quadris. Mas ela iria procurar por Patrick, mesmo que isso lhe custasse o restante de dignidade que sobrava.

Quando Elizabeth chegou vestindo calças, o duque se dividiu entre a vontade de cobri-la com uma toalha de mesa e tomá-la em seus braços e beijá-la. Ela tinha conseguido um meio de provocá-lo ainda mais. O tecido envolvia as pernas dela e deixava suas formas femininas em destaque. Ele iria enlouquecer duas vezes até aquela busca acabar. — Hodges vai te dar um cavalo. Não saia do meu lado. A necessidade de protegê-la de qualquer coisa era tão forte quanto a preocupação em encontrar o menino desaparecido. O duque não tivera muito tempo para conviver com as crianças, mas elas eram os filhos daquela mulher. Os sentimentos por Elizabeth ainda não estavam claros, mas ele não podia negar que ela o afetava como ainda não fora afetado por ninguém. Depois que ela estava montada, Aiden comandou um grupo que também contava com o cavalariço Hodges, o Visconde de Whitby e Lorde McFadden, o segundo filho na família de Edward. Eles iriam até as ruínas do lago e encontrariam o grupo que fora até a vila em seguida. O dia ainda estava claro e o verão proporcionava um período mais longo de luz solar. Para cobrir uma área maior, os cavaleiros se afastaram enquanto

chamava por Patrick, mantendo contato apenas visual. O cavalo de Elizabeth seguia o de Aiden. Ele não permitiria que ela se distanciasse. — Alteza. Patrick é muito fechado. Se o avistarmos, deixe que eu fale com ele. — Como desejar. Eu gostaria de me desculpar por minha mãe. Não sei o que ela disse, mas… — Mas não é sua culpa para que a assuma. — Ela o interrompeu. Aiden sorriu, mesmo na tensão do momento. Por mais estranho que fosse, ele adorava ser interrompido por ela. A busca prosseguiu até chegarem às ruínas e não encontrarem nada. Não havia nem mesmo rastro do cavalo que Patrick teria montado. Como ainda havia bastante luz, o grupo decidiu adentrar no bosque para se encontrar com o Conde de Cornwall. De minuto em minuto, o duque conferia como estava Elizabeth. Ela aparentava serenidade, ele suspeitava que era apenas fachada. Antes de avistarem o outro grupo, ouviram um grito. — Onde foi isso? — O visconde perguntou, aproximando-se do duque. — À frente, tem uma clareira. — Foi Patrick. — Elizabeth confirmou e disparou seu cavalo. O mestiço passou pelos outros do grupo e desapareceu por entre as árvores. Aiden não podia acreditar no que estava acontecendo. Ele odiava perder o controle das coisas e podia afirmar que, naquele momento, não tinha o controle de mais nada. Fez com que seu cavalo seguisse o de Elizabeth por entre galhos e folhas secas, até vê-la parar e desmontar e se ajoelhar. Aquela era a cena mais triste que ele já vira. O cavalo que o menino montava não estava à vista, mas o duque pode ver o pequeno corpo imóvel da criança no meio da folhagem. Sem saber o que tinha ocorrido, tudo que ele pode fazer foi rezar. O Duque de Shaftesbury era religioso, mas aquilo não dizia que Aiden costumava expressar sua religiosidade com frequência. Ele costumava frequentar a igreja e fazer caridade, mas nem sempre pensava no Divino com o devido respeito. Naquele momento, ele desejou com toda a sua força que houvesse um Deus. E que aquele Deus não tivesse levado o filho de Elizabeth. Ele não resistiria vê-la definhar como viu acontecer com sua mãe. — Aiden! — Ela chamou pelo nome dele, erguendo o menino do chão. — Ele bateu com a cabeça. — Venha comigo, no meu cavalo.

Ele ofereceu a mão para pegar Patrick. Elizabeth hesitou em entregar o filho, mas o duque ofertou-lhe um olhar de segurança. Ele não deixaria que nada acontecesse com aquele garoto. Nada que ele pudesse impedir. Ela então subiu no cavalo e se colocou à frente de Aiden, tomando o filho novamente. Os outros cavalos chegaram e o grupo de Edward também os encontrou. Aiden ordenou a Hodges que fosse buscar o doutor Davies e disparou na direção da mansão.

A chegada da comitiva causou mais rebuliço do que a partida. As mulheres tomavam chá na varanda do solário quando perceberam o retorno dos homens e foram bisbilhotar para descobrir o que estava acontecendo. As fofocas não confirmadas pelas criadas indicavam que o filho da governanta fugiu e o duque, um homem magnânimo e muito altruísta, decidiu ajudar a encontrá-lo. Caroline Eckley sabia que era muito mais do que aquilo. Ela conhecia Aiden melhor do que aquelas damas alienadas e não acreditava que o deslocamento da programação se desse apenas a um surto de bondade. O duque destacaria seus criados e arrendatários para encontrar o menino e prosseguiria com sua caçada. Afinal, era a caçada dos Trowsdale, o maior evento de Kent em todo verão. Quando viu o puro-sangue marrom apontar no horizonte, ela teve certeza que seu amante estava escondendo algo. Na noite anterior ele não estava em seu quarto. Ela foi até ele, bateu à porta, mas Aiden não respondeu. Não havia velas acesas, nada que indicasse que ele retornara depois de uma escapada pelo campo. E, então, ele retornava da busca com a governanta sentada em seu colo. A forma como ele conduzia o cavalo e, ao mesmo tempo, protegia a Sra. Collingworth era tocante. Lady Eckley não teve dificuldade de identificar o gesto como cuidado. Carinho. Algo que um homem só faria por alguém que ele nutrisse sentimentos de afeto. O Duque de Shaftesbury estava envolvido com a governanta.

Elizabeth lembrava da ausência de sentidos apenas quando perdeu Gregory. A cólera era cruel e já tinha levado muitos conhecidos e amigos, mas a perda do marido a deixou desorientada. Peter, ainda recém nascido, chorara por horas até que ela conseguira dar a ele a atenção necessária. Talvez aquilo tivesse influenciado nas atitudes de Patrick. O filho mais velho era uma criancinha quando precisou lidar com a perda súbita do pai. E então ela estava vivendo tudo aquilo de novo. Desde o momento em que viu Patrick no chão, tudo não passava de uma sucessão de eventos que iniciavam mas não terminavam. Ela não veria, se terminassem. Sentada à beira da cama onde o filho dormia, ela segurava a mão dele enquanto as pessoas estavam alvoroçadas indo e vindo. Gretha colocou um pano frio na cabeça ferida de Patrick. Havia um calombo em sua testa e a pele estava machucada. John segurava um crucifixo e fazia uma oração. Geoffrey trouxe um odorizante alcoólico e levou ao nariz do menino para que ele cheirasse. Até o doutor Davies chegar, dias poderiam ter se passado sem que ela sequer percebesse. O barulho das vozes era ouvido, mas não lhe importava. — Aiden. — Lady Agatha disse, em baixa voz. Elizabeth sabia que ele estava ali, o duque. Ela quase podia sentir a mão dele em seu ombro. — Vá entreter os convidados. Eu ficarei aqui com ela. Elizabeth também não notou a negativa dele. O movimento de cabeça que indicara que não, ele não sairia daquele quarto. Mas ele precisava ir. Lady Agatha tinha razão e os convidados não podiam ser deixados sozinhos. Os comentários se intensificariam e a duquesa… — Se você insistir em ser cabeça dura, mamãe vai surgir aqui para saber o que está acontecendo. — Mamãe. — Aiden repetiu a irmã em uma súbita realização de algo. — A duquesa. Ela causou tudo isso. Foi por causa dela que o menino fugiu. — Ela é uma pessoa má. Cruel. Nós sabemos que ela é assim mas, de qualquer forma, é nossa mãe. — Ela quase matou uma criança, Agatha! — A voz do duque se intensificou. — Não dá mais para ser complacente com as atitudes dela. Mamãe passou dos limites e isso eu não vou tolerar. Aiden rompeu para fora do quarto no mesmo instante em que Hodges chegou, arfante, com o médico. O duque teve tempo de recomendar ao doutor que fizesse tudo que estivesse ao alcance da medicina para curar o menino. Que não faltaria dinheiro para pagar as despesas nem recursos para tratá-lo.

Enquanto as mulheres fofocavam no salão de chá, Myrtle Trowsdale imaginava como faria para impedir que aquilo se espalhasse. Eles estavam ali em Kent, um pouco afastados do furor londrino que ela há muito desconhecia, mas o escândalo não demoraria a se alastrar como erva daninha. Ela bebericava sua xícara com Earl Grey quando Aiden entrou salão adentro. As damas se agitaram. As solteiras estavam animadas, mesmo depois de terem visto o duque chegar com Elizabeth em seus braços. Para as ingênuas perseguidoras de maridos nobres, ele era um herói. O salvador de crianças indefesas, aquele que devolvia os filhos perdidos para suas mães. Para as mais velhas, era apenas um devasso incorrigível que fizera da governanta o mais novo nome no seu interminável rol de amantes. — Mamãe. — Aiden colocou-se à frente de Myrtle. Seus cabelos estavam desgrenhados e ele não se preocupou com a aparência. Era incomum que o duque se postasse tão desalinhado na frente dos convidados, mas aquele era um dia atípico. — Nós precisamos conversar. O que a senhora disse ao menino Collingworth antes de ele sair galopando daqui? O burburinho de vozes indicava que todas estavam prestando atenção no duque. — Nada demais. Por que acha que eu tenho algo a ver com o que aconteceu? — Porque a senhora tem. Diga, o que foi que a senhora falou que o transtornou tanto? — Já disse, Aiden - nada. O pirralho é muito sensível, eu apenas o impedi de continuar mexendo nos livros. Aiden pressionou as têmporas com os dedos, visivelmente perturbado. A vontade de agredir a mãe era quase maior do que seu autocontrole. Era a primeira vez em sua vida que ele não sentia pena de Myrtle, nem se compadecia da condição dela. — Mamãe, ele não estava “mexendo nos livros”. Estava procurando um gatinho fujão. Mesmo assim, Patrick está aprendendo a ler e eu deixei que lesse os títulos na biblioteca. Ele tem minha autorização para estar onde quiser nessa casa. A senhora não pode achar que manda na minha casa. Minha. Casa. — Ele enfatizou as palavras. Sua voz saía como um rosnado. O Duque estava perto de uma síncope. — Se alguma coisa acontecer com esse menino, o sangue dele estará nas suas mãos.

— Você é muito ingênuo se não consegue ver que está sendo manipulado por essa família. — A duquesa se levantou. Emma se aproximou, mas ela escorraçou a criada. — A governanta… — Elizabeth é uma mulher honrada. — Ele a interrompeu e fez com que se sentasse novamente. A duquesa quase caiu no sofá. — Ela foi contratada por mim e os filhos dela são bem-vindos nessa casa. Se a senhora fizer qualquer coisa que a incomode ou atacar aqueles meninos novamente, eu prometo que Paris será um destino próximo demais para suas próximas férias. Aquele era o fim do resquício de controle que restava ao duque. Ele saiu pisando forte do salão. Não cumprimentou as damas, não demonstrou nenhuma elegância nem fineza ao bater a porta atrás de si. Se continuasse ali, Aiden faria algo do que se arrependeria. A mãe poderia ser uma alma sem salvação, mas aquela tinha sido a última maldade da duquesa.

Capítulo vigésimo quinto

D AVIES ERA um bom médico e Elizabeth não tinha motivos para não acreditar nele. Se ele dissera que seu filho estava bem, então não havia nada a temer. Pouco antes do doutor chegar, Patrick acordou assustado. Estava agitado e precisou da mãe para ser contido. O médico o examinou e encontrou um concussão apenas, nada grave. Pediu repouso, muito líquido e compressa para a dor. A situação fez com que Elizabeth precisasse considerar algumas coisas. Desde o momento em que segurou o corpo inerte de seu filho, ela se culpou. Se estivesse em casa para protegê-lo, aquilo não teria acontecido. Patrick teria ido até ela. Ele se sentiria seguro com ela. E ela explicaria para ele que a duquesa era uma mulher amarga e cruel. Que ele não deveria se sentir diminuído pelo que ela falasse. Mas Elizabeth passou a vida trabalhando e estando ausente. Tinha que estar ausente ou não levava comida para casa. Os filhos ficavam mais tempo com estranhos do que com ela. Aquilo tinha que acabar. Ela não toleraria mais uma vida de ausências. De faltas. De não ter o que comer, ou de precisar se submeter aos trabalhos mais degradantes. Isso dava a ela duas opções. Casava-se com Hodges e se tornava dona de casa, novamente, ou se entregava ao duque e sua proposta indecente. Era como se não houvesse opção. Por mais digno que James Hodges fosse, ela não sentia nada por ele além de respeito e admiração. Um homem de certa instrução, devotado a seu filho. Ela poderia tê-lo como marido, mas se sentira impura se pensasse no duque toda vez que se deitasse com Hodges. Ser amante de alguém nunca passou por sua cabeça. Por não achar que seria sequer considerada por um nobre endinheirado ou por não aceitar

tamanha humilhação. Mas, seria mesmo tão humilhante assim ser cuidada por um homem que ela amava? Ludibriar as rígidas exigências de uma sociedade impiedosa, para viver ao lado do homem por quem seu coração clamava, parecia mais uma forma de rebeldia do que uma vergonha. Os nobres estavam descansando antes da soirée e exigindo pouco de sua atenção. Elizabeth lavava roupas pessoais quando ele chegou. Ela tinha passado o tempo quase todo ao lado da cama de Patrick e se afastou apenas porque ele dormia tranquilo. O duque tinha tomado banho, se barbeado e vestia roupas limpas e engomadas. A calça bege ficava justa em suas coxas musculosas e ela não deveria estar olhando para os quadris dele enquanto seu filho dormia depois de um grave acidente. — Como ele está? Aiden parecia saber que a lavanderia conferia privacidade suficiente. Nenhum nobre ou convidado iria ali. Os criados eram todos de confiança. — Vai ficar bem. O doutor disse que foi uma pancada forte, mas crianças se recuperam rápido. — Minha mãe pagará por ter sido tão cruel. — Ele a tocou no ombro, mas Elizabeth não estava bem para ser tocada. Ela se afastou sutilmente. — Se a senhora preferir não mais ficar na mesma casa que ela, eu posso conseguir que trabalhe para o Conde de Cornwall. Edward não vai negar-me esse pedido e assim a senhora não precisará lidar com a duquesa novamente. Elizabeth virou-se e o encarou. Ele dizia que arrumaria para ela um emprego em outro lugar apenas para que não se sentisse mal. Se ela não o conhecesse, pensaria que Aiden pretendia livrar-se dela. Mas Elizabeth entendeu suas intenções ao olhar em seus olhos. Havia dor e agonia no escuro que a engolia. A expressão rígida do duque entregava a contradição dentro dele. — Eu não me importo com a duquesa. Ela pode ser uma mulher cruel mas quem deveria estar aqui para proteger meu filho era eu. São sete anos de privações em que Patrick não pode ter a mãe em tempo integral. Estou cansada, Alteza, exausta. Ela explodiu e largou a roupa que estava segurando, baixando os braços na lateral do corpo. Seu coração batia rapidamente. — Não é culpa sua. — Não será mais culpa minha. A sua oferta ainda está disponível? O duque levou dez segundos para entender a pergunta que ela lhe fez. Seu olhar era confuso até que ele ergueu uma sobrancelha e a encarou.

— Até que a senhora a aceite, sim. — Então considere-a aceita. Eu quero que Vossa Graça seja meu protetor, desde que prometa garantir o futuro dos meus filhos. Um relâmpago cruzou o céu e, em seguida, um trovão anunciou a tempestade. Não era incomum chover nos verões do litoral, mas não havia nada que prenunciasse a chuva, antes. Aiden levou a mão para tocá-la novamente. Daquela vez, Elizabeth aceitou. Assim como aceitou quando ele a puxou para um abraço. A tensão do dia desabou sobre ela como os pingos grossos que caíam do lado de fora da casa. Abalada, Elizabeth mal percebeu quando começou a chorar e foi amparada pelos braços fortes do duque. — Por favor, não chore. — Ele beijou o topo da cabeça dela. — Não posso permitir que aceite ser minha amante se isso lhe causa tanto mal. — Não é isso. Eu estou exausta, Aiden. Eu só quero descansar. Quase perdi meu filho, hoje. Eu não quero perder mais ninguém. Ele levou a mão até o queixo dela e o ergueu. — Vou pedir que meus advogados elaborem um contrato. Abrirei um fundo em nome dos seus filhos e eles serão matriculados nas escolas que você desejar. Também comprarei alguns bens e colocarei em seu nome, para garantir que minha ausência não a deixe desamparada. Eu vou cuidar de você como prometi, Elizabeth. Ela sabia. No fundo, Elizabeth sabia que o duque era um bom homem e que cumpriria suas promessas. Em troca de carinho, cuidado e encontros amorosos, ele a trataria como uma princesa. Com a condição de que ela fosse invisível. Não frequentaria a sociedade, não seria vista em público com ele. Se fosse, seria ignorada pelas outras damas e cobiçada pelos outros cavalheiros. Talvez eles disputassem quando ela estaria disponível para que se tornassem seus próximos protetores. A amante do Duque de Shaftesbury teria fama de mulher desejável. Tudo aquilo era repugnante para Elizabeth Baynes, a filha de um burguês que frequentava alguns círculos sociais. A viúva Collingworth, mãe de duas crianças, que trabalhava como criada, não podia se sentir humilhada por uma oferta tão generosa. Muitas mulheres desejariam a posição dela. Ser a amante de um duque era mais do que a maioria delas poderia sonhar. E ela já tinha se entregado para ele. Seu corpo e sua alma já pertenciam a Aiden Trowsdale.

— Quando o senhor se casar… — Eu não vou me casar agora. — Ele a silenciou com um beijo breve. — Eu tenho tempo ainda para produzir herdeiros que satisfaçam as exigências legais para que o ducado permaneça na família. Ah, como ele era bom em iludi-la. Como Aiden era habilidoso em fazê-la acreditar em ilusões, como se ele não tivesse responsabilidades com o título que os impedissem de viver o amor com que ela sonhava. Talvez fosse suficiente que ela o amasse. — Quando o senhor se casar, a sua esposa não me aceitará. — Ela finalizou a frase, mesmo quando ele a segurava nos braços e a distraía com carícias suaves em suas costas. — Eu não me casarei por amor. Minha esposa não me amará a ponto de se importar. Era provável que não. E aquilo, também, poderia ser suficiente. Ela poderia acreditar que, no final de tudo, ele a amasse. Apenas.

Depois de comunicar ao duque sua decisão, Elizabeth precisava romper definitivamente com James Hodges. O homem era bom demais para ser enganado por ela por mais tempo. No que estava pensando quando aceitou ser cortejada por ele? Ela sempre soube que não seria capaz de corresponder ao que ele precisava, nem seria capaz de se casar com um homem sem estar apaixonada. — Foi bom encontrar a senhora. — Ele disse, assim que se viram nos estábulos. — Gostaria de convidá-la para um passeio no litoral. Oh, ele tornava as coisas mais difíceis sendo gentil. Elizabeth tinha sorte em ter James em sua vida, mas ela estava cansada de passar necessidades e de impor aos filhos uma vida miserável. Casar-se com o cavalariço era digno, porém não resolvia os problemas de dinheiro. Quase perder Patrick a fez enxergar tudo em outra perspectiva. Seu filho nunca mais seria humilhado. — Eu terei que recusar, Sr. Hodges. — Ela disse, esperando não magoálo de alguma forma. Sabia que o cavalariço não nutria sentimento algum por ela. Apenas vira nela uma mulher disponível. — Vim aqui porque preciso conversar com o senhor. Eu não posso mais aceitar seu cortejo. Hodges sorriu. Amarrou o cavalo em uma estaca e começou a escová-lo.

A conversa acontecia nos fundos dos estábulos, onde os animais eram lavados e cuidados. — Acredito que entenda seus motivos. Mas, Sra. Collingworth, a senhora sabe que ele não irá assumi-la, não sabe? — Sim, eu sei. Estou trilhando caminhos sinuosos, Sr. Hodges, mas eu preciso ser honesta ainda assim. O senhor merece coisa melhor. Como não tinha mais nada para dizer, Elizabeth fez um movimento com a cabeça e se retirou. Ela podia ter perdido parte da sua dignidade ao aceitar ser amante do duque, mas não precisava arrastar ninguém para o inferno com ela.

Quando John entrou no salão de jantar e convidou os homens para uma apresentação musical, o duque pediu que o visconde o seguisse até o segundo andar. Foram até a sala privativa que dava para o salão de baile. Assim, podiam conversar com privacidade sobre assuntos de negócios. — Espero que tenha me chamado até aqui para dizer que tem interesse em casar-se com minha filha. — O visconde se sentou em uma poltrona de tecido estampado. — Depois da conversa lá em baixo, estou preocupado com você. — Não há motivo para preocupação, Miles. — Aiden serviu brandy em dois copos e entregou um para o amigo. — Eu tenho uma amante, mas você também tem. Isso não afetará em nada meus planos de casamento. — Certo, digamos que isso seja verdade. Por que me chamou, Alteza? — Para dizer que eu não pretendo me casar, agora. Sei que minha mãe anda espalhando boatos, mas eu pretendo esperar um pouco mais. Assumi o ducado há pouco tempo e tenho muito o que fazer antes de me dedicar ao matrimônio. O visconde encarou o copo de bebida por instantes. Aiden sabia que suas palavras impactavam negativamente as expectativas de Miles Westphallen. Todas as mulheres solteiras de Londres queriam ser a próxima Duquesa de Shaftesbury. Todos os homens gostariam de casar suas filhas com o duque. A prosperidade do ducado que ele comandava era motivo de inveja. Mas casar-se com Madeline Westphallen não manteria as fofocas sob controle. Faria com que ele precisasse se dedicar a uma esposa e ele não queria nada daquilo. Não naquele momento.

— Não precisava de formalidade para me informar que não deseja se casar, Alteza. — Gosto de deixar meus negócios às claras. — Aiden levantou e colocou o copo vazio sobre a bandeja. — Não tenho como impedir que falem sobre mim ou cobicem uma posição ao meu lado, mas não quero que meus amigos e parceiros comerciais pensem que estou agindo como um patife. — Pois bem. — Miles Westphallen também se levantou. — Pedirei apenas que impeça a duquesa de continuar iludindo minha filha. Madeline acredita que tem chances de se tornar a próxima duquesa. — Talvez ela tenha. Porém não agora. Caso outro homem, mais bem intencionado que eu, deseje cortejá-la, não serei impedimento para que receba uma proposta mais vantajosa. Aquela era uma atitude razoável e o visconde sabia. Os homens apertaram as mãos e saíram para a apresentação musical. Aiden desejava dançar novamente com a mulher dos seus sonhos, mas teria que se contentar e convencê-la a visitar seu quarto novamente.

— Acho que estamos prestes a ter uma nova duquesa. Gretha disparou a informação, enquanto preparava a carne para o jantar. Loretta bateu com a colher de pau na cabeça da amiga. As ajudantes fingiram que não tinham ouvido nada. Elizabeth inspecionava o cardápio e ergueu o olhar. Peter passou correndo pela cozinha atrás do gato. — Não seja fofoqueira. Como sabe disso? — Vossa Graça tirou agorinha mesmo a Srta Westphallen para dançar. A primeira dança. E Emma já tinha dito que a duquesa prometeu convencer o filho a se casar com ela. — Ela é mais respeitável do que aquela prostituta. — Loretta voltou a mexer o purê de batatas. — Se Vossa Graça se casasse com aquela biscate, eu acho que pediria demissão. — Que tolice! — Gretha riu. — O salário que nos pagam aqui vale aguentar qualquer madame como patroa. Principalmente com ela como governanta. A cozinheira apontou para Elizabeth. Aquilo era um elogio, ela sabia. Mas incomodou-se em ver que o duque rompera a promessa que lhe fez. Se

não pretendia casar-se prontamente, por que cortejava publicamente a jovem Westphallen? Peter passou correndo novamente, daquela vez segurando o gato. Ela precisava sair daquela loucura. Ainda não estava confortável com a decisão de aceitar ser a amante do duque. Não pretendia voltar atrás, as vantagens que ela teria em ser protegida por ele eram muitas. Mas aquele era o preço de sua dignidade. Era a afirmação pública de que ela não era, nem nunca mais seria, uma dama. Elizabeth precisava de paz. Mesmo antes de firmar um contrato com Aiden, ela pretendia pedir a ele que a levasse para outro lugar. Qualquer lugar, desde que não precisasse ficar no meio das fofocas sobre esposas e outras libertinagens do duque. Saiu da cozinha para conferir se o salão estava organizado. No caminho estava a figura esguia e elegante de Caroline Eckley. Ela parecia perdida ali, já que todos estavam no salão de baile. Faltava uma hora para o jantar, mas a lady estava ali, solitária, observando a forma como a louça estava distribuída na mesa. — Sra. Collingworth. — Ela sorriu ao ver Elizabeth. A governanta suspeitou que estava sendo aguardada. — Esperava mesmo vê-la sozinha. — Posso ajudá-la em algo, Lady Eckley? Elizabeth tentou manter a sanidade. Ainda eram dez horas da noite e ela já tinha passado por tudo que era intolerável. Uma noite ao lado do duque. Uma manhã sonhando. Uma tarde de horror. Tomou decisões lógicas, porém indesejadas. Lidar com uma dama inconveniente não poderia ser nada demais. — Eu quero apenas olhar para a senhora. Saber quem é a senhora. Tentar entender o que Aiden viu na senhora. — Vossa Graça me contratou porque tenho ótimas referências. — Ela começou a reorganizar alguns talheres que não estavam impecavelmente dispostos. — Se estiver precisando de uma criada, eu posso… — A senhora sabe quem eu sou? Elizabeth parou o que fazia e ergueu o olhar. — Sim, eu sei quem a senhorita é, milady. — A forma como ela encarou Lady Eckley sugeria que ela sabia. Tudo. Seus olhos transpareceram a vez em que vira a lady saindo do quarto do duque. As fofocas. As ofensas proferidas pelas cozinheiras. — E não sei por que deveria me importar com isso. — Eu vou me casar com o duque. — Lady Eckley disse, sorrindo. Ela

parecia um anjo às avessas, com os cabelos escuros e lisos que caíam por seus ombros descobertos. O vestido vermelho bordado exibia um decote indecoroso. Se fosse uma obra de arte, a dama teria sido esculpida por um devasso. — Esteja a senhora no meu caminho ou não. E eu não vou tolerar que ele tenha amantes. — Isso não é da minha conta, milady. Elizabeth decidiu sair dali, também. Parecia não haver lugar naquela casa em que pudesse respirar sem ser incomodada por alguma coisa ou alguém. Nunca pensou que, como criada, fosse atrair tanta atenção. — É. — Lady Eckley colocou-se à frente da governanta, impedindo-a de cruzar a porta. — Não pense que sou tola. Eu vi como Aiden fala com a senhora, como ele olha para a senhora. O que ele tenta esconder eu consigo perceber. Apenas preciso que fique fora do meu caminho. — Parece-me que é a senhorita que está no meu caminho, milady. — Elizabeth olhou-a de cima em baixo. Lady Eckley era mais alta do que ela e usava um vestido de seda e veludo que encantaria a realeza. Mas ela não estava a fim de ser destratada por uma mulher cuja moral não era nada superior à dela. — E, provavelmente, a senhorita deveria ter essa conversa com Lady Madeline. Pelo que dizem as fofocas, é ela quem se casará com Vossa Graça. Considerando ter dado um recado suficiente, a governante insistiu em passar. A jovem dama deu dois passos para o lado e abriu espaço para que Elizabeth pudesse sair do salão. Exausta e incomodada, ela decidiu que tomaria um banho e afastaria-se do movimento pelo restante da noite. Dormiria ao lado dos seus filhos e se manteria longe do veneno destilado pela sociedade.

Capítulo vigésimo sexto

O DUQUE ESPEROU POR E LIZABETH , mas ela não apareceu. Sabendo que não deveria continuar sendo tão indiscreto em relação a Elizabeth, tentou não procurá-la pela casa à noite. Deu atenção aos seus convidados, mas só conseguia pensar em tê-la nos braços novamente. A frustração quando a manhã chegou sem que ela o tivesse visitado foi grande o suficiente para fazer com que ele deixasse o quarto irritado. Claro que ela não iria até ele. Com um filho se recuperando de um acidente e tantos escândalos pela casa, Elizabeth não seria imprudente. Ela nunca era. Mas saber disso não aplacava a irritação de Aiden. Precisava socar alguma coisa, bater em alguém, quebrar uma parede. Vestiu-se precariamente e foi até o galpão dos fundos. Para sua sorte, Edward estava lá. O conde treinava esgrima e parou ao ver o amigo. — Você está péssimo. Edward apontou para as olheiras que Aiden exibia. Passara a noite em claro sem conseguir acalmar o desejo que fazia seu corpo desconfortável. — Tive uma noite ruim. Está disposto para um desafio? — Eu estou, mas não lutarei novamente com você enquanto estiver tão desfocado. — O conde jogou um rolo de ataduras para cima do duque, que deixou o objeto cair. — Vamos socar alguma coisa, assim essa ansiedade diminui. — Não estou ansioso. Aiden mentiu. Enfaixou as mãos para não se ferir com o saco de areia, enquanto o amigo fazia o mesmo. Depois, desabotoou a camisa e a pendurou em um cabide.

— A Sra. Collingworth saiu. — Edward disse, segurando o saco de areia para que Aiden pudesse socá-lo. — Acordei cedo e fui até a cozinha incomodar as criadas. Ela estava vestida e de saída com Granger. Os dois meninos dela são crianças muito bonitas. — Ela levou os filhos? — Aiden desferiu alguns socos e sentiu uma fisgada no pulso. Cansaço. Mas ele submeteria seu corpo à exaustão absoluta para livrar-se daquele sentimento que o impelia a ficar com Elizabeth em seus braços por um dia inteiro. — Sim, saíram todos de carruagem. Acho que ouvi dizerem que iam comprar provisões. — Vou levá-la para Hampshire. — É uma boa ideia. Vai ter uma casa para ela em Londres, também? O conde empurrou o duque para o lado e trocou de posição com ele. — Eu quero que ela esteja onde eu estiver. — Aiden confessou enquanto ajudava o amigo a treinar. — Não é assim que as coisas são com as amantes, certo? Estou fazendo alguma coisa errada, não estou? — Amantes não são esposas, Aiden. Você está satisfeito com os arranjos que fez com a Sra. Collingworth? Ela está? Acha mesmo que isso vai dar certo? — Eu cuidarei dela, ela terá o luxo de uma princesa, os filhos estudarão em boas escolas. Em troca, eu a terei em minha cama. Por que raios não estaríamos satisfeitos? Edward deu um soco mais forte e Aiden cambaleou para trás. — Porque você não está sendo você mesmo desde que se conheceram. Nunca te vi passar a noite sem dormir e treinar tão desatento. Todo mundo está percebendo que tem algo errado, Aiden. Por que não resolve isso e casa logo com essa mulher? O segundo soco fez com que Aiden caísse sentado no chão. Ele não saberia dizer se o que o nocauteou foi a força do golpe de Edward no saco de areia ou se foram suas palavras. Ele já tinha cogitado casar com Elizabeth. Claro que tinha. O desejo que sentia por ela era tanto que, para tê-la, ele faria a proposta. Mas ela o aceitou como protetor, então a loucura de desposar uma plebeia sem origem não precisava ser levada a cabo. — Eu não posso fazer isso, Edward. Elizabeth nunca seria aceita na sociedade, ela seria massacrada. E eu tenho minhas responsabilidades. Não posso estar no meio de um escândalo.

— Você não liga para a sociedade. Não liga para escândalos. Você sequer deve ter perguntado à mulher a opinião dela. Então, continue com suas desculpas para não enfrentar seus sentimentos por ela. O conde ofereceu a mão para que o duque se levantasse. Depois de bater a terra da calça de camurça, ele ouviu a carruagem retornar. O barulho das crianças. Uma partida de rounders foi organizada próxima ao galpão onde estavam. Enquanto desenfaixava a mão, considerou que atividade ao ar livre seria mais proveitosa do que se esconder do sol. — Vamos ensinar a uns moleques como que se segura um bastão?

O silêncio na mansão significava que as damas não estavam reunidas. Elizabeth procurou por Lady Agatha e não a encontrou em nenhum dos lugares habituais. Descobriu que havia um distúrbio do lado de fora e decidiu conferir do que se tratava. Ela e John eram os responsáveis por manter a ordem e algo lhe disse que os filhos estariam envolvidos na balbúrdia. Ela não estava errada. Mas, para sua surpresa, o causador da agitação era o Duque de Shaftesbury. Ele e o Conde de Cornwall, mais exatamente. Vestindo camisas brancas com botões abertos, mangas dobradas e cabelos despenteados, os homens jogavam rounders com os meninos. Peter entre eles. E havia uma fila de mulheres, com suas sombrinhas, que fingiam tomar sol no jardim para observá-los. — Meu Deus, como ele é lindo. — Lady Sarah suspirou. — Qual deles? Confesso que se trata de uma escolha difícil. O que você acha, Agatha? Lady Agatha quase derrubou sua xícara de chá sobre a saia. Olhou espantada para Lady Madeline, não acreditando na pergunta que lhe era feita. — Pelos céus, Madeline. Um deles é meu irmão, o outro é o seu melhor amigo desagradável. Eu não acho nenhum deles desejável. — E eu nunca imaginei que veria nenhum dos dois se portando de forma tão deselegante. — A duquesa reclamou. Ela estava mais distante, sentada em um canapé. — Eles são homens jovens, Alteza. — Lady Jocelyn tentou amenizar o comportamento dos nobres. — Deixe que se divirtam enquanto não ficam com barrigas enormes que lhes impedem de abotoar as próprias calças.

Algumas damas riram. Elizabeth não sabia como se aproximar de Lady Agatha sem atrair atenção para si, então esperou. Recostada em uma coluna de mármore, ela se distraiu com os homens jogando. Não era difícil de entender por que as mulheres estavam tão entusiasmadas com a cena. A exibição de músculos e pele masculina era sensual. E fez com que ela sentisse um desconforto entre suas pernas. A ardência que a provocou a pressionar as coxas uma na outra era pouco compreendida. Elizabeth nunca se sentira excitada na presença de um homem como ela se sentia pela mera visão do Duque de Shaftesbury. Um toque delicado fez com que ela retornasse para a realidade. — Elizabeth. — Lady Agatha sussurrou próxima a ela. — Precisamos conversar. Venha comigo. A lady arrastou a governanta para dentro enquanto as colegas continuavam a suspirar. Entraram no escritório de Aiden e a jovem dama trancou a porta. — Seu irmão não gostará de nos pegar aqui. — Só as portas dele trancam. Diga-me, as fofocas sugerem que ele será seu protetor. É isso mesmo? A senhora aceitou esse arranjo? Elizabeth olhou ao redor e não soube como responder à pergunta. Dizer a verdade poderia chocar a jovem lady e ela não queria deixar de ser admirada por Lady Agatha. — Sim, milady. Depois do episódio que levou meu filho a cair de um cavalo, eu percebi que preciso passar mais tempo com eles. Que preciso cuidar deles. E de mim, também. Seu irmão me ofereceu isso, não pude recusar. — Sei disso, eu não julgo a senhora. Mas é que… — A lady começou a girar pelo escritório. — Elizabeth, eu não quero que ele se case com essas damas fúteis. Aiden não será feliz com elas. Eu planejei que ele se casasse com a senhora. Eu sei que ele a ama. Elizabeth deu uma risada. Ela não pretendia fazer troça da lady, mas aquela história de que Aiden tinha sentimentos românticos por ela era ridícula. — Não vamos nos casar, milady. Eu sou uma criada, ele um duque. Nos livros, talvez aconteça. Na realidade, homens como seu irmão não se casam para ser felizes. Lamento decepcioná-la. — E sou obrigada a aceitar essas regras sociais horríveis? A frustração no olhar da lady era cortante. Elizabeth preferia não

responder. — Diga-me, a senhorita gostaria de organizar jogos para as damas hoje, no final da tarde, após o chá. Tenho algumas ideias, gostaria de conversar sobre elas? Mudar de assunto faria com que ela não precisasse continuar pensando no que ganhava ou perdia aceitando os arranjos com o duque. E ela gostava de Lady Agatha, seria ótimo poder continuar a conviver com a jovem dama. Talvez até poder ajudá-la quando se casasse. Havia certamente mais vantagens do que desvantagens e ela estava satisfeita com sua decisão.

Depois que conversaram sobre os jogos, Elizabeth garantiu que tudo estivesse em ordem para o almoço e foi até os fundos da casa. Ela não tinha nada para fazer lá, exatamente. Queria apenas um pouco de paz. Com seu livro em mãos, tentou ler mais algumas páginas para descobrir se o malvado marquês obrigaria sua filha a se casar com o nobre ainda mais malvado. Sentou-se à relva, ajeitou as saias e abriu o livro. Uma presença já conhecida fez com que todos os pelos de sua nuca se eriçassem. Mãos quentes tocaram seus cabelos e os soltaram das presilhas. — Vossa Graça sabe que estamos em um lugar público, não sabe? Ela disse sem nem precisar olhar para ele. O cheiro de almíscar e menta, que misturava perfume e loção pós-barba, levaram Elizabeth a fechar os olhos. Ela nunca estava preparada para resistir a ele. — Eu tenho plena consciência disso. Da mesma forma que sei que esse lugar não é frequentado por nenhum dos convidados, que estão se organizando para o almoço. E que estamos distantes o suficiente para não sermos nem vistos, nem ouvidos. Em um segundo, Aiden estava sentado ao lado dela. No outro, ele a deitara sobre a grama. O beijo que se seguiu foi suave, mas urgente. A boca dele estava ansiosa e quente. Elizabeth se rendeu quando a língua dele tocou a sua. — Por Deus, Elizabeth. Por que não foi me ver essa noite? Ele traçou a linha do maxilar dela com carícias. As mãos tocavam-na nos braços e ombros. Ela o segurava pelo colarinho da camisa, impedindo que se afastasse.

— Há muitos rumores sobre nós. Achei que deveríamos silenciá-los, primeiro. — Para o inferno os rumores. — Ele desceu os beijos para o pescoço, a língua ateando fogo por onde tocava. — Eu devo estar fora do meu juízo completo, de tanto que preciso de você. Ah, ela também precisava dele. Daqueles lábios sobre os dela. Aiden ajeitou-se por entre as saias e seu joelho tocou-a na parte interna das coxas. Uma fisgada de prazer fez com que ela arqueasse os quadris na direção dele. — Vossa graça está cortejando Lady Madeline? A pergunta direta fez com que ele parasse com as carícias e a encarasse. — Eu fiz uma promessa de que não me casaria agora. Não sou um homem que rompe promessas, Elizabeth. Nós dançamos. — A primeira dança. Levando as duas mãos aos quadris dele, Elizabeth puxou a camisa de dentro da calça. Deixou que seus dedos tocassem a pele nua do duque. — Você não estava lá. Eu dancei com aquelas damas porque não pude dançar com você. — Isso vai acontecer com frequência, não vai? Ela não quis soar desapontada, mas a forma como colocou a pergunta deu a impressão de que o fato a incomodava. Claro que incomodava. Elizabeth não queria que outras mulheres colocassem as mãos em Aiden. Ela não podia pensar que outras mulheres fossem receber dele a atenção que deveria dedicar a ela. — Eu odeio eventos sociais. — Aiden voltou a beijá-la. Com mais urgência, a boca desceu até os seios. Ele afrouxou os laços da camisa que ela vestia e os expôs para seu deleite. — Eu odeio dançar. Isso vai acontecer o mínimo que eu puder garantir. O duque beijou cada um dos seios dela. Depois, sugou lentamente os mamilos túrgidos, arrancando gemidos constrangedores. Em público. — Elizabeth, você está insatisfeita com nosso arranjo? — Ele perguntou, enquanto as mãos suspendiam as saias. — Não é justo fazer essa pergunta enquanto o senhor me toca… — Ela abafou um rosnado ao senti-lo abrir sua feminilidade com os dedos. — Eu não estou nem um pouco insatisfeita com nada. — Mas preferia que fosse diferente? A risada não saiu alta porque o prazer que ele lhe proporcionava a emudecia.

— Aiden, não tem como ser diferente. — Ela desabotoou as calças dele e puxou seu membro ereto para fora. O duque arqueou as costas pelo toque em sua pele sensível. — Possua-me, eu preciso de você agora. Ele atendeu àquele desejo, como ele já tinha atendido a tudo que ela pedira. O duque a penetrou lentamente, entrando e saindo, garantindo que ela acomodasse todas as partes dele. Elizabeth nem acreditava que toda aquela extensão pudesse caber dentro dela. Com um beijo intenso, ele passou a se mover em estocadas firmes até conduzi-la ao ápice.

No dia seguinte, todos os convidados iriam embora. A casa voltaria a ser como Aiden gostava, vazia. Os compromissos sociais do verão tinham acabado. Ele não se sentia obrigado a atender mais nada a não ser que fosse algum evento organizado por Edward. Só o conde seria capaz de tirá-lo do sossego. Mas Aiden ainda precisaria fingir mais um pouco. Ao menos seu corpo estava satisfeito, mesmo exausto. Depois de um banho e algumas doses de conhaque, ele estava bem o suficiente para continuar a ser o anfitrião. Antes do jantar ser servido, as damas se reuniram para algumas brincadeiras organizadas por Agatha. Sua mãe também estava participando de tudo. A duquesa não havia se dignado a pedir desculpas a Patrick, como Aiden exigira. Mesmo assim, ela não havia mais levantado a voz para ser desagradável com ninguém. Nem mesmo com os criados. A paz parecia finalmente ter sido alcançada em Thanet Bay. Ele apenas não esperava ser pego em uma emboscada. Enquanto escolhia um uísque em sua coleção pessoal, em sua sala privativa, foi encontrado por Lady Eckley. Ela vestia veludo azul e suas formas estavam mais destacadas pelo corpete justo. Os seios, expostos em um decote ousado, chamavam a atenção de todos os homens. O clique da porta se fechando fez com que Aiden se virasse e olhasse para ela. — O que faz aqui, Caroline? Essa sala é exclusiva para os homens. — Vim falar com você. Que história absurda é essa de que a governanta é sua amante, Aiden? E que você vai se casar com Madeline Westphalen? — Não dê ouvidos às fofocas. — Ele continuou o que fazia antes. Precisava do seu melhor uísque para entreter seus convidados. Os nobres,

porque só bebiam o melhor. Os investidores, porque precisava da confiança deles. — No mais, não lhe devo explicações sobre minha vida. Não há nada entre nós que justifique esse tipo de cobrança. O duque ignorou qualquer indignação que pudesse vir da lady. De costas para ela, apenas ouviu a porta bater atrás de si. Caroline Eckley precisava descobrir o seu lugar. Ela não podia continuar insistindo em um relacionamento inexistente. Eles foram amantes, tiveram bons momentos, mas acabou. Quando a porta de rugiu novamente, Aiden decidiu que expulsaria Lady Eckley de sua propriedade. Virou-se abruptamente, segurando a garrafa do uísque escolhido. Tinha algo pronto para dizer a ela e chegou a abrir a boca para falar. Foi surpreendido pela figura soturna de Madeline Westphallen. Até quando as mulheres insistiriam em agir como bem entendessem na casa dele? — Lady Madeline, estou de saída. Essa é minha sala privativa, não costumo receber ninguém que não tenha sido convidado previamente. A dama não disse nada. Aiden percebeu algo estranho nos olhos dela. Uma indecisão, ou a determinação de quem faria algo muito perigoso. Ela usava um vestido rosa pálido que não combinava com sua pele muito clara ou seus cabelos escuros. O duque deveria simplesmente ter saído da sala. Se ele forçasse passagem por ela, a jovem não seria forte o suficiente para segurá-lo. Mas tudo aconteceu muito rapidamente. Lady Madeline levou a mão aos laços em suas costas e os soltou. O corpete afrouxou. Ela usou os dedos para puxar o decote e o tecido fino de seda se rasgou. Botões e enfeites voaram. Aiden assistiu à cena sem reagir. Os seios da mulher estavam expostos. Ela deu dois passos na direção dele e o duque começou a tirar o casaco para cobri-la. Era claro que a jovem estava em um surto. Talvez tivesse bebido ponche demais. Antes que ele conseguisse completar seu objetivo, Lady Madeline jogou-se sobre ele. — A senhorita está louca! — Aiden a empurrou, mas a lady pressionava sua boca sobre a dele. Fora de si, ela parecia mais forte e mais resoluta do que nunca. — Lady Madeline, recomponha-se! O duque a empurrou novamente e a dama caiu sentada no sofá. Com um sorriso maléfico, ela se levantou e se atirou novamente por sobre Aiden. Naquele instante, a porta se abriu outra vez e três homens entraram. Edward McFadden, Grant Sawbridge e Thomas Riderhood.

A cena que eles viram remetera a um tórrido momento de amor. Um homem sem casaco, com o colete mal fechado e os cabelos desarrumados. Uma mulher com o corpete arruinado e os seios de fora. Os dois atracados, nos braços um do outro. Lady Madeline fingiu recato e buscou o casaco do duque, que ela descartara momentos antes, para se cobrir. — O que está havendo aqui? — Riderhood perguntou, mesmo que a resposta fosse óbvia. — Lady Madeline está embriagada. — Aiden tentou explicar o que não parecia possível de ser explicado. Ninguém acreditaria facilmente nele. Sua fama não sugeria que ele fosse um grande respeitador de mulheres. Os boatos já indicavam que ele se casaria com a dama. O cenário era totalmente favorável para que ele a comprometesse. — Madeline? — Lady Sarah surgiu por detrás dos cavalheiros. A porta ainda estava aberta. Nem mesmo Edward foi sagaz o suficiente para trancar a sala e tentar conter o escândalo. Com ela, vinha Lady Agatha. Aquele era um escândalo que ele não podia prever e que daria muito trabalho desfazer.

Capítulo vigésimo sétimo

O S HOMENS ESTAVAM REUNIDOS no escritório do duque. Aiden, seu padrinho Edward, e o Visconde de Whitby. Havia uma certa animosidade no ar, impossível de evitar depois do desagradável episódio na sala privativa. — Como assim Vossa Graça não vai se casar com ela? O visconde não estava satisfeito com a decisão do duque. Mesmo que, pouco antes, Aiden tivesse garantido que não pretendia desposar ninguém no momento, Miles Westphallen certamente esperava que aquilo mudasse após o ocorrido na sala privativa. Mas Aiden não se casaria com uma mulher que era capaz de simular uma situação comprometedora apenas para fisgar um marido. — Não há forma educada de dizer isso, Miles. Mas eu não comprometi a virtude de sua filha. Não toquei em Madeline. — E o que houve então? O que Vossa Graça está tentando sugerir? — O que o duque está dizendo é que Lady Madeline deve estar um pouco alterada pelo ponche. — Edward tentou contemporizar. O dano estava feito. Se Aiden não se casasse com a filha do visconde, eles certamente perderiam o parceiro de negócios. Aquilo afetaria o projeto de Shadwell. Era improvável que Miles Westphallen mantivesse os negócios com o duque depois de uma desfeita como aquela. — Sim, é a explicação mais provável para o ocorrido. — O duque serviu outra dose de conhaque para os cavalheiros. — Eu não posso aceitar um insulto como esse. Miles Westphallen se levantou. O duque se manteria firme na sua posição de não aceitar ser intimidado por um visconde, nem por uma mulher de poucos escrúpulos. Mas seus negócios seriam seriamente prejudicados por

aquela atitude. Seriam, se os gritos femininos que vieram no terraço no segundo andar não chamasse a atenção dos homens. As damas nunca gritavam, o que significava que algo muito estranho estava acontecendo. Eles saíram em direção ao distúrbio e encontraram Lady Madeline acuada em um canto, abraçada a sua irmã mais nova, e Lady Eckley empunhando uma pistola. Aiden não queria acreditar no que estava acontecendo. Caroline Eckley sempre demonstrou alguma instabilidade, mas nunca a ponto de apontar uma arma para alguém. — Você vai falar a verdade agora, sua megera. — Ela gritava e sacudia a pistola. Lady Madeline apenas chorava e se agarrava a Lady Diana. — Pare de se lamuriar e fale a verdade! Havia uma horda de expectadores que não sabia como agir. Outras mulheres estavam apavoradas. Duas tinham passado mal e estavam sendo acudidas por criadas. A esposa do visconde tinha sido retirada do terraço. Os criados aguardavam a chegada do duque para tomar uma atitude. Se tentassem tomar a arma das mãos de Lady Eckley, poderiam falhar e ela atiraria. — Caroline. — Aiden tentou não se aproximar muito. — O que está havendo? Abaixe essa arma. — Não. Eu só farei isso quando ela contar que armou para você. Ela precisa confessar, ninguém vai acreditar em mim. — Confessar o que? — O visconde questionou. Ele estava exaltado, sendo parcialmente contido por Edward. — A senhorita perdeu o juízo, vai ferir alguém. — Eu vou matá-la, se ela não disser que se jogou em cima de Aiden para obrigá-lo a se casar com ela. Madeline não foi comprometida, ela rasgou o próprio vestido e criou toda aquela situação. E ainda teve ajuda!! — Ela está mentindo, papai. — Lady Madeline chorava e se lamuriava. — Não estou! Eu estava escondida na sala privativa e eu a vi. Uma das criadas já tinha ouvido a megera confabulando o plano. Isso é um golpe, Aiden, você não tem que se casar com ela. — Não vou me casar com ela, Caroline. — O duque tentou se aproximar mais. — Vamos, entregue a pistola para mim. Eu não me casarei com ela independente do que aconteceu, eu acredito em você. — Acredita? — Lady Eckley virou o pescoço e encarou o duque com alguma ternura. — É muito gentil de sua parte mentir para salvá-la, mas eu

quero que ela confesse. O burburinho era ensurdecedor. Os homens começaram a planejar algum tipo de ataque, mas os nobres eram indolentes demais para saber reagir. Aiden olhou para Geoffrey e indicou que o criado deveria sair para interceptar Lady Eckley vindo de outra direção. Ele entendia de algumas técnicas de combate, porém tentaria a diplomacia primeiro. — Lady Madeline, por favor conte a verdade a todos. — Aiden insistiu. — Eu sei que não tentei beijar a senhorita e cheguei a suspeitar que fosse uma espécie de surto. Mas, o que Lady Eckley está falando realmente aconteceu? A senhorita planejou me encurralar para forçar um casamento indesejado? Madeline Westphallen estava vermelha. A forma como ela olhou para o pai indicava que escondia algo. Os soluços foram cessando enquanto o tempo passava devagar. — A duquesa disse que era a única forma. — A jovem Westphallen murmurou. — Eu não quis fazer isso a princípio, mas ela insistiu. Ela disse que Vossa Graça perdeu o juízo, que precisa de uma esposa adequada para retornar à sanidade. — Ah, e você pensa que é adequada? — Caroline Eckley gargalhou. — O Duque de Shaftesbury vai se casar comigo, apenas comigo. Eu sou a mulher que o satisfaz sexualmente. — Pronto, Caroline. Você conseguiu sua confissão, agora me entregue a pistola. Madeline Westphallen está arruinada na sociedade, ela nunca se casará com um homem respeitável. Não mais. O duque estendeu a mão na direção de Lady Eckley. Ela olhou para a arma e para ele, pensou por alguns segundos, e deu um sorriso vitorioso. Aiden pegou a arma e a entregou rapidamente a Edward, que desapareceu do terraço com o objeto. Geoffrey e Granger entraram pela porta lateral e seguraram a lady pelos braços, imobilizando-a.

A polícia foi chamada. Um médico e dois familiares de Caroline Eckley também foram convocados. Parecia bastante claro que ela estava sofrendo algum surto psicótico e precisava de tratamento. Quem a conhecia sabia que a lady era espalhafatosa e tinha recebido uma criação bastante liberal, porém

ela nunca fora violenta. — O desejo de desposar um duque está enlouquecendo essas damas. Fora a constatação de Sawbridge. Havia verdade em suas palavras. Todos ali sabiam que o desespero das jovens para se casarem com bons nobres as levava a atitudes tolas. Daquela vez, levou Lady Madeline a arruinar sua reputação tentando comprometer um duque e Lady Eckley a conquistar um lugar em um hospital para loucos. O que mais incomodava Aiden era a imputação feita à duquesa. Ele sabia que a mãe era diabólica, mas nunca esperou tamanha infâmia da parte dela. A possibilidade, no entanto, o fez buscar uma audiência privada com a mãe assim que os ânimos esfriaram. O dia já estava raiando quando entrou no quarto da duquesa. Ele não se anunciou, não bateu, apenas abriu a porta com um empurrão e entrou. A criada se apressou em interceptá-lo, mas ele a afastou com educação. Seu alvo era a mulher franzina sentada em um canapé. Pela aparência da mãe, ela não tinha dormido ainda, como nenhum dos demais convidados daquela casa. — Preciso que a senhora negue o que Lady Madeline disse. O tom de voz saiu mais educado do que ele esperava. Aiden tentava conter um fenômeno da natureza dentro de si. Ele não podia perder a compostura com a mãe. Se ele despejasse sobre ela a raiva que sentia, ele certamente seria violento com ela. — Não sei o que pode ter dito a jovem Westphallen que seja de minha competência negar. — Pare de mentir. A senhora sabe tudo que acontece nessa casa e só se recolheu para seus aposentos depois que a polícia chegou. Vamos, mamãe. Negue. A duquesa se levantou. Ela raramente enfrentava o filho sentada ou em posição de inferioridade. Aiden tinha que respeitá-la por isso. A forma como ela o olhava era de escrutinação e desapontamento. Ele tentava não sentir nada. Se afastasse o ódio e o desprezo, não sobrava muita coisa. — Eu não nego. Lady Madeline não tinha brios suficientes para fazer o que precisava ser feito e eu posso tê-la ajudado a formular um plano. Aiden virou de costas para a mãe. Dos seus olhos emanava fogo. As mãos se fecharam em punhos e ele precisou resistir para não agredi-la. O duque nunca agrediu uma pessoa que não fosse em uma briga merecida, mas os atos da mãe não podiam ser deixados impunes. — Emma. — Ele chamou a criada, que se colocou à sua frente. — Quero

que você prepare as coisas da minha mãe. Encha as malas da duquesa com as roupas favoritas dela, prepare bagagem para uma viagem longa. — Pois não, Alteza. Posso saber para onde? — Para as Américas. Mamãe vai passar uma temporada em Nova Iorque. A duquesa levou a mão à boca para esconder o assombro. — Emma, não faça isso. Não vou a lugar algum. — Vai. — O duque então se voltou para ela. — Mamãe, eu suportei a senhora por entender seu sofrimento. Mas o que a senhora fez, agora, é imperdoável. Quase levou um garotinho à morte por sua arrogância e orientou uma moça desesperada a arruinar a própria reputação para empurrar seu filho em um casamento indesejado. Eu não quero mais a senhora na minha casa, nem à minha vista. Nova Iorque é um ótimo lugar, liberal o suficiente para que a senhora tenha muito assunto até o final de sua vida. — E se eu me recusar a ir? — Eu garantirei que a senhora entre no navio. Se não for por vontade própria, será carregada para a embarcação nos ombros de um criado. Aiden não disse mais nada nem conseguiu permanecer no quarto. Aquela fora uma das mais difíceis decisões que ele já tomara. Seu amor pela mãe obnubilara todo o seu discernimento a respeito dela. Porém a duquesa não causaria mais nenhum mal às pessoas que ele gostava.

Todos os convidados deixaram Thanet Bay falando sobre os escândalos que aconteceram na mansão. Aquele foi o final de semana mais intenso da vida de Elizabeth Collingworth, principalmente porque ela fora personagem de todos os burburinhos. Não poderia imaginar que uma fuga mal planejada, o encontro inusitado com uma lady e uma doença fatal poderiam causar a ela tantas emoções. Quando todos os hóspedes foram embora, ela teria bastante trabalho inventariando novamente todos os cômodos. Aquilo serviria, ao menos, para fazê-la não pensar em todas as implicações que continuar na vida de Aiden Trowsdale representaria. Ele pode ter decidido que não casaria com Lady Madeline, mas ele se casaria em algum momento. A sua posição de amante seria nítida e indiscutível quando aquilo acontecesse. O dia já estava terminando quando Aiden a procurou. Elizabeth ainda

contava os talheres e louças, com a ajuda das criadas, quando John avisou que o duque queria falar com ela. Ajeitou a touca na frente do espelho e dirigiu-se à biblioteca. Seu coração ainda disparava quando ela pensava em se encontrar com ele. Mesmo depois de todas as vezes em que estiveram juntos, ela ainda sentia como se fosse proibido. Como se fosse a primeira vez. Elizabeth bateu à porta e entrou. O duque estava sentado atrás de uma mesa e levantou-se quando ela chegou. Tinha acabado de tomar banho. Ela sentiu o cheiro de sabonete e roupa limpa que ele exalava. Subitamente, percebeu que precisava ser abraçada por ele. Que precisava ouvir dele que tudo estava bem, porque ela acreditaria se ele dissesse. E ele a abraçou. Como se ouvisse os desejos dela, foi em sua direção e a segurou nos braços. — Eu nunca pensei que passaria por tantos dissabores em um final de semana. A frase saiu abafada na touca de linho que ela vestia. Elizabeth se afastou um pouco e o encarou. — Eu quero voltar para Londres. A frase saiu brusca. Elizabeth não sabia bem se era aquilo que ela desejava, mas era o que precisava ser feito. Ela queria voltar para casa, sair um pouco daquele espaço de loucura. — Pode não ser completamente seguro, ainda. Para as crianças. — Se não for, eu quero ir para qualquer outro lugar. Não posso continuar aqui. Eu sou a sua amante, Aiden. Não posso morar com sua família, isso é imoral. Não sei se suporto mais tantos escândalos em pouco tempo. Aiden segurou-a pela face. Uma mão de cada lado do rosto dela. Acariciou a pele, passou os dedos pela parte de trás das orelhas. Depois, arrancou a touca que ela usava e libertou seus cabelos dourados. E tomou a boca dela na dele em um beijo terno. — Eu preciso ir a Londres hoje. Visitarei alguns negócios. Já que estou imune à doença, sou a melhor escolha para inspecionar os trabalhos. Volto em uma semana. Até lá eu terei uma propriedade organizada para receber você e os meninos. Seja na capital ou seja em qualquer lugar que você escolher. Ele a beijou novamente. Toda vez que Aiden reivindicava a sua boca, ela derretia de dentro para fora. Ela era completamente dele. — Uma semana é bastante tempo sem você. — Ela se lamentou. —

Aguardarei ansiosa o seu retorno. — São apenas negócios, Elizabeth. Com um sorriso, ela deixou a biblioteca e retornou para seus afazeres. Em alguns dias ela se mudaria de Thanet Bay para uma casa dela. Uma mansão. Uma das propriedades do duque ou algo que ele compraria especialmente para ela. Não era o sonho da sua infância, mas era o melhor que ela poderia conseguir sendo Elizabeth Collingworth. Tinha que ser suficiente.

A Escarlatina enlouquecia. Aiden teve certeza que a doença lhe afetou o cérebro depois de passar aquela semana em Londres. Sozinho na Trowsdale House, não houve um minuto de seus miseráveis dias que ele não desejasse passar ao lado de Elizabeth. As futilidades do dia seriam mais interessantes com ela. O chá tinha um gosto melhor quando compartilhado com ela. Os momentos que eles compartilharam na semana em que estiveram confinados ainda reverberavam nele como se tivessem acontecido no dia anterior. Ele estava até mesmo com saudades da correria das crianças e do barulho que elas faziam. Não havia paz se ela não estivesse por perto. Não havia luz sem os olhos dela para refletirem o sol. Tudo lhe parecia faltar. E isso fez com que ele tomasse algumas decisões. Depois que os negócios estivessem fechados e que nada mais pudesse atrapalhar seus investimentos, ele mudaria o status de Elizabeth. Ele não queria tê-la apenas como sua amante. Enquanto estivessem juntos ele não conseguiria se casar ou se envolver com nenhuma outra mulher. Ele precisava dela e a desejava de outra forma. Mesmo que a sociedade inteira fosse deixá-lo no ostracismo, ele já estaria com negócios encaminhados o suficiente para não precisar da aprovação de ninguém. Que se explodissem todos. Ele queria se casar com a mulher. Aquele fora seu último dia em Londres e a ansiedade de retornar para Kent o fez exagerar no conhaque com os investidores. Ele teve algumas reuniões durante o dia e estava um pouco alterado durante o entardecer. Os homens de negócios já tinham retornado para a capital e o movimento nas ruas começava a voltar ao normal. Aos poucos, a cidade voltaria à sua feiúra natural. E ele traria a sua mulher para casa.

Ah, Elizabeth não era a mulher dele, nem a Trowsdale House seria a casa dela por enquanto. Ele teria que acomodá-la em outro lugar, onde ele certamente passaria mais tempo do que na sua própria casa. Aquilo estava tão errado de tantas formas diferentes que Aiden não conseguia imaginar-se vivendo em outro lugar que não ao lado de Elizabeth. Assim que a carruagem parou na entrada principal, Aiden soube que algo estava errado. John não estava na porta para recebê-lo e apenas Granger veio ajudá-lo com as malas. — Onde estão todos, Granger? — Nos fundos, Alteza. — O menino disse, a voz trêmula. — E fazendo o que? O que está me escondendo? — Nada… é que a Sra. Collingworth teve um acidente. O doutor Davies está aqui. Aiden ignorou a compostura. Deixou o chapéu e a bengala sobre um aparador e correu até a ala dos criados. As cozinheiras estavam no corredor. John estava à porta do quarto de Elizabeth, que estava fechado. Algumas criadas tinham lágrimas nos olhos. A chegada do duque causou alguma comoção. Todos o esperavam, porém estavam desorganizados com o episódio envolvendo a governanta. — O que diabos aconteceu aqui? Eu exijo que alguém me diga alguma coisa. — Alteza. — John fez uma reverência. — Desculpe-nos a imperdoável falha por não termos recebido Vossa Graça em seu retorno. — Para o inferno com meu retorno, John. O que houve com Elizabeth? — A Sra. Collingworth passou mal. Ela teve uma indisposição e desmaiou. Geoffrey buscou o doutor Davies e ele está com ela nesse momento. Um acidente. Uma indisposição. Um duque nunca fora tão mal informado em toda a história da Inglaterra. Sem cerimônias, ele abriu a porta e entrou no quarto de Elizabeth. Aquela era a sua casa, ao menos acesso aos cômodos ele ainda tinha. Sua irmã estava ali, sentada ao lado da cama. Elizabeth estava deitada, pálida e encolhida, com os joelhos dobrados. O doutor Davies terminava de escrever uma receita qualquer. — Alteza. — O doutor o cumprimentou. — Aiden, dê-nos licença. — Lady Agatha se levantou e quis empurrar o irmão para fora do quarto. — Tenha mais respeito e não vá entrando assim

nos aposentos dos outros. — O que houve com ela? — O duque se manteve imóvel. Seu corpanzil ocupava todo o vão da porta, ninguém entrava ou saía sem o seu comando. — Elizabeth, o que houve? — Ela teve uma indisposição, mas vai ficar bem. — Não foi uma simples indisposição se precisou que meus criados chamassem o médico da família para cuidar dela. Aiden afastou Lady Agatha e se ajoelhou ao lado da cama. Elizabeth olhou para ele e esboçou um pequeno sorriso. Ela estava fraca e não havia vida no azul cintilante de seus olhos. O duque passou as mãos pelos cabelos dourados e afastou algumas mechas das têmporas suadas. — Diga para mim o que houve. — Ele sussurrou próximo ao ouvido dela. — Creio que seja melhor que Vossa Graça a deixe descansar. — O médico insistiu. — Venha comigo, eu lhe darei mais detalhes. O duque se pôs de pé e arrastou o médico para seu escritório. Já estava começando a se irritar. Ninguém nunca lhe negava informações. Nem para dar noticias ruins. O que podia ser tão grave com Elizabeth? — Diga logo, Davies. — O duque se serviu de outra dose de conhaque. Entregou também um copo para o médico. — E não deixe escapar nenhum ponto. — A situação de vossa governanta é peculiar. — O doutor se sentou em uma poltrona. — Ela desmaiou e, quando cheguei, ela sangrava muito. — Ela se feriu? — Não, Alteza. O sangue era proveniente das regras femininas. Aiden fez uma careta. Aquele era um pormenor que poderia ter sido omitido e ele não se importaria. — Certo. E? — Bem, ela não estava no período das regras. A Srta. Collingworth teve uma hemorragia causada por um abortamento. Aquela não deveria ser uma palavra comum ao vocabulário de um duque. Mas, tendo acompanhado a sucessão de gestações malsucedidas de sua mãe, Aiden já a tinha ouvido antes. A duquesa teve não apenas alguns natimortos, ela também gerou algumas crianças que nem mesmo chegaram a nascer. Aiden levantou-se e derrubou o copo que estava sobre a mesa. Passou as mãos pelos cabelos e deu dois giros completos ao redor de si mesmo. — Elizabeth está grávida? — Estava, Alteza. — O doutor terminou de beber seu conhaque. — Veja

que o assunto é bastante íntimo e eu não deveria estar discutindo com Vossa Graça. Mas a gestação não foi adiante. É mais comum do que parece, porém ela teve uma grande perda de sangue. Recomendei um tônico e muito repouso por pelo menos três dias. O duque deixou o médico no escritório e retornou ao quarto de Elizabeth. Mandou que todos os empregados dispersassem, ameaçou-os com demissão se continuassem por ali. Depois agradeceu-os por terem sido diligentes. — Agatha, saia. — Aiden pegou a irmã pelo braço e a conduziu para fora do quarto. — Por Deus, Aiden! — A jovem dama bateu com os punhos no peito do irmão. — Desde quando você age como um bruto? — Preciso conversar com Elizabeth. A sós. — Era seu, não era? — Agatha sussurrou. O duque sentiu um mal estar súbito e pensou que ele também fosse desmaiar. — Sim, era. Vamos, saia, eu preciso falar com ela. Lady Agatha limpou uma lágrima que correu do olho e abraçou o irmão. Aiden estava confuso demais para entender o turbilhão de emoções que o arrebatava. — Se você tivesse feito a coisa certa desde o início… — Eu fiz a coisa certa. — Não, meu irmão. Você fez o que a sociedade disse que é certo quando deveria ter seguido o seu coração. A jovem se afastou e o deixou no vazio. Aiden fechou a porta e se ajoelhou novamente ao lado da cama. Elizabeth parecia um pouco melhor, mas seus lábios ainda estavam sem cor. Sem vida. Ele beijou-a na testa e ela segurou a mão dele entre as suas. — Não havia nada que você pudesse ter feito para mudar isso, Aiden. Foi o que ela conseguiu dizer. A voz estava fraca e débil. Nem durante a Escarlatina ele a tinha visto tão decadente. — Isso deveria me fazer sentir melhor? — Não. Mas espero que saiba que a melhor coisa que pode acontecer para essa criança foi não nascer. O duque se levantou de supetão. O susto pelas palavras duras dela quase o nocauteou. — Você repudiaria ter um filho meu? — Eu repudiaria ter um bastardo. — As lágrimas começaram a escorrer pelos olhos dela. Aiden não conseguia entender o que ela dizia. — Você sabe

qual o tipo mais miserável de ser humano que existe na sociedade londrina? O bastardo. Eu convivi com as mulheres como eu que pariam filhos de homens como você. As crianças eram afogadas. Mortas. Ou entregues para as fazendas de bebês. Não há nada mais degradante do que isso. Eu jamais… Os soluços a impediram de continuar. Ele sentou ao lado dela e fez com que deitasse em seu colo. Elizabeth o abraçou, envolvendo sua cintura com os braços, e chorou. Ele não poderia suportar vê-la sofrer daquela forma, mas talvez ela tivesse razão. — Eu nunca deixaria um filho nosso desamparado, Elizabeth. Eu cuidaria de qualquer criança sua. Eu estou disposto a cuidar de Patrick e Peter. — É diferente. Eles não são bastardos. Você cuidaria de nós até quando? Até se cansar de mim? Patrick e Peter são filhos de pessoas pobres, mas eles são filhos de alguém. Bastardos não são considerados pessoas, Aiden! Ele parou de discutir e deixou que ela continuasse a chorar. A reação dela ao episódio poderia estar relacionada ao trauma de ter perdido uma criança. Ele já vira aquilo antes. Esperava que Elizabeth não fosse despedaçada pela dor e pela culpa como sua mãe fora.

Capítulo vigésimo oitavo

E LA SABIA QUE O MACHUCARA . Dizer que a criança deveria mesmo não ter nascido impactou o duque, mas era a verdade que precisava ser falada. Aiden era como Lady Agatha, duas pessoas gentis que foram criadas em um mundo de perfeição que só existia para as pessoas da sociedade britânica. E eram as pessoas como eles que engravidavam as pessoas como elas com crianças que não podiam sobreviver. Elizabeth teve dois filhos legítimos. Ela poderia aguentar qualquer coisa. Suportaria ser a amante de um homem. Viver à margem da sociedade, invisível. Ela já não era mesmo vista. Suportaria que ele se casasse com outra. Que ele tivesse que se deitar com outra. Que ele engravidasse outra. Mas ela não estava preparada para gerar um bastardo. E foi por aquele motivo que o mundo quase perfeito que ela idealizou, ruiu. Quando aceitou ser amante de Aiden, ela se permitiu sonhar. A ideia era boa e ela seria feliz. Mas aquela consequência ela não queria suportar. Ela não podia. — Mas você se prevenia, não? — Gretha perguntou, oferecendo um chá para que ela bebesse. Já era o dia seguinte, mas Elizabeth ainda não podia levantar da cama. Ela tivera novos sangramentos de madrugada e estava muito fraca. Geoffrey havia saído cedo para encomendar o tônico que fora recomendado pelo doutor. — Sim, Gretha. Eu tomava todas as precauções possíveis. Inclusive aqueles chás horríveis que só serviram para me tirar o paladar. — A senhora deveria ter contado ao Sr. Hodges. Se vocês se casassem, a criança não nasceria bastarda. Loretta entrou no quarto com o desjejum de Elizabeth. As duas

cozinheiras gostavam dela, e era recíproco. Tinham desenvolvido um bom relacionamento durante o período em Thanet Bay. Ela sentiria falta das duas. — O filho não era do Hodges, sua tonta. — Ora, mas não era ele que cortejava a senhora… — Gretha se interrompeu e colocou a mão na frente da boca. O que não foi dito acabou sendo compreendido e nenhuma das três mulheres completou a frase não terminada. Não havia segredo entre os criados. Todos sabiam que Elizabeth era amante do duque. E não era como se eles estivessem escondendo o relacionamento de forma muito eficiente. As duas cozinheiras saíram no instante em que o duque apareceu. Ele tinha olheiras e a camisa estava por fora da calça. Ou não dormira a noite, ou não tivera ajuda para se vestir. Elizabeth estava sentada, comendo ovos, presunto e torradas. Ela quis parecer menos desarrumada para ele, mas não podia nem mesmo se levantar para ajeitar o cabelo. — Como você está? — Ele se sentou novamente ao lado dela. — Vou me recuperar. Não sou a primeira mulher que passa por isso, nem serei a última. — Gostaria de movê-la para um quarto no andar superior. — Ele tomou os talheres da mão dela e cortou fatias de presunto. Depois, colocou sobre a torrada e ofereceu para que ela comesse. — Uma cama mais confortável, até que possa viajar de carruagem novamente. — Esse quarto está ótimo. Aiden passou as mãos pelos cabelos dela e colocou algumas mechas por trás das orelhas. Ajeitou o colarinho da camisola que ela vestia e acariciou-a nas bochechas. Ela também sentiria falta daquele toque. Porque, depois do que aconteceu no dia anterior, Elizabeth teria que repensar suas decisões. — Assim que o doutor Davies te liberar, vou levá-la para Londres. Oglethorpe possui um dos melhores hotéis na região do Piccadilly e eu tenho uma suíte reservada no último andar. Elizabeth levou a mão até a face de Aiden. Ela passou a noite toda pensando e sabia que qualquer decisão que tomasse a faria sofrer. Mesmo assim, decidiu não mais chorar. — Eu não vou. — Como assim, não vai? Não quer ir para Londres? Se uma suíte de hotel for ruim para você, então posso te acomodar em Trowsdale House. Ou podemos ir para Hampshire.

— Eu quis dizer que não vou mais aceitar sua proteção, Aiden. Ela afastou a bandeja e se ajeitou na cama. O duque a encarou com incredulidade. Aquela era mais uma fala que o machucaria, porém a decisão de voltar atrás em sua decisão já havia sido tomada. — Não posso arriscar engravidar novamente. Não de um amante. Por mais que eu queira estar com você e ser cuidada por você, estamos correndo um risco que não vale a pena. — Ela acariciou os cabelos dele. — Você vai se casar e ter uma família com sua esposa. Eu talvez me case novamente, também, e posso ter outros filhos, mas serão todos legítimos. Não podemos fazer isso, não dessa forma. Aiden se levantou. A forma como ele a encarava era de estupefação e ódio. Ele demonstrava raiva naquele momento. — Eu não posso permitir que você vá, Elizabeth. Eu tenho planos para nós, só preciso de um pouco mais de tempo. O duque rosnou. As mãos dele estavam fechadas em punhos. — Creio que Vossa Graça não tenha opção. Eu já tomei a minha decisão, Aiden, e eu não posso ser sua amante. Eu me iludi, achando que meus sentimentos eram suficientes para suportar a desonra e a humilhação. Que amar você superasse saber que se casaria com outra e teria filhos com outra. Mas não é. — Se você diz que me ama, como pode simplesmente desistir assim? Desistir de nós? — Não há nós. — Ela se exaltou. Elizabeth nunca se exaltava, ela era sempre comedida e educada. O treinamento que a fez ser uma dama, mesmo sem títulos, a ensinou a nunca elevar a voz. Mas, naquele instante, ela estava quase gritando. — Eu sou uma governanta, uma plebeia, uma viúva que não tem nada a oferecer. E você é… é o Duque de Shaftesbury. Nós vivemos em mundos opostos. É melhor que seja assim. Antes que pudesse replicar qualquer coisa, Lady Agatha entrou no quarto. Não esperando ver o irmão ali, nem totalmente desgrenhado, ela se assustou com a cena que encontrou. — Agatha, agora não. — O que houve, Aiden? Eu vim ver como Elizabeth está. — Estamos em uma conversa privada. — Podemos prosseguir depois, Alteza. — Elizabeth sorriu, tentando fingir normalidade. — Ainda não estou apta a deixar a propriedade. — Deixar? — Lady Agatha estranhou. — Por que pretende deixar Thanet

Bay, Elizabeth? — Porque ela está me recusando, Agatha. — O duque passou as mãos pelos cabelos. Os olhos dele estavam vermelhos, a boca ressequida. Sua aparência estava longe de ser a mesma de uma semana atrás. — Elizabeth decidiu me deixar, não tem nada a ver com a propriedade.

Ele não conseguia mais ficar ali. O ar dentro do quarto estava pesado e Aiden não conseguia respirar. Passou pela irmã como se ela não existisse e saiu pela porta dos fundos. Quando foi que tudo que ele havia planejado deu errado? Tudo parecia ajustado, porque ele sempre esteve disposto a ter um casamento de fachada. E então ele teria uma amante para os momentos de paixão e felicidade. Elizabeth o faria feliz. Mas ela estava indo embora e ele sequer entendera como chegaram àquele momento. No fundo, ele entendia. Aiden não era tolo. Elizabeth podia amá-lo, mas ela queria mais. Ela merecia mais. Ser uma amante invisível apenas porque queria proteger os filhos não era digno dela. Ela podia estar disposta a deixar muita coisa de lado, mas a gravidez a fez enxergar que ela precisa de mais para estar com ele. Sentindo o coração quase parar e uma vontade desesperadora de gritar, o duque vagou sem destino até desabar sentado em um banco no jardim. Ele estava quase no bosque, ao lado de trepadeiras e uma fonte de água fresca que jorrava o ano inteiro. Apoiou a cabeça nas mãos e permaneceu imóvel por algum tempo. Ele precisava se recompor. Aquele não era um comportamento digno de um duque. Aiden iria perdê-la. Por todas as decisões equivocadas que tomou, ele se sentiu seguro depois que Elizabeth aceitou ser sua amante. Ele a teria, da forma como era permitido. Ele faria qualquer coisa por ela. Mas ele iria perdê-la se não antecipasse as suas pretensões. Não podia continuar esperando, ele teria que tomar atitudes imediatamente. O barulho de passos na grama fez com que o duque levantasse a cabeça. Seus olhos estavam úmidos. Aiden deveria se importar em demonstrar qualquer tipo de emoção na frente de alguém, porém nada parecia realmente

importá-lo naquele instante. — O senhor está bem, Alteza? O jovem Patrick estava à sua frente. Com os braços estendidos ao lado do corpo pequeno, o menino era magro e idêntico à sua mãe. Com a luz do sol batendo atrás de seus cabelos, ele facilmente poderia ser confundido com um anjo das pinturas. — Sim, Patrick. Eu tive uma noite ruim, só isso. O menino se sentou ao lado do duque. Poucas pessoas ousavam tanta impertinência, mas ele era uma criança. E, se fosse mesmo parecido com a mãe, não se importaria com o título de nobreza de Aiden. — Mamãe também teve. Ela chorou a noite toda, mas escondeu para que não víssemos. Ela tenta parecer forte para mim e para o Peter. O duque ajeitou os cabelos. Ergueu o corpo e ajeitou a postura. O menino olhava para ele com alguma reverência. Se Elizabeth podia fingir força para os filhos, ele também conseguiria. — Sua mãe teve um mau momento. Ela vai ficar bem. — Eu sei. Mas nós vamos embora, não vamos? Aiden assentiu. Eles iam. — Que pena, eu gosto daqui. Obrigado por nos acolher, Alteza. Patrick levantou-se e abraçou o duque. O menino simplesmente jogou os braços ao redor do pescoço de Aiden e o abraçou, afastando-se em seguida. O homem ficou paralisado por segundos, sem conseguir reagir exatamente à demonstração de carinho. Depois de recuperar parcialmente a razão, o duque foi até os estábulos e montou seu cavalo. Ele precisava fazer alguma coisa. Não importava mais a sociedade, os compromissos ou a responsabilidade que ele tinha como duque. Não interessava o que dissessem as fofocas. Não importava se ele nunca mais seria bem vindo em nenhum evento social. Ele podia suportar ser excluído daquela sociedade hipócrita, mas não podia deixar aquelas pessoas irem embora da sua vida.

Elizabeth estava de pé. Mesmo que o doutor tivesse recomendado um repouso mais longo, ela não aguentaria ficar nem mais um minuto na cama. Já tinha arrumado as malas, deixando de fora as roupas novas que os filhos

tinham ganhado. Não se sentia confortável em levá-las, mesmo que eles precisassem. — Sra. Collingworth, eu recomendo fortemente que a senhora não saia dessa casa a esse horário. O mordomo John estava ao lado dela. A figura esguia tentou impedir que a governanta se levantasse, depois que remexesse as gavetas. Os meninos observavam tudo sentados em suas camas. — John, eu agradeço sua preocupação. Porém, não posso mais ficar aqui. Se eu continuar, Vossa Graça vai aparecer e dar um jeito de me convencer a ficar. — E dessa vez eu terei que apoiar Vossa Graça nessa empreitada. A senhora acabou de passar por um trauma. — Eu estou me sentindo ótima. Vamos caminhar até a vila, ainda tem luz solar o suficiente. De lá nós pegamos uma condução para Londres. Claro que os planos dela eram bem simples. Não havia planos. Ir embora, retornar para a cidade, conseguir um emprego que pagasse as contas. Provavelmente ela não conseguiria nada muito digno, mas servir em tavernas não era tão ruim quanto os riscos que corria ficando ali. Elizabeth mandou os meninos se levantarem. Eles a acompanharam de péssimo humor. Nenhum dos dois queria ir, nenhum dos dois entendia o motivo de partirem. Estavam na porta da cozinha quando Lady Agatha apareceu. Ela vinha do lado de fora e estava vestida para sair. — Elizabeth, venha comigo. — A lady disse, um pouco agitada. — Eu não voltarei atrás na minha decisão, milady. Não ficarei em Thanet Bay. — Eu sei disso. Não vou tentar dissuadi-la, mas me permita tentar ajudála. Lady Agatha indicou que a carruagem estava estacionada no pátio lateral. O cocheiro aguardava, elegantemente vestido, como se fossem a um evento. Elizabeth riu. O que tinha aquela família que se sentia na obrigação de ajudar pessoas em necessidade? — O que pretende, milady? — Vou levá-la a Greenwood Park. — Lady Agatha, não acha que não deveria envolver o conde novamente em seus propósitos? O que Lorde McFadden pode fazer por nós? — Eu conheço Edward. Ele é desagradável quase sempre, mas não deixará a senhora desabrigada. Se não quer ficar aqui por causa do meu

irmão, eu entendo. Ou não entendo, mas aceito. Porém não pode esperar que deixemos a senhora na rua depois de termos nos afeiçoado tanto! A expressão da lady era sincera. Ela tinha as bochechas rosadas pelo esforço em organizar uma operação tão complexa. Os cabelos estavam um pouco desalinhados e as luvas estavam empoeiradas Ela parecia jovial e determinada. Elizabeth não podia negar que via um pouco dela própria naquela dama. Com um aceno de cabeça ela concordou e se deixou conduzir por Lady Agatha até a propriedade do Conde de Cornwall. Como deveria ser previsto, a chegada delas não tinha sido anunciada. Nem previamente agendada. A carruagem estacionou na frente da mansão e elas foram recebidas pelo mordomo dos McFadden. O conde estava nos estábulos com seus cavalos. Edward era um adorador de cavalos e criava raças incomuns. Ele frequentemente passava bastante tempo cuidando de seu passatempo principal. Ao ser notificado da chegada das visitantes, que o aguardavam no hall de entrada, suspeitou que teria problemas pela frente. — Pelos céus, Agatha. — O conde entrou pela porta lateral com as botas ainda sujas de terra e sem colete. Era tarde demais para uma visita de cortesia. — Não é apenas porque você é irmã de Aiden que pode aparecer desacompanhada em qualquer hora do dia. — Não estou desacompanhada. — A lady se levantou. Elizabeth a seguiu, escondendo os dois filhos atrás de si. Ela não se sentia diminuída na frente da nobreza, mas os meninos não estavam ainda acostumados. — Sra. Collingworth. Certo, eu vou querer ouvir essa história. O conde passou as mãos pelos cabelos e chamou o mordomo. Pediu que servisse chá no salão e encaminhasse as damas para lá. Uma criada levou os meninos para comer na cozinha e Edward foi ao seu quarto se lavar. Retornou para as mulheres depois de estar refrescado e com os cabelos penteados. — Muito bem, agora me expliquem o que está havendo. Ele se sentou em uma poltrona e observou as mulheres. Elizabeth quis deixar que Lady Agatha se explicasse. No fundo, ela se divertia vendo a lady e o conde travarem alguns embates interessantes. Mas quem deveria contar a história seria ela mesma. Mesmo que não entendesse o que a lady pretendia do conde, era Elizabeth quem deveria explicar os motivos que a levavam a deixar Aiden Trowsdale.

Edward ouviu tudo com alguma perturbação no olhar. No meio da fala dela, levantou-se e se serviu de uma dose dupla de uísque. Depois que Elizabeth terminou sua narrativa, ele levou alguns segundos para reagir. — Sra. Collingworth, eu sei que não deveria me meter, e que se trata de um tema muito íntimo mas… considerando que a senhora decidiu expor a situação para mim, eu preciso dizer. A senhora sabe que Aiden cuidaria de todo e qualquer filho que ele tivesse, não sabe? — Eu tenho certeza que sim, milorde. — Ela forçou um sorriso. — Mas as coisas são mais simples para os homens, que não carregam o fardo das crianças bastardas. O duque cuidaria de nós até que ele se cansasse de mim. E meus filhos com ele nunca teriam reconhecimento. Seriam pessoas excluídas da sociedade. Eu não posso suportar isso. — Entendo. E respeito bastante a decisão que a senhora tomou. Faremos o seguinte, eu vou acomodá-los em uma suíte. Amanhã veremos o que fazer. — Edward, deve ter algum emprego que você possa oferecer a Elizabeth. — Lady Agatha se apressou em insistir. — Mesmo que não aqui em Greenwood Park, pode ter algo para ela em Londres. Ou outra propriedade. Wilhelmina não precisa de uma camareira? — Agatha, acalme-se. — O conde se aproximou da lady e segurou-a pelos dois ombros, fazendo com que ela parasse de girar pela sala. Elizabeth segurou uma risada. — Amanhã veremos o que fazer. Volte para casa, a Sra. Collingworth ficará bem. Onde está a sua criada? — Eu não a trouxe. — Céus. — O conde pressionou as têmporas com os dedos. Elizabeth pode facilmente notar que a jovem não dava dor de cabeça apenas para o irmão. O amigo do irmão também parecia bastante desconfortável com as atitudes impulsivas da lady. — Pedirei que Taylor a acompanhe até Thanet Bay. — Não preciso de babá. — Sua segurança não está em discussão, milady. Vamos tratar de acomodar a Sra. Collingworth aqui e você vai para casa. Imediatamente, acompanhada. Elizabeth podia estar enganada, mas ela raramente estava. A forma como Edward e Agatha se tratavam estava um pouco além da mera amizade. Ou inimizade. O esforço que eles tinham para demonstrarem desagrado era louvável, porém inútil. Qualquer um com um pouco de perspicácia notava que eles não se detestavam.

Talvez, se ela fosse ser mesmo empregada do conde, pudesse orientar a lady a entender esses sentimentos. Ela desejava sinceramente que sim. Que as pessoas que aprendera a respeitar e admirar não saíssem tão rapidamente de sua vida.

O duque não retornou para casa. Passou a noite em Londres porque não admitia retornar para Thanet Bay sem uma solução para a crise que se instaurou em sua vida. E a solução não era muito ortodoxa, mas ele estava certo do que queria. Do que precisava. Aiden precisava de Elizabeth Collingworth em sua vida e não mediria esforços para tê-la. Ele não tinha muita certeza de quando foi que se apaixonou por ela. Provavelmente, fora no dia em que se viram na estalagem. A doença, o confinamento, a intimidade só serviram para confirmar o que o coração dele já sabia. Mas Aiden não era um homem dado a romance. Nem paixões. Ele não acreditava que estava apaixonado até ouvi-la dizer que iria partir. Aquele foi o momento em que ela partiu o coração dele em pedaços. Mas, naquela manhã, ele sentia que as coisas podiam ser diferentes. Ele sabia que tinha um trunfo nas mãos. Algo que só o Duque de Shaftesbury conseguiria, algo que poderia fazer Elizabeth mudar de ideia. Quando ele falasse novamente com ela, seria para garantir que ela seria sua mulher e que nunca mais sairia do lado dele. Com essa certeza, o duque cavalgou até Kent. Fez algumas paradas, alimentou o cavalo, descansou, e chegou de volta a sua propriedade pouco depois das duas da tarde. A casa estava vazia. Não, não estava, mas não havia crianças correndo pelos arredores. — John. — Ele cumprimentou o mordomo que o recebia. Havia certamente algo estranho, a expressão de John era de quem escondia alguma coisa importante. — Onde está a Sra. Collingworth? — Creio que Vossa Graça deva perguntar isso a sua irmã. — Elas saíram? Mas Elizabeth não está de repouso? — Ela estava, Alteza. Porém… Aiden não esperou. Entrou pela casa adentro e foi até os aposentos dos criados. O quarto estava vazio. A cômoda vazia, as camas arrumadas. Não havia nem mesmo mais o cheiro das gardênias no ar. Tudo estava vazio.

Ele então subiu as escadas. Não se importava mais se parecia transtornado, ele estava. Bateu à porta do quarto da irmã sem nenhuma moderação. Seu exagero poderia derrubar a peça de madeira maciça, que se abriu antes que ele conseguisse seu intento. — Pois não, Alteza? Lady Agatha está ainda dormindo. — Para o inferno, acorde-a. Eu quero saber onde está Elizabeth. — Alteza, eu… Ele não esperou novamente. Não havia mais nenhum resquício de paciência nem decoro em suas atitudes. Aiden parecia um bruto, um homem sem escrúpulos que não reconhecia os limites da boa educação. Entrou quarto adentro e encontrou Agatha sentada na cama, de camisolas e o cabelo desarrumado, coberta pelos lençóis. — Espero que haja um motivo razoável para entrar no meu quarto como um animal raivoso. — Ela tentou demonstrar bom humor, mas o irmão não estava racional. — John disse que você sabe onde está Elizabeth. — Eu sei. — Agatha se levantou e caminhou na direção de Aiden. Ele estava trêmulo, com o maxilar travado e os braços arqueados. Aquela era uma posição de ataque. — E quando você estiver mais calmo eu posso te contar. — Agatha, você não quer testar a minha sanidade. Não agora, não nesse momento. — Não quero testar nada, Aiden. Mas me diga, se eu te contar onde ela está, agora, o que fará? Vai correr até ela e tentar convencê-la a… — Eu vou me casar com ela, Agatha. O duque tirou do bolso o casaco um papel enrolado. A lady arregalou os olhos e tentou decidir se sorria ou chorava com a notícia. — O que é isso? — Uma permissão de casamento. — Ele desenrolou o documento e o entregou à irmã. — Eu voltei a Londres para conseguir uma. Eu não vou deixar Elizabeth ir embora, ao menos eu não pretendia deixar. Como você pode permitir que ela saísse dessa casa? Lady Agatha deu uma gargalhada. Ela queria expulsar o irmão do quarto para se vestir e acompanhá-lo até Greenwood Park, mas não conseguia parar de rir. — Meu irmão, acha mesmo que eu controlo Elizabeth? Ela é uma mulher livre. E muito teimosa. Vocês dois combinam mais do que pensam.

— Aonde ela está, Agatha? — Eu a deixei com Edward, ontem à noite. Pela terceira vez, ele não esperou. Bastou ouvir que Elizabeth estava em Greenwood Park para sair correndo do quarto da irmã, que gritou pedindo que ele esperasse porque ela queria ir com ele. Aiden fingiu não ter ouvido. Nada o seguraria naquele momento, ele não esperaria nenhum minuto a mais para tornar Elizabeth sua esposa.

Capítulo vigésimo nono

A RESIDÊNCIA de Edward nunca foi tão distante de Thanet Bay quanto naquela tarde. O cavalo preto do duque galopara pelos campos, buscando atalhos conhecidos para encurtar o tempo que eles gastariam para chegar a Greenwood Park. Aiden não era um homem ansioso. O suor em sua testa não queria dizer que ele estava nervoso. As batidas variantes de seu coração não representavam nenhum tipo de desconforto. Ele não demonstraria nenhum descontrole na frente de Elizabeth, ou de quem mais lá estivesse. Ainda assim, suas atitudes eram as de um homem no limite. Até que Edward chegasse à sua presença, os minutos pareceram durar horas. — O que veio fazer aqui, Aiden? O conde perguntou com sincera dúvida. Edward era um homem prático e de rara honestidade. Aquela era a sua melhor qualidade. — Preciso falar com Elizabeth. — Essa não é a melhor hora. Wilhelmina está dando um chá para duas dezenas de jovens damas debutantes na próxima temporada. Isaac está com amigos no salão de jogos. A casa está cheia e não precisamos de mais um escândalo em Kent nesse verão. — Não farei um escândalo. — O duque não estava muito certo daquela promessa. Ele não gritaria, ou se desesperaria. Um homem como ele não se desesperava. Mas o que ele pretendia fazer era por si só bastante escandaloso. A ausência de Elizabeth o deixaria maluco. Tinha passado uma semana em Londres, depois mais três dias sabendo que a perdera. A agonia que apertava seu peito fazia com que respirar fosse muito difícil. — Vamos conversar, então. Ela está com minha irmã no salão de chá. Assim que o evento acabar, vocês…

— Não posso esperar, Edward. — Aiden se colocou em movimento. Ele sabia onde era o salão de chá. — Lamento, amigo, mas eu preciso falar com ela, agora. O conde não conseguiu impedi-lo. A criada que estava à porta do salão deu um salto quando viu o duque chegando apressado. Aiden abriu a porta para encontrar o espaço cheio de mulheres com vestidos elegantes e cabelos empoados. Apenas uma se destacava, e ela não estava vestida como a nobreza. Os cabelos dourados de Elizabeth reluziam à luz do sol que penetrava nas janelas. A condessa se levantou ao ver o duque, incomodada com a invasão. Homens não entravam de supetão nos eventos femininos. — Aiden, você precisa se acalmar primeiro. Edward disse, vindo logo atrás. Sua voz quase não fora ouvida por causa do burburinho das mulheres. Todas conheciam o Duque de Shaftesbury e sabiam que ele era o solteiro mais cobiçado de Londres. Um pouco dado a escândalos, mas, ainda assim, dono de um título respeitável e de um próspero ducado. — Eu estou calmo, maldição! — Aiden parou no meio do salão. Nada mais existia ao seu redor, apenas ela. Elizabeth estava de pé e olhava para o duque com surpresa e assombro. — Eu só preciso falar com ela. — Vossa graça está causando tumulto na casa de seu amigo. — Elizabeth sussurrou. A suavidade no tom de voz dela tornava tudo mais difícil. Talvez Aiden preferisse que ela estivesse zangada com ele. Era mais simples transformar irritação em paixão. A irresignação dela o incomodou. — Eu não me importo. — Aiden passou as mãos nos cabelos para ajustálos. — Eu fiquei sinceramente desesperado quando cheguei em Thanet Bay hoje e não a vi, Elizabeth. É bastante impróprio deixar um duque desesperado. — Eu precisava ir, Alteza. Não podia… — Deixe-me falar, sim? — O duque deu alguns passos na direção dela. Todas as presentes olhavam o momento sem entendê-lo. Talvez algumas delas entendessem, porém não compreendiam a dimensão do que o duque estava prestes a fazer. — Quando você me disse que ia me deixar, eu entrei em pânico. Eu sou um duque, duques não entram em pânico. Eu tinha que fazer a coisa certa, Elizabeth. A proposta que eu te fiz não era certa. Ela era indigna, indecorosa, injusta. Você não a merecia. Eu não te merecia. — Aiden…

Ele a ignorou. Naquele momento, precisava que ela o ouvisse e não tomasse novamente uma decisão sem que ele tivesse colocado todas as cartas na mesa. — Eu deveria ter feito isso há mais tempo. Desde o primeiro momento, desde que eu te beijei pela primeira vez. — O duque se ajoelhou à frente dela. O relógio parou de bater. As damas levaram todas as mãos às bocas. Algumas abafaram um grito, outras esconderam o espanto. O conde cruzou os braços e sorriu. Elizabeth parou de respirar. Tudo pareceu passar lentamente, como se o tempo desacelerasse para fazer o momento durar o dobro. — Eu te amo, Elizabeth Collingworth. E, mesmo que ainda não mereça, eu ficarei honrado se você aceitar ser a minha esposa.

Uma das damas quase desmaiou. Foi amparada por uma criada e terminou sentada em um canapé. O burburinho voltou e Elizabeth conseguia ouvir tudo, mas não reagia a nada. Depois de piscar algumas vezes, a imagem que seus olhos viam ainda era a mesma. Em sua frente estava o Duque de Shaftesbury segurando uma caixa de veludo com um anel obsceno. Para ela. O anel. O homem. A proposta. Era tudo para ela. — Nós não podemos nos casar. — Ela murmurou, tão baixo que mal conseguiu ouvir a si mesma. — A sociedade, eles nunca me aceitariam. Isso te afetaria. — Para o inferno com a sociedade! O problema é meu título? Então eu abro mão dele. A partir de agora, não sou mais o Duque de Shaftesbury. Mais comoção fez com que o burburinho das damas se intensificasse. Ninguém se movia, todas querendo saber o desfecho daquele momento. — Você não pode abrir mão do seu título, Aiden. — Então eu continuo sendo um duque, mas não deixe que isso nos impeça, Elizabeth. Case comigo. Seja minha esposa. — E os negócios? As responsabilidades como membro do Parlamento? Vai colocar tudo em risco por minha causa? — Eu não me importo mais com nada disso. Eu me importo com você e com os meninos. Eu te amo. Você me disse, um dia, que homens como eu deveriam poder se casar por amor. E é você que eu amo, Elizabeth. Você é a mulher que eu amo.

E ele era o homem que ela amava. — Sim, Alteza. Eu ficarei honrada em me tornar a sua esposa. Ela não sabia como conseguira dizer uma frase completa com a voz embargada e os olhos cheios de lágrimas. O duque se levantou e a tomou nos braços, selando com um beijo o compromisso que acabavam de firmar. No meio das damas. Na frente da condessa. O maior escândalo que a sociedade teria que enfrentar.

O rebuliço na casa do Conde de Cornwall não foi proposital. Aiden não queria causar nenhum problema para o amigo nem comprometer a sua posição na sociedade, mas calhou de Elizabeth estar na casa de Edward quando ele precisava pedi-la em casamento. Não havia outra forma de recuperá-la. Ele precisava oferecer a ela o que ela precisava. Segurança. Amor. Uma família. Mesmo que ele tivesse medo de não conseguir ser o marido que ela merecesse, ele era egoísta a ponto de arriscar. Edward ofereceu-lhes uma carruagem para irem até Thanet Bay. Durante o trajeto os meninos estavam curiosos com o anel no dedo da mãe e com o retorno à mansão ducal. — Vamos morar lá, agora? — Peter inquiriu, segurando a mão da mãe. — Esse presente veio de uma fada? — Não, meu jovem. Esse é o presente que um homem dá a uma mulher quando ele a ama muito e quer tomá-la como esposa. — O senhor ama minha mãe? — Patrick o encarou de forma inquisitiva. — Sim, eu amo. E nós vamos nos casar. — O senhor vai ser meu pai? — Foi a vez de Peter se virar para o duque. Com a demora em receber uma resposta satisfatória, o menino pulou para o lado dele na carruagem e se sentou. — Eu cuidarei de vocês como um pai cuida dos próprios filhos. Vocês acham isso uma boa ideia? Gostariam que sua mãe se tornasse a Duquesa de Shaftesbury? — Mamãe sempre foi uma dama. — Peter subiu no colo de Aiden. O duque não sabia muito bem como agir com crianças. Elizabeth deu uma risada e um olhar encorajador. Não parecia tão complicado, ele tinha

memórias de como o pai lidava com ele. Aiden era curioso e intrometido como aquele pequeno moleque. — Ela vai ficar muito bem de duquesa. Mas… e a outra duquesa? Ela não vai ficar triste? — Não, ela não vai. Ela está em um lugar muito divertido, não terá tempo para se preocupar com isso. Até chegarem a Thanet Bay, Patrick também já estava sentado ao lado do duque. Os homens conversavam sobre cavalos quando a carruagem estacionou na entrada principal. A partir daquele momento, Elizabeth nunca mais entraria pela porta dos fundos. Uma aglomeração de criados aguardava para recebê-los. Agatha estava entre eles. A irmã respirou aliviada e colocou a mão no peito quando viu o duque descer segurando a mão de Elizabeth. Os meninos correram para dentro da casa. — Seja bem vinda novamente, Sra. Collingworth. — Amanhã ela será a sua duquesa, John. — Aiden entregou o casaco ao mordomo. Ele não estava usando um chapéu, fora descontrolado até Greenwood Park e não se cuidou de vestir adequadamente. — Amanhã? Tanto Elizabeth quanto Agatha falaram ao mesmo tempo. A jovem dama segurou a mão da sua futura cunhada para olhar o anel. — Por que a pressa? — Elizabeth questionou. — Pensei que os nobres se casassem na Igreja de São Jorge, com pompa e toda a realeza convidada. — Sim, os nobres se casam assim. É o que você quer? — Há opções? — Ela riu. — Meu amor, você será a Duquesa de Shaftesbury. Comece a se acostumar, opções não vão faltar. Podemos nos casar amanhã, na vila, ou na São Jorge com todo o luxo que você merece. — Vamos fazer as duas coisas. — Agatha se intrometeu. — Vocês se casam logo, porque eu não aguento mais esses desencontros. Antes que algo mais aconteça para separá-los, casem-se. Aos olhos de Deus e da Rainha, sejam marido e mulher. Depois, fazemos uma cerimônia em São Jorge. O que acham? — É uma ideia muito boa, milady. — Eu só tenho boas ideias. — Agatha riu. — E agora não me chame mais de lady, Elizabeth… eu serei sua cunhada, trate-me como igual.

Não seria fácil para que ela se acostumasse. Por anos, Elizabeth não foi nada além de uma plebeia. Uma criada. Sem dinheiro, sem título, sem qualquer possibilidade de ascender na burguesia por ser uma viúva com duas crianças. Mas ali, recebendo os cumprimentos dos criados de Thanet Bay, ela considerou que talvez não precisasse se acostumar. Que ela possivelmente estabeleceria uma nova forma de se tratar os empregados. Ao menos na Trowsdale House ou nas outras propriedades do seu futuro marido. Depois do jantar, que ela desfrutou à mesa com o duque, Lady Agatha e seus filhos, ela foi conduzida pela camareira Mary até os seus aposentos. Eles ficavam no segundo andar, ao lado do quarto ducal. Os meninos foram acomodados no quarto da frente, um em cada cama. Era a primeira vez que eles dormiriam em um colchão que não fosse feito de palha ou capim. Também era a primeira vez que eles teriam uma roupa de cama combinando e mais de um travesseiro. A alegria nos olhos de Peter fez com que os olhos dela ficassem úmidos. Elizabeth quase nunca chorava na frente dos filhos mas, naquele momento, era permitido. Quaisquer lágrimas que rolassem por sua face seriam de alegria e júbilo. Depois que os dois estavam adormecidos, ela se recolheu para tomar um banho e descansar. Fora um dia intenso. As emoções ainda não estavam bem organizadas dentro de si. Ela estava apaixonada. Amava Aiden Trowsdale, aceitara que não poderia tê-lo, e então ele a pediu em casamento no meio de metade das jovens damas da sociedade inglesa. Talvez ela devesse ter recusado. Aquele casamento faria mal para os negócios, ou para a imagem de Aiden na sociedade. Mas ela não quis recusar. O duque sabia bem o que estava fazendo. Ela o queria e, se ele a aceitava como ela era, então eles se casariam. Divagando em memórias recentes, Elizabeth recostou a cabeça na borda da banheira e fechou os olhos. Abriu-os subitamente ao sentir o toque dos lábios de aiden em seus ombros. — Desculpe, não queria te assustar. — Ele acariciou os cabelos dela com cuidado. — Como entrou aqui? Estou tão distraída que não ouvi a porta? — Os quartos são conjugados. — O duque beijou-a novamente. No pescoço, mordiscando o lóbulo da orelha. — Acha que eu colocaria minha futura esposa para dormir longe de mim? Fora do meu alcance? Ela riu. — Eu esperava que não. Mas, Aiden, eu ainda não posso…

— Nem eu vou. — O duque se levantou e indicou que ela deveria fazer o mesmo. Havia uma toalha branca e felpuda em suas mãos. Elizabeth se deixou envolver pelo tecido e pelos braços fortes e desnudos do seu futuro marido. Seria mais fácil se acostumar com toda a pompa da riqueza do que com Aiden como seu marido. Ele era lindo. Másculo. Íntegro, educado, bondoso. Tudo aquilo reunido em um homem só. E era exclusivamente dela. — Eu só quero te abraçar e passar a noite ao seu lado, Elizabeth. — Aiden murmurou nos ouvidos dela enquanto a enxugava. — Eu quero acordar com você e ter certeza que você estará aqui durante o dia. — Depois que você me trouxe de Greenwood Park, acho que estou sem opções de lugar para ir. Ela tentou brincar, mas ele falava sério. Os olhos de obsidiana que a fitavam indicavam que Aiden estava tenso. A rigidez dos seus músculos, também. — Nunca mais me deixe. Foi o que ele conseguiu dizer antes de beijá-la intensamente.

Todos os jornais de fofocas de Londres publicaram sobre o pedido de casamento feito pelo Duque que Shaftesbury à sua governanta. Não houve folhetim que não exibisse uma caricatura grotesca de uma mulher odiosa que carregava um pobre nobre pelo cabresto. Dois exemplares foram entregues na residência em Thanet Bay, mas não havia ninguém para se incomodar com eles. Desde cedo, Elizabeth e Lady Agatha foram para a vila. A estilista teria muito trabalho para produzir um vestido de noiva adequado ao casamento de uma duquesa. As duas sabiam que não seria nem exclusivo nem luxuoso. Mas tinha que ser um vestido perfeito. — Não pode ser branco. — Elizabeth lembrou. — Nenhuma cor extravagante. Talvez amarelo. Ou dourado? Não, eu ficarei muito pálida. Mas não quero usar rosa nem azul. — Talvez seja melhor deixar que eu ajude a escolher. — A estilista sugeriu, revirando seus cabides de vestidos. — Todas essas peças aqui foram usadas apenas uma vez. Com uma rápida reforma, podem ficar perfeitas.

Ela colocou os vestidos na frente de Elizabeth. Contando com a opinião sempre bem vinda de Lady Agatha, o escolhido acabou sendo um modelo pouco rebuscado e em um tom de dourado que combinaria com os cabelos da noiva. Os ajustes durariam boa parte do dia. Tempo suficiente para que alguns criados enfeitassem a capela da vila e para que Aiden terminasse de organizar os documentos para o casamento. Às seis em ponto, com o sol querendo se por no horizonte de Kent, algumas pessoas se reuniram para celebrar o matrimônio do duque com a plebeia. Só que, naquele momento, Elizabeth não se sentia plebeia. Nem nobre. Nenhum título ou origem de nascença era significativo quando ela caminhava, lentamente, ao som de violinos, na direção de Aiden Trowsdale. Ela era apenas uma mulher. Apaixonada, realizando um sonho, ela seguia na direção do homem que amava. Era apenas o que importava. Peter e Patrick vinham à frente e estavam radiantes de participar do casamento da própria mãe. Os convidados se resumiam a Lady Agatha, o Conde de Cornwall e seus irmãos, alguns arrendatários e criados. Todos deveriam poder participar daquele momento e compartilhar com ela a sua felicidade. O duque a recebeu com as mãos trêmulas. Ele sorria e ela não se lembrava de tê-lo visto tão espontâneo - e tão nervoso. Usava calça preta, camisa branca de linho, colete dourado com bordados e uma casaca preta abotoada à frente. Os botões também eram dourados, mas nada reluzia como o seu olhar. — Você é a única pessoa capaz de me fazer tremer, Elizabeth. — Ele beijou-a nos dedos enluvados. — Não sei se isso é bom ou ruim. — É bom que eu seja a única. O pároco conduziu uma cerimônia simples. Eles trocaram alianças, assinaram documentos e foram abençoados. Como aquele seria um casamento de duas partes, teriam que segurar os momentos dos votos. Só que seu marido não era dado a simplicidades. — Sei que esse não é o momento. — Ele disse, antes de saírem da capela. — E que prometi a Elizabeth que não teríamos votos. Mas eu preciso falar alguma coisa agora. Se os jornais desejarem publicar sobre o duque mais propenso a escândalos da Inglaterra se casando, então espero que publiquem tudo. Aiden virou-se para ela. Elizabeth não imaginava o que ele diria e desejou

bater nele. Era injusto que o duque decidisse mudar o que combinaram porque ela não tinha preparado nenhuma fala. — Elizabeth. — Ele a tocou na face e segurou-a pelas mãos. — Eu fui criado de forma pouco convencional e tive, durante toda a minha vida, aversão aos moldes da sociedade britânica. Ao contrário de você, que foi criada para ser uma dama. Não apenas uma dama, mas a melhor delas. O destino nos obrigou a cruzar caminhos e contrair uma doença fatal foi a melhor coisa que me aconteceu em toda a minha vida. — Alguns dos presentes seguraram o riso. — Sei que demorei demais para entender meus sentimentos. Mais ainda para entender que eu não ligo a mínima se você não tem sangue azul ou dotes. A nobreza que meu nome carrega é escrava do amor que sinto por você. Obrigado por me mostrar que pessoas como eu podem merecer pessoas como você. E que um duque também tem o direito de se casar por amor. Ela também estava tremendo quando ele terminou de falar. A pequena capela estava em silêncio, esperando. Aiden passou o polegar pelos olhos úmidos da sua esposa e a beijou. Era bem provável que sim, Elizabeth poderia se acostumar a ser amada por ele.

Epílogo

Londres, dezembro de 1891 A NEVE que caía do lado de fora deixava o Natal mais bonito, mas as ruas de Londres estavam geladas. Elizabeth passara o dia fora com o marido e os filhos. Eles visitaram várias casas e instituições de caridade e recolheram pessoas que estavam vivendo nas ruas. Distribuíram presentes e garantiram uma refeição quente, calefação e cobertores para muitas famílias miseráveis. Aiden Trowsdale sempre foi um benfeitor, um homem que fazia a caridade e compartilhava seus bens. Depois que conheceu Elizabeth, ele passou a ser um dos nobres mais dedicados a melhorar a vida das pessoas. E eles estavam casados há poucos meses. Quando retornaram para a Trowsdale House, naquele dia vinte e quatro de dezembro, estavam certos de terem tornado o Natal de parte dos cidadãos londrinos mais alegre e aquecido. As crianças correram para a frente da lareira e foram recebidas pela tutora, Sra. Cunningham. Ela tinha chocolate quente e biscoitos para um lanche. — É uma pena que Agatha não esteja conosco. — Elizabeth lamentou, sentando-se no sofá de veludo estampado que guarnecia a sala de estar. — Eu gostaria muito de passar nosso primeiro Natal em família. — Também sinto falta dela, mas Agatha precisava voar. Ela vai retornar mais experiente e provavelmente pronta para sossegar com um bom casamento. Lady Agatha estava nos Estados Unidos da América com duas primas e Moira. Ela havia pedido para sair e conhecer o mundo logo depois do casamento de Aiden, alegando que ele não precisava mais dela para manter a

cabeça no lugar. Elizabeth deu dois tapinhas no sofá, indicando que o duque deveria se sentar ao lado dela. Eles continuavam não sendo como todo casal tradicional da nobreza, pois sempre demonstravam afeto público e não cansavam de declarar seus sentimentos. — Você poderia parar de insistir em casar a sua irmã. Quando o homem certo aparecer, ela saberá reconhecê-lo. — Assim como você me reconheceu imediatamente? Ela riu e ele a beijou. Peter pulou no meio dos dois e atrapalhou o momento. — Podemos abrir os presentes? — Devemos abri-los na manhã, quando já for Natal. — Elizabeth decidiu. — Então podemos abrir alguns presentes? Por favor, eu quero muito abrir presentes agora. Claro que ele queria. O menino nunca tivera um Natal. Desde que nascera, as privações impediram que Elizabeth desse a eles uma celebração condigna com o evento. Não tinham árvore decorada, nem jantar típico, nem presentes. — Creio que algumas caixas possam ser abertas. — O duque segurou Peter em seu colo. — Diga, quais você acha que são para você? O grande pinheiro decorado estava em um canto da sala, enfeitado com bolas e guirlandas. Havia tantas caixas com laços embaixo dele que era impossível ver a base. — Os que têm meu nome escrito? — Parece que você é mais esperto do que eu pensava. — Aiden levantouse com Peter ainda em seus braços. A cena fez com que Elizabeth sentisse o coração ainda mais aquecido. Toda vez que ele dizia que a amava, ela se apaixonava um pouco mais. Mas, quando demonstrava carinho por seus filhos, ela tinha vontade de agarrá-lo e beijá-lo no meio de todo mundo. — Escolha duas caixas e abra-as. Patrick pode fazer o mesmo. O menino mais velho era menos dado a demonstrar afeto, mas não hesitou em sair de onde estava para escolher os presentes que gostaria de abrir. Aiden voltou para o lado da esposa segurando uma caixa de veludo nas mãos. — Esse é seu. — Achei que tínhamos combinado não trocarmos presentes. — Ela pegou a caixa e abriu. Havia um vidro de perfume dentro.

— Eu sei, mas não resisti. Essência de gardênias. Peter voltou para o lado deles. Elizabeth sabia que o filho era impertinente sempre que os dois estavam juntos por sentir ciúmes. Mas Aiden tinha muita paciência com ele e nunca se aborrecia com seus excessos. — Esse é meu presente para você. — O menino entregou um papel colorido ao duque. — Um desenho da família, eu que fiz. — Excelente. Vamos descobrir quem são todos. Aiden foi apontando os desenhos um a um e confirmando. Havia representações dele, de Elizabeth, dos meninos, do gato e do cachorro. E havia um personagem a mais naquele desenho, que o duque não conseguiu identificar. Seria outro dos animais de rua que Peter insistia em recolher? Elizabeth não falou nada. No instante em que ela viu o desenho na mão do filho, já sabia que o segredo que ela vinha guardando para aquela ocasião seria revelado prematuramente. — Quem é esse, Peter? — Aiden perguntou. — Outro gatinho? — Não. Esse é o bebê que mamãe está esperando. Ele respondeu com um largo sorriso. Aiden olhou para a esposa, que o fitava com a expressão de culpa. — Bebê? — Eu pretendia contar amanhã. — Ela zombou. — Parece que também tenho um presente de Natal para você. O duque se levantou e segurou Elizabeth nos braços. Abraçou-a com cuidado, mesmo que desejasse espremê-la contra seu peito. — Tem certeza? — Absoluta. Estou bastante atrasada e já estive em uma consulta com um médico. Você vai ter um herdeiro, Aiden Trowsdale. Aquele era o melhor presente de Natal que ele nem poderia esperar. Sem se preocupar com a presença das crianças e dos criados, o duque segurou a face de Elizabeth nas mãos e a beijou. Tomou a boca dela com volúpia, procurou sua língua, fez com que os corpos se ajustassem para aumentar o contato entre eles. — Você terminou de ler o livro que te emprestei? — Ele perguntou, subitamente, interrompendo o beijo. Ela demorou alguns segundos para entender a pergunta e depois para lembrar a resposta. — Com todos os acontecimentos dos últimos meses, não. Por quê? — Eu queria saber se eles tiveram um final feliz. — Finais felizes são apenas para livros, meu marido. — Ela o beijou

novamente. — Não servem para pessoas como nós. — Então você acha que não seremos felizes? — Claro que seremos. — Elizabeth passou as mãos pelos cabelos escuros do duque. Ela adorava a maciez daquele toque. — Nós não teremos um final. Os sinos da capela em Mayfair bateram indicando as seis horas. Um coral de crianças cantava na rua, em frente a Trowsdale House, preenchendo a sala com vozes infantis. Os meninos correram para a porta para ver. O duque encarou sua duquesa com os olhos de meia noite que tanto a encantavam e a segurou em seus braços. — Eu te amo, Aiden Trowsdale. E não havia nada com que ela sonhasse mais do que se casar com o amor da sua vida.

Notas 2. Capítulo segundo 1 Esse não é um evento histórico confirmado. Foi inserido para justificar o temor das pessoas em uma nova epidemia.

Cena extra NOITE DE NÚPCIAS

C OM E LIZABETH DE RESGUARDO , os recém-casados não puderam consumar o casamento. Não que eles precisassem, pois já tinham consumado o amor várias vezes antes de contraírem núpcias. Mas as regras precisavam ser cumpridas. Eles estavam em Londres. Apenas uma mês depois de se casarem na capela da vila em Kent, foram para a capital para tratar de assuntos de interesse do duque e agilizar alguns preparativos para o casamento na Igreja de São Jorge. Os meninos ficaram em Thanet Bay aos cuidados dos criados. Era a primeira vez que Elizabeth conheceria a Trowsdale House em Mayfair. A casa do Duque de Shaftesbury era então a sua casa. Os empregados receberam a nova duquesa com entusiasmo. Ficaram um pouco chocados quando ela dispensou uma camareira para ajudá-la a tomar banho e se vestir. Ela ainda não tinha se acostumado novamente aos vestidos que começaria a usar e a ter criados à sua disposição para fazer as coisas que ela sempre sozinha. — Você precisa visitar uma estilista. — Aiden disse. Eles estavam nos aposentos ducais, depois de jantarem em casa. Como era esperado, a nobreza virou as costas para o Duque de Shaftesbury. As fofocas se intensificaram e alguns convites para eventos sociais foram retirados. Apenas os amigos mais antigos e os burgueses, sem sangue azul, mantiveram o mesmo relacionamento de antes. Elizabeth temia que aquilo tudo afetasse Lady Agatha e atrapalhasse um casamento. Mas a lady sozinha dava conta de destruir suas chances de arrumar um bom marido, preferido viajar pelo continente a frequentar a próxima temporada londrina.

— Sei que preciso, mas não tenho nenhuma vontade. — Ela pediu ajuda ao marido para desabotoar o vestido e retirar o espartilho. Desde que conhecera Elizabeth, uma das coisas que mais dava prazer ao duque era despir sua esposa. — Adoro os vestidos lindos e cheios de camadas, mas estou tão acostumado às roupas mais simples que… — Você pode usar a roupa que quiser. — Aiden beijou-a nos ombros que acabara de desnudar. — Ou não usar roupa alguma, o que é ainda melhor. Ele a virou para si e reivindicou a sua boca. Elizabeth desmontou nos braços do marido, recebendo com satisfação a língua que procurava uma abertura em seus lábios. — Em Londres eu preciso me portar de forma adequada. — Ela murmurou sem descolar a boca da dele. — Já arruinei sua vida social, se me vestir como uma plebeia miserável, nunca vão parar de nos julgar por ficarmos juntos. — Shhhh. — Aiden a silenciou com um beijo intenso. O vestido que ela usava já estava no chão, embolado em uma pilha aos pés deles. O duque ainda trajava suas calças e a camisa branca de linho. — Diga-me, o doutor Davies pediu quanto tempo de resguardo? Elizabeth afastou-se alguns centímetros e segurou a face do marido nas mãos. A expressão dele confundia desejo com antecipação. — Trinta dias. — Trinta dias da data do nosso casamento ou trinta dias de quando… Sem conseguir terminar a frase, Aiden deixou no ar sua dúvida. — O prazo dele acabou ontem. O duque entendeu que ela estava zombando dele. Homens apaixonados não eram razoáveis, principalmente se estavam a tanto tempo sem poder fazer amor com suas esposas. Eles estavam casados, por Deus, e ele ainda não pudera fazer com ela tudo que desejava. Naquele instante o duque segurou sua esposa nas mãos e a jogou sobre a cama. Saber que podia amá-la sem causar riscos à sua saúde despertou nele toda devassidão contida. E Elizabeth adorava a versão devassa do marido. Nua e esparramada sobre os lençóis, ela o observou abrir os botões da camisa e arrancá-la pela cabeça. Depois, abrir a calça e descartá-la no chão do quarto. Ela adorava ainda mais vê-lo despido e se dar conta do quanto o corpo dele demonstrava o desejo por ela. — Minha duquesa, agora que somos casados eu prometo que não terei nenhuma restrição. Eu quero fazer amor com você a noite inteira, se me

permitir. E cada vez eu serei mais ousado, sendo que cada vez você gostará mais. — Tem como ser mais ousado do que… Ela se surpreendeu. Recordou as vezes em que ele a beijara em sua feminilidade, usando a língua para penetrá-la e conceder-lhe prazer. Para ela, aquela era a coisa mais absurda que um homem poderia fazer com uma mulher. Na cama. E estava enganada. — Pode ter certeza que tem. — Ele riu. — Mas não se preocupe. Eu só farei o que você gostar, e farei bem feito. Claro que ele faria. Aiden era um amante espetacular e ela duvidava que outro homem fosse capaz de proporcionar tanto prazer a uma mulher. Dizendo aquilo, o marido subiu na cama e a beijou. Colocou uma perna entre as dela, fazendo-a se abrir para receber seus dedos habilidosos. Sempre que ele a beijava daquela forma, o turbilhão de sensações quase naufragava Elizabeth em mar aberto. Ela se sentia tão à deriva das emoções e dos sentidos que mal conseguia perceber algo que não fosse o toque dele. Os lábios dele nos dela. A língua procurando a dela. Os dedos abrindo-a em sua intimidade e circulando seu botão rosado até fazer com que ele inchasse. A carência de contato mais íntimo fez com que os dois estivessem muito ansiosos por alívio. Cobrindo-a com seu corpo musculoso, o duque forçou espaço entre as pernas da esposa e a penetrou devagar. Encostou a testa na dela e moveu os quadris uma vez, duas vezes, tão lento que parecia estar sendo muito difícil se controlar. Até que ele se soltou e passou a investir contra ela. Forte. Profundo. Ele tinha o ritmo que a levaria a loucura e foi assim que Aiden seguiu até que Elizabeth se entregasse à libertação do orgasmo. Não levaram duas estocadas para que ele buscasse o próprio alívio dentro dela. Foi rápido, mas ele tinha prometido mais. — Céus. Depois de tanto tempo, não sei como resisti tanto. Ele riu, puxando-a para si. Elizabeth recostou em seu peito nu e suado, sentindo as gotículas de suor lhe umedecerem a pele. Ela também estava exaurida. — Espero nunca mais precisar passar tanto tempo sem você, Elizabeth. — O duque beijou seus cabelos. — Estou embriagado pelo desejo e pela paixão, sem você eu passo o tempo contando as horas para estar com você. Sou um empreendedor inútil, uma vergonha para os homens. — Não há qualquer vergonha em amar. — Ela se apoiou nos cotovelos e

o encarou. Havia tanta sinceridade no escuro profundo daqueles olhos que ela não tinha como duvidar do quanto ele a amava. Era real. — Eu estava prestes a aceitar uma vida de imoralidade porque amo meus filhos e porque amo você de tal forma que seria capaz de vender minha alma ao diabo se isso fosse fazer com que fôssemos uma família. Mesmo que não fôssemos. — Eu sinto muito por tê-la feito passar por isso. — Aiden beijou-a na boca. — Mas agora você é a minha mulher. E eu nunca deixarei que se esqueçam disso, ou que você se esqueça do quanto eu te amo. Elizabeth sorriu. Ela poderia ouvi-lo dizer que a amava o tempo todo, porque era quase tão prazeroso quanto o sexo. Quase. Deixou que seus dedos passeassem pelo corpo do marido e seguissem a trilha que conduzia até seu pênis. Aiden soltou um gemido ao senti-la tocando-o enquanto ainda estava recuperando as forças. — Você prometeu ser muito devasso essa noite. Ela o encarou com um brilho indecente no olhar. Sim, ele seria o mais despudorado dos maridos e Elizabeth estava pronta para se tornar a mais corrompida das esposas.

UM CONDE PARA CURAR MEU CORAÇÃO

Prólogo

Nova Iorque, 1892 A NOITE ERA intensa e escura em Nova Iorque. As pedras das ruas estavam úmidas pela chuva que caía fina e mantinha as pessoas quase todas dentro de casa. De dentro de uma habitação precária, com pouca iluminação, ouvia-se os gritos de uma mulher. — Força. A senhora precisa fazer força. Os comandos vinham da parteira que lutava para colocar uma criança no mundo. A gravidez era de risco e o bebê não estava na hora de vir. Era muito cedo, tinha-se certeza que ele não sobreviveria. Mesmo assim, ele precisava nascer. — Eu não aguento mais. — Se não fizer força, senhora, vai morrer parindo. Seu filho não deve ter chances de sobreviver, mas a senhora ainda pode ter outros. As duras palavras não impactavam mais a jovem que, sobre uma cama simples, gritava de frustração e exaustão. Havia quatro mulheres naquele quarto e nenhuma delas ouviu o choro de uma criança quando ela finalmente nasceu. O bebê não tinha nem seis meses de gestação. Ele tinha o tamanho de um filhotinho e já nasceu sem respirar. Enrolado em uma coberta branca, o pequeno corpo foi levado até a jovem. Ela se encolheu na cabeceira da cama, puxando os joelhos até o peito. Finalmente, tinha acabado. Mas não havia alívio algum. Virando a cabeça, ela se recusou a segurar o filho natimorto. Naquele instante, quando todo o horror dos últimos sete meses passaram por sua cabeça, ela apenas conseguia pensar na mãe.

As mulheres conversaram entre si e levaram o bebê embora. — A senhora não quer saber se era menino ou menina? — Uma delas perguntou. — Não me interessa. — A jovem disse. — Ele está morto, mesmo. E era melhor daquela forma. Ela nunca conseguiria conviver com aquela criança. Se ela nascesse viva, seria o lembrete permanente da violência que a jovem sofreu. Seria a materialização da sua burrice e imbecilidade, por ter se iludido tão facilmente por um lobo em pele de cordeiro. Todas saíram e o quarto ficou em um excruciante silêncio. Não havia mais nada, nem gritos, nem dor, nem nada. O vazio no peito da jovem dama não podia ser preenchido por nada. Ela se encolheu sobre o colchão, abraçou os joelhos e ficou ali por muito tempo. Não comeu nem bebeu nada por um dia inteiro. Até que a fraqueza fez com que ela se entregasse à escuridão.

Capítulo primeiro

O C ONDE DE C ORNWALL não conseguia acreditar no que estava segurando. Em suas mãos, uma carta finamente redigida, com a linda letra de sua Bridget. E ela estava rompendo com ele.

Caro Edward, É injusto que eu continue vinculada a nosso compromisso quando tenho uma proposta muito mais rentável na Alemanha. O arquiduque que deseja me desposar acrescentará muito mais ao patrimônio da minha família e sua incomparável saúde financeira foi definitivamente um requisito para que meu pai tomasse essa decisão junto comigo. Espero que você não se importe por ele não sentar para negociar os termos do nosso rompimento, porém a viagem para Londres seria extenuante para ele. Um advogado o procurará em breve. Lady Bridget.

Uma carta! Sua noiva escrevera uma maldita carta de poucas palavras para dizer que não haveria mais casamento. A batida sobre a mesa de mogno chamou a atenção de outras pessoas na casa. Lorde Isaac McFadden entrou no escritório do irmão com uma expressão confusa de quem não entendera o

barulho. O conde era uma pessoa calma e contida, quase sempre. Era difícil, quase impossível, vê-lo perder a paciência. — Algum problema, Ed? — Sim. Muitos problemas. Uma tonelada deles. — O conde sacudiu o papel que segurava, sem entregá-lo ao irmão. — Lady Bridget, minha estimada noiva, decidiu que era uma ideia brilhante escrever-me uma carta para romper nosso noivado! — Romper? Lorde Isaac foi até o bar e serviu duas doses de conhaque. Sabendo que o humor do irmão não melhoraria logo, escolheu o melhor malte que poderia acalmá-lo precariamente. — Sim. Romper. Veja você mesmo. O conde entregou a carta ao irmão, que a leu rapidamente. O papel estava amassado mas a letra desenhada da dama era inconfundível. — Isso é uma afronta, Edward. — O lorde devolveu o papel ao irmão e se sentou. — Você deveria processá-los, eles merecem ser processados. — E tornar isso um escândalo? Céus, não. — Edward também sentou e passou as mãos pelos cabelos loiros. Os fios estavam compridos demais, ele estava desalinhado e amarrotado. Aquela era uma versão ruim de si mesmo e já faziam dias que não sentia interesse em se arrumar. Não era por causa da carta, exatamente. — Isaac, com o afastamento de Aiden, eu estou sobrecarregado. Nossos negócios sobreviveram a um duque casando com uma plebeia respeitável, mesmo que isso tenha custado a vida social dele. Mas não sei o quanto sobreviveriam a uma disputa minha contra minha exnoiva. É patético demais. Ele desabafou sobre o irmão, que o ouviu pacientemente. Desde que Elizabeth, a Duquesa de Shaftesbury descobriu que estava grávida, seu marido não fazia quase nada. Aiden vivia em casa com a esposa, cuidando dela e do futuro herdeiro que estava a caminho. Talvez fosse porque ela já havia sofrido uma perda, antes. Ou era porque Aiden era um boboca apaixonado. Apaixonado. Quanta bobagem era pensar que um homem como ele poderia se casar por amor. Edward e o amor eram bastante incompatíveis. — E o que fará? — Esperarei o advogado. A quebra desse contrato vai custar uma fortuna para eles, porque Bridget também não pode suportar nenhum escândalo. Depois que eu arrancar do pai dela todos os bens que conseguir, procurarei

outra noiva. — Vai dar trabalho. — Lorde Isaac finalizou sua bebida. — Você levou bastante tempo cortejando Lady Bridget. — E quem disse que vou cortejar minha próxima noiva? — O conde bateu o copo de vidro na mesa. — Agora, eu só caso por negócios. Quero um casamento padrão da sociedade inglesa, com o menor grau de envolvimento pessoal possível. O lorde encarou seu irmão por alguns segundos. Ele duvidava que Edward estivesse falando a verdade. Naquele momento, o conde estava ferido e se sentindo traído, sofrendo com o abandono. Claro que ele jamais admitiria nada disso. Mas Lorde Isaac sabia que seu irmão, apesar de tudo, queria ser amado. O irmão não era como todos os outros homens que ele conhecera. Edward fora retraído, tímido e tratado como um soldado pelo pai. Enquanto todos os filhos tiveram amor, cuidado e carinho, Edward recebia ordens, instruções e era treinado para assumir uma função. Isaac sentia até mesmo alívio em ser o segundo filho. E, por mais que o conde insistisse em apresentar uma carapaça impenetrável, ele precisava ser cuidado por alguém. Amado por uma mulher.

Quando o navio atracou no porto de Shadwell, Aiden Trowsdale estava lá para receber sua irmã de volta. Aquela foi uma das poucas vezes que deixou a residência desde que sua esposa engravidou. Elizabeth estava bem, gozando de boa saúde e feliz, mas ele temia pela sua segurança e do seu herdeiro a caminho. O excesso de zelo provavelmente tinha a ver com o fato de sua mãe ter enfrentado tanta dificuldade para parir crianças saudáveis. Ou porque Elizabeth tivera um abortamento, antes. Quando eram amantes e resistiam em enfrentar toda a sociedade para viver o amor, o Duque de Shaftesbury engravidou Elizabeth. A criança não desenvolveu. Segundo o doutor Davies, médico da família, aquilo era bem comum de acontecer. Geralmente a mulher nem mesmo descobria que era um abortamento, acreditando que o sangue se tratava das regras mensais. Provavelmente, o duque apenas gostava de cuidar da sua esposa. Estar com Elizabeth e os meninos, filhos do primeiro casamento dela, era a parte mais prazerosa de seu dia. Mas ele precisava eventualmente sair, ir ao

Parlamento, encontrar com seus encarregados das propriedades, visitar a fábrica que construíram em Shadwell. Tinha decidido que não viajaria, mas não podia ficar recluso em casa. Naquele momento, Aiden estava ansioso para reencontrar sua irmã, que passara quase um ano inteiro nas Américas. Ele estava feliz como nunca esteve em sua vida toda, e queria que Agatha compartilhasse da sua alegria. Tinha certeza que ela ficaria radiante ao descobrir que teria um sobrinho. Enquanto os passageiros desembarcavam por uma prancha de madeira, o duque aguardava junto aos demais expectadores. Seus olhos procuravam o brilho que acompanhava Agatha onde ela fosse. E não encontraram. Ela estava ali, vindo em sua direção. Portava um sorriso e vestia um tom pálido de lilás que sempre combinou com ela. O vestido era simples, com um decote decorado em renda e laços enfeitando a saia. Em sua cabeça, um chapéu também rendado completava o visual que remetia Aiden ao passado. Mas tinha algo faltando. — Aiden! A jovem atirou-se sobre o irmão assim que o viu. O duque teve que se reequilibrar para não cair no meio do porto. Foi um abraço apertado e demorado, condizente com o comportamento de sua irmã, mas que apenas confirmava as suspeitas de Aiden. Alguma coisa estava diferente nela, mesmo que tudo parecesse o mesmo. Seria o brilho no olhar? A ausência dele? Ou a forma como ela sorria, sem o entusiasmo de sempre? O fato de que o abraço entre eles indicava que ela se sentia segura como há muito não sentira? — Seja bem vinda de volta, irmãzinha. — Ele a beijou no topo da cabeça. — Nossa, nunca imaginei que sentiria tantas saudades de ser desafiado por você. — Sua esposa não está dando conta disso? — Agatha franziu a testa e encarou o irmão. — Tenho que conversar com Elizabeth, ela não está fazendo um bom trabalho. Aiden explodiu em uma risada e conduziu a irmã pela multidão com uma mão em suas costas. — Ela está fazendo um trabalho excelente. Você vai adorar revê-la. Temos uma surpresa. — Uma surpresa? O que é? — Se eu contar agora, deixa de ser surpresa. Quando chegaram à carruagem de laca preta e ornamentos dourados,

Hodges estava guiando os cavalos. Ele cumprimentou Agatha com uma reverência e logo Geoffrey e Granger chegaram puxando um carrinho de madeira com a bagagem da lady. Aiden também estranhou que ela retornasse com menos malas do que quando partira. A Trowsdale House ficava em uma das mais belas e ricas regiões de Londres, próxima a áreas verdes e muito tranquila. Enquanto faziam o trajeto, Aiden observava a irmã em seu silêncio enigmático. Agatha nunca fora silenciosa. Ela olhava a paisagem pela janela da carruagem e suspirava, dando a entender que sentira saudades de casa. — Como está mamãe? Ele fez a pergunta inconveniente porque sabia que, assim, ela despertaria do transe. — Igual. Quase nunca sai do quarto, não trata ninguém com o mínimo respeito, e está ainda mais azeda culpando você por ser um filho ingrato. — Não sei por que pensei que ela podia aprender alguma coisa com as maldades que fez. — O duque pressionou a ponte do nariz, demonstrando sua exaustão com aquele assunto. Assunto que foi encerrado e o silêncio permaneceu durante o restante do trajeto. Assim que chegaram à Trowsdale House, Elizabeth estava na entrada para recebê-los. Ela estava muito ansiosa desde o dia anterior, falando no retorno da cunhada com muita antecipação. As duas se deram bem desde o início e com certeza tinham muitas novidades para compartilhar. Não foi muito difícil para Aiden notar o choque de Agatha ao ver que sua esposa estava grávida. A beleza de Elizabeth estava realçada pela barriga redonda e alguns quilos a mais. A roupa, que acomodava seu corpo crescendo, não era muito elegante para as damas saírem às ruas. Qualquer pessoa que olhasse para ela saberia que carregava um bebê de muitos meses, e a expressão de susto de Agatha era intrigante. Não era susto, era pavor. Como se a gravidez a aterrorizasse. — Agatha. — Elizabeth a abraçou assim que a dama pisou no último degrau. — Quantas saudades! Estou tão feliz com seu retorno. — Eu também. — A jovem, que tinha ficado pálida repentinamente, sorriu. — Não aguentava mais as Américas, mas ao menos a sociedade deles é mais livre. — São um pouco bárbaros. — Aiden criticou. Ele continuava observando atentamente a irmã. — Estou muito feliz também por essa surpresa.

Agatha colocou as duas mãos em concha ao redor da barriga da cunhada e suspirou. — Nós estamos radiantes. Apesar dos meninos apostarem que será uma garotinha, Aiden ainda não parou de sonhar com seu herdeiro. — As apostas estão altas. Até Edward está contra mim, ou seja, se for menino eu ficarei rico. — Você já é rico, meu marido. — Elizabeth deu uma risadinha. — Então eu ficarei duplamente rico. — Conversaremos sobre os modos americanos e apostas sobre o sexo do bebê depois. Agora Agatha precisa descansar. — Elizabeth passou o braço pelo ombro da cunhada e a conduziu para dentro da casa. — Seu quarto está arrumado. Essa é sua casa. Depois que a irmã subiu e se fechou no quarto, o duque beijou sua esposa e disse que precisava se retirar no escritório para resolver alguns assuntos de trabalho. Era uma desculpa para refletir um pouco sobre os breves momentos do retorno de Agatha. Havia alguma coisa errada com ela, algo muito diferente que conduzia a uma conclusão ruim. Ele precisava descobrir o que acontecera nas Américas e era provável que tivesse que fazer perguntas subliminares.

A casa de jogos de Elliot Riderhood era a melhor de Londres. Se um cavalheiro procurasse bebidas extravagantes e muita depravação, não havia outro lugar para onde ele deveria ir. O proprietário se orgulhava de servir os melhores uísques escoceses, o melhor conhaque e o mais respeitável bourbon. Também tinha os mais honestos crupiês e as mais lindas e higiênicas damas. Era motivo de honra para Riderhood que ninguém pegasse uma doença venérea em seu estabelecimento. Aquele vinha sendo o lugar favorito de Edward McFadden desde que fora abandonado pela noiva. Ele jogava até ganhar o suficiente, ou perdia até esvaziar os bolsos. Bebia até perder parcialmente os sentidos e, de vez em quando, se servia das prostitutas. Muitas das vezes ele pagava para reclamar delas, para dizer que mulheres eram cobras venenosas e para ofender o gênero feminino. Elas ouviam sem questionar. E ele pagava mais para que elas questionassem, para que brigassem com ele e ele pudesse brigar com

elas. Naquela noite, Edward já tinha bebido bastante e perdido libras demais quando fora resgatado por Lorde Isaac. O irmão o interceptou na mesa de carteado e cancelou a aposta que ele acabara de fazer. — Você não pode me interromper, Isaac. — Edward protestou. — Riderhood vai chutar sua bunda daqui. — Quem você acha que mandou me chamar? O jovem lorde ergueu o irmão, colocando-se debaixo do ombro dele, e o afastou da mesa. — Riderhood é um idiota. Ele deveria querer que eu perdesse minhas tripas nessas mesas. — Até um idiota tem moral. O proprietário da casa de jogos interpelou os homens. Era visível a dificuldade que Isaac, mais magro e jovem do que Edward, tinha para carregar o irmão. — Pode levá-lo para um dos quartos, se quiser. — Riderhood ofereceu. — Garanto que ninguém irá importuná-lo até amanhã. — Agradeço a oferta, Sr. Riderhood, mas consigo levá-lo para casa. Edward precisa se recompor, essas não são atitudes de homens na posição dele. — Concordo, mas aqui todos perdem a linha. Seu irmão vem sofrendo de coração partido, não será fácil remendá-lo. — Não entendo os motivos de tanto sofrimento. — Lorde Isaac apoiou-se em uma pilastra. — Meu irmão nem mesmo amava Bridget. — Orgulho ferido, coração partido, quem se importa? — Edward esbravejou, com uma voz embriagada. — Aquela vagabunda me humilhou e nem mesmo posso desafiá-la para um duelo. Lorde Isaac e Riderhood se olharam. A comunicação muda sugeriu que eles entendiam que não era possível argumentar com o homem embriagado. Aquele vinha sendo o comportamento deplorável do conde desde a ruptura do noivado, e era o irmão que garantia que os escândalos fossem abafados. Se a sociedade soubesse, não faria muita diferença. Homens raramente eram julgados por seus deslizes de conduta. Mas as fofocas dificultariam para Edward conseguir uma esposa, além de aumentarem a humilhação que ele já vinha sofrendo. A melhor coisa era esconder a bebedeira e depravação moral do conde e fingir que nada acontecia. — Sabe quem retornou para Londres, Ed? — Lorde Isaac tentou puxar

uma conversa racional com o irmão para impedi-lo de adormecer. Estavam dentro da carruagem, a caminho de McFadden Gardens. — Não faço ideia, nem me interessa. — Creio que interesse, sim. Lady Agatha Trowsdale. O conde ergueu o olhar e encarou o irmão. A expressão vencedora de Lorde Isaac era insuportável. Aquele sempre fora um assunto que atiçara a atenção de Edward, mesmo que ele negasse veementemente qualquer interesse na jovem Trowsdale. — Ela voltou quando? — Edward ajeitou-se no banco acolchoado. — Há uma semana, mas está ainda descansando da exaustão da viagem. Recebeu poucas visitas e o duque vai organizar um jantar íntimo de boasvindas. — Como sabe tudo isso? — Eu costumo conversar com Wilhelmina. — Lorde Isaac riu. — E eu ouço a nossa irmã, ao contrário de outros. Sem falar mais nada, o conde continuou empertigado em seu assento. O assunto do retorno da irmã mais nova de seu melhor amigo o afetara de alguma forma, Lorde Isaac só não sabia o que aquilo significava. Seria ótimo se servisse para colocar o irmão na linha.

— Eu não quero ser anfitriã de um baile. Agatha reclamou à mesa do café da manhã. Ela estava sentada com o irmão e Elizabeth, e fora comunicada que Aiden planejava dar um jantar para celebrar o seu retorno à casa. — Não é um baile, Agatha. É um jantar íntimo, para poucos convidados. Você retornou há uma semana, não saiu de casa, mal deixou seu quarto. Precisamos te reapresentar à sociedade. A jovem bufou, demonstrando sua insatisfação. O duque não entendia a irritação da lady, a irmã sempre adorou bailes, festas e eventos. — A viagem foi exaustiva. — E agora você já descansou o suficiente. Está na hora de aparecer outra vez, Agatha, ou você logo ficará uma solteirona. Ninguém vai querer casar com você se continuar agindo dessa forma. Ela estava prestes a retrucar quando Elizabeth percebeu que deveria

intervir. A questão do casamento de Agatha sempre fora um ponto de discórdia entre os irmãos. A ida para as Américas desagradou Aiden, porque ele temia que ela se afastasse demais da sociedade e perdesse os bons pretendentes. Naquele momento, qualquer pretendente já parecia adequado à dama que insistia e não cumprir com as regras sociais. — Agatha, veja pelo lado positivo. Você poderá encontrar suas amigas, as irmãs Westphallen, e até mesmo alguns jovens cavalheiros. Se preferir, escolha os convidados, faça a sua lista. Mas concordo com seu irmão, um jantar de boas-vindas é necessário depois que você passou quase um ano nas colônias. — E você deve participar de eventos sociais estando assim tão grávida? Aquele era um ponto relevante. Mulheres grávidas não costumavam comparecer aos eventos mais elegantes da sociedade. Ainda mais Elizabeth, que estava de quase seis meses e se recusava a usar espartilho. Ela alegava que poderia prejudicar o bebê ser apertado daquela forma e que nunca usara a peça nos dois outros filhos. O que significava que ela não deveria mais frequentar eventos formais. — Claro que não. Por isso o jantar será oferecido por nós e contará apenas com amigos íntimos. — Não tenho como me livrar, certo? — A jovem cedeu, batendo os talheres no prato de porcelana. — Não. — O duque decidiu. — É bom ver que o tempo fora não afetou seus excelentes modos. Blasfemando algo em tom de voz ininteligível, Agatha levantou-se e saiu da mesa sem pedir licença. Ela era geralmente bastante educada, mas não estava interessada em fingir comportamento. O período nas Américas foi horrível, ela viveu os piores dias de sua vida e só queria esquecer de tudo. Não podia. Não conseguia. Eventos assombrosos se repetiam em sua mente toda vez que tentava dormir. E ela não podia contar a ninguém. Não podia confidenciar a uma amiga, nem conversar com sua cunhada tão solícita. Elizabeth podia compreendê-la, mas Agatha tinha vergonha demais para revelar seus segredos. Ela não queria um jantar, nem um baile, nem nada. Queria ficar trancada no quarto por meses até a dor passar. Mas não teria como se livrar das investidas do irmão, a não ser que contasse a verdade. Era melhor continuar fingindo, ser mal educada, afastar todo e qualquer possível pretendente e, se desse sorte, aceitar ser enviada para um convento.

Capítulo segundo

O CONVITE para um jantar na residência do Duque de Shaftesbury era um convite recusável. Depois que ele se casou com a governanta, o círculo social do duque se restringia a poucos amigos que o apoiaram e os negociantes burgueses. Os nobres costumavam rejeitar os convites antes mesmo de recebê-los. Não fora supresa para Agatha quando os convidados que confirmaram presença eram os mesmos de sempre. A família do Visconde de Whitby, as famílias dos negociantes que Aiden conhecia, a família do Conde de Cornwall. Também estavam presentes alguns poucos nobres que eram mais próximos de Aiden e suas filhas com quem Agatha não tinha tanta proximidade. Alem de Lady Anne Brighton. Eram umas cinquenta pessoas no máximo, porém representava gente demais. Olhando-se na frente do espelho, ela estava infeliz. Os cabelos escuros estavam presos em camadas no alto da cabeça, ornamentados com laços e flores. O vestido lavanda era discreto demais, mas fora o único que aceitara usar. Sua beleza não tinha se alterado, mesmo tendo engordado alguns quilos. Como era muito magricela antes, Agatha apenas se tornara mais esbelta e com curvas femininas. Ela estava mais velha, mais cansada e com problemas demais. Batidas à porta indicaram que ela precisava descer. Os convidados já tinham começado a chegar e ela, a anfitriã, não estava lá para recebê-los. Bem, ela se lembrava de quando Aiden fizera a mesma coisa tempo atrás e a colocara em situação de precisar pedir ajuda a Edward McFadden. Não parecia injusto que ela lhe desse o troco. Edward. Ela estivera evitando pensar no conde, assim como em quase todos os seus conhecidos. Não queria sentir muitas saudades deles enquanto

viajava. Mas a memória do episódio ocorrido no último verão em Thanet Bay fez com que a imagem dele tomasse seus pensamentos. Como estaria Edward? Já casado, provavelmente. Não, ela teria sabido se Lady Bridget já fosse a nova condessa. O que estaria postergando o casamento deles? Um cortejo muito longo não era prudente para um homem na idade do conde, ele precisava de herdeiros. — Milady, o seu irmão pediu que eu levasse a senhora. — John insistiu, do outro lado da porta. — Aliás, ele deu ordens para carregá-la nos ombros, se fosse preciso. — Aiden anda muito dramático. — A lady apareceu prontamente vestida e preparada para o confronto social. — Como estão as coisas lá em baixo, John? — Tranquilas. Vossa Graça anda tão feliz que tudo nessa casa tem sido tranquilo, alegre e empolgante. Diria que há entusiasmo demais no duque e ele precisa extravasá-lo. Agatha deu uma risadinha e se encaminhou para uma entrada triunfal. As escadas do segundo andar davam diretamente no hall principal e ela se deparou com praticamente todos os convidados ali, conversando enquanto bebericavam champanhe. Estampou um sorriso na face e desceu degrau por degrau, segurando a saia com um das mãos e acenando com outra. Seu peito apertou. Ela queria ver todas aquelas pessoas, ela gostava delas. Eram amigos e amigas que ela sempre respeitou. Ao mesmo tempo, o pânico de que alguém percebesse que havia algo errado com ela se intensificou. Era como se as marcas que as Américas deixaram nela pudessem ser vistas por qualquer expectador mais minucioso. Ela estava pronta para manter aquele sorriso falso pela noite inteira, mas sua expressão de alegria murchou repentinamente quando ela viu o inconveniente amigo do irmão. Sempre petulante, excessivamente tradicional e acostumado a tirá-la do sério toda vez que se encontravam, o Conde de Corwnall estava… lindo. Não. Agatha não o achava lindo de verdade. Eles se conheciam desde que ela era um bebê, pensar em Edward como um homem sensual e sedutor era um pecado. Deveria ser. Ele era um lindo no estilo anjos das pinturas, porém loiro. Se bem que os anjos das pinturas eram gordinhos e fofinhos, enquanto o conde tinha aquela aparência máscula, o tronco largo e os braços fortes, cujos músculos ela já tinha visto diversas vezes enquanto ele e o irmão travavam algumas disputas no galpão. Era alto, tinha pernas longas e…

Agatha constatou que Edward estava mais para o diabo encarnado do que para um anjo. E ela não entendeu sua reação ao prestar tanta atenção nele. Você sentiu saudades dele, menina tola. Uma voz gritou dentro dela e foi silenciada. Claro que sentira saudades de Edward, assim como sentira do gato que fora adotado pelos filhos de Elizabeth. — Milady. — Ele deu dois passos na direção dela e só então Agatha percebeu que caminhara direto para ele. — Que bom revê-la. Seja bem vinda ao lar. Edward segurou a mão enluvada e beijou os nós dos dedos dela. Ele estava com a barba por fazer e ela pode sentir os fios arranhando a pele, mesmo coberta. A jovem sentiu um tremor lhe percorrer a espinha e ela precisava falar alguma coisa desdenhosa para irritá-lo, como sempre fazia. Aquilo reequilibraria seus sentimentos. — Precisei voltar, as Américas não estavam preparadas para me receber. — Certamente que não. Ele sorriu e não devolveu nenhuma provocação. Ao contrário, ofereceu o braço para conduzi-la até o salão do brunch, em uma gentileza muda. — Muito cavalheirismo de sua parte, milorde, mas preciso cumprimentar meus outros convidados. Com uma reverência, Agatha se afastou do conde sem entender absolutamente nada do que tinha acontecido.

O brunch estava delicioso e o jantar só seria servido depois de onze horas da noite, era o esperado. No intervalo, os homens bebiam e falavam de coisas masculinas e as mulheres fofocavam sobre a sociedade. Lady Madeline estava bem mais afiada do que Agatha se recordava. Ela nem mesmo deu importância ao motivo do evento, que era uma recepção para a amiga. Não parou de falar sobre as outras damas e de alfinetá-las. Agatha suspeitava que aquele comportamento era uma forma de defesa. Ela passou a acreditar nisso depois de sua viagem. As pessoas feridas ou que não conseguem lidar com alguns aspectos da vida tendiam a mentir e a tirar o foco delas mesmas. Mas Lady Madeline ultrapassava vários limites. E ela não estava muito tolerante. Boa parte da sua amabilidade tinha se perdido em algum momento desde que pegou o navio para ir às Américas.

Ela não conseguiria fingir por muito tempo estar interessada na conversa desagradável da amiga. Resistiu o quanto pode até ser educado inventar uma desculpa qualquer e se afastar. Depois de se servir de mais ponche, Agatha foi na direção dos jardins. A Trowsdale House era circundada por um belíssimo jardim com flores coloridas, treliças com trepadeiras, bancos de pedra e estátuas que foram trazidas do continente pelo pai. Algumas poucas áreas mais afastadas, próximas do muro coberto de plantas, eram comumente usada pelos amantes para se esconderem. Naquele evento não havia casais apaixonados, então ela podia se refugiar por ali. Enquanto caminhava, notou que tinha bebido um pouco mais de ponche que deveria. Sentiu a boca dormente e tropeçou duas vezes pelo caminho. Não era a primeira vez que ela bebia além da conta. Uma dama nunca abusava do álcool. Uma dama sequer bebia vinho puro, só dissolvido em água. Mas, nas Américas, os costumes eram diferentes. Mais livres. Lá as damas bebiam com mais frequência. E bebidas mais fortes. E ela já tinha experimentado o quanto aquilo poderia ser ruim. Agatha ficou ali no jardim, sentada em um banco, por algum tempo. Ela apoiou o rosto nas mãos e deixou a mente esvaziar. Ainda assim, os mesmos pensamentos insistiam em reaparecer. Assombrada por pesadelos mesmo estando acordada, tudo que Agatha queria era um momento de paz. Ela se assustou quando alguma coisa a tocou no ombro e quase desabou no chão. — Calma, milady. — A voz grave e insuportável do Conde de Cornwall se fez ouvir no quase silêncio da noite. — Estou acostumado a causar esse efeito das mulheres, mas geralmente elas caem nos meus braços. Edward sentou-se no banco de pedra como se sua presença fosse bem vinda. Passando a mão para ajeitar as camadas das saias, Agatha se acomodou novamente e enfrentou o perfil do homem que se atrevia a perturbá-la. — A sua certeza sobre suas habilidades como amante beira à arrogância. — Tenho várias testemunhas que atestariam em minha defesa. — Ele riu e bebeu parte do líquido âmbar que estava em suas mãos. — Sua noiva, inclusive? Agatha se arrependeu do que disse no instante seguinte a dizê-lo. Ela soube que o conde havia sido abandonado pela noiva. A história lhe foi contada por Lady Madeline com detalhes provavelmente exagerados, porém ela tinha certeza que o episódio ferira o ego masculino de Edward.

— Você agora passou dos limites, Agatha. — Ele a encarou com ferocidade. A lady nunca vira tanta intensidade nos olhos do conde. O azul dominado por mágoa e raiva, indicando que o assunto era mais incômodo do que ela considerava. Será que Edward amava Lady Bridget? Poderia ele estar sofrendo com um coração partido? A perspectiva fez com que ela sentisse alguma simpatia pelo conde, mesmo que ela desejasse provocá-lo e irritá-lo o tempo todo. — Eu posso ter muitos defeitos mas eu jamais defloraria minha noiva antes de nos casarmos. — Desculpe-me. — Ela suspirou e olhou para o céu estrelado. A cidade era nublada e cinzenta, dificultava a compreensão das constelações. — Mas vocês iam se casar mesmo, imaginei que… — Como pode ver, não nos casamos. — O conde virou o restante do líquido que estava no seu copo. — E desde quando uma dama fala sobre esses assuntos com um cavalheiro? Não acredito que estamos discutindo isso. Agatha deu uma risadinha. O espartilho estava apertado demais e alguma coisa coçava dentro de suas roupas. Não estava frio, mas ela sentia mais calor do que era admissível. Ela olhou novamente para o conde e fitou seu perfil por alguns instantes. O ponche estava mesmo muito forte ou ela não perderia seu tempo admirando aquela criatura desprezível. — Penso que milorde já deveria saber que não sou uma dama convencional. Eu gosto de conversar sobre qualquer coisa com os cavalheiros. Provavelmente, esse é um dos motivos pelos quais vocês homens fogem de mim. Sentem-se intimidados. O breve silêncio que sucedeu à afirmação sagaz e arrogante indicou que ela havia vencido a discussão. Entre eles sempre havia uma disputa, um combate para decidir quem tinha o melhor argumento. Ou quem faria o outro desistir primeiro. Surpreendentemente, Agatha não se satisfez em ganhar. Naquele momento, ser melhor ou mais irritante do que o conde não lhe interessava. Ela estava ainda exausta e se sentiu ridiculamente frágil sendo observada pelo homem. Seria melhor que ele fosse embora e a deixasse ali. Que desistisse dela, como os outros faziam. Mas Agatha se lembrou que, apesar de tudo, Edward nunca desistiu dela. Que ele sempre tentou fazer com que ela se sentisse melhor ou embarcou em seus planos mais absurdos. Claro que ele não a deixaria ali, e era certo que ele notaria a lágrima que escapou da barreira de contenção e molhou as bochechas dela.

Todas as forças da Natureza gritavam que ele não deveria fazer aquilo. Vá embora daí, Edward McFadden. Não adianta discutir com ela, você sempre perde. Apenas volte para os negócios. Mas ele não ouviu as vozes que tentavam afastá-lo. A estranha sensação que teve ao vê-la descer as escadas lhe surpreendeu. Meses atrás, Edward se lembrava de ter acompanhado o amigo duque até o porto para despedir-se da irmã mais nova. Uma jovem impertinente que provavelmente seria devolvida pelos americanos em poucas semanas. Ela se foi como uma garota magra demais, uma pilha de ossos ambulantes, ornamentada com laços e flores em excesso. E então ela voltou, tendo ficado tempo demais no outro continente. Edward não sentira falta dela até vê-la outra vez. Agatha não era mais uma menina aborrecida que insistia em descumprir todas as regras da sociedade. Ela tinha se tornado uma mulher. Estava encorpada, com os olhos mais vibrantes e os cabelos mais brilhantes. Não usava flores ou laços, mas a simplicidade da seda e do veludo com cores sóbrias que a deixavam com um aspecto maduro. O conde não deveria enxergar a irmã do seu melhor amigo como uma mulher. Ela era, no máximo, uma dama que ele respeitava e por cuja honra zelava. Da mesma forma que Aiden cuidaria de Wilhelmina se fosse preciso, Edward deveria ser o porto seguro de Agatha. O que ele estava fazendo ali, então? Sentado com ela em uma parte remota do jardim, tocando-a na face com uma mão sem luvas? — Você está chorando, Agatha? Ele tinha que saber. Mesmo que ela tentasse manter a mesma altivez de sempre, a luz peculiar que brilhava dentro de Agatha estava apagada. Ela estava mais linda, uma mulher de curvas e formas desejáveis, mas seu interior parecia vazio. — O que houve nessa viagem que te deixou assim? Quando ela se virou para ele, havia confusão e fúria nos olhos verdes. Ao mesmo tempo que ela parecia ansiar por ser protegida e entendida, ela o estava mandando embora. Vá, Edward. A voz ignorada continuava dando ordens que não seriam cumpridas. — Nada que seja da conta de ninguém. — Você era tão intrigante, sempre desafiadora, nunca media palavras

para falar com as pessoas. Isso ainda está aqui em você, mas é como se você estivesse interpretando um papel. Eu olho para você e vejo um pedido de ajuda. — Não seja ridículo, milorde. Ela quis virar o rosto, ele não deixou. Os dedos dele não pararam de tocála. Ao contrário, Edward acariciou-a com o polegar e permitiu que sua mão se acomodasse de forma a segurar a face de Agatha nas mãos. Ela não o repeliu, apenas permaneceu encarando-o com ferocidade e… ele podia apostar que era desejo. Seus olhos vagaram brevemente para o pescoço dela, descendo para o colo despido, onde repousava uma gargantilha de diamantes. A renda do vestido fazia sombra sobre o decote, que subia e descia na respiração acelerada dela. Edward voltou a encará-la e seu corpo assumiu uma proatividade que ignorou a razão. Sem perceber como, ele se pegou baixando a cabeça e levando sua boca até a dela. Não que ele pretendesse beijar alguém. Menos ainda, ele não pretendia beijar Agatha. Mas a visão da boca dela, rosada como um morango e entreaberta na busca por ar, fizeram com que todo o uísque que bebera durante o dia assumisse o controle. Ela hesitou por dois segundos e agarrou a lapela do casaco dele, puxando-o para mais perto. O beijo, que iniciou como um toque de lábios, ficou intenso. Edward pressionou a boca contra a dela, forçou sua língua até penetrá-la sutilmente e surpreendeu-se ao perceber que ela era mais experiente do que sua aparente ingenuidade sugeria. Os corpos se aproximaram. As camadas de saias da lady estavam por sobre as pernas dele, o joelho dela perigosamente próximo de uma zona muito sensível. Edward abafou um gemido e enfiou os dedos por entre os cabelos dela, desalinhando-os. Nenhum dos dois estava nas posses de suas faculdades mentais plenas. Entregues ao momento, não perceberam as vozes que aumentavam a cada segundo. Também não ouviram o ruído da porta de metal e vidro se abrindo. E não notaram que o jardim foi ocupado por outras pessoas, que não deveriam pegá-los naquela situação. — Oh. Um ganido agudo despertou Edward do transe e ele levantou a cabeça para ver de onde ele vinha. Seus olhos azuis capturaram as figuras assombradas de Lady Madeline, Lady Sarah e Lorde Brandon com sua esposa. Em um impulso, ele puxou Agatha contra seu peito e ela enfiou a face por dentro do casaco dele.

— Parece que interrompemos algo importante. — Lorde Brandon pigarreou e comentou, fazendo com que a esposa virasse para o outro lado. — Vamos ver se há outro lugar da casa em que possamos ver as constelações, senhoritas. As quatro pessoas saíram do jardim da mesma forma que entraram, sem dizer mais nada. O coração de Edward estava disparado e ele mal conseguia respirar. Aquela era uma situação totalmente fora do seu controle. Depois que a noiva decidira terminar com ele por uma maldita carta, nada mais esteve em seu controle. E o olhar que Lady Madeline lhe dedicou quando saía indicava que ela não mediria esforços para fazer a fofoca circular o mais rápido que pudesse.

Capítulo terceiro

O BURBURINHO de vozes já estava deixando Agatha com dor de cabeça. O excesso de ponche cobrou um preço alto e ela não sabia como ia se livrar daquele escândalo. A resposta era simples, ela não ia. As fofocas eram como labaredas de fogo em um monte de palha, se alastravam com uma velocidade incontrolável. Logo, toda a festa sabia que ela estava aos beijos com o Conde de Cornwall no jardim. Aos beijos. Com o conde. Com Edward. Ela não podia acreditar em tanta estupidez. Fora exatamente por causa de uma situação como aquela que ela viveu seus piores momentos em Nova Iorque. Álcool, um homem oportunista, uma decisão equivocada. Edward não era um aproveitador, ela sabia. O que houve nos jardins era totalmente diferente do que acontecera em Nova Iorque, muitos meses atrás. Mesmo assim, não era menos grave. Sentada em um canapé, na sala privativa de Aiden, ela aguardava uma conversa dos homens dentro do escritório. De vez em quando, ouvia um ruído de madeira batendo. — Beba isso. Elizabeth sentou-se ao lado dela e entregou uma xícara com um líquido esverdeado. Agatha não perguntou o que era, apenas obedeceu. A cunhada sempre fora uma pessoa sensata e provavelmente interviria a favor dela, qualquer que fosse a decisão do duque. — O que acha que eles estão conversando? — Eles não estão conversando. — Elizabeth suspirou e deixou seu olhar se fixar na porta. — Eles estão se estranhando, Aiden está brigando e batendo na mesa, Edward está se desculpando e eles terminarão tomando a decisão correta.

— Como sabe que será a decisão correta? — Agatha insistiu. — Minha querida. — Elizabeth passou a mão pela face agoniada da lady e a puxou para um abraço. — Seu irmão é um pouco devagar, mas ele acaba sempre tomando as melhores decisões. Os homens não percebem tudo na nossa velocidade, porém eu confio que Aiden é sábio. Enquanto as mulheres falavam, a porta se abriu. O conde apareceu com uma aparência desgrenhada que não afetava em nada a sua beleza. Ao contrário, deixava-o ainda mais sedutor. O que estava acontecendo com Agatha? Ela nunca tinha sequer prestado atenção o suficiente nos atributos físicos de Edward. Desde quando os cabelos um pouco compridos demais, reluzindo em tons de âmbar e dourado, os olhos azuis penetrantes e a boca vermelha e carnuda chamavam a sua atenção? — O duque pediu que entrasse, milady. — Ele se dirigiu a Agatha, somente. — Vamos juntas. — Elizabeth segurou a mão dela e sorriu, assegurando que tudo ia ficar bem. Agatha apenas não compreendia se o conceito dela do que era bom era o mesmo de seu irmão. — E não podemos nos demorar porque o jantar logo precisa ser servido. — Para o inferno com o jantar. — Aiden esbravejou assim que elas entraram e se sentaram em um sofá. Agatha sentia o coração bater rápido demais e seu estômago borbulhava. Estava ansiosa, mesmo que já soubesse o que muito provavelmente tinha sido decidido. — Se bem que precisamos dele para fazer o anúncio. — Que anúncio, meu marido? Elizabeth perguntou, sem tirar o sorriso dos lábios. Agatha gostaria de ser mais conciliadora como ela. Suas explosões impulsivas quase sempre a colocavam em problemas. — Do casamento desses dois, é claro. Agatha sentiu o ar ser arrancado de seus pulmões. Ficou paralisada por alguns instantes sem conseguir mexer um músculo. Seus olhos vagaram até os do conde e ele já olhava para ela. Intenso, amargo, confuso. Ele era uma mistura de emoções. As mãos estavam fechadas em punhos. Elizabeth levantou-se e se colocou atrás do marido. Com as duas mãos, massageou os ombros tensos do duque. — Aiden, meu amor, essa foi uma decisão sua ou de Edward? — Ela sussurrou no ouvido do marido. — Minha. — Edward respondeu, mesmo que a pergunta não lhe tenha

sido dirigida. Ele continuava olhando para Agatha e mais ninguém na sala. — Posso ter bebido mais do que deveria e ter feito algo imperdoável. A única forma de reparar o dano é essa. — Se ele não tivesse tomado essa decisão conscientemente, eu a teria enfiado goela abaixo. — Aiden rosnou. Ele estava tenso. — Eu não quero me casar. — Agatha ousou contestá-los. — Não é justo que seja obrigada a me casar com alguém apenas porque… — Apenas? — Aiden levantou da cadeira. Elizabeth segurou-o pelo braço e fez com que ele se sentasse outra vez. — Agatha, o que vocês dois fizeram não pode ser tratado como apenas! Lady Madeline apressou-se em contar para todos os convidados, que cuidarão de contar para toda Londres, que você estava em um beijo escandaloso com o conde em meus jardins. Vocês dois não têm nenhuma vergonha? E agora você me diz que não quer se casar? — Você se casou com uma plebeia porque a amava. — Agatha esbravejou, levantando do sofá. Por instinto, o conde tentou se colocar entre ela e o irmão. Um braço impediu que ela avançasse mais. — Eu fiquei do seu lado quando todos achavam que estava louco. Você pode se casar por amor, Aiden, e quer me obrigar a um casamento arranjado? Eu nem gosto de Edward! — Então por que diabos estava aos beijos com ele na minha casa, Agatha? Aquela pergunta a silenciou imediatamente. Não fora a fúria do irmão, que também precisou ser contido pela esposa grávida. Não fora a audácia dele em exigir que ela se casasse com um homem que ela não escolheu. Agatha não conseguiu replicar porque ela não sabia a resposta. Ela não entendia por que havia beijado, ou se deixado beijar, por um homem que ela nunca sequer considerou interessante. Edward era seu amigo. Era irritante, era como seu irmão. Ele não podia ser o seu marido. E, ainda assim, ela olhou para ele em uma fração de segundo e notou que ele a engolia com o olhar. Não entendeu o que aquilo significava, ou se significava realmente alguma coisa. Edward também nunca teve para com ela nenhuma atitude que sugerisse que ele a visse diferente de uma garotinha. — Meu amor. — Elizabeth sussurrou no ouvido do marido. — Posso conversar com Agatha um instante? Em particular? Aiden virou-se para a esposa e acariciou a redonda barriga que carregava

seu filho. Ou filha. — Se for para colocar qualquer juízo na cabeça dela, faça-me esse favor. A duquesa sorriu e beijou o marido rapidamente. A excessiva demonstração de afeto entre eles era motivo de críticas e comentários jocosos, mas Aiden não ligava. Ele já tinha rompido com tudo quando decidira se casar com uma plebeia viúva, uma mulher sem linhagem. Demonstrar que estava apaixonado por sua esposa e que pretendia ser fiel a ela era uma coisa bastante fora de moda. Um comportamento burguês que ele estava feliz em assumir. Segurando na mão de Agatha, Elizabeth conduzi-a para fora do escritório. Antes, passou pelo conde e o encarou com olhos semicerrados. A jovem dama não conseguiu evitar ouvir o que ela sussurrou. — Espero que saiba o que está fazendo.

Fechada no salão de chá com a cunhada, Agatha rodava em círculos pelo lugar. Talvez ficasse tonta, mas qualquer coisa era melhor do que a sensação de não ter saída. De estar em uma posição de não poder escolher. — Espero que essa conversa não seja para me convencer a aceitar a absurda proposta de me casar com Edward. — Não pretendo convencê-la. — Elizabeth serviu uma xícara de chá. O bule ainda estava quente, as demas tinham acabado de sair. O jantar seria servido em quinze minutos e elas precisavam se apressar. — Sei que fará a coisa certa. Pretendo apresentar a você as opções. — Eu tenho opções? Meu irmão deu a entender que não. — Seu irmão é… seu irmão. Um duque. Ele acredita que tem uma autoridade infinita. Mas ele tem muita sabedoria, Agatha. — Elizabeth sentou-se no sofá e indicou que a jovem dama deveria sentar ao lado dela. — Você e Edward… quer me explicar? — Não. Eu não sei o que houve. — Até uma virgem como você sabe o que é um beijo. Agatha engoliu e sentiu a boca seca. Aceitou o chá que lhe fora oferecido e sentou. Claro que ela sabia o que era um beijo. Sobre a virgindade… era melhor que ninguém soubesse dos segredos sobre o que acontecera nas Américas.

— Sei que nos beijamos. Não entendo como. Nem por quê. — Tenho uma teoria, mas prefiro esperar para falar sobre ela. De qualquer forma, minha querida, você foi comprometida. Lady Madeline é uma jovem cheia de rancor que arruinou sua reputação. Ela não vai parar enquanto não fizer o mesmo com você. Casar-se com o conde é a melhor solução, ou você nunca mais se casará com nenhum homem respeitável. — Não queria mesmo casar. — Claro que queria. — Elizabeth passou as mãos pelos cabelos da lady, ajeitando alguns cachos caídos. — E tenho certeza que o conde será um marido muito bom. Ele é atencioso, zeloso, respeitável, rico e tem uma aparência ótima. O estômago de Agatha doeu e ela ficou sem saber se era fome ou a simples menção aos dotes físicos de Edward. — Nada disso importa. De todas as pessoas, você e Aiden deveriam entender que… — Eu entendo. — Elizabeth não a deixou continuar. — Por isso disse que você tem escolha. Se disser que não se casará com Edward, eu convencerei seu irmão. Mas você arcará com as consequências disso. Entende quais são? Reputação arruinada. Jamais conseguir um marido decente. Ser excluída dos círculos sociais aos quais estava acostumada. Agatha tinha uma vaga noção do quanto sofria uma dama da sociedade que fora comprometida por um homem. Já Edward não sofreria qualquer censura. Aquilo era injusto. Ao mesmo tempo que ela tinha plena certeza que não queria se casar com o conde, considerou se a oportunidade não fosse uma interferência do destino para lhe oferecer algum conforto. Ela poderia colocar regras rígidas de contato físico com o marido e acabaria com uma posição confortável. Edward teria as amantes que quisesse, ela teria paz e manteria sua vida social. Ele conseguiria uma esposa de estirpe, ela conseguiria um marido de conveniência. Tudo dependeria dele não descobrir que ela já fora violada. E Edward certamente descobriria quando ela não sangrasse na noite de núpcias. O que Agatha poderia fazer para evitar uma anulação e uma vergonha ainda maior, ela não sabia. Ainda. Mas uma ideia lhe ocorreria. Naquele momento, aceitar uma proposta de casamento seria vantajoso. Ela enrolaria com um noivado longo e talvez eles até rompessem, quando o conde entendesse que tinha feito bobagem em fazer aquela proposta. — Tudo bem. Eu aceitarei. Vamos avisar aos homens que nosso noivado

será anunciado essa noite e que o beijo fora apenas um episódio de excessiva demonstração de carinho. Edward estava com muitas saudades e, em razão do meu retorno, não se conteve. Elizabeth sorriu e se levantou, com alguma dificuldade. A barriga pesando e dificultando-a a encontrar seu centro. Quando abriram a porta, Edward McFadden estava ali, esperando. Ele deu o braço para que a duquesa se apoiasse. — Temos um noivado a anunciar. — Agatha rosnou. — Certo. Seu irmão fará isso. Ele está levando os convidados para a sala de jantar, eu vim buscá-las. O conde ofereceu o braço a ela, também. Agatha hesitou mas segurou-o na dobra do cotovelo. Ele estava quente e era macio. Mesmo com a luva e as camadas de tecido que o cobriam, ela sentia a tensão dos músculos do antebraço dele. Firmes. Ela se lembrava que o corpo de Edward era todo definido por exercícios físicos mas era a primeira vez que tocá-lo despertava nela qualquer coisa. Deus me ajude, ela pensou em silêncio. Sabia que já cometera vários pecados em nome de seu coração, talvez aquele fosse seu castigo.

Depois que todos se sentaram à grande mesa de jantar e foram servidos de bebidas e da sopa de entrada, o duque pigarreou e chamou a atenção dos convidados. Não havia nenhuma severidade em sua expressão, ele parecia natural e relaxado. Edward olhou ao redor para confirmar que ninguém o observava, mas todos prestavam excessiva atenção em Agatha. Ela remexia a sopa com a colher, envergonhada. Aquilo causou nele a vontade de gritar. Ninguém naquela mesa tinha uma reputação exemplar. Eram todos excluídos da grande sociedade por algum motivo. Lorde Brandon, casado com a camareira. Lady Madeline, que havia tentado seduzir o duque à força. O Marquês de Brisbane, que já tinha desperdiçado toda a fortuna da família e fora ameaçado de deserdação pelo pai porque um escândalo revelara que ele mantinha um homem como amante. E eles ousavam julgá-la? — Meus amigos. — O duque disse e todos prestaram atenção. — Minha satisfação de tê-los em minha casa, hoje, para receber minha irmã depois de

uma longa viagem às Américas, é enorme. Maior ainda porque tenho um anúncio a fazer. Começou um burburinho que fez Agatha se encolher mais. Edward sentiu uma mão tranquilizadora, porém firme, em seu ombro. — Não vá até ela. — Sussurrou seu irmão, Isaac. Edward percebeu então que estava prestes a se levantar para se colocar ao lado da mulher. Isso era muito estranho. Ele insistia que nunca nutrira qualquer sentimento por Agatha que não fosse o mais puro carinho fraternal. Ele sempre a viu como sua irmã pequena. Uma garotinha que ele deveria cuidar e proteger. Mas ela não era mais uma garotinha. O conde estava plenamente consciente disso. — Eu esperaria mais alguns dias para revelar isso, mas parece que os dois pombinhos não conseguiram conter a euforia pelo retorno de Agatha. Então, é com satisfação que lhes informo que meu melhor amigo, o Conde de Cornwall, pediu a mão de minha irmã em casamento. Os sorrisos poderiam ser falsos, mas aquela notícia aplacaria a fofoca. Aiden sempre foi muito talentoso com as palavras, mesmo que ele raramente se dispusesse a usá-las em eventos sociais. Elizabeth operara um verdadeiro milagre com ele, pois, desde o casamento, o duque se mostrava muito mais sociável e calmo. Olhares e frases amenas desejando parabéns ao casal preencheram a conversa na mesa. O Visconde de Whitby ergueu sua taça de champanhe e brindou ao casal. Edward sorriu agradecendo enquanto sua então noiva não parecia apreciar o momento. Ele também não estava feliz com os arranjos, mas ela podia fingir um pouco mais. Ficaria difícil convencer as pessoas que estava ao menos conformada com o noivado se sua expressão era de pura derrota. — E quando será o casamento? — Lady Sarah perguntou, com sincera curiosidade. — Em duas semanas. — Aiden determinou. — Isso é realmente rápido. — Lady Sarah bebericou seu champanhe. — Dará tempo de organizar os festejos? — Temos muito dinheiro e criados o suficiente à nossa disposição. Esse é o tempo que Edward precisa para conseguir a permissão de casamento. Como todos perceberam, eles estão bastante ansiosos. O jantar se seguiu tendo o casamento como assunto principal. Perguntas demais foram feitas e as respostas evasivas se davam ao fato de que o pedido

fora feito logo no retorno da jovem. Não tiveram tempo para organizar nada. Os pratos se seguiam em uma velocidade controlada, os criados sempre muito bem treinados e coordenados para trocar os pratos, recolher farelos e rejeitos, encher os copos. Depois de nove pratos e duas sobremesas, os homens permaneceram à mesa com uma garrafa de vinho do porto e uma caixa de charutos, enquanto as damas se refugiaram no salão de chá. Por sorte, nenhum assunto sobre beijos em jardins ou casamentos foram tratados durante o momento masculino. Todos beberam e falaram de negócios, como era de se esperar. Sempre que se reunia, aquele grupo só pensava em negócios. Não era por acaso que estavam todos cada vez mais ricos. Horas depois, Aiden decidiu encerrar sua participação no próprio evento. Os convidados podiam continuar bebendo e conversando, mas ele precisa levar esposa para a cama. Elizabeth passou a dormir cedo por causa da gravidez e ele é o tipo de marido que vai fazer companhia a ela, se não estiver trabalhando. O grupo se dissolveu, todos indo para suas casas. O conde, no entanto, vagou um pouco pelos salões até se reencontrar com ela. Sua noiva. Agatha não abriu a boca, apenas indicou que eles precisavam conversar em particular. Ele a seguiu por um corredor bastante iluminado e com paredes decoradas por quadros com toda a genealogia dos Trowsdale. A família tendia a se orgulhar bastante da sua linhagem. Quando chegaram ao terraço privativo, ela fechou a porta e os isolou. As vidraças enormes não conferiam nenhuma privacidade, mas não havia mais muito risco de serem pegos sozinhos. Afinal, iriam se casar. — Você não tem juízo? — Ela esbravejou. — Por que casar comigo? Edward olhou ao redor e não viu uma mesa com uísque e copos. Nada que indicasse que ali havia bebida. — Preciso de um drinque. — Já não acha que bebeu o suficiente? — Parece-me que não. Pelo visto, nunca é o suficiente. — Ele a encarou. A jovem tinha os braços cruzados na frente do corpo e media pouco mais de um metro e meio. Mesmo assim, ela parecia ocupar todo o terraço. — O que quer de mim, Agatha? — O que eu quero? Edward, você me beijou! — E você me beijou em retribuição. Achei que a sua língua na minha boca indicava isso.

Ela enrubesceu imediatamente. Todos os tons de vinho das cortinas de veludo estavam nas bochechas de Agatha enquanto ela parecia muito irritada e envergonhada. — Eu concordei em casar com você porque provavelmente não me casarei com ninguém. Estou começando a ficar velha demais para fazer isso. Meu irmão assinou uma sentença de exclusão social quando se casou com Elizabeth, e isso me afetou indiretamente. Porém… não vamos dormir juntos. — Minha casa é enorme, podemos ficar em quartos separados. — O conde também cruzou os braços. — Não precisamos dormir juntos. — Eu estou dizendo que não vamos… não faremos nada na cama. Coisas que maridos e esposas fazem. Edward levou alguns segundos enfrentando o semblante desafiador de Agatha. Ela o fitava com ira, com uma irritação que poderia derrubá-lo. Compreendendo o que ela dizia, sua vontade foi de rir. — Você está dizendo que não vamos fazer sexo, Agatha? É isso? Ele segurou uma risada e isso a irritou ainda mais. Quase era possível ver fumaça saindo das orelhas da lady. — Nunca. — Temos que consumar o casamento. Se não fizermos isso, ele não será válido. As cores na face de Agatha se intensificaram. Ela parecia uma pimenta, de tão vermelha. — Não vamos. Não é um casamento por amor, mesmo, que importância tem a validade dele? — Qualquer pessoa pode anulá-lo, milady. — Edward deu dois passos na direção dela e estendeu os braços para segurá-la pelos ombros. Agatha se retraiu. — É tão repugnante assim a ideia de se deitar comigo, mesmo que seja apenas uma vez e por um motivo justo? Ela manteve o olhar baixo. Edward sentiu o desprezo dela como se fosse uma espada lhe furando o peito. Horas atrás ela o beijou com tanta intensidade que quase lhe arrancou o fôlego. Havia desejo na forma como ela o tocara. E então ela aceitava o casamento mas o recusava como se ele tivesse uma doença incurável. Aquilo o magoou. Ele já fora rejeitado uma vez e jurou que não se abriria novamente para ser machucado por nenhuma mulher. Se Agatha não o queria, então ela não o teria.

Capítulo quarto

A SSIM QUE O conde saiu do terraço, Agatha soube que o tinha magoado. Ela vinha fazendo aquilo com frequência, magoando as pessoas que se importavam com ela. Mas não havia nada que pudesse fazer. Estava aceitando se casar para fugir de um escândalo, mas isso significava que ela tinha que ficar longe do seu marido. Antes, acreditava que podia enrolar o irmão e o noivo. Podia segurar o noivado por alguns anos. Isso poderia fazer com que Edward desistisse dela. Ele poderia se apaixonar por alguém e liberá-la do compromisso. Talvez aquele casamento nunca se concretizasse e ela tivesse sorte. Mas o irmão tinha determinado duas semanas. E o conde não havia contestado aquele prazo. Ela tinha duas semanas para fazer com que nada desse certo ou nunca deixar seu marido tocá-la. Se ele descobrisse que ela não era mais virgem, ela estaria desonrada. Talvez ela pudesse contar a ele. Edward era um homem de compaixão. Sempre fora bondoso, fizera caridade, recebera todos em sua casa. Desde que assumira o condado ele demonstrara sua capacidade de aceitar as pessoas como elas eram. Ele poderia entendê-la. Mas ela não conseguia nem mesmo pensar no que aconteceu, como poderia fazê-lo compreender? Deitada em sua cama, ela não conseguia dormir nem pensar em um plano satisfatório. Não havia muito a fazer que não rezar. Talvez Deus a perdoasse pelos pecados e a ajudasse. Mas não teve muita sorte em suas orações. Ao menos, Deus parecia um pouco mais devagar em atendê-la do que os planos casamenteiros de seu irmão e sua cunhada. No dia seguinte ao jantar, uma equipe chegava à Trowsdale House para discutir os preparativos da festa. Confeiteiros,

modistas, decoradoras, floristas. Gente para decidir sobre o bolo, os doces, o vestido, a decoração, o buquê. E estavam acompanhados de Lady Sarah, Lady Madeline e Lady Anne. — O que veio fazer em minha casa? — Agatha recebeu a irmã Westphallen mais velha com desprezo. — Depois do que aprontou ontem, não acha que já me causou problemas o suficiente? — Minha querida Agatha, o que eu fiz foi ajudá-la. — Lady Madeline demonstrou estar ofendida com a recepção. — Com a sua idade e sua disposição para arrumar um marido, você dificilmente se casaria antes de se tornar uma solteirona. Eu dei um empurrãozinho, até porque você e o conde não estavam muito preocupados em se esconder, mesmo. A expressão autêntica na face de Lady Madeline indicava que ela acreditava sinceramente em suas boas intenções. Que ela achava que a interferência foi positiva. Afinal, a dama Westphallen não acreditava em casamento por amor, só queria fisgar um marido com bom título e riqueza. Tendo perdido a chance de se casar com Aiden Trowsdale, ela tivera sua reputação destruída, mas acreditava que estava ajudando uma amiga. Como era tola. Mas Agatha sabia que aquele era o pensamento da maioria das damas. O que importava era um marido rico, com título e, de preferência, uma aparência física que encorajasse a consumação do casamento. E não havia nada de desencorajador na aparência de Edward. — Diga-nos, Agatha… vocês estão apaixonados? — Lady Anne estava bastante empolgada. — Edward é um sonho, tão lindo como um anjo, educado e rico. Absurdamente rico. — Meu irmão é rico. — Agatha esbravejou. — E não estamos apaixonados. Casamento por amor é coisa de burgueses. — Seu irmão se casou por amor. — Lady Madeline desdenhou. — Aiden é como se fosse um burguês, mas com um título. As damas deram risinhos cúmplices. Agatha pediu que lhes servissem o desjejum no salão, enquanto as pessoas apresentavam maquetes, modelos e tentavam convencê-la das melhores coisas para o casamento. — Você não é uma noiva muito empolgada. — Lady Sarah questionou, depois de algumas horas em que Agatha não demonstrou muito envolvimento com os preparativos do próprio casamento. — Aliás, você parece bastante diferente desde que retornou as Américas. O que aconteceu por lá? — Nada. — Ela foi ríspida. — Eu não estou diferente, estou mais velha.

E cansada. Não tenho interesse nesse monte de bobagens. Agatha levantou-se e ajeitou as saias. Foi até os bolos que estavam expostos e escolheu qualquer um. Depois, fechou os olhos e apontou para uma das opções de cardápio. Quanto ao vestido, decidiu pelo primeiro que havia experimentado. Não tinha vontade de continuar a sessão de tortura que eram os preparativos para um evento que lhe causaria mais problemas do que soluções. — Seu marido vai gostar do seu jeito prático. — Lady Madeline implicou. — Homens sempre reclamam que as damas não tomam decisões racionais. Agatha dispensou a comitiva. Mandou todo mundo de volta e pediu que não poupassem esforços em fazer o melhor que pudessem. Retornou para as damas que observavam tudo com alguma surpresa e se sentou com uma xícara de chá. — Vamos voltar a falar dos maridos que vocês três precisam conquistar. Como está sendo a temporada?

A McFadden Garden estava com uma agitação fora do comum. Edward já tinha mandado que as criadas inventariassem toda a prataria, todas as roupas de cama e todas as almofadas. Duas vezes. Não havia cômodo que não tivesse sido revirado, reorganizado e revirado novamente. Cortinas foram abertas e remendadas, tapetes foram batidos e higienizados. O conde nunca se envolvera tanto em afazeres domésticos e nunca exigira tanto da criadagem para garantir que tudo estivesse perfeito. Lorde Isaac olhava para o mordomo, que supervisionava os trabalhos daquele dia, e pensava nos motivos para aquele comportamento do irmão. A mãe estava retornando de Greenwood Park no dia seguinte. Os irmãos Emile e Nathaniel também vinham para o casamento. O noivo não precisava realizar nenhum esforço, todos os preparativos ficavam por conta da família da noiva. Tudo que o conde precisava era de reunir a família e isso estava sob controle. Mas Edward não estava. — Brett. — A voz do conde ecoou vinda do andar superior. — Mande chamar a governanta. Quero um relatório sobre a cozinha. — Pois não, milorde.

O mordomo moveu os ombros indicando que não entendia. Lorde Isaac também não. Edward sempre fora um pouco compulsivo. Ele adorava ordem, estrutura, organização. Tudo sempre no lugar, tudo sempre bem feito e dentro das regras. Mesmo que ele estivesse disposto a quebrá-las por motivos específicos, Edward tinha padrões dos quais nunca se afastava. Mas ele era um libertino. Um homem de todas as mulheres, que adorava tê-las e nunca pensava em mantê-las. Aquela era a parte obscura do caráter do quase perfeito Conde de Cornwall. Um homem sem vícios, que comandava o patrimônio com mão de ferro e que já havia multiplicado as riquezas da família. Não tinha nada a ver com os amigos pouco convencionais. Ou com as companhias nem sempre bem vistas pela sociedade. O ponto falho de Edward sempre foram as mulheres. E ele ia se casar. Com uma mulher que ele nem mesmo escolheu, que ele conhecia desde que nascera. Ele ia se casar com a irmã de um duque, que possuía um dote invejável e tinha uma linhagem que era motivo de orgulho para a Rainha. Mas Isaac desconfiava fortemente que havia mais por trás daquela fachada negocial no casamento do irmão. Talvez algumas de suas teorias se confirmassem, afinal. — Ed. — O lorde subiu as escadas e encontrou o irmão sem camisa e descalço. Ele e o criado pessoal estavam mexendo em alguma coisa no dossel de uma das camas nos quartos de hóspedes. Eram tantos quartos que Isaac não tinha certeza do motivo pelo qual aquele parecia importar. — Se não precisa de mim, vou até a fábrica ver se tudo está sob controle. — Faça isso. — O conde limpou o suor da testa com o antebraço. — Depois passe em Trowsdale House e veja se Aiden tem tudo certo para amanhã. — O casamento é em dois dias. — Certo. — Edward pareceu confuso com o tempo. — Então veja se está tudo certo para depois de amanhã. — Farei isso. Posso saber por que está fazendo o trabalho dos criados? O conde, que estava pendurado na lateral da cama, desceu. Observou o dossel e soltou as cortinas para confirmar que estavam com caimento perfeito. — Há coisas que um homem precisa fazer por ele mesmo. — Sabe que, quando sua esposa chegar, ela vai mudar tudo de lugar, não sabe? — Claro que vai. — O conde sorriu, mas logo reassumiu sua postura

taciturna. — Mas esse dossel estava precisando de reparos e a cortina tem que ser trocada. É a cama que ela vai dormir. Se ela não encontrar perfeição, ao menos estaremos perto disso. Lorde Isaac assentiu e saiu. Era melhor deixar o irmão com sua loucura. Aquele era um vício melhor do que jogos e álcool que ele andava praticando desde que perdera Bridget.

A Trowsdale House estava em silêncio. Como Peter e Patrick já estavam dormindo, não havia o ruído normal de crianças pelos corredores. O duque deixou o escritório, sentindo uma dor peculiar na nuca, e decidiu voltar para a cama. Passava de uma da manhã. Aquele era um horário muito tarde para um nobre que tinha assumido a burguesia como estilo de vida. Enquanto os aristocratas passavam praticamente toda a temporada social em Londres em eventos, jantares e bailes, ele era um dos gestores de uma fábrica de peças navais, comandava suas propriedades, investia no mercado imobiliário e estava iniciando a construção de um hotel. Chegou ao quarto e encontrou sua esposa deitada, lendo um romance qualquer. A visão de Elizabeth ali, com a barriga redonda por carregar um filho deles, o enchia de alegria. O amor que sentia por ela parecia como a Escarlatina. Consumia por dentro como fogo, ardia, incapacitava. O duque tirou as botas, o colete e a gravata. Abriu a camisa de linho e juntou-se a ela por entre as cobertas. — Deixe-me adivinhar. Uma doce dama é seduzida por um libertino sem coração e é salva por um nobre honrado. Ela riu, fechando o livro e olhando para o marido. Aiden sorriu ao ver que a esposa reluzia à luz do lampião aceso à beira da cama. — Não. Na verdade, uma dama enfrenta um casamento arranjado. — Ah. — O duque terminou de retirar as calças e se aproximou de Elizabeth, acariciando a barriga por sobre a camisola. — Parece familiar. O que acontece? — Estou na parte em que ela faz seu marido passar por maus bocados. Mas ele merece, é um libertino incorrigível. — Céus. Parece muito familiar. Podemos ver o que acontece no final? Elizabeth virou para o lado e apoiou a face nas mãos. Os carinhos do

marido faziam com que os cabelos em sua nuca se arrepiassem. Ele sabia disso e fazia na intenção de provocá-la. — Aiden, eu estou preocupada com Agatha. — Eu também. Mas vai ficar tudo bem. Edward será um marido excelente, ele não se atreverá tratá-la como menos que uma rainha. — Não temo por isso. — Elizabeth se acomodou nos braços do marido, que a puxou para mais perto. — Mas receio que ela esteja escondendo algo. Não consegui fazer com que me contasse, mas sei que tem algo errado com ela. — E eu sei que continuará tentando descobrir o que é até conseguir. — O duque beijou a esposa. Beijos suaves, salpicados em sua boca, bochechas e pescoço. — Eu também acho que ela esconde algo, e já estou agindo para descobrir o que é. Mas, agora, eu gostaria de saber se posso cuidar de você. — Ah, pode. — Ela se ajeitou no colchão, ficando o máximo que podia debaixo dele. — Na verdade, eu preciso bastante de cuidados. O duque riu e estendeu a mão para apagar o lampião. Depois, despiu cuidadosamente a camisola de Elizabeth e fez amor com ela com a atenção que ele costumava ter. Mesmo que ele também se preocupasse com a irmã, não havia nada que ele pudesse fazer naquele momento. Teria uma noite tranquila e cuidaria dos outros afazeres familiares no dia seguinte.

A Capela de São Jorge era monumental. Sua construção era datada do Século XIII, tendo sido ordenada pelo Rei Henrique III, e posteriormente anexada ao Colégio São Jorge, construído por Eduardo III, no Século XIV. Havia passado por uma reforma recente e era o palco do casamento de todos os ramos da família real britânica. A fina linhagem de Lady Agatha Trowsdale indicava que ela deveria se casar na capela. Mesmo que o noivo tivesse um título inferior ao da família dela, o legado Trowsdale requeria que a cerimônia seguisse os rigores da época. Todo o interior da capela estava decorado com Lírios e Jacintos. O aroma das flores era inebriante. Os convidados, dispostos em filas simétricas, já tinham chegado. No altar, o noivo mantinha uma expressão impassível e tentava esconder o medo de ser novamente abandonado. Não era medo. Claro que não. O Conde de Cornwall não tinha medo. Ele

apenas não pretendia ser novamente humilhado por uma mulher. E não podia negar que Agatha reunia todos os elementos para que ele suspeitasse que ela poderia simplesmente desaparecer. Ela era imprevisível. Impetuosa, voluntariosa, sempre tomando decisões impulsivas. E estava claro que ela não queria se casar. A fila de padrinhos contava com todos os irmãos de Edward e Sawbridge. Assim que entregase a noiva, se aquilo acontecesse, Aiden tomaria lugar ao lado deles. Mas o conde ainda temia que algo pudesse acontecer. Ele não deveria se casar. Homens como ele não deveriam ter o direito de tomar uma esposa para destruir o coração delas, depois. Porque era o que ele faria, certamente. Um órgão ruidoso começou a tocar a marcha nupcial e os convidados se levantaram. Edward esperou um trovão riscar o céu e destruir a abadia. Ou a invasão de cães raivosos. Talvez alguém dizendo que uma praga estava varrendo a cidade. Mas tudo que ele viu foi sua noiva à porta, entrando com um vestido branco de seda e pérolas. A sensação era de que seu peito estava sendo esmagado. Ele precisava sair correndo dali, porém seus pés não se moveram. Esfregou as mãos enluvadas umas nas outras, tomado por um frenesi irresistível. Ela vinha em sua direção, um véu cobrindo-lhe toda a cabeça e arrastando pelo chão. Era conduzida pelo Duque de Shaftesbury, que estava elegante em seu fraque preto e colete vinho. Edward parou de respirar quando eles chegaram até o altar. Aiden levantou o enorme véu da irmã e beijou-a na testa. A expressão de Agatha constrastava com a do irmão. Havia também pavor em seus olhos? O duque entregou-a ao conde com um sorriso e tomou seu lugar na cerimônia. Quando ele segurou-a pela mão, ondas tranquilizadoras foram enviadas por seu corpo. Edward não sabia o que era aquilo. A euforia fora similar à de algumas drogas que ele já havia provado, em eventos profanos na noite londrina. Mas o conde sabia que, depois da sensação mais intensa, vinha a apatia e a indolência. O padre começou a falar e o distraiu parcialmente de suas divagações. Pretendendo prestar atenção em suas palavras, Edward se concentrou para não olhar para o perfil delicado da mulher ao seu lado. Ele nunca notara o quanto Agatha era bonita? Por que antes ela não parecia ter traços tão suaves, um nariz tão bem desenhado e uma boca de pecado? Nada daquilo estava certo. Ele não estava preparado para se casar e fora

exatamente por isso que sua ex-noiva o deixara. Ela sabia que Edward seria um péssimo marido. Enquanto todos acreditavam que ele era um partido excelente, o conde tinha certeza que precisava manter distância de sua esposa para garantir que não a arrasaria no processo.

Na idade de vinte e um anos, Agatha já tinha frequentado alguns casamentos. O mais lindo tinha sido o de seu irmão, já que Aiden se casara com a mulher que ele amava. A aura de paixão e devoção que preenchera o casamento do duque com sua adorada Elizabeth podia ser sentida por todos os convidados. Naquele momento, ela desejou que pudesse ter o mesmo para si. Amor. Um homem que a adorasse tanto quanto Aiden adorava Elizabeth. E ela acreditava que já tinha encontrado esse homem. Ela fora enganada, abandonada e deixada à própria sorte, marcada para sempre por ter se entregado ao seu coração estúpido. Foi quando ela descobriu que o amor era um pouco burro e decidiu que ele não poderia estar no comando de sua vida. Naquele instante em que o padre pedia que ela declarasse seus votos, Agatha não sabia o que dizer. Sua boca proferiu palavras mecanicamente, mas seu coração gritava outra coisa. — Eu, Agatha Christine Trowsdale, aceito você, Edward Colin McFadden, para ser meu marido… E o silêncio da abadia era sepulcral. Todos os presentes apenas ouviam e a voz dela era baixa demais, esganiçada demais. Agatha tinha um bolo de saliva em sua garganta. Suas mãos tremiam, mesmo amparadas pelas mãos fortes do conde. — … Para amar e cuidar deste dia em diante, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença… A voz tremeu. Ela precisou engolir mas a garganta estava seca. Agatha abriu os olhos pela primeira vez desde que começara os votos e o encarou. A expressão de Edward era serena, mas continha uma tormenta dentro dela. Ele lhe sorriu, esticando os lábios sutilmente. O azul brilhante daqueles olhos profanos poderia afogá-la. — … E eu prometo amá-lo e ser fiel até que a morte nos separe. Assim que ela finalmente terminou, o conde apertou os dedos dela entre os seus. Ele proferiu os mesmos votos que ela, marcando cada palavra em

seus lábios carnudos, o maxilar movendo-se no ritmo das frases que deveriam representar o amor entre eles. Não havia amor. Mas, entre o momento em que Edward iniciou seus votos até o instante em que ele levou os dedos dela à boca e os beijou, Agatha sabia que havia algo. O padre falou mais coisas que ela não conseguiu ouvir. O zumbido que a atordoava decorria das vozes que gritavam dentro dela. Mas o que fazia suas pernas moles era o olhar do seu marido. A forma como o conde a encarava. A indecifrável mensagem que ele passava. A cerimônia durou bem mais do que ela estava apta a suportar. Quando as palavras finais foram finalmente pronunciadas, Agatha se viu em uma realidade alternativa. Ela não se reconheceu nela mesma. Eu vos declaro marido e mulher. Edward se aproximou dela e levantou o véu. Descobriu a face corada e ansiosa da esposa e beijou-a na testa. Um beijo casto e molhado. — Vai dar tudo certo. Ele sussurrou de forma que só ela pode ouvir. Os lábios dele estavam próximos do ouvido dela e Agatha pensou que ele fosse deslizar para outras partes. Mas Edward era, acima de tudo, um cavalheiro. Ele ergueu novamente o corpo e colocou a mão dela na dobra de seu cotovelo. O coração de Agatha parecia prestes a pular fora do peito. Ela nunca se sentira daquela forma, nunca reagira com tanta intensidade a nada. Caminharam para fora da capela, acompanhados dos padrinhos e das damas de honra, e foram direto para uma carruagem ornamentada com dourado e laca branca. Por mais que o momento fosse inusitado e ela estivesse arrebatada, Agatha sabia que aquilo acabaria em breve. Que ela não queria, nem podia, se entregar ao marido. Que, a partir dali, ela voltaria a ser uma alma solitária e de coração partido.

Capítulo quinto

A RECEPÇÃO do casamento duraria o dia inteiro. Começou com um brunch na McFadden Garden e, em seguida, haveria um baile para os convidados. A residência McFadden estava impecavelmente arrumada, decorada e organizada para receber mais de uma centena de duques, marqueses, condes e suas famílias. Mesmo que o Conde de Cornwall fosse criticado por ser amigo de pessoas de baixa classe e burgueses, ele ainda era o possuidor de um cobiçado título. Muitas damas casadoiras lamentaram o anúncio de seu noivado. E choraram o casamento tão rápido. Acostumado a fingir, Edward não teve dificuldades em transitar entre seus convidados com um sorriso nos lábios. Ninguém esperava que ele estivesse radiante, já que ele não amava sua esposa. Homens nobres se casavam por conveniência. Apenas os gentios eram apegados ao amor. Por baixo de sua casaca preta, ele sentia a parte interna de seu colete coçar bastante. Todo o seu corpo formigava. — Parabéns, milorde. — O Barão de Rosemund o interpelou enquanto servia-se de uma dose de uísque. — A sua esposa é um achado. Jovem, de linhagem impecável e indomada. Imagino que encontrará bastante diversão para domá-la. O conde virou o drinque em um gole só. — Talvez eu não perca meu tempo com isso, caro Lorde Rosemund. Eu e Agatha combinamos que não vamos nos incomodar muito um com o outro. — O melhor arranjo. — O barão serviu outra dose para ambos e ergueu o copo em cumprimento. — Não entendo porque nosso amigo Shaftesbury tem tanto cuidado em demonstrar que ama a sua esposa. Não há nada mais fora de moda.

— Aiden é complicado. — Edward riu. — Obrigada pelos cumprimentos, eu os transmitirei à minha senhora. — Talvez eu mesma faça isso. Vou adorar segurar aquela mãozinha delicada e beijar. Os olhos de Edward fitaram o barão com fúria assassina. Subitamente ele teve muita vontade de agarrar o homem barrigudo pelo colarinho e arremessá-lo na parede. Talvez atirá-lo pela janela. Mesmo que ele soubesse que seu casamento era sem amor, aquilo não dava ao barão o direito de se insinuar para sua esposa. Ciúmes não era algo que o conde estava acostumado a sentir. Todas as mulheres de sua vida foram amantes sem nenhum tipo de envolvimento emocional. Eles se divertiam juntos e, quando o ato sexual acabava, não sobrava mais nada. Quando Bridget o trocou por um alemão esnobe, o sentimento era de humilhação. Edward não amava Bridget. No início, achou que sim. Estava encantado pela beleza e pela timidez dela. O desafio de ter uma jóia tão bela fez com que ele se esforçasse muito para consegui-la. Mas o tempo desvaneceu o interesse. Edward passou a lidar com o noivado de forma burocrática até que ela o deixou. Claro que ela o deixou. Edward era incapaz de amar e incapaz de ser amado. Foi assim toda a sua vida. Sua família era bastante amorosa, com os outros filhos. O pai o tratava como um general, como um soldado treinado para cumprir uma missão: assumir o condado. Por quantas vezes invejou o cuidado de Albert Trowsdale para com Aiden. A mãe não interviria, ela tinha muito o que fazer como condessa. Sem contar que os meninos mais novos davam muito trabalho. Com o tempo, Edward descobriu que ele era quebrado. O problema estava nele, por isso ninguém o amava. Isaac era espirituoso e inteligente, sempre com as melhores notas sem precisar de muito esforço. Nathaniel era gentil, Emile era vulnerável em razão dos problemas de saúde que teve ao nascer. E, quando nasceu Wilhelmina, Edward já era adulto demais para saber que ele não tinha qualidades suficientes. Então ele decidiu quais qualidades queria e as produziu artificialmente. Usou a amizade com Aiden Trowsdale para moldar uma personagem e seguilo. O atual Duque de Shaftesbury o resgatou de uma condição de isolamento e prostração e ele seria sempre grato por aquilo. A sagacidade, o humor ácido e taciturno, a compulsão por ter sempre tudo em ordem - essas eram características desejáveis em um homem da posição dele, por isso Edward se

transformou em quem ele era. Ainda assim, ele não era digno de ser amado. Casar-se com Agatha provavelmente foi o erro mais cruel que ele cometera em toda a sua vida. — Se você encostar na minha esposa, a não ser que seja para salvar a vida dela, eu deceparei a parte do corpo que mais gosta e a servirei de alimento para meus cavalos. — O conde rosnou, fazendo a voz sair baixa e grave. — Estamos entendidos, milorde? O sorriso do barão morreu em seus lábios. — Acalme-se, homem. Eu estava brincando. — Pois não brinque. — Edward virou outra dose de uísque e a coceira por baixo do colete ficou mais forte. Depois que o barão se afastou, o conde continuou circulando pelo salão sem ter ideia de onde sua esposa estava. As mulheres e os homens não costumavam compartilhar os mesmos espaços. Já bem tarde, depois de dançar com praticamente todas as damas da festa e não aguentar mais a irritação por dentro de suas roupas, o conde decidiu escapar sutilmente da própria festa e descobrir a origem do problema. Foi até seu quarto e arrancou o colete, depois a camisa branca de linho. Olhou no espelho e notou a vermelhidão em sua pele. Uma mancha em tons rosados se alastrava por seu tórax e Edward temeu que fosse um doença. Alerta, encheu uma bacia pequena com água, umedeceu uma toalha e passou pelo corpo, tentando aliviar o incômodo. Foi quando ele ouviu um gemido. Era um lamento, e soluços. Edward ficou imóvel em silêncio por alguns segundos e teve certeza que havia alguém chorando. O som aumentou quando ele se aproximou da porta que conectava seus aposentos ao quarto que fora destinado a Agatha. Sem hesitar, o conde girou a maçaneta e abriu a porta, encontrando sua esposa sentada na cama com o rosto entre as mãos.

Durante a recepção, Elizabeth convidou Agatha para uma conversa reservada. As mulheres se sentaram na sala privativa da família, decorada com as obras de arte mais valiosas. Não era ideal que a noiva fosse roubada por ninguém no dia do casamento, mas a duquesa não podia se demorar muito na recepção. Ela tinha que levar os filhos para casa e estava muito grávida para aguentar a

movimentação de um baile. — Agatha, eu sei que deveria ter falado sobre isso antes, mas tudo aconteceu muito rápido. A sua mãe chegou a explicar a você o que acontece na noite de núpcias? A lady sentiu a boca seca. A mãe nunca havia conversado com ela. Se não fosse pelo pai, Agatha nunca saberia o que era aquele tipo de amor. Mas ela sabia como seria. Tinha uma ideia bem razoável e pretendia evitar a todo custo que qualquer coisa parecida acontecesse. — Não. — Ela confessou. — Mamãe e eu nunca tivemos essa conversa. — Então, eu acho que, como sua cunhada, deveria explicar. Quando você se recolher, essa noite, o seu marido vai te procurar na cama. E isso pode ser assustador, no início. Era apavorante. Horrível. Agatha já experimentara as consequências do desejo e da virilidade masculina e não gostou do resultado. — Creio que seja assustador o tempo todo. — A dama riu, nervosa. — Não é. — Elizabeth sorriu e segurou as mãos da cunhada entre as suas. — Se você tiver um marido amoroso, ele pode fazer com que seja muito bom. E Edward parece o tipo de homem que aprendeu a satisfazer uma esposa. Agatha sentiu um calafrio lhe percorrer a espinha. Ela queria acreditar no que dizia Elizabeth. Sabia que ela e o irmão tinham uma vida amorosa bastante ativa. O amor e a devoção de Aiden pela esposa eram impossíveis de não perceber. Mesmo assim, a situação deles era diferente. Eles eram apaixonados. Aiden era um o marido perfeito. Quando Agatha experimentou o amor pela primeira vez, tudo que lhe restou fora decepção, dor e uma alma machucada. As consequências de entregar seu coração geraram marcas profundas nela. Talvez as feridas nunca cicatrizassem. Ela não queria nem mesmo arriscar se entregar a Edward. — E o que eu devo fazer? — Ela fingiu que se interessava pelo assunto. — Como devo agir? — Porque você é inexperiente, eu recomendo que deixe seu marido te guiar. Não tenha medo, aceite as orientações dele. Edward saberá conduzi-la como em uma dança. A conversa deixou Agatha um pouco perturbada. Se ela não tivesse passado por situações tão complicadas em um passado próximo, não seria difícil se entregar ao conde. Ele era seu marido. Ela o conhecia há anos, sabia que ele era um homem gentil. E as fofocas sobre suas qualidades como

amante indicavam que muitas mulheres gostariam de estar no lugar dela. Mas ela não podia. Se Edward descobrisse que ela não era mais virgem, ele a rejeitaria. E ela estaria duplamente arruinada. O casamento seria anulado e o esforço para evitar o escândalo seria jogado no lixo. Aquilo a fez não desejar voltar para o baile. Ela não queria dançar, não queria conversar, não queria se socializar. Mentiu dizendo que iria ao banheiro e trancou-se no quarto que lhe fora destinado. Ficou ali até ser interrompida por um clique na maçaneta da porta. Agatha se assustou ao ver que tinha alguém no quarto - e não era uma criada. A figura esguia do conde fez sombra no tapete persa que decorava o ambiente. Ele estava sem camisa, com a calça desajustada e despenteado. Os músculos proeminentes do peitoral permeado de fios dourados tinham sido construídos por muitos exercícios. Edward McFadden era a personificação do pecado. E aquele deus profano era o marido que ela rejeitava. — O que houve? Ele perguntou, sem se aproximar muito. — Você não pode entrar assim no meu quarto. — Ela atacou. — E se eu estivesse despida? — Você é minha esposa, agora. Não haveria problema se eu a visse despida. — O conde cruzou os braços no peito. O subir e descer da respiração dele tornava a sua imagem ainda mais sensual. — Por que está chorando? Nós mal nos casamos, você já está tão infeliz assim? Enxugando as lágrimas com as costas das mãos enluvadas, Agatha encarou o marido. — Não estou chorando porque estou infeliz. — Mentiu. — Estou certa de que cometi um erro e não estou a fim de celebrar. Por que está aqui? O que houve com suas roupas? Edward se aproximou e segurou a face de Agatha entre os dedos. Ele era um conde, mas tinha calos nas mãos. Elas pertenciam a um homem que trabalhava e empunhava uma espada com talento. — Sei que está mentindo para mim. — Ele passou o polegar pelas bochechas úmidas da esposa. — Mas isso não importa, não é mesmo? Em breve, você estará envolvida com amigas, eventos de caridade, vestidos e outras futilidades, enquanto eu continuarei trabalhando. Não precisaremos nem nos ver durante os dias.

A forma como ele dizia aquilo a irritou. Mesmo que fosse um casamento por conveniência, ela não desejava ser completamente ignorada. Mesmo assim, engoliu a mágoa e se manteve firme. — Bem, você não tem que voltar para o salão?. Se continuarmos os dois desaparecidos, sua fama sugerirá que estamos fornicando pelos cantos da casa. — Não há mal em fornicar com a esposa. E está mesmo na hora de deixar que pensem que estou fazendo isso. Afinal, espera-se que eu consume o casamento. Agatha se soltou da prisão que eram os olhos de Edward sobre ela e pisou firme na direção da porta conjugada. Virou-se novamente e demorou algum tempo admirando as formas definidas do corpo seminu do conde. Ele precisava deixar o quarto dela. Deixá-la em paz. — Precisa tratar essa alergia. Deve estar coçando muito, foi por isso que tirou a camisa? A mudança repentina de humor deve ter confundido Edward, mas Agatha não conseguia controlar. Desde as Américas, ela ia do sarcasmo absoluto à ira, e da ira às lágrimas. De vez em quando, ela também conseguia ser gentil. — É uma alergia? Sei que coça terrivelmente e água fria não ajudou em nada. — Precisa de uma pomada. Acho que tenho algo em minhas coisas. Se eu tratar da sua coceira você promete que volta para seu quarto? Ela esperava ansiosamente que ele concordasse. Já estava nervosa pela presença masculina naquele espaço confinado, ainda sentindo o efeito das emoções liberadas durante a cerimônia. Edward assentiu em concordância e ela vasculhou algumas gavetas procurando por seus medicamentos. Como nunca teve muito cuidado da mãe e precisou lidar sozinha com quase tudo que lhe aconteceu durante a juventude, Agatha tinha se tornado conhecedora de diversos assuntos. Entre eles, ela sabia bem como lidar com feridas, machucados, doenças e outros problemas de saúde que não requeriam atenção médica. Pegou um bálsamo de hortelã pimenta, uma receita que ela aprendera nas Américas, e que cheirava tão bem quanto aliviava os males das doenças de pele. Ordenou que o conde se sentasse à beirada do colchão e o examinou. Havia uma vermelhidão na pele, uma mancha que se estendia do ombro direito até a lateral esquerda, passando pelo peito, pelo abdômen e… Agatha respirou fundo. Edward era muito mais provocativo do que ela desejava. A

sua nudez era um inconveniente que ela precisava evitar. — Vai funcionar, pode passar. Ela estendeu para ele a lata com a pomada, mas o conde a fitou com alguma desconfiança. — Não será você a me tratar? — Está em um lugar que você tem capacidade de alcançar. Não precisa de mim. — Temos um combinado, milady. — Ele comprimiu os lábios e sorriu. Maldito fossem os homens com aquelas covinhas nas bochechas. — Se quiser eu eu vá embora… Ah, ela queria. Para livrar-se daquela tentação que andava e falava, Agatha era capaz de fazer quase qualquer coisa. Aborrecida por ser manipulada, ela abriu a lata e besuntou os dedos com o bálsamo refrescante. Ao levar a mão à frente despida do conde, sentiu o calor que emanava de sua pele antes mesmo de tocá-la. Ele ficou imóvel, mas fechou os olhos quando os dedos dela deslizaram pela pele irritada. Aquilo não a ajudou a manter o controle. Saber que ele desprezava o seu toque a magoava ainda mais. Principalmente porque ele era tão macio e firme, ao mesmo tempo. E quente. E tinha o corpo cheio de reentrâncias masculinas como se tivesse sido feito por um artesão. Respirar ficou difícil. Maldito espartilho apertado, ela adoraria livrar-se dele. Mas não pretendia deixar-se exposta na presença de homem algum, mesmo que eles estivessem abençoados pelo matrimônio. Enquanto cobria a pele ferida de pomada, ela se permitiu observar o belo espécime masculino que estava à sua frente e notou algo diferente nele. Algo que indicava que Edward não desprezava o toque ela. Na verdade, ele estava apreciando o contato. A mão de Agatha parou muito perto do cós da calça preta de linho. Ela prendeu o ar nos pulmões e quis se afastar, mas ele abriu os olhos e a encarou. Desceu o olhar até a boca dela e aproveitou aquele segundo de hesitação para beijá-la.

Edward não pretendeu, nem por um minuto, respeitar o combinado com Agatha. Ela podia ser o demônio de saias, podia ser a garota magricela que

ele conhecia desde que nasceu, podia ser irritante e arrogante. Mas ela era sua esposa e ele poderia tomá-la para si a hora que quisesse. E, bem, ela estava longe de ser a mesma. De magricela ela não tinha mais nada. Agatha era uma mulher completa que desconhecia sua capacidade de seduzir. Quando ela colocou as mãos nele, Edward sentiu que o restante de seu juízo o abandonara. Quando as mãos se aproximaram demais de sua ereção dolorida, ele decidiu que precisava beijá-la. Levou as duas mãos até ela, segurou-a pela nuca e reivindicou sua boca como se precisasse daquele beijo para sobreviver. Pressionou seus lábios contra os dela com força, insistiu para que ela os abrisse até conseguir espaço para a língua. Agatha tinha as duas mãos em seu peito e ela parecia que resistiria. Logo, as mãos deslizaram para os ombros e ela o enlaçou pelo pescoço. Edward empurrou-a para trás e a fez deitar na cama. Os corpos estavam muito próximos, ele se apoiou nos cotovelos para amenizar o seu peso sobre ela. Levou a boca até o maxilar, o pescoço, procurou explorar as partes mais sensíveis que estavam ao seu alcance. E ela gemeu quando a língua dele tocou o lóbulo da orelha, desceu pela lateral do pescoço e terminou em sua clavícula. Aquele era um sinal de completa rendição. Edward sabia que, daquele ponto em diante, ele só precisava ser delicado e tocar nas partes corretas. Quando ele mostrasse os prazeres que ela poderia atingir cedendo a ele, Agatha não conseguiria resistir. — Deus. — Ele rosnou. — Como você é macia. A mão dele estava sobre os seios dela, nervosa, querendo abrir o espartilho. O conde voltou a beijá-la na boca e forçou o tecido do vestido, praticamente arruinando a parte da frente. A renda e a seda se partiram, expondo o colo imaculado e o par de seios mais lindo que ele já vira. Redondos, do tamanho perfeito para caberem em suas mãos, com os mamilos rosados e delicados. Agatha arqueou as costas e ofereceu a ele mais acesso. Para o inferno se ele não consumaria aquele casamento. Não precisava haver amor entre eles para que o sexo fosse prazeroso. Edward fez sexo sem amor por toda a sua vida, a maior parte dos homens fazia. Desceu os beijos até que sua boca capturasse o mamilo entre os lábios. Primeiro ele lambeu, depois mordiscou, e por fim sugou-o com uma pressão delicada, porém constante. E, em um segundo, tudo mudou. Agatha se tornou rígida como uma tora

de madeira debaixo dele. Ela se retraiu e começou a se debater, empurrando-o com as mãos. — Não. Pare, Edward. Pare. — Ela disse, se esforçando para sair debaixo dele. Nunca uma mulher disse não a Edward. Nunca uma mulher pedira para que ele parasse depois que ele começou. Confuso, o conde se sentou na cama. Agatha colocou os braços na frente do corpo para cobri-lo. — Me deixe em paz. — Ela virou para o outro lado. — Eu disse que não faríamos isso. Nunca. — Você sabe que eu posso reivindicá-la, não sabe? Ele disse, o corpo latejando pelo desejo não satisfeito. Agatha estremeceu quando ele tentou tocá-la nos ombros. O conde pegou um lençol e a cobriu. — Se fizer isso, será à força. — Nunca constrangi uma mulher a ficar comigo. — Ele se levantou. Estava ferido, machucado, rejeitado. — Não farei isso com você. Mas eu não vou desistir, Agatha. O conde saiu do quarto e fechou a porta. Ele poderia ter as mulheres que desejasse. Todas elas sempre se atiravam em seus braços e caíam em seus encantos. Ele e Aiden eram os devassos mais requisitados de todos os clubes de jogos. Não deveria se importar se a esposa era arredia e não queria sexo. Podia obrigá-la uma vez ou outra, para que consumassem o maldito casamento e produzissem um herdeiro, ao menos. Mas ele mudara de ideia. Estava decidido que a queria. Edward não sabia o quanto desejava Agatha até beijá-la no jardim. A visão dela parcialmente nua o deixou louco de desejo. E, se ele a queria, ele a teria. Era um homem paciente, sabia esperar pelo prêmio principal.

Capítulo sexto

A ESCURIDÃO não era nem silenciosa nem fria. Fazia muito calor e Agatha conseguia ouvir todos os ruídos de uma cidade grande. Era como Londres, porém mais barulhenta. Ela estava de olhos abertos porém não via nada. De repente, uma dor excruciante fez com que ela caísse ao chão. Um líquido morno e viscoso saía do meio das pernas dela. Ela tentou se arrastar pelo lugar e seu corpo não se movia. O ruído ficou mais alto. Ela então gritou. Chamou por ajuda, mas ninguém apareceu. Gritou mais alto, não conseguiu ouvir a própria voz. Estava desesperada, sentindo o sangue esvair de dentro de si quando foi resgatada. Continuava escuro demais, mas Agatha sabia que estava sendo carregada por alguém. Sentia as mãos fortes ao seu redor. Sua cabeça repousou na maciez firme de um peito masculino. Não temeu o estranho que a confortava, apenas aproveitou o alento que seus braços lhe causavam. — Vai ficar tudo bem. Shhh. A voz murmurava em seu ouvido, e ecoou suave até que ela adormeceu novamente. De todos os seus pesadelos, era a primeira vez em que era resgatada da escuridão.

Agatha não passou bem a noite. Ela quase não dormiu, rolando pela cama e tendo pesadelos. Cenas do período em que esteve nas Américas a assombraram, como toda vez. A figura brilhante de Edward a assombrou. Ela teve medo do passado recente, teve medo do futuro. Quando a exaustão fez

com que sucumbisse, ela apagou. Só foi despertar quando um barulho alto do lado de fora estremeceu o quarto. Aquela era Londres. O “lado de fora” era sempre ruidoso demais, mesmo que eles estivessem em Mayfair. Sentindo o corpo ainda cansado e a cabeça dolorida, Agatha se levantou e chamou uma criada para ajudá-la a se banhar e se vestir. A McFadden Garden tinha uma casa de banho completa que atendia apenas à suíte principal e que, naquele momento, estava vazia. A jovem dama se enfiou na água morna até o pescoço, temendo que o banheiro fosse invadido a qualquer tempo. Ela não fazia ainda ideia da hora. — Milady, aonde a senhora deseja tomar seu desjejum? — A criada perguntou, ajudando-a a lavar os cabelos. — Aonde o conde constuma tomar o dele? A pergunta não era incomum, principalmente porque eram recém casados. A criada compreenderia que ela queria ficar perto do marido quando, na verdade, era o contrário. — Lorde McFadden costuma fazer as refeições no salão principal, milady. Mas ele não está em casa, ele já saiu. Agatha fingiu surpresa. — Ah. Mas eu também farei meu desjejum no salão. — Mandarei servirem. A criada levantou e pediu autorização para sair. A dama preferia terminar seu banho sozinha, mesmo que ela não conseguisse se vestir adequadamente sem ajuda. Para sua sorte, quando retornou ao quarto encontrou Moira esperando por ela. Mesmo que tivesse solicitado a presença de sua camareira pessoal, Agatha imaginou que teria que esperar mais. Ficou sinceramente feliz ao ver um rosto conhecido e acabou demonstrando entusiasmo demais ao abraçar a criada. Aquele era um comportamento típico dos Trowsdale. Casar-se com um McFadden não faria com que ela mudasse sua atitude. — Depois que eu comer alguma coisa, precisamos sair. — Agatha disse, sentada à frente de um espelho. Moira estava arrumando seus cabelos em um coque sobre a cabeça. — Preciso de vestidos novos. Desde que voltei não comprei nada ainda e não sei nem mesmo como está a moda em Londres. Não posso desfilar em trapos. — Certamente que não, milady. A senhora é uma condessa, agora. Ela sorriu, mesmo que isso não fosse planejado. Não queria se sentir feliz pelo ocorrido, não sentia nada além de confusão e dor de cabeça. Mas sorriu.

— Então precisamos de roupas dignas de uma condessa. Moira terminou o penteado e acompanhou sua lady até o salão. O desjejum já estava sendo servido e Agatha descobriu que teria companhia. Sentado à mesa, folheando um jornal, com a pose de uma estátua grega, Lorde Isaac estava concentrado em alguma notícia. Como ela não foi notada inicialmente, a lady se sentou na cadeira indicada pelo criado que a recebera. O movimento fez com que Lorde Isaac fechasse o jornal e a encarasse, enigmático. Agatha quis sorrir novamente. Aquele era certamente o homem mais lindo que ela já tinha visto. Os homens McFadden eram deslumbrantes. — Oras, minha nova irmãzinha resolveu dar-nos o prazer de sua presença. Teve uma boa noite, milady? — Bom dia, Lorde Isaac. Eu dormi muito bem, obrigada. Agatha não teve como saber se ele acreditou ou não na mentira dela. Os olhos estavam um pouco caídos e havia aquelas manchas arroxeadas debaixo deles. Não havia compressa que as escondesse. Os criados serviram torradas com manteiga, ovos, presunto e bolos com cobertura. Agatha não estava com muita fome mas se esforçou para aceitar o que colocaram no prato. Bebericou do chá e ergueu o olhar para perceber que seu cunhado a espreitava por cima do jornal que tinha voltado a ler. — Meu marido, o conde, saiu cedo? Ela perguntou porque quis demonstrar interesse. Em verdade, ela estava curiosa para saber por que o conde não estava em casa. Agatha sabia que ele e o irmão tinham atividades matinais, mas aquela era a primeira manhã do casamento. As pessoas pensavam que ele estava em lua de mel. Por que sair cedo e dar a impressão errada? — Edward foi até a fábrica. Ele a visita todas as manhãs, você se acostumará em breve. Ele não tem uma rotina como a dos outros nobres, está sempre trabalhando. — Sei que pareço bastante ignorante fazendo essa pergunta, mas essa é a fábrica que seria aberta quando viajei? O irmão, Edward e o Visconde de Whitby tinham se unido com negociantes e investidores para revitalizar uma região degradada em Londres. A primeira parte era abrir uma fábrica e eles pretendiam também se envolver com exportações, com hotelaria e no mercado imobiliário. Empregar as pessoas e garantir a elas um salário mais digno era a maior proposta que eles tinham. Todos ganhariam.

Mas o conhecimento de Agatha sobre os assuntos masculinos acabava aí. Lorde Isaac a olhou com alguma incredulidade, já que nenhuma mulher costumava se interessar sobre negócios. A maioria sequer falava sobre aquilo. Não era considerado elegante. — Sim, ela mesma. Está aberta e em pleno funcionamento. — Ela fabrica o que? — Peças navais. Em breve eles pretendem se envolver na construção de navios. Edward e Aiden são meio… como dizer? Insaciáveis. Agatha engasgou com o pãozinho que levara à boca. A forma como Lorde Isaac falou levava a uma compreensão dúbia sobre a expressão insaciável. Pelo que ela ouvira, eles eram realmente impossíveis de satisfazer. Em tudo. Não era à toa que o irmão engravidara Elizabeth em tão pouco tempo. Duas vezes. Sem ter como continuar a conversa sem parecer interessada demais no marido que queria rejeitar, ou sem ficar admirando o cunhado que era mais belo do que deveria ser, a lady manteve silêncio enquanto terminava de comer. Lorde Isaac mal tocou na comida, ele provavelmente estava acordado há mais tempo e estava ali apenas fazendo companhia a ela. Aquela família era tão estranha quanto a sua. Os homens não aceitavam a realidade da nobreza, insistiam em trabalhar para ficarem ainda mais ricos. — Milorde, peço licença para me retirar. — Ela levantou, assim que terminou de comer. — Vou à modista encomendar alguns vestidos. Lorde Isaac riu, finalizando seu chá. Colocou o jornal sobre a mesa e a encarou. — Claro, uma condessa precisa certamente de novos vestidos. Antes, no entanto, teria uns minutos para mim? — Certamente. O que deseja? — Sente-se novamente. Prometo que não vai demorar. Agatha saiu da mesa e sentou em um sofá. Ajeitou as saias e fingiu que não se preocupou com o que o cunhado falaria. Ela tinha medo de ser óbvia demais e de que todos desconfiassem do seu passado. Ou do seu presente. — Imagino que não se importe com minha ousadia, milady, mas eu amo meu irmão a ponto de ser intrometido. — Lorde Isaac levantou-se e serviu um conhaque. — Edward é um homem muito bom. Mas também é um homem que não acredita no seu potencial. — Arrogante do jeito que ele é? — Agatha riu. — Desculpe se acho difícil de acreditar, milorde. Seu irmão é um poço de pedantismo.

— Ele é, mas essa é apenas a imagem que ele precisa passar. Edward se inspirou no seu irmão para construir quem ele é, hoje. Insolente, presunçoso, irritante. Não acha que eles são bem parecidos? Agatha assentiu com a cabeça. — Mas eles são totalmente diferentes. — Ela concluiu. — E por que está me contando isso, milorde? É um pouco inadequado que fale da intimidade do seu irmão dessa forma. — Você é a esposa dele. Eu não sei se concordei com esse casamento, milady. Não por não aprová-la, mas porque Edward é um homem que precisa ser amado. Ele foi abandonado por sua noiva, jurou que só se casaria novamente por conveniência, e logo em seguida a comprometeu. Temo, inclusive, que ele tenha feito isso propositadamente. Mas ele não será feliz sem amor. Ele não acredita que é capaz de ser amado, mas anseia por isso. Você notou, Agatha, que o seu quarto foi arrumado? O dossel está reformado e as cortinas são novas. Assim como a roupa de cama é de uma cor específica. Verde. — Sim, notei. Eu apreciei o gesto, é claro. — Exatamente. O que talvez não tenha sido contado a você: Edward fez ele mesmo todas as reformas no quarto, dois dias antes do casamento. Ele queria perfeição para quando a sua esposa chegasse. Ele é perfeccionista, costuma fazer tudo por si próprio. E ele fez coisas por você que ele não fez por ninguém, até agora. Estou sendo claro? Ela quis dizer que não estava entendendo nada, mas seria mentira. Lorde Isaac estava alertando que seu marido era um homem que precisava do amor de uma esposa. O amor que ela não podia dar. Ficou intrigada que ele parecesse saber bem disso. — O amor é superestimado, milorde. — Foi o que conseguiu dizer. Não porque acreditava nisso, mas porque era o que não a comprometeria. — Podemos ter um casamento confortável sem a necessidade de nos perdermos em paixões. — Foi exatamente isso que Edward me disse quando puxei esse assunto com ele. — Lorde Isaac riu e caminhou na direção da porta. — Bem, eu tenho atividades para fazer. Obrigada pela conversa, milady. Nos vemos no jantar. E saiu, deixando a jovem lady preocupada com as expectativas sobre ela. Agatha não era a mulher que amaria Edward e o faria realizado no amor. Ela

poderia apenas servir como uma esposa adequada à sociedade. Nada além disso.

O movimento na fábrica era frenético. Apesar disso, ninguém esperava que o Conde de Cornwall aparecesse para trabalhar naquele dia. Como recém casado, esperava-se que ele tirasse pelo menos uma pequena folga. Sawbridge, que havia se associado aos nobres para investir também na indústria naval, quis perguntar o que levara o conde a deixar a cama de sua esposa tão cedo. Desistiu de fazê-lo ao notar que o humor do amigo não era dos melhores. Durante a manhã, Edward chamou os encarregados, discutiu a linha de produção, convocou investidores, analisou contratos e tomou decisões sobre os equipamentos. Manteve o corpo e a mente ocupados, assim não precisava pensar no que aconteceu no dia anterior. Ele não queria lembrar de nenhum momento relacionado ao seu casamento. Não era como se as memórias pudessem desaparecer. Mas ele podia se esforçar para que elas fossem insignificantes. — Manhã agitada? Sawbridge entrou em seu escritório segurando alguns papéis. Edward se sentou pela primeira vez desde que acordou. Indicou que o amigo e sócio deveria entrar. — Algumas questões que se acumularam. Pelo visto, você tem mais uma para discutir. Os papéis foram colocados sobre a mesa do conde. Sawbridge serviu duas doses de uísque e entregou um copo a Edward. — Nada grave, isso pode esperar. Pensávamos que você não viria hoje, então… — Diga logo do que se trata, homem. — Alguns problemas com fornecedores. Miles está resolvendo, mas gostaria de deixá-lo a par. Parece que os madeireiros estão pretendendo aumentar os preços depois de já termos ajustado a carga. — Em que área? — Sussex. Edward pegou a documentação. Eram duas cartas de comunicação entre a

fábrica e os fornecedores de Sussex, alguns contratos e fotografias. Depois de alguns minutos examinando o conteúdo, ele não gostou do prospecto. — Miles vai até eles? Ou eles vêm até nós? — O conde terminou de beber seu drinque. — Uma reunião está marcada para daqui há dois dias. Mas… sabe que temos um plano alternativo. Como estamos com a produção vinda de Hampshire? Aquele era um plano ambicioso e Edward não tinha certeza de como as coisas iam. Aiden estava por conta do projeto e ele fora duas ou três vezes, mas isso foi antes de Elizabeth estar grávida demais para acompanhá-lo. Havia algum tempo que ninguém inspecionava a propriedade que tinham adquirido com objetivo de fornecer madeira para a fábrica. — Eu vou me organizar para ir a Hampshire. Falaremos com Miles para que ele prossiga com as negociações. Poucas pessoas conseguem ser mais hábeis para negociar do que nosso amigo visconde. Se Sawbridge quis perguntar sobre o casamento recente, ou sobre como ele iria a Hampshire estando em lua de mel, não o fez. A aura de curiosidade em sua expressão se dissolveu no instante em que ele levantou e se deparou com a chegada inesperada de Lady Agatha. A dama usava um vestido de dia verde esmeralda, de seda com adornos em bordado branco. Com os cabelos presos em um coque e decorados com brilhantes, ela parecia pertencer à realeza. Bem, como filha de um duque, ela pertencia. — Milady. — Sawbridge cumprimentou-a beijando a mão enluvada. Agatha sorriu para ele e Edward não gostou. Talvez porque, desde que se reencontraram, ela não havia lhe direcionado nenhum sorriso sincero, ainda. — Devo cumprimentá-la pelo casamento. — Obrigada, Sr. Sawbridge. Espero que em breve possa recebê-lo em nossa residência para um jantar. O negociante deixou o escritório e fechou a porta. O sorriso murchou nos lábios de Agatha quando ela olhou para o marido. — Então é aqui que se esconde durante o dia. — Ela provocou. Girou pelo lugar passando a mão pela estante com alguns livros, pelo aparador com enfeites, pela mesa de mogno, até estar de frente para Edward. Ele a observava com curiosidade, já que não fazia ideia do que ela pretendia. — É aqui que eu trabalho. — Ele se levantou. — Aonde está sua acompanhante?

— Na carruagem. Não preciso de uma criada para me encontrar com meu próprio marido. A lady tocou os papéis da mesa e pegou um contrato nas mãos. Edward quis tomar o documento dela, mas Agatha foi mais rápida e virou de costas para ele. — Agatha, se veio aqui para me irritar, temo que não seja nem um bom momento, nem um bom lugar. Podemos manter nossas brigas restritas à casa, por favor? — Oras, você sabe pedir por favor? — Ela riu. — Ontem a noite tive a impressão que essa expressão era desconhecida por você, milorde. — Um homem não pede favor para dormir com a esposa. Principalmente quando ela parece tão solícita. — O conde passou as mãos pelos cabelos, desarrumando-os no processo. — Diga, o que veio fazer aqui. — Eu quero saber uma coisa. Conversei com seu irmão hoje e ele sugeriu que você possa ter me comprometido de propósito, apenas para arranjar um casamento. Isso é verdade? Ela sempre foi direta, então Edward não deveria se surpreender pela forma como Agatha disparou a pergunta. Ele se casou com uma mulher que não tinha muitos trejeitos de uma dama. Direta, incisiva e nada preocupada se o assunto tratado era inadequado para uma lady. O que atingiu o conde como uma bala saída do cano de uma pistola fora o fato de ela e seu irmão estarem conversando. Sobre ele. — Isaac perdeu o juízo. — Ele se levantou e rodeou a mesa. Pegou o documento das mãos de Agatha e o devolveu para o lugar. — Se eu quisesse um contrato para me casar com você, teria negociado diretamente com seu irmão. Teria sido bem mais simples do que passar por essa… humilhação. — Imagino que sim. Mas eu fiquei intrigada. — Não fique. Faça coisas que mulheres fazem. Compre vestidos, organize chás, promova eventos de caridade como você adora. Edward não percebeu, mas ele estava muito perto dela. Os dois conversavam e a postura era de enfrentamento. Mesmo assim, ele flutuava na direção de Agatha. Involuntariamente, seu corpo pendia para ela e ele só foi notar a proximidade quando seus joelhos bateram na armação das saias que ela usava. — Já comprei os vestidos. — Ela fez uma careta divertida. — Quanto aos outros eventos, eu farei. É que a maior parte das minhas amigas está fora de Londres e organizar eventos de caridade no final da temporada social não é

uma jogada inteligente. — Você é a esposa de um conde. — Edward levou a mão até uma mecha solta do cabelo dela e prendeu atrás da orelha. — Acredito que vá conseguir se divertir. Se preferir, pode ir para Greenwood Park. Wilhelmina e mamãe são companhias agradáveis. — Claro que são. Mas eu quero conhecer a fábrica, por isso vim. Edward afastou-se e encarou sua esposa. Ela não estava mentindo. Seu semblante inocente indicava que aquilo não era uma forma de provocação. Cruzando os braços no peito, ele recusou o pedido dela. Ao menos a princípio. — De jeito algum. Aqui não é lugar para uma mulher. Ainda mais a minha. — Por que não? Estarei acompanhada por você, que mal pode me acontecer? O conde apertou a ponte do nariz. Aquela não seria uma discussão fácil e ele duvidava que pudesse vencê-la. — Agatha, o ambiente é perigoso. Há ruídos, estampidos, homens gritando. Algo pode dar errado e você se ferir. — Terei você para me proteger. Ela disse aquilo e levou as duas mãos até ele. Os dedos brincaram com os botões do colete enquanto ela o encarava com a expressão de uma criança pedindo um brinquedo novo. Com quatro irmãos menores, Edward estava acostumado a situações como aquela. Claro que mimar a esposa não estava em seus planos. Só que ele acabou oferecendo a ela seu braço e conduzindo-a até a área de produção. O ar foi ficando mais denso e quente a medida em que se aproximavam das máquinas. Entraram em um galpão e foram até uma estrutura metálica que circulava toda a área pelo alto. Dali podiam ver o trabalho dos operários sem muitos riscos de estilhaços e outros problemas. Agatha se aproximou da contenção metálica e debruçou-se sobre ela. Edward sentiu um calafrio e se pegou estendendo as mãos para segurá-la. Parou no meio do caminho ao perceber que ela já estava segura. — São enormes. — Os olhos da lady brilhavam enquanto o ruído tornava sua voz delicada quase inaudível. — Navios são enormes, por isso requerem peças de tamanhos proporcionais. — Verei a construção de um navio?

— Não. Nós ainda não o fazemos, apenas provemos peças de manutenção e reparo. — Edward se colocou ao lado da esposa e apontou para um aglomerado de homens que gritava ao redor de uma caldeira. — Ali eles estão produzindo peças de motor. São as mais solicitadas. — Nunca imaginei que vocês fariam algo tão grandioso no meio de Londres. Não havia espaço quando fui para Nova Iorque. — Desapropriamos algumas casas. A forma como Agatha o encarou indicou que ela se chocou pelo fato de terem desalojado famílias. Isso fez com que o conde desse uma sonora gargalhada. Ela era tão inocente em relação aos negócios e ao mesmo tempo tão atrevidamente curiosa. Nenhuma jovem casadoira jamais se interessaria pelo que uma fábrica fazia, menos ainda pelo destino dos cidadãos que foram despejados para dar espaço à construção. Prevendo que ela explodiria em indignação, o conde explicou brevemente o processo de desapropriação. Eles compraram as casas e levaram as famílias para um dos hotéis de Ogglethorpe. Elas ficariam lá, sem custos, até conseguirem novas casas. E a maioria conseguira emprego na própria fábrica. Saber que o irmão e o marido não tinham deixado crianças sem lar fez com que a lady se acalmasse. — Agora acho melhor irmos. — Edward colocou a mão nas costas dela, pretendendo guiar Agatha para fora do galpão. — A fuligem vai deixá-la suja e arruinar seu vestido. — Obrigada por me trazer aqui. — Ela segurou a dobra do cotovelo dele. Edward não usava casaco na fábrica, apenas uma camisa de linho fina e, de vez em quando, colete. As mangas estavam dobradas e expunham seus antebraços marcados pelo sol. O toque dela foi sentido profundamente por todo o seu sistema nervoso. — Eu agora já sei quem será meu próximo grupo de caridade, os empregados da fábrica. — Eles são bem remunerados, Agatha. — O conde levou a mão livre até os dedos dela e os acariciou por cima da luva. — Seus esforços serão mais úteis com os órfãos. Aparentemente satisfeita por sua excursão no emprego do marido nobre, Agatha deixou a fábrica poucas horas depois que retornou. A presença dela, ali, serviu para dissipar qualquer provável comentário sobre a noite de núpcias do casal. Ela agiu como uma esposa encantada pelo marido e pelo que ele fazia, tocou-o nos lugares apropriados e manteve um sorriso nos lábios durante toda a visita. Edward não se iludiu. Ela sabia exatamente o que

estava fazendo. Ele tinha se casado com a mulher mais esperta que já conhecera.

Capítulo sétimo

O CONDE RETORNOU para casa por volta das vinte horas. Agatha esteve completamente entediada durante o dia, depois de retornar da fábrica. A sogra e a cunhada já tinham retornado para Greenwood Park, afirmando que não ficariam na casa importunando os recém casados. Apenas Lorde Isaac permanecia em Londres. Sendo final de julho, quase todos os nobres já tinham se retirado para passar o verão e o outono em suas casas de campo ou praia. A cidade estava entregue aos negociantes e menos afortunados. As amigas de Agatha também tinham saído de Londres e isso a deixava com quase nada para fazer. Pegou um ou dois romances para ler, mas não se divertiu com nenhum deles. Eram as mesmas histórias sobre donzelas em apuros resgatadas por nobres valorosos. Ela queria que outras tramas fossem contadas, em que as mulheres não fossem donzelas, nem precisando da ajuda de cavalheiros. E que os homens não fossem tão nobres, porque ela sabia bem que a maioria deles era canalha. Visitar Elizabeth também estava fora de cogitação. Ela adoraria se divertir com Peter e Patrick, já que os meninos estavam de férias da escola, mas a cunhada estava próxima de ter o bebê. Naquela fase da gestação, nunca se sabia bem quando o parto iniciaria. E, se ela fosse até a Trowsdale House, ficaria nostálgica e teria que explicar por que não dormira com seu marido. Claro que Elizabeth notaria. Ela notava tudo. Então, quando o conde retornou do trabalho, cheirando a óleo queimado e tabaco, com os cabelos desalinhados e as botas sujas de fuligem, ela se excitou. Quis brigar com ele por deixá-la sozinha, ao mesmo tempo que quis pedir que ele lhe fizesse companhia. Estava tão aborrecida que chegou a pensar em pedir para Lorde Isaac jogar xadrez com ela, mas não queria

assustar o cunhado. As damas como ela não deveriam saber nada sobre jogos masculinos. — Como passou o dia? — Edward cumprimentou-a assim que a viu no salão principal. — Você sempre sai cedo e volta nesse horário? — Ela rebateu a pergunta, sem vontade de dizer que estava muito entediada. — Sempre, não. Mas, com o afastamento do seu irmão, é necessário que eu tenha uma presença mais regular. O Viscode de Whitby nunca pode ficar em Londres fora da temporada, ele tem esposa e três filhas para cuidar. — O conde afrouxou a gravata e começou subir as escadas em direção ao quarto. Agatha se levantou e foi atrás dele, quase tropeçando nas camadas das saias. — Por que pergunta, milady? Sentiu falta da minha companhia? Ele estava zombando dela, o que a deixou ainda mais com vontade de atirar nele um ornamento de cerâmica qualquer. De preferência, um bem pesado que fosse causar uma dor bastante grande. — Estou apenas me adaptando a essa vida nova. Vocês, homens de negócios, prendem suas esposas em Londres. O mesmo aconteceu com Elizabeth, que precisará ter seu bebê na cidade já que não pode viajar mais. Assim, ficamos sem nada muito interessante para fazer. O conde entrou em seu quarto e ela parou na soleira da porta. Ela poderia entrar atrás dele, mas sabia o que ele faria em seguida: tiraria as roupas e tomaria um banho. Não era de sua vontade ver o marido despido. Talvez fosse. Agatha pouco conhecia da anatomia masculina. A sua única experiência com homens nus fora um total horror. Mas ela sabia o suficiente para entender que Edward era um espécime diferenciado. — Elizabeth teve outras duas crianças em Londres. Ela sabe como fazer isso. E você pode ir para Greenwood Park, já disse. Suas amigas estão quase todas em Kent e você terá muita ocupação. — Mas eu não quero deixar Londres enquanto meu sobrinho não nascer. — Ela falou, da porta semicerrada. Ouviu alguns barulhos dentro do quarto e esperou. — Minha esposa, eu vou tomar um banho. — Ele reapareceu na porta e colocou parte do tronco para fora. Estava sem camisa, os ombros suados e empoeirados. — Ou você entra ou me aguarda descer para o jantar. O que vai ser? Ela queria entrar. Respirou fundo e aceitou que precisaria esperar mais um pouco para ter qualquer conversa com Edward. Com uma expressão de

desânimo, se afastou do batente e indicou que ele podia fechar a porta. — Você sabe que há bastante espaço na banheira para nós dois, não sabe? O conde deu um sorriso provocante e ela quis bater nele outra vez. — Sei, mas dispenso o convite. Aguardarei na sala privativa. Ela desceu as escadas com pressa incomum. Não que Agatha não fosse agitada e acelerada, ela sempre estava correndo pela casa ou andando mais rápido do que as damas de sua idade. Mas, naquele momento, ela sentiu que precisava ficar o mais longe possível do conde. Alguma coisa a provocava a quebrar com suas próprias regras e aquilo seria o seu fim.

Depois de um banho e de vestir roupas limpas, Edward se olhou no espelho sem muito entusiasmo. Ele garantiu a Agatha, no casamento, que tudo daria certo. Não tinha tanta certeza assim. Não dava para manter um casamento disputando cada conversa, provocando e brigando o tempo todo. E ele e Agatha sempre foram daquele jeito. Ela implicava, ele fazia questão de provocar para que ela implicasse ainda mais. E ela sempre caía em suas brincadeiras. Edward tinha fome. Não comeu o dia inteiro e ainda precisava se preparar para ir a Hampshire. A viagem era longa e exaustiva e ele nem poderia ficar para aproveitar o clima do campo. Precisava retornar rapidamente com novidades para seus sócios. Seus criados, impecavelmente treinados, já estavam servindo o jantar quando ele chegou ao salão. Isaac e Agatha conversavam sobre alguma coisa e interromperam quando o viram. A cumplicidade entre eles irritou Edward por um segundo. Talvez Agatha e Isaac sempre tivessem sido amigos. Ou sempre tivessem conversado sem que os espinhos dela o espetassem. Era exatamente aquilo, Agatha parecia um ouriço - mas ela nunca atacava Isaac. Claro que isso era por causa da longa amizade. Não fazia sentido sentir ciúmes do irmão. — Boa noite, milorde. O mordomo o recebeu e um criado puxou a cadeira para que sentasse. Os outros dois se sentaram em seguida, Agatha ao seu lado direito e Isaac ao lado esquerdo. A entrada foi servida e ele precisou se controlar para não atacar a sopa. A fome de um dia inteiro o consumiu assim que sentiu o cheiro da comida.

— Ed, recebemos convites para um evento. — Isaac disse, antes de servirem o primeiro prato. — Vai ter uma noite de jogos e diversão no estabelecimento do Sr. Riderhood, com a presença das damas. — Riderhood? Aquele lugar é um antro. — Um antro que você frequenta. Será aberto às damas, Edward. — Agatha insistiu. — Um evento social em Londres, fora da temporada. Não podemos deixar de ir. — Não é um evento da nobreza, milady. — Ele riu, aceitando de bom grado o vinho que lhe era servido. — Não haverá as damas que você conhece. Serão mulheres de burgueses ou amantes de homens ricos ou outros tipos de mulheres livres. — Como Caroline Eckley? — Ela o observou por sobre a taça de vinho branco. — Como ela. — Bem, eu vou confirmar nossa presença. — Isaac decidiu. — Precisamos transitar entre homens de negócios. — Veremos se não coincide com minha ida a Hampshire. — Vamos a Hampshire? — Agatha se entusiasmou. Nunca um jantar na casa dos McFadden fora tão tumultuado quanto aquele. Nem sua esposa nem seu irmão sabiam ficar quietos à mesa. Era por isso que se davam tão bem. — Eu vou, a trabalho. Mas agora adoraria comer em silêncio, se possível. O dia foi bastante intenso, podemos conversar depois. Depois significava ele e o irmão, na sala masculina, fumando um charuto e bebendo um conhaque. O conde não estava acostumado à presença de mulheres, menos ainda aquelas que ele precisava dar atenção. E ele suspeitava fortemente que a sua esposa não desejaria sua atenção. Ela deixara claro que não desejava nenhum contato físico com ele. Ela o rejeitara. Mas Agatha estava bastante exigente. Ela aceitou aguardar até depois do jantar, mas se frustrou quando os homens se recolheram para tratar de assuntos de negócios. Não que Edward se importasse, já que ela deixara claro que eles não precisariam nem mesmo se tolerar. Era difícil entender por que ela estava tão… dependente, naquele primeiro dia. Mas uma mulher frustrada não era algo com o que ele saberia lidar.

— Ele vai se arrepender de me ignorar. Agatha falava para si mesma enquanto Moira desfazia seu penteado. Passara o dia negligenciada, não suportaria ser deixada de lado à noite, também. — Vou fazê-lo se arrepender, Moira. Que marido é esse que deixa a esposa sozinha na segunda noite depois do casamento? — Mas milady, não foi a senhora mesmo que disse que não queria tê-lo muito por perto? A condessa comprimiu os lábios, irritada com a verdade sendo jogada sobre si. Moira tinha razão e a sinceridade da camareira sempre era bem vinda. Agatha não entendia a confusão de sentimentos dentro de si. — Ainda quero puni-lo. Ter paz é diferente de ser ignorada. — Como pretende puni-lo, milady? Ah, Agatha sempre tinha ótimas ideias para torturar e punir aqueles que a incomodavam. Mas ela passou por momentos muito ruins e foi esmagada por problemas que a tornaram mais amarga e menos habilidosa em lidar com aquelas pequenas coisas. Mesmo assim, ela podia irritar Edward a ponto de fazer com que ele se arrependesse de tê-la abandonado. — Ainda não sei, Moira. A criada ajudou-a a se despir, depois a se lavar. Ainda era muito cedo para que fosse dormir, mas ela suspeitou que o marido não demoraria a se deitar. Na ausência de eventos sociais e levantando cedo como ele costumava fazer, não restava muito para um homem além de dormir. E ela ansiava para que ele não esperasse a companhia dela. Depois que seus cabelos estavam trançados e ela vestia uma camisola bastante ousada, Agatha se deitou e apagou as velas e lampiões. Manteve-se em silêncio planejando alguma vingança, mas não conseguiu dormir. Estava atenta ao movimento no quarto ao lado e aos ruídos vindos da rua. Com a janela aberta por causa do calor, ela podia distinguir os cavalos passando ou os homens bêbados retornando para suas mansões. Mas o som que a atraia era do homem que parecia travar uma pequena batalha no quarto conjugado. Mesmo com a porta fechada, era possível ouvir móveis arrastando e outros ruídos. Mesmo depois que o silêncio pareceu imperar, ela ainda ouvia a respiração dele. Pesada, masculina, intensa. O que estaria fazendo? Ela nunca esteve tão consciente assim de alguém como estava do seu marido. Em um impulso, Agatha pulou da cama e abriu a porta que ligava os

quartos. Deparou-se com Edward deitado na cama, com um lampião aceso ao lado e um livro nas mãos. Ele tinha um par de óculos apoiado no nariz e estava concentrado. Ela nunca o vira de óculos, antes. Nem lendo. Nem com a pele dourada pela chama, como deveria ser a imagem de um deus pagão. — Agatha? — Ele se virou para ela assim que a viu entrar. Ajeitou-se na cama e colocou o livro na cabeceira. — Aconteceu alguma coisa? A lady pulou sobre os colchões, ao lado dele. Edward se retraiu. — Leve-me para Hampshire com você. Apenas leve-me, por favor. O conde fitou-a por intermináveis segundos. Ele estava com o tórax descoberto, mas ela já o tinha visto sem camisa na noite anterior. Não que a imagem de agora causasse menos impacto do que antes. — Não será divertido, não é uma viagem a passeio. Vou inspecionar uma propriedade de onde pretendemos extrair madeira para a fábrica. — Entendo isso. — Sentada sobre as pernas, Agatha se esforçava para manter distância do marido. Sua mão quis tocá-lo. Seu corpo não obedecia às ordens que dava e ela não entendia. Nunca sentira nada pelo conde, antes. — Mas eu menti quando disse que estou entediada porque minhas amigas não estão em Londres. Edward percebeu que ela queria conversar. Ajeitou o travesseiro atrás das costas e a incentivou a prosseguir. — Eu estou entediada porque eu sou uma pessoa diferente, agora. — A jovem continuou a tagarelar. — Desde que voltei das Américas eu não quero mais esses encontros sociais fúteis ou essas conversas tolas das jovens casadoiras. Elas me irritam falando dos prováveis maridos como se fossem produtos expostos em uma prateleira. — Mas eles são. — Edward riu. — Assim como são vocês. O casamento é um negócio para nós, Agatha, você ainda não entendeu? — Claro que entendi. Mas não deixa de ser irritante. Eu fiquei uma hora na fábrica e achei tudo fascinante. Já participei de conversas de negócios antes, sempre como ouvinte silenciosa. Mas é tudo muito intrigante. Eu estou casada com um nobre que trabalha e investe. Você é diferente dos outros, Edward. Eu sou, estou diferente das outras. Falar sobre isso deixou Agatha mais leve. Ela sentiu imediatamente um peso deixar-lhe o corpo, como se as palavras pesassem toneladas. Fazia tempo que estava percebendo essa mudança em seu comportamento e tudo ficou mais claro quando reencontrou as amigas no fatídico jantar em Trowsdale House. Ela não suportava mais as ladies tolas cujo assunto mais

interessante era qual marido agarrar. Agatha queria falar de negócios. Saber da vida das pessoas, sobre como ajudar pessoas. Ela sabia que o trabalho nas fábricas era degradante e mal remunerado. Ela queria fazer algo. Isso fervilhou dentro dela durante todo o dia. Uma agonia por algo que não sabia dizer o que. E seus olhos pousaram no semblante curioso do conde. Ele a examinava como se ela fosse um animal raro, uma peça de colecionador. Sentiu-se exposta demais e subitamente a camisola pareceu uma vestimenta inadequada. — Você é diferente, isso eu tenho certeza. — O tom de voz dele era grave. — Vou pensar sobre Hampshire. Acho melhor você voltar para o seu quarto. — Vai me mandar embora? Eu posso não apreciar a companhia das minhas amigas, mas isso não quer dizer que não queira companhia. Edward moveu-se na direção dela, como uma serpente atrás da presa. Calmo, silencioso, preciso. Uma das mãos dele segurou a trança e soltou os cabelos dela, que se espalharam pelos ombros cobertos pela seda branca. — A essa hora, se você procura a companhia do seu marido, tem que estar pronta para aceitar as consequências. A boca dela estava seca. Agatha sentiu sua garganta arranhar enquanto buscava ar para seus pulmões. O coração, disparado, entregava que ela estava abalada pela presença masculina ao seu redor. Edward cheirava a sabonete e loção masculina. A barba dele roçou no pescoço dela quando ele beijou-a na orelha. A boca traçou uma linha pelo maxilar até a bochecha dela. — Que consequências seriam essas? Ela murmurou, a voz saindo trêmula. Edward moveu-se novamente, empurrando-a contra os travesseiros e soltando um pouco do seu peso sobre ela. Agatha tremeu, abafou um gemido constrangedor e colocou as duas mãos no peito dele. Ela precisava sair dali. — Nem você pode ser tão ingênua a ponto de não saber o que acontece na cama de um casal, Agatha. Era quase desesperador que ele a considerasse inocente. Ingênua. Uma virgem prestes a ser deflorada pelo marido. Mas, enquanto ela tinha certeza que precisava sair daquele quarto, a forma como a boca dele trilhava os contornos do rosto dela a impedia de se mover. O conde sabia do seu poder de sedução e o estava usando contra ela. E céus, como ele era bom naquilo. Agatha se sentiu mole e rendida quando ele

colocou um joelho entre as pernas dela, forçando que se abrissem, e pode sentir a força de sua masculinidade contra a camisola fina. — Edward, pare. — Ela disse, vacilante. — Você está… nu? Ele abafou uma risada no pescoço dela. — É assim que durmo, milady. Mas não se preocupe. Logo, você estará também. — Eu vim aqui para conversar. — Ela resistiu, tentando fechar as pernas. Ele se ergueu e a encarou, tirando a boca dela por alguns instantes. — Não era esse tipo de companhia que pretendia. — Mas nós podemos conversar. — Ele voltou a beijá-la. Agatha sentia seu corpo aceso como as luzes de Natal. Cada toque dos lábios de Edward deixava um rastro de fogo na pele dela. E as mãos dele começaram a desfazer o laço da frente da camisola. — Dá para conversar enquanto fazemos isso… depois que fizermos isso… — Creio que isso seja um distrativo muito grande. Ela mentalizava que precisava sair debaixo dele, mas a verdade era que não queria. Aquele toque, aquela boca sobre ela, aquele corpo masculino que tinha cheiro de uísque e tabaco eram um conforto que ela ainda não tinha vivenciado. A experiência anterior fora degradante, desagradável, bruta. Quando Edward tomou a boca dela na sua, de forma possessiva, Agatha entendeu que ela precisava fazer qualquer coisa para impedir o que viria a seguir. Os lábios dele atacaram os dela com força e desejo. O sabor da língua dele era ainda mais delicioso do que ela se lembrava. Eles precisavam parar de se beijar se ela não queria dormir com ele. Mas, quando ela tentou se esquivar, ele pegou uma das mãos dela e colocou nas costas dele. Depois, fez o mesmo com a outra. O corpo dele aquecia o dela e provocava para que ela abrisse mais as pernas, lentamente… Ela se pegou deslizando as mãos para tocá-lo mais em baixo… — Não. Com uma força que ela desconhecia ter, Agatha conseguiu rolar para o lado e desprender-se do abraço envolvente do marido. Edward deitou de costas, fitando as amarras da cortina no alto do dossel. Ela não olhou para ele, não podia vê-lo nu e excitado depois de tê-lo repelido. — Agatha, saia dessa cama antes que eu me arrependa de dizer isso. — Edward, eu… — Apenas vá. Ela quis explicar a ele. Dizer que não podia. Que, apesar de ser casada

com ele e de conhecer os deveres de uma esposa, ela não podia. Que proibir a consumação do casamento, que rejeitá-lo estava ligado ao fato de que ela não era mais a virgem intocada que ele esperava. Que ela estava maculada, que fora arruinada e abandonada e que, apesar de tudo, não era digna de um marido como ele. Mas ela não podia. Não tinha forças nem tinha vontade de destruir mais ainda com sua vida. Ela precisava de tempo para entender se Edward teria compaixão dela quando descobrisse a verdade.

O Conde de Cornwall fora rejeitado duas vezes por sua esposa. Se alguém soubesse daquilo, sua reputação estaria arruinada para sempre. Edward nunca fora rejeitado antes, por ninguém. Ele deveria desistir daquela mimada e concentrar seus esforços em outras mulheres. Mas não conseguia. Desde que soube que ela retornou, mesmo bêbado demais para perceber, ele quis vê-la outra vez. E, desde que a viu, sabia que precisava ficar com ela, daquela vez. Por tempo demais, Agatha foi a menina que implicava com ele. Até ela se tornar adulta e Edward entender que seus sentimentos para com ela eram pecaminosos demais. Era a irmã de Aiden. Ele a vira nascer. E ela era agora sua esposa. Talvez se ele tivesse planejado, não tivesse saído tão certo. E como era resistente, dizendo não ao mesmo tempo que seu corpo gritava sim. E, enquanto Edward rolava na cama sentindo o desejo o dominar, ela estava realmente gritando. Era a segunda noite, a segunda vez que ele despertava com os berros da esposa. Edward pulou da cama, sem se preocupar em vestir-se, e se colocou ao lado dela imediatamente. Agatha chorava, as lágrimas escorrendo pelos olhos fechados, e se esperneava na cama. Dormindo, ela parecia ter um pesadelo horrível. — Shhhhh, minha querida. — Edward segurou-a em seus braços. Ela ficou tensa, mas parou de se debater. — Acalme-se, Agatha, eu estou aqui. Edward não sabia o que que era aquilo que fazia a esposa ter pesadelos tão reais. Acomodou-a em seu colo, deitou-a em seu peito, e acariciou seus cabelos. Ela acalmou, relaxou ao encontro do corpo dele. — O que está acontecendo com você? — O conde sussurrava nos ouvidos

da esposa, que parava de chorar aos poucos. — O que te deixa tão nervosa, tão agitada no sono? Agatha balbuciou palavras que ele não conseguiu entender. Parecia uma canção de ninar ou algo que uma mãe diria a um filho. Não acordou, apenas foi se acalmando até que o único ruído no quarto eram as duas respirações. Na noite anterior, Edward deitou ao lado dela e ficou até que ele precisasse sair. Ela não percebeu que ele estivera ali. Naquela noite, faria o mesmo. Agatha não estava bem e precisava do cuidado dele. Recostado nos travesseiros, Edward deslizou para baixo, com ela nos braços, e se ajeitou na cama. Se ela acordasse e o expulsasse, pelo menos ele saberia que ela estaria se sentindo melhor.

Capítulo oitavo

A CABEÇA de Edward doía naquela manhã. Ele já tinha bebido todo o uísque de Londres e não se lembrava de uma dor como aquela. Tomou um chá, que a governanta garantiu ser muito bom para curar aqueles males e foi para a fábrica na expectativa de combinar a viagem a Hampshire. Ele pretendia ir em três dias, só esperaria passar o evento na casa de jogos de Riderhood. Não era de bom tom recusar o convite de um parceiro importante. Durante a noite ele quase não dormiu. Primeiro, porque estava dolorido pelo desejo insatisfeito. Sua ereção incomodou por muito tempo enquanto ele considerava se invadia o quarto de sua esposa ou se buscava outra forma de satisfação. Depois, ela começou a gritar de madrugada e demandou a sua atenção. Ele a odiava tanto por fazê-lo de bobo e por provocá-lo sem nenhuma intenção de se render a ele, mas a adorava a ponto de se perturbar com os pesadelos dela. Desconfortável, o conde não ficou feliz ao ver seu amigo duque no escritório. Aiden remexia papéis e estava absorto em alguma coisa quando ele entrou, fazendo mais barulho do que o necessário. — Oras, se não é meu melhor amigo que agora é meu cunhado. — Aiden provocou e recebeu um rosnado em retorno. — Vejo que ficar casado com uma Trowsdale é perigoso. Esse não é o humor típico dos McFadden, meu amigo. Por que está tão rabugento? Minha irmã tem tornado sua vida difícil? Edward encarou Aiden e quis praguejar. Claro que a irmã dele estava sendo difícil, o que se esperar de uma Trowsdale? Ela o estava quase enlouquecendo em apenas dois dias. Ter que aguentá-la pela vida inteira iria matá-lo antes dos quarenta. — O que está fazendo aqui, homem? Pensei que não saía mais de casa.

— Minha mulher me expulsou. — Aiden jogou-se na cadeira e cruzou os braços atrás da cabeça. — Ela acha que sou super protetor. É um exagero, claro, mas mulheres grávidas sempre exageram. E você, não deveria estar em lua de mel? — Eu estou. — Edward serviu um uísque. — Mas alguém precisa trabalhar. — Você podia tirar alguns dias. Sawbridge me disse que você veio trabalhar ontem. — Aiden, se você não tem nada para fazer, deixe-me cuidar dos contratos. Não me admira que sua mulher tenha te mandando embora, você não sabe ficar quieto. — Os Trowsdale falam muito. Pensei que estava acostumado. Mas eu queria mesmo falar com você, por isso te esperei aqui. O conde estendeu um copo de bebida para o amigo e se sentou em um sofá. Se Aiden tinha algo a dizer, aquilo poderia demorar. Ele tinha razão, os Trowsdale eram falantes e irritantes, mas nada daquilo tinha sido sequer notado por ele, ainda. Por que raios acabou casado com a dama menos convencional que poderia escolher? — Você vai ao evento de Riderhood? — Edward perguntou, antes que o duque começasse sua ladainha. — Não, não posso deixar Elizabeth sozinha à noite. É muito arriscado. — Eu ofereceria Agatha para fazer companhia a ela, mas sua irmã quer ir comigo. Aiden franziu o cenho e bebeu um gole do uísque. Pelo visto, o comportamento da lady não assustava apenas o marido. — À casa de jogos de Riderhood? E você concordou? — É um evento aberto para as damas. Ela está queixosa por ter ficado em Londres, eu estarei lá. Não há riscos. Ele não acreditava nas próprias palavras, mas não podia dizer ao duque que levaria a esposa para um antro de perdição. Tinha que ao menos fingir ser um marido zeloso. — Certo, ela é sua esposa agora. Sua responsabilidade. Mas… sabe que passei a vida cuidando dela, Edward. Ela é minha única família restante, já que pretendo que minha mãe nunca retorne para a Inglaterra. — Eu nunca deixaria mal acontecer a Agatha, Aiden. — O conde disse e se surpreendeu porque estava falando sério. Não estava tentando convencer o duque sobre suas atitudes, estava expondo uma verdade. Edward não

permitiria que Agatha se ferisse ou sofresse mesmo se não estivesse casado com ela. — Então precisa me ajudar. Minha irmã, ela… algo aconteceu em Nova Iorque. — Algo? Edward acendeu um sinal de alerta. Ajeitou-se reto no sofá e pressionou o copo de vidro com força desproporcional. — Eu percebi que ela estava diferente, quando retornou. Decidi investigar porque ela se recusava a se abrir. Ficava fechada no quarto, agindo com um mau humor que eu nunca tinha visto. E olha que eu estou acostumado ao temperamento dela. — Finalizando seu drinque, o duque olhou para o fundo de vidro por alguns segundos. — Eu mandei uma carta para meus criados nas Américas. O mordomo da casa em que mamãe está disse que Agatha não passou todos os meses lá. Que, depois de uns três meses, ela disse que precisava respirar outros ares, fez as malas e se mudou para um hotel na cidade. A expressão nos olhos de Aiden deixou Edward preocupado. Sim, o amigo era super protetor e Elizabeth estava sendo sensata em ficar um pouco longe dele. Mas a história merecia atenção. Por que uma dama deixaria, desacompanhada, a casa de sua mãe? Por que ficar em um hotel? Conjugado com a perda do brilho do olhar de Agatha e com os pesadelos que ela teve depois que se casaram, Edward tinha que dar crédito a Aiden. Algo acontecera com ela. — Myrtle fez algo contra ela? A mãe de Aiden e Agatha fora exilada em Nova Iorque pelo filho, depois de ter quase provocado a morte do seu enteado mais velho e de ter armado uma situação para que o duque fosse visto comprometendo uma dama. Ela era abominada pelos filhos, apesar de Edward saber que ambos a amavam ainda assim. — Os criados afirmam que não. Parece que ela fez amizades, passou a frequentar alguns eventos em companhias duvidosas e se mudou. — E ninguém pensou em te avisar? — Edward levantou, um arrobo exagerado em relação a um problema que não era dele. Se fossem seus criados, estariam todos demitidos. Se sua irmã fizesse algo parecido, e ele não fosse informado, mandaria decapitar alguns homens. — O que quer de mim, Aiden? O que posso fazer? O duque levantou, deixando a mesa para o amigo. Ajeitou os papéis e se

aproximou de Edward. — Descubra o que aconteceu. Minha irmã adora falar. Você é o marido dela. Não deve ser difícil arrancar-lhe a verdade. Da mesma forma que apareceu, Aiden saiu pela porta e deixou Edward com mais dúvidas do que respostas. Ele não precisava ter que se preocupar se algo grave acontecera com a mulher com quem casou. Tinha decidido que ia se casar por negócio. Que sua esposa seria apenas alguém para acompanhá-lo e cumprir um papel. Por que diabos tinha se metido ainda mais com os Trowsdale? Agatha seria qualquer coisa, menos uma esposa decorativa. E ainda tinha essa confusão das Américas. A forma mais simples de resolver seria apenas perguntando a ela e esperando a verdade. Mas, se a verdade fosse um problema, Agatha nunca revelaria a ele. Sem vontade de pensar em nada daquilo, a melhor coisa a fazer era trabalhar. Como os nobres conseguiam ocupar seus dias sem trabalho, ele nunca saberia.

Agatha manteve distância do marido por dois dias inteiros. Evitou-o como se ele estivesse com uma doença contagiosa. Foram dias tranquilos, principalmente porque ela dormiu bem, durante todas as noites. Teve sorte também porque Lorde Isaac não ficou muito tempo em casa e ela só precisou confraternizar com pessoas no jantar. Apesar de estar em segurança, ela estava absurdamente solitária quando chegou a noite do jantar oferecido pelo Sr. Riderhood. Estava segura porque não corria o risco de cair nos encantos de sedução de Edward. E solitária porque ansiava por gente nova, por mulheres interessantes que pudessem conversar assuntos interessantes com ela. Ela ansiava pelo próprio marido de quem estivera fugindo. Moira ajudou-a com um vestido que trouxera das Américas. Os que encomendara da modista ainda não estavam prontos e ela decidiu não apressá-la. Ninguém em Londres tinha visto aquele, então ela podia ir a um evento que não estava sendo organizado pela alta sociedade. Olhou-se no espelho e gostou do que viu. Os cabelos presos no alto da cabeça com uma tiara de pérolas, brincos de pérolas, um pouco de pó no cabelo, uma gargantilha de pérolas. Tudo combinava com o vestido amarelo e dourado

que tinha três camadas, bordado, seda, tule e renda. Ela não parecia uma garota inocente e sentia-se bem assim. Quando desceu as escadas, encontrou Edward esperando por ela. Ele usava roupa de noite completa, mas não estava de fraque. Calça cinza, colete preto com um bordado que parecia brilhar à luz, uma gravata branca impecável e presa com um único alfinete perolado. Claro que ele sabia a roupa que ela usaria, os criados devem ter contado para que ele se arrumasse de forma a combinar com ela. — Milady. O conde segurou-a pela mão e beijou os nós dos dedos. Ele tinha a boca quente e macia e ela quis sorrir para aqueles olhos azuis que pareciam ser sempre verão. — Seu irmão vai conosco? — Ela perguntou, sendo conduzida para a carruagem que os aguardava. — Não, Isaac foi na frente. — Edward ajudou-a subir e sentou-se em frente a ela. Bateu no teto para indicar que o cocheiro poderia seguir. — Você está ciente de que esse evento não é como os que está acostumada? Que as pessoas lá não são as damas da sociedade, e os cavalheiros não são tão cavalheiros assim? — Não estou. — Ela confessou, ajeitando as saias. O conde era muito grande e as pernas dele encostavam nela. — Mas estou preparada para me surpreender. — Tente não sair de perto de mim. O tom da voz dele era severo. Agatha quase podia acreditar que ele se importava realmente, que não agia daquela forma porque, entre os comuns, a infidelidade era algo muito ruim. Eles estariam entre os plebeus e Edward certamente preferia agir como eles. Não havia ninguém para recebê-los na porta. O clube de Elliot Riderhood era o mais exclusivo de Londres e contava com sócios muito ricos, mas a maioria era da burguesia britânica. A nobreza já tinha perdido muita riqueza e, como dizia Aiden, o mundo era dos investidores e negociantes. Mesmo assim, a fama do clube garantia muito dinheiro para seu proprietário e muita discrição para os sócios. A fachada de mármore, composta por colunas imponentes, lembrava uma obra romana. Agatha se deslumbrou por um momento, enquanto o marido a conduzia com relativa indiferença. Ele já estivera ali tantas vezes que não se importava mais com a magnitude do lugar.

— Bem vindo, milorde. Um empregado do clube os recebeu já dentro do hall de entrada. Edward entregou a cartola a ele. Depois, ajudou a esposa a tirar a capa. Demorou dois segundos olhando para ela e suspirou. — Obrigado, Anthony. Vá à minha carruagem depois, há algumas caixas para você. O homem, que tinha aparência de meia idade, sorriu e agradeceu com um gesto. O casal de nobres entrou no salão e Agatha se deslumbrou novamente com a beleza do lugar. Era mais amplo e decorado do que a maioria dos salões das casas de Mayfair. Tinha candelabros pendurados e lustres que ajudavam a manter o espaço muito bem iluminado. E estava repleto de desconhecidos. — Que caixas trouxe para o criado? — Ela demonstrou curiosidade. — São doações. Algumas roupas que a esposa dele pode remendar para ele, e para os filhos mais velhos. Anthony é uma boa pessoa, mas os salários que pagam aos criados são sempre muito baixos. Agatha sorriu timidamente. A família McFadden era parecida com a dela. Não era a toa que eram tão amigos. — Vou apresentá-la a dois cavalheiros que estão com suas esposas. — Edward disse, chamando a atenção de Agatha. — Depois, elas se encarregam de apresentá-la às outras damas. Nenhuma das duas é nobre, mas você pode encontrar algum rosto conhecido por aqui. — Acho que já encontrei. — Ela indicou um grupo de cavalheiros e uma dama bastante eloquente entre eles. Edward riu. Era Lady Caroline Eckley. — Ela sempre está nesses eventos, adora a atenção masculina. Não mais do que adora a si mesma. Desde que perdeu seu irmão, ela procura incessantemente um protetor rico. Agatha quis perguntar por que ela não se casava, mas já sabia a resposta. Nem todas as mulheres foram feitas para o casamento, ela entendia. Lady Eckley era uma mulher livre e não se importava com escândalos. Agatha a admirava e a repudiava pelo mesmo motivo.

Lady Caroline Eckley não era a companhia preferida de Agatha, mas foi ela quem salvou a jovem da conversa tediosa da Sra. Fancy Thompson. A mulher

de meia idade só sabia falar sobre as qualidades de seu marido e sobre as riquezas que ele estava conquistando. Quando Lady Eckley as interceptou e arrastou Agatha para um canto, com uma desculpa qualquer, ela suspirou de alívio por não precisar mais aguentar o discurso verborrágico da esposa do Sr. Thompson, o relojoeiro. — Com o tempo você se acostuma. — Lady Eckley ofereceu a Agatha uma taça de champanhe. — Beba, fica mais fácil transitar entre os assuntos menos divertidos. A jovem bebericou um gole da bebida borbulhante e seus olhos passearam pelo salão de baile. Oval, com piso quadriculado de preto e branco, ornamentado com papel de parede em alto relevo e cheio de janelas, o espaço era notável. Seu marido, no entanto, não estava à vista. — Obrigada por me salvar. — Agatha agradeceu, timidamente. Ela geralmente detestava o comportamento de Lady Eckley, repudiando a forma libertina como ela se portava. Principalmente quando ela insistira em um relacionamento com Aiden. Mas, depois de uma viagem para as Américas, havia muito do comportamento de Caroline que Agatha passara a compreender. — A Sra. Oglethorpe é divertida, mas… — Ninguém aguenta ouvir Fancy Thompson por muito tempo. — Caroline riu. — Então, Agatha… você voltou com tudo. Devo lhe dar os parabéns pelo casamento. — Obrigada, novamente. As duas mulheres ficaram em silêncio por um minuto inteiro. Agatha preferia não conversar, naquele momento, porque ela tinha muito a observar. Mas não era possível impedir Caroline de falar. — Dentre todos os bons partidos de Londres, eu nunca imaginei que você escolheria Edward McFadden. Ele é muito certinho para você. Mas, bem, já deve ter descoberto que ele é um amante maravilhoso. Agatha engasgou com o champanhe e não deixou ninguém perceber. As palavras de Caroline a atingiram no meio do peito como uma espada afiada. Não, ela não descobriu que o marido era um “amante maravilhoso” porque ela não se deixaria tocar por ele daquela forma. E também não fazia questão de saber que Edward já estivera na cama com Caroline Eckley. A sobrinha do marquês já deveria ter dormido com todos os homens de Londres e Agatha preferia ignorância sobre a lista de seus amantes. — Eu sou a filha de um duque, ele é um conde. Foi um bom negócio para ambos. E eu não o escolhi, houve uma situação que nos conduziu ao

casamento. Caroline riu. Ela devia saber que Edward não pretendia casar com Agatha antes do escândalo. — Não quero ser sua inimiga, Agatha. Eu sou uma mulher de sangue azul que despreza a aristocracia e faz tempo que percebo que você tem muito mais afinidade com as pessoas comuns do que com a nobreza. Como eu. Sua família é pouco tradicionalista, eu diria até progressista. Mulheres como nós precisam se unir, temos que caminhar juntas para mudar algumas coisas. — Mudar o que? Caroline quis prosseguir mas fora interrompida pela chegada de dois homens. Eles eram conhecidos dela e foram apresentados a Agatha como Finley e Gregor. Daquela forma simplória, primeiros nomes, sem cerimônias. Finley era loiro como palha de milho e Gregor tinha belos cabelos ruivos, mas nenhum dos dois era bonito. Agatha era casada com o homem mais belo daquele salão. Nenhum outro acabava lhe chamando a atenção. Mas eles se aproximaram com clara intenção de cortejar as damas, já que nenhum deles conhecia Agatha e não sabia que ela era comprometida. Ao segurar a sua mão enluvada para beijar os dedos, Gregor notou o anel e deu um sorriso torto. Mesmo assim, continuaram a conversar animadamente, principalmente com Caroline. O assunto dos homens era bem menos irritante do que o de Fancy Thompson. E Lady Eckley tinha fluência nos temas que eles discutiam. A conversa fora interrompida pela chegada do Conde de Cornwall. Com uma presença masculina marcante e cheiro de tabaco, Edward colocou a mão na cintura da esposa e sorriu,. Sem dizer uma palavra, indicou que não gostava daquela aproximação.

Quando estava na casa de jogos de Riderhood, Edward geralmente bebia e jogava. Depois que Lady Bridget rompeu com ele, vivia embriagado e cambaleando por entre as mesas. Naquela noite, no entanto, ele não conseguiu prestar atenção nas atividades masculinas. Deixou sua esposa conversando com a Sra. Fancy Thompson e a Sra. Annabelle Oglethorpe mas manteve sobre ela vigilância constante. Talvez ele parecesse controlador e obcecado. Porém, Agatha era uma

jovem inocente demais para aquele ambiente. Ela quis ir, ele garantiu que ela deveria manter-se ao lado dele, mas precisava circular pelos espaços dos homens. Se ficasse andando com a mulher a tiracolo, ele seria visto como um frouxo. Só que isso não o impediu de preocupar-se com ela. Principalmente quando viu que Lady Eckley se aproximou. Era muito fácil cair nas artimanhas da sobrinha do marquês. Edward ficou de olho nas duas, conversando, enquanto fingia prestar atenção nos assuntos de Ogglethorpe e Sawbridge. Os dois falavam sem parar sobre negócios, seu tema preferido nas conversas. Por sorte, o evento era um baile no salão principal, que ficava no meio da casa de jogos e não possuía obstáculos a visão de nenhum ângulo. E foi então que dois homens se aproximaram e agiram com desrespeito. Ele não pode ouvir o que falavam, só não gostou que um tenha segurado as mãos de Agatha e beijado. Que outro tenha sorrido para ela e ela lhe sorrira de volta. Achou muito desagradável que eles abordassem uma mulher casada sem antes serem apresentados por um homem em comum. Aquele era um costume até mesmo da burguesia, era uma questão de respeito. Estava na hora de dar fim à conversa. Edward deu passos largos na direção de Agatha e segurou-a pelo braço com dedos firmes. A esposa o fitou com curiosidade e ele precisou inventar uma desculpa pela aproximação possessiva. — Poderia me conceder a sua primeira dança, milady? Edward não sabia se queria mesmo dançar. E fazer aquilo com a própria esposa era muito fora de moda. Mas eles estavam entre as pessoas comuns, apenas poucos aristocratas frequentavam os eventos de Riderhood. Naquele espaço, dançar com Agatha era esperado e incentivado. Então ele aproveitaria. Foi pura sorte que ela aceitou o convite sem protestar ou dizer não. Aproveitando a abertura, o conde conduziu a esposa para o centro do salão, onde alguns casais já iniciavam a primeira dança. Edward segurou-a pela cintura e girou com ela pela pista. — Vão achar estranho vendo você dançando comigo. — Estão acostumados. — O conde ajustou a pegada, amoldando os dedos ao redor dela. — Talvez eles não vejam maridos aristocratas dançando tão intimamente com suas esposas, mas os costumes aqui são diferentes. — Intimamente? — Ela franziu a sobrancelha e o encarou. Edward sorriu, ela tinha uma expressão indignada que permanecera mesmo depois do que a

tinha afetado nas Américas. — Próximos. — Ele levou a boca até a orelha dela e sussurrou. — Tome cuidado com Caroline. Ela só se interessa por ela mesma. — Sei me defender, Edward. — Assim como estava se defendendo dos abutres que estavam sobre você. Ela deu uma risadinha. — Está me comparando com uma carne podre, milorde? — Claro que não! — Edward ergueu as sobrancelhas e a encarou. — Você adora distorcer tudo que eu digo. Aqueles dois não valem o uísque barato que bebem, eles não deveriam ter se aproximado de você sabendo que era casada. — Agora parece que está com ciúmes. — Ela riu mais e Edward foi preenchido por indignação. Claro que ele não tinha ciúmes da esposa. — Vou amanhã para Hampshire. — Ele desconversou, enquanto giravam ao som da valsa. — Preferia que você não fosse mas, se insistir, pode ir comigo. Agatha sorriu e sua face de iluminou como um dia de sol. Ela podia ser linda e irritante ao mesmo tempo, luz e tormenta de um segundo a outro. Quando Edward passou a ter tanta noção da mulher que sempre considerou uma criança, ele não sabia. — Eu insisto. Vou adorar respirar um pouco do ar do campo. — Vamos ficar dois dias lá. Não tenho uma propriedade em Hampshire, na verdade estou comprando uma. Mas a casa senhorial está em reformas e não há como ocupá-la. Teremos que ficar em uma estalagem. E vamos de carruagem, não de trem. Ela assentiu com um movimento de cabeça e não falou mais nada. Edward podia sentir o medo que fazia o coração de Agatha disparar. Naquele momento ele teve ainda mais certeza que Aiden não tinha exagerado sobre a irmã. E, pior, ele suspeitava que o problema estivesse ligado à intimidade entre um homem e uma mulher. Com a mão espalmada nas costas dela, o conde tentou tranquilizá-la, mesmo que ela não expressasse nenhuma emoção que sugerisse desconforto. A valsa terminou e ele se despediu da esposa com um beijo nas costas da mão. Naquela noite ele a deixaria em paz, mas, durante a viagem, daria um jeito de convencer Agatha a se abrir. Edward precisava saber o que tinham feito a ela, porque ele tinha certeza que ela estava com medo das pessoas.

Capítulo nono

H AMPSHIRE ERA LINDA , vibrante e quente. As lembranças que Agatha tinha da região eram as melhores. Sempre ia acompanhada do pai e do irmão. A propriedade dos Trowsdale ficava em uma área produtiva, tinha muitos arrendatários e uma floresta que nunca fora explorada. Já dera muito lucro, quando as fazendas eram o motor principal da economia. Com a industrialização crescente, Crystal Place ainda era autossuficiente, mas não era mais usada para lucro. A propriedade que Edward McFadden estava adquirindo era ao lado, e compartilhava dessa mesma floresta. Ele e Aiden pretendiam contratar pessoas capazes de potencializar o uso da terra e da madeira para poderem extrai-la a fim de reduzirem os custos na fábrica. Era uma estratégia inteligente, mas Agatha nunca duvidou que o marido fosse esperto. Edward e Aiden eram uma dupla intrigante. Ela estranhou que ele não tivesse aceito a oferta de ficar na propriedade dos Trowsdale. Estranhou mais ainda que eles não viajassem de trem, para economizar tempo. A desculpa de Edward para viajar uma longa distância e carruagem e ficar em uma estalagem não a convenceu. Crystal Place tinha uma casa grande e que estava vazia há bastante tempo. Aiden jamais se importaria em cedê-la para que usassem naquela viagem, mas Edward insistiu que deveriam ficar em uma estalagem. E ainda emendou: a viagem era dele, ela deveria seguir as suas regras. Embolados na carruagem luxuosa da família McFadden, eles já estavam na estrada havia duas horas. Em breve parariam para trocar os cavalos e descansar um pouco. Agatha estava com um vestido simples para a viagem. Poucas saias, seda leve e com poucos bordados, e não usava luvas.

Considerou que, daquela forma, ocuparia menos espaço e teria mais conforto. Só que o conde era muito alto e muito largo, fazendo com que seus esforços não surtissem muitos efeitos. As pernas dele estavam entre as dela. Os joelhos se tocavam. Mesmo que Agatha tentasse permanecer indiferente ao contato, não era fácil resistir aos encantos do próprio marido. Toda vez que ela desviava os olhos da paisagem, ele a estava encarando. Fingia que não, mexia nas almofadas e cortinas, mas logo os olhos azuis estavam sobre ela novamente. E então ele sorria. Os dentes muito brancos brilhavam, enquanto covinhas se formavam em suas bochechas. Um homem tão devasso não podia ser tão lindo. Aquela era uma combinação perigosa para ela, já que ela não podia ceder a ele. — Vai continuar em silêncio pelas nove horas que faltam? Ele perguntou, distraindo-a da contagem de nós no bordado de uma das almofadas. — Não imaginava que gostasse de me ouvir falar. — Ela zombou. — Mas posso conversar sobre o que vamos fazer em Hampshire. Sobre madeiras, florestas e aproveitamento do solo. — Você não sabe dessas coisas. — O conde começou a desarrumar sua roupa. Afrouxou a gravata e dobrou as mangas da camisa. Estava quente, mas a temperatura dentro da carruagem aumentou. — Li um ou dois livros desde que soube das atividades da fábrica. Eu gosto de aprender as coisas e, quem sabe, não possa ser útil? Edward fitou-a com curiosidade. Dobrou o corpo e pegou um dos pés da esposa. Agatha pensou em protestar, mas ele moveu a cabeça pedindo que ela confiasse nele. Tirou o sapato e começou a massagear entre os dedos dela. A jovem jogou a cabeça para trás e se recostou melhor no assento. Ele tinha mãos habilidosas. — Agatha, tire da cabeça essa ideia de frequentar a fábrica. Lá é muito perigoso para uma mulher. — Eu sei cuidar de mim mesma. Ela gemeu e se constrangeu pelo som que saiu de sua boca. Ele tocava em pontos sensíveis do pé e do tornozelo que a distraíam até dos protestos que queria fazer. — Sei que sabe. Mas, ainda assim, é perigoso demais. Invente coisas menos complicadas para fazer. — Quero trabalhar com você. — Agatha fechou os olhos. — Ou também

posso aceitar o convite de Caroline e… — Convite? — Edward deslizou as mãos para as panturrilhas dela. Agatha sentiu como se os dedos dele contivessem o calor de dois sóis. — Agora estou em dúvida sobre o que é mais perigoso. O que Caroline quer? — Amizade. O conde fez uma careta e continuou a massagem. Pegou o outro pé, colocou sobre a perna, retirou o sapato e apoiou em sua coxa. Agatha esticou os dedos e encostou, sem querer, em uma parte do corpo dele que não pretendia tocar nunca. Ela encolheu a perna, nervosa, enquanto ele ria. — Está tudo bem, Agatha. — A voz dele tinha um tom divertido, mesmo que os olhos azuis estivessem cheios de desejo. — Você é minha esposa, não tem nada de mais. Edward ajeitou-a novamente e manteve o olhar fixo nas meias pretas com bordado cor-de-rosa que ela usava. Agatha fechou os olhos e tentou relaxar, mas seu corpo não obedeceu. Os dedos tocaram novamente aquela parte masculina e ela se surpreendeu em como estava rígida. Fora de controle, ela deslizou o pé pela extensão da ereção do conde e também se surpreendeu porque ele era enorme. Como as mulheres podiam adorá-lo? Do jeito que Edward era grande, ele deveria causar muita dor. Aquilo tudo nunca caberia dentro dela. De mulher alguma. Mas ela não conseguiu evitar. Continuou passando o pé de um lado para o outro, sentindo o pulsar daquela masculinidade viril que parecia despertar apenas por causa dela. Sentiu-se até mesmo orgulhosa porque o Conde de Cornwall a desejava, porque ele a queria a ponto de expressar sua fome daquela forma. Depois de alguns minutos, ela percebeu que ele estava parado e que tinha as duas mãos cravadas nas almofadas ao lado. Agatha olhou para ele, com a cabeça tombada e os olhos fechados, a respiração pesada, o peito subindo e descendo, e quis beijá-lo. Mas Edward saiu do transe e segurou o pé dela com suavidade, afastando-o de seu corpo. — Calma, minha querida. — Ele beijou o pé, levando-o até os lábios. — Vamos deixar essas brincadeiras para outro momento. Agora precisamos trocar novamente os cavalos. Ela se frustrou quando eles pararam pela última vez. Edward passou as mãos pelos cabelos e respirou fundo algumas vezes, levando vários segundos para deixar a carruagem.

A maldita mulher com quem ele tinha se casado o deixaria louco antes de uma semana. Edward precisava seduzi-la e consumar o casamento. Precisava prová-la para se livrar daquela tentação. Assim que ele dormisse com ela, tinha certeza que ficaria bem. Nunca precisou de uma mulher por mais do que uma noite. Era o que lhe bastava. O plano de viajar de carruagem transcorria bem, só que Edward suspeitou que os ventos não estavam a seu favor. Agatha fazia jogo duro. Mesmo que ela já tivesse se rendido aos seus beijos. Mesmo que ela quase o tivesse levado a um orgasmo no meio da carruagem. Quando ele tentava ir adiante, ela se esquivava. Mas eles iriam passar aquela noite juntos. O conde já tinha planejado ficar em uma boa estalagem, garantindo que o quarto deles tivesse apenas uma cama de casal. Seria uma boa cama, mas ela não teria como escapar. Durante o restante da viagem ela não falou mais nada. Depois de comer os sanduíches que Edward levou para servir de almoço, Agatha cochilou por quase uma hora. O conde ficou em silêncio vendo o céu escurecer e a noite chegar. Ele a observava, apenas. Uma vez, dobrou o corpo sobre ela e ajeitou uma almofada sob sua cabeça. Ela sorriu. Outra vez, retirou uma mecha de cabelo de sua face. Voltou a massagear os pés, garantindo que ela não o tocasse em locais inapropriados. E, quando a carruagem finalmente parou pela última vez, na estalagem do Sr. Wakefield, ele estava exausto de resistir para não devassá-la. — Venha, querida. — Sussurrou no ouvido de Agatha, provocando-a a acordar. Ela estava sonolenta, cochilando pela segunda vez durante o trajeto. — Chegamos. — Chegamos onde? — Em qualquer lugar que tenha uma cama macia e uma comida quente. Venha, deixe-me ajudá-la. Edward passou o braço pelas costas da esposa e levantou-a. Depois, fez com que ela esperasse sentada em um sofá enquanto negociava o quarto com o estalajadeiro. O Sr. Wakefield era um velho conhecido do conde, que sempre se hospedava ali quando precisava ir a Hampshire. O quarto que ele escolheu, daquela vez, era mais elegante e bem aparelhado do que os que geralmente ficava. Ele tinha uma esposa para acomodar. — Eu preciso tomar um banho.

Ela disse, ainda zonza de ter sido despertada subitamente. — Vou pedir que mandem água quente e que tragam a banheira portátil. Verei também o que tem para comer. O conde deixou a esposa no quarto e desceu. Ele também estava exausto e adoraria uma refeição quente, mas tinha que cuidar dela primeiro. Solicitou, na recepção, que preparassem um banho para Agatha e reservou a sala privativa para que pudessem jantar. Escolheu algumas opções de pratos e voltou para o quarto. As criadas estavam saindo com baldes vazios. Deram alguns risinhos quando passaram por Edward, um comportamento ao qual ele já estava acostumado. Entrou no quarto e Agatha deu um salto, quase virando a banheira e derramando toda a água pelo quarto. — Edward, saia já desse quarto. — Ela esbravejou, tentando se cobrir com os braços. A banheira era pequena, mas a acomodava quase que por inteira. Mesmo assim, ela estava com os ombros de fora e os seios expostos. Maldição. — Não seja tola, eu nem estou prestando atenção em você. Quero descansar, me lavar e comer. Arrancando as botas e jogando-as de lado, Edward fingiu que não olhava para a esposa e deitou-se na cama. Ela continuou parada por um minuto inteiro, emitindo alguns sons que pareciam rosnados de fúria, até decidir continuar seu banho. Enquanto esperava, o conde acabou pegando no sono. Acordou com um toque macio e úmido em sua face. Piscou algumas vezes e rosto apreensivo de Agatha apareceu em seu campo de visão. Edward se sentou e viu que ela estava usando uma combinação de seda e uma camisa por cima. Branco, rosa e lilás se misturavam naquela pele clara como marfim e os olhos cintilavam sobre ele. — Preciso de ajuda para me vestir. — Ela disse. — Não consigo ajustar o espartilho e… Edward piscou algumas vezes e se ajeitou na cama. — Você não precisa de espartilho. Vou pedir que sirvam o jantar aqui em cima. Aquela era a melhor decisão. Depois de vê-la com as roupas de baixo, pedir que ela se vestisse era um absurdo. Agatha cruzou os braços e fez uma careta. — Certo. Acho que está na hora de ir para seu quarto, milorde. Edward deu uma risada. Ele ainda estava sonolento e morrendo de fome,

mas a ingenuidade de Agatha sempre o alegrava. — Esse é meu quarto, milady. Somos casados, acha que vou dormir em outra cama, em uma estalagem qualquer?

Ela achava, claro. Agatha não queria nem mesmo imaginar que o marido dormiria na mesma cama que ela por uma noite inteira. Mas a expressão de Edward indicava que ela não tinha escolha, a não ser que decidisse dormir na recepção. — Vou pedir que sirvam o jantar aqui e me lavar. O conde saiu do quarto e voltou minutos depois, seguido de algumas criadas com baldes de água quente. A banheira foi esvaziada e enchida novamente e, depois que as mulheres saíram, ele começou a se despir. Agatha se encolheu na cama. Ela nem mesmo tinha trazido um livro para fingir que lia. Edward tirou a blusa, exibindo suas costas musculosas, e deixou a calça cair ao chão logo em seguida. Ela sentiu a boca seca e seu coração disparou. Aquela era a primeira vez que via um homem nu. Mesmo com sua experiência horrível em Nova Iorque, quando foi deflorada por um aproveitador que a enganou e se aproveitou de sua ingenuidade, tudo acontecera no escuro. Ela não o vira e estava afetada pelo álcool. Naquele momento, Agatha estava muito consciente da nudez do marido. Edward tinha pernas bem torneadas, cobertas por pelos, assim como seus braços eram. Ele tinha pelos pelo corpo todo, bem diferente dela. E sua bunda era perfeita. Por sorte ele estava de costas e não a percebeu admirando-o. Quando ele entrou na banheira e se cobriu, ela foi preenchida por frustração. Agatha precisava se lembrar que ela não podia ter Edward. — O que faremos em Hampshire? Você disse que precisa inspecionar uma propriedade. Ela disse qualquer coisa, querendo distrair-se. — Fica ao lado de Crystal Place. Preciso confirmar se a floresta pode ser utilizada para extrair madeira, se o corte das árvores pode ser feito de forma a atender nossa demanda. Há um especialista lá, esperando por mim. Enquanto isso, você pode passear pela vila. — Ah, claro que não. — Ela se encolheu na cama, olhando fixamente enquanto Edward se lavava. A forma como ele passava as mãos ensaboadas

pelo corpo. Os dedos entre os cabelos loiros, a espuma escorrendo para fora da banheira. — Eu vou com você, eu quero participar de tudo. O conde abriu a boca para protestar no instante em que bateram à porta. Agatha pulou para atender as criadas que traziam o jantar. Olhando para o marido nu na banheira, ela mandou que deixassem as bandejas no corredor, sobre o carrinho do serviço. Ela mesma se encarregou que colocar a comida para dentro e dispor tudo em uma mesa redona, coberta por uma toalha ensebada. A toalha não era tão ruim assim. O lugar era simples, mas adequado. Ela estava apenas nervosa pelo que estava por vir. Se ao menos pudesse conversar com Elizabeth. Se pudesse obter alguma orientação. Ela tinha certeza que, se passasse a noite ao lado do marido, ela não resistiria às investidas de Edward. Quando decidiu virar para o lado dele novamente, o conde já tinha saído da banheira e enrolado uma toalha de banho ao redor da cintura. Ela estava com a boca seca e acabou bebendo um gole longo demais do vinho branco que tinha acabado de servir. Percebendo que ele a incomodava, Edward virou de costas e vestiu sua calça. Agatha foi preenchida com alívio, mesmo que a figura dele úmido, despenteado e sem camisa não fosse muito alentadora. O jantar seguiu em silêncio. Ela não quis insistir sobre ir com ele inspecionar a propriedade. Ele não discutiu reafirmando que ela não ia. A comida era simples, composta por uma sopa consistente e pão, uma carne e batatas. Agatha brincou com a comida por mais tempo do que deveria. Ela tinha fome, mas também tinha angústia. Era parte porque ela desejava Edward. Parte porque ela não entendia desse desejo. Parte porque ela tinha medo dele. Parte porque ela podia até lutar com o próprio desejo, mas ela tinha carinho demais pelo insuportável e arrogante conde que a impedia de simplesmente jogar tudo para o alto.

Enquanto Agatha não trouxera nada para se distrair, o seu marido parecia bem acostumado àquele tipo de viagem. Depois de comerem e dos criados recolherem as louças e retirarem a banheira portátil do quarto, ele deixou apenas um lampião aceso e se deitou com um livro nas mãos. A mesma figura do homem sereno, com um par de óculos, fez com que Agatha

considerasse ter se casado com duas pessoas diferentes. Com cuidado, ela se deitou ao lado dele e se enfiou nas cobertas. Ajeitou o lençol ao redor do corpo para formar uma barreira de proteção. — Não se preocupe. Eu não vou violá-la no meio da noite, milady. Era para ser uma brincadeira dele, mas a deixou nervosa. A simples ideia de ser violada a assustava. — Poderia ser ainda mais gentil e dormir em outro quarto. Edward manteve o olhar fixo no livro aberto. Ela identificou que era sobre o cultivo de árvores. — Agatha, eu não vou sair daqui. Fique tranquila, você tem dormido comigo toda noite e acordado ilesa. Eu não mordo. — Eu não dormi uma noite sequer ao seu lado, milorde! — A jovem se indignou e puxou a coberta para os ombros. — Por quase uma semana, toda vez que você tem pesadelos, Agatha. — O conde fechou o livro. — Quem você acha que fica com você até que os tremores e gritos passem? Agatha arregalou os olhos e o encarou, surpresa. Ela não se lembrava dos pesadelos, nem de gritar, nem de tê-lo ao lado dela na cama. Sabia que, depois de se casar, começara a dormir melhor. Uma noite depois da outra, como se os pesadelos fossem arrancados dela. Era ele? Os olhos azuis de Edward engoliam toda a luz do lampião aceso. Em um impulso, Agatha foi na direção dele. O conde pareceu confuso quando ela se sentou em seu colo, passou as pernas ao redor do quadril e apoiou as duas mãos no peito dele. Sua face adotou uma expressão sombria enquanto esperava por ela. Agatha não desejava intimidade com homem algum. Mas aquele ali cuidou dela. Preparou um quarto para ela dormir. Respeitou-a quando ela disse não, mesmo sendo seu marido e podendo exigir que ela consumasse o casamento. Aceitou as regras que ela impôs. E a abraçou quando ela precisou. Foi pensando em tudo de bom que Edward era e no quanto ela poderia perder, nas palavras de Elizabeth e nas batidas do seu coração que Agatha decidiu beijá-lo. E contar a verdade, em algum momento. Quando ela desceu a boca sobre a dele, Edward retesou. Logo, levou a mão até os quadris dela e pressionou a carne com força demais. Agatha gemeu ao ser puxada contra a pele quente do torso despido do marido no

instante em que ele forçava espaço para sua língua. Foi um beijo lânguido, porque representava uma derrota. Ela não queria mais resistir. Edward virou-se na cama. Deitou-a de costas no colchão e continuou a beijá-la. Agatha se perdeu em algum lugar entre o desejo de tê-lo e o horror das memórias. Sentiu os lábios do marido no seu queixo, depois descendo para a orelha e voltando para a boca. Sentiu o peso do corpo dele sobre o dela, o aroma de sabão misturado ao de pele masculina. Por um momento, o passado recente parou de importuná-la. Edward era o homem que ela conhecia pela vida toda. Com mãos ágeis, ele desfez os laços da camisola e da combinação que ela ainda não tinha tirado. Seus olhos tinham a cor do mar em tormenta e o vinco em sua testa demonstrava que ele estava atento a ela. Às formas, ao corpo, às reações da esposa. Com cuidado, ele abriu a camisola e arrancou a parte de cima da combinação. Agatha sentiu um soluço apertar-lhe o peito. — Deixe comigo. — Ele murmurou, a boca percorrendo a pele nua e trêmula. — Eu sei fazer ser muito bom para você também, minha querida. Ela acreditava. Ela queria e ela desejava que ele lhe mostrasse. E então o passado voltou a assombrá-la. Edward puxou para baixo a calçola e passou a língua pelo umbigo, descendo lentamente até enroscar-se nos cachos da intimidade dela. Agatha se retraiu. Debateu-se sobre ele, encolheu-se na parte superior da cama. O conde se sentou, respirando com dificuldade, e a encarou. — Certo Agahta. Seu irmão disse que eu deveria descobrir isso de forma sutil. Sei que os Trowsdale são arredios e que encurralá-la nunca vai fazer com que me obedeça. Mas eu não tenho essa paciência toda. O que houve com você durante essa viagem para as Américas? — Eu não vou obedecer você nunca, Edward. — Ela protestou, sentindose impura, inquieta, desconfortável. — Sei que não, mas não é o que me importa, agora. Quero a verdade. Comece a falar. O que te fizeram, Agatha, para você agir dessa forma?

Capítulo décimo

E L E SABIA . Ou desconfiava. Mas ela, que já tinha decidido falar, precisaria revelar o segredo que carregava como um fantasma há meses. Agatha puxou o lençol para cima dela e baixou o olhar. Concentrada em um ponto escuro, ela respirou fundo e começou a contar. Quando a primeira palavra saiu, foi como se um rio jorrase de dentro dela. — Aconteceu um mês depois que cheguei em Nova Iorque. Mamãe não saía do quarto, eu não conhecia ninguém, e aquela família de empreendedores era divertida, simpática e amorosa. Ao menos, era o que eu achava. Fui apresentada a eles durante um pequeno evento e passei a frequentar a casa principal. O pai é um industriário do ramo de perfumes. São três filhos, e o do meio era fascinante. Agatha ergueu o olhar ao notar movimento na cama. O marido se levantara e estava enchendo um copo com uísque. Entregou a ela e incentivou que ela bebesse. — Ajuda a relaxar. Esse jovem “fascinante” tem nome? Ela não notou imediatamente o desdém no tom de voz de Edward. — Gareth Bristol. Eu e ele tínhamos muito em comum. Gareth tinha vinte e cinco anos, tinha acabado a faculdade e adorava jogos. Conversávamos o dia todo, se deixassem. Nas Américas a sociedade é menos rígida com o comportamento feminino. Mulheres até cavalgam com calças. — Selvagem. — Edward provocou. — Prossiga. — Um dia ele se declarou para mim. Nós nos conhecíamos há semanas, mas parecia que eram anos. Ele disse que pretendia me cortejar e que falaria com Aiden sobre um possível casamento. E, outro dia, em uma festa na casa deles, para a qual fui convidada, nós ficamos sozinhos. Em uma posição

bastante inadequada. — O que esse moleque apaixonado fez com você, Agatha? O tom de Edward era severo e embargado. Ele estava sentado sobre os joelhos e parecia um leão prestes a atacar. Ela não sabia se ficava com medo dele ou se aquela era uma posição de proteção. — Ele, nada. Mas havia outros homens na casa, incluindo o irmão mais velho, Colton. Ele era arrogante, eu nunca gostei dele. Mas Colton exercia grande influência sobre o irmão e, quando percebi, ele tinha me embebedado. Ele me serviu um ponche muito forte e… Edward tinha o semblante severo. Ela estava olhando diretamente para ele e podia sentir tensão no ar. Claro que ele, como homem, sabia o que tinha acontecido em seguida. Claro que ele, como um devasso que já tinha deitado com a maior parte das mulheres livres de Londres, sabia o que um homem fazia depois de dar bebida a uma mulher. — O jovem fascinante não fez nada em seu favor? Não interviu? — Não. — Ela estava com a boca seca e bebeu mais um gole de uísque. Edward tirou o copo da mão dela e bebeu o restante em um gole só. — Ele deixou que o irmão dele me levasse para um quarto da mansão e me deflorasse. Era a primeira vez que ela falava aquilo. Nunca contara a ninguém sobre o que lhe acontecera. Não verbalizou o que houve, nem no dia seguinte, nem depois. Agatha simplesmente emparedou o episódio como se pudesse esquecê-lo. Mesmo depois que o bebê começou a crescer em sua barriga. Foi demais e ela não aguentou. Um soluço alto calou sua voz e a jovem começou a chorar. Seus ombros subiam e desciam enquanto as mãos esconderam o rosto molhado e envergonhado de quem acabara de revelar uma desonra com a qual ela não podia lidar. Se tivesse sido mais esperta. Se não tivesse se deixado seduzir pelo amável e educado Gareth. Se não bebesse o maldito ponche. Eram muitas hipóteses cujos desfechos ela não saberia, pois não era possível retornar ao passado e mudar suas atitudes. Enquanto chorava, ela sentiu os braços fortes que a amparavam. Era a mesma sensação do sono, o mesmo conforto que encontrou depois dos pesadelos que a desorientavam. Encostou a cabeça no peito firme de Edward e deixou que as lágrimas lavassem a dor embora.

Era quase impossível de acreditar, mas parecia verdade. Agatha não mentiria sobre uma coisa daquelas, nem inventaria uma mentira tão absurda apenas para se livrar de consumar o casamento. Naquele momento, tudo fez sentido. O retorno tardio dela para a Inglaterra. A preocupação de Aiden. A ausência de brilho no olhar dela. O “algo” que estava errado em Agatha era aquilo. Ela tinha sido desonrada em Nova Iorque. Contra a sua vontade. Algumas sensações passaram por Edward enquanto ela contava a sua história. Primeiro, ciúmes. Houve outro homem, ele a cortejou, ele a fascinou. Isso o incomodou porque ele não era admirável para a esposa, enquanto ela comentava de forma tão gentil sobre um moleque qualquer das Américas. Depois, ele foi dominado pelo horror. A possibilidade daquela mulher frágil e pequena ser abusada por um homem o deixou enjoado. Logo em seguida, o horror se misturou à fúria em seu estado mais puro e Edward pensou em navegar para Nova Iorque no dia seguinte, apenas para matar Colton Bristol. Ele o mataria com suas próprias mãos se não lhe dessem uma espada. Ele arrancaria o coração do vagabundo e depois o daria de refeição para os corvos. Não havia lugar para onde o maldito tentasse fugir: o Conde de Cornwall o acharia e daria fim à sua vida medíocre. Mas então ela começou a chorar e tudo que restou dentro dele foi uma agonia enorme. Ficou difícil de respirar e toda a raiva que ele sentiu se transformou em um instinto de proteção. Ele envolveu Agatha em seus braços porque precisava arrancar aquela dor dela. Precisava cuidar dela para que ela se sentisse melhor. — Sua mãe sabe sobre isso? — Edward sussurrou nos ouvidos dela, sentindo que o pequeno corpo de sua esposa relaxava aos poucos. — Ninguém sabe, só você. Eu nunca falei sobre isso, eu me sinto imunda. O conde afastou Agatha de seu peito por poucos centímetros, apenas o suficiente para poder olhar nos olhos dela. Passou a mão pelo rosto úmido e ajeitou algumas pequenas mechas de cabelo que estavam fora do lugar. — Agatha, entenda uma coisa. Um homem honrado nunca força uma mulher a isso. Eu sou seu marido, poderia obrigá-la ao sexo e não o fiz. Nunca um homem honrado deflora uma virgem, a não ser que seja para se casar com ela. O que aconteceu com você não foi culpa sua. Você era… você é tão inocente. Foi seduzida por um vilão e eu vou acabar com a existência dele. As palavras dele não fizeram com que ela se sentisse melhor. Agatha se

debateu novamente nos braços dele e se soltou, virando de costas. — Não conte isso a ninguém, Edward. Por favor. Não faça nada, não me desonre ainda mais. Se quiser me devolver a Aiden, faça isso sem revelar essa história. Não conte nada, invente qualquer coisa mas não diga o que aconteceu. E ela voltou a chorar. Edward ficou novamente entre o puro ódio por quem a fez ficar naquele estado e a estupefação por ela achar que ele a devolveria. — Eu não vou contar. — Ele tentou puxá-la de volta, mas ela resistiu. — Shhh, Agatha, olhe para mim. Eu não vou falar sobre isso com ninguém. E também não vou devolvê-la a Aiden. Por que diabos acha que farei isso? — Porque eu estou arruinada. Eu não sou… — Não ligo que não seja virgem. — Edward fez com que ela se acomodasse em seu colo. Envolveu-a com pernas e braços, fez com que ela deitasse novamente em seu peito. Passou as mãos pelos cabelos soltos, revoltos, e beijou-a no topo da cabeça. — Bem, é mentira. Todo homem liga. Não posso mentir e dizer que ser o seu primeiro não era o que eu esperava. Mas eu não vou desfazer nosso casamento por isso. Mesmo que você não tivesse sido enganada, mesmo que tivesse escolhido se entregar a esse… traste humano. — O conde sentiu a bile subir até a boca e precisou respirar fundo para controlar seu temperamento. — Eu ainda assim ficaria com você. — Ninguém é tão bom a esse ponto. Nenhum homem. — Você passou a vida inteira convivendo com homens assim. — Ele riu. A mistura de indignação e sofrimento na voz dela o divertia. — Seu irmão aceitou uma mulher com filhos. Seu pai nunca teria negado uma mulher deflorada apenas por esse motivo. Pare de se culpar, Agatha. E não tente usar isso a seu favor. Sei que está louca de vontade de se livrar de mim, mas eu não vou a lugar algum. Casei com você e isso vai ter que dar certo. Ela ergueu a cabeça e os olhos verdes como a esmeralda o fitaram. Estavam vermelhos e afogados em lágrimas, mas ainda eram os olhos mais lindos que Edward vira. Ele fez tudo errado desde o início. Comprometeu-a e impôs a ela o casamento. Talvez Isaac estivesse certo e ele realmente achara mais fácil apenas se casar com alguém conveniente. Agatha estava no lugar certo e na hora certa. Mas o conde não tomou aquela decisão conscientemente. E, tirando o momento em que ele reformou o quarto dela, ele não tinha sido um bom marido. Não a levou em lua de mel, foi trabalhar no dia seguinte ao casamento,

irritou-se porque ela o rejeitara e o empurrava para longe. Sabia que ela estava com problemas e, ainda assim, agiu como um bichinho ferido ao invés de um verdadeiro marido. Agatha precisava dele, dos cuidados dele, da proteção dele. Mas ela parecia não ligar para aquilo no momento. Ela parecia desorientada e… deslumbrada. E, com aqueles olhos de fogo e gelo, que podiam atirá-lo no inferno ou resgatá-lo aos céus, ela passou os dois braços pelo pescoço dele e o beijou novamente.

Um beijo. O turbilhão de emoções dentro de Agatha convergiu naquele encontro de bocas. Um tanto desesperado, porém repleto de informações contraditórias e desejo. Ela o desejava, sim. Ela não conseguia se manter indiferente à beleza física do marido, mas ele não era só um homem bonito. Edward era o homem com quem ela sonhava. Cavalheiro, nobre, honrado e capaz de aceitá-la com suas imperfeições. Como Elizabeth estivera certa em suas orientações. Mas ele ainda era Edward. O insuportável e arrogante melhor amigo do irmão. E ela ainda estava ferida demais para aceitá-lo tão rapidamente. Era irritante que ele soubesse isso melhor do que ela. O conde a segurou pela cintura, devorando-a com a boca e com a língua, enviando sensações distintas para partes ainda inatingidas do seu corpo, e deitou-a na cama. Beijou-a nas bochechas, no nariz, no pescoço, acariciou os seios desnudos dela com as mãos e soltou um gemido que mais pareceu um rosnado. — Ah, Agatha. — Ele riu, deixando-a confusa. Porque ele não deveria estar achando graça do momento e porque o sorriso dele fazia com que ela desejasse sorrir, também. — Eu vou segurá-la agora em meus braços e você vai dormir. Já liberamos muitas emoções por hoje. — E você espera que eu simplesmente ignore a erupção que despertou em meu corpo, vire para o lado e feche os olhos? O protesto dela era sincero. Empurrando as memórias ruins para o fundo, tudo que sobrava era a consciência da magnitude do marido ao seu lado. E sim, ele era magnífico. — Fico honrado em saber que despertei uma erupção em você, minha querida. — Ele estava ainda sobre ela e roçou aquela barba indecente no

pescoço de Agatha. — Mas, agora que entendo suas restrições… Ele desceu a boca até o colo da esposa, passou a língua pela pele lisa e encostou os lábios em um dos seios. Agatha se encolheu, o corpo dela tremeu, ela se esforçou para relaxar sob o toque dele. — Não quero que seja assim. — Ele se afastou. — A sua primeira vez precisa ser melhor do que isso. Edward rolou para o lado e puxou-a para seu peito. Ela ainda tremia, desorientada. Queria ser arrebatada pelo marido, mas não conseguia evitar o horror. — Essa não seria… a primeira vez. — Seria. — Ele riu. — Quando acontecer você verá que eu tenho razão.

Agatha dormiu uma noite inteira sem pesadelos. O conde não a deixou por nem um minuto durante a noite. Ele a embrulhou no lençol, como se ela fosse um bem precioso, e a manteve em seus braços durante toda a madrugada. Quando a manhã chegou, ele pouco tinha dormido e estava exausto de lutar contra o desejo de possuí-la. Claro que ele se importava com virgindade. Mas não era o suficiente para que ele deixasse de querer a sua esposa. Edward não entendeu quando foi que aquele sentimento aflorou, porque não pode ter sido em uma semana. A desilusão com o abandono de Bridget não o deixou vulnerável. Edward não era vulnerável. Mas ele sentia por Agatha um desejo que não pode ter surgido em uma semana. Quando Isaac sugerira que ele nutria sentimentos pretéritos pela irmã do melhor amigo, Edward riu da cara dele. Ele estava errado, completamente equivocado. E, no entanto, ele ainda não entendia o que havia ali. Naquela cama. Naqueles dois corpos que estavam próximos e, ao mesmo tempo, tão distantes. Vestiu-se com roupas de cavalgada e desceu para conferir os cavalos. Usava calça de camurça bege e botas, camisa branca e colete. No restaurante, encontrou seu contato em Hampshire esperando por ele. Chal Wareham, como preferia ser chamado, era filho de pai cigano e mãe nobre. Uma jovem lady que se encantara pelo homem moreno e sedutor que cruzou seu caminho. Ela fugiu para se casar com o rom, mas morreu no parto do segundo filho.

Chal, cujo nome gadjo era Gerard, viveu entre dois mundos distintos por muito tempo. Mesmo que a família da mãe a tivesse deserdado, um tio quis conhecer ele e o irmão. Os dois foram acolhidos pelo Visconde de Lockley e frequentavam alguns eventos sociais. Chal era muito bom com negócios e administrava de forma exemplar as propriedades que herdara do tio, por testamento. E ele tinha sido o indicado para auxiliar o Conde de Cornwall com a aquisição da propriedade em Hampshire e com o corte e plantio de árvores. — Bom dia, milorde. — O cigano fez uma reverência forçada ao ver Edward chegar. — Bom dia, Sr. Wareham. O senhor pode me acompanhar hoje até o terreno? Preciso verificar a viabilidade de meu empreendimento com alguma pressa. Meus fornecedores estão sendo especialmente difíceis recentemente. — Eles sempre são, milorde. Pretende ir a cavalo? A distância é desafiadora, mas o acesso de carruagem é prejudicado. Como o senhor está adquirindo a propriedade, creio que deverá providenciar muitas reformas no casario principal, nas estradas e reconsiderar a permanência dos arrendatários. Edward sabia que o proprietário anterior detestava arrendatários. O homem morreu desprezando as pessoas que julgava inferiores a ele e acabou que suas terras não afetadas ao título foram todas leiloadas por causa das dívidas deixadas. Ele pretendia mudar aquilo. Um criado trouxe chá e bandejas com um desjejum para duas pessoas. O estalajadeiro já sabia como Edward gostava de seu desjejum e era por aquele motivo que o conde sempre se hospedava no mesmo lugar. Ele apreciava rotina e estrutura. — Vamos comer. — Edward decidiu. — Depois, encaramos o trajeto a cavalo. Aproveite e me mostre os arredores. Eu não conheço todos os caminhos para a propriedade. Chal concordou e os homens comeram a refeição sem conversar muito. Edward não era falante, o cigano parecia desconfiado. Depois de dois pratos de ovos, presunto e carnes, e três pães, o conde estava alimentado o suficiente para a tarefa que o aguardava. — Sr. Wareham, peço que me aguarde no pátio. Preciso falar com minha esposa, antes. — Fiquei sabendo que se casou recentemente. Minhas felicitações.

O conde agradeceu e voltou para o quarto. Ele pretendia sair sem falar com Agatha e evitar um confronto, mas não conseguiu. O bem-estar dela o preocupava. Ele tinha que saber se ela já estava acordada e se estava bem.

O ruído da porta fez com que Agatha se sobressaltasse. Ela estava dentro da banheira, depois de ter solicitado um banho na recepção da hospedaria. Esperava vestir-se e encontrar o marido no andar de baixo, mas ele apareceu no quarto antes que ela pudesse terminar o banho. Estava envergonhada pela noite. Ficara sensível demais depois de revelar a verdade sobre seu infortúnio nas Américas, mesmo que não tenha sido toda a verdade. Achou desnecessário falar sobre o bebê. Edward nunca descobriria que ela já tivera uma criança, um natimorto. Ela não precisava revelar aquela dor. Principalmente porque Agatha sabia que era como a mãe. Ter filhos não seria uma tarefa fácil para ela. Mas sua vulnerabilidade fez com que ela agisse de forma impulsiva com o marido. E, ainda, quando ele entrou no quarto, com os cabelos impecavelmente penteados e o colarinho com dois botões abertos, ela sentiu calor. Suas bochechas ficaram rosadas pelo fluxo excessivo de sangue naquele local. — Bom dia. — Edward lhe sorriu. Ele carregava uma bandeja, que apoiou sobre a mesa. — Trouxe seu desjejum. — Não precisava fazer isso, eu pediria a uma criada. — Sei que não precisava. — O conde andou até ela e pegou uma toalha de banho. Abriu-a e indicou que esperava que Agatha saísse da água. A ideia de ficar totalmente nua na frente dele à luz do dia a constrangeu. — Mas eu quis saber como estava antes de sair. Vou fechar os olhos, pode se levantar. Ele fez o que prometeu e Agatha se ergueu, sendo envolvida em um abraço pelo marido. Ela agarrou a borda da toalha como se sua vida dependesse do tecido felpudo. — Você não vai mesmo me levar, Edward? Eu não quero ficar aqui sozinha. Quis vir para Hampshire para participar dos eventos. — Minha querida, o que vou fazer agora não é uma atividade para uma dama. Vamos de cavalo até a propriedade, é um trajeto longo e difícil. — Quero ir mesmo assim. Eu tenho calças, Edward. Comprei nas

Américas. Eu posso cavalgar muito bem. A expressão do conde era indissolúvel. Ao mesmo tempo que ele não pretendia deixá-la ir, ele parecia não saber como impedi-la. Agatha não era uma mulher fácil de dissuadir. — Minha mulher não vai sair por aí usando calças. — Ele rosnou e se virou de costas para que ela vestisse as roupas de baixo. — Eu sou um conde, um nobre que já não tem muito respeito da sociedade por causa das minhas amizades. Se não consigo controlar nem a minha esposa… — Você não consegue me controlar. — Ela cruzou os braços, entrando na frente dele. — Por favor, leve-me com você. Deixe-me ao menos me vestir para que possa ver como fica. Agatha não esperou que ele concordasse. Abriu a mala e pegou as roupas de cavalgada que trouxe das Américas, vestindo-as com alguma velocidade. A vantagem daquele tipo de vestimenta era a praticidade. Sem as saias que prejudicavam o equilíbrio e sem o excesso de laços e enfeites. Quando o marido olhou para ela, abriu a boca em estupefação. — Céus. — Edward engasgou duas vezes antes de conseguir falar. — Você definitivamente não irá conosco nesses trajes. O conde passou as mãos pelas bochechas dela. Agatha estava irritada, mas o toque a fez sentir a eletricidade percorrendo suas veias. Com um sorriso, ele depositou um beijo breve em seus lábios. — Estarei de volta assim que puder. Vá visitar a vila. Temos coisas a conversar, minha querida, mas eu preciso resolver essas questões, primeiro. E ele saiu do quarto, deixando-a indignada pelo desdém com suas boas intenções. Agatha nunca entenderia Edward e seu comportamento ambíguo. Um homem ora gentil e sedutor, ora insuportavelmente arrogante. Mas ela iria atrás dele. Primeiro comeria o desjejum, depois conseguiria um cavalo e um guia.

Capítulo décimo primeiro

E SPERAR e obedecer nunca foram as palavras favoritas de Agatha. Depois de comer, a condessa desceu, de calças, e solicitou que alguém a conduzisse até seu marido. Sua postura da realeza, conjugada com a prepotência de um metro e meio de altura, amedrontava os criados. O estalajadeiro explicou que eles não podiam fazer aquilo e ela ameaçou sair sozinha a cavalo atrás de Edward. Quando disseram que não selariam um cavalo, ela disse que não precisava de sela. Claro que conseguiu o que queria. Em menos de vinte minutos, estava montada em um mestiço avermelhado, sendo guiada por um dos criados da estalagem. O proprietário achou mais prudente garantir a segurança da lady do que arriscar que ela se colocasse em perigo deliberadamente. E Agatha o faria, porque ela estava chateada com Edward. O marido não deveria tê-la deixado para trás. Não era porque tinha contado seu segredo obscuro e ele a tinha aceitado que poderia mandar nela. O conde não iria tratá-la como uma posse ou como uma criança. Ela queria tomar parte de tudo, não estava a fim de ser uma condessa fútil interessada apenas em eventos e vestidos. Ela queria mais. A visita à fábrica foi o marco. A partir de então, Agatha descobriu coisas novas para motivá-la. Seguindo o criado, ela continuava tendo ideias que pretendia compartilhar com Edward quando estivessem juntos, à noite. Depois de uma cavalgada de pouco mais de meia hora, eles chegaram à floresta onde o conde estava com o cigano Chal Wareham, que ela ainda não conhecia. Ao vê-la chegar, Edward baixou a cabeça em desalento. Ele estava sobre o cavalo e conversava com o homem ao seu lado. Parou o que fazia e

caminhou na direção da esposa. — Eu não acredito. — Edward rosnou, olhando desconfiado para o criado. O homem arregalou os olhos e manteve-se em silêncio. Falar poderia ser pior do que calar. — Você não vai conseguir fazer nada do que eu peço, Agatha? Mesmo quando é para sua segurança? — Sei que estou mais segura ao seu lado. — Ela sorriu, tentando desarmá-lo. Edward suspirou e dispensou o criado com um gesto de cabeça. — E eu não sou muito de obedecer, você sabe. — Venha aqui, suba no meu cavalo e fique comigo. — Não seja tolo, Edward. Sei cavalgar muito bem e posso te acompanhar. O conde parecia que explodiria. Sua face estava tão vermelha e sua expressão era de tanta irritação que Agatha teve medo que ele a colocasse de castigo, trancada em uma torre escura. Mas ele não falou mais nada. Retornou para sua conversa com o Sr. Wareham enquanto Agatha observava. Ela conseguiu entender que discutiam sobre a necessidade de cortar algumas árvores, em períodos específicos, para garantir o crescimento ordenado da floresta. Também, sobre não exagerar na produção de madeira, para não comprometer o tempo de crescimento das árvores. O cigano projetou algumas estimativas de produção, números que ela não compreendeu mas que deixaram Edward animado. — Agora, se tiver interesse, podemos ir até a madeireira que fica na propriedade do lado. — O Sr. Wareham convidou. — O proprietário é meu amigo, Lorde Westhouse. — Ele tem interesse em vender? — Edward considerou. — Talvez sim, talvez não. Acho interessante conversarem, até porque ele pode ser um prestador de serviço. Agatha estava atenta, principalmente porque Edward a encarou com faíscas saindo do azul de seus olhos. Eles brilhavam mais que o céu claro do verão. O marido segurou as rédeas do cavalo dela com uma das mãos e se colocaram a cavalgar lado a lado, seguindo o Sr. Wareham. Já estavam vendo a serraria quando um barulho ensurdecedor a fez encolher sobre o cavalo. E tudo aconteceu muito rápido. O ruído de algo se rompendo, seguido de uma explosão, assustou os cavalos. Agatha tomou as rédeas e controlou o mestiço em que estava montada, mas jogou-se ao chão ao ouvir o barulho sequencial que lembrava o som de vários estampidos. Ela não conhecia nada que produzisse disparos tão próximos, em velocidade tão acelerada. Gritos de homens se misturaram ao

som, que durou segundos. O cavalo de Edward disparou na direção oposta em que eles estavam, mas sem o conde em seu lombo. Quando Agatha conseguiu sentar sobre as pernas e olhar ao redor, havia peças de metal cravadas em partes das árvores que circulavam a estrada em que estavam. O Sr. Wareham estava desmontando e correndo na direção dela. Foi quando percebeu que não ouvia nada. Ele gritava alguma coisa e apontava, mas ela não conseguiu compreendê-lo. Até que viu seu marido caído ao chão, desacordado. Ela se arrastou até ele. Havia um ferimento em sua cabeça, não dava para saber se ele estava vivo ou morto. Agatha quis vomitar, chegou a sentir a bile em sua língua. Mas já tinha enfrentado coisas piores do que aquilo. Deitou a cabeça sobre o peito de Edward e sentiu um soluço lhe rasgar a garganta ao perceber que o coração dele batia. — Edward. — Ela colocou a cabeça dele em seu colo. — Edward, acorde. O cigano ajoelhou-se ao lado dela e a sacudiu pelos ombros. Ele falava, mas ela não ouvia nada. Sua cabeça estava doendo e ela percebeu que sangue vertia da testa. Passou a mão e os dedos tingiram de vermelho. — Não estou ouvindo. — Ela gritou para o rom. — Ajude-me a tirá-lo daqui. Balançando a cabeça, o homem não entendeu o que ela pretendia. Agatha levantou-se, ágil por causa das calças de montaria, e agarrou as rédeas do seu cavalo, que estava ali, ainda. — Coloque-o sobre o cavalo. — Mais gritos. Os sons eram zumbidos insuportáveis que lhe causavam dor de cabeça, mas ela precisava levar Edward para algum lugar seguro. Ajoelhou-se novamente sobre ele, enquanto o cigano considerava se fazer o que ela pedia era razoável. — A senhora não aguentará conduzi-lo. — O Sr. Wareham disse, tentando dissuadi-la de suas intenções. Agatha não conseguia ouvi-lo ainda, portanto nada iria impedi-la de fazer o que decidira em segundos. Com uma calma que não lhe era comum, encarou o rom e pronunciou as palavras bem devagar. — Eu vou montar. O senhor vai colocá-lo montado na minha frente. Ele vai tomar sobre o cavalo e eu vou segurá-lo da melhor forma. Venha atrás de mim, nós o recompensaremos pela ajuda. Estamos indo para Crystal Place, fica a poucos quilômetros daqui. E ela fez o que disse, montando com destreza no mestiço que estava ainda

um pouco agitado pelos barulhos. O rom balançou a cabeça mais uma vez, porém ergueu Edward e, com muito esforço, conseguiu colocá-lo sobre o cavalo. O conde era um homem grande demais, a sorte era que o Sr. Wareham o ultrapassava em força bruta. Batendo as botas nos flancos do cavalo, Agatha fez com que ele iniciasse um trote leve. Demorariam bastante para chegar, mas evitariam uma correria que faria com que Edward caísse. O rom foi atrás dela, também trotando. Enquanto Crystal Place ficava mais próxima cada pisada das ferraduras na terra úmida, o coração dela retumbava no peito. — Não morra, Edward McFadden. — A jovem rosnou, dobrando o corpo sobre o marido. — Faça o favor de ficar vivo, eu não aguento mais perder pessoas.

Dor fez com que Edward mantivesse os olhos fechados, mas ele estava desperto há minutos sem saber onde estava ou o que tinha acontecido. Um pouco desorientado, piscou algumas vezes e quis levantar o corpo mas foi impedido por mãos suaves. Ele tinha certeza que era Agatha que o amparava, até porque a voz lírica dela brincava em seus ouvidos. — Calma. — O sussurro fez com que os pelos de sua nuca se arrepiassem. — Não se agite. Agatha falava com suavidade. Não parecia a jovem irritante que cavalgara até a floresta, acompanhada de um criado qualquer, apenas para desafiá-lo. A delicadeza do seu toque o fez fechar os olhos novamente. Ela passava o pano úmido pelo peito dele, pela barriga, limpando-o e refrescando-o. Edward se sentia quente. — Onde estamos? Na estalagem? A voz dele saiu baixa, grave demais. — Não. Quando te vi desacordado, trouxe você para Crystal Place. Esse é meu quarto, você está na minha cama. Não é um problema, afinal somos casados. — Você me trouxe? — Claro. Quem mais se importaria com sua saúde a ponto de cavalgar com um homem desacordado? Ela sorriu e ele virou o pescoço para vê-la. Havia uma mancha roxa na

testa de Agatha. Estava inchada e marcada com uma linha avermelhada que parecia ser sangue. Edward quis erguer o braço para tocá-la, mas ela o segurou. — Também fui atingida. Isso não é nada, nem está doendo. — Você podia ter morrido, Agatha! — Edward rosnou, a dor de cabeça insuportável. — Por isso eu a queria segura na estalagem. Ai. A esposa estava limpando muito perto do ferimento que ele tinha na cabeça. A boca dela estava fechada em uma linha fina enquanto se concentrava no que fazia. — Vou pegar láudano para você. O médico deve chegar daqui a pouco. — Não quero me dopar. Quem vai cuidar de você? E não preciso de médico. Agatha não ouviu, ou fingiu não ouvi-lo. Ela se levantou e voltou com uma garrafinha de vidro cheia de líquido marrom com cheiro alcoólico. A mão nos quadris indicava que ela não tinha a menor intenção de se importar com a vontade dele. Sua expressão dizia “beba”. Com cuidado, a esposa ajeitou alguns travesseiros nas costas dele. Edward foi erguido e acomodado por uma mulher que era a metade do seu tamanho, mas que demonstrava serenidade e força naquele momento. Ela entregou a garrafinha de láudano e o fez beber todo o conteúdo. Aos poucos seus músculos relaxaram e a dor ficou mais tolerável. Ele então ergueu a mão direita e tocou-a no ferimento da cabeça. — Ai. — Agatha reclamou e segurou-o pelos dedos. — Dói. Você mentiu, disse que não doía. — É porque você tem a mão pesada. Parece um bruto. Vou pegar algo para você comer. E ela saiu de perto dele outra vez, deixando-o confuso pelo ópio e solitário. Edward fechou os olhos e esperou até que ela retornasse, despertando novamente quando o ruído de metal em louça precedeu ao cheiro delicioso de uma sopa. Ele quis olhar para Agatha e confirmar que a única mácula nela era aquela ferida na testa. Sua esposa usava um vestido simples de seda verde esmeralda com renda, sem espartilho. Ela tinha o cabelo castanho preso em um coque alto e alguns fios escapavam pelas laterais. Sua expressão era de exaustão. — Você vai comer e descansar. Fui informada pelo criado que o médico não poderá vir hoje. Ele chegará amanhã, então precisa recuperar suas forças.

Dando ordens como um general, ela se sentou quase no colo de Edward e passou a alimentá-lo. Ele não tinha escolha ou decisão, apenas obedecia. Abria a boca, aceitava o que ela oferecia, se encantava com a doçura e a firmeza que ela conseguia fazer parecer naturais quando juntas. Talvez Edward estivesse fascinado, naquele momento. O vinco no meio dos olhos dava a ela uma expressão séria. Os cabelos caindo pelos ombros era sensual. Enquanto ela limpava a boca dele ao final da refeição, Edward quis jogá-la na cama e beijá-la. Ele nunca quis tanto beijar alguém quanto ele queria beijar a sua esposa naquele momento. Só que não podia. O láudano o derrubou depois de meia hora. A última coisa que Edward viu foi Agatha puxando as cobertas sobre ele.

— O que houve? Você sabe dizer o que aconteceu lá? Elizabeth ouviu a voz preocupada do marido e foi até o escritório do Duque de Shaftesbury. Havia um mensageiro com um telegrama ditado às pressas e Aiden parecia bastante incomodado com o seu conteúdo. Ele sacudia o papel e girava no próprio eixo. — Não sei, Alteza. Fui apenas solicitado para que lhe informasse do ocorrido, parece que foi um acidente com uma serraria. Ela se aproximou de Aiden. Assim que a viu, o duque parou de rodar e envolveu-a nos braços, amparando a barriga redonda com as duas mãos. — Meu amor, você não deveria estar perambulando por aí. — Se eu não andar, a criança não vai nascer nunca. — Elizabeth riu. — Diga, o que está acontecendo? Por que está nervoso? Aconteceu algo com Agatha? — Com Edward. — Aiden entregou o bilhete à esposa. — Ele se feriu e eles foram para Crystal Place. — Você precisa ir até eles. — Elizabeth disse, sentando-se na cadeira do marido para ler o bilhete. — Sua irmã é muito inexperiente para enfrentar esse tipo de situação sozinha. — Não posso deixar você aqui, Elizabeth. Essa criança pode nascer a qualquer momento. É muito arriscado e eu quero acompanhar o nascimento do meu herdeiro. — Tem razão. — Ela respirou fundo. — Céus, precisamos fazer algo.

Uma figura pequena e magricela entrou pelo escritório e apoiou as duas mãos na mesa de mogno. — Eu vou até tia Agatha. — Patrick disse. A sua expressão, adulta demais para um menino de oito anos, era de quem estava disposto a ajudar. Elizabeth sorriu e levou a mão para afagar o filho. Patrick não convivera muito com Agatha, mas ele era grato todo dia por ela tê-los resgatado na estrada. Por ela tê-los vestido, alimentado e defendido quando todos os tratavam como pessoas inferiores. E porque ela interferiu para que a mãe se casasse com o duque, provendo a eles uma vida de qualidade. — Meu filho, você é muito jovem. Se fosse a Hampshire, o que faria para ajudar? — Eu faria companhia a ela. Poderia pegar coisas. Cumpro bem as ordens que me dão. Antes que uma decisão pudesse ser tomada, o escritório foi novamente invadido. Daquela vez, uma mulher de vermelho, com cabelos escuros soltos sobre os ombros expostos. Atrás dela, vinha John, que tentava em vão impedir Caroline Eckley de entrar na área privativa do Duque de Shaftesbury. — Oras, temos uma linda reunião familiar, aqui. — Ela disse. — Olá, Aiden. Vejo que seu herdeiro deve chegar a qualquer momento. O duque se colocou à frente de Elizabeth, mas ela empurrou o marido para o lado. Não se sentia incomodada pela lady. Caroline era uma mulher com muitos problemas, mas ela sentia piedade por ela. Não havia ódio nem rancor, apenas uma sensação de que a lady precisava de algo que o dinheiro de seu tio não podia comprar. — Desculpe-me, Alteza. Mas Lady Eckley não costuma esperar ser anunciada. — Ah, John, eu não preciso dessas formalidades. — Todo mundo precisa de formalidades, Caroline. — Aiden rosnou. — O que quer? Essa é uma péssima hora para qualquer coisa que você deseje. — Vim saber notícias da sua irmã. Na cidade só se fala do acidente sofrido por Edward, então decidi me colocar à disposição para ajudar. O silêncio da sala era eloquente. Caroline Eckley era uma mulher bastante egocêntrica. Demais para que ela quisesse ajudar qualquer pessoa. — Como “a cidade” sabe do acidente? — O cigano Wareham mandou um telegrama a Sawbridge. Esse tipo de coisa nunca fica secreta, Alteza. — Certo. E o que ganha com isso, Caroline? — Aiden insistiu. — Você

não é altruísta a esse ponto. A lady sentou em um sofá e ajeitou as saias. Todo mundo olhava para ela, inclusive Elizabeth. — Vocês são a única família que ainda me trata bem. Essa sociedade hipócrita… os homens que traem suas esposas e sustentam amantes por aí decidiram que eu sou imoral para frequentar suas festas. Não ajudou muito que eu tenha empunhado uma arma e ameaçado matar Lady Madeline, nem que eu tenha passado algum tempo internada em um sanatório. Os Trowsdale são os únicos tão esquisitos quanto eu. Elizabeth deu uma risada. Tudo que ela falava fazia bastante sentido. Aquela era uma família totalmente fora dos padrões rígidos da sociedade londrina. Aiden Trowsdale era um duque que trabalhava, que geria empresas e que se casara com uma plebeia viúva, mãe de dois filhos. Ele não se importava mais com a morte de sua vida social e estava plenamente inserido na burguesia. O seu círculo de amizades era restrito. Agatha Trowsdale nunca seguiu padrões das damas de sua idade. Não gostava das temporadas, não aceitava cortejos, tinha mania de caridade e lidava com os criados com humanidade e respeito. Estava casada com o Conde de Cornwall, que também possuía sua quota de excentricidades. Aquelas eram as pessoas que perdoaram Lady Madeline Westphallen e que a aceitavam mesmo com todas as coisas que fez no passado. — Precisamos de uma companhia para levar meu filho Patrick para Hampshire. — Elizabeth disse. Aiden a olhou com surpresa. — Você tem certeza disso, meu amor? — Ele perguntou, massageando os ombros da esposa. — Claro. Para Patrick, será bom visitar o campo e lidar com responsabilidades. Para Caroline, será bom exercitar a compaixão. E não posso deixar meu menino de oito anos viajar sozinho por aí. O duque não estava convencido da decisão de sua esposa, mas ele raramente contestava Elizabeth. Principalmente em relação aos meninos. Ela sempre fazia o melhor para todo mundo e os filhos vinham em primeiro lugar. Se ela confiava Patrick a Caroline Eckley, ele não se oporia. — Certo, então. Patrick, está tudo bem para você viajar acompanhando Lady Eckley até Crystal Place? — Claro! — O menino mostrou animação. — Eu vou organizar minha mala. — Peça ajuda a Granger. — Elizabeth sugeriu. — E não saia antes de vir

me ver. Quero me despedir adequadamente. — Bem, eu também tenho coisas a arrumar. Não conheço Crystal Place, vou gostar de lá? Caroline Eckley levantou-se e ofereceu o braço para o criado mensageiro. Ele entendeu que deveria acompanhar a lady até sua carruagem, mesmo que não fosse sua função. — Tenho certeza que vai adorar. — Aiden riu. — Não sei como Agatha vai reagir a isso. — Ah, meu querido duque… eu sei ser agradável quando quero. Fique tranquilo que vou ajudar bastante sua irmãzinha com o marido moribundo dela. Coitada, tão jovem e já vai ficar viúva.

A manhã clareou o quarto e Agatha despertou cedo demais. Era noite ainda quando os pesadelos a acordaram. Edward dormia profundamente, arrebatado pelo láudano, e ela se sentiu solitária outra vez. Vê-lo não a acalmava. A escuridão fazia com que ela respirasse com dificuldade e seu coração disparasse. Sentou à janela e ficou observando o céu se tingir de rosado até o sol nascer. Desistindo de não fazer nada, ela se levantou e se lavou. O rosto, o pescoço, examinou o ferimento na testa. Parecia mais feio do que era. Não doía muito, ela não sentira nada demais. A lesão de Edward era mais grave, a marca roxa na cabeça dele estava muito intensa. Agatha se aproximou dele na cama e tocou os cabelos dourados como os raios de sol. A infinidade de matizes naquelas mechas fazia com que fossem ainda mais belas. E então ele acordou. — Ainda aqui. — Edward provocou ao vê-la sentada sobre os joelhos, olhando para ele. — Parece que não tenho muita coisa para fazer. Como se sente? Muita dor? — Estou bem. — Ele se ajeitou na cama e apalpou a cabeça. — Você dormiu, Agatha? Seus olhos provavelmente estavam rodeados por marcas escuras que denotavam a privação de sono adequado. Ele percebera por ser muito perspicaz. Edward sempre prestou muita atenção em tudo ao seu redor.

— O suficiente. — Pesadelos? — Ele perguntou, ela respondeu com um gesto de cabeça. — Podemos aproveitar que estamos os dois sem nada para fazer no momento e conversar sobre o que você me contou. Os olhos azuis eram dois globos que continham o verão inteiro dentro deles. E eles a encaravam querendo respostas. Ele tinha o direito de saber. Mais, tudo, a história toda. Talvez ela nunca contasse, mas ele insistiria em chafurdar até descobrir o máximo de informação. Ela precisava tentar satisfazê-lo com respostas ou convencê-lo a devolvê-la ao irmão. Como Edward era um cavalheiro e melhor amigo de Aiden, ele não faria escândalo. O casamento acabaria por motivos que ele jamais esclareceria. E então Agatha o viu ali, na cama, pouco vestido, ferido e vulnerável. Tão lindo como um anjo caído. Era quase possível ver as labaredas que o acompanhavam. Ela estava no inferno com ele e não queria sair dali. — Não é um assunto que me agrade, Edward. — Agatha tentou desviar o foco. — E eu já te contei as partes importantes. O que mais quer saber? O marido levou a mão até o rosto dela. Afastou algumas mechas de cabelo e acariciou sua bochecha. — Eu quero tanto matar o maldito que fez isso com você que sou capaz de pegar um navio para as Américas só para poder arrancar a cabeça dele fora. Depois, eu penduraria as partes dele pela cidade para que todo mundo soubesse que ninguém deverá nunca mais chegar perto de você. — Edward disse, sério. — Mas não farei isso. Eu só preciso… entender. — Não há muito o que entender. Eu estava alcoolizada. Ele me desonrou, depois me deixou lá, como se eu fosse uma das prostitutas que eles estavam acostumados a ter. Edward puxou-a para mais perto e Agatha recostou em seu peito nu. Deitou a cabeça nos músculos firmes e fechou os olhos ouvindo o coração dele bater. O conde acariciou seus cabelos por alguns minutos, em total silêncio. — Isso nunca deveria ter te acontecido, Agatha. — Ele levou a boca até o topo da cabeça dela e beijou. — Eu não vou deixar que nenhum outro mal te aflija. Vou proteger você de agora em diante.

Capítulo décimo segundo

O MÉDICO CHEGOU CEDO . Edward já tinha levantado, se lavado e vestido. Estava entediado e descera para o salão principal. Não queria ser examinado e reclamou quando Agatha insistiu que ele precisava. Fez um trato, o médico também deveria examiná-la. Encararam-se por um minuto inteiro até que ela cedeu. Era melhor submeter-se às bobagens dele do que deixá-lo sem tratamento. Por sorte, tudo estava bem. A lesão na cabeça não era grave e os testes que o médico fez indicaram que Edward se recuperaria logo. Mas ele foi proibido de ir para Londres. Ao menos por dois dias, precisava repousar e evitar a longa viagem. — Eu tenho coisas a fazer na cidade. — Resmungou, fechando o colete depois que o médico saiu. Estavam na sala privativa do Duque de Shaftesbury. Agatha serviu uma dose de uísque e não entregou a ele. Sentou com o copo e virou parte da dose. — Céus, desde quando você bebe assim? — Reminiscências das Américas. — Ela fez uma careta. — E não seja dramático, as coisas em Londres conseguem sobreviver sem sua magnífica presença por alguns dias. O conde foi até a esposa e tomou o copo dela. Bebeu o restante do líquido maltado em um gole só. — Melhor deixar esses comportamentos americanos para as damas americanas. E você não faz ideia da minha função na fábrica, Agatha. Não pode julgar se sou ou não imprescindível. — Me conte, então. — Ela provocou. — Farei melhor. Quando voltarmos, vou te mostrar. Passará um dia inteiro me acompanhando no trabalho e verá que, sem mim, os homens não

são cuidados. Sawbridge e Miles são ótimos negociantes, mas ligam pouco para as questões humanas. Eu garanto que eles sejam pagos todo dia, que não corram riscos desnecessários. Claro que ela não esperava que ele tivesse uma função como aquela. Menos ainda que ele despejasse tudo sobre ela com tanta ênfase. Nem mesmo Edward entendia por que aquelas questões importavam tanto, mas era assim que ele e Aiden geriam os negócios. — Podemos passear por Crystal Place já que está tão entediado. — Eu adoraria cavalgar. — Nada de cavalos. — Agatha levantou-se e passou pelo marido, saindo da sala. — Caminhada. Bem leve, pelos arredores da propriedade. Podemos ir até a torre. Edward revirou os olhos. A torre era o lugar preferido de Agatha quando ela era criança. Uma vez, escondeu-se lá e deixou todos desesperados. Ele se lembrava que tanto Albert quando Aiden passaram horas procurando a menina, que tinha uns dez anos de idade. Destacaram todos os criados. Reviraram a mansão inteira. Crystal Place tem vinte e cinco quartos, é a maior propriedade dos Trowsdale. E só a encontraram quando o sol já estava se pondo. Ele a encontrara. A menina de cabelos castanhos e pele branca, com bochechas rosadas e personalidade forte demais estava com os vestidos sujos de folhas e terra, sentada em um banco de pedra e desenhando na parede interna da torre. Quando o viu, correu para mostrar a Edward os desenhos. As sensações retornaram todas naquele breve momento em que ele se recordara do episódio. Seguiu-a até o lado de fora da casa. Ao contrário do que esperava, o dia não estava ensolarado e quente. Repleto de nuvens, o céu prenunciava chuva. — Sua caminhada vai terminar cedo. — Edward apontou para o céu. Agatha abriu uma sombrinha branca e fez uma careta. — Não seja medroso. Não vai chover e não somos feitos de açúcar. Não eram. Edward ofereceu o braço para ela segurar e conduziu-a por um caminho de pedras que cortava o jardim lateral. Naquela época do ano, os lírios estavam em floração e o aroma preenchia todo o ar. Andaram em silêncio por minutos, enquanto Agatha parecia mais relaxada. Ela era bastante instável emocionalmente, uma hora triste e aborrecida, outra feliz e satisfeita, e também irritada como o diabo. Para sua sorte, ela acordara de bom humor. Adentraram no bosque seguindo uma trilha antiga. Fazia tempo que

ninguém passava por ali e havia muitas plantas mais baixas que escondiam o caminho a ser seguido. Agatha estava com botas confortáveis de caminhada, mas manteve o vestido. O conde também usava botas, mas o piso estava seco e fácil de seguir. A vegetação foi ficando mais densa à medida em que entravam no bosque. As copas das árvores impediam que eles vissem a luz do dia. — Esse barulho… lembra-se do curso de água que passa por aqui? Agatha pediu silêncio para ouvir o jorro da água. Edward também se lembrava do pequeno riacho, em que ele e Aiden nadaram muitas vezes. E para onde levaram mulheres, durante festas degradantes que fizeram na propriedade. O período de juventude dos dois não foi muito glorioso. Sempre foram devassos. — Vamos até lá, primeiro? Claro que ela não o esperou concordar. Retomou o passo desviando a direção pretendida inicialmente. Edward esperava que ela não pretendesse nadar, pois a temperatura da água estava possivelmente fria demais para que ele desejasse enfrentá-la. Assim que se aproximaram do curso de água, ouviram vozes. E as esperanças que Edward tinha de ficar seco desapareceram quando eles visualizaram três crianças tentando resgatar um cachorro que havia caído no riacho. — Oh, céus! — Agatha saiu em disparada na direção deles. Era um menino e duas meninas que usavam roupas maltrapilhas. Estavam um pouco elameados por deslizar pelo chão. Um cão de porte grande e bastante peludo tentava, em vão, subir uma pedra. — O que aconteceu aqui? — Milady. — Uma das meninas se assustou quando viu Agatha e o conde. — Estamos tentando salvá-lo, mas não conseguimos. — Ele precisa ser empurrado. — Edward constatou, olhando a cena. — Vocês têm que pular na água. As crianças se entreolharam. — Não sabemos nadar, milorde. Edward ergueu uma sobrancelha. Era surpresa que crianças como aquelas, provavelmente filhas de arrendatários ou criados, nascidas no campo, não soubessem nadar. Olhou para o riacho e a correnteza estava puxando forte. O cão não teria muito tempo, estava ficando exausto. — Está bem, está bem. — Ele disse, arrancando as botas com destreza. Agatha colocou-se à frente dele, as duas mãos apoiadas em seu peito. — O que pretende fazer?

— Vou resgatar o animal, oras. As crianças não vão conseguir puxá-lo e ele vai acabar sendo arrastado. A correnteza está muito forte. — Edward. — O toque de Agatha estremeceu em contato com a o tecido da camisa. — É perigoso, você está ferido. O conde entendeu que ela estava preocupada com ele. Por um instante, sentiu-se bem por despertar nela sentimentos de cuidado. Preocupou-se porque não queria que ela se importasse tanto. Ele passou o polegar na bochecha dela. — Fique tranquila, minha querida. Eu sou um exímio nadador. Com um puxão, Edward arrancou a camisa e pulou na água. As crianças vibraram e ele emergiu em segundos, com os cabelos molhados e o corpo reluzindo sob o mormaço. Aproximou-se cuidadosamente do cão agitado, mas o animal pareceu entender que ele queria ajudar. Acalmou-se e se deixou erguer. O conde colocou o animal sobre a pedra e as crianças terminaram de puxá-lo. Tudo demorou menos de quinze minutos. A água estava menos fria do que Edward imaginara, e ele logo saiu, bastante molhado, para ser cumprimentado como o herói daqueles pequenos. Sacudiu os cabelos assim como o cão, agradecido, sacudiu os pelos. — Como ele se chama? — O conde perguntou. — Não é nosso cão. — A menina loira confessou. — Quisemos salvá-lo para convencer nossa mãe a deixar-nos ficar com ele. Edward passou a mão na cabeça do cachorro, que o lambeu em resposta. Despediu-se do grupo, que saiu na direção das casas dos arrendatários. Quando virou para sua esposa, ela o estava admirando com os olhos brilhantes arregalados. — Isso foi muito heróico. — Ela quase soltou um gritinho de animação. — Mas agora está todo molhado… vai ficar doente. — Logo eu seco, está calor. Pegando sua camisa para cobrir-se, Edward olhou para o céu no instante em que um estrondo anunciou a chuva iminente. — Oh. — Agatha deu uma risada. — Vamos até a torre, podemos chegar antes de chover. — Certo. Tente me alcançar. O conde começou a correr para dentro do bosque e Agatha o perseguiu, reclamando que era impossível correr com as saias. Ela ria, gargalhava, e aquela alegria era contagiante. A torre estava muito próxima quando ele

parou para esperá-la. Agatha vinha como um cavalo selvagem na sua direção e, antes que ela trombasse com ele, a chuva caiu. Pingos grossos molharam rapidamente o chão, os cabelos e as roupas de sua esposa. Quando ela chegou até ele, estava já ensopada da cabeça aos pés. E ela ria, como se ainda fosse aquela jovem que encantava todo mundo. A maldade que sofrera não afetara a sua beleza, nem seu humor, nem sua alegria. Agatha estava diferente, mas ainda era a mesma. Foi com essa certeza que ele a tomou nos braços, empurrou-a contra a parede de pedra e a beijou.

Fazia tempo que Agatha não se divertia tanto. Era bobagem, mas rir de coisas não importantes era algo que ela sempre fizera. E que o sofrimento lhe havia roubado. Mas a vontade de rir cessou no instante em que ela foi aprisionada pelo olhar ferino de Edward. Ele estava com a camisa desgrenhada e úmida, os cabelos despenteados, a calça totalmente encharcada, sem sapatos e a encarava como se estivesse faminto. E como se ela fosse o jantar. Talvez Agatha devesse sair correndo de novo. Fugir dele enquanto pudesse. Mas o que ela fez foi gravitar na direção dos braços que a capturavam e se render quando ele a pressionou contra a dura superfície de pedra no exterior da torre. A chuva caía sem piedade e a boca de Edward a devorava com todo o desejo que estava contido nele. O toque de seda da língua do marido fez com que ela abrisse os lábios para recebê-lo. Agatha poderia facilmente se acostumar a ser beijada por Edward. Ele fazia aquilo muito bem, mesmo que ela não tivesse muitos exemplos de comparação. Não era preciso comparar porque era impossível que pudesse ser melhor do que aquilo. Como se ele tivesse muitas mãos, ele a segurava pelos quadris, firmava sua nuca e acariciava seus cabelos. Agatha estava sustentada pelo corpo masculino que a incendiava com a mera proximidade. O beijo era intenso e quase violento. Ela passou os braços pelo pescoço do marido e o manteve o mais perto possível. Não havia espaço entre eles. Edward desceu a boca para o pescoço, traçando a linha do maxilar. Agatha tombou a cabeça para oferecer a ele mais espaço, mas o conde parecia, finalmente, insaciável. A boca dele deixava traços de fogo onde a

água esfriava. Ele levou as mãos até as costas dela, puxou-a contra si, desfez os laços que seguravam o espartilho no lugar e abriu alguns botões do vestido que ela usava. Os seios dela se libertaram e foi fácil para que ele os alcançasse pelo decote. Para um homem experiente como Edward, aquela tarefa era simplória. Desenhando o contorno da renda no colo de Agatha, ele acariciou a pele exposta com cuidado, deixando os dedos escorregarem para dentro do vale formado pela pressão do tecido contra a carne. Edward rosnou contra a boca dela e puxou o vestido para baixo. Ela gemeu quando ele segurou um seio na mão e o acariciou. — Céus. — A voz dele saiu esganiçada. — Eu quero você. Eu quero muito você. — A boca desceu, lambeu a água que escorria pelo colo até a ponta de um mamilo e o sugou. Ela arqueou as costas e não quis fugir, daquela vez. Seus dedos cravaram nos ombros do marido, que não se demorou nas carícias. Ela tinha os joelhos bambos e não sabia dizer como estava de pé. — Me aceite, Agatha. Ela não sabia bem como respondê-lo. Cada centímetro de sua pele, cada nervo em seu corpo queria Edward. Pedia por Edward. Mas, assim que ela fechava os olhos, a escuridão a engolia. Ela se perdia em memórias desagradáveis que obnubilavam o momento. — A-agora? — A voz saiu trêmula. — Não, por Deus, claro que não. — O conde colocou as mãos por dentro das sais que ela vestia. Agatha sentiu o toque quente dos dedos dele em suas coxas e nádegas. — Nem agora, nem aqui. — Ele a beijou novamente e a puxou contra sua ereção. Seu corpo arremetia contra o dela mesmo que não fosse intencional. — Mas eu não vou parar de te querer hoje. Eu te quero amanhã, daqui a uma semana, quanto tempo precisar. Só preciso saber que você me aceitará. Eu te desejo tanto que chega a doer. — Dói? — Ela se distraiu momentaneamente enquanto a língua dele brincava com o lóbulo sensível de sua orelha. Edward pegou a mão de Agatha e levou à sua virilha. Ela se assustou, mas deixou que seus dedos se amoldassem à forma rígida que desafiava o espaço dentro da calça. — Aqui. — Ele riu com a estupefação dela. — Não sabia que causava dor para vocês, homens, também. Edward soltou-a e passou as mãos pelos cabelos de Agatha. Salpicou beijos breves em sua boca e bochechas. — É uma dor simbólica. — A língua dele procurou espaço e os beijos se

aprofundaram. Ela não entendia como ele podia falar enquanto fazia aquilo. — Eu garanto que, quando acontecer, você só terá boas sensações. Agatha queria muito experimentar aquelas sensações. Ela cresceu aprendendo que mulheres não sentiam prazer, que era pecaminoso. Que deveria apenas abrir as pernas e deixar seu marido fazer o que queria. Sabia que com Elizabeth e Aiden era diferente. E Edward lhe fazia promessas que a tentavam. Era bem provável que ele estivesse falando a verdade. Ali, debaixo da chuva, enquanto eles se beijavam, ela estava incapacitada pelo desejo. Ainda assim, tinha medo. Não o medo racional da descoberta da perda da virgindade, mas um medo visceral que a impedia de se entregar completamente. Mas ela precisava aceitar a consumação do casamento. Se havia uma certeza que Agatha tinha naquele instante, era de que não desejava mais ficar afastada do seu marido.

O retorno para a mansão foi silencioso e constrangedor. Os dois estavam molhados e Edward tinha as roupas um pouco desfeitas. Sua camisa branca, arruinada pela chuva e pela lama, estava por fora da calça. Agatha tinha cor demais nas bochechas, efeito do fluxo intenso do sangue correndo em suas veias. Se Elizabeth os visse, certamente saberia o que acontecera. Eles nem mesmo chegaram a entrar na torre, passaram vários minutos se beijando indecorosamente na chuva. Talvez ninguém notasse. Os criados prestavam atenção nos senhores, porém guardavam segredo. Fofocavam entre eles, nunca para que a sociedade soubesse. E não seria um escândalo se descobrissem que o Conde de Cornwall estivera aos beijos com sua condessa. Mas bastou pisarem na mansão para descobrirem que ela tinha sido invadida. Duas carruagens de aluguel já retornavam depois de entregar alguns visitantes a Crystal Place. Nem Agatha, nem Edward, imaginavam quem poderia estar ali. Olharam-se confusos e entraram. No hall de entrada estavam o mordomo para avisar-lhes que esperavam no salão Lady Caroline Eckley, Lorde Isaac, Lorde Nathaniel e o pequeno Patrick. — Você avisou a família sobre o acidente, Agatha? — Edward sussurrou. — Claro, avisei a ambas. Enviei um mensageiro. Você estava ferido, eu não sabia a extensão de suas lesões, achei adequado contar a seus irmãos e ao

meu irmão. Apenas não esperava… Aquilo. Agatha não esperava que fossem baixar em Hampshire para saber como o conde estava. Talvez ela estivesse subestimando o amor da família que tinha. E eles tinham vindo de trem. — Céus, o que houve com vocês? — Isaac se aproximou, rindo, assim que entraram no salão. Ele era estonteante quando ria, Agatha sempre queria sorrir também. Ela passou a vida sendo meio boba na presença do lorde, aquilo era irritante. — Chuva. Estávamos caminhando. O desdém na voz de Edward fez os homens rirem ainda mais. Uma criada apareceu com toalhas para secá-los. — O que fazem todos aqui? — Agatha perguntou, agarrando-se à borda da toalha. As vestes molhadas estavam ficando frias, ela precisava trocá-las antes que ficasse doente. — Ficamos preocupados, milady. — Patrick se aproximou e ela quis abraçá-lo. Ajoelhou-se para ficar na altura do garoto. — Mamãe disse que eu deveria ajudá-la. — Oh, Patrick! Você é um homenzinho muito prestativo. Mas estamos bem, como podem ver. E… — Agatha olhou para Caroline, vestida de vermelho, parecendo uma enviada do inferno para provocar a humanidade a pecar. — Lady Eckley? — Alguém precisava conduzir o menino. Eu me ofereci. Era muita informação para lidar. Seria melhor conversar depois de um banho morno, roupas secas e uma farta refeição. — Já que estão todos aqui, pedirei aos criados que lhes acomodem e que sirvam o almoço. Vou me trocar. Agatha orientou o mordomo a cuidar da situação. Pediu que ele destacasse criadas para arrumar quartos para todos e que informasse à cozinheira sobre a chegada de quatro hóspedes. Depois, subiu para seu quarto pretendendo se livrar da roupa molhada. Surpreendeu-se ao notar que Edward não estava atrás dela. Imaginou que ele fosse aproveitar a oportunidade para importuná-la, mas não apareceu até que terminasse seu banho e estivesse novamente vestida. Com a ajuda de uma camareira, colocou um vestido roxo de veludo e ajeitou os cabelos molhados em uma trança. Quando desceu novamente, Edward não estava à vista. Os homens e Caroline conversavam e ela os desafiava em alguma espécie de jogo de lógica. Outra vez Agatha se pegou admirando a capacidade de interagir com

o universo masculino. A lady tinha uma reputação horrorosa, quase não transitava nos salões sociais, jamais se casaria com um homem honrado e, ainda assim, parecia bem demais consigo mesma. Satisfeita com sua liberdade. Ela pediu ao mordomo que servisse o almoço e se juntou aos convidados. Foi então que ela viu o marido. Ele vestia roupas limpas e secas, tinha os cabelos úmidos penteados para o lado e estava sentado em uma poltrona próxima da lareira, com Patrick em seu colo. O menino lia algum papel que estava na mão do conde. A cena fez com que ela sentisse um misto de sentimentos contraditórios. Carinho. Amor. Cuidado. Angústia. Ela não poderia oferecer aquilo para seu marido. Agatha tinha certeza que não teria filhos. Nunca. A mãe passou por momentos horríveis. Teve um menino saudável, mas uma sucessão de bebês abortados e natimortos causaram fissuras incuráveis na alma da antiga duquesa. Se houvesse justiça divina, Agatha não deveria ter nascido. Ela foi outro fardo, difícil de carregar. Não queria passar pelo mesmo. Não queria sofrer como a mãe para ter a alma carcomida pela dor e pelo luto. Talvez ela fosse diferente, mas o bebê natimorto que foi enterrado em um cemitério clandestino nos fundos de uma igreja indicava que não. O Conde de Cornwall talvez não quisesse filhos. Mas ele precisava. Mesmo que tivesse outros irmãos, não produzir herdeiros era um risco muito grande. Edward tinha que ter filhos, e legítimos. Com ela.

Capítulo décimo terceiro

F AZIA algum tempo que Edward não passava o dia com os irmãos. Isaac estava trabalhando com ele na fábrica, mas Nathaniel estivera viajando pelo continente para se especializar. Eles se espalhavam por Londres e Kent e o conde era um nobre com muitos afazeres. Por sorte, os irmãos ajudavam na administração das propriedades. Naquele dia, forçado a ficar em casa por causa de um ferimento na cabeça e da chuva, acabou tendo a oportunidade de fumar e beber com eles. Depois do almoço, que foi um momento agradável com convidados inusitados, os homens se reuniram na sala privativa do Duque de Shaftesbury, sem o próprio duque em si, para conversar. Deixaram as mulheres e a criança cuidando de outros assuntos e se refugiaram em um espaço masculino. — Como estão as coisas em Greenwood Park? — Edward perguntou, acendendo um charuto. Ele estava se aproveitando em excesso da hospitalidade de Aiden e nem se importava com isso. — Tivemos algumas dificuldades com dois arrendatários. — Nathaniel explicou. — Mas acredito que o problema tenha sido resolvido. Eles queriam compensação pela perda de uma colheita. — Nate é bom negociador. — Isaac serviu uísque para os três. — Ele deveria ser considerado na fábrica. — Deus me livre de empregar toda a minha família na fábrica. Preciso de alguém nas propriedades, não consigo me dividir em dois. — Ainda mais agora, recém casado. — Isaac provocou. — Como anda a lua de mel? — Não seja indiscreto. — Nathaniel repreendeu o irmão. — Mesmo que esteja na cara que nosso irmão está ridiculamente apaixonado por sua esposa,

não devemos perguntar sobre sua intimidade. — Eu e Agatha temos um casamento contratual, como deve ser. — Edward se defendeu. A sugestão do irmão de que ele estaria apaixonado pela esposa era tão absurda quanto impossível. — Agora parem de falar bobagens e vamos discutir sobre os arrendatários que estão dando problemas. — Ele finge bem, mas nós sabemos exatamente a natureza desse casamento. — Isaac falou com Nathaniel como se o irmão conde nem estivesse ali. — Não vejo os motivos pelos quais fingir. — Nathaniel finalizou seu conhaque. — Edward sempre teve esse lado romântico, por que não dar vazão a ele com a própria esposa? — Vocês dois. — O conde rosnou. — Parem de falar do que não entendem. Não há romance nem paixão. Eu e Agatha somos um casal nobre comum. Temos poucas afinidades e não estamos apaixonados. Encerrem esse assunto. Isaac e Nathaniel se entreolharam. Nenhum dos dois acreditou no que disse o irmão. Isaac tinha restrições quanto ao casamento dele exatamente porque sabia, sempre teve certeza, que Edward tinha sentimentos confusos para com Agatha. Mesmo que o irmão insistisse que o beijo nos jardins fora um acaso, Isaac não acreditava. Foi um acaso conveniente. E a jovem Agatha era livre, determinada e insubordinada demais. Ela podia despedaçar o coração já muito machucado do irmão. Só não adiantava pressionar Edward. O conde era tão teimoso quanto sua esposa, eles eram parecidos o suficiente para darem conta um do outro. Continuaram a conversa sobre os negócios em Greenwood Park até serem chamados para o jantar. O mordomo os acompanhou até o salão. A mesa menor tinha sido posta, como no almoço. As mulheres chegaram em seguida. Caroline continuava de vermelho, sua cor preferida. Ela provavelmente só usava tons de vermelho. Edward não se recordava de tê-la visto usando outras cores. E Agatha. O conde não estava preparado para vê-la tão linda. Sua esposa vestia azul real e renda branca, com tule e babados. Era um vestido simples, ela comumente não usava roupas exageradas. Mas a cor e o modelo destacavam suas formas físicas. O decote era quase indecente. Edward olhou para os irmãos, querendo garantir que eles não estivessem olhando para a pele exposta de Agatha. Eles eram seus irmãos, mas a possessividade do conde, naquele momento, não poupava ninguém. Os

cabelos dela estavam presos e decorados com flores. Ela o olhava com a intensidade de um raio e a inocência de um filhotinho. Sentou-se ao lado dele na mesa, mas não trocaram uma palavra. Edward e Agatha sempre conversavam, e muito. Sobre tudo e todas as coisas. Aquele silêncio significava alguma coisa que ele ainda não sabia. — Ed, o filho de Aiden já nasceu? — Nathaniel perguntou, já pelo terceiro prato. — Ainda não. Há um banco de apostas sobre o sexo da criança. — Há apostas? — Agatha se surpreendeu. — Sim, e só Aiden aposta em um menino. — Isaac respondeu. A troca de olhares entre ele e Agatha fez com que Edward sentisse ciúmes outra vez. Aquilo era demais. Ele precisava reivindicar aquela mulher, porque ele nunca sentira ciúmes de ninguém. Estava claro que se tratava de um caso de desejo não satisfeito. — Eu apostei duas libras. — Eu apostei três. — Caroline deu uma garfada no faisão. — Mas acho que vamos perder, aquele duque é muito sortudo. — Só espero estar em Londres quando a criança nascer. — Agatha suspirou. — Não esperava esse contratempo. — Amanhã retornaremos. — Edward determinou. — O médico disse… — Minha querida, eu pulei em um riacho, salvei um cão e tomei chuva. Uma viagem em um trem confortável não me fará mais mal do que nada disso. Os convidados riram. Agatha quis protestar mas ela sabia que o marido tinha razão. Não havia realmente motivo para que continuassem em Hampshire, principalmente se ele estava disposto a abrir mão da longa viagem de carruagem para se render à modernidade irresistível das locomotivas, que já cruzavam toda a Inglaterra. — Vamos nos encontrar com o Sr. Wareham amanhã. — Edward disse aos irmãos. — Depois, partimos de volta.

O Conde de Cornwall estava acostumado a se retirar cedo. Ainda não eram onze horas da noite quando se recolheu para o quarto. Sentia uma pequena pontada de dor na cabeça, o ferimento latejava. Havia uma protuberância em

sua testa, bem próxima aos cabelos, mas ele se sentia bem apesar de tudo. Fora um dia intenso, ele precisava apenas descansar. Depois do jantar, fumou com os irmãos e não viu Agatha. Não sabia onde ela estava, nem se iria dormir. Lavou-se, despiu-se e ajeitou-se na cama com seu livro sobre cultura da terra. O autor tinha ideias interessantes sobre o melhor uso dos espaços para cultivar produtos diferentes. Parecia um bom livro para quem cuidava de uma propriedade no campo, mas aquele tema não estava tão atraente para Edward, assim. Principalmente porque ele foi distraído ligeiramente com a porta se abrindo. Agatha entrou no quarto parcamente iluminado e lhe sorriu. Ele quis continuar a leitura, mas ela começou a retirar o vestido. Desfez o laço do espartilho. Abriu os botões. Retirou os sapatos e abriu a porta do quarto de banho que estava conectado ao quarto. Edward suspirou ao notar o incômodo em sua virilha. A ereção o deixou desconfortável, porque ele queria parar de reagir tão visceralmente à presença de Agatha. Os barulhos dela tomando banho o excitavam. Qualquer coisa que ela fazia o excitava. Voltou a ler, mas as palavras se embaralhavam. Fechou o livro antes que se irritasse. E a porta abriu novamente. Ela estava de camisola. Não havia nada embaixo, apenas uma seda fina que impedia a sua nudez. A transparência do tecido deixava pouco espaço para a imaginação. Ele já vira aquele corpo nu, que não devia afetá-lo tanto. Agatha tinha um brilho diferente nos olhos. Eles o encaravam com a mesma intensidade do jantar. Indecentes. Agatha subiu na cama e se ajoelhou à frente do marido. Edward salivou. Ela tinha os cabelos soltos e começou a desfazer os laços da camisola. O tecido escorreu por seus ombros. Caiu sobre o colchão e a revelou por inteiro. — Eu te aceito, Edward McFadden. Aquela era a resposta para a pergunta que ele fizera à tarde. Foi uma manifestação de pura irracionalidade. O desejo estava no comando quando ele disse aquilo. Porém, ela estava ali, rendida, entregue. Ela o aceitava. E ele a queria. Mas Agatha era um animal acuado. Edward precisava ir com cuidado. Retirou os óculos e a segurou nos braços. Fez com que sentasse sobre si e acariciou seus cabelos. Os cachos grossos e densos caíam em camadas pelos ombros desnudos. Ele nunca vira uma mulher tão perfeita quanto a sua. Ele a beijou, deslizando as mãos pelas costas dela. Traçando os contornos de sua coluna.

As mãos pequenas de Agatha se apoiaram em seu peito. Estavam hesitantes, ela parecia não saber o que fazer. Mesmo que ela não fosse virgem, Agatha era absurdamente inexperiente. E devia estar morrendo de medo. — Você pode me tocar. — Ele murmurou nos ouvidos dela, a boca brincando com o lóbulo da orelha. — Você pode fazer o que quiser, Agatha. As mãos de Edward se uniram as dela. A esposa se afastou alguns centímetros e o observou. Estava ofegante e rosada, as bochechas coradas com vários tons. Ela fixou o olhar nas partes masculinas dele, que estavam comprimidas entre os dois corpos. — Ninguém nos prepara para isso. — Ela deu uma risada nervosa. — Também não somos preparados. — Edward voltou a beijá-la e colocou a mão direita dela sobre seu pênis. Gemeu quando ela o envolveu com os dedos. — Aprendemos pela experiência, minha querida. O conde aprofundou o beijo. Procurou espaço para acomodar sua língua na boca dela, mordeu os lábios, rosnou e gemeu enquanto ela, sem muita habilidade, movia as mãos sobre sua ereção. À medida em que ela relaxava, o beijo ficava mais pesado. Edward virou-a na cama e ajeitou seu corpo sobre ela. Um dos joelhos garantiu que as pernas de Agatha estivessem abertas. — Fique olhando para mim. — Ele disse, acariciando os seios redondos que segurava com as duas mãos. — Não pare de me olhar, Agatha. — Não sei se consigo. — A voz dela falhou. Edward notou que seu corpo tremia. Ele desceu com os lábios até capturar um dos mamilos tesos na boca. Agatha gemeu, arqueando as costas. Ele a manteve segura com as duas mãos e passou a língua pelo seio, chupou e mordiscou a carne sensível até que ela fincasse as mãos nas costas dele. — Apenas mantenha os olhos em mim, minha querida. Ele deslizou o corpo para baixo mas ela travou as pernas. Edward se ajoelhou e massageou a parte interna das coxas com as duas mãos para que ela relaxasse. Estava muito perto, o pênis rijo roçava nos cachos castanhos da feminilidade dela. Ela fez o que ele mandou e abriu os olhos. Edward deitou sobre Agatha novamente e colou a testa na dela. Talvez fosse melhor romper aquela barreira depois. Ele queria prová-la, dar a ela o prazer mais intenso que pudesse, mas ela estava muito resistente. Reivindicando sua boca, Edward a beijou e garantiu que estivesse com os joelhos dobrados. Com uma investida firme, ele a penetrou. Ela levou as mãos aos quadris dele e segurou com força. Havia agonia nos olhos verdes.

— Agatha. Olhe para mim. O que você vê? — Você. — Ela arfou. Ele entrou mais. — O que você sente? — Você. Ele saiu e voltou para dentro dela. Daquela vez, penetrou-a profundamente, não deixando nenhum espaço no ponto onde os corpos se uniam. Ela continuava com os olhos cravados nele. — Onde você me sente? — Em todo lugar. Levando a mão até o botão rosado da intimidade da esposa, Edward se retirou por completo e voltou para ela. Agatha arfou mais, gemendo enquanto ele circulava seu ponto de prazer. — Sou eu que estou aqui. Eu, seu marido. Você confia em mim? A resposta veio com um movimento de cabeça. Sim, ela confiava e aquilo lhe era o bastante. Edward manteve os olhos abertos e atentos a qualquer reação. Ela também o encarava, mesmo quando as sensações a dominavam. Ele investia contra ela em uma cadência dolorosamente lenta, o suficiente para não assustá-la. Uma estocada depois da outra, Agatha relaxou. As mãos dela soltaram os quadris e deslizaram pelas nádegas, depois subiram pelas costas, puxaram-o pelo pescoço para conduzi-lo a um beijo. Quando ela se rendeu e gemeu sentindo a proximidade do clímax, ele não resistiu. Moveu-se sobre ela com força para arrancar-lhe gritos e ganidos até que ela convulsionasse comprimindo seu membro dentro dela. Em uma última troca de olhares, ele aumentou o ritmo e atingiu o orgasmo, finalmente.

Naquela noite, Agatha entendeu que o conde cumpria suas promessas. Ele havia prometido que faria com que ela se sentisse como na primeira vez. Não mentiu, não exagerou. Aquilo que ela experimentou não era como nada que tivesse vivenciado, antes. No momento em ele estava dentro dela e perguntou se ela confiava nele, Agatha entendeu que ela sempre confiou. Que ela colocaria a vida nas mãos de Edward, até mesmo antes de se casarem. E a união dos corpos foi transcendental. Ela não quis se afastar dele. Passou as pernas pelos quadris, prendeu-o na posição em que estavam para

que pudessem permanecer ali. E Edward a beijou como se saboreasse o fruto proibido, até que ela se sentisse satisfeita. Mas, ao acordar de manhã, Agatha se frustrou porque o marido não estava ao seu lado na cama. Ela percebeu que não estava satisfeita. O cheiro dele continuava nos lençóis e o calor do corpo de Edward ainda não tinha se dissipado. Havia ruído de conversa do lado de fora, pessoas e crianças falando. E risadas. Agatha levantou, enrolou-se em um roupão e foi até a janela. Edward, Isaac e Nathaniel jogavam rounders com Patrick e outras crianças. Ela reconheceu o menino que estava no riacho no dia anterior. Os homens estavam com as camisas largas, colarinhos abertos e mangas dobradas. Ela prendeu a respiração por um minuto quando Edward se aproximou de Patrick para ajudá-lo com a pegada no taco. Batidas à porta chamaram a atenção dela. Era Caroline Eckley com a criada. — Bom dia, milady. Viemos ajudá-la a se arrumar. — Você, inclusive? — Ela estranhou a presença de Caroline. — Sem minha ajuda e minhas dicas, querida Agatha, você é uma mulher comum. Eu posso transformá-la em uma sedutora que arrasa os corações masculinos. A expressão sincera de Caroline indicava que ela acreditava realmente no que dizia. Em si, no seu potencial, e no que era melhor para Agatha. Curiosamente, ela não queria seduzir. Nem arrasar. Ela estava confusa com a noite e com tudo que ela representou. O casamento fora consumado, parte dos traumas que trouxera das Américas fora superado. As marcas foram substituídas por outras. Poderosas. Indeléveis Edward estava nela, por todos os lugares. A criada foi preparar o banho enquanto Caroline revirava os vestidos que estavam na mala. Não tinha nada especial ali, mas aquele era o quarto de Agatha. Um enorme guarda-roupa continha vestidos mais antigos, alguns que ela nunca sequer usara, e outros acessórios. Enquanto decidiam cores e tecidos, ela esfregava as mãos pelo corpo tentando arrancar dali as provas de que fizera sexo com seu marido. Não era pecado, ao contrário, era esperado que acontecesse. Mas ela não pretendia compartilhar aquilo com Caroline. Nem ninguém. Porém, uma dama livre sempre parecia saber daquelas coisas. — Estava ficando preocupada com você.

Caroline disse. Agatha retirou a camisola e entrou na banheira. — Por que motivo se preocuparia comigo? A lesão na testa? — Não. Você parecia muito alheia a Edward como homem. Eu vi, na festa de Riderhood, que havia algo faltando, uma peça solta, e era essa conexão que eu percebo agora. — Você está divagando, milady. — Agatha riu. — Não faço a menor ideia do que está falando. — Claro que faz. É por isso que preciso te ajudar a ficar linda e sedutora. Homens sempre tendem a escapar dos nossos dedos. Mantenha-o sempre interessado em você. Aquilo não fazia sentido para Agatha. Ela nunca quis interessar a um homem apenas por seus atributos físicos. Nem mesmo ligava para eles. Arrumava-se para cumprir um ritual da sociedade, preferia roupas mais confortáveis e cabelos menos espalhafatosos. O homem com quem ela se casaria a amaria porque ela era espirituosa, ousada, desafiadora. Também era inteligente e bem humorada. Nem tão bem humorada, era verdade. Mas Caroline tinha certeza que ela também precisava ser linda. Então ela se lavou, se vestiu e se penteou como a sua nova amiga sugeriu. Assustou-se em saber que passava de meio dia e que os homens já tinham se reunido com o cigano Wareham. Mais, eles esperavam apenas por ela para retornar a Londres. Agatha não dormia tanto desde antes de viajar para as Américas. As duas mulheres desceram para o desjejum, que estava sendo servido no salão. Comeram sozinhas e apenas Caroline falou. Ela contou sobre alguns planos que estava tramando e para os quais queria a ajuda de Agatha. Eram planos extravagantes. Caroline pretendia oferecer educação a moças, mas não aquela tradicional das escolas de damas. Ela queria algo muito mais ambicioso. — Se eu… quero dizer, se nós construirmos essa escola para jovens damas, elas serão ensinadas a coisas muito mais interessantes do que casar e criar filhos. Você é como eu, Agatha, não acredita que essa seja a única vocação de uma mulher. — Mesmo que eu concorde, que pai ou tutor, gozando de suas faculdades mentais, matricularia sua filha em uma escola gerida por nós duas? — Agatha mordeu um pãozinho. A ideia era sedutora, mas parecia fadada ao insucesso. — Sou sobrinha de um marquês e você é uma condessa. Ao menos as burguesas virão a nós. Elas podem aprender muito mais do que costurar e

fazer a lista de compras. Caroline tinha razão. Agatha pretendia cuidar de um orfanato ao retornar para Londres. E construir uma casa para filhos de mães trabalhadoras passarem o dia. Uma escola de jovens damas acrescentava muito às tarefas e não a deixaria com nenhum tempo livre. Provavelmente, era perfeito. — Pensarei em sua proposta. Podemos discuti-la mais vezes em alguns encontros. A refeição foi interrompida pela chegada dos homens. Eles estavam com roupas limpas e impecáveis, indicando que tinham se lavado depois da brincadeira. Patrick estava com eles, os olhos brilhando de satisfação por andar com os adultos. — As carruagens de aluguel chegaram. Se pretendemos chegar a Londres antes do sol raiar no dia seguinte, devemos partir. A estação está sempre tão cheia esse período do ano… Posso pedir que os criados recolham suas malas? O conde perguntou às damas, mas os olhos estavam sobre Agatha. Ela sentiu a respiração pesada pela simples presença dele. A ideia de passar mais algumas horas em uma carruagem com ele a excitava e apavorava, na mesma intensidade. Ao menos, ela não estaria sozinha. Com a concordância delas, eles saíram do salão e foram organizar a viagem de volta. Quando chegassem em Londres, tudo para Agatha estaria diferente. Medos e culpas a estavam abandonando e ela precisava encontrar outra coisa para preencher o tempo.

Capítulo décimo quarto

— C OMO PASSOU A NOITE ? — Edward perguntou, depois que o trajeto até a carruagem já se iniciara. Agatha estava de frente para ele, as pernas ainda emboladas com as saias elaboradas que foram escolhidas por Caroline. — Eu dormi demais. — Talvez o suficiente. — Ele levou a mão até a face dela e afastou uma mecha de cabelo. — E a cabeça, dói? — Estou bem, Edward. — Agatha insistiu. — Ontem foi… você tinha razão. Eu nunca fiz isso antes. — Tenho sempre razão. — Ele riu. — Espero que agora você decida fazer isso mais vezes. Foi bom, Agatha? Era o que esperava quando disse que me aceitava? As bochechas dela coraram pela intimidade da pergunta. Um sorriso malicioso formou-se nos seus lábios. — Foi melhor do que eu esperava. Não acreditei muito quando Elizabeth me contou sobre as maravilhas que aconteciam na privacidade do quarto de um casal. O marido deu uma gargalhada e dobrou o corpo para frente, levando a boca até a dela. Agatha se surpreendeu ao ser beijada, mas aquele era um beijo tranquilo que indicava apenas que ele gostava de beijá-la. Lábios macios e quentes envolveram os dela com suavidade e logo se afastaram. Algo nos olhos dele indicavam que ela mal sabia o que a esperava. Que ele tinha mais coisa guardada para ela e que o prazer da noite anterior fora apenas uma entrada. O prato principal ainda estava para ser servido e essa perspectiva a excitou bastante. Por alguns minutos, Agatha manteve um silêncio nervoso. Nunca sentira

nada como aquilo. O seu corpo reagia à presença de Edward e a cada olhar que ele lhe lançava. Ela queria mais, ela queria repetir a noite ali mesmo, naquela carruagem desconhecida. Quis mais do prazer desconhecido que ele lhe proporcionara, quis que ele lhe tocasse e sussurrasse qualquer coisa em seus ouvidos. Ela poderia pedir, dizer o que queria. Mas não o fez. Apenas se calou e tentou fingir que não desejava loucamente o marido. Sua resistência foi testada quando o olhar de Edward sobre ela ficou mais intenso. Era como se ele pudesse sentir o desejo dela pulsando em cada batida do seu coração. Agatha sentiu o sangue gelar e o ar ficar denso quando Edward ajoelhou no piso da carruagem, reduzindo o espaço entre eles. — Está tudo bem. Eu também quero, muito. Com as mãos firmes em sua nuca, ele tomou a boca da esposa e a beijou. E como ele fazia aquilo bem. Uma pontada de irritação cutucou Agatha quando ela entendeu por que as mulheres se atiravam aos pés dele. Ciúmes? Imaginar que Edward já tinha feito tudo aquilo, várias vezes, com muitas mulheres, a aborreceu e fez com que ela passasse os braços pelo pescoço dele para acabar com qualquer distância. Ele agora era dela. Pertencia a ela e ela tomaria posse para que nenhuma outra se atrevesse a achar que podia tê-lo. A carruagem era grande, mas não o suficiente para um intercurso amoroso. Não com um homem da estatura de Edward. Mas ele não pareceu se importar. Enfiou a língua na boca de Agatha, procurando sorver cada centímetro dela, explorando com iguais cuidado e força. Ela correspondeu, pressionando os lábios contra os dele, segurando-o pelos ombros, acariciando a firmeza de seus músculos por sobre a camisa. Enquanto se beijavam, Edward levou as mãos as saias dela. Agatha se sobressaltou quando ele passou as mãos pelas coxas, soltou as ligas e desfez o laço da calçola. O estômago dela borbulhava e ela era dominada por uma ansiedade ainda não experimentada. Gemeu entre os dentes dele no instante em que ele levou a mão à sua intimidade. — Ah, isso é uma delícia. — Edward murmurou enquanto descia os beijos para o pescoço de Agatha. Ela arqueou as costas para trás, oferecendo mais espaço para ele trabalhar. A trilha de beijos parou no decote do vestido, mas os dedos do marido continuavam a acariciar sua feminilidade. — Agatha, minha querida, eu preciso que você fique bem relaxada, agora. — O que vai fazer? — O coração dela estava disparado pela antecipação.

— Existem várias formas de dar prazer a uma mulher. — Ele falava e fazia movimentos circulares com o polegar, bem no centro da excitação de Agatha. Ela já não conseguia evitar as ondas de prazer que a arrebatavam. — Essa é minha preferida. Sei que muitos homens não ligam se as mulheres saem insatisfeitas de suas camas, mas eu jamais permitirei isso. — Ontem eu não fiquei insatisfeita. — Claro que não ficou. — Ele riu, e a malícia contida naqueles lábios profanos fez com que ela salivasse. — Mas vai ficar bem mais agora. Apenas relaxe e me deixe beijá-la. — Mas você já não está… — Agatha foi interrompida em seu discurso pela boca de Edward em seu sexo. Ele se acomodou entre as pernas dela e, como se aquilo fosse a coisa mais normal que ele faria durante a viagem até a estação de trem, passou a língua por entre os cachos castanhos que recobriam o ponto mais sensível do corpo dela. Por aquele beijo ela não esperava. Seguindo as orientações do marido, manteve os olhos abertos. Aquilo serviu não apenas para evitar a escuridão, mas para deixá-la com uma libido incontrolável. Vê-lo lamber, beijar e sugar sua intimidade causava uma ânsia impossível de restringir dentro dela. Com cuidado, Edward introduziu um dedo em sua abertura. Ela gemeu novamente e ele passou a entrar e sair dela com os dedos. A mistura de carícias fez com que o prazer aumentasse. Ela quis resistir. Tentou afastar a tempestade que vinha em sua direção, prestes a naufragá-la. Queria que ele a tocasse daquela forma por muito tempo. Queria sentir a língua dele dentro dela por um dia inteiro. Mas Edward era incrivelmente habilidoso e destruiu sua resistência. Quando ele sugou mais forte a pérola de seu clitóris, Agatha não conteve o maremoto de prazer e se entregou ao orgasmo. A mão dele permaneceu sobre a intimidade da esposa enquanto ela se recuperava. Agatha estava desfalecida sobre o banco da carruagem, sentindo tremores por todo o corpo. Não era medo nem pavor, era o mais intenso gozo que ela já experimentara. Nada preparava as mulheres para aquilo e ela estava apavorada por querer mais, mesmo depois de tudo. Edward beijou-a suavemente nos lábios. Passou as mãos pelos cabelos suados dela e analisou o elaborado penteado que Caroline produzira. — Você está linda, mas prefiro que fique confortável. E então, o que achou? O arrogante queria que ela comentasse sua performance. Ela se apoiou

nos cotovelos e o encarou. — Isso acontece todas as vezes em que fazemos sexo? Você… faz sempre isso? — Todas as vezes que você quiser, onde você quiser e por quanto tempo desejar, milady. As palavras dele fizeram com que a boca dela secasse imediatamente. Maldito conde e sua capacidade de seduzi-la com um olhar travesso ou um sorriso torto. — Céus. Todas as vezes que eu quiser? — Eu disse que seria bom, Agatha. Não há motivos para não tirarmos o melhor proveito do nosso casamento, e isso inclui você passar muitas horas na cama, em minha companhia. O conde sentou-se novamente em seu banco e a deixou desnorteada. Não havia como contestar aquele argumento, afinal.

Durante o restante da viagem, Edward não tentou mais seduzir a esposa. Eles estavam em um trem comercial, em uma cabine de primeira classe que cabiam todos os adultos. Mesmo assim, mantiveram Patrick com eles. Lady Caroline sentou-se com Isaac ao lado, enquanto Nathaniel e o menino dividiram um banco. Não viajaram com criados, pois os que os serviam residiam permanentemente em Crystal Place. Edward envolveu Agatha e Caroline com uma conversa agradável sobre os eventos do dia, narrando o encontro com o Sr. Wareham em detalhes. Contou sobre os prejuízos da serraria com a explosão e da intenção do dono em conseguir um financiador para proporcionar os reparos no maquinário. Também falou sobre a expectativa de produção de madeira e outros assuntos masculinos que eram enfadonhos para as mulheres. Não para ela. Agatha adorava conversar sobre qualquer coisa que não fosse o clima. Antes, ele se incomodaria por ter se casado com uma mulher tão pouco convencional. Tirando a linhagem perfeita dela, sua esposa não tinha nenhuma afinidade com a sociedade londrina. Bem, ele também não tinha. E era bom que ela tivesse interesses variados além de gastar toda a fortuna que ele ganhasse. Assim que chegaram à estação em Londres, estava de noite e eles

decidiram ir direto para a casa dos Trowsdale. Agatha abraçou Patrick, que estava sonolento, e decidiu assim. — Ele dormirá na McFadden Garden, amanhã eu o deixo em casa e visito Elizabeth. Estou preocupada com ela. — Sabe que se ela estivesse em trabalho de parto, seu irmão teria nos enviado um telegrama imediatamente, não sabe? — Sei, claro. Mas estou pressentindo que é por agora. Edward não discutiu. Patrick era uma criança capaz de dormir sozinha em um quarto e dispensava a necessidade de uma ama ou babá. Mas a sua presença ali o deixava desconfortável. A necessidade de produzir um herdeiro era urgente. O conde não estava ficando mais novo a cada dia, ele não podia apostar na sorte e deixar sua família desamparada. O título e as propriedades tinham que ficar com seus irmãos caso ele faltasse, mesmo que ele tivesse outras fontes de renda. E a forma mais fácil de garantir aquilo era tendo um filho. Agatha parecia maternal o suficiente, mas o seu histórico de violência poderia ser um problema. Mesmo que fosse até possível que ele a tivesse engravidado na noite anterior. Edward sabia que não era preciso mais de uma vez para um homem plantar sua semente em uma mulher, mas ele precisava ser cauteloso com aquele assunto. Talvez ele fosse o problema e a paternidade fosse algo que o incomodasse. Decidiu que não queria pensar naquilo enquanto Agatha estava tão tranquila e pacífica. Preferia terminar a noite sem declarar uma guerra ou ter uma enorme dor de cabeça. Ele já sentia um pequeno mal estar e fisgadas no local da pancada. Tinha certeza que uma noite de sono resolveria o problema. E esperava fazer isso em paz. Quando a carruagem de aluguel, que pegaram na estação, estacionou em McFadden Garden, já passava de meia noite. Brett os recebeu mas Edward fez questão de pegar Patrick no colo e levá-lo até um quarto. O menino adormeceu no trajeto. — Devo mandar avisarem a Vossa Graça que o enteado dele chegou? — O mordomo inquiriu. — Não, imagino que ele já esteja recolhido em seus aposentos. Amanhã levaremos o menino. Brett assentiu e foi dispensado de seus serviços. Edward raramente explorava os criados à noite. Deixava inclusive que dormissem em suas casas, se preferisse. Apenas quando a sua mãe estava em Londres os serviços

da sua camareira eram solicitados. Fora isso, ele sabia que podia despir-se e tomar um banho sozinho. Agatha entrou no quarto de banho e ele não a viu sair. Ajeitou-se para dormir, não pretendendo ler nada naquela noite. Esperou até que ela fosse até ele, mas a porta do quarto conjugado não se abriu. A vontade de ir até ela venceu a razão. Não era razoável que um marido desejasse tanto a companhia de sua esposa. Eles passaram uma semana inteira juntos. Ela estava sentada em sua cama, no escuro, com as mãos cravadas no colchão. Os pés descalços mal tocavam o chão e ela parecia ponderar alguma situação. Ele recostou no batente da porta e encarou sua silhueta na penumbra. — Por que está sentada aí, Agatha? Não tem sono? — Sim, tenho. — Ela ergueu os olhos e eles brilhavam mesmo na ausência de luz. — Mas eu… a cama está… fria. Acho que é isso. — Engraçado, a minha cama está bastante quente. — Sério? — Você quer conferir? Ela sorriu porque ele percebera o que a estava incomodando. Era mentira, a cama dele também estava fria e solitária. Talvez fosse o motivo do conde ter sucumbido e aberto aquela maldita porta. Ao mesmo tempo, ela hesitou. — Venha dormir comigo, Agatha. — Edward saiu da frente da porta para ela passar. — Não faz sentido você ficar sozinha nessa cama. — Vamos apenas dormir? — Santo Deus, espero que sim. Mas você ficará muito chateada se eu não conseguir? E ela riu novamente. Era uma pequena diabinha, a mulher com quem ele tinha casado. Edward deveria ter escolhido uma esposa mais madura, mais experiente, mas acabou casado com uma jovem impetuosa e cheia de vontades. Agatha passou pela porta e se enfiou debaixo dos lençóis na cama do conde. Edward fechou a porta conjugada e apagou o lampião. Que Deus o ajudasse, porque ele não sabia se conseguiria ficar tão perto dela sem assaltála no meio da noite.

Aquela foi a segunda vez que ela dormira nos braços de Edward. A segunda

que ela se recordava, pois ele a havia visitado de madrugada antes. Mas ela só dormiu. Ele cumpriu a promessa, a acomodou em seu peito e acariciou seus cabelos até que ela pegasse no sono. E então ele a estava acordando. Cedo demais. Sacudindo-a pelos ombros. — Minha querida, acorde. — Céus, Edward. — Ela resmungou, sonolenta. — Isso não é muito romântico. — Não quero ser romântico, quero te acordar. Vamos, o seu sobrinho vai nascer. A informação a fez sentar subitamente na cama. Sentiu uma tontura que logo passou e encarou o marido. Ele estava glorioso como um dia de sol, reluzindo com os cabelos loiros úmidos e penteados, uma camisa branca impecável e colete azul. Edward deveria ser proibido de usar azul. Os olhos dele ficavam ainda mais absurdos. — Como assim? — Granger veio aqui avisar. Patrick foi correndo com ele, mas imagino que você também queira estar com sua cunhada. Claro que ela queria. Agatha ainda não tinha despertado plenamente mas sabia que precisava estar ao lado de Elizabeth quando o bebê nascesse. Ela pulou da cama e se arrastou para a casa de banho. O marido foi atrás dela e a ajudou a preparar um banho, depois a secar-se e a vestir-se. Foi tudo muito rápido e não houve tempo nem para ela pensar em se arrumar muito. Aquele não era um momento que pedia uma produção elaborada. A carruagem os aguardava na entrada. A Trowsdale House ficava no final da rua, mas seria mais rápido do que ir a pé. Durante o curto trajeto, Agatha esfregou as mãos e não escondeu o nervosismo. Ela estava ansiosa para o nascimento do filho de Aiden, nervosa por Elizabeth, e confusa quanto ao que aconteceria assim que ela presenciasse aquele parto. Aiden estava sentado no salão quando eles chegaram. Segurava um copo de conhaque em uma mão, um charuto em outra e tinha a aparência de quem acabara de chegar da guerra. Agatha deu uma risada ao ver o estado do irmão. — Vocês chegaram! — Ele se levantou. Bebeu o conhaque, fumou, apagou o charuto, passou as mãos pelos cabelos. — Elas dizem que está tudo normal, mas não posso ficar no quarto. — Claro que não pode. — Agatha abraçou o irmão, acariciando sua face. — Homens não entendem nada de nascimentos, eles só atrapalham. Quem está com ela?

— A Sra. Ferguson. Ela não quer um médico, diz que já fez isso outras duas vezes. — Ela já fez. Fique com Edward, vou subir e fazer companhia a Elizabeth. Quando minha sobrinha nascer, eu volto. — Sobrinho. Elizabeth vai parir meu herdeiro. — Aiden rosnou. — Pelo bem de sua fortuna, esperemos que sim. Rindo do desespero do irmão, Agatha subiu as escadas apressada. Do corredor ela pode ouvir os barulhos vindos dos aposentos ducais. A porta se abriu e uma mulher saiu com um monte de toalhas brancas. Elas estavam molhadas de um líquido viscoso. O coração de Agatha saltou algumas batidas. Ela entrou no quarto e ele quase parou de bater totalmente. A cena era totalmente diferente, mas ainda assim muito igual à que ela vivera meses atrás. Elizabeth estava sobre a cama, usando uma camisola branca, com as pernas dobradas, recostada em travesseiros. Sua tez branca estava corada e seus cabelos suados. A Sra. Ferguson limpava as mãos com algum líquido que Agatha desconhecia. — Você chegou! — Elizabeth estendeu os braços e pediu que a cunhada se aproximasse. Foi preciso uma força sobrenatural para que os pés de Agatha fossem até ela. O ar do quarto estava impossível de respirar. Ela pensou que fosse desmaiar. — Não deve demorar muito agora. É meu terceiro filho. — Quando começaram as dores? — Há umas quatro horas. Mas as águas já desceram. Ela está vindo. — Já consigo ver a cabeça. — A parteira se abaixou e olhou entre as pernas de Elizabeth. — Você precisa ajudá-la agora, Alteza. Elizabeth acenou com a cabeça e pegou a mão de Agatha. Ela segurava com muita força enquanto gritava pela contração. A jovem dama precisou se concentrar para não sair correndo. Mesmo com o coração disparado e as pernas tremendo, Agatha se manteve firme enquanto Elizabeth colocava no mundo o primeiro filho do Duque de Shaftesbury.

Edward tomou o copo de conhaque da mão de Aiden ao notar que a garrafa estava pela metade. — Precisa parar, meu amigo, ou vai receber seu filho bêbado demais para

segurá-lo. — Não consigo. — Aiden perambulava pelo são, desgrenhado e agitado. — Caramba, Edward, você entenderá quando tiver o seu. Eu estou morrendo de medo. O conde cruzou os braços sem saber o que dizer. — Não seja bobo, vai dar tudo certo. Elizabeth já teve dois meninos saudáveis. Claro que a experiência de Aiden com nascimentos era muito ruim. Ele vira cada um dos bebês natimortos de sua mãe e presenciara os abortos, também. Para ele, partos eram situações ridiculamente perigosas. Edward não queria passar por nada daquilo, mesmo sabendo que seria inevitável. No final das contas, ele precisava de um herdeiro. — Distraia-me. Diga se você e Agatha conseguiram se acertar. — Defina “se acertar”. — O conde pressionou os lábios em uma linha fina enquanto observava o duque girar pelo salão. — E por favor, sente-se. Estou ficando tonto só de te ver girar. Aiden sentou. Acendeu outro charuto e serviu-se de mais conhaque. Edward desistiu, ele não era capaz de impedir o amigo de fazer bobagens. — Você sabe, Edward, que eu deveria tê-lo desafiado para um duelo se isso não fosse tão antiquado e ilegal. Você rompeu um importante pacto silencioso que há entre homens - nunca cobiçar a irmã do outro. Mas eu preferia vê-la casada com alguém honrado. E não há ninguém mais honrado que você, afinal. O duque, sempre falante demais, bebeu um gole do líquido âmbar em suas mãos. Edward o fitava, aguardando que concluísse. — Sempre houve uma enorme tensão entre você e Agatha. Vocês sempre demonstraram prazer em se desafiar. Toda vez que estavam no mesmo recinto, eu sentia que poderiam colocar fogo nas paredes só por se encararem. Mesmo depois de casados, essa tensão permaneceu. Hoje… vocês chegaram mais leves. Ela está leve. Você descobriu o que aconteceu em Nova Iorque? O conde se sentou e bebeu do copo que tomara do amigo. Olhou para o fundo de vidro e tomou decisões rápidas que representavam a quebra da confiança de um dos irmãos Trowsdale. Se contasse a verdade a Aiden, quebraria a promessa feita a Agatha. Se não contasse, quebraria a promessa feita ao duque. Ergueu o olhar e fitou o semblante desesperado de Aiden. Ele tinha sua família para cuidar. Agatha agora era responsabilidade de Edward. Ele resolveria aquele problema. Sozinho.

— Ainda não descobri. Mas creio que não tenha sido nada grave. Sua irmã é muito livre e rebelde. — Certo. Você tem razão, estou me preocupando à toa. E o restante? O casamento? Vocês estão bem? — Não sei o que você quer saber, Aiden. — Edward estava ficando impaciente. — Sabe que eu só concordei com sua proposta para reparar a reputação dela porque eu acreditava que vocês teriam um bom casamento, não sabe? — O duque disse, mas Edward continuou confuso. — Eu sei que vocês, no fundo, se gostam de uma forma estranha. — Meu Deus. — Edward passou as mãos pelos cabelos. — Você parece Isaac falando. — Bem, se há dois irmãos percebendo a mesma coisa, talvez você devesse prestar mais atenção, meu amigo. O conde queria responder ou mandar Aiden à merda. Não teve essa oportunidade, pois do andar de cima descia Agatha segurando um bebê embrulhado em lã.

Capítulo décimo quinto

A PROVAÇÃO do parto foi difícil. Mas, quando o choro do bebê ecoou pelo quarto, Agatha se sentiu transportada para outra dimensão. A parteira ergueu o pequeno ser e o enrolou em uma manta. — É uma menina. — A Sra. Ferguson disse, enquanto fazia procedimentos que Agatha não entendia. O filho dela, o bebê que ela esperou, nascera morto. Não houve choro. Ela nem mesmo quis vê-lo. Foi melhor daquela forma, ela sabia. Mas a dor pungia ali, no meio do peito, como se a carne dela estivesse dilacerada. Elizabeth recostou nos travesseiros, mas algo em sua expressão não indicava tranquilidade. Era como se o bebê ainda não tivesse nascido, mesmo que ele estivesse ali, nas mãos da parteira. — Tem algo errado, não tem? — A duquesa perguntou, limpando o suor do rosto. Agatha entregou a ela uma toalha umedecida em água fresca. A parteira pegou a bebê, que ainda resmungava, e a entregou a Agatha. — Segure-a. O outro não deve demorar a vir. — Outro? — As duas mulheres falaram ao mesmo tempo. — Sim. Há outro, Alteza. Suspeitei quando toquei sua barriga e agora tenho certeza. A estupefação de Agatha contrastava com a alegria de Elizabeth. Havia um júbilo inabalável em seus olhos e ela não estava rindo porque a dor das contrações ainda a incomodava. — Agatha, leve a bebê até Aiden. Diga a ele para vir aqui. — Vossa graça não acha que… — Quero meu marido aqui. — Elizabeth interrompeu a parteira. — Não conte sobre os gêmeos, Agatha. Apenas faça-o subir.

A jovem olhou para o pequeno ser humano em seus braços. Ele era enrugado e estava ensebado. Sujo de sangue e fluidos, era uma bebê linda. Tinha cabelos escuros e parecia como nenhum bebê que ela já vira. A vontade de chorar se misturou à necessidade de rir e ela precisou sair do quarto para não assustar Elizabeth. Fez o que lhe fora pedido, foi até Aiden. Ele e Edward conversavam de forma quase inamistosa. Se não estivesse acostumada com os dois se espetando no galpão em Kent, imaginaria que estavam brigando. Quando a viram descer as escadas, eles se levantaram. A expressão no rosto de Aiden foi da surpresa à completa desorientação. Caminhando na direção dela, ele parecia não acreditar que o bebê nascera. — Como está Elizabeth? — Aiden perguntou, decidindo se estendia as mãos para segurar o filho ou não. — E ele… ela… — Elizabeth está bem, ela quer que você vá até o quarto. E é ela. Uma menina. — Aha! O duque gritou. Virou para Edward, pulou no pescoço do amigo e beijou a sua bochecha. Enquanto o conde limpava o rosto indignado, Aiden pegou a menina nos braços e olhou para a filha que tanto esperou. — Pensei que estivesse apostando em um menino. — Edward implicou. — Foda-se o sexo. — O duque fitou o semblante enrugado da menininha em seus braços. — Eu apenas queria que ela fosse saudável. Olá, querida. — Ele ofereceu o dedo para que ela segurasse. — Prepare-se para ser a garotinha mais mimada de toda Londres. — Como ela vai se chamar? — Agatha perguntou, rindo. — Lillian. — Aiden respondeu sem conseguir parar de olhar para a bebê. — Esse é o nome que Elizabeth daria a Patrick, se ele fosse uma menina. Ou a Peter. — É um lindo nome. Agora vá ver sua esposa, eu te acompanho. Edward sabia que ele deveria ficar onde estava. Os irmãos Trowsdale foram até os aposentos ducais. Antes mesmo de abrirem a porta, ouviram os gritos de força de Elizabeth e a parteira dizendo que ela deveria empurrar. Assustado, o duque entrou quarto adentro e quase tropeçou nas próprias pernas ao ver que a esposa ainda estava em trabalho de parto. Agatha o empurrou para o lado da duquesa e pegou o bebê de volta. — O que está havendo aqui? Por que me chamou, o que é isso? — São dois, meu amor. — Elizabeth recostou novamente nos travesseiros, o suor escorrendo por seu rosto delicado. Havia bastante sangue

nos lençóis e isso deixou Agatha em alerta. — Dois? Gêmeos? — O duque segurou a mão da esposa e beijou. — Sim, Alteza. — A parteira se ergueu e examinou a cama. — O segundo está sendo um pouco difícil. Agatha sabia o que tinha que fazer. Devolveu o bebê para o pai e correu pelos corredores. Desceu as escadas se atropelando e pisou sobre a barra da saia, caindo exatamente nos braços do marido que esperava. Edward amparou-a antes que desabasse no chão. — Chame John. — Ela disse, arfando. — Precisamos de um médico. Elizabeth não está bem. Edward ajudou a esposa a se erguer e procurou pelo mordomo, que prontamente apareceu para atendê-lo. O jovem Granger teve que sair novamente para buscar o doutor enquanto Agatha se recuperava do choque. Eram dois. Primeiro, o parto em si. Todas as imagens daquela manhã a faziam se lembrar do seu próprio momento de horror nas Américas. Ter um filho bastardo era um problema grave. Agatha suspeitava que o irmão fosse acolhê-la e ajudá-la com o bebê, assim que ela retornasse. Não tinha expectativas que Colton Bristol se casasse com ela, nem aceitaria se casar com um homem que a violentara. Mas ela sabia que jamais conseguiria se casar com um bom marido tendo um bastardo. Mesmo que ela fosse a irmã de um duque. Mesmo que tivesse um dote invejável. Agatha não se casaria com ninguém da sociedade. Talvez aquilo fosse bom. Ela poderia ser livre. Mas queria que essa fosse uma decisão dela, não resultado do desprezo da sociedade. O maior problema não era o parto em si. O sangue, o cheiro de álcool a levavam de volta à experiência da morte. Quando o pai faleceu não houve caos. Ele estava sereno e tranquilo. Agatha sofreu, mas o decesso dele foi limpo. O parto do filho natimorto foi sangue, dor e cheiro de morte. Ela sentiria aquele cheiro para sempre, e o quarto de Aiden e Elizabeth estava impregnado dele. O médico chegou em menos de quinze minutos. Subiu correndo as escadas, guiado por Agatha e uma criada, que carregava uma pilha de panos limpos. No quarto, Elizabeth estava recostada, com as pernas dobradas e muito sangue entre elas. O médico balançou a cabeça e pediu à parteira um relatório do parto. — Não fiquem conversando, façam alguma coisa. — Aiden esbravejou, segurando a mão da esposa. A lividez regular da pele da duquesa tinha

desaparecido. Ela estava pálida e exausta. — Digam ao menos qual é o problema. — O bebê está sentado. — O médico concluiu depois de ouvir a parteira e examinar Elizabeth. — Alteza, vamos prosseguir com o parto, mas preciso informá-lo dos riscos. Pode ser que tenhamos que optar entre salvar uma vida ou outra. Aiden apertou a mão de Elizabeth e beijou-a no alto da cabeça. A sua expressão de horror indicava que ele estava desesperado, mas não demonstrou nenhum medo na frente dela. Afastou-se, levou o médico para um canto do quarto, e colocou as duas mãos em seus ombros. — Salve minha esposa. Já temos um filho saudável e podemos ter outros. Não a deixe escolher, nunca a deixe escolher. Ela é uma mãe, decidirá pela vida do filho. Mas eu digo… aliás, eu exijo que a salve. — Certo, Alteza. Agora peço que saia, precisamos de paz e privacidade. O duque voltou até Elizabeth. Ajoelhou-se ao lado dela na cama, beijou-a nos lábios, acariciou suas bochechas e sussurrou alguma coisa em seus ouvidos. Ela sorriu, fraca, e o acariciou nos cabelos. Agatha segurou o irmão pelo braço e o guiou para fora. Ela sabia que ele não iria embora sozinho, que ele precisava de um incentivo para sair do quarto. Aiden foi arrastado, desolado, para o andar de baixo e até mesmo o rígido Conde de Cornwall deixou que ele terminasse de se embebedar.

Já passava de meio dia. A casa estava em completo silêncio. Sentado em um sofá, Edward fitava o vazio. O menino Peter estava adormecido com a cabeça sobre suas pernas. Agatha estava em uma poltrona logo à sua frente, esfregando as mãos sem luvas. Na pressa de saírem de casa, ela deixou de vestir várias das indumentárias regulares de uma dama. Ele não se importava. Com a aparência exausta e preocupada, ela ainda era a mais linda das mulheres de Londres. Aiden estava jogado no sofá em seu escritório. Ele bebera tanto que apagou. Um homem de quase um metro e noventa derrubado pelo medo. Edward acariciou os cabelos de Peter e observou o semblante do menino. Os filhos de Elizabeth eram crianças lindas. Os olhos do Conde se ergueram para Agatha. Ela fitava o chão, também estava nervosa. A tensão na Trowsdale

House era tão densa que poderia ser tocada. Dentro do conde, um misto de sentimentos o deixou confuso. Ao mesmo tempo que ele jamais desejaria que sua esposa passasse por aquele trauma do parto, o desejo de ter um filho o arrebatou. Poderia ser o instinto de sobrevivência sussurrando em seu ouvido. Mas ele sentiu algo em suas entranhas. Uma sensação que começou no estômago e percorreu toda a sua coluna. Edward não se importaria em segurar um bebezinho em seus braços. Em chamá-lo de filho, em ensiná-lo as coisas que não aprendeu com seu próprio pai. Não tinha passado um dia desde a última vez em que ele teve certeza que não deveria ter filhos, e então ele estava imaginando uma criança em sua vida. Na vida deles. Era culpa de Aiden e sua excessiva fertilidade. Ficar rodeado de crianças fofas e bebês nascendo não o ajudava a manter uma decisão racional. — Está demorando muito. — Agatha disse, fazendo seus pensamentos dissolverem. — Sim, está. Deve estar tudo bem. — Como pode saber? — Ela se levantou e começou a girar. — Por minha experiência, querida, quando as coisas tendem a dar errado elas não levam muito tempo para estragar. Se está difícil, é porque o doutor deve estar conseguindo contornar o problema. O conde ajeitou Peter no sofá, colocando uma almofada sob a cabeça do pequeno. Levantou-se e foi até a esposa. Segurou-a nos braços, mesmo que ela se mostrasse rebelde. Acariciou os cabelos dela e a fez recostar em seu peito. — Acalme-se. Vai ficar tudo bem, Elizabeth já enfrentou coisas piores. Era provável que Edward não acreditasse em suas palavras. Também era possível que soasse insensível. Mas era a forma que ele encontrava de acalmar as pessoas, tentando fazê-las acreditar que nada ruim aconteceria. Antes que Agatha pudesse protestar ou desafiá-lo, os olhos se encontraram. O semblante indignado da esposa murchou quando capturados pelo azul do olhar do conde e ele quis beijá-la. Ele a teria beijado se não fosse um barulho de passos descendo a escada. — Milady. — A criada pessoal de Elizabeth vinha com um bebê nos braços. — O doutor está chamando o duque. — Como ela está, Anna? — Agora, está descansando. O doutor conseguiu tirar a criança, é um

menino. Edward e Agatha se encararam. — Ele está vivo? Está bem? A criada estendeu a criança que estava em seus braços para que Agatha segurasse. Foi quando ela percebeu que aquele não era o mesmo bebê de antes, aquele era menor. O conde passou os dedos pela cabeça cheia de cabelos que eram visivelmente claros. — Vou buscar Aiden. Mas ele está completamente indisposto. — Vou subir e conversar com o médico. Edward deu passos largos até o escritório e encontrou o amigo no chão. Embolado sobre o tapete, agarrado a uma almofada e babando. Seria uma cena engraçada, motivo para ele rir e implicar com o duque, se os motivos que o levaram à bebedeira não fossem justos. Ajoelhado ao lado de Aiden, o conde o chacoalhou pelos ombros para despertá-lo. — O que foi? — Sente-se e recomponha-se. O médico quer te ver. O duque tentou se levantar às pressas, mas cambaleou para trás. Caiu sentado no sofá. Olhou ao redor, ainda visivelmente desorientado pelo álcool. Passou as mãos pelos cabelos e encarou o amigo, que estava de pé e com os braços cruzados no peito. — Não me julgue, merda. — Aiden protestou. — Não estou julgando. Se fosse a minha mulher e o meu filho, eu provavelmente estaria mais bêbado do que você. Tem condições de ver Elizabeth? — Ela está bem? — A criada disse que sim. Mas creio que apenas o médico pode dizer com certeza o que houve. Aiden concordou. Edward foi até a mesa e encheu um copo com água fresca, oferecendo ao amigo. Depois, foram até o andar de cima para que ele pudesse se reorganizar na sala de banho.

Elizabeth parecia dormir quando Agatha entrou no quarto, segurando o menino ainda sem nome. O médico estava limpando as mãos em um pano e a parteira guardava alguns objetos. Lillian, a menina, estava dormindo em um

berço colocado ao lado da cama. Eles só tinham um, portanto precisariam providenciar o segundo. Nada que fosse um real desafio para o Duque de Shaftesbury, ela pensou. O irmão adorava exercer sua autoridade e aquela era uma ótima oportunidade para dar ordens. — Milady, o duque está… — Indisposto. — Ela interrompeu o médico. — Mas meu marido deve trazê-lo em minutos. Como está a duquesa? — Ela está bem. Teve uma perda significativa de sangue, por isso precisa de repouso e alimentos fortes. Vou prescrever alguns tônicos também. O bebê é um pouco fraco, mas ele deve sobreviver. Agatha sentou ao lado da cunhada na cama e Elizabeth abriu os olhos azuis. Mesmo pálida e desfeita, ela preservava uma beleza incomum. A duquesa sorriu ao ver a jovem ao seu lado. — Você o viu? — Perguntou. — O bebê? — Agatha ajeitou o menino no colo da mãe. Passou os braços de Elizabeth para que ela pudesse segurar o filho sem riscos. — Claro, ele é muito parecido com você. — Aiden? — Ele bebeu um pouco demais. Edward está resolvendo isso. — Homens. — Elizabeth riu novamente. — Eles não aguentam nada, não é mesmo? Agatha deu uma risada sincera. Ela não tinha muita experiência com homens, nem com nada. Mesmo que Elizabeth fosse poucos anos mais velha que ela, já vivenciara muita coisa. Por vezes, ela se sentia como que conversando com a irmã mais velha que não teve, ou a mãe que nunca a amou. Antes que pudessem continuar a conversa, o conde entrou no quarto arrastando o Duque de Shaftesbury atrás dele. A aparência de Aiden era horrível, mas ele tinha lavado o rosto, penteado os cabelos e trocado a camisa. Edward chamou o médico para conversar enquanto Aiden tentou caminhar na direção da cama. Agatha se levantou e o ajudou a deitar ali, do lado da esposa. — Graças a Deus. — Ele abraçou Elizabeth, que se aninhou em seu peito. Ela colocou o bebê no braço livre do marido, que olhou para os cabelos claros do menino. — Ah, essa tem os seus cabelos. — É um menino, meu amor. — Elizabeth murmurou. — Seu herdeiro. Aiden se sobressaltou, mas logo lembrou que segurava a esposa em um

braço e o filho recém-nascido no outro. — Céus, temos um de cada? — Sim. — Ela riu. — E o nome dele, qual será? — Albert. — O duque beijou os cabelos de sua esposa. — Nosso filho receberá o nome de meu pai, o melhor homem que já conheci. O quarto foi esvaziado para que a família se recompusesse. Agatha desceu para organizar a casa e deu ordens na cozinha, para que preparassem uma sopa para Elizabeth. Também mandou servirem o almoço para as crianças. Patrick e Peter estavam agitados, queriam ver a mãe e só se tranquilizaram depois que a tia explicou que ela estava dormindo com os bebês. Depois eles poderiam subir e conhecer os irmãos. Edward estava atrás dela quando saiu do quarto dos meninos. Eles dormiam juntos no andar superior, em um dos maiores quartos da Trowsdale House. Agatha determinou que lavassem as mãos e o rosto para comer e considerou que não precisava mais organizar nada na próxima hora. — Eu vou ficar. — Ela disse, virando-se para o marido. O conde a fitou com uma expressão curiosa. — Eles precisam de ajuda, eu tenho que ficar aqui para cuidar das coisas. — Aiden tem dúzias de criados, Agatha. — E todos precisam de orientação. Não sou mais uma garota, sei gerir uma casa. Provavelmente ela não sabia, mas se considerava madura o suficiente para tentar. — Tudo bem, eu preciso ir à fábrica. Quando sair, venho te buscar. — Não vou voltar para casa hoje. — Ela decidiu. — Minha família precisa de mim. — Eu também sou sua família. Eu também… A frase não foi completada. Edward parou como se ele fosse dizer mais alguma coisa, porém decidiu não fazê-lo. Um vinco se formou em sua testa, no espaço entre os olhos. Agatha não imaginou o que teria ficado não dito, só que parecia importante. — Tudo bem. Durma aqui hoje, amanhã retorno para saber como estão as coisas.

Não era verdade que o conde fosse realmente imprescindível na fábrica. Ele apenas gostava de acreditar naquilo. Passou dias longe e nenhum dos empregados morreu, nenhum acidente ocorreu, nenhuma máquina explodiu. O Visconde de Whitby e Sawbridge eram plenamente capazes de, com a ajuda de Isaac, administrarem o empreendimento. Quando Edward apareceu naquela tarde, com olheiras de exaustão causadas pelas emoções vivenciadas com o nascimento das crianças de Aiden, a única coisa que queriam saber dele era sobre o sexo dos bebês. Era provável que ninguém tivesse apostado em gêmeos. Depois de uma inspeção de rotina entre o maquinário, quando o céu já estava alaranjado pela noite que caía, Miles Westphallen foi ao escritório do conde para conversar sobre os fornecedores de madeira e a propriedade em Hampshire. — Como foi com o cigano? Ele deu algum prognóstico satisfatório? Edward serviu uísque aos dois. Parecia adequado beber mais um pouco naquele dia. — A propriedade é produtiva e há uma serraria ao lado. O dono teve alguns prejuízos e podemos tentar comprá-la como uma extensão ou oferecer financiamento para uma sociedade. Não tive tempo de negociar os termos, no entanto. O conde prosseguiu explicando os detalhes do que o Sr. Wareham havia detalhado. O visconde pareceu mais interessado na possibilidade de adquirir a serraria do que na sociedade e se comprometeu a fazer uma proposta de compra. Miles era o homem mais indicado para isso, já que seu poder de persuasão era fantástico. Edward duvidava que andasse muito persuasivo. Não conseguia nem mesmo convencer a sua esposa a ficar em sua cama. E ele precisava parar de pensar em sexo. Agatha não era um pedaço de carne para servir no jantar, ele deveria tê-la em melhor estima. Chegou a noite e ele estava cansado demais para ir à Trowsdale House. Pediu que o cocheiro o levasse diretamente para casa, querendo lavar-se, comer e descansar. Parte do seu desejo em retornar para a McFadden Garden era uma espécie de pirraça infantil porque Agatha preferia ficar com a outra família dela. Claro que ela preferia, a casa do duque estava cheia de crianças e animação. O que ele poderia oferecer a ela além dele próprio? Era patético que o Conde de Cornwall fosse tão ciumento e possessivo em relação à sua esposa. Ele tivera ciúmes do irmão, mesmo que ainda

acreditasse que Isaac fosse muito atirado para Agatha. E ela para ele. Aquela amizade deles não deveria irritá-lo, mas irritava. E estava apresentando ciúmes do irmão dela. O seu melhor amigo. O que aquilo significava? Não. Edward não estava apaixonado por Agatha. Ele não podia estar porque, se estivesse, ele estaria vulnerável. Não podia abrir o coração mais uma vez para ser despedaçado.

Capítulo décimo sexto

A AGITAÇÃO na Trowsdale House não permitiu que Agatha percebesse que Edward não retornara. Ele não prometeu que retornaria, era verdade. Mas ela esperava que, de alguma forma, ele aparecesse para vê-la. Tinha se acostumado a ele e não sabia se aquilo era bom ou ruim. Mas uma casa com dois bebês recém nascidos era uma casa bastante animada. — Claro que eu vou amamentá-los. — A duquesa pegou uma das crianças das mãos da criada, que pretendia levá-los para o outro lado do corredor. — E eles ficarão no quarto conjugado, nenhum dos gêmeos sai de perto de mim. — Mas Vossa Graça não acha melhor… A criada tentava argumentar, mas Elizabeth era resoluta demais. Ela já estava de pé e perambulando pelo quarto desde que se sentira forte o suficiente para levantar. Foi apenas um parto difícil, ela dizia. Tive dois filhos antes destes, não há muito mistério em parir, ela afirmava. — Eu acho melhor que meus filhos fiquem com a mãe. O duque respirou fundo e concordou. Ele concordava com tudo que Elizabeth dizia e dava a ela tudo que ela queria. Não havia nada que ela pedisse que o marido não iniciasse uma cruzada para conseguir. — O quarto já está arrumado. — Ele disse para a criada. — Você pode deixar que vamos ficar bem. A duquesa sentou em uma poltrona e acomodou a bebê Lillian em seu colo. Puxou um seio para fora para amamentá-la. A imagem de ternura fez com que Agatha sentisse algo revirar dentro dela. Enquanto Aiden aguardava, segurando o pequeno Albert nos braços e oferecendo o seu próprio dedo para o menino sugar, ela decidiu que deveria sair. Aquele era um momento de

intimidade entre o casal e suas crianças. Outras duas precisavam de atenção. Patrick estava visivelmente ansioso pela casa, e Peter tinha começado a urinar nas calças. Por três vezes, naquela tarde, Agatha o pegou escondido com as calças molhadas. Quando ela perguntou o que era, o menino tentou enganá-la afirmando que derrubara água sobre as roupas. Mas era mentira, ela sabia. — Vocês querem que eu durma no quarto de vocês, hoje? Agatha perguntou aos dois, fazendo com que se sentassem ao lado dela no sofá. Peter logo se aninhou no colo da tia. — Seu marido vai deixar você dormir com a gente? — Perguntou. — Ele vai, sim. — Ela riu. — E podemos contar histórias antes de pegar no sono. — Gosto de histórias de piratas. — Os olhos de Patrick brilharam. — Sabe alguma, tia Agatha? — Se sei? Fique sabendo que eu vi um navio pirata, com meus próprios olhos. Os garotos se fascinaram. Era fácil divertir uma criança, fácil conquistálas com palavras simpáticas e doces. Naquele dia, em Trowsdale House, Agatha descobriu que ela gostava de crianças. Que a perda da sua própria cria fazia, naquele momento, com que ela desejasse outras. O medo de ser como a mãe estava sendo substituído pelo desejo de tentar, a qualquer custo, gerar filhos. Ela estava começando a entender Myrtle Trowsdale e sua ânsia por engravidar, mesmo que aquilo a tivesse destruído. Ela adormeceu com os meninos e acabou dormindo melhor do que esperava. Pode ter sido porque a mãozinha de Peter permaneceu sobre o peito dela durante a noite. Mas certamente era porque, em seus sonhos, não houve escuridão. Não houve nada, apenas um vazio silencioso que a embalou até que fosse a hora de acordar.

Era fim da tarde quando Edward decidiu sair da fábrica e ir até a Trowsdale House. Ele enviara um mensageiro até sua esposa e ela dissera que permaneceria lá mais um pouco. O conde não sabia mensurar “mais um pouco”. Aquilo era coisa de mulheres. Homens como ele tinham medidas exatas de tempo. Horas, dias, meses. E não importava qual medida usasse,

seria tempo demais para ele. Edward se pegou incomodado com a ausência dela. Admitiu para si mesmo que não era nada demais. O desejo exagerado pela esposa fazia com que ele a quisesse. Na cama, em seus braços, debaixo dele. Estava claro que era apenas uma pequena abstinência. Mas, quando ela pediu, com olhos doces, para dormir outra noite com o irmão e a cunhada, ele ficou bastante chateado. — Eles têm dúzias de criados para cuidar das crianças. Tentou argumentar com Agatha. — Mas Elizabeth é uma mãe diferente. Ela cuida dos filhos. E Patrick e Peter estão solitários. Por favor, Edward, deixe-me ficar com eles outra noite. O conde sabia que não venceria aquele argumento. Ela estava de pé, olhando para ele com a expressão pidona, os longos cílios escuros emoldurando o verde esmeralda dos olhos e passando os dedos pela lapela dele. Aquela era uma posição específica para seduzi-lo. E Edward acabava fazendo o que ela queria. Até porque não era nada demais. Que mal havia em deixá-la dormir com a família? Só que a solidão que o abateu no caminho de McFadden Garden fez com que desviasse o rumo até a casa de jogos de Riderhood. Fazia muito tempo que ele não bebia e jogava. Precisava de atividades tipicamente masculinas. Porém nada deu muito certo. Seu planejamento fracassou porque, durante toda a noite, pensou na esposa. Jogou mal, perdeu algumas libras. Bebeu demais, arrumou confusão com o crupiê e Riderhood acabou colocando-o na carruagem à força. Agiu como um canalha e precisou se conformar que ele teria que fazer Agatha voltar para casa. E foi o que aconteceu no dia seguinte. Mesmo que tivesse passado o dia na fábrica, como sempre, à noite ele retornou à Trowsdale House e, daquela vez, não sairia sem sua esposa. Foi recebido por John e logo notou a correria pela casa. Peter passou por eles, no salão principal, e foi na direção do escritório. Atrás dele vinha Agatha, gargalhando e proferindo ameaças. Ao ver Edward ela parou e ajeitou as saias. As risadas demoraram um pouco mais a cessar. — Olá, meu marido. — O que está havendo? — Edward perguntou. O mordomo moveu os ombros e saiu, deixando-os sozinhos. — Estava brincando com Peter. O que veio fazer?

— Espero que buscar sua esposa. — Elizabeth apareceu, caminhando com tranquilidade. Carregava um dos bebês no colo. O conde tinha certeza que nunca diferenciaria as crianças enquanto elas estivessem enroladas em panos. Talvez quando começassem a usar vestidos ou bermudas. — Já a mandei embora cinco vezes, hoje. — E estou começando a achar que não sou bem vinda. — Agatha resmungou. — Sempre será, mas você é uma jovem recém casada. Não deve ficar aqui às noites. — Elizabeth está certa. — Aiden também chegou. Edward respirou aliviado, havia um complô a seu favor. — Vá com seu marido. Agatha torceu os lábios e suspirou. Ele não queria que ela fosse com ele contrariada, queria que sentisse sua falta da mesma forma que sentira a dela. — Venha aqui todos os dias, se quiser. — Ele se aproximou dela e disse, tirando uma mecha de cabelo rebelde e colocando atrás das orelhas da esposa. — Eu venho te buscar ao sair da fábrica. Mas volte para casa comigo. — Certo. Esse parece um excelente combinado. — Os olhos dela brilharam. Ela foi até Peter, que olhava contrariado para a conversa, ajoelhouse no chão e conversou com ele. O menino fez algumas caretas, mas entendeu o que lhe tinha sido dito. Depois, foi atrás de Patrick e despediu-se dele. E do irmão, da cunhada, do bebê. Apenas meia hora depois, Agatha estava sentada na carruagem com Edward na direção da casa deles. Ela ficou em um silêncio inconveniente até chegarem, depois manteve o silêncio enquanto se lavava para o jantar. — Agatha. — Edward resolveu falar alguma coisa, enquanto o jantar era servido e eles comiam. Estavam sozinhos naquela noite, Isaac tinha decidido passar umas semanas em Kent, com a mãe, a irmã e Nathaniel. — Você está contrariada. Diga, é tão ruim assim estar aqui comigo? Ela apoiou os talheres no prato e o encarou com surpresa. Os olhos verdes piscaram várias vezes e ela pareceu até mesmo aborrecida com o questionamento dele. — Claro que não, Edward! Que bobagem. Eu… eu senti sua falta. — Ela confessou. — Mas a casa de Aiden é tão viva, tão cheia dessa animação que as crianças causam. Não sei como os aristocratas conseguem ser tão burocráticos para criar seus filhos. É muito bom conviver com crianças. — Você pode fazer o mesmo aqui. — Ele apenas falou, sem refletir sobre as consequências. — Pode encher a casa de… filhos.

A expressão dela era confusa. Agatha parecia extasiada, mas também horrorizada com a possibilidade. — Filhos nossos? — Claro, que outros filhos pretendia trazer para cá? — Não sei. Há tantas crianças precisando de um lar. Pensei que sua sugestão… Ela não terminou a frase. Segundos se passaram até que Edward decidisse falar novamente. Foi preciso refletir, daquela vez. — Você quer adotar crianças? Bem, por que não? Essa casa é realmente enorme e somos ricos o suficiente para isso. Mas não considera ter os seus próprios filhos? — Considero. Bem, eu sei que você precisa de herdeiros. Mas, Edward… tem algo que eu preciso falar. Eu não sei se… quero dizer, eu talvez não possa… é provável que eu seja como minha mãe. Mais silêncio. O ruído dos talheres batendo nos pratos era quase ensurdecedor. — Sua mãe teve dois filhos saudáveis. — E diversos abortos, e natimortos, e bebês que nasceram e viveram horas ou dias. Foram tantos que não cabem nos dedos das mãos. Eu… — Ela largou os talheres e passou as mãos pelo rosto. Ela não podia estar chorando, podia? — E se eu não puder ter filhos, ou se for como ela? — Não sabemos isso. Podemos consultar um médico, mas a maior parte deles é imbecil e a outra parte só fala o que queremos ouvir. A única forma de ter certeza é tentando. A conversa parou ali. Agatha não conseguiu responder mais nada, nem continuar comendo. Ela remexeu o que havia no prato e pediu licença, levantando e saindo do salão. Edward sentiu-se idiota, porque ele parecia sempre fazer a coisa errada quando pretendia agradá-la. Fora da cama, ele parecia inapto em conseguir satisfazer uma mulher. Acabou desistindo do jantar. Bebeu o restante do vinho que estava na taça, pegou uma garrafa de champanhe com Geoffrey e subiu para o quarto. A esposa acabara de voltar para casa, ele não a queria chateada com ele.

Ela não pretendia ficar emotiva nem agir como uma tola. Mas aquela

conversa a deixou verdadeiramente nervosa. Talvez fosse cedo para ter filhos. Só que fora ela quem estivera obcecada por crianças nos últimos dias. Se não tivesse tão envolvida com os filhos dos outros, talvez o conde não falasse nada. Retirando-se para o quarto, Agatha pediu ajuda de Moira para despir o vestido, desfazer o penteado e vestir uma camisola. Dispensou a camareira e aguardou que o mal-estar passasse. Algumas lágrimas rolaram por sua face, outras ela conseguiu reprimir com sucesso. Apesar de saber que não era possível evitar chorar, costumava se esforçar bastante para isso. Não teve muito tempo para ficar sozinha com sua dor, logo a porta do quarto se abriu e o marido apareceu. Segurava uma garrafa de champanhe e duas taças. Edward não disse nada. Abriu a garrafa e serviu uma taça. Entregou o líquido borbulhante para ela e se sentou à cama, ao seu lado. — Não vamos falar sobre coisas que te aborreçam. Traga as crianças que quiser para casa. Vamos adotar todas que desejar. Quanto aos nossos filhos, podemos nos divertir no processo de produção e deixar que Deus decida o que acontecerá. Agatha bebeu um gole do champanhe e riu. Ele sempre dizia coisas engraçadas que a faziam sorrir, mesmo quando estava chateada. E ela não andava merecendo muito o carinho dele. — Desculpe-me, Edward. — Ela bebeu outro gole. — Não sei dizer por que tenho agido assim. Eu quero que tudo dê certo entre nós. Quero mesmo. Mas acho que eu não tive tempo de sofrer, de processar meu sofrimento. Sei que estou sendo uma péssima esposa. — Não está. — Ele serviu mais champanhe e bebeu da taça dela. — As coisas entre nós nunca foram simples. Mas, agora que estamos casados, descobrimos que podemos melhorá-las. Agatha riu e sentiu um alívio imediato em suas costas. Ela parecia carregar o mundo nelas, até descobrir que Edward era mais do que o melhor amigo irritante do irmão. Edward era o homem que a resgatava. Naquele um minuto em que olhou para ele, por sobre uma taça borbulhante, ela se lembrou de todas as vezes em que ele a ajudara. Em que ele a resgatara. Em que ele a fizera se sentir melhor, mesmo com a carranca habitual e os braços cruzados no peito. E, depois de casados, ele a fazia sentir melhor de outras formas. A excitação fez com que ela sentisse as entranhas revoltas. — O que significa exatamente se divertir no processo de produção dos

filhos? Ela disse, provocativa. O conde a encarou e exibiu um sorriso perfeito. Agatha nunca o vira sorrir daquela forma. Parecia diabólico. — Que vamos passar muito tempo tentando fazer com que minha semente seja plantada em seu ventre. Ela bebeu o restante do líquido cheio de bolhas. Elas desceram fazendo cócegas em sua garganta e o álcool subiu rapidamente à cabeça. Não o suficiente para não sentir as mãos do marido em seu corpo e a boca dele sobre a sua. Edward se moveu como um gato e logo estava se posicionando sobre ela, beijando-a. Claro que Agatha sabia como bebês eram produzidos. Sabia, inclusive, que já poderia ter um crescendo dentro de si. Aquilo a assustava na mesma medida que a encantava. Por todo trauma que vivenciou, ela não recusou a semente de Edward. No fundo, queria filhos. Apenas morria de medo de têlos. Mas sim, o processo de produzi-los era bem prazeroso. Naquele momento, ela se deu conta do quanto sentiu a falta dele. O tempo com as crianças, na casa de Aiden e Elizabeth, fora um tempo de fuga. O parto desencadeou alguma coisa dentro dela, algo que não sabia explicar. Mas ali, enquanto Edward pressionava seus lábios contra os dela e empurrava o corpo dela contra o colchão, ela percebeu que precisava daquilo. Precisava dele. As mãos de Agatha agarraram o colarinho da camisa branca que ele vestia e o puxaram para mais perto, aceitando satisfeita a língua dele embolada à sua. Do colarinho, passou aos botões e começou a abri-los. Ela detestava estar em desvantagem em relação ao marido. Detestava que ele sempre a pegasse de camisola ou menos roupa ainda enquanto estivesse totalmente vestido. E, daquela vez, ela queria despi-lo com suas próprias mãos. Edward não resistiu. Continuou a beijá-la, deslizando os lábios pelo queixo, para o pescoço, até a parte sensível atrás da orelha. Estava difícil se concentrar na tarefa de abrir botões enquanto ele a distraía com tanta habilidade. Mas ela conseguiu. Fez com que a camisa saísse pela cabeça dele e o empurrou para cima. — O que quer fazer? — Ele perguntou, erguendo-se e ficando de pé ao lado da cama. Ela se ajoelhou de frente para ele e o beijou novamente. Passou as mãos pelas costas musculosas e desceu até posicioná-las sobre a bunda dele. Edward estremeceu com aquele toque e se afastou ligeiramente. —

Agatha… — Um libertino como você não pode ser um puritano. — Ela riu. — É incompatível. — Não sou puritano. — Ele atacou a boca dela novamente. — Apenas estou surpreso que você… — Shhh. Ela fechou os lábios do marido com os dedos. Edward estava realmente surpreso e sorrindo, o que a encorajou a prosseguir. Ela o queria e suspeitava que ele tinha se magoado por ter ficado tanto tempo na casa do irmão. Precisava deixar claro o quanto o desejava para que ele entendesse. A melhor forma de fazer aquilo era mostrando a ele. Tímida e inexperiente, ela distribuiu alguns beijos no torso despido do marido. Beijou os ombros, depois desceu para o peito. Edward grunhiu, emitindo um som gutural de satisfação, e não a impediu. Ao contrário, ele a segurava pelos cabelos com apenas uma das mãos e ajudava a conduzi-la pelo percurso. Mais atrevida, Agatha continuou beijando a barriga e levou as duas mãos aos botões da calça. Foi especialmente desafiador abrir aquele que ficava escondido, porque o volume de sua ereção esticava o linho e atrapalhava. Não era desafiador o suficiente para impedi-la. — O que eu devo fazer? — Ela perguntou, erguendo o olhar enquanto acariciava o membro masculino em suas mãos. Edward estava muito excitado, toda a sua extensão parecia mais dura e mais suave, ao mesmo tempo. A forma como ele a encarava a deixou com ainda mais desejo. O marido não disse nada, mas seu olhar ditava instruções claras. Agatha continuou a beijá-lo pela pele macia que pulsava em suas mãos. Ele era mesmo grande, tinha um cheiro masculino irresistível e ela não segurou a vontade de passar a língua até a cabeça. Edward continuava olhando e, segurando-a pelos cabelos com força, indicou que ela deveria engoli-lo. A inexperiência de Agatha não a impediu que obedecer. Os lábios envolveram o membro do marido e ela lambeu e sugou o que conseguiu colocar na boca. Com um movimento da pélvis, Edward se inseriu um pouco mais, fazendo com que ela abocanhasse a maior parte de seu pênis. Ele urrou, um gemido tão primitivo que a deixou duas vezes mais excitada. Ela queria fazê-lo sentir o mesmo prazer incomparável que ele lhe proporcionava. Queria vê-lo se dissolver em suas mãos, em sua boca. Aquilo parecia ser muito poderoso. Ela se sentia poderosa. Prestando atenção aos movimentos e

às expressões dele, ela prosseguiu. Ergueu os olhos e o percebeu com os olhos fechados, a boca entreaberta e o pescoço tombado para trás. Era uma posição característica que indicava que Edward estava gostando. Então ela continuou a sugá-lo enquanto se deleitava com o sabor masculino - que era salgado, ácido e muito afrodisíaco. — Agatha. Pare. Edward gemeu o nome dela e segurou firme seus cabelos, querendo mantê-la parada. Ela o segurou pelos quadris, os dedos fincados nas nádegas, e se afastou apenas o suficiente para conseguir falar. — O que acontecerá se eu não parar? — Eu não vou mais conseguir segurar. — O marido gemeu mais quando ela recomeçou a chupá-lo. — Céus, mulher, eu estou falando sério. Eu vou… — Então não se segure. — Ela riu, passando a língua pela ponta do membro. — Vai me fazer mal? Eu vou ficar doente? — Não… eu acho que… — Edward gemeu mais, ela não parava. — Nunca fez mal a ninguém… que eu… — Então isso é algo que se faz? Entre um homem e uma mulher? — Sim, é, mas… Não havia mais argumentos para convencê-la. Agatha queria ver até onde aquilo os levaria e o que acontecia depois. Continuou agarrada a ele, a boca engolindo o pênis como se simulasse o momento da penetração. Edward quis se afastar mais de uma vez, chegou a puxá-la pelos cabelos, mas depois cedeu. A expressão de prazer e os sons que ele emitia indicavam que ele estava gostando. Até que, com um gemido alto, ele estremeceu todos os músculos e chegou ao clímax, aliviando-se.

— Você é… Edward não conseguia acreditar naquilo. Que sua esposa tão inocente acabara de conduzir uma fantástica sessão de sexo oral, algo que ele raramente recebera de qualquer mulher. Por mais prazeroso que fosse, a maioria delas não sabia fazer nem queria tocar em seu pênis, acreditando que o ato em si era impuro ou pecaminoso. Talvez fosse. Mas ele estava pouco se importando. Era algo pelo que valia a pena pecar. Mas Agatha estava tão orgulhosa de si mesma, olhando para ele com

aquele verde brilhante e sedutor, que ele desistiu de falar qualquer coisa. Pegou-a pelos ombros, ergueu-a e possuiu sua boca com uma voracidade que não chegava nem perto do desejo que estava sentindo por ela. E ele não estava satisfeito. Jogou a esposa na cama e pressionou o corpo dela contra o colchão, forçando sua entrada com o membro já rígido novamente. Queria mais, queria outro orgasmo e queria fazer aquilo vendo-a gozar. Agatha recebeu-o com surpresa. Estava tão molhada que Edward simplesmente deslizou para dentro dela sem nenhuma resistência. Não era comum para ele continuar duro depois de um orgasmo tão intenso. Edward era um pervertido e tivera muitas mulheres, mas geralmente não durava muito mais do que uma vez. A força do desejo por Agatha era tão grande que ele simplesmente não conseguia parar. Beijou-a, enfiou a língua em sua boca, mordiscou os lábios, desceu para o pescoço e capturou um mamilo entre os dentes. Agatha gemeu. Edward colocou o polegar entre as pernas dela e começou a acariciá-la no feixe de nervos que estava pulsante e inchado. Arremeteu com força contra ela, entrando e saindo com vigor. Esperou que ela atingisse o ápice. Ergueu o corpo e continuou a tocá-la enquanto movia os quadris em um frenesi primitivo. Precisava que ela chegasse logo ao clímax porque não estava aguentando mais. — Goze, Agatha. — Murmurou, dobrando o corpo novamente sobre ela. — Goze para mim, por favor. Ela o encarou e o agarrou pelo pescoço, puxando a boca dele para a dela. O beijo despertou algo que fez com que ela o obedecesse rapidamente. Em minutos, os músculos internos da esposa estrangularam seu pênis e ela convulsionou debaixo dele, mordendo-o no lábio inferior com força demais. O som que ela emitiu foi a coisa mais erótica que ele já ouvira. O segundo orgasmo dele foi quase mais intenso do que o primeiro. Edward empurrou contra ela uma última vez e derramou o que restava de sua semente dentro da esposa, satisfeito momentaneamente. Desabou sobre ela, girou na cama e fez com que Agatha se acomodasse em seu abraço.

Capítulo décimo sétimo

E LES DORMIRAM JUNTOS , nus e embolados. Agatha sabia que a intimidade entre ela e Edward estava se desenvolvendo aos poucos. Que ela se aproximava dele a cada dia. Era o esperado em um casal jovem como eles. Mas ela não imaginava que fosse ser tão viciante. Que fosse ser tão difícil ao menos querer se afastar dele. Ela tinha passado dois dias na casa do irmão e morrera de saudades do marido. Achava, contudo, que não era nada demais. Pelo menos não a ponto de acreditar que não conseguia respirar sem ele. Mas então ele foi buscá-la e, depois que se trancaram no quarto, ela não conseguia mais se desvencilhar de Edward. Quando acordou no dia seguinte, com a claridade do dia entrando pelas janelas, viu que ele continuava do seu lado. Adormecido como um anjo caído, uma versão loira de Lúcifer. Ela passou as mãos pelos cabelos dele. Edward estava de bruços, com um braço sob a cabeça, a boca entreaberta, os olhos fechados e as pernas estendidas. Não havia nenhum lençol sobre ele e nenhuma paisagem da Natureza inteira poderia ser mais perfeita do que a visão de seu marido naquela posição. Agatha suspirou. Ela estava se sentindo muito tola. — Edward. — Sussurrou nos ouvidos dele. — Já é de manhã. Ele se espreguiçou, virou e a segurou nos braços. Agatha riu ao ser enclausurada entre o corpanzil do conde e o colchão, mas a risada morreu ao sentir sua ereção pressionando-a na barriga. — Bom dia. — Você não precisa ir à fábrica? — Ela tentou organizar uma frase enquanto ele a beijava no pescoço. — Sempre que acordo você… — Hoje não preciso. — Edward desceu a boca para os seios dela. Agatha deu um gemido alto quando ele dedicou atenção especial aos mamilos

túrgidos. — Não fui um bom marido, deixando você sozinha, indo trabalhar no dia seguinte ao do nosso casamento. Não venho te dando atenção suficiente. Conversei com Sawbridge sobre isso. Ela arqueou as costas para dar a ele mais acesso. — Conversou? — Sim. Decidi que vamos passar uns dias nesse quarto. Nessa cama, mais especificamente. — Isso tem a ver com a ideia de produzir um herdeiro? — Ela passou as pernas ao redor dele, excitada. — Pode ter certeza que sim. Independentemente do resultado, pretendo me empenhar bastante. Agatha deu uma risada que foi interrompida novamente quando Edward levou a boca até sua intimidade. Ele havia prometido dar a ela aquele prazer quando ela quisesse. E estava prometendo alguns dias de depravação na suíte principal da McFadden Garden. Era provável que ela pudesse lidar muito bem com aquilo.

Depois de uma sessão completa de sexo conjugal, de um banho morno e desjejum servido no quarto, Edward fez Agatha deitar ao seu lado e leu para ela. O livro sobre cultura da terra tinha sido abandonado e ele estava desbravando uma história sobre cavaleiros, princesas e um romance bobo qualquer. Mas ela ficou encantada em como o tom da voz dele era suave e grave e embalava a narrativa. — Você vai me deixar visitar meus sobrinhos? — Ela perguntou, sonolenta. — Durante esses dias de cativeiro? — Claro. — O conde beijou-a na cabeça. — Se quiser ir agora… — Não. — Ela passou os braços pelo peito nu do marido. — Estou exausta para sair daqui. Mas estou com algumas coisas para fazer, em breve. — Conte-me. — Vou me dedicar ao projeto de construir uma casa-escola para os filhos de mães trabalhadoras. Mulheres como Elizabeth, que precisavam deixar suas crianças para trabalhar. E vou considerar a proposta de Caroline. Edward ajeitou-se na cama e deitou de frente para Agatha. — A primeira ideia é fantástica. A segunda envolve Lady Eckley. Devo

me preocupar? — Não. Caroline parece ter ideias bastante progressistas sobre a educação das mulheres. Gostei do que ela pensa, acredito que poderia dar certo. — E você vai me contar o que é essa proposta inovadora? — Uma escola de jovens mulheres. O conde se sentou. — Como essas que ensinam as damas a conseguirem bons maridos? — Por Deus, não. — Agatha riu. — Uma escola que ensine coisas interessantes. Mais do que apenas matemática e história. Também queremos ensinar a administrar propriedades, a negociar, a… — Quer ensinar às mulheres coisas que são atribuições masculinas? — Sim. E que somos perfeitamente capazes de fazer. Edward deitou novamente e acomodou a esposa em seu colo. Agatha não fazia ideia do que ele achara, mas precisava da concordância do marido para iniciar um empreendimento. Aquilo era muito inconveniente. Mulheres não eram senhoras de si quando se casavam. E, se não se casassem, eram párias na sociedade londrina. — Não sei o que pensar sobre isso. Mas, se é algo que deseja fazer, então faça. Providenciarei amanhã para que uma conta em seu nome seja aberta e para que você tenha acesso a uma quantia mensal satisfatória. Se precisar de mais, peça-me.

Mesmo sabendo que podia sair do quarto a hora em que quisesse, Agatha não saiu. Foram quatro dias inteiros na cama com Edward. Quatro dias em que eles nem mesmo se vestiram. Não saíram da suíte principal. Comeram na pequena mesa redonda que ficava na antessala do quarto e se amaram ao ponto da exaustão. Mas ele não estava exausto. Ao contrário, descobria coisas novas a cada vez. Desbravar sua esposa era como abrir a caixa de Pandora. Com a diferença que ele não liberara o mal sobre a Terra, mas uma reação absurda sobre ele próprio. Edward não deixaria que ela soubesse o quanto de poder passara a exercer sobre ele. Caso contrário, estaria totalmente arruinado. Durante aqueles dias, receberam várias visitas recusadas. Caroline Eckley e as irmãs Westphallen estiveram na casa. Aiden Trowsdale esteve na casa. O

duque chegou a ir até a porta da suíte incomodar o casal. Depois de ser ameaçado de morte caso não fosse embora, prometeu voltar depois de alguns dias para garantir que a irmã ainda estaria viva. — Temos que voltar à vida social. — Agatha disse, levantando e se enrolando no roupão. Ela parou em frente à janela e olhou para o parque que ficava do outro lado da via. O sol se pondo dava a Londres um ar melancólico e esfumaçado. — Não sei por quê. — Edward foi até ela e a abraçou por trás. — Aqui está quente, confortável e temos comida. Posso ficar nessa cama por um mês. Agatha virou-se para o marido e colocou as duas mãos no peito dele. Havia um lampejo de malícia nos olhos inocentes. — Você é um devasso. — Ela riu, beijando a pele nua. — E está me transformando em uma. Há vida além de ficar na cama com você, Edward. — Há. — O conde puxou a boca da esposa e a beijou. — Mas não é tão gostosa. Ela se desvencilhou dele e voltou para a cama. — Então aproveite essa noite, amanhã voltamos à rotina. Temos uma vida inteira para dormirmos juntos, para que gastar tudo agora? Descartando o roupão e abrindo os braços, ela o chamou. Edward juntouse à esposa na cama com a intenção de demovê-la da ideia de encerrar a lua de mel. Ele pretendia ficar com ela por uma semana, então. Naquele momento, decidiu fazê-la sentir um prazer tão intenso que a faria reconsiderar. Mas o que conseguiu foi expressar o seu arrebatamento sem controle. A sensação insuperável de estar dentro dela, as carícias das mãos de Agatha em suas costas, o cheiro da pele dela enquanto os corpos se amavam. Aqueles ingredientes inebriavam Edward a ponto dele perder a razão. E, depois de tanto tempo perdido em sua esposa, ele acabou sendo dominado pelos sentimentos. — Meu Deus. — Ele rosnou com a boca abafada no pescoço dela, no momento em que chegou ao clímax. O corpo convulsionou sobre ela, que o prendia com as pernas cruzadas em seus quadris. A boca quente de Agatha beijava-o no ombro e apenas fazia com que o prazer fosse maior. — Como eu amo você, Agatha… como eu… E então ele congelou. O sangue em suas veias espalhou cristais de gelo por todos os músculos quando ele percebeu o que acabara de dizer. Ela ainda o beijava, então não ouvira. Claro que não ouvira, ele sussurrara muito baixo

e o ruído das respirações era alto demais. Ela não ouviu. Não podia ter ouvido. Mas ele disse. Sem querer, sem perceber, sem raciocinar sobre as palavras que saíam de sua boca. Ele a amava. E era ruim o suficiente porque era verdade. Edward prometera a si mesmo que não se apaixonaria. Ele acreditava que fosse apaixonado por Bridget e sofrera com o abandono. Não era. Nunca sentiu por Bridget o que sentia naquele momento. Se entregasse seu coração de verdade, não saberia lidar com a rejeição. E era bastante óbvio que Agatha não o amava em retorno. Porque ela o amaria? Sem contar que a paixão deixava os homens idiotas. As reminiscências do pai, austero e determinado, o inundaram. O pai garantira que ele não era digno de receber amor. E o reprimiria por desejar ser amado, já que o amor era fraqueza. O amor era tolice, deveria ser guardado para os tolos. O Conde de Cornwall não era um tolo e nunca seria como Aiden. Ele não invejava o amigo. Preferia manter sua razão acima de qualquer coisa e não podia ser racional se estivesse apaixonado. Saindo de dentro dela, ele se acomodou na cama sentindo fisgadas nos músculos. Sentia uma súbita dor na cabeça pela consciência dos seus sentimentos. Ele amava a sua esposa. Isso deveria ser bom, ele deveria estar feliz. Mas tudo que ele sentia era o coração aberto e sangrando.

Ela era boa em fingir. Agatha aprendeu a esconder sentimentos quando precisou mentir para todas as pessoas que conhecia. Naquele momento em que Edward confessou que a amava, ela fingiu também. Não mudou de expressão, não interrompeu os beijos, deixou que seu corpo a guiasse. Permitiu-se aproveitar o clímax, mesmo notando o desconforto dele. Edward estava claramente apavorado por constatar seus sentimentos pela esposa. Agatha também se assustou. Se fosse uma situação normal, ela ficaria muito feliz e gritaria de entusiasmo. Aquele homem fantástico era dela, e ele a amava. Não era apenas o desejo que o movia. Não era mais a obrigação que cumpriu ao se casar com a mulher cuja virtude comprometera. Havia sentimentos envolvidos. E eram os mais nobres.

Mas nada entre eles era normal. Edward era um homem complicado e ela também. Confessar sentimentos não era fácil para nenhum dos dois, por isso Agatha sabia que o marido estava, sim, arrependido de ter falado qualquer coisa. Ele saiu de dentro dela e deitou de costas com Agatha em seus braços. O silêncio do quarto, somado à escuridão da noite, fez com que Edward adormecesse. Agatha estava sobre aquele corpo masculino, enorme, que a seduzia e a fazia esquecer dos problemas, das soluções do mundo. O calor dele a aquecia. As batidas do seu coração estavam na mesma cadência. — Eu também te amo. — Agatha sussurrou, recostando o ouvido no meio do peito dele. Dormiu ouvindo o ressonar da respiração do marido, sabendo que nenhum pesadelo jamais ousaria invadir seu sono novamente.

Era uma hora da manhã quando Edward levantou. Agatha dormia como uma garota, linda e serena. O conde acendeu uma vela na antessala e inspecionou as marcas dos dias. Elas estavam por seu corpo inteiro. Manchas avermelhadas, arranhões, algumas marcas roxas. Ele tinha um lábio partido, porque a esposa adorava mordê-lo. Deveria estar plenamente satisfeito por ter uma mulher tão desinibida na cama, mas estava apavorado. Só pensava que precisava domar aqueles sentimentos que o destituíam da razão. Confirmou que ela estava em um sono profundo e se vestiu. Roupas de noite, gravata e sapatos. Penteou os cabelos com apuro e desceu as escadas. Brett se espantou quando foi chamado pelo patrão e o encontrou pronto para sair, sozinho. Àquela hora só havia um lugar para onde ele poderia ir. — Deseja que arrume sua carruagem, milorde? — Sim. Vou até Riderhood. — E se a condessa acordar? — O mordomo questionou. — Digo a ela que o senhor… — Se ela acordar e descer, diga que fui resolver assuntos masculinos. Brett assentiu e foi providenciar o pedido do conde. Logo, a carruagem estava pronta para conduzi-lo até a casa de jogos. Lá ele poderia se encontrar com amigos, jogar e talvez até mesmo flertar com as mulheres da casa. Não as queria, mas vê-las poderia ajudar a afastar os sentimentos românticos que o incomodavam.

Nas tentativas passadas, ele fracassou. Mas aquela era uma questão de honra. Se deixasse que o amor por uma mulher prevalecesse, seria um tolo fadado a sofrer eternamente. Homens como ele não se apaixonavam. Quando Riderhood o viu chegar, não achou estranho que o amigo retornasse depois de alguns dias sumido. Ele sabia que os homens casados nunca deixavam de frequentar a casa. Ao menos os nobres. Cumprimentou o conde e ofereceu a ele um lugar em sua mesa preferida. Edward colocou algumas libras sobre a mesa e pediu fichas. Durante o jogo, algumas mulheres foram até ele. As prostitutas da casa, que geralmente não lhe prestavam muitos serviços, mas jamais perdiam as esperanças. Edward não gostava de prostitutas. Ele costumava se fartar com as mulheres livres como Caroline Eckley ou como a esposa do Barão de Worcestershire ou a Marquesa de Cunningham. Não mantinha amantes nem pagava por sexo, era uma regra silenciosa que obedecia. Mas elas eram insistentes e ele precisou afastá-las várias vezes. Não queria mulheres, nem precisava de alívio. Seu corpo estava estranhamente muito satisfeito e nem o vislumbre de belas meretrizes o excitava. Claro, ele estava saciado. Sua esposa era uma diabinha na cama. Estava ali apenas para espantar os sentimentos, reforçar sua masculinidade. E isso significava beber, fumar e jogar. Trair Agatha não fazia parte do pacote.

— Brett. — Agatha interpelou o mordomo assim que desceu as escadas naquela manhã. Usava um vestido de veludo vinho e branco e o cabelo preso no alto da cabeça, com ornamentos perolados. Moira fizera um excelente trabalho com aquele penteado. Mas a condessa estava aborrecida por ter acordado sozinha. Estava mal acostumada. — Aonde está o conde? — Ele saiu à noite, milady. Ainda não retornou. Eram oito horas da manhã. — Aonde ele foi, Brett? Algum problema com a fábrica? — Não, minha senhora. O conde foi até a casa do Sr. Riderhood. Agatha respirou fundo e engoliu saliva amarga. Por que Edward a teria deixado durante a madrugada, depois de dizer que a amava, para ir à casa de jogos? Se ele queria jogar, poderia ter dito a ela. Não era sua intenção impedir que o marido continuasse com suas atividades masculinas. Ora,

quem inventou de se trancar em um quarto por uma semana fora o próprio Edward. — Onde devo mandar servir seu desjejum, senhora? O mordomo a inquiriu, alheio à sua irritação. — No terraço. Quero tomar um pouco de sol. Brett assentiu e se afastou. Agatha chamou Moira e pediu que ela fosse até a residência de Caroline Eckley e marcasse um encontro com ela. Consciente de que a nova amiga gostava da noite, escolheu o Butterfly’s, depois de meio dia. Eles serviam um brunch maravilhoso. Depois, forçou-se a comer. Não tinha apetite porque estava nervosa e se sentindo abandonada. Não por causa dos jogos, ou da bebida, ou do clube de Riderhood em específico. Mas porque ela sabia que tipo de serviços um homem podia contratar lá. E sabia que o marido costumava fazer uso de alguns deles. O conde chegou por volta das dez, depois que Agatha já finalizara o desjejum e estava sentada lendo, na biblioteca. Ele não aparentava embriaguez, caminhava em linha reta e subiu as escadas sem ajuda. Ela morreu de vontade de ir atrás dele, mas esperou. Depois que Edward desceu, banhado, cheirando a água de colônia e vestindo roupas de dia, eles se encontraram no escritório. — Divertiu-se essa noite? — Agatha perguntou, apoiando as mãos na mesa de mogno. O marido a fitou com o azul cristalino rodeado por círculos arroxeados. As olheiras que representavam a privação de sono para um homem acostumado a uma rotina de noites tranquilas. — Sim. Ganhei algumas libras, então posso dizer que foi uma boa noite. — Pensei que não passasse a madrugada fora. — Não passo. Mas ontem percebi que estou há muitos dias sem frequentar o clube. É um pouco constrangedor para um homem como eu deixar de realizar atividades masculinas apenas porque me casei. Claro que era. Agatha sentiu o sangue ferver e teve vontade de gritar com ele. O marido tinha dito que a amava e se portava como um canalha. Estava consciente de que ele não achava que ela ouvira. Que ela fingira não ter percebido a declaração e que não correspondera dizendo que o amava, também. Ela disse, mas enquanto ele dormia. Edward ignorava os sentimentos da esposa, mas não podia ignorar os seus próprios. Sem vontade de discutir com ele, Agatha virou as costas e marchou até a porta.

— Já vai? — Ele a interceptou com a voz. — Pensei que gostaria de um passeio pelo Hyde Park. — Não será possível. — Agatha sorriu. Se Edward tivesse algum amor por sua segurança, interpretaria aquele sorriso como uma ameaça. — Eu também tenho atividades femininas. Vou me encontrar com Lady Eckley e depois visitar o orfanato. Ela não permaneceu no escritório. Nem para ver a reação dele, nem para ouvir se fosse chamada novamente. Provavelmente, sua atitude não era condizente com uma mulher adulta da alta sociedade londrina. Era certo que nenhuma condessa se importaria se o marido fosse ao clube de madrugada. Nem se ele tivesse amantes. Bastava que ela arrumasse homens para satisfazê-la. Mas Agatha não queria um casamento daqueles. Não mais. Sua primeira intenção era de que eles nem mesmo consumariam o casamento. E, semanas depois, estava se corroendo de ciúmes do marido.

A carruagem que a levara até o Butterfly’s era pequena e aberta, ideal para os dias quentes de agosto. A cafeteria era frequentada pelas damas da sociedade, que sempre usavam o espaço para pequenos eventos durante o dia. Poucos eram os cavalheiros que costumavam comer por ali, ou marcar encontros. A própria Caroline Eckley não era uma frequentadora assídua, pois ela não tinha mais assuntos com as damas. Agatha não se importava e era uma afronta levar a sobrinha do marquês para o lugar mais exclusivo que conhecia. Sua nova amiga era uma pessoa extravagante, com seu gosto peculiar para roupas e cabelos. Sempre de vermelho, sempre com os cachos soltos sobre os ombros. Ela era a figura de uma libertina, o que apenas a tornava mais interessante. — Adorei receber seu convite. — Caroline a cumprimentou segurando-a nas mãos enluvadas. — Espero que seja porque pensou em minha proposta. — Sim, pensei. — Agatha pediu que servissem um chá completo. Ela mal comera desde que acordou e estava com muita fome. — Conversei com Edward, também. Quero fazer parte disso, acho que devemos construir essa escola. Caroline bateu as mãos em uma atitude entusiasmada.

— Excelente! Já vi alguns lugares, eles parecem ideais para começarmos e… — Mas você terá que me ajudar com meu projeto. — Agatha interrompeu o jorro de ideias que certamente seria despejado sobre si. — É uma troca. — Qual seria seu projeto? Não me diga que é outro orfanato. — Não é. A condessa explicou rapidamente sua intenção de construir uma casa para abrigar filhos de mães viúvas. Crianças que precisavam de acolhimento enquanto suas mães trabalhavam. O lugar ofereceria educação, cuidados básicos e, o mais importante, carinho. As crianças seriam bem tratadas, ao contrário do que acontecia na maioria das famílias. — Parece bem intrigante. O chá chegou e as interrompeu novamente. A criada serviu as xícaras, a de Agatha com leite e a de Caroline com duas pedras de açúcar. — Temos um acordo, milady. — Caroline concordou, mordendo um bolinho. — Confesso que estou bastante empolgada em fazer algo com minha vida que não seja correr atrás de maridos que nunca terei. — Não pensa em se casar? — A curiosidade fez com que Agatha jogasse a pergunta invasiva. — Já pensei. Talvez ainda pense. Mas nunca me casarei. Eu sou uma mulher que já teve vários homens. Não tenho nenhuma virgindade para valer como virtude e não há homem nessa Londres que não saiba disso. Mesmo com meu dote, eu dificilmente fisgaria um marido. Se houvesse um desesperado por dinheiro, haveria uma chance. Mas, sinceramente? Não vale a pena. Não será um como Aiden. Ou como Edward. E não desejo abrir mão de minha liberdade por um marido. As imagens inconvenientes de Edward e Caroline em uma cama, fazendo as coisas que ele passou as últimas noites fazendo com ela, causaram uma reviravolta no estômago de Agatha. Labaredas acenderam seus olhos e ela sentiu a fúria de doze mares revoltos enquanto apertava um guardanapo entre os dedos. Sua irritação irrompeu como uma represa que não conseguia conter o fluxo de água. As comportas de sua raiva se abriram e Agatha despejou sua frustração em Caroline. — Talvez seja ótimo que não se case. — Ela mordeu uma torrada. A fúria fez com que o alimento se esmigalhasse. — Afinal, para que servem os homens se não para te fazerem de boba? Para te iludirem com palavras de

amor e depois procurarem outras para satisfação? — Oh. — Caroline franziu a testa e um vinco se formou entre suas sobrancelhas. — Espero que esse discurso não seja sobre o seu marido. — Claro que é sobre meu marido. Aquele… aquele devasso. Ele foi até o Riderhood ontem, de madrugada, e teve a desfaçatez de chegar só hoje de manhã! — Eu o vi lá. — A sobrinha do marquês continuou tomando seu chá. Ela agia como se nada a abalasse realmente. — E posso afirmar, minha querida, ele é um dos homens mais comportados daquele lugar. Todos os homens traem, eu duvido que o seu te trairá. Agatha pousou as mãos cheias de migalhas sobre a mesa e encarou Caroline Eckley. Ela queria bastante acreditar no que a amiga dizia. Precisava acreditar. — Você o viu. — Sim, eu frequento a casa. E Edward jogou, bastante, a noite toda. Estava endiabrado, como se Belzebu em pessoa estivesse sentado ao lado dele ditando o que fazer. Nunca vi o homem jogar com tanta fúria. Mas foi só isso. Jogou, bebeu, fumou, jogou mais. Até a hora que eu saí, e isso já foi de manhã, o conde não deixou que nenhuma mulher sequer se aproximasse dele. O silêncio que se seguiu fui eloquente. Caroline fitava Agatha por sobre a xícara de chá, genuinamente intrigada. Provavelmente traições e episódios como aquele não a chocavam ou incomodavam. Era era imune aos ciúmes. — Bem, ainda defendo que casamentos não são tão interessantes assim. — Agatha rosnou. — Vamos tratar de temas menos estressantes. Conte-me tudo sobre o que já começou a resolver para que possamos construir nossa escola.

Capítulo décimo oitavo

A MASCULINIDADE PRECISAVA SER CONSTANTEMENTE REAFIRMADA . Com as palavras sábias de Caroline Eckley ecoando em sua cabeça, Agatha não tocou mais no assunto sobre a jogatina noturna de seu marido. Esperava, apenas, que ele não escapasse de madrugada com se estivesse fazendo algo errado. As duas damas seguiram para o orfanato em que Agatha era voluntária. Ela não apenas sustentou aquele lugar, com a mesada que recebia do pai, desde que passou a se perceber como uma pessoa. Ela também visitava frequentemente os órfãos, levava presentes e passava o dia com eles. Caroline nunca estivera em um lugar daqueles. A jovem sobrinha do marquês não era uma mulher honrada em nenhum dos sentidos. Não era virgem, frequentava locais impróprios, andava constantemente na companhia de homens desconhecidos e nunca fizera caridade com sua pequena fortuna. Mas ela parecia uma pessoa diferente, então Agatha quis apostar. — Todas essas crianças perderam as mães? O espanto de Caroline ao conhecer o refeitório do orfanato foi sincero. As crianças estavam comendo pães com chá, já que Agatha exigia que lhes fosse servido chá diariamente. — As mães, os pais e não possuem outros familiares para olhar por elas. São mais do que órfãos, são crianças sem ninguém. E existem vários outros como esse por Londres, minha cara. Mesmo após as condições sanitárias terem melhorado muito, depois da grande epidemia de 1854 que matou mais de dez mil londrinos, ainda havia muitas doenças infecciosas que tiravam a vida de jovens mães e pais que viviam em condições econômicas precárias. A mortalidade de bebês também era muito alta.

As damas começaram a circular entre as mesas. Agatha tinha muita desenvoltura com as crianças e era a primeira vez que ela retornava ao St. James depois da viagem às Américas. Sua volta foi tão impactante e causou tantas mudanças em sua vida que ela ainda não organizara tempo para retomar suas tarefas regulares. Caroline apenas observava de longe. Sentada em uma das mesas, Agatha recebia o carinho dos órfãos e distribuía presentes que portava em uma carriola. Uma das meninas, Lavinia, a reconhecera mesmo depois de um ano de afastamento. Ela tinha os cabelos loiros como os de Elizabeth, cacheados. Os olhos castanhos se destacavam pelos detalhes dourados na íris. Com bom cuidado, Lavinia seria uma linda mulher. — Quantos anos têm mesmo? — Agatha perguntou, sentando a menina em seu colo. Caroline fez uma careta, claramente incomodada com o estrago que aquilo causaria nas saias da condessa. A menina mostrou o número quatro com as mãozinhas. — Lavinia não fala. — A diretora do orfanato explicou. — Ela nunca falou uma palavra, milady. A senhora deve lembrar. — Claro. — Agatha beijou os cabelos da menina e levantou. — Esperava que ela pudesse superar isso com o tempo. — Aparentemente, isso não acontecerá. Ela não fala nem brinca com as outras crianças, vive escondida pelos cantos. Deve ser traumatizada pela perda brutal dos pais. Pensávamos que ela era muito jovem, portanto não recordaria de nada. Parece que estávamos erradas. Agatha olhou para a menina e seu coração transbordou de alguma coisa que ela não sabia o que era. O mesmo que acontecera quando vira os bebês de Elizabeth ou quando ficou com os meninos. Ela pensava que era por causa do seu próprio trauma, porém começava a achar que se equivocara. Depois da visita ao orfanato, Agatha ficou estranhamente calada. Enquanto Caroline falava entusiasmada sobre as possibilidades com a escola de jovens moças, ela apenas respondia com acenos de cabeça ou monossílabos. Não estava desanimada, apenas pensativa. As duas damas passaram o restante do dia juntas. Visitaram duas casas antigas que estavam à venda e podiam ser negociadas por bons preços. Ambas ficavam em regiões prestigiosas de Londres. Era a localização escolhida por Caroline, mesmo sabendo que os nobres raramente deixariam que suas filhas estudassem com duas degeneradas como elas.

O navio que aportou em Shadwell vinha dos Estados Unidos da América. Trazia alguns americanos para visitar a Inglaterra, incluindo famílias muito ricas que pretendiam alcançar prestígio aristocrático. Algumas moças casadoiras pretendiam conquistar um marido nobre para ascender socialmente. Mesmo fora da temporada social, muitas pessoas vinham das antigas colônias para Londres. Naquele dia chegavam também os irmãos Bristol. Colton e Gareth desembarcaram em Londres com um objetivo apenas: recuperar Lady Agatha Trowsdale. O irmão mais velho sucumbira aos lamentos de Gareth, que afirmava ter perdido a mulher de seus sonhos. Eles eram da classe trabalhadora que enriquecera pelo trabalho. Estavam acostumados a casamentos por amor e fidelidade. Quando Lady Agatha desapareceu, depois de uma desastrosa festa regada a muito álcool e um episódio de gravidez fora do casamento, Gareth ficou inconsolável. Ele a queria de volta e seu drama fez com que Colton organizasse a viagem. Sentia-se responsável, já que fora ele quem causara da fuga da dama. Não imaginava que ela fosse uma puritana, nem que fosse entrar em pânico. Colton Bristol tinha certeza que aquela jovem estava tentando seduzi-lo e fora apenas por isso que a levou para seu quarto. Na verdade, ele adorava virgens e deflorá-las era seu esporte favorito. — Como vamos encontrá-la sem que percebam nossas intenções? Gareth questionava pela décima vez. Os homens arrastavam suas malas até a hospedaria que lhes fora recomendada. Ficava em uma área da cidade ocupada por famílias burguesas. Uma zona em expansão, foram informados. Agatha não morava ali e talvez fosse um bom lugar para se esconderem e sondarem as informações necessárias. — Temos o nome completo dela, não deve haver duas iguais nesse lugar fedendo a latrina. Amanhã mesmo começaremos a procurar onde vivem os aristocratas londrinos e o que fazem para se divertir. Decerto que vamos descobri-la em poucos dias. — Não sei, Colton. Agora que estamos aqui, penso que cometemos um erro. — Não seja idiota. — O irmão bateu com a mão espalmada na nuca de Gareth. — Vem me infernizando por causa dessa mulher há muito tempo.

Vamos encontrá-la e acabar logo com isso. — Pretendo me casar com ela. Quero reparar o mal que você a fez. — Desejo-lhe sorte. — Colton riu. — Ela é horrível na cama. Não sabe nem mesmo se mexer. — Não admito que fale assim dela. Agatha será minha esposa em breve, tenha mais respeito. Já demonstrou que não respeita nada nem ninguém, mas tente se esforçar, ao menos. Os dois irmãos se instalaram na hospedaria, cada um em um quarto. Eram aposentos simples, mas Colton planejava alugar uma casa se demorassem mais de dois dias para encontrar a desgarrada de Gareth. Reencontraram-se novamente no saguão. — Estive pensando. Já considerou que a vadiazinha pode não querer casar com você? — Perguntou ao irmão, enquanto esperavam o desjejum. — Por que ela não iria querer? — Gareth se espantou. — Sou rico, posso dar a ela tudo que ela quiser. E Agatha foi deflorada, ela está arruinada e tem um filho bastardo. Não poderá mais se casar com ninguém. E ela me ama. Sei que ama, estávamos apaixonados. A ingenuidade de Gareth incomodava Colton. Era um frouxo, um tolo, um homem fadado a viver à sombra de outros. Desde que conhecera a jovem aristocrata, tinha ficado ainda mais idiota. Dizia que a amava, mas não teve coragem de defendê-la e impedir que o irmão a devassasse em uma das muitas camas da mansão onde moravam. E agora queria ficar com os restos de Colton, com a vadia cuja virgindade ele roubara. Mas o estúpido insistia que queria se casar com Agatha e o pai o defendia, como sempre. Afinal, ela era a irmã de um duque. Aprimorar a linhagem da família com sangue azul não era má ideia. Só que o pai não sabia de todos os detalhes que envolviam a relação entre a jovem e Gareth. Então estavam os dois ali, Colton tentando atender aos desejos do irmão mais imbecil e do pai, enquanto procuravam agulha em um palheiro. — Vou sair. — Colton pegou o chapéu. — Precisarei investigar, se não quisermos perder nosso tempo aqui. — E eu, faço o que? — Qualquer coisa. Vá andar pela cidade, procure lugares onde podemos descobrir sobre sua futura noiva. Homens bêbados costumam falar bobagens, vá aos clubes de cavalheiros.

Quando Agatha retornou para McFadden Garden, o céu estava alaranjado e o sol se punha no horizonte acinzentado de Londres. Estava exausta, os pés a matavam apesar das botas confortáveis. Queria ir para seu quarto querendo arrancar aquele vestido, tomar um bom banho e descansar um pouco. Mas a curiosidade fez com que fosse até o escritório do marido. Precisava saber se Edward estava em casa e aquele era o lugar mais provável para encontrá-lo. Ele estava. Sentado atrás da mesa, folheando documentos. Quando a viu entrar, os olhos azuis flamejavam apesar do sorriso suave que ele exibia. Agatha tinha certeza que se casara com um demônio. Ninguém podia ser tão lindamente sedutor como Edward. E a sedução ficava mais intensa porque ela sabia que o amava. Era irrelevante negar. Mesmo que brigasse consigo mesma e mesmo que ela detestasse a ideia de se apaixonar, porque sabia as consequências disso, ela amava Edward. Algo dentro dela gritava que Agatha sempre o amara. — Oras, minha esposa retornou. — Ele deixou os papéis sobre a mesa. — Divertiu-se essa tarde? — Estive com Caroline, então sim. — Agatha riu. — Vai… sair? — Não agora. — O conde se ergueu e foi na direção dela. Agatha sentiu o coração pular a ponto de escapar por sua boca. — Vamos jantar? — Preciso de um banho. — Ideia excelente. Eu também. Não houve tempo para fugir. Quando Agatha percebeu as intenções dele, Edward já estava com os braços ao seu redor e a boca sobre a sua. Ela, que pretendia estar aborrecida com ele, não resistiu. Passou os braços pelo pescoço dele e retribuiu o beijo, pressionando seu corpo contra o dele. Com um olhar malicioso, o conde levou a esposa para o quarto, despiu-a e preparou um banho. Para ambos. A banheira de cobre da casa de banhos, que contava com um sistema de aquecimento, era realmente grande. Mas Edward era ainda maior. Enorme. Ele ocupava todo o espaço. Quando o marido tirou as calças, a camisa e entrou na água, ela quase transbordou pelas beiradas. — Venha. — Edward segurou-a pela mão. Agatha não tinha mais nenhuma timidez em ficar nua na frente dele, depois dos muitos dias em que praticamente não se vestiram. Mas ela ainda não tinha tomado um banho sentada sobre aqueles músculos fortes. E não foi um banho qualquer. Eles se ajudaram mutuamente. Um lavou os cabelos do outro. Mas o espaço diminuto e os corpos ensaboados tornaram

a tarefa quotidiana mais excitante. E, quando a sessão de limpeza acabou, Edward a retirou da banheira, secou, levou para a cama e a amou. Bem devagar. Ao final, quando ele atingiu o clímax e se derramou dentro dela, não disse nada. Não exprimiu nenhum sentimento diferente nem repetiu as palavras de carinho da noite anterior. Ela também não disse. O silêncio falava por si, já que Agatha tinha certeza que ele estava morrendo de medo. E ela também. Quando Edward levantou e foi se limpar, voltando em seguida já vestindo suas calças pretas de noite, Agatha pulou da cama sabendo o que ele faria. — Vai voltar ao Riderhood? — Sim. — O marido pegou uma camisa perfeitamente passada. — Mas não se preocupe, voltarei cedo dessa vez. — Cedo. Isso quer dizer em uma ou duas horas? — Isso quer dizer antes de meia noite. — Ele se virou para a esposa e a beijou. Agatha quis se afastar, mas cedeu. Será que nunca conseguiria evitar ser seduzida por Edward? — Vamos jantar, depois sairei. Você pode visitar seu irmão. — Ah, não é adequado fazer uma visita à noite porque Elizabeth cuida dos filhos. Eles devem ser recolher cedo. O conde não disse mais nada, apenas terminou de se vestir e desceu, dizendo que a esperaria. Agatha não queria que ele fosse, mas tentou se lembrar da conversa com Caroline. Edward não seria infiel. E ele saía de casa satisfeito sexualmente, o que significava que não precisaria procurar outras para isso. Mesmo assim, não queria ver o marido enfiado em um antro de jogatina e perversão.

Edward podia agir como um canalha. Mas ele sabia que, se colocasse regras e controlasse seus sentimentos, todo mundo ganharia. Naquela noite, foi cedo para a casa de jogos e apostou apenas o que sabia que poderia perder. Ele nunca perdia, mas também não arriscava. Antes, fizera o que um bom marido deveria fazer. Tratou de sua esposa com cuidado. Ofereceu a ela prazer e satisfação. E tentou cumprir a promessa de dar filhos a ela. Mais do que isso era pedir muito. O conde não estava preparado para dar seu coração. Mesmo que, por suas contas, aquele fosse um caminho sem

volta. — Quem é o cavalheiro novo? Sawbridge perguntou ao crupiê. Edward não tinha notado ninguém novo no salão, nem mesmo na cidade. Ele andava com a cabeça fora do ar. Naquele mesmo instante, estava distraído olhando para os dados que rolavam na outra mesa sem nem lembrar da aposta que fizera. — É americano, senhor. — O crupiê respondeu, sem se distrair das cartas. — Veio pela primeira vez hoje, ninguém sabe nada sobre ele, ainda. — Em breve, Riderhood deve ter um relatório completo para nos passar. — Sawbridge apostou algumas fichas. — Ninguém entra nesse clube sem que ele saiba tudo, antes. Por enquanto, ficarei de olho. Não gosto desse pessoal das colônias. — Não seja preconceituoso, Sawbridge. — Edward também apostou. Aquele era seu limite, ele não ganhara nada naquela noite. — Mas eu também tenho motivos para desconfiar do tipo. E ele tinha um motivo muito sério. Agatha fora enganada por americanos, que arrancaram dela a virtude de forma violenta. Se Edward visse um daqueles irmãos, certamente os mataria com suas mãos. Mas nem todo americano merecia seu desprezo. O crupiê deu mais cartas e Sawbridge recolheu as fichas. O filho da mãe estava com sorte. — Essa é minha deixa. — Edward virou o restante do uísque. — Já perdi o suficiente, não quero deixar mais uma promissória nas mãos de Riderhood. O colega o cumprimentou com um aceno. O conde ajeitou o colete e saiu, passando pelo tal americano pelo caminho. O homem o olhou e sorriu, mas Edward sentiu um calafrio. Uma sensação ruim. Se fosse dado às crendices populares, diria que era a sensação de um fantasma lhe soprando as orelhas. Fosse o que fosse, estava ligado àquele estrangeiro.

Os bebês de Elizabeth e Aiden eram lindos. Já tinham uma semana de vida e finalmente abriram os olhos permanentemente. Lillian tinha os cabelos do pai e os olhos da mãe, enquanto Albert era uma incógnita. Os poucos cabelos com que nascera caíram todos e outros não tinham nascido no lugar. Agatha estava completamente encantada por eles, no entanto.

Com os dias atarefados pela busca de um lugar perfeito para construir a escola, a jovem condessa só visitara os sobrinhos três vezes desde que fora libertada do cativeiro imposto pelo marido. Naquele dia, ela passara no orfanato de manhã e estava à tarde na Trowsdale House. Sentada em uma poltrona, segurando a garotinha recém-nascida nos braços, ela tinha certeza que queria um daqueles para ela. — Você será uma ótima mãe. — Elizabeth disse, colocando Albert no berço. — Dá para ver pela forma como a segura, seu jeito com crianças é incrível. — Morro de medo de fazer tudo errado. — Agatha riu, nervosa. — Eles são tão pequenos e frágeis. Como saber do que precisam? É impressionante que você não tenha preferido entregá-los aos cuidados de uma ama. A duquesa se sentou ao lado dela e suspirou. — Não tive isso nos meus primeiros filhos. Cuidei deles desde que nasceram, praticamente sozinha. Tenho ajuda agora, mas nunca conseguiria entregar meus filhos a ninguém. Sofro até porque Patrick quer estudar em Eton ano que vem. — Claro que ele quer! — Agatha deu uma gargalhada. — Inteligente daquele jeito, ele será um dos destaques. Aiden certamente resolverá isso com facilidade. — Sim, o duque fará qualquer coisa possível pelos enteados. Arrisco dizer que o impossível, também. Bem, diga-me, como estão as coisas com seu casamento? Você e Edward finalmente hastearam a bandeira branca? — Acho que sim. Está tudo esquisitamente calmo e estranhamente normal entre nós. Deve ter uns cinco dias que não brigamos por nada. Ele faz… Edward faz tudo que eu quero e me deixa fazer tudo que depende apenas de mim. — Finalmente. — Elizabeth pegou Lillian, já adormecida, e a colocou no berço, também. — Vamos descer para um chá, agora é o momento em que ter uma ama é prazeroso. As mulheres se acomodaram no salão de chá, mas não tiveram muita paz. Patrick e Peter interrompiam a conversa a cada trinta segundos, fosse correndo pela casa, fosse trazendo uma novidade qualquer. Apenas depois que Elizabeth ameaçou trancafiá-los em algum quarto, eles deixaram que conversassem. — Ele disse que me ama. Agatha soltou a informação no meio do assunto. Elizabeth arregalou os

olhos e a fitou, parando a xícara de chá antes que ela chegasse à boca. — Imagino que isso devesse ter causado algum tipo de desastre. Tem certeza, Agatha? Porque não houve maremotos nem tempestades nos últimos dias. O sarcasmo da duquesa fez Agatha rir. — Eu tenho certeza, mas ele falou por impulso. Desde então, vem fazendo de tudo para agir da forma mais neutra possível. O problema, Elizabeth, é que… — A condessa suspirou. Bebeu um gole do seu chá e refletiu sobre o que dizer. — Eu também o amo. Confesso. Estou completamente apaixonada pelo meu marido e quero que ele aceite isso. Quero ser uma tola romântica apaixonada e quero romance da parte dele, também. Elizabeth deu uma gargalhada. Os meninos correram para ver o que fizera a mãe rir tão alegremente, mas foram novamente expulsos do salão. — Ah, minha querida Agatha! — A duquesa segurou as mãos da cunhada. — Eu te entendo. Não tenho esse problema, o duque é o homem mais romântico que existe. Daqui a pouco ele chegará da fábrica, sentindo-se culpado por ter me deixado sozinha durante o dia, e me trará algum presente exótico. Mas, se lhe faltasse romance, eu desejaria. Porém entenda, seu marido é um homem muito fechado. Ele tem aquele ar soberano da realeza e isso certamente esconde fissuras internas. Pode ser um pouco difícil fechálas, Agatha, então tenha paciência. Ela sorriu. Um meio sorriso envergonhado. De fissuras e problemas internos Agatha entendia bem. E Edward fora tão compreensivo com ela. Lorde Isaac lhe contrara sobre as questões de infância do irmão, e sobre ele precisar de alguém que o amasse. Ela tinha que compreendê-lo, também. Edward podia não ser romântico da forma como ela almejava, mas nada sugeria que isso não pudesse mudar. — Obrigada pela orientação, Elizabeth. — Agatha abraçou a cunhada. — Eu nunca tive uma mãe que me ajudasse a entender nada. Às vezes penso que sou mais masculina do que feminina, porque fui praticamente criada por dois homens. E o chá das mulheres foi interrompido pela chegada do duque. Como Elizabeth prevera, Aiden entrou no salão pé ante pé, carregando um buquê de flores. Tulipas. Não havia tulipas naquele período do ano, então Agatha nem queria imaginar o que ele fizera para obtê-las. Aquela era a deixa para que Agatha retornasse para casa. O doce casal

excessivamente apaixonado provavelmente se envolveria demais em momentos dos quais ela não deveria participar. E, considerando o horário, era provável que o conde estivesse em casa, esperando-a.

Capítulo décimo nono

C HEGAR DA FÁBRICA , mimar Agatha, fazer amor com ela, jantar juntos, ir para a casa de jogos. Aquela vinha sendo a rotina estabelecida pelo conde e ela era fantástica. Durante o dia, morria de saudades da esposa. Chegava em casa e a encontrava quase sempre carrancuda ou cheia de histórias para contar. Aquela era a melhor parte, quando ele precisava arrancar o mau humor dela. Ou silenciá-la. E, depois de ficar com ela, as atividades masculinas não o faziam pensar em tolices como o amor. Tudo estava perfeito, mesmo que ele sentisse algo estranho no ar. — Edward. — Agatha o puxou para si quando ele tentava se levantar. Estava um pouco tarde mas ele insistiria em sair. Todas as noites, a rotina deveria ser mantida. — Não vá. Precisamos conversar. O conde sentou-se na cama e fitou a esposa. Ela parecia sempre mais bela depois do sexo. As bochechas rosadas e os cabelos soltos transformavam Agatha em uma deusa pagã, um objeto de luxúria. Era impossível que ele a desejasse tanto mesmo tendo acabado de tê-la. Mas ele desejava. — Não pode esperar até amanhã? — Não quero esperar um dia inteiro para falar com você. — Ela emburrou e cruzou os braços à frente do corpo. — É sobre Lavínia. Edward não fazia ideia de quem era Lavínia. Agatha era mesmo esperta, ela sabia que o faria curioso se revelasse algo intrigante. O conde recostou nos travesseiros novamente e se dispôs a ouvi-la. — E quem é Lavínia e por que ela seria um assunto importante a essa hora? — Estive no orfanato. Eu vou lá todos os dias. — A esposa pulou sobre ele e se sentou sobre suas pernas. Edward se distraiu um pouco com a posição

dos corpos, mas logo voltou a prestar atenção no que ela dizia. — Essa garotinha, Lavínia, é diferente das outras crianças de lá. Ela me lembra Patrick, mas é bem mais nova. Eu gostaria de… Ela baixou o olhar. Fazia algum tempo que ele não precisava lidar com a timidez da esposa, então ela deveria realmente estar constrangida com o pedido. — Gostaria de… — Trazê-la para McFadden Garden. — Agatha disparou como uma arma de fogo. — Ah, Edward, ela é linda e tenho certeza que você a adoraria. O conde levou as mãos aos cabelos da esposa e ajeitou as mechas rebeldes que caíam em sua face branca. Acariciou-a nas bochechas com o polegar, puxou-a para um abraço. Ela tinha o coração acelerado e a respiração ofegante. Aquele assunto a excitava. — Pensei ter dado autorização para que enchesse a casa de crianças. — Foi uma autorização genérica. Agora que pode se tornar verdade, eu quis te consultar, antes. O sorriso que nasceu nos lábios de Edward foi involuntário. Ele apenas não conseguia evitar se maravilhar com a alegria e entusiasmo de Agatha. Como podia sequer suspeitar que pudesse afastar o que sentia por ela com aquela rotina masculina? Enquanto estavam juntos, ela o arrebatava sem que ele tivesse chance de se defender. — Bem, estou dando uma autorização específica agora. Quero conhecer essa pequena órfã que te encantou. — Obrigada. Você é maravilhoso. Ela se ajeitou em seu colo e a fricção fez com que Edward se contraísse. Logo, Agatha estava posicionada sobre sua masculinidade agitada. Na empolgação, passou os braços pelo pescoço do conde e o beijou. Começou com um roçar de lábios e uma pressão suave. Assim que ela percebeu a ereção contra a barriga, o beijo se tornou feroz. Com a língua se enroscando na dele. Agatha movia os quadris e isso o provocava ao máximo. Edward rosnou algumas palavras incompreensíveis, agarrou-a pelas nádegas e a forçou contra sua ereção. Mesmo que ela estivesse pronta para ele desde o início da noite, o atrito da carne quente envolvendo seu membro fez com que Edward estremecesse. Ele a desejava de uma forma tão visceral que se assustava. Era para que esse desejo amenizasse, mas ele só crescia. Naquela noite, ela conseguiu prendê-lo à cama. Edward não conseguiu

sair mais dali. Não ofendia seus planos burlar uma vez ou outra a rotina estabelecida, mas ele começou a acreditar que o plano iria provavelmente por água abaixo.

— Achei a diaba. — Colton Bristol pareceu muito satisfeito com sua proeza. Encontrou-se com o irmão na hospedaria onde ainda estavam e deu a ele a boa notícia. Depois de muito perambular por Londres, conversar com os habitantes e subornar algumas pessoas, ele descobriu onde moravam os Trowsdale. Não era muito difícil encontrar um duque naquele lugar. E também que Agatha esteve em uma conhecida cafeteria das damas da sociedade. — Céus! — Gareth se agitou. — E você a trouxe? Falou com ela? Marcou um encontro? Como ela está? — Gorda. O irmão Bristol mais velho pediu o jantar e duas cervejas. Ele queria comemorar o fato de que não precisaria gastar muito tempo mais naquela cidade fedorenta. — Poupe seus insultos. — Eu a vi em uma cafeteria, sim, mas não conversei com ela. Imagino que a vagabunda não queira me ver, depois do que aconteceu. Precisamos de um plano para interceptá-la. — Talvez eu deva fazer isso. — Gareth bebeu um longo gole da cerveja. — Diga-me como encontrá-la, onde é essa cafeteria? — Vou te dar o endereço da casa dela. Descobri onde mora o Duque de Shaftesbury, o irmão de Agatha. Se ela está em Londres, certamente está na casa do irmão. O meu bastardo deve estar por lá, também. Maldição. — Você é responsável por isso, Colton. Se tivesse se prevenido… — Eu estava bêbado. Não pensei em tirar antes de gozar, maldição. — Chega de blasfemar. Passe-me o endereço e resolverei isso. Sou o irmão mais civilizado, se deixar por sua conta, vai estragar tudo novamente. Gareth Bristol agitou-se ao receber um papel amassado com uma caligrafia horrorosa. Ali estava o endereço dos Trowsdale e ele buscaria sua amada no dia seguinte. Mal dormiria de tanta excitação. Ansiava por vê-la novamente e por explicar tudo. Era certo que ela o perdoaria, afinal, estivera

apaixonada por ele antes. E ele não se importava em criar o bastardo do irmão. Afinal, era sangue do sangue dele. Mesmo que a lei não lhe permitisse reconhecer filhos ilegítimos, ele cuidaria da criança e faria com que tivesse propriedades. Nas Américas o garoto conseguiria se dar bem, ele sabia.

O dia seguinte foi de ansiedade para Agatha. Ela queria fazer aquilo. Queria levar uma criança para casa. Encher a McFadden Garden de vida e alegria. Sem Isaac, que estava em Kent, e com Edward passando a maior parte do tempo fora, ela precisava de ocupações. Até que o marido resolvesse a questão da propriedade que pretendiam adquirir para construir a casa para os filhos de mães trabalhadoras, ela não podia fazer muita coisa. Também esperava que Caroline finalizasse a compra da casa para a escola. Eram duas atividades de tamanho monstruoso, mas que Agatha não poderia iniciar sozinha. Ser mulher casada era um tormento, pensou. Dependia do marido para tudo, dependia da autorização e do dinheiro dele. Mesmo que Edward não lhe negasse nada, ela sempre teria que pedir. Tentou não se concentrar em nada daquilo porque ela iria ao orfanato conversar com a diretora e levar Lavinia para casa. Não entraria ainda com o processo de adoção. Agatha achava melhor levar a menina para passar um tempo com eles. Precisava garantir que tudo fosse sair bem, porque ela queria que a primeira criança da casa fosse querida e desejada. Uma filha adotiva não tinha os mesmos direitos nem prerrogativas dos filhos legítimos, mas isso não a impediria. Uma vida com conforto e carinho era melhor do que uma vida institucionalizada. Mas nem tudo era simples como parecia. — Receio que não possamos permitir que leve a menina, milady. É preciso uma autorização do departamento responsável pelos menores. A resposta a diretora era a mesma há uma hora. Agatha já insistira de todas as formas, mas sem a tal autorização, não era possível levar Lavínia com ela. — Serão apenas algumas semanas. Ela é órfã, quem vai reclamá-la? Sem contar que não é como se eu fosse fugir com a menina. Sou a Condessa de Cornwall, meu marido tem cadeira no Parlamento. Todo mundo sabe onde

moramos. A expressão da diretora, impassível, indicava que ela não se importava com o título de Agatha. Ela insistia, sem autorização, Lavínia ficaria no orfanato. A condessa espremeu a sombrinha nas mãos, nervosa. Não esperava que fosse encontrar aquele tipo de obstáculo. — Sra. Havisham, meu marido e meu irmão são benfeitores desse orfanato. Minha família mantém a instituição há décadas. Precisarei mesmo incomodar o conde para que ele obtenha esse documento, sendo que meu pedido é perfeitamente razoável? — Lamento, milady. Pode vê-la, se quiser. Mas não posso deixar que a leve. — Certo. Providenciarei a documentação, se ela é assim tão importante. Agatha saiu da sala da diretora bufando como um animal indomado. Ela costumava achar que, por ser filha de um duque, podia fazer tudo. E então ela se tornou a irmã do duque. E, depois, a esposa de um conde. Aquela compilação de títulos dos homens em sua vida fazia com que Agatha se considerasse quase invencível. Mesmo assim, não pretendia passar por cima da lei. Apenas não conseguia compreender a dificuldade em levar a menina com ela. Se Edward estivesse junto, ele certamente teria saído vencedor no argumento. Ninguém costumava levar mulheres a sério. Nem mesmo as outras mulheres. Aquilo deixou Agatha possuída por uma fúria incontível. Pediu ao cocheiro que a conduzisse até a fábrica. Moira corria atrás dela, tentando acompanhar os passos de sua ama. A jovem condessa pisava com força no calçamento de pedra, quase a ponto de estragar as botas. E passou o curto trajeto até Shadwell esbravejando e reclamando por precisar requisitar o marido para tudo que fazia. Para agravar seu estado de espírito, Edward não estava na fábrica. — Ele não veio trabalhar? — Ela disse, desconfiada. Estava no escritório de Aiden, que decidira não arriscar uma viagem para o interior com os bebês e permaneceria em Londres mesmo fora da temporada social. — Veio, mas precisou sair para uma reunião. Ele e Miles Westphallen foram a Wattford, devem voltar à noite. Aconteceu alguma coisa? Aiden era muito sensível às variações de humor de Agatha. Ele sempre pressentia quando algo com ela não ia bem. — Sim, eu pretendia… ah, não deveria te contar isso. O duque cruzou os braços no peito e esperou. Ela não conseguiria se

safar. — Tem essa menina, Lavínia. Eu me apaixonei por ela e Edward disse que posso levá-la para casa. — Céus, Agatha. — Aiden deu uma risada nervosa. — Você falou como se ela fosse um cachorrinho que viu na loja e decidiu comprar. Tem a vaga noção de que estamos falando de uma criança? — Claro! — A jovem se sentiu ofendida. Ela podia ser até mesmo tola às vezes, mas tinha total consciência do que era ser mãe. Mesmo que ela tivesse sido privada do exercício da maternidade, no seu ventre já crescera um filho. E ela adorava crianças, sempre esteve cercada delas. — Aiden, eu estou mais do que preparada para isso. E Lavínia nem é um bebê, ela tem quatro anos. Mas não pude levá-la comigo porque é preciso uma autorização. — Sim, é. Eu poderia providenciá-la agora mesmo, mas… — Mas seria melhor que meu marido fizesse isso. Afinal, será nossa criança, é preciso que ele se envolva. O duque riu e puxou a irmã para um abraço. Ela envolveu o corpo quente e acolhedor de Aiden com os braços e se sentiu em casa. Parecia estranho estar sempre dividida entre duas famílias. Por sua sorte, ela nunca precisaria escolher. — Está ficando cada dia mais esperta, irmãzinha. Converse com Edward quando ele chegar, amanhã ele providenciará essa autorização para você. Seu marido é muito influente nesses assuntos, ele tem um trânsito melhor do que o meu no Parlamento. Esperar nunca fora o forte de Agatha, mas ela sabia que precisava. Deixou a fábrica bastante insatisfeita, mas aceitou que não poderia fazer nada até o dia seguinte.

As viagens com Miles eram divertidas, mas só até certo ponto. Edward gostava de ouvir o amigo visconde e suas histórias, mas, quando o assunto chegava às filhas, ele se entediava. Principalmente porque Lady Madeline o irritava bastante. A falta de noção e de bom senso da filha mais velha do Visconde de Whitby era assunto recorrente entre os homens, sempre quando Miles não estava por perto. Madeline Westphallen era uma daquelas damas caçadoras de maridos

nobres, com títulos importantes. Antes que Aiden se casasse com Elizabeth, ela forjou uma situação em que ele a comprometia, acreditando que, assim, forçaria-o a um casamento para reparar sua honra. Mas não contava com a presença sempre inusitada de Caroline Eckley para desmascará-la. Por ser bem mais velho do que ele, o visconde tinha casos interessantes para narrar. Mas acabava retornando no assunto da família e não havia como evitar. Eles foram até Wattford, por algumas horas apenas os dois na carruagem. E voltaram. E Edward descobriu sobre a precocidade de Sarah, sobre os pretendentes de Madeline, mesmo que eles não existissem, e sobre o quanto a viscondessa era sortuda em ter um marido tão viril. Isso porque ela estava grávida do quarto filho, uma criança temporã que poderia ser o desejado herdeiro dos Westphallen. — Jamais deixarei minhas propriedades para primos! — Miles rosnava. — Dessa vez, minha esposa vai parir um menino. — Se tiver a sorte de Aiden, poderão ser dois meninos. Edward provocou, mas Miles adorou a ideia. — E você, meu caro conde? Quando vai decidir inseminar sua esposa? Não deixe para começar a produzir herdeiros muito tarde. Ele já a estava inseminando. Edward poderia passar duas viagens a Wattford contando sobre a devassidão que performava no quarto principal em McFadden Garden, mas ele jamais exporia a intimidade de sua esposa. Preferiu voltar a falar de negócios, até porque o assunto sobre bebês o estava fatigando. Era como se todos os homens ao seu redor tivessem decidido procriar. No retorno a Londres, o conde estava exausto, faminto e morrendo de saudades da esposa. A melhor decisão seria ir para casa ficar com ela, mas acabou aceitando o convite de Miles para se encontrar no Riderhood. Pretendia ficar apenas um pouco, mas acabou perdendo a hora entre um copo de uísque e outro, entre uma rodada de carteado e outra. — Se eu perder outra libra, minha esposa vai comer minhas entranhas. — Oglethorpe reclamou, jogando duas fichas sobre a mesa. — Parando de apostar, parará de perder. — O visconde desdenhou do amigo, pagando a aposta. — Eu estou me sentindo com sorte, hoje. — Acho que precisamos de outro drinque. — Edward ergueu o copo e pediu mais uma dose para cada homem da mesa. — O dia de hoje foi bem cansativo. Precisa parar de me levar em negociações, Miles. — Se eu parar, você não aprenderá, meu caro amigo.

— Quem quer aprender a negociar é Sawbridge. Prefiro administrar as propriedades e os empregados. Edward jogou suas fichas na mesa e o crupiê distribuiu as cartas. Sua mente já estava dominada pelo álcool porque ele continuava sem comer nada. Pensava no jogo, pensava em Agatha, imaginava se ela já levara a menina para casa. Ele não processara a ideia de adotar uma criança, apenas autorizara a esposa a fazer o que queria. Enquanto estava distraído com questões variadas, ela chegou. Ela, a mulher mais fatal de toda Londres. Enquanto alguns acreditavam que fosse Caroline Eckley, Edward sabia que a sobrinha do marquês era mais solitária do que perigosa. Mas aquela não, ela devorava homens como uma viúva negra. Serviria as cabeças dos aristocratas no desjejum, se canibalismo fosse uma prática tolerável. E, fazia algum tempo, estava obcecada pelo conde. Antes de se casar, Edward frequentou a cama da Marquesa de Cunningham. Constance Laroche era a prima distante do Duque de Cambridge e a maior conquista de Joseph McLelland, o marquês. Com cinquenta e dois anos, era mais velho e enrugado que alguns homens de mais idade, e alguns diziam que era impotente. Tivera três filhos homens com o casamento anterior e não precisaria casar-se novamente, se não estivesse falido. O dote de Constance garantiu ao marquês a retomada de sua saúde financeira. Mas ele estava longe de satisfazê-la. A marquesa estava sempre faminta. Edward chegava a temê-la. Depois que se casou, Constance manteve uma agradável distância que ele considerou um alerta. Ela teria encontrado outro objeto de diversão. Estava enganado. Naquela noite, enquanto bebia um pouco além da conta e sentia os efeitos do álcool com mais intensidade, ela decidiu que o queria. — Protejam suas bolas. — Sawbridge alertou. — Constance está com cara de quem veio para caçar. — Ela já escolheu sua presa. — Oglethorpe deu dois tapinhas no ombro do conde. — Boa sorte, meu amigo. Vai precisar, para enfrentar essa serpente na cama. — Não vou para a cama com ela. — Edward chacoalhou qualquer imagem mental que representasse ele e uma deusa loira e fatal em uma cama, fazendo todo tipo de depravação. — Ah, não vá me dizer que também decidiu ser fiel a sua esposa? —

Miles deu uma gargalhada. — Por Deus, Edward. Isso é coisa de burgueses! — Assim me ofende. — Oglethorpe resmungou. — Eu sou fiel porque amo minha esposa. E porque, se não for, ela me matará enquanto durmo. — Você também ama sua esposa, Edward? — Sawbridge provocou. — Vão se foder, os três. Apostem ou caiam fora. Os amigos riam ainda quando Constance se aproximou da mesa. Ela usava um vestido preto com detalhes em amarelo. Ninguém usava preto, apenas as mulheres de luto. A marquesa não se importava. Preto realçava a cor de seus cabelos, dizia. — Ora, se não é meu quarteto preferido. — Sorriu para a mesa e ocupou um espaço entre Edward e Oglethorpe. — Não atrapalhe o crupiê, Constance. — Miles reprovou. — Estamos ocupados. — Percebo que sim. Mas adoro vê-los jogar, são sempre tão competitivos. A assistente do Diabo debruçou-se sobre a mesa e exibiu os fartos seios quase saltando do decote. Edward desviou o olhar. Ela pendeu para o lado dele e recostou-se em seu ombro. O cheiro de rosas, adocicado demais, incomodou suas narinas. Ele deveria ter saído dali enquanto podia, mas o uísque o deixou lento. Enquanto o jogo transcorria, Constance tombava cada vez mais sobre si. Até que, quando percebeu, ela estava com uma perna sobre as suas. — Constance, hoje não. — Ele rosnou, próximo aos ouvidos dela. — Por favor, não me provoque a fazer uma cena. Afaste-se. — O que houve, meu conde querido? — A carrasca de Hades se virou e o enlaçou pelo pescoço. Edward retirou-lhe os braços, a expressão impassível. Mesmo que ele não a desejasse e estivesse incomodado com a proximidade, o corpo feminino provocava sua masculinidade. — Não está pensando que vai se livrar de mim, está? — Estou casado, agora. — E desde quando o casamento te deixou impotente? — Constance levou a mão ao meio das pernas de Edward, tocando-o em seu membro quase rígido. Ele se afastou bruscamente e quase caiu da cadeira em que estava sentado. — Pelo visto, seu mastro está pronto para hastear a bandeira, meu querido. O conde proferiu alguns insultos que nenhuma mulher respeitável deveria ouvir. Não queria uma cena, mas acabou não conseguindo evitar. O problema

nem estava nos amigos que o observavam com expressões diabólicas, mas na outra plateia. Enquanto se ajeitava para expulsar Constance de vez ou voltar para casa, Edward se virou e congelou onde estava. Seus músculos viraram granito quando, parada logo na porta do salão, estava sua esposa. Dois homens falhavam em retirá-la do lugar. Ela segurava um xale nas costas e olhava diretamente para ele. Não dava para saber quanto ela viu. Nem o que a cena lhe pareceu. No meio segundo em que Edward hesitou para ir até ela, Agatha marchou para fora do prédio.

Capítulo vigésimo

O S SEGUNDOS PASSAVAM MAIS DEVAGAR do que as horas. Desde que retornara para casa, Agatha esperava que seu marido chegasse de Wattford. Sabia que ele tomaria um banho, jantaria com ela e poderiam conversar. Queria saber como foram os negócios e pedir ajuda com a questão de Lavínia. Na verdade, ela estava sendo bastante egoísta naquela espera. Ela não se importava muito com o dia dele, queria ser beijada, amada e queria Lavínia. Mas Edward não chegou. Nem às oito, nem às nove, nem às dez. O ponteiro maior do relógio girava outra hora completa quando ela decidiu subir, lavar-se e aguardar por ele no quarto. Não jantara, nem aceitara qualquer coisa dos criados. Esperava que Edward retornasse para cumprir a rotina de sempre. Se ele fosse falhar em voltar para casa, certamente enviaria um mensageiro para avisar. E Agatha acreditou nisso até passar de meia noite. Quando ouviu as doze badaladas, chamou Moira e pediu que a camareira a ajudasse com um vestido. Não tinha certeza, mas suspeitava que saberia onde encontrar o marido. Tinha a impressão de que Edward já estava em Londres, em uma conhecida casa de jogos. Os pressentimentos de Agatha nunca podiam ser ignoradas. Colocou um vestido elegante de veludo azul, mas não se preocupou em arrumar demais os cabelos. Apenas prendeu-os com a ajuda da criada e fez com que o cocheiro a levasse até a rua da devassidão. A casa de jogos de Riderhood era uma construção imponente. Três andares de mármore e metal, janelões e muita iluminação. Não havia nenhuma intenção do seu proprietário em esconder o que estava ali, mesmo com a proibição dos jogos de azar. Riderhood mentia, dizendo que no local

funcionava um distinto clube de cavalheiros. Como apenas sócios podiam entrar, e a um custo bem elevado, ninguém confirmava se as informações eram verdadeiras ou falsas. A polícia não se importava, já que o maior escalão era membro do clube. A condessa sabia o que acontecia ali. E não se importava que não era bem vinda, ela entraria e arrastaria seu marido para fora daquele antro. — A senhorita não pode entrar. — Um criado a barrou na porta. — Senhora. — Agatha ajeitou o xale. Moira aguardava na carruagem, sob protestos. — Sou a Condessa de Cornwall e preciso saber se meu marido está aí, hoje. — Lamento, milady, mas não podemos dar informações sobre os frequentadores. — Então me deixe entrar que eu mesma descubro. — Também não podemos deixar que entre. Apenas sócios têm acesso ao clube. — As prostitutas também são sócias? — Ela disse, em voz bastante aguda. Parecia um ganido. — Milady, por favor, tente entender que… Ela não tentaria. Pequena e muito ágil, Agatha tinha seus truques para furar bloqueios como aquele. Com um olhar ferino e os lábios apertados em uma linha fina, ela encarou o criado e passou por ele. Foi rápido e foi de uma só vez. O pobre homem nem mesmo teve a chance de prever o movimento. Evitando gritar para não atrair atenção desnecessária, o criado a perseguiu até o salão. Não precisou de mais esforço, porque a própria Agatha parou, assustada. Talvez nauseada, enjoada ou incrédula com o que via à sua frente. Na mesa central, entre os seus homens de confiança, estava Edward McFadden, o Conde de Cornwall, seu marido. Com uma vadia sobre seu colo. E ela o estava tocando. Lá. Quando a viu, Edward reagiu. Mas ela deu meia volta e saiu pelo mesmo lugar por onde entrou, deixando seus perseguidores confusos. — Agatha. O marido a chamou, mas ela não quis ouvi-lo. Sua cabeça latejava e tudo que precisava era de sair daquele lugar. Marchou para fora do prédio enquanto Edward a seguia, até que ele a interceptou no hall de entrada. Segurou-a com uma mão e a fez parar subitamente. — Deixe-me ir. — Agatha rosnou, furiosa. — Não toque em mim com

essas mãos imundas. Edward soltou-a e ficou ali, parado, olhando para a esposa que o encarava com as labaredas do inferno saindo de seus olhos. Logo, elas foram apagadas pelo brilho marejado das lágrimas que Agatha se recusava a derramar pelo conde. — Seja lá o que você pense que esteja acontecendo… — Por favor, Edward. — Ela sussurrou, olhando em volta e vendo que eles atraíam todas as atenções do lugar. — Poupe-me de mentiras. Vou para casa. Tente só aparecer lá quando você estiver limpo dessa imundície que acabei de presenciar. Ele quis impedi-la novamente, mas o escândalo que estavam encenando seria o assunto do dia. Edward tinha que ter algum amor pela sua reputação para não prosseguir com aquele espetáculo. Agatha entrou na carruagem, que estava parada logo na entrada do prédio, e retornou para McFadden Garden. Dentro do veículo, manteve a pose aristocrática e indignada. As palavras de Caroline ecoavam em seus ouvidos como se tivessem acabado de ser proferidas. Edward não trai. Ele é o homem mais comportado de Riderhood. Como podia acreditar naquilo se vira, com seus próprios olhos, o contrário? Fosse o que fosse, naquela noite Edward estava se atracando com outra mulher. Ela o tocara. Ela colocara as mãos nele e aquilo era suficiente para Agatha desejar matar alguém. Sua cabeça começou a doer. Entrou na residência pisando firme, trancouse no quarto sem sequer aceitar a ajuda de Moira para desfazer o penteado. Arrebentou os botões do vestido, aqueles que não conseguira abrir. E, sentada na cama, apenas com as roupas íntimas, começou a chorar.

Mais de uma hora se passara quando o barulho de uma carruagem chamou a atenção de Agatha. O trotar dos cavalos no piso de pedra era inconfundível. Ela limpou os olhos e lavou o rosto para tentar esconder que estivera chorando. Uma tolice. A vermelhidão que atordoava o verde escuro de suas íris dava certeza de sua tristeza. Mas, mesmo que ele soubesse que ela chorara por ele, Edward não se safaria. Apesar de triste, Agatha estava furiosa. — Abra a porta. — A voz do marido fez com que um tremor lhe

percorresse os ossos. — Por favor, Agatha, deixe-me conversar com você. Ela abriu. Preferia não ter que encarar o azul infernal daqueles olhos heréticos. Só que não se esconderia de Edward. O maldito dissera que a amava e estava se esfregando em uma vagabunda qualquer. Girou a chave e deixou que ele entrasse no quarto dela. Percebeu que ele não usava as mesmas roupas de antes. O que fizera com elas, não suspeitava. Mas estava limpo, cheirando a sabão e colônia masculina. O colarinho mal arrumado e a ausência de gravata indicavam que se vestira sozinho, ou as pressas. Teria tomado banho em um dos quartos de Riderhood? Ao menos, ele só a procurou depois de estar limpo, como ela mandou. — Você tem cinco minutos para dizer o que pretende usar para me enrolar. Depois, vou expulsá-lo a sapatadas. — Não quero enrolá-la. Agatha, o que você viu… deve ter visto… foi a louca da Marquesa de Cunningham. Ela estava me assediando. — Certamente sem motivos. — Ela rosnou. — Não acredito em você. — Você sabe da fama da marquesa. Tem que saber, Londres inteira fofoca sobre os amantes dela. Ninguém sai ileso quando ela resolve atacar. Edward parecia nervoso, Agatha pensou. Ele passava as mãos nos cabelos e tentava se explicar usando a péssima fama da mulher. Claro, o ataque era sempre a melhor defesa. Se Constance McLelland fosse uma devassa com o objetivo de seduzir todos os homens no raio de um quilômetro, ele era apenas uma vítima inocente que caíra em sua teia. — O que sei é que eu vi uma mulher qualquer te tocando. — Agatha esbravejou. — Não me importa que seja a Marquesa de Cunningham ou a Rainha Victoria! Ela estava com as mãos… — A condessa apontou para a virilha do marido. — Ela tinha as mãos aí, Edward! Agatha não conseguia parar de olhar para o mesmo lugar. Imagens horrorosas de mulheres fazendo com seu marido aquilo que ela fazia. Dele fazendo com elas o que era para ser apenas dela. Como outras damas da sociedade suportavam a ideia de seus maridos terem amantes? Como conseguiam deitar com eles, mesmo que apenas para procriar, sabendo que eles também se deitavam com outras? Ela jamais aceitaria aquilo. — Toda noite é assim? Você vai jogar e acaba se divertindo com as prostitutas? — Eu não preciso de prostitutas. — Edward elevou a voz. Seu nervosismo era então visível. Ele caminhou na direção de Agatha e a segurou

pelos ombros. — Eu tenho você, minha esposa. Por que vou querer outras mulheres? — Diga-me você! Afinal, parece que elas se sentem bastante confortáveis em sentar no seu colo. — Constance é louca, Agatha. — Ah, você a trata pelo primeiro nome? — A condessa se afastou e girou no próprio eixo. — Que diabos de intimidade você tem com a marquesa para tratá-la de Constance, Edward? Você já esteve na cama com ela? Céus, você já esteve na cama com todas as mulheres de Londres? Há alguma que não tenha sido devassada por você em algum lugar, em algum momento? — Por favor, Agatha! — Ele esbravejou, dando dois passos para trás. — Você se casou comigo sabendo disso. Sabia que eu era um devasso, que eu já tive muitas mulheres. Sempre fui um libertino desgraçado. Não é como se eu fosse virgem, maldição! Você também não era. No instante em que ele disse aquilo, arrependeu-se. Era possível ver o remorso em seus olhos antes mesmo do estalar do tapa de Agatha em sua face. O pescoço do conde virou para a direita com a força do golpe. Ele apanhou pelo que fez, pelo que disse e pelo que ousou insinuar. As lágrimas voltaram a inundar-lhe os olhos e ela não conseguiu resistir. Se chorasse na frente dele, ao menos seria para regar a ira que crescia em seu peito. — Seu maldito! — Gritou, sem se importar que os criados fossem ouvir. Toda Londres podia estar debaixo de sua janela e isso não a impediria de gritar. — Como pode jogar isso na minha cara? Como pode sequer comparar sua libertinagem com… você é a única pessoa a quem confiei meu segredo. O único que sabe o que houve comigo. Não foi nada que eu quisesse. Não é como se eu estivesse prestes a seduzir todos os cavalheiros que cruzassem meu caminho. Eu não deixo homens me tocarem de forma íntima nem sento no colo deles! Eu fui… eu fui… Ela não conseguiu completar. Ele se aproximou novamente e tentou abraçá-la, mas Agatha se recusou. Afastou-se, cruzou os braços para impedilo de se aproximar mais. — Desculpe, Agatha, eu não quis dizer isso. Eu bebi demais, eu não quis que ela se aproximasse de mim, estava afastando-a quando vi você. Desculpe-me, eu não deveria… — Eu ouvi você naquela noite. — Ela o confrontou com olhos vermelhos. — Eu não falei nada para não te constranger. Mas eu ouvi. E, desde então, você tem feito de tudo para que eu não perceba. Aposto que gostaria de

retirar o que disse, não gostaria? O conde a encarava com estupefação. Não sabia como argumentar contra aquilo. — E quer saber mais, meu marido? Eu também amo você. Eu também disse, nos seus braços, durante seu sono. Podia ser o seu segredo e o meu também. Mas agora, você me magoou demais. Saia desse quarto. — Você está sendo intransigente. — Edward insistiu. — Nem me deu a chance de explicar. — Não há nada para explicar. — Dirigindo-se até a porta, Agatha indicou que ele deveria cruzá-la. — Eu poderia perdoar sua traição. Mas você está agindo como um canalha e eu não preciso ser tratada dessa forma. Saia, Edward. — Vou ficar até você recobrar o juízo e me ouvir. Esse é meu quarto também, e você é minha esposa. Sou eu quem dá ordens nessa casa. — Se for ficar, eu saio. Agatha abriu a outra porta e se lançou nos corredores. Vestia apenas uma camisola e sua combinação íntima. Até o conde ter a malícia de persegui-la, já se enfiara em um dos quartos e desaparecera de sua vista. Esperava que ele tivesse a decência de deixá-la em paz. Era possível que, no dia seguinte, ela estivesse mais calma e se interessasse por ouvi-lo. Ou aceitasse seus pedidos de perdão. Ou relevasse alguma coisa sabendo que ele bebera mais do que deveria. Mas, naquele momento, ela preferia ver Belzebu ao marido. Queria distância dele. Queria ficar sozinha com sua dor, como fizera muito bem meses atrás.

Por horas a fio, o Conde de Cornwall girou por seu quarto sem conseguir pregar o olho. Encheu um copo de uísque, depois o atirou na parede, espalhando vidro estilhaçado por todo o chão. O valete apareceu para ver o que acontecia, mas foi dispensado. Edward abriu e fechou a porta mais de dez vezes. Decidia ir atrás da esposa, depois o juízo o convidava a desistir. Sabia que, se fosse atrás dela, apanharia. Fizera algo imperdoável. Não por causa da marquesa. Edward tinha a consciência limpa quanto àquilo. Mas Edward rejeitara o sentimento por Agatha. Ela ouviu. Ela sabia que ele dissera que a amava e depois agira de forma completamente

incompatível com isso. Para completar o cenário de um teatro de horror, ele ainda a acusara de não ter se casado virgem. A irritação e a bebedeira fizeram com que batesse na cabeça na parede várias vezes. De propósito. Quando a luz do sol entrou pelas janelas e o céu alaranjado coloriu a cinzenta Londres, Edward decidiu fazer alguma coisa. Chamou o criado pessoal, lavou-se e vestiu-se. Depois, arrancou de Brett os motivos que levaram Agatha até Riderhood naquela madrugada. Ao descobrir que fora por causa da criança, foi ao orfanato. Antes, passou no departamento de menores e conseguiu a documentação necessária para levar a menina para sua casa. Depois de explicar várias vezes a mesma coisa e precisar expor seu título para três pessoas diferentes, a papelada ficou pronta e ele pode prosseguir. Sua aparência era a de um homem que não dormira. Se tivesse sido atropelado por uma horda faminta ou um séquito de carruagens estaria em melhor forma. Os cabelos, mesmo penteados, tinham arrepiado no topo da cabeça. A gravata estava mal arrumada. Edward sentia calor, fome e uma maldita dor de cabeça. E a voz estridente da diretora do orfanato em seu ouvido não o fazia sentir-se melhor. — Sra. Havisham, eu só preciso que traga a criança até mim. — O conde falou, apontando mais uma vez para o documento sobre a mesa. — Não é necessária uma aula sobre responsabilidades. Tenho quatro irmãos, sei muito bem sobre responsabilidades. — Tenho plena certeza que o senhor… — A criança, Sra. Havisham. — Edward estava no limite entre pedir com educação e atirar a mulher pela janela. Ele jamais bateria em uma dama, mas estava prestes a reconsiderar sua educação. A diretora, não satisfeita por ser silenciada, deu a ordem para que buscassem Lavínia. Edward não a conhecera antes, mas entendeu os motivos pelos quais Agatha se encantou pela pequenina no instante em que ela chegou à sala da diretoria. Era uma garotinha magra, muito branca e de olhos enormes, dourados como os cabelos dela. O conde nunca vira olhos como aqueles. Ela estava maltrapilha, com roupas gastas e sapatos rotos, mas mantinha uma aura angelical que o deixou desarmado. — Lavínia, esse é o Conde de Cornwall. — A diretora disse. — Ele vai levá-la para conhecer a casa dele. Você gostaria de ir? Edward ajoelhou-se e olhou para a menina diretamente. Ela o fitava com curiosidade.

— Eu sou o marido da Agatha. Você a conhece, não é mesmo? A menina assentiu com a cabeça e segurou a mão do conde. Ele sorriu. Mesmo em frangalhos, aquele toque cuidadoso da mãozinha de Lavínia fez com que ele se sentisse aquecido por dentro. — Não a devolva, milorde. — A diretora insistiu. O pesar em seus olhos indicava que ela realmente se importava com aquela criança. Não era algo comum de se ver. As crianças em orfanatos eram comumente exploradas e maltratadas. — Esses pequenos já sofreram muito. Se ela passar pela experiência de uma família e for devolvida, não sei se poderá se recuperar. — Não temos a intenção de devolvê-la. Conduzindo a garota pela mão, Edward a levou para casa. Tinha alguma dúvida sobre os motivos que o levaram a buscá-la. Queria fazer algo para aplacar a ira de Agatha. Queria impedir que ela fosse embora. Queria mostrar para a esposa que se importava. Depois de ter se mostrado um ogro insensível, ele precisaria levar o orfanato inteiro consigo para se redimir.

Ela estava triste. Agatha se acostumara a sentir raiva, ira, fúria, dor e angústia. Mas, depois que o dia raiou sem que ela conseguisse pregar os olhos, tudo que conseguia perceber dentro de si era tristeza. Queria acreditar que Edward não estivesse seduzindo a marquesa. Porém, sabia que ele não deveria deixar que ela se aproximasse. Não deveria nem mesmo passar todas as noites em Riderhood. Queria acreditar que ele fosse tão correto quanto Caroline Eckley dizia. Só que não conseguia apagar a imagem de sua mente. Uma deusa loira e bela com as mãos em seu marido. E ela podia perdoá-lo se fosse apenas isso. O problema era que ele usara a sua desonra como argumento de discussão. Na primeira oportunidade, jogou na cara da esposa que ela não se casara virgem. Que fora arruinada antes por um canalha e sugeriu que, por aquele motivo, ela deveria relevar as aventuras sexuais do seu passado. Aquilo era demais. E então o canalha do seu marido chegou em casa antes do meio dia carregando Lavínia pela mão. A pequenina olhava para tudo com seus olhinhos vidrados e visivelmente assustada. Segurava os dedos do conde com muita força, mas ele parecia não se importar. Claro que não, a mãozinha dela

não poderia nem lhe fazer cócegas. A visão de Edward com a menina fez com que o coração de Agatha amolecesse. Eles pareciam pai e filha de verdade. Aquela menina linda tinha muitas semelhanças com o conde, principalmente por serem loiros. Ela desejou poder dar a ele filhos tão belos quanto ela. Mas estava ainda muito aborrecida. — Olá, Lavínia. Agatha foi até eles e se ajoelhou na frente da menina. Vendo alguém conhecido, a pequena sorriu e levou os bracinhos até o pescoço da condessa. — Seja bem vinda. — Ela tentou impedir algumas lágrimas que inundaram seus olhos. — Você está com fome? Vou pedir para preparem chá e biscoitos. A condessa pegou a menina no colo e procurou a governanta. Quando quisera levar Lavínia para casa, tivera uma conversa com a Sra. Goodwill e estabeleceram que Mary Alcoth, uma das criadas, seria a babá da garota. Mary tinha experiência com crianças, pois criara quase que sozinha seus seis irmãos. E era solteira, podendo dormir na McFadden Garden. Depois de apresentar Lavínia aos criados que encontraram e conduzi-la à cozinha para que comesse, Agatha voltou ao salão. Seu marido continuava na mesma posição. Com as mãos nos bolsos da calça, o conde fitava o tapete. Ao ouvir a esposa chegando, ergueu a cabeça e a encarou. Foi quando Agatha viu que havia tristeza nos olhos dele, também. — Ela é encantadora. — Edward teve a iniciativa do diálogo. — Mas não conversa muito. — Lavínia nunca falou nenhuma palavra. Ninguém sabe por quê. — Podemos descobrir. Vou mobilizar alguns especialistas para vê-la e diagnosticar o motivo de ela não falar. — Por que a trouxe, Edward? A pergunta continha vários significados. Agatha estava com os nervos expostos, porque a mera proximidade dele a deixava em frangalhos. Era aquela sensação horrivelmente maravilhosa de estar apaixonada. A dor e a delícia de amar um homem tanto quanto amaria a própria vida. Era mais sofrido porque aquele mesmo homem a machucara muito profundamente e não tinha nem vinte e quatro horas. — Porque você a queria. E porque eu prometi a você que a teria. E porque eu estou morrendo de medo de você ir embora. Oh. Agatha ergueu as sobrancelhas em surpresa. Por isso ela não

esperava. O sempre tão duro e impenetrável Edward McFadden confessava que tinha medo. — Eu não vou embora. Mesmo que fosse a coisa mais certa a fazer. — Agatha, me desculpe. — Ele deu dois passos na direção dela, mas Agatha se afastou. Seu coração estava estrangulado no peito. — Eu não deveria ter falado aquilo, eu nunca quis… — Vai passar, Edward. — Ela o encarou. As lágrimas então transbordaram e foi inevitável chorar. — Já sofri mais do que isso e passou. Mas não será agora que você poderá me tocar como se nada tivesse acontecido. Agatha não conseguiu ficar mais ali. Ela não queria ser uma tola chorando na frente do conde. Sabia que o perdoaria inevitavelmente, já que o amava. Mas faria com que ele implorasse seu perdão. Faria com que ele dissesse, com todas as letras, que a amava também.

Capítulo vigésimo primeiro

A ANSIEDADE de Gareth Bristol era incompatível com o comportamento de um homem de respeito. Sua masculinidade ficava seriamente comprometida por suas mãos trêmulas ao bater ao portão dos Trowsdale. Mas ele estava genuinamente nervoso. Depois de muitos meses, reencontraria Agatha e teria que convencê-la a perdoá-lo. Demorou algum tempo para que alguém o atendesse. Um homem alto e de cabelos prateados, vestindo um terno elegante, esperou nas escadas enquanto um criado jovem abria o portão de ferro. Aquela era a pompa da residência de um duque. — Pois não, senhor? O homem, que Gareth suspeitou ser o mordomo, dada à sua elegância, perguntou sem permitir que ele avançasse muito. — Vim a procura da senhorita Agatha Trowsdale. — A Condessa de Cornwall não reside mais nessa casa. — Condessa? — Sim, milorde. Posso saber quem deseja falar com ela? — Eu… — Gareth ficou sem voz. Mulheres não carregavam aqueles títulos a não ser que se casassem. Mesmo ele, um plebeu pouco versado nas regras da aristocracia londrina, sabia disso. — Estou um pouco confuso. A condessa é Lady Agatha? — Desde o seu casamento. Mas devo insistir, senhor, em saber suas intenções para com ela. O homem ficou branco como cera de vela. Não se despediu do mordomo nem perguntou sobre o endereço da nova residência de sua amada. Tudo que ocupava espaço em sua cabeça se relacionava à descoberta infeliz de que

Agatha estava casada. Aquilo era impossível. Ela não era mais virgem, nenhum nobre respeitável iria aceitar uma mulher desonrada. Mesmo que fosse a irmã de um duque, com um dote imenso. Sua mente fez um estalo e ele entendeu. O tal conde deveria ser um velho falido, precisando de dinheiro. Agatha, arruinada, não conseguiria marido nem posses, portanto aceitou casar-se com ele em um grande acordo. Tinha que ser isso. O tal Conde de Cornwall era um aproveitador, interessado apenas no dinheiro da jovem que ele amava. Gareth precisava resgatá-la daquele casamento cruel. Eles fugiriam para as Américas, onde viveriam em pecado, mas felizes. Tomada aquela decisão, precisava falar com seu irmão Colton. Mas, antes, precisava beber um pouco para criar coragem de enfrentar o que viria pela frente. Ele descobriria onde morava o conde e iria até lá persuadir Agatha a se casar com ele. Era uma empreitada e tanto, algumas doses de uísque aliviariam o fardo de seus ombros.

Agarrado à esperança de que sua esposa o perdoaria em algum momento, Edward foi trabalhar. Não adiantava ficar em casa porque ela estava desconfortável com ele. Depois do espetáculo no Riderhood, tinha que manter a aparência de normalidade. Era indesejado que a sociedade fofocasse sobre brigas e desavenças no casamento deles. Tudo que Edward menos queria era ter que lidar com rumores mentirosos. Aiden estava em seu escritório, mas não suspeitava de nada. Fazia meses que o duque não ia à casa de jogos, passando as noites com sua esposa, depois com seus filhos. Não lia os jornais de futricos sociais e se mantinha quase sempre ligado a negócios. Edward já fora daquela forma, tirando o fato de que vivia na libertinagem. Mesmo que, durante o dia, seu foco fossem negócios, à noite ele se permitia jogar, beber e dormir com as mais variadas mulheres. Mesmo casado, ele achou que poderia levar aquela vida. Sem a parte de dormir com mulheres. Não deu certo. O medo de perder Agatha era maior do que o risco de ser destruído por ela. Preferia mil vezes ser pisoteado por centenas de cavalos e ter seu coração reduzido a pó do que ficar sem a esposa. Não dava para

evitar, ele a amava. — Vamos ao Riderhood. — Sawbridge bateu à porta do escritório do conde. — Um figurão da indústria de navios chegou das Américas há alguns dias e Miles marcou de encontrar com ele, lá. — Tinha que ser no Riderhood? — Edward suspirou. — É cedo, você não precisa se demorar. As coisas ontem não ficaram bonitas, não é? — Não. — A confissão fez com que ele se erguesse e servisse um drinque. — Tenho vontade de encontrar Constance e matá-la. A cena que ela causou fez com que eu e Agatha brigássemos. Por que diabos essas mulheres decidiram ficar tão ciumentas, Sawbridge? Poderia me explicar? — Jamais entenderei as damas. Mas considere que você também não gostaria de outro homem tocando sua esposa. Edward fechou os olhos e trincou os dentes. — Eu mataria quem ousasse chegar perto dela. — Vejo que é capaz de compreendê-la, então. Mas Agatha não precisa nem desconfiar que estaremos no Riderhood. Vamos apenas a negócios, evitaremos o salão de jogos e as prostitutas. O conde suspirou mais uma vez. Aquele era um movimento muito arriscado. Ele tinha que se endireitar. — Ficarei uma hora. Falaram com Aiden? — Ele não vai. Para ele eu dou um desconto, afinal, Aiden é quase um burguês com essa mania de cuidar dos próprios filhos. — Já eu, sou atirado aos tubarões? Sawbridge riu e colocou a mão no ombro de Edward, conduzindo-o para fora. Ele ficaria por uma hora, voltaria para casa antes do sol se por. Tentaria mais uma vez reconciliar com Agatha e, se não desse certo, dormiria cedo com a consciência pesada. A casa de jogos abria cedo e permanecia até todos irem embora. Tinha vezes que Riderhood nem mesmo fechava as portas, emendando um turno em outro, só para atender os jogadores ávidos por desperdiçar dinheiro. Naquele horário do dia, estavam apenas os nobres que não trabalhavam e alguns negociantes que usavam o espaço exclusivo para tratar de assuntos sérios. Edward McFadden, Sawbridge e Miles Westphallen sentaram ao balcão enquanto aguardavam o figurão americano. Depois de alguns drinques e um pouco de conversa, o mesmo estrangeiro que causara um mau pressentimento no conde se aproximou. Ele tinha uma aparência péssima e pediu uma garrafa

de conhaque. — Pretende beber isso sozinho, senhor? — Sawbridge provocou. Ele também estava curioso sobre o homem. — Se tiver sorte, sim. — Ele encheu um copo. — Será melhor estar inconsciente do que lidar com meu coração partido. — Hm. Ela te deixou, filho? — O Visconde de Whitby ergueu seu próprio copo em um brinde solidário. — Espero que não tenha dito que a amava. As mulheres costumam ser especialmente cruéis quando nos fisgam. — Não cheguei a dizer. — O estrangeiro bebeu o drinque em um gole só e serviu-se de mais. — Mas eu acreditava que ela me amasse. Agora descobri que está casada. Os homens lamentaram imediatamente o infortúnio do desconhecido. Com o atraso do convidado que esperavam, continuaram conversando enquanto o estranho revelava parte do seu drama. Conhecera a dama, se apaixonara, pensava que seriam um casal perfeito. Até que ela foi embora e fez com que ele a perseguisse cruzando os oceanos. — Então o senhor é americano? — Edward foi quem perguntou, ainda incomodado com o inusitado companheiro de bebida. — Veio também no último navio? — Sim, vim buscá-la para fugir comigo. — Mas o senhor disse que ela é casada, homem. Como prentende resolver isso? A dúvida de Sawbridge era a de todos que ouviam a narrativa. Depois de meia hora, todo o bar de Riderhood compartilhava da dor da perda do estrangeiro cujo nome ignoravam. — Ah, daremos um jeito de anular. Aposto que o casamento não foi consumado, quando ela me deixou não era mais virgem. Um calafrio percorreu a coluna de Edward e fez com que ele se levantasse. Estava observando de longe a conversa, introspectivo, curioso para desvendar o que o perturbava tanto. Os amigos eram bons em extrair informações dos tolos. Em breve, o mistério se dissolveria e ele descobriria quem era aquele homem. Mas a história começou a ficar familiar demais. — O senhor a deflorou? — O assombro do visconde não era legítimo. — Claro que com a promessa de casamento, certo? — Não apenas a deflorei. Ela estava grávida do meu filho quando deixou Nova Iorque. O conde deu dois passos na direção dos homens. Sawbridge o viu

aproximar e suspeitou que havia algo errado. Não conseguiu, a tempo, evitar que o estrangeiro continuasse a falar. — Um bastardo? — Infelizmente. Mas, assim que nos casarmos, não deixarei faltar nada para ele. Ela terá orgulho de usar o sobrenome Bristol. As mãos enormes de Edward agarraram o americano pelo colarinho e o ergueram do chão. Sawbridge quis intervir, mas foi fulminado com o olhar mais letal que o conde já lhe dirigira. As pessoas se espalharam ao redor dos dois. Sem conseguir tocar os pés no piso de madeira, o homem começou a reclamar. — O senhor ficou louco? Coloque-me no chão. — Como disse mesmo que se chamava, senhor coração partido? — Bristol. Sou Gareth Bristol, por quê? Edward não respondeu, apenas acertou um cruzado de direita no queixo de Gareth, derrubando-o ao chão.

Lavínia era uma criança quieta e introspectiva. Durante o dia que passaram juntas, ela pouco interagiu com o ambiente. Na intenção de fazê-la mais ativa, Agatha decidiu levá-la para comprar coisas para o quarto que estavam ainda montando. A condessa mobilizou todos os empregados da casa para arrumarem um dos quartos para a menina, mas nada em McFadden Garden era adequado a uma criança. As coisas antigas de Wilhelmina estavam em Kent, não havia brinquedos ou roupas de menina em Londres. Apesar do lindo quarto e das cortinas cor-de-rosa, aquele espaço não parecia pertencer a uma garotinha. E Agatha queria que Lavinia tivesse de tudo. O que ela teve e o que ela não teve - o amor de uma mãe. Foi assim que se arrumou, pegou a menina pela mão e saiu, com a companhia de Moira. Foram até a algumas lojas encomendar vestidos, bonecas e outros brinquedos que Lavínia gostasse. O conde havia dado a ela tanto dinheiro que talvez não pudesse gastá-lo todo em uma vida, então quis fazer as vontades de sua filha. Filha. Era isso que Lavínia seria. A criança que a ajudaria a extravasar aquele arrobo maternal que não passava. Ela precisava da menina mais do que a menina precisava dela.

No retorno para casa, Agatha pediu que o cocheiro as levasse ao Hyde Park. Já estava tarde, mas a luz do dia ainda demoraria a se esvair. Mesmo que fosse bastante incomum uma condessa andar pelas ruas em longos passeios com sua filha adotiva, Agatha não gostava mesmo de ser comum. — Ah, eu adoro as flores no verão. — Agatha decidiu falar para provocar a atenção de Lavínia. Ela iria trabalhar a dificuldade de fala da menina com profissionais, se fosse preciso. — São tão coloridas e cheirosas. Gosta de flores, Lavínia? A garotinha balançou a cabeça positivamente. Agatha recolheu algumas e colocou no cabelo dela. — Pronto, agora ficou ainda mais linda. Céus, você é tão loira e perfeita que parece até a filha de Elizabeth. Moira riu, caminhando atrás dela. A condessa gargalhou de sua própria tolice. Continuaram caminhando até que um mau pressentimento fez com que Agatha levasse a mão à nuca. Uma dor aguda a estremeceu por completo e fez com que virasse o rosto para o lado. E então ela o viu. Agatha reconheceria aquele rosto em qualquer lugar. Mesmo em uma multidão de homens, ela saberia que era ele. Só nunca imaginara que o veria novamente. Ela não podia vê-lo outra vez, precisava manter a maior distância possível daquele demônio. Por um segundo, quis correr. Seus pés não obedeceram, nem quando o sorriso diabólico de Colton Bristol reluziu sob o sol fraco do final de tarde. Ele vinha na direção dela. Não era possível que ele estivesse em Londres. O coração de Agatha retumbou uma sinfonia desafinada e ela apertou a mão de Lavínia. Moira se aproximou, pressentindo também algo errado. — Ora vejam, se não é a minha flor do campo. A voz dele afetou-a ainda mais. Agatha começou a suar, as luvas ficaram imediatamente úmidas. Quis gritar, mas não podia. Aquele era seu maior, pior e mais hediondo segredo. — O que está fazendo aqui? — Vim por você, queridinha. — Colton tentou tocá-la nas mãos, mas Agatha cruzou-as nas costas. — Meu irmão está com a sensação louca de que te ama e que casar com você. Reparar sua honra, entende? Os olhos de Colton desceram para Lavínia, que o encarava sem qualquer constrangimento. — Gareth está aqui, também? — Agatha tentou falar tranquilamente, mas estava tremendo. Seu corpo parecia prestes a colapsar.

— Essa é a bastarda? — Colton não a respondeu. — É uma menina? Não, não pode ser. Ela teria que ser um bebê. Lavínia escondeu-se atrás das saias de Agatha. A cor sumiu do rosto da condessa. Não havia quase nada de sua dignidade para salvar naquele momento. — Moira. — A voz saiu esganiçada, mas ela precisava reassumir o controle. — Leve Lavínia para a carruagem. — Senhora, eu não acho que… — Agora, Moira. Pegue-a e leve-a para a carruagem. Eu preciso ter uma conversa com esse senhor. A criada não quis se mover. Agatha a encarou com irritação. Um misto de sentimentos a deixava confusa e nervosa. Ela queria matar Colton Bristol. Quando o vira se aproximando, teve medo. O ar faltou aos seus pulmões. E então o medo se transformou em estupefação. Ela não acreditava que o diabo em carne e osso estivesse em Londres. No momento em que a estupefação virou ódio, ela agradeceu a Deus por não ter uma pistola em sua bolsa. Se estivesse com uma arma, ela atiraria em Colton. A sangue frio. E se regozijaria em vê-lo sangrando até a morte. — Acho melhor obedecer sua senhora. — O homem desprezível disse. — Ela virá comigo para um passeio. Moira decidiu afastar-se um pouco. Pegou a criança no colo e foram olhar as flores do outro lado. Continuava à vista, porém não podia ouvir o que conversavam Agatha e Colton. — Não vou com você a lugar algum. E aquela não é sua filha. O filho que você colocou dentro de mim morreu no parto. Sua semente ruim não vingou. Os olhos do americano cintilaram. Havia fúria em sua expressão debochada. — Menos mal. Eu detestaria ter que encarar o bastardinho toda vez que a familia se reunisse. — Colton, não sei que tipo de doença mental você e seu irmão têm. Mas eu não farei parte de sua família, nunca. Eu estou casada, sou a Condessa de Cornwall. — Casamentos podem ser anulados. O seu marido nobre já sabe que você está arruinada? Sabe que você carregou um bastardo na barriga? — Edward me ama. Ele sabe tudo e prometeu nunca deixar que nada mais aconteça comigo. Também prometeu matá-lo. Se eu fosse você, iria embora de Londres no primeiro navio de volta. Meu marido raramente deixa

de cumprir uma promessa. Agatha disse aquilo sem perceber a profundidade de suas palavras. Ela apenas disse o que sabia, o que sentia. Edward a amava, sim. E ele mataria Colton com as mãos nuas se fosse para protegê-la. Como ela fora tola em achar que ele a trairia naquele antro de Riderhood. Caroline sempre esteve certa, mas a insegurança de Agatha a fez ficar cega. — Veja bem, florzinha. Eu não me importo com você, nem com seu marido. Mas meu irmão te quer. Convença-o a desistir dessa burrice e vamos embora. Não há diversão nessa cidade, já estou ficando entediado. — Eu não vou falar com Gareth nem convencer ninguém. Não fiz nenhuma promessa a ele. O maldito do seu irmão deixou que você me violasse! — Não faça uma cena, florzinha. Você virá comigo, por bem ou por mal. Colton sacou uma pistola da cintura. O sangue de Agatha congelou pela segunda vez. Olhou ao redor e não viu ninguém além da criada e da filha adotiva. Como não havia ninguém no Hyde Park àquele horário? Talvez se ela gritasse, aparecesse socorro. Mas foi tudo muito rápido. O americano a segurou com pelo braço e a arrastou. Agatha quis protestar e começou a se debater, fazendo com que ele batesse nela. — Por Cristo, cale a boca. E Colton Bristol acertou a pistola na cabeça de Agatha, fazendo com que ela ficasse tonta. Continuou arrastando-a para dentro de uma carruagem alugada, enfiou-a pela porta e ordenou ao cocheiro que seguissem para a hospedaria. O americano passara o dia negociando em Londres e alugara uma casa para que tivessem mais privacidade. Pegaria as coisas, arrumaria uns dois criados e levaria Agatha com ele. Ela tinha certeza que Colton não se importava com ela. Não se importava com nada. Mas insistia em sequestrá-la, em conduzi-la para um lugar qualquer contra a sua vontade, apenas porque o irmão assim desejava. Um pouco atordoada pela pancada, sem conseguir reagir direito, Agatha não impediu quando ele amarrou as mãos dela. Ou quando colocou um pano em sua boca para que não gritasse ou pedisse por ajuda. Naquele instante, ela teve medo porque entendeu que Colton era louco. Não podia ser apenas um maldito desprezível, ele tinha que ter perdido completamente o juízo. Quando Edward descobrisse que ela havia sido raptada por ele, Agatha sabia que o marido o mataria. E ela não faria questão de pará-lo.

John aguardava ansioso a chegada do Duque de Shaftesbury. Parado na porta, pretendia interceptar seu patrão antes que ele entrasse na casa. Precisava contar a ele o que acontecera. Porque John sabia que havia algo errado com aquele homem procurando pela condessa. O barulho da carruagem foi um alivio para o mordomo. Bastou o duque pisar na soleira para ser surpreendido pelo criado. — Alteza, há algo que preciso lhe contar. Aiden sentiu o coração falhar uma batida. Aquela atitude de John fez com que pensasse que algo acontecera com Elizabeth. Ou com os bebês. Ou com os meninos. Ele tinha muita gente para cuidar, iria envelhecer dez anos em um. — O que houve, John? — Hoje um cavalheiro esteve no portão procurando por Lady Agatha Trowsdale. — Um cavalheiro? Que cavalheiro? — Ele não deu o nome, Alteza. Mas ficou bastante abalado quando disse que ele deveria procurar a Condessa de Cornwall. Pelas vestes e pelo sotaque, ele parece americano. Problemas. Aiden tinha certeza que John lhe trazia problemas. Um homem americano batendo à sua porta, depois de Agatha ter passado um ano nas Américas, só podia significar coisas com as quais o duque não queria lidar. Ele sabia que havia algo que sua irmã escondia. Sabia que algo acontecera em Nova Iorque e seus investigadores não foram capazes de descobrir o que foi. Aquele homem podia ser parte do mistério. — Certo. Vou contar isso a Edward. Ele está em Riderhood, por favor avise à duquesa que vou me atrasar para o jantar. — Ela certamente compreenderá vossas razões. — Deus te ouça. John sorriu e Aiden foi até o estábulo. Pegou seu cavalo e galopou para a casa de jogos de Riderhood. Se confrontasse Agatha sobre o misterioso homem, ela certamente mentiria para ele. Agatha vinha escondendo coisas desde que chegara das Américas e não seria naquele momento que ela decidiria se abrir. Conversaria com Edward e deixaria que o marido dela resolvesse a questão.

Mas, antes mesmo de entrar no clube de Riderhood, Aiden percebeu a comoção do lado de fora. Os criados iam de lá para cá e o motivo era a briga que acontecia no bar. O duque chegou a tempo de arrancar seu amigo conde de cima de um homem antes que ele o matasse. — Mas o que diabos está acontecendo aqui? Aiden agarrou Edward pela camisa e o puxou para trás. O duque era muito grande e forte e, ainda assim, precisou se esforçar para separar o conde do resto humano que jazia no chão. O homem, desfigurado, tinha uma massa amorfa de sangue e pele no lugar do rosto. Os olhos estavam inchados e fechados. Ele parecia inconsciente. — Solte-me, Aiden. Solte-me porque eu vou matar esse desgraçado. — Quem é ele? Por que precisa matá-lo de forma tão brutal? — Porque esse é o canalha que… Edward se aprumou repentinamente e virou-se para o duque. Havia sangue na camisa, no colete e na gravata do conde, que já se havia transferido para a roupa de Aiden. Suas mãos estavam vermelhas e ele suspeitava que tivesse quebrado algum osso. O duque percebeu que ele se refreou para não contar alguma coisa e ele não toleraria mais ser enganado. — Ele é o canalha que fez o que? — Aiden olhou ao redor. — Alguém nesse lugar vai abrir a boca e me contar o que esse monte de ossos fez para tirar o sempre comedido Edward McFadden, o Conde de Cornwall, de seu regular comportamento. Quem é esse coitado? — O nome dele é Gareth Bristol. — Sawbridge disse, pegando um conhaque para os dois. — É americano. — E os senhores decidiram deixar que o conde o matasse de pancada porque… — Porque ele merece morrer. — Riderhood foi quem intercedeu daquela vez. — Não gosto de brigas no meu estabelecimento e raramente permito esse tipo de espetáculo. Mas esse patife falou coisas da condessa que, se fosse da minha esposa, eu já o teria metido debaixo de sete palmos de terra. Aiden estava começando a fazer as conexões. Aquele deveria ser o americano que esteve em Trowsdale House procurando por Agatha. — O show acabou. — Aiden indicou que os homens deveriam dispersar. — Alguém pegue gelo para as mãos de Edward. Até eu descobrir o que houve, ninguém toca no desgraçado que estava sendo espancado. E sirvamnos mais conhaque. O movimento da casa de jogos voltou ao normal, como se nenhuma briga

tivesse acabado de acontecer. Os homens que estavam no salão de jogos retornaram para ele. O barman encheu os copos do duque, do conde e de seus amigos, Sawbridge e Miles Westphallen. Um segurança de braços roliços parou ao lado de Gareth Bristol, que gemia e se retorcia. — Contem-me. Aiden sentou próximo ao homem e cruzou os braços, encarando os amigos. Edward tremia por completo e seus olhos não saíam do americano. O duque tinha certeza que, se não tivesse tirado o conde de cima do coitado, ele o teria matado. — Não adianta mais esconder. Todas as pessoas ouviram esse traste dizer. — Edward virou seu drinque em um gole. O álcool desceu rasgando a garganta. — Quando esteve em Nova Iorque, Agatha se apaixonou por ele. O conde apontou para Gareth e contou o que sabia sobre a história. Ele prometera à esposa que nunca falaria daquilo para ninguém, mas o próprio homem tinha aberto a boca e exposto toda a intimidade dela. Enquanto falava, Edward quis matá-lo mais três ou quatro vezes. Manteve-se sob controle, mas não podia confirmar por quanto tempo se seguraria. — E você sabia disso. — Aiden demorou minutos para formular uma frase. — Sabia e não me contou quando te perguntei? — Não era meu segredo para dispor, Aiden. E Agatha é minha esposa. Cabe a mim lidar com essas coisas, agora. O duque olhou para o chão. Gareth tentava sentar e passava as mãos pelo rosto. Os olhos estavam fechados, havia dentes trincados e o rosto estava realmente amassado. Depois, olhou para as mãos de Edward. Sangravam por cortes nos nós dos dedos e por lesões causadas pelos dentes do homem que ele surrou. — Estava lidando muito bem, como um animal irracional. Parabéns, você é oficialmente um tolo apaixonado por sua esposa. — Cale a boca. — Não seja infantil. Assuma o que sente, porque ninguém quase mata de pancadas um homem pelo que esse daí nem fez se não fosse por amor. Onde está Agatha agora? Ela sabe que esses trastes estão em Londres? — Não sabe. Preciso ir até ela. O conde se levantou e ajeitou a camisa. Não havia muito o que fazer, ele tinha sangue por todos os lados. Passou as mãos avermelhadas pelos cabelos, limpou as manchas do rosto com um pano úmido e deixou algumas moedas sobre o balcão para pagar a conta e cobrir os estragos com o homem.

— Vou com você. Preciso garantir que chegue inteiro até McFadden Garden. Você está em frangalhos, meu amigo. — O que fazemos com ele? — Sawbridge perguntou. — Por mim, que apodreça. — Edward cuspiu sobre as roupas de Gareth Bristol. — O irmão dele ainda receberá uma visita minha amanhã. Os dois amigos saíram da casa de jogos em direção à casa do Conde de Cornwall. Cada um em seu cavalo, trotaram rápido demais pelas ruas mal iluminadas de Londres. Mesmo em Mayfair, a iluminação noturna não era a melhor para garantir a segurança de quem transitava. Chegaram rapidamente até a McFadden Garden. Edward estava nervoso e agitado, ele não sabia como contar a Agatha o que acontecera. Que os irmãos Bristol estavam em Londres. Que Gareth revelara todos os seus segredos. Pior. Ele não sabia como perguntar a ela por que diabos ele dizia que tinha com ela um filho bastardo. Porque o homem disse, para todos naquele bar, que Agatha e ele tiveram um filho juntos. Mas não teve tempo de decidir o que fazer. Assim que chegou à sua casa, descobriu que sua esposa não estava. E ninguém sabia onde ela tinha ido.

Capítulo vigésimo segundo

P ASSOU algum tempo até que Agatha compreendesse onde estava. Ela fora amarrada, silenciada e vendada durante o trajeto e permaneceu dentro de uma carruagem. Protegida da vista das pessoas, duvidava que alguém fosse notála. Se notassem, não fariam nada. Colton era um homem e podia facilmente inventar uma história qualquer que todos acreditariam. E, apesar de louco, ele era inteligente. Mantê-la amarrada era o melhor que fazia para impedir que ela arrancasse a cabeça dele fora. Porque era o que Agatha tinha vontade de fazer, enquanto olhava para o teto abobado de uma casa elegante que ela não conhecia. Não havia nenhum barulho além daqueles do lado de fora. Estavam na cidade e ela estava provavelmente sozinha. As mãos estavam bem presas nas costas e Agatha estava deitada em um sofá. As saias estavam emboladas em suas pernas, em uma posição indecorosa. Agatha tentou se levantar algumas vezes, sem sucesso. Rolou para o lado e caiu no chão, batendo com o rosto na madeira. Sentiu uma dor aguda na bochecha e gosto de sangue na boca. Blasfemou em silêncio, irritada por se sentir impotente. Sem ter muito o que fazer para sair dali, precisava esperar. Edward sentiria sua falta e viria atrás dela. Passos apressados, depois vozes, fizeram com que ela ficasse alerta. Eram duas vozes masculinas e elas pareciam nervosas. Agatha ouviu xingamentos e reclamações. — Você é um imbecil, Gareth! Um imbecil! Não é possível que tenhamos nascido do mesmo pai. Colton gritava. Os passos ficaram mais próximos, havia uma terceira pessoa com eles. Agatha sentou-se no chão, tentando demonstrar alguma

dignidade. — Senhor, ele precisa descansar. Amanhã creio que estará apto a conversar. — Eu não quero conversar! Quero bater ainda mais nesse idiota. Agora o marido dela sabe que estamos aqui. Os homens entraram na sala. A casa era bem mobiliada e decorada, mas era uma casa de aluguel. Pensada para viajantes mais endinheirados que não tinham interesse em ficar nas hospedarias da cidade. Oferecia conforto sem excessos, então não tinha muitos cômodos. Era composta de um salão central, um escritório e três quartos no andar superior. Havia também cozinha, área para os criados e sala de jantar. Um médico, que Agatha não conhecia, colocou Gareth sentado em um sofá. Ela pode vê-lo mas teve certeza que ele não a via. Os olhos estavam inchados, fechados, e o rosto bastante ensanguentado. Ele tentava resmungar alguma coisa, mas não conseguia falar. Agatha soube que ele apanhara, e muito. A não ser que tivesse sido atropelado por cavalos selvagens em debandada, Gareth levara a maior surra da vida dele. E ela quis rir. Na verdade, ela riu. Mesmo com a boca travada, as gargalhadas guturais chamaram a atenção dos homens que se reuniam próximos a ela. — Maldição, esqueci da vadia. Colton foi até ela e a agarrou pelas mãos amarradas. Fez com que se levantasse e a empurrou para cima. Forçou-a a subir as escadas, enquanto o irmão continuava tentando falar. Jogou-a em um dos quartos, sobre uma das camas, e a observou por alguns segundos. — Tem sorte de eu só gostar de virgens, ou eu te devassaria sobre essa cama agora mesmo. Fique quieta e não tente fugir. Vamos decidir o que fazer com você daqui a pouco. Ele fechou a porta e saiu, deixando-a no escuro. Agatha tinha esperanças que fosse ser encontrada logo. Já era noite e seu marido não a deixaria ficar fora de casa, sozinha. Edward viria procurá-la.

— Como assim ela não está em casa? Edward perguntou pela terceira vez, sem dar a ninguém a chance de uma

explicação. Ele girava pelo salão e nem mesmo Aiden conseguia acalmá-lo. — Se você parar com esse espetáculo, vamos descobrir. — O duque rosnou, já irritado. — Moira, conte tudo desde o início. — Aquele homem horrível levou a condessa com ele. Ela me mandou afastar, mas eu fiquei perto o suficiente para ver. Sei que ela não foi de boa vontade, ele a arrastou para uma carruagem. — Que homem? — Edward parou na frente da criada. Seus olhos estavam flamejando pelo ódio por Gareth Bristol e pelo pavor em saber que Agatha fora interceptada por um homem qualquer cuja identidade ignorava. — Eu não sei, milorde. Nunca o vi, antes. Mas ele chegou falando coisas horríveis com a condessa. Chegou a perguntar se… se… — Moira olhou ao redor e sussurrou. — Se Lavínia era a filha bastarda dele. Não sei o que isso significa, milorde. Sei que a senhora estava muito nervosa. Edward pressionou as têmporas, nervoso. Só de pensar que Agatha estava em qualquer lugar com Colton Bristol, o irmão que a violentou, fazia com que ele desejasse arrancar algumas cabeças. E, novamente, aquela história do bastardo. Fosse o que fosse, ele precisava recuperá-la. Se ela estava com o maldito, então ela estava em perigo. — Para onde eles foram? — Não vi, milorde. Quando ele a fez entrar na carruagem, eu voltei correndo para casa para avisar Brett. — Maldição! — Edward bateu na parede com as duas mãos. Apoiou a testa e ficou ali por alguns segundos, respirando com dificuldade. Seu arrobo assustou Moira, que soltou um soluço alto. Ele não queria que os criados pensassem que estava ficando louco. Mas ele estava. — Vou voltar ao Riderhood. Tenho que descobrir onde esses animais estão hospedados. — Acha que ele a levou para uma hospedaria? — Aiden estava atordoado com toda a história. Ele não conseguia reagir normalmente. — Parece arriscado demais e eles devem ser covardes. — Eu não sei o que achar. Mas eu vou até o inferno procurando aquele maldito. — Então vamos logo. Se ele encostou um dedo na minha irmã, terá que me segurar para que eu não o mate primeiro. Os dois homens pegaram seus cavalos e voltaram à casa de jogos. Se o próprio Gareth Bristol ainda estivesse lá, eles o fariam falar. Se não estivesse, Riderhood teria a informação. Não havia sócio daquele clube que não tivesse a vida investigada. Estrangeiros podiam participar temporariamente do clube,

mas precisavam deixar endereço em Londres. Eles descobririam onde encontrar Colton, por bem ou por mal.

A hospedaria indicada por Riderhood era uma das melhores de Londres. Os irmãos não fariam um escândalo por lá. O estalajadeiro era um homem respeitável e que nunca tolerou desordem em seu estabelecimento. Edward sabia que eles não manteriam Agatha cativa se estivessem por lá. Tanto que, quando chegaram, foram informados que os irmãos tinham encerrado a conta e saído da hospedaria naquele dia. — O senhor deve saber para onde foram. — Foi o duque que perguntou, esforçando-se para ser educado. O conde estava a ponto de revirar todos os quartos e arrancar todas as pessoas de dentro deles. — Quando fecharam a conta, não contaram nada? Esses homens são falantes, gostam de contar histórias. — Lamento, Alteza, mas tudo que sei é que um deles estava procurando casas para alugar. Aparentemente, passariam um tempo mais longo em Londres e preferiam privacidade. Mas… — o estalajadeiro parou por um minuto e chamou uma pessoa com um gesto. Aiden e Edward se viraram e uma criança se aproximou. — Eles contrataram o pai de Gillie para trabalhar com eles. Talvez ela saiba. Edward ajoelhou-se à frente da menina e colocou as duas mãos nos ombros dela. — Gillie, precisamos saber onde seu pai está trabalhando. Os homens que o empregaram estão com a minha esposa e eu preciso buscá-la. A menina olhou para o estalajadeiro, que assentiu para que prosseguisse. — Não sei dizer onde fica, mas posso mostrar. — Poderia nos levar até eles? Gillie balançou a cabeça afirmativamente. Nem Aiden nem Edward gostariam de levar uma criança para a confusão que estavam prevendo, só não havia opção. Para evitar problemas, pediram à mãe da garota, que era empregada da hospedaria, para acompanhá-los. Iriam em uma carruagem aberta e fariam as duas retornar à salvo assim que encontrassem a casa. Quanto mais os segundos passavam, mais Edward ficava nervoso. Ele pegou o relógio do bolso várias vezes e contou cada volta do relógio por

quinze intermináveis minutos. Quando finalmente se puseram em movimento na direção indicada pela menina, ele ficou ainda mais nervoso. Não sabia o que faria quando encontrasse Agatha. Ele provavelmente mataria os dois irmãos. Isso se Aiden não os matasse antes. Apesar da aparente elegância e contenção do duque, Edward sabia que havia um monstro assassino dentro do amigo. Aiden era educado, polido e gentil até ser provocado. Se alguém que ele amasse estivesse em perigo, ele não mediria esforços para eliminar os riscos. E ele, Edward, não era muito diferente. O sentimento que crescia em seu peito misturava medo, ansiedade e desespero com fúria. Ele queria abraçar sua esposa e colocá-la a salvo tanto quanto ele queria exterminar os Bristol como se fossem insetos. A casa indicada ficava na Hanover Square. Os homens pediram ao cocheiro que parasse alguns metros antes para que o barulho dos cascos dos cavalos não alarmasse quem nela estivesse. Edward dobrou as mangas da camisa, mesmo que ela já estivesse desgrenhada demais para fazer alguma diferença. Aiden arrancou a gravata e repetiu o gesto do amigo. — Vou pelos fundos, você bate na porta da frente. Assim, eles ficam cercados. O duque indicou a estratégia. Sussurrava, já na calçada da residência, notando que havia iluminação interior. — Para o inferno com as estratégias, Aiden. Quero minha mulher de volta. Edward enfiou o pé na porta principal. A madeira se partiu em um estrondo. Não havia dobradiça forte o suficiente para segurá-lo. — Bristol! — O conde gritou, rugindo como um leão. — Apareça, covarde, e me enfrente! Um criado escondeu-se na parte dos fundos. Edward olhou ao redor para reconhecer o lugar. Paredes decoradas com papéis de parede damasco, quadros e objetos pontiagudos. Sofás, uma lareira acesa e muita iluminação. Passos pelo andar de cima chamaram a sua atenção. Aiden correu para as escadas enquanto o conde pegou uma espada que fazia parte da decoração. Colton apareceu. Descendo as escadas, segurando Agatha à sua frente e uma pistola apontada na direção dela. — Ora, vejam, é o marido. E, pelo visto, trouxe um ajudante. — Ajudante? — Aiden cruzou os braços no peito e encarou o irmão Bristol. Era fácil perceber que ele tremia enquanto segurava a arma. Podia ser

arrogante, mas Colton não estava acostumado a ameaçar condessas com uma pistola nem a enfrentar dois nobres vigorosos. — É a isso que me reduzi? Fique sabendo, Sr. Bristol, que sou o Duque de Shaftesbury. Também fui o Marquês de Hedley, o Conde de Norfolk e o Visconde de Bradbury. — Precisa recitar todos os seus títulos nesse momento? — Edward reclamou — É bom que o homem saiba ao menos o nome de quem vai arrancar as tripas dele pela boca. — Calem-se, os dois. — Colton berrou. — Eu quero que saiam da minha casa, ou terei que devolver a belezinha aqui com um furo no meio dos olhos. Os olhos de Edward se estreitaram. Ele também percebeu que o homem tremia. Havia cheiro de alcool no ar, indicando que Colton bebera. Enfrentar um homem desesperado era uma coisa. Um desesperado e bêbado, era outra. Exigia estratégia, algo que Edward não estava disposto a traçar. Ele estava a ponto de enfiar a espada no coração de Colton antes que o maldito pudesse firmar o dedo no gatilho. — Agatha, você está ferida? Ela balançou a cabeça, negando. Continuava com as mãos amarradas e a boca coberta por um pano. — Solte-a, Bristol. Seja homem e me enfrente como um — Edward pegou outra espada da decoração e estendeu a ele. — Edward… — Aiden murmurou, preocupado com o que viria a seguir. — Só um covarde como você se esconde atrás de uma mulher. Vença-me e poderá sair de Londres. Caso contrário, você será caçado até o final dos tempos. E tenha certeza, eu vou te achar. O conde tinha uma postura impassível. Ele não tremia um músculo, não piscava nem escorria uma gota de suor. Apesar do cabelo despenteado e das mãos inchadas de tanto socar Gareth Bristol, Edward estava inabalável. — Entregue-a para mim. — Aiden se aproximou dois passos. — Prometo não interferir, e sou um duque. Duques sempre cumprem suas promessas. — Fodam-se seus títulos. — Colton deu uma gargalhada. — Vocês não podem ferir meu irmão impunemente. Vou sair agora dessa casa e levarei a princesinha comigo. Não tentem me impedir. Edward e Aiden se olharam. Precisavam de uma armadilha para impedir que o americano passasse por eles. Ao mesmo tempo, não podiam simplesmente pular sobre ele enquanto apontasse o cano de uma pistola para Agatha. A sorte lhes acenou no instante em que um barulho no andar de cima

chamou a atenção de todos. Bastante lesionado e com os olhos excessivamente inchados, Gareth Bristol pendurou-se nos balaústres que cercavam os corredores superiores e chamou o irmão. Foi uma fração de segundo. Colton olhou para cima e afrouxou o dedo do gatilho. A pistola deslizou para o lado. Nesse instante, o duque pulou sobre ele e fez com que a arma voasse para o lado. Aiden apenas puxou Agatha para si e a soltou do seu captor. Desarmado e sem o trunfo da condessa sob seu controle, Colton recolheu a pistola no chão e tentou correr para os fundos. Era sua chance de fugir. Edward foi atrás dele. Enquanto isso, o duque soltou as mãos e descobriu a boca da irmã. A porta dos fundos estava trancada. As janelas, naquela direção, também estavam. Colton acabou preso na cozinha. Não havia para onde escapar. O conde parou na porta que ligava o cômodo ao restante da casa e encarou o americano, que estendia o braço e lhe apontava a arma. — Você só tem um tiro, Bristol. Se parar para carregar, eu te mato. Então, é melhor me matar primeiro. Agatha gritava na sala, mas ele não iria ouvi-la. Não podia ouvi-la ou ela tentaria impedi-lo de fazer o que tinha que ser feito. Trêmulo, Colton Bristol mirou e atirou. Mas ele não foi preciso o suficiente. O tiro acertou o ombro de Edward. O chumbo ardeu quando penetrou a carne e o impacto fez com que ele virasse o corpo para o lado. Isso não o demoveu. Assim que o tiro foi proferido, o conde deu cinco passos na direção de Colton e o acertou com um direto. O americano cambaleou para trás, o nariz ensanguentado. Edward chutou a pistola para longe enquanto o homem passava pela porta e tentava voltar para o mesmo lugar de onde veio. O sangue tornou difícil para que ele enxergasse e fez com que tropeçasse algumas vezes. O conde o encontrou novamente no salão. Aiden estava na frente da porta principal.

— Edward. Agatha murmurou ao ver o estado do marido. Ele não olhou para ela. Mantinha Colton Bristol em seu campo de visão quando jogou a espada no chão, fazendo-a deslizar para onde ele estava ainda caído. — Nunca mato um homem desarmado.

A voz gelada fez com que Agatha engolisse um soluço alto. Colton pegou a espada e levantou, tentando aprumar o corpo. Aiden continuou na frente da porta, impedindo que o americano tentasse fugir. — Edward, pare com isso. — Agatha reclamou e quis entrar na frente dele. Recuou ao receber uma advertência silenciosa do irmão. — Eu estou bem, vamos embora. — Não. Ele vai pagar o que te fez, aqui e agora. — Edward é o segundo melhor espadachim que conheço. — Aiden provocou. — Ele só perde para mim, claro. Recomendo que comece a rezar, Sr. Bristol. E recomendo que golpeie para arrancar-lhe um membro. Colton soltou um grito de raiva e avançou sobre Edward. Aquele era seu esporte favorito. Aprendera a lutar espadas desde muito jovem e usava a esgrima para defender-se, para exercitar-se, para extravasar quando precisava. Homens como Edward nunca podiam desabafar com amigos ou demonstrar qualquer sinal de cansaço. Para ser imbatível, ele lutava. E, naquele momento, lutava com toda a fúria contra o homem que deflorara sua esposa. Que a fizera passar pelo horror de um sequestro. E que provavelmente a engravidara com uma criança bastarda. O conde era um homem inteligente. Não precisou de muito esforço para fazer as conexões. Agatha deve ter parido um filho daquele verme. E a criança estava prestes a se tornar órfã de pai. Gareth tentou descer as escadas. O criado que se escondera apareceu para segurá-lo. Aiden entendeu que ele estava impedindo o homem de ir até o confronto. Edward moveu-se para um lado e Colton passou por ele. Os dois homens iniciaram uma dança em que o Conde de Cornwall conduzia. Com movimentos elegantes, Edward desviava das investidas do americano e atacava. Golpe a golpe, cortou-o no braço, na coxa, nas costelas e no rosto. Colton gritava, tanto de dor quanto de raiva. Depois de mais um golpe mal sucedido, o conde decidiu que era hora de encerrar o combate. Preferia que Agatha não estivesse presenciando tudo. Aiden precisava guardar a porta e ela não aceitaria ser retirada dali. Os lutadores se encararam por alguns segundos até que Edward desferiu os golpes finais. Primeiro, ele acertou Colton Bristol no estômago. A espada entrou e saiu sem verter uma gota de sangue. Quando o americano colocou a mão no ferimento, a hemorragia pode ser vista transbordando por sua camisa branca. Ele caiu de joelhos e a espada soltou de sua mão. — Essa é por ter violentado Agatha. Por tê-la desonrado e abandonado.

Segundo, Edward acertou-o no pescoço. A espada abriu a carne e fez o sangue esguichar no mesmo instante. Agatha gritou e levou a mão à boca. Aiden segurou a irmã em seus braços e a fez parar de olhar. Ela se debatia, mas Edward não podia prestar atenção nela. Ainda não. Colton levou as duas mãos ao pescoço. Ele não conseguia mais respirar e estava sufocando com o próprio sangue. — Essa é por tê-la sequestrado. Por tê-la ameaçado e por fazê-la vê-lo morrer. Por fim, ele cravou a espada no meio do peito de Colton. O americano caiu para frente sobre uma poça do próprio sangue. A sala estava em silêncio. — Essa é pela história que ela ainda vai me contar. Porque eu sei que você fez muito mais do que eu sei. Vejo você no inferno, miserável. Edward deixou a espada cair no chão. O ferimento no ombro finalmente começou a doer, drenando-lhe as forças. Ele sentiu as pernas fracas e também caiu sobre os joelhos. Seu corpo foi amparado por braços firmes e graciosos e ele relaxou no colo da mulher que ele amava.

Capítulo vigésimo terceiro

N EM TODO O sofrimento que vivenciara no parto de seu primeiro filho preparou Agatha para aquela experiência. Qualquer pessoa viria dois homens se enfrenando como animais, lutando por honra, vingança e orgulho. Ela via seu marido, o homem por quem estava completamente apaixonada, cumprindo outra de suas promessas. Ela queria que Colton morresse. Queria vê-lo sangrar e definhar em sua frente. Algo sombrio dentro dela desejava que aquele homem pagasse com a vida pelo que lhe fez. Mesmo assim, ela tentou evitar. Avisou ao estúpido Bristol que Edward o mataria. Sabia que nem seu marido, nem seu irmão, permitiriam que ele vivesse se soubessem que ele a havia sequestrado por razões que nem a própria Agatha entendia. Mas ela não tinha tempo de se preocupar com ele. Ao ver Edward sucumbir à exaustão do combate, com o sangue escorrendo por seu braço e ensopando sua camisa, Colton Bristol foi para último lugar em suas prioridades. Ajoelhou-se ao lado de Edward e o amparou, fazendo com que se apoiasse nela. — Aiden, faça alguma coisa. — Estou fazendo, irmã querida. — O duque abrira a porta e gritava para alguém que passava na rua. Depois ele reclamaria com ela porque um duque nunca gritava. Aquele era um comportamento incompatível com seu título. — Primeiro, preciso garantir que alguém venha limpar essa bagunça. Aiden desapareceu pela porta, ainda aos berros. Gareth Bristol continuava no salão, desolado. Talvez ele chorasse, mas ela não conseguia perceber. Também não conseguia sentir pena dele. O criado o conduziu para longe depois que a condessa pediu. Forçá-lo a encarar o corpo sem vida do irmão

era sofrimento demais até para ele. O duque voltou trazendo três homens consigo. Um oficial da polícia de Londres e dois homens que contratou para ajudá-lo. O policial cuidaria das questões legais envolvendo a morte de Colton Bristol e os homens carregariam Edward para uma carruagem de aluguel que os conduziria para Trowsdale House. Agatha não quis deixar o marido quando o ergueram. Edward estava consciente mas não alerta. — Ele está em choque. — Aiden tentava tranquilizá-la. Assim que chegarmos, vamos chamar um médico. — Quero ir para casa, levá-lo para casa. Posso cuidar dele e… — Acalme-se, Agatha. — O duque colocou as duas mãos sobre os joelhos de Agatha. Mesmo com as camadas de saias, ela sentiu o calor reconfortante do irmão — Assim que puder, Granger levará vocês para a McFadden Garden. A razão a tinha abandonado, porém Agatha sabia que Aiden estava certo. Ela cuidou do marido antes, em Hampshire, mas daquela vez era diferente. Não precisava fazer tudo sozinha e estava fragilizada por ter visto Edward matar um homem em sua frente. Sentimentos se misturavam dentro dela. Gratidão por ter sido resgatada e porque nada aconteceu a ele. Pavor e medo pelo que poderia ter acontecido. Pelo sangue, pelos gritos de agonia, pela dor. E apreensão porque seu marido acabara de cometer assassinato. Por certo aquilo teria implicações legais que ela desconhecia. Esperava que Aiden pudesse, também, ajudar a resolver.

Assim que pararam na casa do Duque de Shaftesbury, Elizabeth estava aguardando no saguão. Patrick esperava do lado de fora, agitado. A casa estava toda apreensiva porque sabiam que algo muito ruim acontecera. John contou a história que sabia e era suficiente para que a duquesa desconfiasse. Homens atrás de Agatha, Aiden demorando todo aquele tempo para retornar. Isso tinha que significar problemas. E a cena que viram era bastante chocante. O duque carregava o amigo conde, que se arrastava com o braço esquerdo pendurado ao lado do corpo. Havia muito sangue e Agatha estava em frangalhos.

— John, chame o doutor Davies. Sei que ele já está em Londres. Peça que venha aqui com urgência. — O duque ordenou. Davies não era apenas o médico de confiança da família Trowsdale. Era quem resolvia todas as questões complicadas com discrição e eficiência. Enquanto o mordomo dava ordens para que os criados cumprissem as determinações de Aiden, o duque carregava seu amigo para o andar de cima. Com a ajuda de Geoffrey, colocaram o conde em uma cama e começaram a rasgar a camisa. — O que está havendo? — Elizabeth segurou Agatha, que tentava ir atrás do marido. A condessa percebeu que suas mãos estavam ensanguentadas. Ela nunca vira tanto sangue na vida. — Uma longa história, Elizabeth. Mas agora eu preciso… — De um chá. — A duquesa puxou a cunhada com ela, conduzindo-a para a sala privativa. — E de me contar a longa história. Os homens vão dar conta de Edward. Ele está ferido? — Sim. Tenho que ficar com ele. — Certo. Já subiremos. Elizabeth pediu à criada que buscasse chá e torradas. Agatha tinha fome e seu corpo estava fraco. Quase não comera naquele dia. Quando a comida chegou, ela a devorou sem muita sutileza. Bebeu do chá de camomila e entendeu que a cunhada sabia que ela estava muito nervosa. Agatha precisava falar. Desabafou com Edward quando contou a ele sobre o que houve em Nova Iorque. Seu espírito ficou mais leve e ela pode lidar melhor com a violência que sofrera. Sua reputação estava novamente em xeque por causa da presença dos Bristol em Londres. Claro que todos saberiam o que eles faziam na cidade. Não havia segredos para a sociedade. Fofocar era o esporte favorito de todas as damas e cavalheiros. Contar a Elizabeth toda a história teve o mesmo efeito libertador. Desde o momento em que conheceu Gareth Bristol até voltar para Londres. E o que aconteceu naquela noite, quando Edward tirou a vida de Colton. A duquesa estava abalada. Mesmo que Elizabeth nunca demonstrasse emoções em excesso, ficou chocada ao saber que Agatha fora violada pelo americano. Mais ainda porque ela gerou um filho do maldito. Por sua experiência com gestações e partos ser muito feliz, era difícil mensurar o sofrimento da condessa. — É quase muito difícil acreditar que tenha guardado esse segredo por tanto tempo, Agatha. — A duquesa falou, ainda sem conseguir raciocinar claramente sobre tudo que lhe fora falado. — Estou

impressionada com sua força. Suportar tamanho fardo não é para qualquer uma. — Pensei que poderia enterrar essa história. Depois que a criança nasceu morta, não haveria rastros do que houve. E então, Edward McFadden aconteceu. Elizabeth deu uma risadinha. Apesar do caos, o saldo de tudo ainda era positivo. — Eu sinto muitíssimo, minha querida. Mas pense pelo lado bom, sempre há um. Você encontrou um marido compreensivo, que vingou sua honra com o próprio sangue. — Elizabeth bebericou o chá — E que está muito apaixonado por você, para aceitá-la com toda essa história. Edward é mesmo um homem à frente do seu tempo. — Ele não sabe do bebê. — Agatha confessou. — Não tive coragem de contar. — Assim que ele se recuperar você poderá colocar tudo às claras. Gostaria de vê-lo, agora? Sim. Agatha precisava saber se Edward estava bem. Mesmo sabendo que as notícias ruins galopavam, ela queria estar ao lado dele. Prometera fazê-lo rastejar a seus pés, mas nenhum homem faria por ela o que ele fez. Aquilo era demonstração suficiente de afeto, mesmo que ele não dissesse nada.

O ferimento de Edward não era muito grave. Davies examinou cuidadosamente e constatou que o chumbo penetrara os músculos, entrando pela frente e saindo por trás. Não havia resíduos metálicos que pudessem causar uma infeção. Pediu que comprassem água fenicada em um boticário e fez uma limpeza completa no local da ferida. Depois, prescreveu láudano para dor, tônicos e um curativo que deveria ser trocado diariamente. — O senhor deve recuperar todo o movimento do braço, milorde. — Disse o médico. — Mas precisa repousá-lo por alguns dias. Edward balançou a cabeça. — Isso é bobagem. Estou me sentindo ótimo. — Claro que sim, está entupido de láudano. — Aiden deu uma risada. — Obrigada, Davies. Vamos ao meu escritório para que possa te pagar. Meu amigo precisa descansar.

O duque saiu do quarto, levando o médico com ele. Edward não pretendia ficar ali deitado enquanto as coisas aconteciam. O ópio dopou a adrenalina que corria em suas veias, não o impediu de preocupar-se com o que ficou sem ser resolvido. Gareth Bristol, que ainda caminhava com vida, e Agatha. Subitamente ele se deu conta que não sabia onde a esposa estava nem como ela estava. Olhou para o braço esquerdo, inutilizado por um curativo muito bem feito e uma tipoia. Levantou-se e procurou um espelhou para confirmar que estava em péssimas condições. Sem camisa, com as calças desabotoadas, descalço e ainda salpicado de sangue. Preocuparam-se em cuidar do ferimento, não em garantir-lhe uma boa aparência. Edward hesitou um minuto inteiro sem saber se rompia de vez com o decoro e aparecia quase nu no meio da casa do amigo duque ou se esperava que alguém fosse até ele. Preferiu chamar um criado. Sentou na cama, pegou a sineta e, antes que pudesse tocá-la, a porta se abriu. Agatha colocou meio corpo para dentro do quarto. Ele sentiu o peso de três cavalos saindo de suas costas. Ainda não tivera tempo de refletir sobre o que acabara de acontecer. Precisava apenas garantir que sua esposa estivesse à salvo. Vendo-o desperto, ela foi até ele, seguida por Elizabeth. — Ah, meu Deus, Edward. Ele não deixou que ela falasse mais nada. Puxou-a para si com o braço direito e afundou a face nos tecidos do vestido empoeirado que ela usava. Agatha abraçou-o e acariciou seus cabelos. Ficaram daquela forma por minutos. Edward ouviu a porta se fechar e soube que a duquesa os deixava sozinhos. — Está doendo? — Ela se afastou centímetros e colocou a mão sobre o curativo. — Na verdade, não. Ah, Agatha, você quase me matou de preocupação! Aquele desgraçado te fez algo? Ele machucou você? — Não. Ele era covarde demais para tentar qualquer coisa. O conde fez com que a esposa se sentasse em seu colo. Ela ajeitou as saias e se acomodou de frente para ele. — Aquele maldito nunca mais tocará em você. Ou chegará perto de você, ou respirará para pensar em te fazer algo. Eu apenas desejava que você não tivesse presenciado nada daquilo. — Está tudo bem. Ele mereceu. Estou até mesmo um pouco satisfeita. —

Ela recostou a cabeça no peito do marido. Edward abraçou-a com mais força. — Lamento ter causado esse inconveniente. — Inconveniente? — Ele beijou-a na cabeça. — Você tem ideia do que me fez passar, Agatha? — Edward murmurou nos ouvidos dela, sem soltá-la. Era provável que a condessa não conseguisse respirar de tanto que ele a mantinha cativa em seus braços. — Eu estava em pânico imaginando que esse canalha tinha te feito algo. Se algo te acontecesse, eu não saberia viver sem você. Eu não sei ficar sem você, eu te amo tanto que não sei nem acordar de manhã se não souber que você estará do meu lado. — Ama? — Ela ergueu o olhar e o encarou. — Tem consciência de que estou acordada e alerta agora, senhor meu marido? — Sim, tenho. E não me importa, preciso que saiba. Eu te amo.

Ela desejou ouvir aquelas palavras. Precisava que Edward as dissesse espontaneamente e que não as retirasse depois. Agatha não sabia quando se apaixonara pelo conde. Era bem provável que fosse desde a adolescência. A irritação que ele lhe causava era proporcional ao fascínio que Edward exercia sobre ela. Precisou que ela fosse sequestrada, amarrada e que o conde espancasse um homem e degolasse outro para que ele se declarasse. Mesmo que Agatha estivesse tremendo pelo nervosismo, ela se sentia protegida e amada nos braços do marido. — Eu também te amo. — Ela murmurou. — É muito bom que possamos dizer isso um para o outro sem parecermos dois idiotas escondendo o que sentimos. — Não sou um idiota. — Ele reclamou. — Agora, não mais. Edward segurou-a pelo queixo e ela esperou que ele a beijasse, porém a porta do quarto se abriu. Aiden entrou e pigarreou, sugerindo estar incomodado com as manifestações de afeto. Agatha não se importou em estar sentada sobre as pernas do marido. Sentindo que, apesar do trauma, ele mantinha o mesmo vigor masculino de antes. — O comissário de polícia está no meu escritório. Aiden disse, sem preliminares. O duque era direto quando precisava ser.

Agatha saltou do colo de Edward e ajeitou as saias, nervosa. — Por que o comissário está aqui? O que ele pretende? — Ouvir Edward. Ouvir-me. Eu disse que ele podia vir, melhor resolvermos logo isso. Como está se sentindo, Edward? — Apto. — O conde ergueu-se, levantando com pouco equilíbrio. — Poderia me ajudar com a camisa, meu amor? Ela podia, mas não estava satisfeita com a presença da polícia na casa. A situação toda era incomum. Edward matara um homem. Não fora um duelo, mas os duelos em si não eram ilegais. Assassinato era. Se eles tivessem brigado, apenas, não haveria lei que os punisse. Mas Edward enfiara uma espada no coração do maldito. Colton era rico e tinha um pai influente. Suas mãos tremiam enquanto vestia no marido uma camisa branca que estava na mão de Aiden. Ela manteve o braço ferido por dentro e fechou os botões com alguma dificuldade, sentindo o coração bater acelerado. — Vai ficar tudo bem. — Ele beijou-a na testa, sentindo a ansiedade que a dominava. — Ninguém condenaria um homem por matar Colton depois do que ele te fez. — Mas ninguém sabe o que ele me fez. Sabe? A expressão de Edward, dura e penosa, fez com que Agatha entendesse a resposta mesmo que ele não dissesse uma palavra. — Parece-me que o irmão dele andou contando algumas coisas sobre você, minha irmã. — Aiden explicou. — E você sabe que isso significa que toda Londres já sabe de suas desventuras em Nova Iorque. — Todas? — Ela sentiu a boca seca. O coração falhou uma batida. — Todas. — Edward frisou a palavra ao repeti-la. — Conversaremos sobre isso depois, preciso atender ao comissário. Os dois homens desceram as escadas juntos. Edward recusou ser apoiado pelo amigo, ele não queria que o achassem vulnerável. Confessar que ama a esposa é uma coisa. Ser ferido pelo homem que acabara de matar era outra. Ele queria chegar de cabeça erguida e caminhando com as próprias pernas até o escritório do duque. Mesmo que, depois, desabasse no sofá e só levantasse quando tudo acabasse. Agatha foi atrás, mas não conseguiu relaxar. Não sabia o que mais temia. Havia a possibilidade do marido sofrer um processo por assassinato. E havia a possibilidade de ele saber do bebê. Saber que ela lhe escondera parte da verdade. Enquanto os homens conversavam, ela se juntou a Elizabeth e os filhos.

Os gêmeos já dormiam e ela em breve mandaria Patrick e Peter para a cama. Ao menos a arruaça dos meninos ajudava a amenizar a ansiedade da espera.

Os bigodes do comissário estavam mais afiados. Edward percebeu que ele usava um terno elegante e suspeitou que fosse pela visita à Trowsdale House. Havia duas coisas que todo mundo em Londres sabia. A primeira, era que o Duque de Shaftesbury era escandalosamente rico. E a segunda era que deveriam temê-lo. Aiden cultivou uma fama de quem seria capaz de arruinar qualquer reputação que cruzasse seu caminho sem muito esforço. Sua ação no Parlamento era sempre incisiva e ele tinha aliados muito fortes. Se o comissário quisesse manter seu cargo, não deveria incomodá-lo. Vestir-se de acordo com a presença de um duque era o mínimo que faria. — Vossa Graça entende que temos o corpo do filho de um milionário americano. — O comissário explicou. — E que precisamos, ao menos, dar uma justificativa para a família. A situação é delicada, Alteza. — Diga a verdade para a família, Longbooth. — O duque serviu uísque para todos. — A Condessa de Cornwall foi sequestrada pelo homem e o marido dela foi resgatá-la. O sequestrador atirou, houve uma luta e o resultado todos sabemos. — Dizer a verdade significa especularem sobre os motivos do sequestro, Alteza. O duque olhou para Edward. Até então, o conde olhava para o fundo do copo de uísque e não falava nada. Aquela não era uma decisão que Aiden poderia tomar sozinho. — Conversarei com Agatha. — Ele disse, finalmente. Ergueu os olhos e encarou o comissário. — É a reputação de minha esposa que está em discussão. A decisão será dela. Se a verdade não puder ser dita, inventaremos uma mentira crível. Colton Bristol podia ser filho de alguém rico e influente, mas era escória e mereceu morrer. O comissário quis discutir. Edward sabia que ele questionaria por que o conde não estava tomando logo a decisão. A reputação e a honra de uma mulher casada só diziam respeito ao marido, nunca a elas próprias. Mas ficou em silêncio. O duque também era um homem que dava voz à sua esposa. As

atitudes daqueles nobres eram incomuns e Longbooth apenas perderia seu tempo tentando dissuadi-los. A conversa masculina se estendeu. O assunto variou um pouco, mas manteve o foco do assassinato. Discutiram outros casos similares e falaram sobre a existência de leis que protegessem mulheres de situações como aquelas. Sempre que um homem desonrava uma mulher, era preciso que seu pai, seu irmão ou seu marido agissem de forma bruta. Não havia lei suficiente para garantir que os violadores fossem presos. Aquele precisava se tornar um pleito no Parlamento. Em trocas silenciosas de olhares, Aiden e Edward acordaram que uniriam esforços para garantir que se estudasse uma forma de evitar lutas sangrentas pela honra das mulheres. Quando o comissário finalmente deixou a Trowsdale House já passava das dez da noite. Elizabeth se recolhera com Patrick e Peter e apenas Agatha aguardava na biblioteca. Havia uma pilha de livros ao seu lado e ela não parecia estar concentrada em nenhum deles. — Vamos para casa. — Edward ofereceu a mão direita para que ela se levantasse. — Você precisa descansar. — Está tudo bem? A voz dela falhou. Ele a segurou pela nuca e puxou a sua boca para um beijo calmo. Um toque com os lábios. Edward queria apenas fazer com que ela entendesse que sim, estava tudo bem. — Agora vai ficar.

Capítulo vigésimo quarto

A M C F ADDEN G ARDEN estava tão agitada quanto a Trowsdale House. Brett não deixou ninguém relaxar enquanto o conde não voltasse para casa. Moira estava nervosa e Lavínia só aceitara ir para o quarto com Mary depois de muitas promessas de que Agatha iria até ela quando chegasse. Quando a carruagem parou à frente da casa, o mordomo desceu as escadas apressado para receber o patrão e a condessa. Edward era um bom patrão. Pagava bem e cuidava dos empregados. Eles eram gratos e ficaram genuinamente preocupados com o sumiço da condessa. — Sejam bem vindos. — Brett ajudou o conde a descer da carruagem. — Vou ordenar que preparem um banho para cada um e que sirvam o jantar. — Brett, nós… — Será servido na suíte, milorde. — O mordomo piscou para Agatha. — Está tudo bem com a senhora, milady? — Sim, Brett. Obrigada. Como está Lavínia? — A menina foi dormir com Mary. Ela é muito educada e não dá trabalho para ninguém. A noticia a fez sorrir. Daquela vez, Edward aceitou o apoio dela para subir as escadas e novamente a ajuda para abrir a camisa. Moira pessoalmente preparou um banho quente para Agatha, mas ela não precisava, nem queria, a presença de mais ninguém na suíte. Depois de tirar as camadas de vestido, algo que não conseguiria fazer sozinha, dispensou a camareira. Na casa de banho, a água fumegante preenchia a banheira de cobre. Agatha tinha certeza que, quando mergulhasse ali, relaxaria e espantaria toda a inquietação do dia. Então decidiu que era melhor que Edward fosse o primeiro.

Olhou para ele, recostado na cama, e sentiu seu coração apertado. Ainda havia o que resolver entre eles. Mesmo que ele confessasse seu amor, os segredos que ela deixara de revelar eram desonrosos demais. Com os olhos fechados, Edward repousava a mão direita sobre a barriga. Mesmo doente, o corpo despido dele causava um alvoroço dentro dela. — Venha. — Agatha se aproximou e o beijou na bochecha. — Você precisa mais do que eu. O conde não entendeu imediatamente o que ela dizia, mas seguiu-a. Depois que a esposa levou as mãos até os botões da calça que ele vestia e os abriu, esperou que ela o estivesse conduzindo ao banho. — Entre na banheira, vou ajudá-lo a lavar os cabelos. — Você deve estar exausta. — Edward recostou a cabeça na borda metálica. — Posso chamar Grey para me auxiliar. — Você prefere chamar Grey? — A pergunta saiu forçada. Agatha tinha a voz presa e só saíam ganidos de sua garganta. Estava nervosa, ainda. Edward ergueu o olhar e a encarou. — Se eu prefiro um homem me tocando ao invés da minha esposa? Certamente que não. — Então permita-me. Enchendo a mão de sabão pastoso, Agatha molhou os cabelos do conde e os ensaboou. Enquanto acariciava fio por fio, percebia o quanto aquele dourado a entorpecia. Seria a maldição dos Trowsdale se apaixonar por cabelos dourados como aqueles? Enquanto se perdia nos próprios devaneios, Agatha desceu as mãos pelo pescoço, pelo ombro, pelo peito. Edward soltou um gemido baixo e colocou sua mão sobre a dela, impedindo-a de descer mais. O curativo o impedia de mergulhar na banheira. O conde rendeu-se aos carinhos de Agatha e ficou o tempo todo em silêncio, mas ela precisava falar. Tinha que contar o restante da história e as palavras simplesmente não foram contidas. Saíram de sua boca em turbilhões. — Precisamos conversar. — Ela murmurou no ouvido dele. — Depois de tudo que aconteceu, sei que você bateu em Gareth Bristol. — Não o matei porque seu irmão não deixou. — Edward respondeu. A voz estava dura e seca. — Como você o descobriu, Edward? Como sabe que ele falou sobre mim? Aquela era a pergunta que conduziria às respostas indesejadas. A uma

conversa que a condessa não queria ter nunca, mas que precisava acontecer. — Eu estava lá quando ele falou. Agatha, preciso fazer uma pergunta. Seja sincera comigo. — O conde ajeitou-se na banheira e puxou a esposa para que ela pudesse ficar de frente para ele. A água começava a esfriar, mas não era um problema. — Você tem um filho bastardo perdido por aí? Agatha piscou algumas vezes. Nervosa, agarrou a borda da banheira e levou algum tempo pensando no que dizer. O maldito Gareth contara tudo, realmente. Ela suspeitava. Ele era mais idiota do que Agatha imaginava. Como fora tola em se apaixonar por aquele traste. — Não. — Os Bristol parecem bem seguros de que sim. — A criança morreu no parto. — Ela confessou. Fechou os olhos para adquirir coragem de prosseguir. As imagens a inundavam e ela estava prestes a transbordar. — Eu senti as dores cedo demais, ela nasceu aos seis meses. Por isso eu temo ser como minha mãe. Não devo ser capaz de dar à luz uma criança saudável, Edward. Mais uma vez, aquele assunto fez com que ela fosse dominada pela emoção. Agatha levantou repentinamente e saiu da casa de banho, as lágrimas escorrendo por suas bochechas em uma torrente que não era possível interromper. Sentou-se na cama do marido, iluminada pela pouca luz da lareira acesa. O dia fora exaustivo e ela estava mentalmente esgotada. Repousou a face sobre as mãos e deixou que as lágrimas rolassem. Não podia impedi-las, nem queria. Agatha precisava chorar muito pelo luto que não teve. E pelo medo do futuro. Os soluços não permitiram que ela ouvisse passos, nem sentisse a presença do marido. Só quando a mão dele tocou-a no ombro que percebeu Edward sentado ao seu lado. — Eu sinto muito, Agatha. Deve ter sido muito difícil lidar com isso sozinha, até agora. — Por favor, Edward. — Ela virou para ele com olhos avermelhados. — Não me rejeite por isso. Sei que nunca pretendi te dar filhos e sempre falei isso claramente, mas eu não imaginava que me apaixonaria. Não tenho mais nenhuma dignidade nem honra em toda Londres, não sei o que será de mim se você me abandonar agora. As palavras continuaram a atropelá-la. O semblante de Edward se tornou rígido e uma linha unia as duas sobrancelhas.

— Agatha, você está pensando que vou rejeitá-la porque perdeu uma criança? Céus, você faz um péssimo juízo de mim. — É que homens… — Não sou qualquer homem. — Ele a interrompeu. — Pensei que tivesse provado isso até agora, mas vejo que me enganei. Eu te amo. Não me importa o que houve no seu passado, ele está morto e será enterrado. Sou seu futuro, minha esposa, e não pretendo abrir mão disso. Ela abriu os olhos arregalados e piscou novamente. Várias vezes, querendo desanuviar a visão. Nada em Edward sugeria que ele estava mentindo ou fingindo. — Gostaria de não precisar passar a vida provando que te amo. Mas, se precisar, é o que farei. Eu teria te aceitado inclusive com a criança, se ela tivesse sobrevivido. Não duvide do que sinto. É mais forte até do que eu posso suportar. As palavras dele saíam sinceras e ela não resistiu. Beijou-o nos lábios ternamente, roçou a boca na dele e tentou mostrar, com um gesto, que ela acreditaria. Que ela acreditava. — Então talvez seja melhor eu contar o outro segredo. — Agatha provocou. — Outro? — O conde passou a mão nos cabelos molhados. — Deus, é mais sombrio do que ser violada e perder um filho? Porque não imagino nada pior que isso. Você não matou ninguém, matou? O momento era sério, porém Agatha quis rir. Ele a fazia rir. Ele sempre a fez rir. Edward sempre fora a luz quando ela se perdia pelo caminho. — Não, meu marido. É que eu muito provavelmente, quase certamente, estou carregando o seu herdeiro no ventre. E estou bastante apavorada com isso.

Ele acabara de matar um homem. Descobrira que sua esposa sofreu o diabo em Nova Iorque. Contara a ela que a amava. Porque ele amava, até mais do que à própria vida. E não fazia ideia de como reagir àquela revelação. Ele seria pai. Ela carregava o filho que eles casaram jurando que não queriam, mas que passaram a desejar intensamente. — Tem certeza? — Foi o que conseguiu dizer.

— Não. Mas as minhas regras já deveriam ter vindo e eu não costumo atrasar. E não é como se não estivéssemos bastante empenhados em atividades que têm como resultado produzir um bebê. Edward levantou-se subitamente. A toalha enrolada em seus quadris quase caiu. Sentiu uma pontada no ferimento porque fez um movimento brusco. Olhou para Agatha, que estava ainda sentada, usando uma combinação de seda e os cabelos soltos pelos ombros. Poderia ela estar ainda mais linda do que todas as outras vezes que olhou para ela? Ter filhos era algo que ele esperava. Precisava, era claro, para dar continuidade aos McFadden. Para garantir a transmissão do título. Mas Edward sempre encarou o processo como mecânico. Inclusive quando se casou com Agatha, certo que ela não nutria sentimentos por ele. Tinha certeza que ela lhe daria filhos, só não se via envolvido demais na criação deles. Depois de tantos irmãos, sendo o mais velho e de quem se esperava perfeição, Edward não queria mais aquela responsabilidade. E então sua esposa dizia que estava grávida. Com todos os sentimentos envolvidos, isso o deixou à flor da pele. — Você está sentindo alguma coisa? — Perguntou a ela, sentando novamente. — Cansaço. — E… — Edward levou a mão espalmada até o ventre de Agatha. Ela estava quente. — Acha que estaria tudo bem? Depois de hoje, do que houve… — Não sei. — Ela colocou a mão por cima da dele. — Eu morria de medo, mas você me ensinou a ter coragem. Eu não acreditava que fosse capaz, mas você acreditou em mim e agora sei que farei de tudo para que esse bebê nasça saudável. Hoje eu entendo minha mãe, os motivos pelos quais ela insistiu tanto. Eu não sabia que queria essa criança tanto até enfrentar a possibilidade de que ela seja real. A expressão dela era de pura felicidade. Agatha era pura. Não havia nada que ele fizesse por ela que fosse suficiente para compensar o quanto ela lhe causava bem. Sem conseguir nem mesmo entender os sentimentos que se misturavam em seu peito, Edward segurou-a pela nuca e a beijou. Depois de tudo, beijá-la era o que faria com que ele se sentisse vivo. — Como se sente quanto a isso? — Ela perguntou, encontrando espaço entre os beijos dele. — Ah, Agatha. — Edward traçou a linha do queixo dela com a boca. —

Eu também nunca quis tanto filhos quanto agora. Só de imaginar que um pedaço de mim está dentro de você… isso faz de mim o homem mais sortudo de toda a Inglaterra. — Ainda não temos certeza. Edward não se importou com aquilo. Continuou a beijá-la como se estivesse buscando o ar que lhe faltava. Agatha apoiou as duas mãos no peito dele e rompeu o contato quando as bocas ficaram famintas demais. — Vou me lavar. Você verá se nosso jantar já foi servido. Vamos comer e vamos dormir. Ele riu. Ela se levantou e foi até o quarto de banho, deixando-o cheio de expectativas e ansiedade. — Sabe que precisa garantir um menino agora, não sabe? — Implicou ele, falando um pouco mais alto para que ela ouvisse. Agatha mostrou metade do corpo pela porta. Estava nua, já pronta para o banho. — Por que essa exigência toda, marido? — Porque já temos Lavínia. Também quero ter um de cada. O sorriso de Agatha fez com que ele desejasse arrancar aquela tipoia para poder agarrá-la e fazer amor com ela ali mesmo onde estava. Refreou seus instintos e fez o que ela mandou. Não se importava mais em ser mandado por ela. Depois pensaria em como faria para dar uma surra em Aiden. Seu melhor amigo era uma péssima influência. Por causa dele, Edward era mais um tolo apaixonado por sua esposa.

O evento que culminou com Edward McFadden matando Colton Bristol em legítima defesa foi julgado algumas semanas depois. O comissário de polícia iniciou um inquérito que contou como principal testemunha o Duque de Shaftesbury. Um criado contratado pelo falecido também foi ouvido. Ambos confirmaram que o homem tinha a condessa sob a mira de uma pistola e que estava fora de seu juízo perfeito. Até a notícia chegar às colônias, o inquérito fora encerrado pela constatação de que o conde agira em defesa da vida da esposa. Gareth Bristol não sofreu queixas, nem prestou alguma. Foi enviado de navio para Nova Iorque a fim de que por lá permanecesse. Edward não permitiu que ele se aproximasse de Agatha, nem mesmo para pedir perdão.

Ele não teria o direito de se redimir e ela não desejava vê-lo. Durante esses dias, Agatha visitou um médico que confirmou a gravidez que ela já sabia. E aceitou que toda Londres soubesse da verdade. A melhor defesa para seu marido era que tudo ficasse às claras. Não havia muito o que salvar. Tudo que precisava, estava em sua família. Tinha o melhor irmão, que se casara com a melhor mulher. E tinha o melhor marido, por quem estava cada dia mais apaixonada. Também reforçara os laços com Caroline Eckley. A escola de moças finalmente saiu do planejamento e começou a ser executada. Tiveram assessoria de Oglethorpe e contrataram um empreiteiro que prometeu transformar o lugar naquilo que elas desejavam. Quando as obras ficassem prontas e pudessem inaugurar a escola, sabiam que contariam com toda ajuda que pudessem para convencer a sociedade, e a burguesia, que eram duas damas respeitáveis. A adoção de Lavínia saiu vinte dias depois que ela se mudou para a McFadden Garden. Edward deu entrada nos papéis e eles logo foram deferidos. Quando um conde queria adotar uma criança órfã, o conde em questão adotava a criança que desejasse. Mesmo que todo dia Agatha desejasse levar mais uma para casa, ela sabia que era melhor fazer uma coisa de cada vez. Cuidar para que elas fossem bem tratadas no orfanato e garantir que seu filho nascesse saudável. A menina não falou nenhuma palavra. Não emitiu nenhum som. Nem quando abraçou Agatha e chorou ao saber que ela moraria para sempre com os McFadden. Edward garantiu que arrumaria os melhores especialistas para cuidar daquela questão, mas Agatha suspeitava que fosse emocional. Que, um dia, ela estaria segura o suficiente para se expressar. Mesmo com todo o trabalho que consumia todo o dia de Agatha, ela acendia uma vela cada noite e dava graças por não ter sentido as dores do parto. De todos os medos de sua vida, o único que não desapareceu fora aquele. O medo de não conseguir dar a Edward filhos. De ser como sua mãe. E cada mês que passava, ela precisava reduzir as tarefas. Não pode mais ir até a escola, nem à casa de filhos de mães trabalhadoras, nem à casa de Aiden e Elizabeth. Não podia visitar seus sobrinhos, tendo que contar com a paciência da duquesa para levar as quatro crianças para vê-la. Agatha temia fazer esforço demais e perder o bebê. Mesmo que o médico dissesse que estava tudo bem. E então, em uma noite de primavera, Agatha entrou em trabalho de parto.

Nove meses depois de descobrir que carregava um bebê, fruto de um tão ambicionado casamento por amor. — Nem Deus em pessoa vai me tirar desse quarto. Edward rosnou para a parteira que insistia para que ele saísse. Desde que Agatha indicou que o bebê nasceria e a casa inteira acordou, nada demovia o conde do lado dela. — Talvez seja melhor se esperasse lá em baixo, meu amor. — Ela acariciou a face do marido. — Avisaram Aiden e Elizabeth? — Mandei que fossem avisar. E eu espero, se, e somente se, você quiser assim. Prefere que eu saia? A expressão dele indicava sinceridade. Edward faria o que ela quisesse e pedisse. Agatha estava calma, porque o parto estava na data prevista. Muita coisa podia dar errado, mas ela acreditava que o maior problema fora superado. Mesmo assim, gostaria, sim, da presença dele. — Não é adequado que o pai fique enquanto… — Pelos céus! — O conde esbravejou. — Se um médico pode mexer na minha esposa, por que diabo não posso ficar? Não há nada aí que eu não tenha visto, como acha que esse bebê foi parar dentro dela? Agatha deu uma risada. A parteira se afastou, assustada. O médico chegou, entrando com Elizabeth. O quarto ficou subitamente muito cheio. Mas estava cheio de pessoas que ela amava e que a ajudariam. — Edward, não afugente a Sra. Ferguson. Senão como seu filho virá ao mundo? O conde concordou. Levantou-se, pegou água para ela beber. Esperou paciente na cabeceira enquanto o médico tocava lá e acolá para descobrir a posição do bebê. Tudo indicava que o parto transcorria dentro da normalidade. Quando as contrações aumentaram muito e Agatha passou a sentir mais dor, ele se ajoelhou ao lado da cama. Segurou-a pela mão e limpou o suor de seu rosto. — Agatha, olhe para mim. O que você vê? Ela sorriu. — Você. — Vai ficar tudo bem. Eu estou aqui. Você confia em mim? Agatha não respondeu, apenas assentiu com a cabeça. Elizabeth interrompeu o momento e relegou Edward para um canto no quarto. Agatha ficou rodeada de toalhas e com o médico e a parteira esperando que uma última contração expulsasse a criança de vez.

Tudo não levou mais do que meia hora, mesmo que Edward considerasse que se passara um ano. Agatha gritou e, em seguida, o choro de um bebê chamou a atenção da casa inteira. — Ora, essa tem um pulmão forte. A Sra. Ferguson pegou o bebê e o enrolou em uma manta. O médico examinou rapidamente o recém nascido e o entregou para a mãe. Agatha abriu os braços para recebê-lo, mesmo exausta das horas em trabalho de parto. — É uma menina. — Elizabeth chegou até Edward, que estava paralisado, recostado na parede. — Por que não desce e dá a notícia a Aiden? — Posso vê-la, primeiro? — Claro. Elizabeth segurou a mão do conde e o conduziu até o lado da cama. O antes rabugento e determinado Edward se reduzira a um homem impactado por presenciar o milagre da vida. Quando ele sentou ao lado de Agatha, ela imediatamente transferiu o bebê para os braços dele. — Já pensou em um nome para ela? — Não me veio nada na cabeça. — Edward suspirou, olhando para a filha. — Deus, Agatha, ela é perfeita, não é? — Sim, ela é. — Agatha sorriu. — Mas não é um menino, então acho que teremos que continuar tentando aquela coisa de se empenhar o máximo na produção de um herdeiro. A parteira proferiu uma frase qualquer da Bíblia e o médico virou de costas. Elizabeth abafou uma risada na toalha branca que carregava. Edward devolveu a menina para os braços da mãe e beijou-a na testa. — Vai ser muito difícil, mas já que precisamos… O conde levantou-se e finalmente deixou o quarto, indo dar a notícia do nascimento de sua primeira filha para o melhor amigo e tio da criança. Era, de verdade, a segunda filha. Afinal, eles tinham Lavínia. E, se dependesse de Agatha, eles teriam tantos aniversários de filhos para comemorar que faltariam meses no ano.

Epílogo

A NOTÍCIA do nascimento da primeira filha do Conde de Cornwall chegou a Caroline Eckley no dia seguinte. Por um momento, a sobrinha do marquês riu da sorte de Agatha. Ela mal tinha se casado e já estava procriando. Aquilo não era bem um problema para a aristocracia, já que as mulheres sempre tinham babás e tutoras para cuidar dos filhos. Mas a gravidez e o confinamento de Agatha fizeram com que elas precisassem adiar a abertura da escola que construíram. Era apenas um inconveniente. Caroline sempre soube que dava conta da empreitada sozinha, mas precisava de Agatha porque ela era como Moisés. Abriria caminhos que ela mesma não teria a capacidade de trilhar. Sem um título exatamente, tendo a mesma honra de uma meretriz, poucas famílias confiariam em Caroline para orientar suas filhas no que fosse. A escola estava pronta, decorada, mobiliada. Iniciaram as entrevistas das mulheres que atuariam como tutoras e professoras das jovens que se matriculariam. Mas ainda não estavam funcionando porque esperavam que Agatha parisse. Agora, esperariam que ela estivesse bem o suficiente para sair de casa. Assim, poderiam iniciar os trabalhos. Olhando o telegrama por vários minutos, Caroline sentiu algo estranho em seu peito. Agatha estava feliz. Edward estava feliz. Aiden estava feliz. Eles tinham encontrado alegria no casamento, algo que ela imaginava impossível. Tudo que Caroline sempre quis foi independência. Ser dona de suas decisões. Casar significava abrir mão daquilo. Ela não foi criada para casar. Mesmo que os homens da família soubessem que ela precisava, eles não sabiam como prepará-la. E nenhuma tutora foi capaz de assentar o espírito selvagem de Caroline. Lady Eckley não

nascera para ser domada. Nem castrada. Era isso que aconteceria se ela se casasse. Seus bens iriam para o marido. As decisões de sua vida iriam para seu marido. Ele seria seu senhor. Ela não aceitaria isso. No fundo, a vontade de ter alguém ao seu lado era grande. A vontade de embalar um bebê, fruto de seu amor, era real. Caroline apenas contentou-se que isso não aconteceria com ela. Para que tivesse as duas coisas, precisaria submeter-se ao casamento. E isso ela não faria. — Milady. — A camareira bateu à porta da sala privativa e entrou. Caroline morava em um apartamento na Grosvenor Square, um espaço moderno e cheio de infraestrutura. Usou praticamente toda a sua renda anual para investir no lugar e quase precisou pedir ajuda para pagar aos criados. Mas não se arrependeu. O conforto era importante. — Há um homem querendo falar com a senhora. Os criados já estavam acostumados ao comportamento de Lady Eckley. Se ela tivesse nascido homem, seria chamada de libertino. Seria um devasso. Como nasceu mulher, não tinha moral. A sociedade tinha uma forma curiosa de nomear de forma diversa o mesmo comportamento em gêneros diferentes. — Não estou esperando ninguém. Peça que volte outra hora. A camareira saiu e Caroline serviu-se de um conhaque. Já ouvira que damas não tomavam conhaque. Era por aqueles motivos que preferia a companhia dos cavalheiros. Deles não era esperado decoro, nem decência, nem virtudes. Até era, mas os que não tinham nada daquilo continuavam com o respeito da sociedade. Os duques, condes e marqueses que frequentaram sua cama atestavam o fato. — Milady, tentei fazê-lo ir embora, mas ele insiste. Disse para avisá-la que é o Lorde McFadden. Caroline parou com o copo no meio do trajeto para a sua boca. Não era Edward, ele se identificaria como Conde de Cornwall. Qual dos irmãos estaria ali para importuná-la? — Diga a ele que estou indo. Aliás, deixe que eu mesma digo. A sobrinha do marquês ajeitou as saias e desceu as escadas apressada. A curiosidade falava mais alto do que a segurança. Se não era Edward que estava procurando-a, só podia ser o outro lorde. O segundo filho. — Isaac. — Ela demonstrou entusiasmo ao ver o jovem lorde de pé na sala. O apartamento de Caroline era de tamanho modesto. Pessoas solteiras e livres como ela preferiam espaços cada vez menores, que podiam administrar

com poucos criados e muito conforto. Gastavam menos e tinham mais liberdade de ir e vir do que em mansões enormes. Isaac McFadden usava um traje completo. Calça cinza de linho, camisa branca, colete de lã e um paleto escuro com botões cuidadosamente fechados. Segurava um chapéu de feltro na mão e tinha o semblante decidido, porém hesitante. O azul de seus olhos era tão poderoso que fez Caroline quase tropeçar quando ele a encarou. — Lady Eckley, obrigado por me receber. Se pudermos conversar um pouco, gostaria de alguns minutos de sua atenção. Caroline olhou em volta e ele estava sozinho. O relógio em cima do aparador de mogno marcava onze e quinze da noite. — Não é muito tarde para me visitar desacompanhado? Creio que sua honra está em risco, milorde. Sou uma libertina notória. Se ficarem sabendo que está aqui comigo, sua reputação estará arruinada. Ele deu uma risada nervosa. — Creio que não existam libertinas, milady. — Então acabo de inventar o tipo. O que pensa que sou, afinal? — Uma dama. — Isaac insistiu. — Certo. Venha ao meu escritório, vamos conversar. Mulheres não tinham escritórios, aquilo era incomum. Mas Caroline em breve seria uma mulher de negócios e não queria saber das coisas comuns. Precisava de espaço para sua papelada e gostaria de manter um espaço daqueles em sua própria residência. Isaac acompanhou-a até uma sala pequena, ornamentada com estantes, um sofá de tamanho médio, que acomodava duas pessoas, duas poltronas e uma mesa marrom que estavam entulhada de livros e papéis. A lady serviu duas doses de uísque e entregou uma ao lorde. Ele fitou brevemente o líquido antes de começar a falar. — Estava em Kent até ontem, quando retornei ao saber do nascimento da minha sobrinha. — Tem passado muito tempo em Kent, milorde. Não vai mais trabalhar na fábrica? — Com a aquisição da propriedade em Hampshire, o conde precisou redividir seus irmãos. Nathaniel está cuidando da madeireira e eu estou por conta de Greenwood Park. Mas o motivo que me trouxe aqui é… durante minha estada no litoral, conheci uma dama. Lady Francesca. — Aristocracia italiana? — Caroline arriscou.

— Sim, o pai dela está com negócios em Londres. Essa nova tendência dos aristocratas investirem em indústrias, ferrovias e navegação não é exclusiva dos ingleses, pelo visto. — Certo, milorde. O senhor veio aqui para me contar que conheceu esta dama? — Não. É que fica mais simples entender meus motivos se eu conseguir explicar toda a história. A verdade é que me interessei por Lady Francesca e pedi autorização ao pai dela para cortejá-la. — Creio que ele tenha dado sua bênção. O senhor é o segundo filho de um conde. Irmão do atual Conde de Cornwall e segundo na linha de sucessão do título. Primeiro, se Edward não for capaz de produzir um herdeiro. Casar a filha com o senhor é um trampolim para o sucesso na sociedade londrina. O lorde sorriu, repuxando os lábios para cima. Caroline examinou-o sem pudor, correndo os olhos dos cabelos castanho claros até os sapatos envernizados. O homem à sua frente era lindo. — Foi exatamente isso que disse minha mãe. Mas, como sou o segundo filho, certamente casarei com damas de menos relevância social. As filhas dos duques e marqueses querem se casar com duques ou príncipes, de preferência. — E? — Caroline encorajou-o a prosseguir. — E que Lady Francesca é uma jovem bastante entusiasmada. Estivemos em um jantar de amigos e ela me pediu que lhe roubasse um beijo. — Gosto do tipo de Lady Francesca. — Caroline riu. — Mas não estou entendendo exatamente qual o meu papel nessa história, milorde. Poderia ir logo ao ponto? Não gosto de pensar que estou sendo enrolada. Isaac apertou o vidro entre os dedos. Bebeu o uísque em um gole só e apoiou o copo sobre a mesa. — Lady Eckley, eu amo meu irmão. Ele é minha maior inspiração. Sempre quis ser como Edward em tudo, menos em uma coisa: odeio que ele seja um libertino. Tenho repulsa por esse lado dele e estou bastante satisfeito que Agatha conseguiu endireitá-lo. Antes eu temia que ela não o fizesse feliz, mas agora vejo que ela não apenas o transborda de felicidade, como também o mantém na linha. — Certamente, a condessa tirou seu irmão de circulação. Ele só tem olhos para a esposa, ainda mais agora que eles têm um bebê. Mas? — Por causa disso, milady, eu acabei crescendo com certa aversão a… — O lorde respirou fundo e ergueu o mar azul que estava contido em seu olhar.

— Eu nunca estive com uma mulher. — Nunca esteve… — Eu sou virgem, milady. Caroline cuspiu o uísque que levara à boca. Uma crise de tosse a acometeu, fazendo com que se sentasse imediatamente. Sentiu o ardor do álcool que saiu por suas narinas no acesso explosivo que a informação despejada por Isaac lhe causou. — Não existem homens virgens, milorde. Nem os garotos de quinze anos são virgens. — Então sou uma rara espécie em extinção. A expressão de sinceridade absoluta na face do lorde fez com que Caroline o encarasse com suspeita. Ele parecia dizer a verdade. — Milorde, o senhor não gosta de mulheres? — Claro que gosto. — Isaac pareceu ofender-se. — Veja, não me leve a mal. Não me importo se prefere homens. Não sou puritana, pelos céus! — Nunca desejei homens, milady. Eu gosto de mulheres. Eu já tive desejo por elas. Apenas não consumei nenhum ato. E Caroline Eckley desabou em uma gargalhada sonora e espalhafatosa. Seus cabelos escuros e soltos sobre os ombros farfalharam com o movimento de seu corpo. O disparate do absurdo que lhe estava sendo contado era demais para que ela conseguisse se controlar. Sabia que não estava sendo educada, mas era impossível de acreditar que Isaac McFadden era virgem. — Desculpe-me, milorde. É que não consigo crer no que ouço. Ainda assim, continuo sem entender por que veio me contar isso. — Agora que há a possibilidade que me case em breve, não quero parecer ignorante. Algum tempo atrás sentia que era romântico que eu aprendesse sobre os prazeres entre homens e mulheres junto com minha esposa. Hoje, temo não saber satisfazê-la. A sinceridade cortante de Isaac silenciou o riso de Caroline. O jovem lorde estava realmente preocupado com aquele “problema” relacionado à sua virgindade bastante indesejada. — Pergunte ao seu irmão. Ele definitivamente sabe como satisfazer uma mulher na cama. — Não quero explicações. Quero aprender de verdade. — E insisto… onde eu entro nisso, milorde? Isaac fitou-a sem hesitar mais.

— Lady Eckley eu estou aqui porque tomei uma decisão. Eu gostaria que a senhorita aceitasse me ajudar e tirasse a minha virgindade.

A SOBRINHA DO MARQUÊS

Capítulo primeiro

Q UANDO L ORDE I SAAC M C F ADDEN decidiu sair de Kent e ir a Londres, ele tinha uma única certeza: não queria continuar a ser um virgem. Primeiro, nenhum homem de vinte e quatro anos era virgem. Ele ainda era jovem, mas todos os meninos que conhecia já tinham dormido com uma mulher. E, quando ele dizia todos, ele incluía seus dois irmãos mais novos, Nathaniel e Emile. Até o adoentado irmão erudito, que vivia enfiado em livros e estudos, já tinha se deitado com uma garota. Uma prostituta, Isaac sabia, mas, ainda assim, uma mulher. Seu irmão mais velho, Edward, o Conde de Cornwall, era um libertino consagrado. Londres inteira reconhecia as habilidades do conde quando se tratava de seduzir uma mulher. Edward estava casado e oficialmente fora do mercado da libertinagem, mas ele já tinha esgotado a quota de dez homens. Segundo, ele estava cortejando uma dama que já se mostrara um tanto quanto fogosa. Tinham avisado que as italianas eram como as francesas. Mulheres que gostavam do prazer. Que seduziam os homens, ao invés de serem seduzidas por eles. Se ele não demonstrasse competência para Lady Francesca, ela o acharia um frouxo. E Isaac McFadden era o segundo na linha de sucessão do condado de Cornwall. Ele não era um frouxo. As regras, no entanto, eram complicadas. Por que Isaac tinha que ser um lorde tão difícil? Quem o conhecia superficialmente acreditava que ele era um nobre divertido, de boa conversa e companheiro de bebedeiras. Mas, se alguém se arriscasse a conhecê-lo mais profundamente, veria que ele era apenas um homem cheio de manias. Então, perder a virgindade era algo muito complexo. Nada de prostitutas. Nada de mulheres pagas para ir para a cama com

homens que não usavam as próprias esposas para o prazer sexual. E essa determinação, de não se deitar com uma meretriz, fazia com que sua missão tivesse grandes chances de falhar. Nada de virgens, também. Ele não defloraria uma dama apenas por capricho. Aquilo era função de um marido. Mas havia uma mulher capaz de ajudá-lo. Uma dama conhecida por sua liberdade e sem nenhum decoro. Perfeita para o ofício. O que Isaac não contava era que ela fosse lhe dizer não. Os segundos em que Lady Caroline Eckley o encarou, estupefata, duraram dois meses. Ela segurava um copo de uísque nas mãos, tinha os cabelos escuros e soltos, caindo pelos ombros como cascatas, e usava vermelho. Caroline estava sempre ornamentada em vermelho. Se o diabo fosse uma mulher, ele certamente seria como ela. E então ela irrompeu em mais uma gargalhada humilhante. — Milorde, o senhor está bêbado? Lady Caroline aproximou o nariz de Isaac, tentando cheirá-lo. Ela queria confirmar se havia odor alcóolico em seu hálito, ou em qualquer lugar. Tirando o uísque que ele acabara de aceitar dela, não havia uma gota de bebida em seu sangue. — Nunca estive tão sóbrio e lúcido, milady. — Ele afirmou, ofendido com a forma como ela o encarava. — Minha proposta é tão ofensiva assim? — Ofensiva? — Ela engoliu as risadas com mais um gole do uísque. — Claro que não. Ela é absurda. Primeiro o senhor me diz que é virgem, depois que quer perder essa virgindade comigo? Mas o senhor está noivo! — Não estou noivo. — Ele ajeitou o colete. — Pedi permissão para cortejar Lady Francesca. Pode ser que noivemos, pode ser que não. Só que eu preciso estar preparado caso o cortejo leve ao casamento. — Contrate uma prostituta. — Não desejo meretrizes. Quero uma dama. — Damas não se deitam com homens que vão propor casamento a outras mulheres. — Meu irmão se deitava com várias delas. — Elas já eram casadas. Tenha uma amante, então. — Não preciso de uma amante, apenas de uma noite para resolver meu problema. Aquela conversa não parecia ter sentido algum. Pelo que Isaac ouvira de Lady Eckley, ela jamais recusaria dormir com ele. Os homens diziam que ela

era livre demais, desinibida demais. Ele sabia que a lady já dormira com mais de metade dos lordes londrinos. A não ser que fosse mentira e ela alimentasse uma lenda a seu respeito. Mas, por que diabos uma dama mentiria sobre algo que apenas serviria para afundar sua reputação? — Não posso fazer isso. — Ela finalizou seu drinque. — O senhor é irmão de Edward e é um garoto. — Faço vinte e cinco em algumas semanas. — Tenho vinte e oito. Sou mais velha que o senhor. — Milady, eu não estou procurando uma esposa. Apenas uma noite de sexo. — Pelo visto, o senhor precisa realmente de ajuda nesse quesito. Não é assim que as coisas funcionam. Não basta chegar para uma mulher e dizer que quer deitar-se com ela. O senhor precisa seduzi-la. Isaac tirou o relógio do bolso e confirmou que passava de meia noite. Olhou para o piso de madeira, perfeitamente encerado, e manteve os olhos distraídos por intermináveis segundos. Como ele podia ter chegado àquele ponto? De não saber nada sobre mulheres, sobre a arte de seduzi-las? — Entendo. A senhorita deseja que eu a seduza? — Talvez o senhor devesse. — Lady Caroline caminhou ao redor de Isaac, passando o dedo pelo tecido grosso de seu casaco. — Mas, agora que já sei suas intenções, não sei se funcionará. — Há algo que eu possa fazer para mudar sua opinião, milady? — Isaac não queria parecer desesperado, mas ele estava. Não gostou de ser rejeitado por uma mulher que, aparentemente, não rejeitava homem algum. — Provavelmente não. Mas estarei em Londres cuidando dos negócios. Podemos nos encontrar em um evento ou dois, em um clube ou outro. Talvez, e digo apenas talvez, a sorte possa mudar a seu favor. Mas, milorde… recomendo que desista de mim e procure uma das garotas de Riderhood para satisfazê-lo. Elas certamente estarão bastante ansiosas por recebê-lo em suas camas por uma quantia modesta de dinheiro. O lorde sorriu. Ele visitara Caroline Eckley em busca de solução e recebia dela um desafio. Não era à toa sua fama de diaba. Estava além de suas feições perfeitas, seu corpo sedutor e suas vestes sempre vermelhas. Ela se comportava como Lilith em pessoa. Como uma deusa pagã, colocada na Terra para arrasar com os homens. Consciente de que aquela discussão não levaria a nenhum outro lugar, Isaac segurou a mão sem luvas de Lady Caroline e beijou-lhe os dedos.

— Milady. Com uma reverência desajeitada, ele virou de costas para ela e deixou o escritório.

De todas as loucuras que Caroline presenciou em sua curta vida, aquela fora uma das mais loucas. E ela passara meses em um sanatório, cuidando de uma suposta doença mental depois de ter atentado contra a vida de Lady Madeline Westphallen. A dama sentou-se em sua poltrona de veludo vermelho, com botões acolchoados, e encarou o fundo do copo de vidro. Ela precisava beber mais. Acabara de dispensar uma noite de amor ardente com Isaac McFadden. Ele era o homem mais lindo que ela conhecia. Provavelmente, um dos homens mais lindos de toda a Inglaterra. Quando ele saiu do escritório, ela gastou bons segundos admirando-o afastar-se. Um traseiro perfeito, esculpido pelo próprio diabo para tentar as mortais como ela. E Caroline dissera não para aquele traseiro e todo o seu conjunto. Encheu o copo com mais do líquido âmbar e virou um gole. O álcool ardeu em sua garganta e ela tentou compreender o que acabara de acontecer. O homem era virgem. Nunca estivera com uma mulher e escolheu a ela para acabar com o celibato. Porque, Caroline não sabia. Mas os motivos que a levaram a recusar eram claros. Ela não era uma prostituta. Ao contrário do que os salões londrinos contavam, os homens com quem ela se deitara se contavam nos dedos. Ela precisava usar as mãos e os pés, mas, ainda assim, eles cabiam nos dedos de apenas um ser humano. Caroline alimentava as fofocas porque sabia que não adiantava combatê-las. E, se Isaac quisesse dormir com ela, teria que fazer o mesmo que os outros homens. Seduzi-la. Provocá-la. Fazer com que ela o desejasse. Com mais um gole, a sobrinha do marquês terminou sua bebida e decidiu sair. A noite estava apenas no começo para quem apreciava a companhia dos dados e das cartas. E, apesar de damas não serem muito bem-vindas no clube de Riderhood, ela tinha entrada livre a qualquer hora do dia. — Violet. — Chamou a camareira, que estava de prontidão do lado de fora. Seus criados eram de confiança, mas adoravam espiar pelas portas

fechadas. — Ajude-me a ajeitar o cabelo, eu vou sair. — Devo mandar preparar sua carruagem, milady? Caroline assentiu e subiu até seu quarto. Deixou que Violet ajeitasse as madeixas, que eram mais lisas do que a da maioria das inglesas, em um penteado qualquer. A conversa com Isaac a deixou agitada, ela precisava extravasar seu espírito de alguma forma. Depois de pronta e satisfeita com sua aparência, a lady pegou a carruagem até o clube do amigo Riderhood. Seus nobres favoritos não estavam presentes. Eles não passavam mais as noites em clubes de cavalheiros. Caroline precisava substituir Aiden e Edward de alguma forma, não podia ficar sonhando com os maridos de suas amigas. Porque, mesmo que Elizabeth e Agatha resistissem, elas eram suas amigas. Agatha era sua sócia. Ela precisava de outras distrações. Era cada vez mais difícil acreditar que recusara o segundo filho dos McFadden. A presença dela não causava nenhum constrangimento no clube. Os homens estavam acostumados a Caroline Eckley e ela a eles. Nenhum deles tentava nada que ela não autorizasse primeiro. E eles não se escandalizavam mais com seu comportamento não convencional. — Chegou tarde para me ver esvaziar os bolsos do barão. Sawbridge bateu no tampo de um banco vazio ao seu lado, indicando que Caroline deveria sentar-se ali. Ela inspecionou a mesa, antes. Jogavam cartas o empresário, o Barão de Attwood e um estrangeiro que ela não conhecia. — Sabe que não gosto de frequentar a mesa de estranhos. — Ela aceitou o convite. — Como estão as apostas? — Sawbridge está limpando todas as nossas fichas. — Attwood reclamou. O empresário moveu os ombros para cima e para baixo, indicando que não podia ser responsabilizado por sua sorte. — Considerando que minha cama estará vazia essa noite, estou fazendo jus ao ditado. Feliz no jogo… — Não seja ridículo, Grant. A sua cama nunca está vazia. O seu coração, talvez. Mas eu suspeito que você não tenha um coração. — Caroline jogou algumas fichas indicando que cobria a aposta, fosse qual fosse. — Apresenteme seu amigo. Ele fala inglês? — Claro que fala, ou não estaria jogando conosco. Lorde Ignazio é italiano, ele e o pai estão fazendo negócios em Londres. Acabou a era da nobreza indolente, minha querida. O lorde italiano pegou a mão de Caroline para cumprimentá-la. Espantou-

se ao vê-la sem luvas. Mal sabia que aquela era a menos convencional das damas a quem ele seria apresentado. — Piacere, milady. Ela sorriu. Italianos eram muito sensuais. Não era sem motivo que Lorde Isaac tinha se interessado por uma dama italiana. Aquilo era uma coincidência intrigante. — Vamos acabar com essa coisa melosa e continuar nosso jogo. O crupiê já está com teias de aranha. As cartas foram dadas e a jogatina prosseguiu. Depois de várias rodadas, a sorte de Sawbridge já tinha virado e quem enchia as mãos com as fichas era Lady Eckley. O barão desistiu algumas rodadas depois e o italiano abandonou a última mão blasfemando palavras que ninguém no salão entendeu. Quando o jogo parecia encerrado com apenas dois jogadores e Sawbridge decidido a não perder mais, outro par de mãos surgiu para participar. Isaac McFadden. Ele estava com as mesmas roupas que estivera na casa dela. Os cabelos perfeitamente penteados e os olhos brilhando como se absorvessem a luz de todas as lamparinas do salão. Caroline se incomodou com a presença dele. E se incomodou por se incomodar. — Ora vejam, se não é o menino McFadden. — Sawbridge bateu nas costas do lorde. — Menino. — Ele riu, erguendo a boca sutilmente. — Diga isso quando assinar uma promissória para engordar minha conta bancária. — Se não for atrevido, não é um dos garotos McFadden. Mas informo que sua adversária, hoje, é Caroline. Ela está possuída pelo diabo. A lady estreitou os olhos para o amigo empresário e depois encarou Isaac. Ele olhava diretamente para ela, sem qualquer pudor ou constrangimento. Aquele homem sempre fora assim? Desinibido e descarado? E lindo? E ela nunca percebeu? — Imagino que esteja. Isaac pagou a aposta e o jogo continuou. Mão após mão, carta após carta, fichas após fichas, eles protagonizaram uma disputa interessante. Sawbridge cansou de perder e passou apenas a observar. Por volta das quatro horas da manhã, Lady Eckley desistiu. Ela raramente desistia, mas o lorde estava implacável. — Acho que bebi uísque barato demais. — Ela pegou suas fichas e

colocou dentro de uma sacola de veludo vermelho. — Thomas precisa servir uma bebida mais qualificada nesse estabelecimento. — Meu uísque é o melhor de Londres, milady. — O próprio Riderhood surgiu atrás dela. — Não difame meu malte porque a sorte a abandonou. — Quando retornar, quero que abra aquele conhaque que fica guardando para os figurões da indústria. A nobreza perdeu prestígio no seu clube, mas eu não sou qualquer lady. Riderhood fez uma reverência e Caroline deixou a mesa despedindo-se dos homens. Ela não bebeu demais. Nem o uísque era de baixa qualidade. A sorte talvez a tivesse abandonado. Porém Lady Eckley suspeitava que o problema fosse um certo par de olhos azuis que a distraiu. Lorde Isaac nunca a distraía. Ela não o notava muito, na verdade. Quando notava, achava-o irritante. Ele era muito correto, cheio de valores e princípios. Ela não suportava homens como ele. Mas a presença dele ali, depois de ter ido até ela com uma proposta absurda, não era acidental. Ela já estava quase de volta a sua carruagem quando girou no próprio eixo e voltou para dentro do clube. O cocheiro ficou confuso, porém todos se acostumavam com a impetuosidade de Caroline. Ela caminhou até onde estava Lorde Isaac, sentado no bar. Não, ela marchou, como um soldado. Segurou-o pelo braço e o arrastou até um lugar com mais privacidade. Caroline conhecia bem os locais privados daquele clube. E ela nem estava se importando em chamar a atenção. — O que o senhor está fazendo aqui? Os olhos escuros e ferinos enfrentaram o mar azul que parecia confuso ao encará-la na pouca luz do corredor onde estavam. — Jogando e bebendo. Sou sócio do clube e o frequento desde os dezoito anos, milady. — Veja bem, Isaac, eu sei que falei que poderíamos nos esbarrar por aí, mas… — A senhorita disse que eu deveria seduzi-la, milady. — Ele sorriu. — Pois bem. Passarei semanas em Londres e voltarei a Kent apenas no final da temporada social. Durante esse tempo, esforçar-me-ei para fazer com que aceite minha proposta. — O senhor está obcecado! — Ela esbravejou. As mãos viraram punhos e a voz de Caroline saiu esganiçada demais. — Encontre uma prostituta e satisfaça seus desejos, milorde. — Nunca fui rejeitado por uma mulher, milady. Foi minha primeira

tentativa e foi desastrosa. — O olhar dele ficou sério e intenso. Era como se os olhos de Isaac derramassem um líquido quente sobre ela, fazendo com que tudo fervesse. — Não gostei da sensação da rejeição. Posso aprender muito com a senhorita. Considere isso como uma boa ação. Afinal, a senhorita não se tornará tutora em uma escola? Ela ia. Não seria tutora exatamente. Caroline era a dona da escola, juntamente com Lady Agatha Trowsdale. As coisas saíram mais devagar porque Agatha era casada, e precisava que o marido fizesse tudo por ela. E porque ela engravidou e teve uma bebê. Isso atrasou o cronograma, mas a escola seria inovadora. Caroline em si não tinha nenhuma moral para atrair moças para seu empreendimento, porém Agatha certamente facilitaria as coisas. Muita gente acharia interessante colocar a filha para estudar na escola de uma condessa. — Escola de jovens damas! — Caroline virou de costas para Isaac. Qualquer posição era melhor do que continuar encarando aquele olhar. — O senhor não é uma jovem dama, pelo que me consta. — Não, eu não sou. — Ele riu novamente e ela o sentiu, mesmo de costas. — Creio que precisarei mostrar isso à senhorita. Isaac segurou Caroline pelo braço e fez com que ela se virasse. Subitamente, prendeu-a pela cintura e deitou sua boca sobre a dela. A lady sobressaltou-se e colocou as duas mãos no peito dele. Assustou-se ao tocar uma superfície sólida, dura e quente. Músculos definidos e muito firmes estavam sob aquele monte de tecido que cobria o corpo de Isaac McFadden. Caroline desistiu de resistir quando percebeu que ele a beijava com uma inexperiência encantadora. A boca dele estava fechada sobre a dela. Isaac parecia nunca ter beijado uma mulher. Aquilo era ridículo. De repente, ela precisou mostrar a ele o que era um beijo. Com algum talento e muita experiência, ela acariciou os lábios dele com a língua. E fez com que ele os abrisse em um susto. As mãos dele deslizaram pelas costas dela, posicionaram-se na nuca de Caroline e a seguraram com força e suavidade. Ao mesmo tempo. Ela não esperava que um virgem tivesse uma boca tão macia. Nem uma língua tão sedosa. Quando Isaac aceitou as investidas dela e retribuiu o beijo, desajeitado, Caroline deixou que ele a invadisse com aquele sabor masculino de uísque e tabaco. E ela o envolveu com os dois braços e colou seu corpo no dele. Aquilo era totalmente inusitado. E durou bem menos do que ela desejava.

— Tenha uma boa noite, milady. Ele se afastou. Repentinamente, Caroline estava sozinha. Desorientada, extasiada, arrebatada. E sozinha. Aquele lorde tinha o péssimo hábito de sair dos lugares encerrando a conversa sem que ela estivesse encerrada. Lady Eckley se acostumara a ter a última palavra. E, pelo visto, Lorde Isaac McFadden também. Aquelas seriam semanas longas, das quais ela não poderia fugir. Tinha que cuidar dos preparativos para a inauguração da escola de moças e não poderia se retirar para o litoral antes do final da temporada. Caroline nunca enfrentara uma situação como aquela. Precisava de orientação. Ela tinha que ver Anthony.

Ele saiu da casa de jogos de Riderhood sem entender muito do que acabara de acontecer. As pernas estavam firmes, mas sentia os músculos tremerem como se estivesse acometido de uma febre intensa. Claro que Isaac não permitiu que percebessem. Não queria deixar que a vulnerabilidade que o envergonhava ficasse evidente. Ele era um McFadden. Tinha uma reputação devassa pela qual zelar, mesmo que não fosse a dele. Mas o beijo que deu em Caroline Eckley o deixou desorientado. Não pensou em beijá-la quando foi provocá-la na casa de jogos. Queria apenas fazer-se presente de alguma forma. Ela sugeriu que a proposta dele não fora feita da forma correta. Que um homem deveria seduzir uma mulher. E que ele era como uma jovem dama histérica que ela receberia na escola. Então, ele precisou mostrar que não era uma garota. Que não agiria como uma… mulher. Que ser virgem não o fazia menos homem do que aqueles com quem ela se deitava. Só que, provavelmente, estava errado. Assim que deitou a boca sobre a dela, percebeu que não sabia o que fazer. Ao menos, descobriu que o que sabia não era nada comparado ao que ela poderia ensinálo. Meu Deus, ela fez com que ele abrisse os lábios. E ela usou a língua para beijá-lo. O tolo Isaac não sabia que beijos poderiam ser daquele jeito. E ficou completamente arrebatado pelo episódio, a ponto de acordar mais de uma vez durante a noite porque sonhara com aquele corpo pequeno de Caroline contra o dele. Quando ficou inconveniente demais continuar na cama, Isaac levantou-se

e chamou seu valete para preparar um banho para si. A McFadden Garden, residência da família McFadden em Londres, era muito moderna e luxuosa. Possuía encanamento de qualidade e casas de banhos em todos os quartos da família. Para os hóspedes da ala oeste da mansão, havia um banheiro privativo muito bem equipado. Depois que o irmão mais velho, o Conde de Cornwall, se casou, Isaac entendeu que deveria mudar-se dali. Quanto estivesse em Londres, deveria ter um lugar só para si. Comprou um apartamento ideal para homens solteiros e mandou reformá-lo por completo. Mas a obra ainda não estava pronta, então ele continuava abusando da hospitalidade do irmão e de sua condessa. Mesmo que eles estivessem com uma bebê recém-nascida. — Bom dia, milorde. — Brett, o mordomo, o interceptou quando descia a escada. — O conde o aguarda na biblioteca. Ele está lendo para Lavínia, mas precisa falar com o senhor. Enviarei o desjejum para o escritório. — Certo, Brett. Peça à cozinheira para colocar alguns bolos e biscoitos. O mordomo assentiu e se afastou. Se Edward estava esperando desde cedo para falar com Isaac, provavelmente era assunto importante. O conde geralmente estava na fábrica naquele horário, mesmo que sua esposa ainda estivesse em resguardo do nascimento da pequena Eloise. Isaac seguiu para a biblioteca. Encontrou o irmão sentado em um sofá, com uma menina loira em seu colo. Lavínia, a filha adotiva do conde, usava um vestido cor-de-rosa que destacava a cor de seus cabelos. Eles pareciam pai e filha de verdade. Claro que eram. Edward não apenas levou a menina para morar com eles, ele assumiu definitivamente a paternidade da garotinha. Naquela cena, ele lia alguma história infantil para Lavínia. Ela estava vidrada nele, os olhos brilhando pelo som da voz grave e suave do pai. Isaac considerou que era uma pena interromper aquele momento, mas não conseguiu desistir. O irmão o viu e pediu que ele esperasse. Com apenas um olhar, Edward era capaz de comunicar suas ordens e decisões. — Pronto. — Edward colocou a menina no chão. — Chega de princesas e castelos por hoje. Vou deixar você com Mary porque preciso conversar com o tio Isaac. Lavínia sorriu para o lorde e se sentou no tapete em meio a bonecas e outros brinquedos. Edward chamou a babá e saiu, acompanhando Isaac até o escritório. — Três dias em Londres e já retomou o hábito de passar madrugadas em claro. — O conde repreendeu o irmão.

— Nunca tive esse hábito, Ed. Sempre preferi usar a noite para dormir. Mas precisei ir ao Riderhood ontem. — Claro que precisou. Os dois foram brevemente interrompidos pelos criados com o desjejum. Bandejas com bolos, torradas, ovos, presunto e alguns biscoitos foram colocadas sobre uma mesa de nogueira, assim como um bule com chá. Depois que todos saíram, Isaac sentou-se próximo à comida para aplacar a fome que subitamente passara a perceber que sentia. — O que deseja falar comigo, Ed? Você sempre vai direto ao ponto, portanto, se começou questionando minha virtude, é porque o assunto não deve ser muito agradável. Edward não demonstrou interesse na comida servida e pegou um copo de uísque para si. Depois de um gole, fitou o irmão mais novo com uma expressão de quem daria notícias ruins. — Tivemos um problema em Cornwall. Nate precisou ir para lá resolvêlo. — Algo grave? — Isaac se ajeitou na cadeira. — Sim e não. Algo com os arrendatários que estão resistentes às modernizações na propriedade. Algumas pessoas ainda resistem à tecnologia e parece que nossos arrendatários não se deram conta de que estamos à beira de um novo século. Mas Nate é um bom negociador, confio que ele saberá conduzir a questão. — Claro que ele conseguirá. Mas você está me contando isso dessa forma porque… — Porque preciso que você volte para Kent. — O conde bebeu o restante do líquido âmbar. — Lamento, Isaac. Sei que acabou de vir de lá e que sua futura noiva está aqui, com a família. Mas tenho que ter alguém para gerenciar Greenwood Park e ninguém é tão conhecedor daquela propriedade quanto você. Mordendo um bolinho, Isaac manteve a boca ocupada enquanto refletia o pedido do irmão. Edward raramente pedia alguma coisa, ele geralmente ordenava com educação. E, como conde, as responsabilidades que recaíam sobre ele eram imensas. Mas Edward era um ótimo irmão e pedia muito pouco de todos. Isaac não negaria aquele pedido do irmão conde. Ele administrava Greenwood Park desde que descobriu seu talento para cuidar da propriedade e adorava o lugar. Recebia um salário justo de Edward e, no final, achava

Londres bem cansativa. Eram muitos eventos e festividades durante as madrugadas e Isaac costumava fazer diferente dos outros nobres – ele dormia à noite. — Pegarei o trem hoje ainda. — Isaac concluiu em voz alta. — Obrigado. — Edward colocou a mão sobre o ombro do irmão, que finalizava uma xícara de chá. — Eu poderia ir, mas a fábrica me prende aqui ainda e… — Você não deve submeter Agatha e a bebê a uma viagem, mesmo de trem. Ainda é muito cedo. Pode deixar, Ed, eu adoro estar em Kent, mais ainda na companhia de Wilhelmina e mamãe. A conversa se encerrou e Isaac deixou para suspirar depois que o conde deixou o escritório. Aquele retorno súbito para Greenwood Park atrapalharia seus planos de cortejar Lady Francesca e seduzir Caroline Eckley.

Capítulo segundo

A ESTAÇÃO de London Bridge era uma das preferidas de Isaac. Ele adorava viajar de trem e não entendia por que o irmão insistia em fazer pequenos trajetos de carruagem. Elas estavam tão obsoletas, já sendo substituídas pela Europa por aquela invenção curiosa e muito intrigante, o automóvel. E os trens, ah, eles eram tão confortáveis! Tudo para Isaac poderia, e deveria, ser percorrido pelas linhas férreas. London Bridge foi construída em dezembro de 1836, operada pela empresa London and Greenwich Railway. Contava com quatro linhas, tinha 18 metros de altura e 120 metros de comprimento. Foi reconstruída em 1849 e depois novamente em 1864, para aumentar a capacidade e oferecer mais serviços. Os trens dominavam Londres naquele final de Século XIX, e toda distância, antes inconveniente, fora abreviada pelas ferrovias. Tão logo conseguiu ver a cunhada e segurar sua sobrinha no colo por alguns minutos, o lorde pegou um cabriolé para a estação, desejando chegar a Dover o mais rápido possível. Não haveria muito a fazer em Greenwood Park. Com a temporada social ainda em alta em Londres, ele enfrentaria tédio e longas horas sem nenhuma atividade desafiadora. Para se manter em forma, Isaac teria que apelar para o envolvimento com os arrendatários e moradores da vila, novamente. Consertar telhados, arrumar cercas, carregar fardos de feno e sacos de grãos não eram mais mistério para o lorde. — Milorde, temos um inconveniente. — Seu criado privado o interpelou, enquanto esperava na plataforma. — Fui informado que não há mais cabines de primeira classe disponíveis para o primeiro trajeto, até Aylesford. — Como assim não há cabines disponíveis? Estamos na temporada, não

há tanta gente viajando para Kent. — É sexta-feira, milorde. — Dewitt, o criado, explicou. — Como faz um calor anormal em Londres, muitas famílias estão buscando refúgio no litoral. O novo hotel do Sr. Oglethorpe tem atraído muitos burgueses. O lorde pressionou a cabeça com as duas mãos. Massageou as têmporas, tentando fazer com que uma solução aparecesse. Poderia voltar para casa e embarcar no sábado. Mesmo que tivesse que recolocar toda a bagagem em um cabriolé de aluguel, sem que nada lhe compensasse o tempo perdido, não havia possibilidade de embarcar naquele dia. Isaac poderia soar arrogante, mas ele não viajaria na segunda classe. Ergueu o olhar para dar ordens a Dewitt quando vislumbrou uma figura feminina singular. Caminhando como se toda a estação pertencesse a ela, Caroline Eckley chegou à London Bridge com uma acompanhante e dois criados carregando sua bagagem. Ela também o viu, e isso pareceu abalá-la. Piscou duas vezes, os longos cílios pretos vistos à distância. Caroline deu algumas ordens aos criados e flutuou na direção de Isaac. — Milorde. — A dama sorriu sutilmente e fez uma mesura com o corpo. — Também vai viajar? Isaac segurou a mão de Caroline e beijou os dedos enluvados. Sentiu o calor da pele dela mesmo por baixo da cobertura de seda. Ele nunca se importou com a proximidade de mulheres, sempre foi bastante habilidoso em flertar com elas. Mas a pretensão de uma intimidade escandalosa com Lady Eckley fazia com que suas entranhas reagissem àquele toque. — Eu ia, milady. Porém não há lugar no trem. Terei que voltar amanhã. — Já está voltando para Kent? Tão cedo? Espero que… — O conde precisa de minha presença lá. — Ele a interrompeu antes que ela mencionasse o episódio da negativa. Ou do beijo. — Ora, e Edward não te emprestou seu vagão privado? — O vagão da família está passando por uma reforma e adaptação para acomodar melhor a filha recém-nascida do conde. — Ah, compreendo. Bem. Eu estou indo para Dover. Se quiser, há espaço no meu vagão. — A senhorita possui um vagão privativo, milady? Era estranho que uma dama, que vivia da mesada do falecido tio, tivesse tanto luxo. Ou nada era estranho quando se tratava de Caroline. — É da família Eckley. Anthony me deixa usar quando quero e ele está

em Kent. Não seja orgulhoso, milorde. Nosso vagão é muito bem equipado e possui espaço suficiente para o senhor e sua bagagem. A perspectiva de passar algumas horas trancado em uma estrutura de metal, ao lado da mulher a quem ele fizera uma desastrosa proposta, era incômoda. Ao mesmo tempo, se Isaac queria oportunidade para seduzir Caroline, aquela era uma das melhores. Ela tinha uma acompanhante porque mulheres solteiras nunca transitavam sozinhas, mas isso não parecia um empecilho. A considerar pelo fato de que a acompanhante sequer se moveu quando a lady caminhou na direção de um homem sozinho, ela dificilmente estaria prestando atenção em Caroline durante a viagem. Isaac precisava parar de pensar naquilo. Mas era como se uma decisão muito importante tivesse sido tomada e ele precisasse fazê-la se concretizar. Depois de semanas planejando abordar a lady sobre o assunto de sua virgindade, sair do apartamento dela ainda sem ter se deitado com uma mulher o deixou frustrado. — Aceito seu convite, milady. Insisto em compensá-la financeiramente por esse inconveniente. Diga-me como posso fazer isso. Ela exibiu um sorriso tímido. — Tenho dinheiro demais, milorde. Depois conversamos sobre uma compensação não financeira. O lorde sentiu a boca seca e um desconforto físico. O calor que emanava de Caroline era desconcertante. Ela tinha um cheiro exótico, um aroma que não era de perfume nem nada que ele conhecesse. Aquele cheiro o excitou sem que ela precisasse se esforçar. A viagem seria uma provação. Mas, talvez, atacá-la dentro do vagão não fosse uma ideia ruim. Era o que ele desejava desde o início e ainda podia ser excitante e perigoso. Com ordens aos criados para que conduzissem a bagagem para o vagão privativo da família Eckley, Isaac seguiu Caroline até a entrada. Ajudou-a a subir a escada portátil e se surpreendeu com o luxo e a beleza daquele espaço de confinamento. A decoração era feita em madeira clara e veludo. Havia cortinas nas janelas de vidro, assentos acolchoados, almofadas e espaços de convivência. Assim que entrou e se sentou, Caroline começou a desabotoar suas luvas. Deus o ajudasse, mas ela parecia pronta para devorá-lo durante a viagem. E ele dificilmente recusaria ser devorado, já que a proposta fora exatamente aquela.

Sentada de frente para ele, Caroline achou que Isaac parecia desconfortável. Para um homem que ousava propor sexo a uma mulher livre, e que a beijava em locais públicos mesmo não sabendo beijar, ela achou graça que ele estivesse constrangido, de qualquer forma, por vê-la despir as luvas e as sapatilhas de viagem. — Por que vai para o litoral durante a temporada, milady? — Ele perguntou, mantendo o olhar desviado para a janela. O trem já estava em movimento. — Pensei que trataria dos preparativos para inaugurar a escola. — Farei isso, mas preciso visitar meu primo. — Algum problema com ele? — Isaac voltou-se para ela, o semblante então preocupado. — Por Deus, não. Anthony é saudável como um cavalo puro sangue. Eu vou até ele conversar. O marquês é meu mentor, ele sempre soube me dar os mais valiosos conselhos. Caroline chamou um criado e pediu que ele servisse um chá com biscoitos. Eram cinco horas da tarde e ela tinha rigor quanto ao horário do chá. — Imagino que esteja precisando de orientação, mesmo. Entrar no mundo dos negócios, para uma mulher, deve ser muito difícil e desafiador. Ela riu. Isaac franziu a testa, suas sobrancelhas se unindo para formar uma linha única. O homem mantinha uma barba fechada, grossa e muito bem aparada, que vinha se tornando moda cada vez mais entre os cavalheiros londrinos. Moda importada das antigas colônias, era verdade. Ele era muito bonito. Aquilo dificultava demais sua decisão de manter a recusa à proposta de tirar-lhe a virgindade. — Milorde, eu já estou no ramo de negócios faz tempo. Tenho ações da companhia de Sawbridge. Investi com Oglethorpe no novo hotel construído no litoral. Eu gerencio minhas finanças desde os vinte anos. Não pense que as mulheres não são capazes. Nossa inteligência é a mesma dos homens, a diferença é que vocês insistem que só precisamos aprender frivolidades domésticas. O criado serviu o chá. Isaac olhava diretamente para ela, como se Caroline fosse uma criatura exótica e completamente louca. Já estava acostumada àquilo. Tirando o momento em que realmente pareceu louca, quando ameaçou a vida de Lady Madeline Westphallen com uma pistola, ela

sempre foi uma mente sã incompreendida pela sociedade. Homens tinham direitos e responsabilidades públicas. Homens eram livres e podiam fazer escolhas. Mulheres eram… esposas. Mesmo que ela não fizesse, antes, objeção em se casar, ela não aceitaria nada menos que um homem que a tratasse como igual. — Não quis dizer que não era capaz, milady. Desculpe-me o uso inadequado das palavras. Mas o mundo dos negócios é sempre desafiador, até para homens. — Nisso concordo. Mas não é ele que me preocupa nesse momento. — Caroline bebericou o chá. — O que seria? — O senhor, milorde. Isaac tossiu. Pareceu engasgar-se com alguma coisa e levou a mão até a boca para cobrir o ataque de tosse que fez aquele corpo sólido e masculino sacudir. — Por que eu sou uma preocupação? — Não lhe parece óbvio? — Ela riu. — O senhor aparece na minha casa de madrugada, com um pedido absurdo. Eu nego, o senhor não aceita. O senhor me beijou, milorde. E o senhor nem mesmo sabe beijar. Não estou acostumada a homens inexperientes e insistentes, então decidi afastar-me um pouco e me orientar com meu primo. E cá estamos nós. O senhor também vai para Kent, nossas propriedades são contíguas e, se eu quiser agir corretamente, precisarei de uma grande dose de força de vontade. Coisa que sempre tive muita, mas nunca para recusar um homem como o senhor. A forma como os olhos azuis dele a encaravam era fascinante. Isaac sempre lhe pareceu um homem forte, viril e controlado. Como seu irmão, mas ainda mais bonito. Só que, naquele momento, ele estava como um jovem vulnerável. Foi quando Caroline se deu conta de que ele era jovem e de que estava vulnerável. — Por que me recusa, então? Já que causa à senhorita tanto sofrimento? — Porque é a coisa certa a se fazer. — Ela sorriu. — Veja, o senhor está noivo. Sua proposta foi indecorosa. Essa é uma valiosa lição. Não é assim que se aborda uma mulher. — Não estou noivo. E compreendi que agi equivocadamente. Pretendo corrigir isso. — Que seja, está envolvido com uma jovem dama de alguma forma. Entendo que queira experiência para quando se casar, mas isso não vai

acontecer com você perdendo a virgindade, apenas. O senhor precisa trabalhar a arte de seduzir. Isso não se adquire com uma noite na cama, mesmo que seja comigo, milorde. O desconforto do lorde se intensificou. Ele dobrou o corpo para frente e apoiou-se na mesa de madeira envernizada que estava entre eles. Em um impulso, segurou entre as suas a mão esquerda de Caroline, que descansava sobre a mesa. Ela quis retirá-la, mas o calor da pele lisa que a envolveu fez com que mudasse de ideia. — Então me ensine tudo, milady. Deixe-me ser seu aluno. Garanto que sou bastante empenhado. Oh, céus, ele não podia dizer aquilo enquanto a segurava de modo tão íntimo e a fitava com olhos tão transparentes. Caroline surpreendeu-se por sentir calor, misturado com uma agonia que lhe atingia o ventre, apenas por ser tocada nas mãos. Ela já se perdera no corpo de tantos homens. Já estivera na cama com eles por tantas vezes. Aquele breve contato não podia causar nela tanto alvoroço. — Lorde Isaac, entende o que está me pedindo? O grau de envolvimento que isso representa? — Entendo. Eu creio que entendo. Ele soltou-a e se ajeitou no assento. Caroline pediu que o criado retirasse o chá e disse que precisava de privacidade. Aquilo foi suficiente para que ele, e a acompanhante que os observava à distância, deixassem a cabine principal do vagão. A porta de metal e madeira fechou-se e isolou ela e Isaac do restante dos passageiros de seu vagão privado. — Assim é melhor, então. Veja, até que eu converse com Anthony, porque eu preciso conversar com alguém sobre isso, vou te dar apenas uma lição. Servirá como amostra do problema que o senhor pretende criar. Vou ensiná-lo a beijar. — Eu sei beijar. — Ele comprimiu os lábios em uma demonstração de indignação. — Eu já beijei algumas mulheres. — Encostar a boca na minha não é beijar, milorde. Ante a expressão de confusão dele, o silêncio foi essencial. Isaac logo se recordou do breve momento que tiveram na casa de jogos de Riderhood e de como ela penetrou sua boca com a língua. Do contato inebriante. As sobrancelhas dele se ergueram e os olhos azuis continuaram encarando a lady, que recolhia a mesa retrátil. Logo, não havia nenhuma barreira que a impedisse de se aproximar perigosamente daquele homem que mais parecia

um arcanjo perdido na Terra. Daquela vez, a iniciativa foi dela. Caroline se sentou ao lado de Isaac no assento, ajeitou as saias, segurou-o pela nuca e levou sua boca até a dele.

Era apenas uma lição. Caroline estava decidida a mostrar a Lorde Isaac que o pedido dele representava mais do que uma noite de prazer. Ela nunca conseguiu se envolver sexualmente com um homem sem que isso também representasse um envolvimento emocional. Não que ela fosse uma romântica. Não havia nenhum romance na vida de Caroline Eckley. Mas ela acabava desejando mais contato, mais intimidade com os homens com quem realizava seus intercursos sexuais. Não havia motivos para acreditar que seria diferente com Lorde Isaac. O problema era que nenhum dos dois tinha interesse em mais envolvimento do que o sexo. Ele tinha um objetivo, ela tinha mais de um - e nenhum deles envolvia um marido ou um amante. Em um futuro próximo, Caroline seria uma empreendedora, não uma esposa. Ao decidir seguir com um projeto novo, ela precisava se afastar dos desejos de matrimônio. Por isso, ela iria beijá-lo. Mostrar como poderia ser um encontro de bocas digno de uma libertina. Quando os lábios se tocaram, ela o ouviu suspirar e retesar, fazendo com que segurasse sua lapela para mantê-los conectados. Caroline subiu as mãos pelos ombros do lorde e o enlaçou pelo pescoço. Isaac quis mostrar algum protagonismo. Posicionou as mãos na cintura dela e a puxou para mais perto. Não precisou de muito para que ele compreendesse como estabelecer um ritmo adequado. Caroline indicou que ele deveria abrir os lábios e ele demonstrou mais compreensão do momento do que na primeira vez. Assim que as línguas se encontraram, ele ficou mais ávido e dobrou o corpo sobre ela. Com as duas mãos espalmadas no peito dele, Caroline pretendeu interromper o contato. Mas os dedos delicados delinearam as ondulações dos músculos sob as três camadas de tecido e ela afrouxou suas defesas. Permitiu que ele a deitasse no banco. E então ela sentiu como seria se sucumbisse à vontade dele. Ao menos, em parte. — Isso, — ela murmurou enquanto ele se permitia uma breve exploração. — é um beijo, meu querido lorde.

— Parece um pouco mais íntimo do que um beijo. — Ele buscou o ar e depois enfiou o nariz no espaço entre o pescoço e o ombro de Caroline. A barba arranhou, fez cócegas em sua pele fina. Ela riu. — Beijos são íntimos. Todos eles. Se não for de corpo e alma, é só um toque de lábios que demonstra afeto. Eu só sei beijar assim. Por inteiro. Caroline deslizou as duas mãos para dentro do casaco do lorde e acariciou-o por cima do colete. Isaac estremeceu sobre ela quando as mesmas mãos desceram para seus quadris e forçaram um encaixe perfeito. Nem todas as camadas de tecido que os separavam conseguiram impedir o encontro do calor que os corpos produziam naquele momento. Ele gemeu. Ela o empurrou e fez com que se sentasse. Depois, ajeitou os cabelos soltos, o decote do vestido e as saias. — Se fizer sempre assim, vai agradar bastante as damas que beijar. — A partir de agora, pretendo beijar apenas minha futura noiva. Mas não creio que ela apreciará esse entusiasmo todo. — Claro que não — Caroline riu. — Ela é uma virgem, como você. Deve morrer de medo de se deitar com um homem. Ou está extremamente curiosa. Descubra o que ela pretende e dê a ela. Já que vai mesmo se casar… — As negociações não estão tão avançadas assim, milady. Eu vou apenas cortejá-la. É um período de conhecimento. Se tudo der certo, ficaremos noivos. A lady voltou para seu assento e recolocou a mesa de madeira entre eles. Seu coração estava disparado, o fluxo de sangue intenso fazia com que ela sentisse uma vertigem ainda desconhecida. Caroline não entendia o efeito que Isaac exercia sobre ela e não decidiu se gostava dele ou não. — Depois de um beijo desses, milorde, talvez devêssemos abandonar os tratamentos formais. Meu nome é Caroline. — Não sei se me sinto confortável tratando a senhorita com tanta intimidade. — Bem, eu gosto de intimidade. Tratarei o senhor por seu nome de batismo, a partir de agora. — Não vai causar falatório? — A minha vida inteira é um grande falatório, Isaac. Já me acostumei. Caroline agitou uma sineta de prata e o criado retornou à cabine. Ela pediu que ele atendesse Isaac no que fosse de seu desejo, porque iria recolher-se para descansar por meia hora. Sem dizer mais nada, deixou a cabine social e recolheu-se em seu espaço mais privado. Ela tinha mais coisas

para refletir do que simplesmente se ocupar de um jovem inocente como aquele.

A viagem até Dover foi rápida, mas não o suficiente. Depois que Caroline deixou a cabine, Isaac refletiu por vários minutos sobre o que acabara de acontecer. Questionou suas decisões desde o primeiro momento. Não precisava perder a virgindade antes do casamento. Estava se deixando levar pelo comportamento masculino depravado que ele não queria reproduzir. Sua esposa seria tão inexperiente quanto ele e os dois chegariam a entendimentos mútuos. Aquilo era romântico. E Isaac era um tolo romântico. Não precisava ter ido atrás de Caroline Eckley, a mulher mais despudorada que ele conhecia. E a mais louca. Nada de bom poderia vir daquele contato, mas ele não conseguiu evitar. E, quando ela o desafiou a seduzi-la, foi como acordar cedo e mergulhar em um rio gelado. A melhor e a pior sensação da vida. Juntas, ao mesmo tempo. Por sorte, Greenwood Park exigiria muito esforço e não deixaria espaço para frivolidades. Ele não teria tempo nem para se arrepender de ter feito uma proposta indecorosa a Caroline, nem de insistir nela. — Como vai chegar à sua propriedade? A voz doce do demônio o tirou de suas conjecturas. Isaac enfrentou os olhos escuros e determinados de Caroline assim que desembarcaram na estação de Dover. Até aquele momento, ela ficara reclusa em outra parte do vagão privativo. — Uma carruagem me espera. Obrigada por me permitir viajar em sua companhia, milady. Ele segurou a mão dela e beijou os dedos. Caroline ainda estava sem luvas, o que tornou o episódio bastante escandaloso. Isaac apenas passou a acreditar que a dama era movida por escândalos. — Ainda vou cobrar esse favor. Até breve, Lorde Isaac. Com uma reverência breve, Caroline afastou-se bailando por entre saias e babados. Seu caminhar era quase um giro de valsa. Quem a via, com a sombrinha aberta e o movimento sutil dos quadris, diria que ela era uma dama. A melhor coisa que Isaac faria seria deixar para lá a ideia de tê-la

como parceira amorosa. Se tudo desse certo, ele esqueceria aquele desafio, ela se envolveria demais com suas tarefas e eles não teriam mais que lidar com nada constrangedor. Mas seu corpo gravou as memórias dela com muito cuidado. Durante o trajeto para Greenwood Park, Isaac sentiu o gosto de Caroline. O cheiro, a maciez da pele, o calor. Ele estava desafiado a seduzi-la e completamente arrebatado pelo processo. Passou pelo pórtico de entrada da propriedade litorânea dos McFadden considerando que nunca deveria ter saído dali. O aroma da maresia que impregnava seus cabelos era delicioso. Tudo em Greenwood Park era agradável e o fazia sentir-se em casa. Mesmo que não admitisse publicamente, Isaac preferia ficar em Kent do que em Londres. A propriedade ficava em uma zona produtiva. Com o crescimento industrial da Inglaterra, as grandes propriedades passaram a exigir investimentos e tecnologia para se manterem autossuficientes. A cultura da terra também perdeu espaço e muitas propriedades passaram a criar animais de corte e leite. A mecanização e a pecuária já eram realidade em Greenwood Park, o que fazia com que ela se mantivesse satisfatoriamente. — Isaac. — Wilhelmina, a irmã mais nova, o recebeu assim que entrou na mansão. — Fiquei confusa quando o cocheiro saiu para buscá-lo. Aconteceu algo? — Problemas em Cornwall. Nate precisou ir, eu precisei voltar. A jovem de dezesseis anos o fitou com as mãos na cintura. A irmã era a única filha de George e Pauline McFadden. Herdara os cabelos loiros que eram típicos da família, mas tinha olhos escuros como o ébano. Era muito bem-educada e já estava se preparando para debutar na sociedade, no ano seguinte. — Edward virá no final da temporada? — Sim, ele virá. Eloise precisa de ar puro e o litoral fará certamente muito bem para a bebê. — Aconteceu alguma coisa, sim. Você está me escondendo algo, Isaac. O lorde não queria ter aquela conversa. A jovem petulante que era sua irmã sempre sabia como ele se sentia. Até quando nem ele mesmo sabia. E a confusão de sentimentos e sensações que arrebatava Isaac era inconveniente e inadequada. Ele não queria falar sobre aquilo, menos ainda com sua irmã. Decidiu ignorá-la e subiu para seus aposentos. Os quartos da família McFadden ficavam todos na ala lesta de casa, no terceiro andar. Os quartos

da ala oeste eram para visitas. No segundo andar ficavam salas de jogos, a biblioteca, salões de artes e os aposentos dos criados de cargo mais elevado. Aquela era uma residência moderna, com suítes para todos os membros da família. Isaac pediu que seu valete lhe preparasse um banho. Depois, que lhe trouxesse os relatórios da semana. Claro que ele poderia lê-los no dia seguinte. Mas preferia ocupar a mente com números e informações sobre vacas, porcos e galinhas a ter que ficar pensando no que fazer em relação a Caroline Eckley.

Capítulo terceiro

O AR litorâneo fazia bem a Caroline, mas despenteava seus cabelos. Ela gostava deles soltos, porém a brisa marinha os fazia revoltos e os mantinha constantemente úmidos. Quando ela desembarcou na estação de Dover, a primeira coisa que sentiu foi o vento quase arrancando o chapéu de sua cabeça. Durante a viagem, outra coisa deixou seus cabelos arrepiados. A presença de Isaac McFadden a desorientava. Nunca, em nenhum momento de sua vida, um homem a confundiu. Quem mais fez com que ela perdesse o rumo fora Aiden Trowsdale, o Duque de Shaftesbury. Ela chegou ameaçar uma dama com uma pistola para lhe salvar a reputação. Ela queria casar-se com Aiden. Planejou uma vida com ele. Mas, apesar disso, Aiden nunca a deixou desorientada a ponto de não saber o que fazer. Mesmo quando fora chamada de louca e internada em um sanatório, depois do fatídico episódio em que apontou uma arma para Lady Madeline Westphallen, ela sempre esteve bastante consciente das decisões que tomou. Mas ela não podia desanimar por causa de um homem. Estava ali com um objetivo claro, falar com Anthony. O primo assumiu o marquesado Granville com o falecimento do tio que a acolheu na infância. Foi Anthony quem melhor compreendeu Caroline dentre todos os cinco filhos do marquês. Era ele para quem ela sempre recorria quando tinha qualquer dúvida ou dificuldade. Naquele momento, ela buscava orientação. Se havia um rei dos libertinos, o primeiro, o inventor daquela palavra, esse era Anthony Eckley. Nenhum homem contribuiu mais para a devassidão dos costumes e para a

desmoralização da virtude do que seu primo mais velho. Nenhum homem arruinou mais virgens do que ele. Até se apaixonar perdidamente por uma artista. Aos trinta e dois anos, Anthony andava de quatro pela esposa, mesmo que já fossem casados há três anos e tivessem dois filhos. Do jeito que eles faziam sexo, em breve o marquês estaria com mais crianças do que o próprio pai. Ainda assim, ele era seu mentor. Tudo que sabia sobre devassidão, Caroline aprendera com Anthony. Ao passar pela entrada marmorizada da propriedade da família em Kent, Caroline sentiu-se em casa. Fazia anos que ela não morava mais em Granville House, mas ela tinha excelentes memórias dali, às quais acrescentava a experiência de todo verão. E a forma calorosa como era recebida pelo primo apenas a fez sentir ainda mais pertencente àquele lugar. — Minha garota está de volta. — Anthony beijou-a no topo da cabeça. — E, para vir sem avisar, antes do fim da temporada social, imagino que seu problema se resolva com um cheque. — Você faz muito pouco de mim. — Caroline se sentou em um sofá grande de veludo que ficava no escritório do primo. Retirou os sapatos e esticou os dedos dos pés. Mesmo de trem, a viagem era cansativa. — Eu tenho uma fortuna em investimentos e ações, não preciso de um cheque. — Certo. Vou pedir que nos sirvam um chá para que me conte o motivo de sua visita repentina. Ainda prefere o seu com conhaque? Ela deu uma risada. — Claro que sim. Estou faminta, peça que sirvam comida junto com o chá. Onde está Rose? — Trancada no seu estúdio. Faz dois dias, ela só pinta. Não sei se tenho intelecto para compreender a mente dos artistas. Anthony tocou uma sineta e pediu a uma criada que providenciasse um lanche para a prima. Depois que a comida foi servida e Caroline estava atracada com duas tortas recheadas de geleia, ele decidiu que precisava arrancar dela os motivos pelos quais apareceu em Kent antes do final da temporada social. E ela sabia que não podia mentir. — Agora fale, minha menina. O que precisa? — Tenho uma história para contar. Mas antes, uma pergunta. O que você faria se uma virgem oferecesse sua virtude a você? O primo deu uma gargalhada sonora. — Céus, Caroline. Você não quer rever essa pergunta? Eu deflorei

dezenas de virgens antes de me casar. Arruinei damas aristocratas cujos nomes sequer me lembro. — Mas todas elas foram para a sua cama de bom grado. — Nunca forcei nenhuma mulher a se deitar comigo. Foi uma escolha delas que decidi respeitar. Não concordo que a sociedade decida a quem uma dama deve entregar sua virtude, nem que seja obrigada a ter apenas um homem em toda a sua vida. Paixões não respeitam convenções sociais. Não respeitavam, Caroline sabia bem. — Você nunca hesitou? — Já, várias vezes. Mas, quando ficava claro que elas queriam, eu não me importava se eram virgens ou não. Aonde vamos com essa conversa, Caroline? Você quer entregar sua virgindade a algum homem? Foi a vez da lady gargalhar. Ela bebeu um gole de chá e enfiou um pedaço generoso de bolo na boca, para acalmar a vontade de rir descontroladamente. — Já fiz isso anos atrás. Ela fizera. Uma paixão de adolescência, um homem totalmente inadequado para ela. Caroline era a sobrinha do marquês. Apenas nobres de títulos elevados eram elegíveis para serem seus maridos. Mas ela se encantou pelo filho do pároco. Um jovem bem-criado e lindo, mas não muito honrado. Ela descobriu depois que se entregou a ele. — Graças ao bom Deus. Pensei que meus esforços tinham sido em vão. — Foi um homem que me propôs… tirar a virgindade dele. — Um homem? — Sim. — Adulto? — Claro! — Caroline ajeitou-se no sofá, querendo parecer ofendida com aquela insinuação. Ela jamais consideraria uma relação sexual com um garoto. Esperava que ninguém cogitasse aquilo. — Mas ele é virgem. E eu recusei. Anthony coçou o queixo finamente barbeado e a fitou por alguns instantes. Ela sabia que ele provavelmente daria uma resposta decisiva para a dúvida dela. Nem sempre era a resposta que Caroline esperava. Quase sempre era a correta. — Você não o deseja? Para ser virgem, deve ser manco, ou caolho. Ou ter algum problema de pele. — Ele é perfeito e absurdamente atraente. E está disposto a me seduzir.

Trocamos alguns beijos bem íntimos, mas eu não sei o que fazer. Não sei o que isso significa. — Significa que minha garota precisa de um tempo fora de Londres. Antecipe sua vinda para o litoral, minha querida. Fique conosco em Granville House, apenas até sua escola inaugurar. — Ah, eu adoraria fugir um pouco da cidade. Mas… prometi fazer um evento para apresentar a proposta da escola às damas. — Faça o evento aqui. As portas dessa casa estarão sempre abertas para você, Caroline. Temos espaço, criados e disposição para receber centenas de damas para um evento, não importa o quanto dure. Traga-as para o litoral, programe atividades e mostre um pouco do que pode oferecer a elas como tutora. A oferta era tentadora. Quase irrecusável e bastante intrigante. A maior parte das damas estaria saindo de Londres com suas famílias, rumo a Hampshire, Kent, Cornwall. As famílias aristocráticas adoravam o campo e o litoral. Se ela conseguisse criar uma atmosfera agradável em Granville House, poderia convencer alguns pais a investir a educação de suas filhas na escola que era seu sonho tornando realidade. E Agatha estaria a caminho de Kent em pouco tempo. Ela viria com o marido para Greenwood Park, que ficava na divisa da residência do marquês. — Muito bem, eu adoraria fazer um grande evento aqui. Rose não vai se opor? — Rose vai adorar ter um pouco de agitação. Mas você mesma pode falar com ela sobre isso durante o jantar. Anthony ergueu-se da cadeira e conduziu Caroline para fora do escritório, com uma mão protetora nas costas dela. E ela achou prudente omitir que a causa de seus problemas também antecipara sua ida para o litoral, naquele ano.

Nobres indolentes que insistiam em não trabalhar, mesmo com a proximidade de um novo século, não acordavam antes de meio dia. Era incomum que acordassem cedo, já que dormiam muito tarde em eventos e soirées. Já os nobres que se tornaram investidores, negociantes ou passaram a gerir suas propriedades, acordavam pouco depois do nascer do sol. Lorde Isaac sempre

foi um homem diurno. Ele frequentava os eventos sociais quando estava em Londres, mas preferia a calmaria dos jantares e brunchs. Bailes que iam até o dia seguinte eram cansativos. O barulho dos criados trabalhando na parte externa da casa não foi o que o despertou naquela manhã. Isaac estava acostumado a ruídos. Mas um calor em contato com seu corpo o deixou alerta. E um toque molhado e frio fez com que ele abrisse os olhos, assustado. — Mas que diabos. Um cão bastante grande, peludo e babão estava sobre ele na cama. O animal o cheirava com um focinho gelado e úmido. Ao ver Isaac acordado, o animal latiu, soltando uma baforada quente e malcheirosa na face do lorde. — Quem é você? — Isaac se sentou na cama e se ajeitou sob o cão, que abanava o rabo e demonstrava interesse em fazer amizade. — Eu passo três dias fora e arrumam um cão? A porta do quarto abriu e o valete de Isaac entrou. Ao ver o cão sobre a cama, fez uma expressão de horror e tratou de fazer o brutamonte descer. — Desculpe-me, milorde, mas não sabia que sua porta estava entreaberta. Esse meliante é escorregadio como sebo. — Não tem problema, Dewitt. — Isaac colocou os pés para fora do colchão e afagou a cabeça do cão, que insistia em arfar ao lado dele. — Afinal, desde quando temos um cachorro? — O cão chegou antes de ontem, senhor. — Dewitt começou a abrir as cortinas. — Veio a pedido do conde, que disse que deveríamos cuidar do brutamonte até que ele pudesse voltar para sua casa. Isaac encarou os olhos escuros do cão. Ele tinha o porte grande de um Setter, a pelagem pintada de preto e branco e um pouco malcuidada. Precisava de uma boa escovada e de um banho. O banho definitivamente deveria entrar na lista. — Certo, então temos um cão temporário. Ele tem nome? — Lorde, senhor. — O cão se chama Lorde? — Isaac se esforçou para não rir. Levantou-se e foi até o banheiro anexo, onde Dewitt já estava finalizando o preparo de um banho. — Isso vai ser divertido. A água estava quente o suficiente. Isaac adorava passar longos períodos dentro da banheira, bebendo uma taça de vinho do porto ou apenas relaxando os músculos. Geralmente, fazia aquilo à noite. De manhã era um banho rápido, apenas quando estava em casa. O cão continuou espreitando, daquela

vez apoiou a cabeça na borda da banheira. — Vou descer com ele, milorde. — Não, deixe-o aqui. Será bom ter companhia. Peça que avisem aos arrendatários que pretendo fazer uma visita aos currais, hoje. Dewitt assentiu e deixou o banheiro. Isaac pretendia conferir se as melhorias para escoamento dos excrementos dos animais já haviam sido implantadas a contento. A equipe que ele contratou, antes de retornar a Londres, garantiu que terminaria o serviço em dois dias. Tudo estaria pronto quando ele inspecionasse novamente os currais. Enquanto se banhava em água morna e sabão e acariciava o pelo de Lorde, que estava bastante confortável com ele, Isaac não pensou em nenhuma proposta indecorosa. Nem em Caroline Eckley, ou em beijos trocados em trens. Seus pensamentos foram ocupados por gado, mato, lama e esterco. Daquela forma ele não se sentiria incomodado com ela, mas também não pensaria em maneiras de seduzi-la. Não era uma boa ideia. Saiu da banheira, enxugou-se e vestiu a roupa que Dewitt deixara separada sobre a cama. Isaac raramente solicitava ajuda para vestir-se, ele nunca gostou de pessoas tocando-o de forma muito íntima. Abraços, apertos de mão e tapinhas no ombro estavam de bom tamanho. Mas não queria ninguém com as mãos entre suas pernas. Quase ninguém. Sabia que, no trem, desejou que Caroline o despisse e fizesse amor com ele ali mesmo, naquela cabine. A mãe ainda não estava acordada. Wilhelmina, no entanto, aguardava-o no salão para o desjejum. Com um vestido azul claro para o dia, ela sempre parecia radiante e iluminada. Sorriu ao ver o cão, que saltitou na direção da jovem. — Você sabe a história dele? — Isaac perguntou, solicitando que o chá lhe fosse servido. — Parece que Edward o salvou, em Hampshire. Ele pertence a algumas crianças, mas elas estão mudando para outra casa. O duque vem fazendo melhorias em sua propriedade do campo. Por isso, o cão veio ficar aqui. — Empolgante. — Ele implicou. — Diga, como tem sido seus estudos? — Ótimos, eu sou uma aluna bastante aplicada. — A jovem mordiscou um bolinho. — Já praticamente decorei os livros de etiqueta que deveria ler, sei matemática, história e geografia e sou muito boa em tarefas domésticas. Será que… será que Edward me permitirá estudar na escola que Agatha e Caroline estão inaugurando?

O lorde se engasgou com o chá que acabara de levar à boca. A ideia de misturar sua irmã delicada e tradicional com a subversiva Caroline Eckley era assustadora. — Não vejo motivos para isso. Você tem uma ótima tutora, não precisa estudar em uma escola formal. — Mas, Isaac! — Wilhelmina apoiou os talheres sobre o prato e tentou conter a agitação. — A escola certamente será boa para mim. É em Londres. Eu debutarei em menos de um ano e quase nunca fui a Londres. Como conhecerei os lugares se não posso ir até eles? E são apenas moças como eu. Vamos trocar experiências e eu posso fazer novas amigas. — Há algo errado com suas amigas atuais? — Isaac uniu as sobrancelhas ao franzir a testa. Ele estava provocando a irmã, mesmo que não acreditasse que Edward permitiria que Wilhelmina estudasse naquela escola. Apesar de ser a escola de Agatha, o problema estava em Lady Eckley. Caroline era livre demais, e tinha uma reputação arruinada que poderia atingir uma dama refinada como sua irmã. As filhas dos plebeus não teriam problema em conhecer as ideias progressistas de Caroline, ou em se misturar com uma mulher desonrada. As regras para elas eram menos rígidas que para as ladies. Wilhelmina precisava de um casamento nobre, de um homem de posses e título, como Edward. — Não seja bobo, Isaac. — A jovem bebeu um gole do chá. Ela também precisava se controlar para não comer demais. — Minhas amigas são ótimas. Mas eu gostaria de conhecer mais pessoas. E de estudar mais coisas. — Teremos essa conversa quando a temporada social recomeçar e quando a escola abrir. — A temporada social nem acabou. E Lady Eckley vai promover um evento em Granville House em algumas semanas, para apresentar a escola. A informação pegou Isaac de surpresa. Ele baixou os talheres e olhou para a irmã. A expressão simpática e quase indecifrável de Wilhelmina indicava que ela estava falando a verdade. Então era aquilo que Caroline estava fazendo em Kent? Ela dissera que precisava se orientar com o primo e sugeriu que fosse por causa da proposta de Isaac. Mas aquela nova perspectiva era muito mais razoável. — Como sabe? — Os criados fofocam e eu gosto de ouvir as fofocas. Minha camareira me contou que a Sra. Worthington ouviu do jardineiro dos Eckleys, que ficou sabendo pela camareira da marquesa. Ela enviará convites para diversas

famílias importantes. A realização de que Caroline continuaria em Kent fez com que ele se animasse. Teria a chance de seduzi-la sem precisar pegar um trem para Londres a cada três dias. A viagem era cansativa, mesmo sendo feita em um terço do tempo. Mas a mesma realização o deixou incomodado. Eles nunca teriam a privacidade suficiente para que ela pudesse sucumbir aos seus encantos. Isaac riu. Ele sempre soube que tinha encantos. As mulheres suspiravam por ele e várias já haviam se oferecido para a sua cama. Mas aqueles encantos não eram suficientes para a dama de vermelho dos Eckleys. — Se você receber um convite, pode participar do evento. Mas terei que acompanhá-la. Wilhelmina animou-se e exibiu um largo sorriso. Ela não fazia ideia das intenções dúbias do irmão, acreditava que ele era apenas excessivamente protetor. A refeição transcorreu sem mais assuntos intrigantes, apenas sobre os vestidos novos que a jovem mandou fazer na modista da vila e sobre a filha mais velha de um dos arrendatários que se casaria em algumas semanas. Depois de comer e despedir-se da irmã, Isaac deixou a residência da família. Foi aos estábulos, pediu que o cavalariço selasse seu cavalo, e informou mais uma vez que visitaria os currais. O sol já brilhava em um céu limpo de primavera. Os campos estavam cobertos de lavandas e o aroma adocicado das flores causava desconforto para o lorde. Quando subiu no cavalo e se preparou para sair, ouviu um latido. O mestiço se agitou e inclinou a frente, desequilibrando Isaac que precisou agarrar-se ao arreio para não cair. Era Lorde, o cão. Animado e abanando o rabo, parecia decidido a seguilo. Isaac afagou a crina do cavalo e o acalmou. — Bem, Lorde… se deseja me acompanhar, ao menos seja menos ruidoso. Não pretendo quebrar o pescoço indo visitar as vacas.

Os convites foram redigidos sete vezes. Caroline escreveu pessoalmente os três primeiros. Depois desistiu de prosseguir e entregou para que o secretário de Anthony os escrevesse. Ela ditou as palavras mais quatro vezes até que o texto ficasse como ela pretendia.

— Está excelente. — A dama se entusiasmou depois que o secretário leu as mesmas palavras pela quinta vez. — Envie para a casa do Conde de Cornwall, em Londres. Enderece-o à condessa e diga que preciso de sua aprovação. Mande pelos correios, com urgência. Preciso que esses convites tenham sido rodados em menos de uma semana, para serem distribuídos a tempo. É deselegante enviar convites de última hora. Caso a condessa aprove, ela pode ordenar a sua produção. Anotou tudo, Seymour? — Sim, milady. Caroline estava agitada. A ideia de Anthony era perfeita. Conduzir um evento na casa do Marquês de Granville demonstrava a importância da presença de todos os convidados. Apesar de a sociedade não ser muito tolerante com o passado da prima, o marquês conseguiu manter a relevância social e política de seu falecido pai. Poucos nobres ousariam recusar um convite para a sua residência. E os negociantes e investidores veriam a oportunidade de se misturar com a nobreza. Era o plano ideal para apresentar a escola. Ela esperava que Agatha pudesse comparecer. — Inclua no texto a necessidade de que a condessa esteja em Kent para o evento, no final da temporada. Ela é muito esperada. Desejada, ansiada, aguardada. Use palavras enfáticas. — Serei bastante enfático, milady. Isso é tudo? — Sim. Pode sair. O secretário deixou o escritório do marquês, onde Caroline trabalhava desde que acordou. Ela jantou com a família, quando foi comunicado a Rosamund, a esposa de seu primo e atual Marquesa de Granville, sobre as intenções de realização de um grande evento. Como esperado, ela adorou a ideia e se dispôs a endossar alguns convites. Sentada à mesa, olhando os dedos marcados de tinta e os rabiscos dos convites que precisavam ser ainda descartados no lixo, Caroline pensou, pela primeira vez em bastante tempo, como sua vida estava mudada depois de ter sido internada como louca. Ela não era louca. Caroline era diferente. Não pensava como uma dama, não continha seus impulsos, não aceitava passivamente que lhe dessem ordens. Comia o quanto queria, só usava espartilho quando lhe convinha, gostava dos cabelos soltos. Era livre demais para a sociedade londrina suportá-la. Era livre como um homem. E aquilo causava desconfortos para ela, frequentemente.

Mas não se importava. Quando apontou uma arma para Madeline Westphallen, não pretendia matar a jovem. Caroline não seria capaz de fazer mal a uma mosca. Ela queria que Madeline confessasse suas mentiras e não se aproveitasse da honra excessiva de Aiden Trowsdale. O grande amor de sua vida, Caroline acreditava. Ela nunca se sentiu ligada emocionalmente a outro homem como se sentiu ligada a Aiden. E ela o perdeu, assim como sua liberdade. Enquanto esteve internada, drogada e examinada, só pensava em sair e se ajustar. Não a ponto de se tornar uma dama, realmente. Mas para que não fosse mais rotulada de louca. Queria um trabalho, algo respeitável. Talvez quisesse um marido, só que tinha desistido disso. Homem decente algum iria querê-la como esposa, não importava seu dote. E ela não abriria mão de sua liberdade por causa de um marido. Tudo estava sendo apostado naquela escola. Ela queria ajudar outras moças a compreenderem que nem tudo se resumia a casamentos arranjados. Que mulheres deveriam poder ter outro papel na sociedade. Que a liberdade e a própria dignidade eram preços caros demais para pagar pelo matrimônio com um homem que elas nem mesmo amavam. A reconciliação forçada com os Trowsdales e os McFaddens era parte do seu projeto de reforma emocional. Caroline queria ser uma pessoa melhor, mesmo que quase ninguém acreditasse nisso. A porta do escritório se abriu e ninguém entrou. Caroline ergueu-se da cadeira ao ver um tufo enorme de pelos se arrastar pelo tapete. — Marquesa!! — Ela se abaixou para ficar na altura da cadela que acabava de entrar. — Onde você estava, menina? Senti saudades! A bela e elegante exemplar de Galgo Afegão, de pelagem branca e muito bem cuidada, lambeu o rosto de Caroline. As duas eram boas amigas desde que Marquesa chegou à casa Eckley, trazida como presente ao seu primo por um de seus parceiros de negócios. A cachorra, de raça exótica, era oriunda do Afeganistão, um país com laços comerciais com a Inglaterra. — Está bem, sei que você adora passear nos jardins. Do jeito que estou cansada de pensar em coisas importantes, vou adorar tomar chá com bolinhos enquanto o ar do litoral embaraça meus cabelos. Parecendo compreender o que lhe fora dito, Marquesa trotou para fora do escritório, indo na direção dos jardins da mansão. Caroline pediu a um criado que levasse uma bandeja com chá e guloseimas para seu lugar preferido e foi se encontrar com sua amiga de quatro patas. A cabeça ainda fervilhava de

ideias e ela adoraria ter com quem conversar. Esperava que Rose saísse da clausura imposta pela arte em breve.

Capítulo quarto

I SAAC NÃO ENTENDEU quando o encarregado dos animais lhe explicou que a produção de leite estava reduzida em razão de fatores externos que atrapalharam o descanso das vacas. — Como assim, as vacas estão temperamentais? — É isso que tem sido falado, milorde. Que as bichinhas se aborreceram com o barulho das máquinas mais novas que chegaram para ajudar no campo. — Mas as máquinas não fazem tanto barulho assim, fazem? — Elas assustam os animais, milorde. — Então teremos que fazer mudanças. Vamos deslocar os currais para outro ponto da propriedade, que fique mais afastado para evitar que as vacas se incomodem com o que for. — Isso custará muito dinheiro, milorde. Claro que custaria dinheiro. Isaac não tinha dúvidas, já que tudo requeria grandes quantidades de dinheiro. Retirou o chapéu e coçou a cabeça úmida do suor. Já estava de pé, no sol, havia muito tempo. Pegou o relógio no bolso do colete e confirmou. Quase meio dia. Ele não tinha mais casaco, estava com o colete aberto e em mangas de camisa. Gotículas de suor escorriam por seu pescoço. — Não é um problema, desde que as vacas voltem a produzir leite adequadamente. Sem a pecuária, a fazenda deixa de ser produtiva, Sr. Finnerty. Chame alguns especialistas para que analisem a viabilidade de mover os currais para um lugar mais adequado. O capataz assentiu e se afastou. Isaac permaneceu ali, com as botas enfiadas em esterco e cercado de vacas que pareciam encará-lo de forma inamistosa. Ele sempre preferiu cavalos. Os equinos eram animais mais

interativos, usados para montaria. Se ele se apegasse a um cavalo, sabia que o bicho jamais seria abatido para servir de prato principal no jantar de alguém. O cheiro de estrume fez com que ele desistisse de permanecer dentro do curral. Bateu as botas para tirar o excesso de sujeira e recostou-se em uma cerca de madeira. Não havia um barulho desconfortável. As máquinas eram bem rudimentares, naquela época. Mesmo que Edward houvesse investido muito dinheiro na modernização da propriedade, vislumbrando que ela deixaria de ser lucrativa se continuasse no passado, os equipamentos tecnológicos disponíveis em 1893 eram poucos. A maresia sempre fazia com que ele desejasse nadar. Isaac olhou para o horizonte e viu o contorno das pedras que separavam a propriedade do mar. Dava para chegar lá em poucos minutos de cavalgada. — Você me acompanha, Lorde? Perguntou ao cão, que latiu em conformidade. Isaac montou em seu cavalo e trotou na direção da praia, sendo seguido pelo animado Setter. Greenwood Park era uma propriedade interessante exatamente por possuir uma espécie de praia privada. Aquela enseada era reservada, sem acesso por outras vias que não a propriedade do Conde de Cornwall. Não podia, portanto, ser frequentada por turistas ou viajantes. Apenas convidados da família. Por esse motivo, Isaac não se importou em ir até lá sem roupa de banho. Ele não precisava de uma. Duvidava que alguém estivesse ali, já que a mãe e Wilhelmina só iam à praia durante a manhã, e acompanhadas de uma comitiva muito bem planejada. Ao ver o mar convidativo, sabia que a água estava gelada. Não se importou. Prendeu o cavalo, retirou as botas, a camisa e as calças. Pendurou tudo na sela, para que não sujasse de areia, e correu para as ondas que quebravam preguiçosas. — Meu Deus! — Foi a reação ao entrar em contato com o gélido mar da costa inglesa. O cão, por sua vez, não pareceu se incomodar com o frio e se jogou na água, latindo animado. — Lorde, você não está morrendo de frio? O cão latiu novamente. Claro que não estava! Corria e brincava de perseguir a espuma branca que ia e vinha. Isaac deu um mergulho, molhandose todo para tentar se acostumar com a temperatura. Depois de alguns minutos, não achava mais que fosse congelar. Nadou mais para o fundo até que ouviu Lorde latir de forma diferente. E, em seguida, uma voz feminina de protesto.

— De onde surgiu essa besta peluda cheia de areia? Não pule em mim, você não tem educação? Isaac virou-se para a praia e paralisou. Entre a estupefação, a vergonha e a vontade de rir, levou alguns minutos observando o estabanado Lorde rodeando Caroline Eckley, que vinha com uma sombrinha, uma bolsa e… outro cachorro. Ela vestia algo indecente, uma versão pitoresca das roupas de banho femininas tradicionais. Meias listradas, uma saia muito curta, corpete justo e sapatilhas de seda. Tudo vermelho, preto e branco. Se ele já achava Lady Eckley uma obra de Lúcifer para tentar os homens na Terra, aquela roupa fazia com que ele tivesse certeza. Com a sombrinha fechada, ela tentou manter Lorde longe. O cão que a acompanhava rosnava e se escondia atrás dela. Era uma cena cômica, na qual Isaac não podia interferir. Ao notá-lo na água, Caroline esbravejou. — Milorde, esse monstro é seu? — Ele me acompanha, mas não posso chamá-lo de meu. — Venha aqui cuidar dessa fera. Ele está importunando minha Marquesa! — Lamento, milady, mas terá que resolver isso sozinha. Não posso sair da água. — Posso saber por quê? — Caroline colocou uma das mãos na cintura e empunhou a sombrinha como uma espada. — Fique longe, seu mal-educado! Eu sou boa em esgrima. — Não estou vestido, milady. Minhas roupas estão penduradas na sela do cavalo, próximas da senhorita. Ela olhou para o cavalo, que descansava à sombra, e riu. O sorriso diabólico formado naquele rosto delicado e perfeito sugeriu que ela se divertia por algo que não era engraçado. — Já vi minha quota de homens nus, milorde. Não me importo em vê-lo despido, desde que tire esse cão daqui. Lorde continuava querendo confusão. Isaac tentou chamá-lo, mas o cão não o obedecia. A cena era engraçada: uma mulher em roupas de banho, um animal brincalhão, um acuado, muita areia e vento marítimo. Tudo isso sob o sol quente de quase meio-dia. — Vire-se, milady. Vou sair, me vestir e cuidar do cachorro. — Como vou me virar? Esse brutamonte pulará sobre mim e atacará minha Marquesa. Isaac nunca ficara nu na frente de nenhuma mulher. A possibilidade o deixou muito envergonhado. Principalmente porque a água estava mesmo fria

e Caroline poderia ter uma imagem equivocada de suas partes masculinas. Aquilo era um absurdo. Respirando fundo, o lorde nadou em braçadas até a parte mais rasa, onde rebentavam as ondas. Ergueu-se da água e caminhou rapidamente pela curta extensão de areia que o separava de suas calças. Com as duas mãos na frente de seu corpo, tentou manter-se oculto o suficiente para preservar uma mínima dignidade.

Era verdade que Caroline já vira uma boa quantidade de homens nus. Quase todos eles, excitados e prontos para o ato sexual. E, quase sempre, na proteção escura da noite, onde os detalhes viravam sombras no bruxulear das lamparinas a gás ou do fogo da lareira. Nada era como aquilo que vinha do mar em sua direção. Se ela se surpreendeu com o toque no peito firme e sólido de Isaac, no primeiro beijo que trocaram, aquela visão a abalou completamente. Não durou mais do que alguns segundos. O homem saiu da água, deu alguns passos e vestiu suas calças muito rapidamente. Mesmo assim, ela viu toda a cena bem devagar, registrando cada detalhe para que sua mente inquieta a torturasse depois. Ele tinha músculos definidos, indicando que fazia muitos exercícios. Os pelos eram distribuídos pelo corpo inteiro como se tivessem sido cuidadosamente dispostos por alguma mão artista. Molhado e reluzindo sob o sol, era a visão de um deus dourado. Isaac parecia banhado a ouro. Levou algum tempo até Caroline perceber que ele já segurava o cão agitado com os dois braços e que não havia mais perigo para sua cachorra. — Pronto, milady. Ele vai se comportar agora. Não vai, Lorde? O Setter se sentou ao lado de Isaac e latiu duas vezes. Caroline acariciou a cabeça de Marquesa, que lamuriava ao seu lado. — Muito bem. De onde surgiu esse… animal? — Edward pediu que o abrigássemos temporariamente. Mas, milady, eu é que devo questionar o que a senhorita faz na minha propriedade. Caroline sorriu. Abriu novamente a sombrinha para proteger-se do sol e começou a tirar a sapatilha. — Eu sempre nado aqui. Adoro a privacidade dessa enseada. Nunca percebi que fica em Greenwood Park. Tem certeza que ela não pertence aos Eckleys?

— Tenho bastante certeza disso, milady. Isaac sabia que ela estava troçando com ele. Caroline tinha plena consciência dos limites da propriedade de sua família, tão explorada por ela na infância. E ela adorava nadar ali, porque a praia particular dos McFaddens era muito divertida. Com a presença masculina ao seu lado, ficou duas vezes mais interessante. Ela terminou de tirar as sapatilhas e correu para a água. Marquesa ganiu, protestando por seu afastamento, mas a cadela nunca entrava no mar. Era elegante e fina demais para aquele comportamento mundano, o de se encharcar com água salgada. Caroline pisou com cuidado nas ondas que espumavam e fez uma careta ao ver o quanto a água estava fria. Mesmo assim, deixou-se molhar até os joelhos. — Não vai mais nadar? — Ela se virou e viu o lorde sentado entre os dois cachorros. — Prefiro evitar que esses dois briguem. Não sabia que tinha um cão. — Cadela. O nome dela é Marquesa. Isaac deu uma risada. Exibiu dentes brancos e perfeitos que podiam ser vistos à distância. Era antinatural um homem ser tão bonito quanto ele. Principalmente quando ela se propunha a resistir a qualquer processo de sedução vinda dele. — Talvez eles se entendam bem, então. — Isaac se levantou e caminhou na direção da água. — Minha irmã esteve comentando hoje sobre um evento que acontecerá em Granville House. Pretende ficar em Kent mesmo durante a temporada social? — Sim. Foi ideia de Anthony e acredito que seja uma boa ideia reunir algumas famílias para apresentar a elas a escola. Conto que a condessa possa vir. O lorde entrou na água. Tinha dobrado as calças até os joelhos e tentou evitar molhá-las, sem muito sucesso. As ondas batiam em suas pernas e respigavam no tecido marrom. — Tenho dificuldades em entender como Agatha pode ter aceitado uma amizade com a senhorita. Depois de tudo que fez, do tanto que importunou o duque, do quanto fornicou com meu irmão… — Pensei que ela resistiria mais à minha aproximação. — Caroline deixou a água cobrir-lhe os quadris. — Mas entenda, milorde, que mulheres foram criadas para aceitar que seus maridos tenham aventuras sexuais. — Agatha não aceita isso de Edward.

— Agora não. Eu a entendo, se fosse ela também prenderia aquele conde comigo e não o deixaria gastar sua energia com outras. Mas, ainda assim, fomos condicionadas a perdoar, e até mesmo justificar, todas as aventuras sexuais pretéritas dos homens. Vocês podem tudo, a nós cabe aceitar. Fez-se silêncio. Havia apenas a arrebentação do mar e o barulho das gaivotas, que disputavam peixes e moluscos nas pedras da enseada. Os cães se entreolhavam inamistosos, mas tranquilos. Isaac molhou as mãos na água e passou nos cabelos. Ela se perdeu naquele movimento por breves segundos. — Não entendo muito bem sobre mulheres. Talvez possa me instruir em alguns assuntos. O brilho dos olhos dele era pura malícia. Talvez Isaac não tivesse experiência com mulheres, mas a capacidade de sedução não lhe faltava. O talento dos McFaddens era inato. — Posso te instruir, sim. — Caroline sentou-se na arrebentação. As ondas iam e vinham, molhando-a com alguma bruteza. — Sobre como mulheres podem ter assuntos interessantes. Sobre como não somos apenas receptáculos para a semente de vocês. Sobre o motivo pelo qual temos o direito de receber a mesma educação que os homens porque temos a mesma capacidade intelectual. Já leu Wollstonecraft, milorde? — Não, eu não li. O que ele escreveu. — Ela. Wollstonecraft é uma mulher inglesa que ousou escrever sobre direitos femininos. Recomendo que procure, também, John Stuart Mill. Ele escreveu sobre mulheres com muita sensibilidade. Serão ótimas formas de começar se instruindo sobre mulheres. Ele se sentou ao lado dela. Ficaram olhando para o horizonte onde o sol se punha. Caroline fincou as mãos na areia. As ondas cobriam e descobriam seus dedos até que o calor da pele de Isaac fez com que ela se sobressaltasse. A mão dele estava sobre a dela. O contato era íntimo demais, inadequado até. Mas nada entre eles havia sido adequado até aquele momento. — Onde aprendeu todas essas coisas? Isso é tão… diferente do que se ensina às meninas. Mesmo hoje em dia, em que tudo está tão moderno. — Fui criada livre, cercada de homens em um mundo masculino. Mas aprendi essas coisas no sanatório. Com uma enfermeira chamada Marianne. Ela logo descobriu que eu não era a louca que diziam que eu era e começou a conversar muito comigo. Marianne me deu livros para ler. E nada está tão moderno, milorde. Não enquanto o casamento nos transformar em objetos e a solteirice for um fardo pesado demais.

— É isso que pretende ensinar em sua escola? Nada como bordado, como servir o chá, como dar festas inesquecíveis, como organizar boas soirées? — Toda menina de quinze anos sabe essas coisas. Nem se ensina mais isso nas escolas tradicionais, milorde. De certa forma, nossa escola ensinará tudo que as damas precisam saber. Mas também permitirá a elas leituras interessantes. Conhecimentos que elas não adquiririam com suas tutoras em casa. Essas moças precisam de mais. Precisam de uma educação… — Como a sua? — Ele desafiou. — Haveria algum problema se elas fossem como eu? Caroline virou-se para ele. Isaac colocou os dedos entre os dela, aprofundando o toque. — Considerando que a senhorita nunca se casou e não teve filhos, se toda mulher for assim, a humanidade estará extinta em breve. O contato entre eles se desfez. Caroline levantou-se e bateu a areia da roupa de banho. Ajeitou a saia de lã e deu uma última olhada para o lorde aos seus pés. Ele estava na posição que ela preferia os homens. Quando podia vêlos debaixo dela. — Se os maridos fossem melhores e insistissem em se apegar a leis antigas que apagavam nossa existência depois do casamento, duvido que alguma mulher, mesmo instruída, teria objeção ao matrimônio. Mas, com homens desagradáveis como o senhor, fica difícil defender a instituição. Estava irritada. Marchou pela areia fofa, pegou sua sombrinha e suas sapatilhas nas mãos e rumou na direção da propriedade Granville. — Vamos, Marquesa. — Chamou a cachorra, que se levantou e esnobou Lorde. — Não devemos perder a hora do almoço.

Aquele homem era insuportavelmente arrogante. Ela deveria saber, todos eles eram. Mas sua irritação com Lorde Isaac era mais do que pura estupefação por ele insultá-la. Caroline era insultada todo dia, pela maior variedade pessoas que ela conhecia. Quando visitavam a casa Granville, a paparicavam por respeito ao marquês. Mas não a convidavam para suas festas. Faziam fofocas a seu respeito, mas também frequentavam sua cama nas noites escuras de Londres. Ah, como ela desprezava a sociedade. Por vezes preferiu ter nascido em

família plebeia, ao menos sabia que suas escolhas seriam vistas de forma mais natural. Sua irritação com ele se dava por motivos desconhecidos. Caroline nunca fez nenhuma questão da aprovação condescendente de um homem. Ela conquistava o respeito deles de formas variadas e posições surpreendentes na cama. Já Isaac não estaria na sua cama e ela não poderia seduzi-lo e tratálo como um cachorrinho na coleira. — Milady, espere. A voz dele ecoou pelo ar, misturando-se com o farfalhar da vegetação. Além de arrogante, ele não parecia entender quando uma pessoa estava irritada a ponto de desejar ficar sozinha. — Não desejo continuar a conversar, milorde. Minha família me aguarda para o almoço e ainda preciso me arrumar. Ele estava a cavalo, com o cachorro ao lado. Aproximou-se dela, já vestido com suas botas e a camisa. Não que fizesse diferença, mas ele ficava mais bonito com a roupa desgrenhada do que sem ela. — Está aborrecida com meu comentário. Não foi uma pergunta. Era uma constatação óbvia. — Claro que não. Já deveria ter me acostumado, esse é o comentário que todos fazem. Sou uma solteirona devassa, o que podem esperar de mim? — Desculpe-me. Não pretendia ofendê-la. — Isaac, não se desculpe. — Ela o tratou pelo primeiro nome, aquele gesto de intimidade que provavelmente faria com que todos desconfiassem de algum envolvimento entre eles. — Apenas volte para seu divertimento, vou para casa. — Não posso continuar me divertindo, tenho que conferir se o silo de grãos foi consertado. — Os criados não fazem isso? — Ela parou e o encarou. — Um bom administrador cuida pessoalmente dos seus negócios. Por isso Edward confia em mim para gerir Greenwood Park. Quer cavalgar comigo? — Cavalgar? No mesmo cavalo? — Creio que sim, milady. Há apenas o Trovoada aqui. Os cães nos acompanham, eu deixo a senhorita na porta de Granville House. Era uma oferta tentadora. O sol estava a pino e fazia calor. Caroline podia ter uma insolação. Havia muitas desculpas para subir no cavalo com Isaac McFadden. Ela olhou ao redor. Pensou no escândalo que seria, para uma

dama, chegar montada a cavalo com um homem que não fosse seu marido. Ainda mais sem sela adequada. Parecia excelente, para ela. — Certo. Como vou subir no cavalo? Isaac sorriu e estendeu a mão para que ela segurasse. Com firmeza e força, ele a puxou para cima e fez com que se acomodasse à sua frente. Caroline virou para frente e segurou com suavidade a crina de Trovoada, que relinchou. Ela acariciou o pescoço do cavalo e fez com que se acalmasse. O lorde então passou as duas mãos pelas laterais do corpo dela, segurou o arreio e imprimiu um trote lento. — Não a deixarei cair. Ele sussurrou em seus ouvidos e Caroline sentiu um arrepio lhe percorrer o corpo todo. Naquele momento, ela teve consciência dos músculos dele ao seu redor. As coxas firmes que a envolviam. O peito sólido contra o qual suas costas estavam apoiadas. Os braços que impediam que ela cambaleasse para o lado. Eles estavam totalmente vestidos e, ainda assim, Caroline acreditava que era a interação mais erótica que já tivera com um homem. — O senhor já chegou a um entendimento com o pai de sua noiva? Caroline desviou o assunto para algo desagradável. O possível casamento do lorde era algo que ela não apreciava discutir. A esposa dele seria uma mulher de sorte. — Lady Francesca não é, ainda, minha noiva. Mas a família dela foi para Londres e eu tive que retornar abruptamente para Kent. Assim que a temporada acabar, o que acontecerá em breve, eles virão para o litoral e eu poderei prosseguir com meu cortejo e, quem sabe, fechar os trâmites do casamento. — Ela deve estar ansiosa para se tornar a Sra. Isaac McFadden. Não é sempre que uma dama italiana fisga um segundo filho de seu porte. Isaac deixou a barba roçar no pescoço de Caroline. Abaixou a cabeça para falar perto do ouvido dela. — A senhorita, no entanto, despreza meu porte. Uma mão de Isaac segurou Caroline, espalmada sobre a barriga dela. O calor do toque fez com que a dama se alarmasse. Ela se acomodou sobre o cavalo e sentiu que ele estava duro atrás dela. Homem devasso. Ou inexperiente. Nenhum homem que ela conhecia era capaz de conter uma ereção se estivesse roçando em uma mulher. O movimento do cavalo fazia com que os corpos se movessem como em uma dança. Os cães pareciam ter se entendido e corriam à frente. Brincavam.

Caroline fechou os olhos e relaxou as costas. O calor e o cheiro de maresia que a envolviam eram provenientes do homem atrás dela. — Não desprezo, milorde. Caroline quase sussurrou as palavras. Desejava tê-las mantido guardadas, mas estava muito acostumada a dizer o que pensava. Desejava também que o ruído do vento impedisse que Isaac a ouvisse, mas o novo roçar da barba dele no pescoço dela indicou que ele sorria. Maldito fosse. Eles cavalgaram até Granville House sem trocar outras palavras. Isaac teve o cuidado de parar com o cavalo na parte de trás da casa, para que eventuais convidados não os vissem chegando. A situação era indecorosa demais e, apesar de tudo, ele pareceu preocupado em resguardála.

Era muito difícil ter certezas quando estava na presença de Caroline. Isaac sempre foi sistemático e cheio de regras. Não voltava atrás nas decisões tomadas porque elas eram muito refletidas. Era daquela forma desde a escola, sempre irritando os outros colegas por ser um aluno muito dedicado e por cobrar empenho dos demais. Mas a única certeza que ele tinha, ao lado de Lady Eckley, era que ela cheirava como um dia de verão. Muitas damas cheiravam a flores. Tinham aquele aroma adocicado da fragrância de rosas, ou jasmins, ou violetas. Lady Francesca cheirava a rosas. E Caroline não cheirava a flor alguma. Ela tinha cheiro de pele. Não era delicado nem romântico, não o recordava de nenhuma mulher com quem já flertara. Mas aquele cheiro o embriagava. Mais do que o uísque. Todas as decisões que tomou a respeito dela pareceram muito erradas quando a deixou em casa, naquele início de tarde. A proposta, a sedução, a perseguição. Ela o incomodava em níveis que aparentemente eram exclusivos. Nunca soube de um homem que se incomodasse com Caroline Eckley. — Isaac. — Wilhelmina o interceptou assim que desceu do banho. O lorde se banhou e gastou longos minutos deixando seu corpo voltar ao normal, depois do arrebatamento do passeio na praia. Achava Caroline linda, queria deitar-se com ela, mas a ereção, que o fez ficar mais duro que os rochedos que circulam a praia, era quase novidade. Nunca uma mulher o

excitara tanto a ponto de fazê-lo desconfortável apenas com um toque. — Leve-me à vila. — O que pretende fazer na vila? — Preciso fazer a prova de alguns vestidos que mandei preparar. E também quero ver como estão os preparativos para o festival. Ah, o festival que antecedia ao verão. A marca do final da primavera era sempre celebrada na região. Mesmo com a agricultura minguando e com as pessoas migrando cada vez mais para as fábricas, o litoral de Kent mantinha uma atmosfera animada. Principalmente depois do hotel imenso construído por Oglethorpe, que gerou empregos e ampliou a ida de burgueses endinheirados para conhecer as praias da região. Talvez aquele fosse o motivo de Isaac ter tanto carinho por Greenwood Park. Ou porque aquela era uma das mais antigas propriedades dos McFaddens. Ou, ainda, porque era um tolo sentimental. — Você tem acompanhantes para isso. — O irmão reclamou. — E eu tenho serviço. Preciso administrar o conserto do silo. — Não quero ir com minha acompanhante. Prefiro a companhia do meu irmão. Vamos, Isaac, eu quero sua opinião sobre o vestido que encomendei. Ele olhou para a irmã sabendo que aquele era o resultado da sua interação excessiva com a família. Nathaniel sempre dizia que ele conversava demais com Wilhelmina e a mãe. “Mulheres são manipuladoras. Dê a elas uma mão e logo elas se apossarão do braço inteiro”. Mas aqueles olhos castanhos que pediam com tanta ênfase não eram fáceis de dizer não. — Tudo bem. Vamos almoçar e eu te acompanho à vila. — Isaac tocou uma sineta e o mordomo veio até eles. — Peyton, por favor peça que preparem a carruagem grande. Vamos à vila depois do almoço. — Pois não, milorde. O mordomo saiu e os dois irmãos foram para o salão de refeições pequeno. A mãe desceu logo depois, sempre acompanhada de sua camareira. A mulher não era mais tão jovem, mas a condessa viúva não queria saber de outra companhia. Apenas Mildred era capaz de atendê-la em todas as suas exigências, ela dizia. E, com isso, a solteirona de quase quarenta anos continuava servindo a Pauline McFadden como já fazia por vinte anos. A refeição foi simples. A família nunca exagerava nas refeições quando eram apenas eles. Se Edward e Nathaniel estivessem em casa, serviam um banquete. Quando Emile vinha do internato, era quase como se fosse Natal. Naquele dia, comeram uma entrada de sopa de tartaruga, depois o prato

principal, de carne de caça e sobremesa de frutas. Isaac evitou comer demais para não ter indigestão com o sacolejo da carruagem. Depois de colocar seu chapéu, esperou pela irmã na varanda. Não conseguiu deixar de olhar para a propriedade dos Granville, ao longe. O que ela estaria fazendo naquele momento? Não teve muito tempo para pensar. Logo a irmã estava ali e o cocheiro os guiou para a vila. Isaac estava pensativo, silencioso, e isso lhe era incomum. Os McFaddens não eram falantes como os Trowsdales, mas, ainda assim, Isaac era o mais comunicativo dos irmãos. Wilhelmina não o incomodou, nem questionou sobre onde estavam seus pensamentos. — Enquanto eu provo o vestido e faço ajustes, você pode dar uma volta pela vila. A jovem disse, assim que a carruagem parou na frente do estabelecimento da modista. — Pensei que quisesse minha opinião. — Claro que quero, mas vai levar quase uma hora para que o vestido fique ajustado. Você volta depois e me diz se gosta. O lorde suspirou. Ele não tinha mesmo nenhuma pretensão de entender as mulheres. Queria, mas duvidava que fosse capaz. Era mesmo preferível caminhar pelas lojas ao invés de ficar sentado esperando. Beijou a irmã no topo da cabeça e pôs-se a andar pelas construções. A vila estava muito movimentada. Havia gente andando para lá e para cá, ornamentando a via e arrumando barracas. Então o festival deveria começar naquele dia. Isaac olhou para um lado e viu a imponente construção do Palace of the Sea, o hotel recém-inaugurado. Do outro lado, havia apenas casas modestas. Alguns prédios pequenos que se amontoavam pela região litorânea. O ar marinho deixava tudo com uma aparência de verão permanente. Distraído, Isaac parou em uma barraca de flores. Uma garota de cabelos escuros e olhos expressivos arrumava violetas, jasmins, jacintos e outras flores coloridas em ramalhetes, para depois colocá-los em vasos de porcelana. Ele levou um conjunto ao nariz e imaginou que elas ficariam lindas nos cabelos escuros de Caroline. Por que pensava nela, afinal? Por que deixava que sua imaginação vagasse na direção de Caroline Eckley, quando seus objetivos com ela eram apenas carnais, e por apenas uma noite? E por que ele estava achando aquela proposta que fez a ela tão indecorosa, tão imprópria e tão ofensiva?

Porque era. Isaac não considerou Caroline como uma pessoa, quando foi até ela. Procurava um meio para um fim. Desconsiderou que ela pudesse ter sentimentos. Os homens sempre viam Caroline com espanto. Alguns nutriam admiração, secretamente, como Sawbridge e Riderhood. Outros, só se importavam com ela como uma dama que poderiam seduzir para a cama. Alguns a desejavam como amante. E ele agiu movido pelo senso comum sobre ela. Como era possível que, em poucos dias, já considerava que havia muito mais conteúdo sob a superfície de Caroline Eckley? — Flores, milorde? — A menina perguntou. — Quanto por elas? — Um centavo, milorde. Isaac remexeu as flores sob os olhos atentos da jovem e escolheu algumas. Pegou dois ramalhetes e entregou um xelim à menina. Ela arregalou os olhos ao receber uma moeda de valor muito superior. — Milorde, ainda não tenho troco. — Fique com ele. Eu posso querer mais flores, depois. Era comum que Isaac oferecesse dinheiro a mais pelas coisas que comprava na vila. Esforçava-se para ser justo com os arrendatários, sempre possibilitando que eles tivessem maior qualidade de vida. Quanto mais eles estivessem satisfeitos, melhor o lucro de Greenwood Park. E, se eles confiassem no administrador, era mais fácil convencê-los a adotar as melhorias que Isaac frequentemente insistia para que fossem implementadas. Pôs-se a andar novamente sem saber para que comprara flores. Na verdade, ele sabia, mas não queria admitir. Havia algo nele que queria colocar jasmins nas roupas e cabelos de Caroline. Isaac estava sendo tolo. Não adiantava esbanjar romantismo com ela. Flores não a seduziriam. Ela era mais prática do que aquilo. Principalmente depois que ele estava sendo um canalha com ela. Retornou para a modista um pouco depois da uma hora que a irmã pediu. Encontrou Wilhelmina rodeada de costureiras que finalizavam ajustes em um vestido azul e ornamentado com renda. Isaac teve certeza que não havia dificuldades para a irmã em conseguir um casamento adequado. Além do dote que Edward estabeleceria para ela, a jovem McFadden era muito bonita. — O que achou? — Wilhelmina perguntou ao irmão ao vê-lo recostado no batente da porta. — Digno de um membro da realeza. Pretende usá-lo… — Não me faltarão oportunidades para usar vestidos novos, Isaac. Mas

espero estreá-lo quando a temporada acabar e os eventos aqui se iniciarem. Esse ano vocês me levarão aos bailes, não levarão? — Foi uma promessa, ela será cumprida. A jovem sorriu. Conversou qualquer coisa com a modista e trocou os vestidos. Meia hora depois, estavam na carruagem de volta para Greenwood Park. — Comprou flores? — Wilhelmina notou os ramalhetes que foram colocados dentro do chapéu que o irmão retirou. Ele pegou um deles e entregou a ela. — Combinam com seus olhos. Wilhelmina sorriu e se esticou para beijar a bochecha do irmão. Depois, prendeu as flores no corpete do vestido com um alfinete. — E essas? — Ela apontou para os jasmins. — São para quem? Eu comprei para presentear a dama mais indecorosa da Inglaterra, era o que ele deveria dizer. No entanto, conseguiu apenas bater no teto da carruagem para chamar atenção do cocheiro. — Miles, deixe-me em Rhode Port. Vou à Granville House.

Longe da agitação de Londres, Caroline se divertia com atividades do interior. Ela podia usar calças de montaria, montar de frente e fazer coisas que, na cidade, seriam consideradas muito escandalosas. Ainda eram escandalosas em Kent, mas ali ela se sentia protegida. Todos a conheciam, ninguém a julgava na sua frente. Depois do episódio com Isaac McFadden, ela demorou algum tempo para voltar a se concentrar em qualquer coisa. Pediu que preparassem seu cavalo, deu uma volta pela propriedade, conversou com arrendatários e descobriu que a Sra. Lange estava doente. A esposa do ferreiro era uma senhora idosa e muito gentil, que sempre ofereceu doces a Caroline quando ela visitava a vila. Ao retornar para Granville House, a dama pediu à cozinheira que preparasse, para a manhã seguinte, uma cesta com bolos, doces e licores para levar para a Sra. Lange. O relógio marcava já quase cinco horas, então ela precisava correr para se lavar e não perder o chá. Se havia um ritual importante na casa dos Granville, esse era o chá das cinco. Uma mesa farta com comida era colocada no jardim de inverno, onde

Rose preferia ficar, e toda a família se reunia para o chá. Caroline desceu as escadas quase atrasada e foi interceptada pelo mordomo. — Milady, há um visitante para a senhorita no saguão. — Um visitante? — Caroline franziu a testa. — Qual o nome dele? — É Lorde Isaac, milady. Ele pediu para falar com a senhorita. Então o homem era audacioso o suficiente para ir até a casa dela e pedir para falar com ela. Caroline começava a gostar da insistência dele. Geralmente, preferia que os homens não ficassem próximos demais. Achava alguns nobres pegajosos, interessados em algo que ela não queria dar. Caroline não se deitava com todos os homens, menos ainda com qualquer um. Muitas vezes, quase sempre, ela precisava lembrá-los que sua liberdade sexual não era sinônimo de prostituição. Nem a colocava à disposição deles. — Vou recebê-lo. Peça que coloquem mais uma xícara na mesa, ele tomará o chá conosco. A dama foi ao saguão e pode observar o lorde antes que ele a visse. Isaac admirava um vaso indiano que ornamentava a entrada da casa, com pinturas muito peculiares. Se observado com cuidado, dava para notar que os pequenos detalhes em cores escuras representavam pessoas nas mais variadas posições do Kama Sutra. Anthony tinha prazer em mantê-lo ali para ruborizar quem se interessasse demais pelo objeto. Aquele vaso era um escândalo. Caroline o adorava. E Isaac estava bastante intrigado com ele, a mão estendida quase tocando a porcelana. Vestia traje completo, imaculado, como se tivesse acabado de tomar um banho e sair de casa. Segurava o chapéu de feltro em uma das mãos e demorou vários segundos para notar que era observado. — Essas pinturas… são pessoas? — Ele perguntou, a ponta do dedo tocando o vaso. Caroline assentiu com um movimento de cabeça. — E elas estão… — Sim, elas estão. — Caroline riu. — Conhece o Kama Sutra, milorde? — Sei o que é, mas nunca o li. — Deveria folheá-lo. Há um exemplar na nossa biblioteca, se desejar. Ele ficou vermelho, o rubor subindo pelo pescoço e se instalando próximo aos olhos azuis. Caroline exibiu um sorriso vencedor. Ela adorava fazer as pessoas escandalizadas com seu comportamento. — Talvez aceite sua oferta. Nesse momento, passei aqui para lhe entregar isso e para me desculpar. Isaac estendeu as flores para ela. Caroline franziu a testa novamente e

encarou o pequeno ramalhete de jasmins que ele a entregava. Pegou-as e levou-as até o nariz, sorvendo o aroma adocicado. Era a primeira vez que um homem a presenteava com flores. Ela já recebera alguns presentes extravagantes de nobres que a desejavam tê-la como amante. A maioria fora recusada porque ela recusava a proposta que vinha acompanhando o presente. Mas flores, ninguém ainda fora tão delicado a ponto de considerar jasmins para presenteá-la. — Estão frescos. — Isaac explicou. — Estive na vila e… achei que jasmins combinavam com a senhorita. Caroline sorriu. Não era o sorriso de deboche ou diversão que geralmente a acompanhava quando interagia com pessoas. Era algo novo, que ela geralmente guardava para a família, apenas. — Não sei o que fazer com elas. Coloco em um jarro? — Nunca recebeu flores, milady? — Não. — Ela confessou. O lorde deu alguns passos em sua direção. Pegou as flores da mão dela e prendeu na lapela do casaquinho de passeio que ela vestia. O contraste do branco das flores com o tom avermelhado do tecido era perfeito. Caroline ficou segundos absorta naquela imagem. — Quanto às desculpas, — ele prosseguiu — eu gostaria que soubesse que estou ciente que minha proposta foi ultrajante. Não pretendia ofendê-la, mas em nenhum momento considerei seus sentimentos. Eu gostaria de retirála. Oh. Ela se surpreendeu com aquilo. Não apenas com a retirada da oferta de desvirginá-lo, mas também com a percepção de que ela tinha sentimentos. Claro que tinha, mas poucos homens se davam conta disso. — Considerou que me seduzir é muito difícil? — Ela provocou. — Não. Eu apenas não me senti confortável com a senhorita achando que tudo que faço tem como objetivo levá-la para a cama. — E não tem? Os dois se entreolharam. Isaac não sabia o que fazer ou dizer. — Milady. — O mordomo pigarreou atrás dela, interrompendo o momento. — O marquês perguntou se a senhorita e seu convidado não vão se juntar a eles para o chá? — Claro que vamos! — Estou de saída. Eles falaram ao mesmo tempo e sorriram logo em seguida.

— Lorde Isaac vai tomar chá conosco. — Ela determinou. — Vamos, milorde? Talvez Isaac quisesse discordar e dizer que não pretendia ficar mais, entretanto não disse nada. Ofereceu o braço para que ela segurasse e deixouse conduzir até o jardim de inverno, onde a família Eckley se reunia. Ao redor de uma mesa, com toalha rendada, estavam Anthony e Rose. Ao vê-los chegarem, o marquês se levantou. Por um breve segundo, o olhar que ele lançou a Isaac foi predatório. Caroline acreditou ter visto um brilho diabólico nos olhos escuros de Anthony. Isso a divertiu. Apesar de tudo, ela sabia que o primo continuaria a cumprir o papel de seu tio e cuidaria dela enquanto fosse preciso. — Espero que não se importem. Lorde Isaac estava passando por aqui e eu o convidei para o chá. — Seja bem-vindo, McFadden. — O marquês o cumprimentou. — Obrigada por me receber, Granville. Milady. Isaac cumprimentou os anfitriões e puxou a cadeira para que Caroline se sentasse. Um criado serviu-lhes chá. — McFadden, é você que vem administrando as terras do conde, estou certo? — Anthony iniciou uma conversa. — Sim, milorde. Com as muitas atividades de meu irmão na cidade, eu auxilio tomando conta de Greenwood Park. — Estou impressionado com o maquinário que vi chegar recentemente. Vocês estão investindo em criação animal e na mecanização da agricultura e não parecem economizar recursos. — Recebemos uma nova debulhadora para os grãos. Ela faz o serviço de cem homens em tempo recorde, milorde. Sem contar as máquinas para ordenha das vacas. Os homens engajaram em um debate sobre agricultura, cultivo de terras, criação de animais e outros assuntos de negócios. O marquês não estava muito por dentro de questões como aquelas. Ele decidira investir seu dinheiro em ações da indústria naval e ferroviária há alguns anos. Também mantinha negócios com o Afeganistão e a Índia, exportando produtos exóticos e de interesse dos ingleses. Rhode Port, por ser uma propriedade litorânea, tinha o solo ruim para certos cultivos. Ele aproveitou a oportunidade para extrair informações de Isaac. — Então vocês conseguiram manter a propriedade lucrativa.

— Não estamos falando de um grande lucro, mas, sim. Conseguimos lucrar, enquanto muitas fazendas minguaram. E, com o investimento de Oglethorpe na vila, muitos jovens desistiram de ir para a cidade, trabalhar nas fábricas. Acredito que os “milagrosos banhos de mar” podem ajudar bastante nossa região. O brilho diabólico que Caroline vira, antes, deu lugar a uma reluzente admiração. Pareceu claro que Isaac sabia muito bem como cuidar dos negócios de Greenwood Park, mesmo sendo ainda muito jovem. E era óbvio que Anthony o respeitou por isso. — Que tal pararmos de falar de negócios antes que eu morra de tédio? — Rose interferiu. — Vamos falar de assuntos mais agradáveis. Lorde Isaac, como andam as coisas em Londres? — Fétidas e cinzentas, milady. Rose deu uma gargalhada. A esposa artista de Anthony era uma mulher irreverente, que foi criada na França. Tinha uma personalidade forte, tomava decisões demais e passava a maior parte do tempo em seu ateliê de pintura. Os quadros eram vendidos para amigos ou enviados para exposição em Paris. Ela obtinha uma renda razoável com aquela atividade. A conversa prosseguiu e Caroline deu conta de que Isaac estava confortável ali, entre sua família. Ele sempre transitou bem entre os ambientes e com as diferentes pessoas. Não pode deixar de nutrir uma pequena admiração por ele enquanto conversava abertamente sobre uma peça de teatro que entraria em cartaz na cidade. Ele conhecia um pouco de tudo, tinha uma eloquência sagaz e olhos azuis que capturavam a luz do ambiente. E ele lhe dera flores. Ele fora até sua casa, com um presente singelo e desinteressado. Não, ele estava disposto a seduzi-la. Caroline não podia se enganar, nada que vinha dele era desinteressado. Mas ele lhe pediu desculpas. Ela ainda tinha certeza que Isaac pretendia fazê-la desejá-lo. E estava chegando bem perto de conseguir seu objetivo.

Ele não teve certeza do que foi fazer na casa de Caroline Eckley. Queria entregar flores a ela e aquilo não parecia fazer tanto sentido. Queria pedir desculpas, dizer que foi um idiota imbecil ao desprezá-la como se ela fosse uma mulher disponível para atender às suas vontades mundanas. Isaac não

queria uma prostituta, mas tratou Caroline como se fosse uma. Mas ele continuava interessado em seduzi-la. Mesmo sabendo que isso significava iniciar o processo de um envolvimento romântico, porque Isaac era romântico. Porém, as coisas estavam sendo naturais demais entre eles. Depois do chá irreverente com os Eckleys, Isaac convidou Caroline para ir com ele ao festival, o que fora aceito prontamente. Durante o jantar, em Greenwood Park, a mãe fez companhia a ele e Wilhelmina. Sem o irmão Nathaniel para contar em número, Isaac ficava rendido às mulheres. Era inacreditável que ele soubesse tão pouco sobre elas, no geral. — Eu gostaria de ir ao festival, amanhã. — Wilhelmina disse, depois que serviram o terceiro prato. Os almoços eram informais, mas Pauline McFadden, a condessa viúva, insistia que os jantares deveriam ser os mais tradicionais possíveis. — Você ainda é muito jovem. — A mãe indicou. — Mas cabe a seu irmão decidir se é adequado ou não. Na falta do conde, creio que Isaac possa representar a vontade dele. — Eu vou ao festival. — O lorde afirmou. — Podemos ir juntos. Mas concordo com mamãe, você é muito jovem. Irá com uma acompanhante e ficará sob minha supervisão. Wilhelmina assentiu e deu um sorriso de aprovação. Ele tinha certeza que ela apostaria suas fichas na concordância dele, porque Isaac e ela sempre foram cúmplices em suas bobagens. E duvidava que ele fosse supervisioná-la muito de perto. — Isaac, você está cortejando Lady Eckley? A pergunta o surpreendeu e fez com que ele se engasgasse com a comida. Bebeu um gole de vinho para esconder o assombro e fitou a irmã com uma expressão de incredulidade. — De onde tirou esse absurdo? Eu pedi autorização ao pai de Lady Francesca, o italiano que esteve em nossa casa. Não posso cortejar duas mulheres ao mesmo tempo. — Eu sei, isso não é atitude digna de um lorde. Mas não sei, você poderia ter mudado de ideia. — Não mudei. — Certo. Apenas fiquei intrigada com sua visita a Rhode Port hoje. Isaac poderia fuzilar a irmã com o olhar. Há segundos ele fora gentil com ela e aceitara acompanhá-la a um evento para o qual ela não tinha idade. E ela

o apunhalava com aquela conversa sobre Caroline. — Fui cumprimentar o marquês e conversar com ele sobre a criação de animais. A irmã fingiu que acreditou nele e o jantar prosseguiu com a discussão apenas de assuntos banais. Alguma coisa que fora lida nos jornais e fofocas sobre a temporada em Londres. Mas Isaac não conseguiu parar de pensar que estava sendo óbvio demais. Ele precisava tomar cuidado para que as pessoas não interpretassem equivocadamente suas intenções para com Caroline Eckley. De fato, elas não deveriam interpretar nada. Ninguém deveria saber que ele pretendia seduzi-la. Isso seria difícil, porque ali todo mundo prestava atenção em tudo. Poderiam relevar. Não se importar. Apoiar. Mas não ignorar o fato de que ele pretendia passar muito tempo na companhia da lady.

Capítulo quinto

C AROLINE NÃO PRETENDIA PASSAR MUITO tempo dentro de casa. Além do olhar inquisidor que Anthony lhe lançava, esperando que ela contasse a ele coisas que não pretendia contar - porque ela mesma não as entendia - ela gostava de estar ao ar livre. Já que o final da temporada social estava perdido, preferia se lançar em atividades divertidas e aguardar a resposta do telegrama enviado à Condessa de Cornwall. Acordou mais cedo do que o habitual e tomou um breve desjejum em seu quarto. Vestiu calças de montaria e desceu para solicitar que sua égua lhe fosse preparada. Pretendia cavalgar, carregando Marquesa para um passeio pela propriedade, e levar a cesta de quitutes para a Sra. Lange. A cachorra, que adorava andar atrás dela, precisava de exercícios. E ela queria visitar a senhora doente. O cavalariço não se espantou com a presença dela em vestimentas tão pouco femininas. Ninguém se assustava mais com o comportamento de Caroline e aquilo dava a ela liberdades que a maioria das mulheres não tinha. Montada em sua égua castanha trotou pelos campos, com a cadela desfilando atrás de si, até a casa do ferreiro. Entregou os presentes, perguntou o que poderia fazer para ajudar e, depois de uma conversa amigável, voltou a cavalgar pela propriedade. Surpreendeu-se ao perceber que estava próxima à divisa de Greenwood Park. E ficou bastante tentada a ir até onde podia ouvir a voz de homens conversando animadamente sobre algo. — Marquesa, vamos seguir essas vozes. Onde há homens animados, há diversão! A cachorra não demonstrou interesse, mas continuou a seguir a dona. Logo, latidos altos e nervosos se misturaram às vozes masculinas e Caroline

descobriu que havia um grupo de fazendeiros trabalhando arduamente no conserto de um silo de grãos. Entre eles, estava Isaac McFadden. O cão dele latia, acompanhando o ir e vir dos homens com materiais. Isaac tinha o torso despido e exibia uma forma física invejável. As calças marrons estavam arriadas nos quadris. As botas, enlameadas até a metade. O suor lhe escorria pela pele bronzeada do sol. Apesar da presença de outras pessoas, era impossível não o notar imediatamente. Isaac destacava-se com facilidade em uma multidão. Ela desmontou e recostou na cerca que separava as duas propriedades. Ao vê-la ali, alguns homens arregalaram os olhos. Outros riram, alguns fizeram graça. Não era todo dia que se via uma mulher de calças. — Milady. — Isaac se aproximou ao vê-la. A forma decidida como ele caminhou até ela era intimidadora. Por um instante, ela sentiu como se ele estivesse ali para tomar posse de algo. Como um conquistador. — Parece que nossos caminhos continuam se cruzando, milorde. — Você não deveria estar aqui vestida dessa forma. — Ele a repreendeu em voz baixa. — Todos esses homens… — Eles estão me devorando com os olhos. — E você parece gostar disso. — Isaac constatou. — Parece que sim. — Ela sorriu. — É interessante exercer poder sobre os homens. Se há uma forma de fazer isso, aproveito-me dela. Minhas roupas te incomodam, milorde? Ele a encarou. Desceu os olhos até as botas de montaria que ela usava, depois retornou com eles para os cabelos escuros presos em tranças. — Não. Você fica linda com elas. — Que bom que agora nos tratamos com informalidade. — Ela sorriu novamente. Não costumava ser tão sorridente assim com homens com quem não pretendia um envolvimento sexual. — Diga-me o que está fazendo. — Precisamos finalizar o conserto do silo para a colheita que começa amanhã. Estou ajudando os homens. — Não imaginei que um nobre fizesse esse tipo de coisa. — Meu irmão é nobre, eu não. Não detenho título nem propriedades, sou apenas o segundo filho e próximo na linha de sucessão do condado, até Edward produzir um herdeiro. — Isaac limpou o suor que lhe escorria pela face. O movimento foi extremamente sensual. — E eu sempre me envolvo com as atividades dos arrendatários. Não seria possível conhecê-los e administrar essas terras sem isso.

Ela sorriu. Isaac fez uma mesura e retornou para suas atividades enquanto Caroline decidiu que o observaria. O cão manchado dele passou a rodeá-la e a interagir com Marquesa. Não havia mais atrito entre eles, que latiam e corriam pelos campos em uma brincadeira animalesca. Recostada na cerca, Caroline viu algumas mulheres conversando no entorno de uma estrutura de madeira. Como a conversa entre elas era extremamente animada e pareciam admirar os homens trabalhando, a lady se interessou em participar. Pulou a cerca e foi até o grupo feminino. Ao vê-la chegar, as mulheres silenciaram. — Milady. — Uma delas fez uma reverência. — Por favor, não parem. Eu estou apenas… na verdade, não sei o que estou fazendo. Vi que conversavam e fiquei curiosa. Do que falam? O que fazem? — Estamos preparando lanches para os homens. — Uma delas, que usava uma saia xadrez e blusa cinza, disse. Parecia uma mulher jovem, com cabelos loiros escuros e olhos verdes expressivos. — E falando sobre eles. — Outra disse, com uma risadinha. Aquela parecia ainda mais jovem. — Não é sempre que podemos admirar os homens seminus, então é intrigante vê-los trabalhar. Caroline virou-se e percebeu que a maioria dos homens não estava vestida de forma decorosa. Camisas abertas, mangas dobradas, peitos descobertos. Eram homens de várias idades, alguns musculosos pelo esforço do trabalho braçal, outros mais rechonchudos. Alguns com cabelos prateados pela idade, outros ainda sem ter experimentado os primeiros pelos faciais. E aquelas mulheres, ali, apreciavam a beleza masculina em sua essência, sem pudor algum. — Posso juntar-me a vocês? Não resisto a uma exibição de seminudez masculina. As mulheres se entreolharam e riram. Uma delas entregou limões e uma faca para Caroline, indicando que ela deveria cortá-los. Enquanto isso, continuaram falando sobre como alguém era másculo e como outro alguém era alto. A lady ignorava os nomes, já que mal sabia nomear os criados da Granville House. Foi apenas quando mencionaram Isaac que a atenção dela foi capturada de volta para a conversa. — Ele é um sonho, mas não é para nosso bico. — A mulher de saia xadrez repreendia outra. — Um homem desses só vai se casar com uma dama de verdade, Portia. Essas madames refinadas da cidade.

— Mas ele é sempre tão gentil conosco… — E tão lindo sem roupa… — Ele não está sem roupa. — Caroline se pegou falando em voz alta. As mulheres olharam para ela. — Quero dizer, está de calças, não está? — Ah, sim. — Portia suspirou. — Eu nem me importaria em tirá-las. — Não fale um absurdo desses! — A mulher de xadrez bateu com uma colher de pau na cabeça de Portia. — Depois ele se deita com você, toma sua inocência e se casa com a italiana. Seja mais inteligente, não foi para isso que te criei. Caroline não quis interferir novamente na conversa. Ela poderia tecer elaborados comentários sobre liberdade sexual. Sobre Portia ter direito de escolher o homem que lhe “tomaria a inocência”. Que a virgindade era apenas uma forma dos homens restringirem as mulheres, porque nenhum deles se obrigava a ficar casto. Mas preferiu não fazer isso. Ela ainda não conhecia aquelas mulheres e talvez nunca conhecesse. Tudo que conseguiria era assustá-las com suas ideias progressistas. Precisava ir com calma. E, também, ela ficou com ciúmes. Ouvir Portia, uma jovem que deveria ter uns vinte anos, suspirar por Isaac e manifestar abertamente o desejo de fazer coisas indecorosas com ele, acertou Caroline como um punho fechado em um ringue de boxe. Ela ergueu os olhos e o observou carregando madeira e rindo com os homens. Enquanto ele estava ali, despido da arrogância da nobreza e das excessivas camadas de tecido exigidas pelo decoro da sociedade, ele parecia outra pessoa. Talvez aquele fosse o verdadeiro Isaac McFadden que Caroline nunca se importou em conhecer porque o considerava um garoto. O garoto cresceu. Aquele ali era um homem em sua magnitude. Ele tinha calos nas mãos. A pele bronzeada do sol. O corpo moldado pelo esforço. Ela nunca o tinha visto, realmente. E estava muito satisfeita com o que descobria.

O silêncio na Trowsdale House indicava que Eloise estava dormindo. A bebezinha andava bastante inquieta e Agatha costumava fazer de tudo para que a filha ficasse confortável. Depois de ter presenciado a forma como Elizabeth cuidava dos filhos, ela não quis relegar sua menina para um berçário isolado. Eloise dormia em um quarto ao lado da suíte principal e

tanto o conde quanto a condessa dedicavam bastante atenção à filha. O mesmo acontecia com Lavínia. A filha adotiva, que ainda não falava, dormia em um quarto conjugado com o de Eloise. Se ela precisasse de assistência, bastava chamar a babá para ser atendida. Mas era comum que a menina escapasse de madrugada e entrasse sorrateiramente no quarto da condessa. Isso fez com que ela e o conde tivessem que adotar medidas de segurança, trancando a porta quando queriam fazer mais do que apenas dormir. Mas, naquela manhã, Agatha dormiu demais. Pediu ajuda a Moira para se vestir para o dia, conferiu que a bebê também dormia e que Lavinia estava com a babá, e desceu para o escritório do marido. Ela tinha que responder Caroline Eckley. O telegrama da nova sócia permanecia aberto e intocado sobre a mesa de mogno. Tocou a sineta e Brett apareceu para atendê-la. — Bom dia, milady. — Bom dia, Brett. Sirva meu desjejum aqui, por favor. O conde já saiu? — Sim, milady. Está na fábrica desde as sete e meia. Claro que ele estava. Poucos homens eram mais responsáveis em seus trabalhos do que Edward McFadden. Era por isso que ela sabia que não podia ir para Kent ajudar Caroline no processo de preparação para um evento de apresentação da escola. Duas criadas entraram com bandejas de comida e um bule de chá fumegante. Deixaram tudo sobre a mesinha redonda com duas cadeiras, que ficava no enorme escritório cheio de estantes. Era o lugar preferido de Edward, na casa. Quando ficava ali, Agatha sentia-se duas vezes mais conectada ao conde. — Milady. — Brett a interrompeu. — A Duquesa de Shaftesbury está aqui. — Oh! Mande-a entrar, Brett. Elizabeth não precisa ser anunciada. — Sei disso, milady, mas ela insiste todas as vezes. O mordomo fez uma mesura e logo Elizabeth entrou. Vestia amarelo e aquela cor era injusta com quase todas, menos com ela. A cunhada brilhava e reluzia com qualquer ornamento. Era uma mulher linda, radiante e sempre sorridente. Depois de se casar com o duque, irmão de Agatha, ela sempre parecia mais feliz. Mas as expressões de Elizabeth eram sempre contidas, como se ela fosse a mãe de todas as pessoas. Bem, ela tinha quatro filhos, então era mãe de muita gente. — Chegou bem na hora. Venha, sirva-se de chá. Gostaria de conversar

com alguém sobre a escola que vamos inaugurar. — Ah, a escola. — Elizabeth pegou o bule e serviu o chá. O comportamento dela ainda era determinado por quem ela foi boa parte da vida: uma mulher simples, plebeia, casada com um trabalhador das docas, depois viúva dele. A vida de duquesa não a tinha moldado para a indolência. Elizabeth se intrometia no trabalho dos criados a ponto de deixá-los loucos. — Como andam os preparativos? — Caroline deseja fazer um evento na Granville House assim que terminar a temporada. Reunir as famílias de moças que seriam alunas em potencial. Ela deseja minha opinião para envio do convite formal. Agatha entregou o telegrama à cunhada. Elizabeth bebericou seu chá e baixou os olhos para o papel, depois levou alguns segundos fitando-a. — É curiosa a forma como vocês se associaram. — A duquesa disse, servindo-se de torradas. — Você sabe, algumas damas comentam que jamais teriam admitido Caroline Eckley em suas residências, depois de saber que ela fora amante de seus maridos. — Caroline não era amante de Edward. — Agatha suspirou. — Se eu fosse fechar as portas para todas as mulheres que ele devassou em uma cama, só receberia homens na McFadden Garden. — Eu entendo você. — Elizabeth segurou a mão da condessa. — Não precisamos detestar as que eles tiveram antes de nós, até porque nossos maridos são homens de comportamento bastante diferenciado. Que tipo de ajuda precisa? — Vocês vão para Thanet Bay quando acabar a temporada? — Por Deus, sim! — Elizabeth deu uma risada. — Não aguento mais Londres e o cheiro de latrina dessa cidade. Apesar de morarmos em uma região mais limpa e agradável, ainda assim prefiro a brisa do litoral. As crianças precisam de sol e tempo ao ar livre. — Sinto-me melhor sabendo que terei sua companhia. Avisarei Caroline que ela pode enviar os convites. Será divertido receber famílias endinheiradas, com e sem título, para um final de semana. Agatha se sentou à mesa do marido e redigiu uma breve carta para a sócia. Ela mesma já tinha se perguntando quando foi que parou de achar Lady Eckley uma pessoa desagradável e passou a tolerá-la ao ponto da amizade. Provavelmente, depois do trauma sofrido na viagem. Agatha passou a acreditar que todas as pessoas tinham direito a uma segunda chance. — Diga, Agatha. Por que decidiu tomar parte nessa escola de moças?

Elizabeth arrancou-a dos devaneios. — Não sei direito. Acredito que eu queira que as meninas sejam mais bem instruídas. Depois do que eu passei, desejo que mais coisas sejam ensinadas às mulheres. Muitas jovens não têm oportunidade de cursar uma boa escola porque seus pais ainda as acham aptas apenas para o casamento. Gostaria de mudar essa realidade.

A vila próxima a Greenwood Park era linda. Ficava na orla marítima e estava crescendo por causa do turismo. Havia notícias de que as praias em Kent eram milagrosas, que os banhos de mar podiam curar males crônicos. Claro que essas notícias foram amplificadas propositalmente, para garantir o sucesso do empreendimento de Oglethorpe. O magnata da rede hoteleira adorava inventar histórias e aumentar lendas para lucrar com os mais crédulos. O festival de primavera era uma tradição local que durava uma semana e antecedia à colheita de grãos. Mesmo com a baixa da agricultura, a tradição local se manteve para fins turísticos. Naquele ano, a vila estava enfeitada com flores, cores e luzes. Lamparinas a gás que, penduradas em fios resistentes, criavam cordões de iluminação como se as casas fossem uma grande árvore de Natal. Isaac pensava em tudo que deveria estar acontecendo na vila quando a carruagem parou em frente à Granville House. Wilhelmina estava desconfiada que ele tinha interesses em Caroline Eckley e ficou ainda mais alerta quando o irmão informou que eles parariam na propriedade do marquês. — Espere-me. — Isaac pediu. — Retornarei em breve. — Lady Eckley vai conosco? — Sim, eu a convidei. O lorde não ficou para ouvir o que a irmã disse. Claro que ela o provocou. Vestindo um terno de noite com lenço de seda no pescoço, Isaac pretendia causar uma boa impressão. Ele sabia que Caroline havia observado o conserto do silo durante o dia. Que ela fez limonada com as mulheres e participou das fofocas. Enquanto trabalhava, ele deixou que seu olhar vagasse até o dela várias vezes. E ela olhou para ele, em retorno. Aquilo era um flerte

inocente que não parecia combinar com ela. O mordomo o recebeu e pediu que aguardasse. Enquanto observava mais uma vez o vaso de porcelana pintado com imoralidades, percebeu a presença masculina do marquês. Anthony Eckley era pura virilidade em forma humana. Ele fazia com que Isaac lembrasse do Duque de Shaftesbury, um homem alto, de cabelos escuros e olhos profundos, que parecia observar com precisão tudo ao seu redor. E ele observava o lorde parado em seu saguão, naquele momento. — Lorde Isaac, que intrigante recebê-lo duas vezes em seguida na minha residência. — Vim buscar Lady Eckley para o festival. Minha irmã aguarda na carruagem. — Acredito que Caroline esteja terminando de se aprontar. Poderia vir comigo ao meu escritório? Tenho um conhaque aberto que precisa ser bebido. O marquês conduziu Isaac pelas salas amplas da mansão. Passaram por portas, quadros com imagens de anjos e pessoas em posições indecorosas dividindo o mesmo espaço, estátuas de pessoas nuas. A nudez, em museus, era adorada. Mas a casa do Marquês de Granville parecia um templo de honraria a Baco. Ao chegarem ao escritório, o anfitrião indicou que Isaac deveria se sentar e começou a procurar alguma coisa em um armário com portas de vidro. — Sei que essa belezura está aqui em algum lugar. Diga-me, Isaac, você bebe? — Sim, milorde. Não sou uma criança, faço vinte e cinco anos em uma semana. — Claro. — O marquês achou a garrafa e abriu. Serviu duas doses. — É que eu me lembro de você correndo atrás dos garotos mais velhos, como eu. Sempre achamos que vocês continuam meninos. Isaac aceitou o conhaque e bebeu um gole longo. O malte desceu queimando sua garganta porque ele estava ansioso. Nervoso, talvez. — Milorde, sei que minha vinda aqui é completamente inadequada. E que eu não deveria levar Lady Eckley para o festival sem que ela estivesse devidamente acompanhada e que eu estivesse autorizado a cortejá-la. É provável que milorde esteja ultrajado por minha ousadia, mas… — Calma, Isaac. — Anthony deu uma risada baixa e bebeu todo o seu conhaque de uma só vez. — Não trouxe você aqui para uma discussão. Eu

apenas gostaria de, talvez, descobrir suas intenções para com Caroline. As intenções de Isaac eram indecentes. Ele não podia dizê-las para o primo de Caroline. Aquele era o homem responsável por ela, depois do falecimento do quarto Marquês de Granville. Mesmo depois de ter retirado a proposta ofensiva, ele ainda queria seduzir a mulher. Alguma coisa nela o atraía. — Somos amigos, milorde. — Claro que são. Mas nunca tivemos homens aqui nessa casa para conversar, cortejar ou apenas visitar Lady Eckley, se me entende. Ela leva suas conquistas para Londres, ou usa o chalé de hóspedes. É a primeira vez que vejo algo além de um envolvimento sexual entre minha prima e qualquer pessoa. Isaac engoliu e sentiu a boca seca. — Posso garantir que não há esse tipo de relação entre nós. Ainda não. Mas ele esperava que houvesse. — Bem, de qualquer forma, eu tenho apenas algo a dizer. — O marquês se levantou e serviu mais conhaque para o lorde. — Amo Caroline como se ela fosse minha irmã. Ela foi criada nessa casa e tem um dote garantido por meu pai. Não sei se ela vai se casar, e sinceramente não me importo nem um pouco com o comportamento dela. Caroline é livre, Isaac. Ela foi criada assim. Mas, se você a machucar de qualquer forma, se ferir seus sentimentos, eu vou garantir para que nunca, em nenhum outro momento, você tenha envolvimentos sexuais com alguma mulher. A forma como Anthony Eckley disse aquilo foi desconcertante. Ele não elevou a voz e não parou de sorrir. Mas Isaac sabia que ele falava sério. Por mais disfuncional que aquela família fosse, eles se amavam e protegeriam uns aos outros. Antes que pudesse responder qualquer coisa, a porta do escritório se abriu e Caroline apareceu. Ela usava um vestido vinho com flores vermelhas, de veludo e seda, com renda e babados. Os cabelos, sempre soltos, estavam enfeitados com contas de pérolas e grampos encapados com fita. Ela tinha a aparência de uma ninfa que frequentava lugares pagãos. Tudo naquela mulher reluzia como se ela fosse etérea demais para ser tocada, apenas possível de ser venerada. — O que significa essa reunião? — Ela olhou para o marquês, seu semblante impassível. — Seu primo estava me mostrando esse conhaque especial. — Isaac

levantou o copo. Caroline flutuou até ele, pegou a bebida e virou em apenas um gole. — Gostoso, mas estamos atrasados. Sei que há um show de fogos de artifício e não quero perdê-lo. O marquês autorizou que saíssem. A ameaça não velada permaneceu no ar. Isaac podia fazer o que quisesse, não havia naquela casa as mesmas regras da sociedade. Mas ele não podia magoar Caroline.

Capítulo sexto

E LA DESCOBRIRIA se Anthony estava se metendo em sua vida, mas faria isso quando sua atenção não estivesse totalmente voltada para o homem ao seu lado. Depois de ter passado o dia admirando Isaac trabalhar, ela acreditava que já havia decorado as linhas do corpo dele. Os lugares onde a pele, bronzeada por ficar exposta ao tempo, desvanecia e se transformava em uma tez rosada e intocada pelo sol. A forma como os pelos de seu peito se distribuíam pelo torso e desciam para morrer em um caminho escondido e proibido para dentro das calças dele. Os músculos que se contraíam toda vez que ele levantava um amarrado de feno ou uma tora de madeira sobre a cabeça. Mas vê-lo na Granville House garantiu que havia ainda várias facetas dele que ela desconhecia. E que ansiava por conhecer. Sentada na carruagem, enquanto se dirigiam à vila, ela estava ao lado de Wilhelmina e de frente para o lorde. Os joelhos dele tocaram os dela, por cima das saias, mas queimaram a pele assim mesmo. Era a segunda vez que muitas camadas de tecido não eram capazes de impedir a combustão que fazia fervilhar o sangue correndo em suas veias. Todas aquelas reações eram conhecidas de Caroline. Ela estava visceralmente atraída por Isaac McFadden. Não seria nada difícil ceder a ele e conduzi-lo por uma noite tórrida de amor. Ao pensar naquele homem viril e firme sobre si, naquela barba arrastando por sua pele, ela desejava ser possuída por ele. Desejava que ele a segurasse nos braços, jogasse sobre a cama e fizesse amor com ela até exauri-la. — Chegamos, milady. — A voz suave e ainda infantil de Wilhelmina a tirou do transe em que estava. Uma criada estava do lado de fora da

carruagem, junto com o cocheiro, para acompanhá-la. Isso sugeriu a Caroline que Isaac pretendia deixar a irmã por conta dos empregados. O lorde ofereceu a mão enluvada para que Caroline descesse. Os olhos deles se cruzaram e permaneceram um no outro por algum tempo. — Vamos passear pelas barracas, ver a decoração. Está tudo lindo. Ela tentou desviar o olhar, mas não conseguia por muito tempo. Segurando no braço dele, o toque fez formigar as pontas dos dedos dela. Caroline era muito experiente para sentir aquele estupor juvenil. Não fazia sentido sentir tanto calor quando várias camadas de roupas os separavam. Rodaram por entre pessoas vendendo todo tipo de comida. Flores, objetos feitos à mão e doces. Em um momento qualquer, enquanto passeavam entre a multidão e se distraíam com o movimento, Wilhelmina e a sua acompanhante se afastaram. Ou se perderam. E Caroline e Isaac passaram a caminhar sozinhos, como um casal. Uma criança correu na direção dela e agarrou em suas saias. — Milady! — A menina disse, entusiasmada, ainda abraçada a Caroline. — Que bom te encontrar! — Olá, Vivian! Como está você, pequena? A lady abaixou, ajoelhando-se no chão de pedras. Isaac soltou uma imprecação baixa, não sendo rápido o suficiente para colocar um lenço no chão e ao menos tentar impedir que ela se sujasse. — Muito bem agora, milady. Mamãe ainda está se recuperando. O papai é muito agradecido. Ele está em casa, mas viemos ao festival vender doces. Atrás de Vivian, estava um garoto maior. Ele carregava uma cesta com pacotes de doces e tortas. A mãe deles cozinhava muito bem e trabalhava na cafeteria da vila, mas ficou doente e precisou se afastar. — Vou comprar alguns, então. Quanto custam? — Dois centavos cada. Caroline pegou sua bolsa, mas Isaac colocou a mão enluvada sobre a dela. Eles se encararam e ele sugeriu, apenas com o azul deslumbrante daquele olhar, que ela deveria deixá-lo fazer aquilo. — Dê-me dez de cada. — Dez? — O menino com a cesta arregalou os olhos e Isaac puxou uma libra do bolso. Era dinheiro demais, ele sabia, ela sabia, todos sabiam. Mas o lorde parecia gostar de esbanjar para impressionar. — Sim, eu gosto muito de doces. As crianças contaram os pacotes e entregaram a Isaac, dentro de um saco

de papel. Ele agradeceu e entregou a moeda. Quando os irmãos tentaram contar o troco, ele insistiu para que usassem o dinheiro para algo útil. — Foi muito bondoso da sua parte. — Caroline disse, depois que as crianças se afastaram. — E arrogante, também. — Crianças não deveriam ter que trabalhar. — Ele divagou, apoiando a mão sobre a dela, que envolvia seu antebraço. — Eu gosto de dar dinheiro a elas sempre que posso, mas valorizo o trabalho delas para que não pensem que seja caridade. — Vê problema em caridade, Isaac? — Não, claro que não. — Ele sorriu. — Mas vivemos em uma sociedade que só dá valor ao desempenho de uma pessoa por seu título ou seu trabalho. Ou você é portador de um título ou precisa trabalhar como um animal de carga. Essas pessoas se sentem importantes quando o trabalho delas rende frutos, quando são bem remuneradas. Se fosse possível ficar mais fascinada por Lorde Isaac, Caroline não esperava que o altruísmo e a maturidade dele conseguissem seduzi-la ainda mais. Para algumas coisas, ele era extremamente ingênuo. Para outras, parecia um homem maduro, experiente e muito sensato. — Aprendeu isso com… — Sou quase um fazendeiro. — O sorriso se alargou. — Aprendi com os homens trabalhadores, milady. Mas, pelo que percebi, a senhorita também é uma alma caridosa. Ajudou a família daquelas crianças. — Eu sempre ajudo. — Ela confessou. — Desde que passei a ter lucro nos meus investimentos, reservo parte dele para ajudar famílias que precisam. Quando soube que a mãe deles estava doente, pedi que uma criada da Granville House colaborasse nos afazeres domésticos, para o pai poder trabalhar. Claro que paguei a criada um salário extra. Caroline sempre sentiu necessidade de ser boa com as pessoas, porém escondia essa faceta com medo de expor fragilidade. Vivendo em um universo masculino e transitando entre homens, ela precisava ser forte. Caridade era coisa de mulheres. Mas, como Isaac parecia também um homem adepto da caridade, ela se sentiu confortável em contar a ele. A multidão ficou mais difícil de desbravar. As ruas estreitas estavam tomadas de pessoas. Isaac manteve a mão sobre a dela e acariciou seus dedos por sobre a luva. — Prefiro você sem elas. — Ele disse, em tom de voz baixo. Quase um sussurro. Olhava para frente como se não quisesse que ela o ouvisse. Ou que

percebessem que ele estava abalado. — Posso tirá-las, se quiser. Não me importo com luvas, apenas acho um adorno bonito. — Gostaria de ser eu a tirá-las. Daquela vez ele a encarou. Caroline sentiu o ar fugindo de seus pulmões. — Isaac… — Não consigo parar de pensar em você, milady. Se não queria minhas investidas, não deveria ter me beijado naquele vagão de trem. — Mas você retirou sua proposta. Não quer mais que eu o desvirgine. — Eu tirei minha proposta — ele manteve o olhar nela — porque ela era ofensiva. Não porque eu não queira perder minha virgindade com você. Neste momento, eu me sinto muito atraído por qualquer coisa que você faça e estou a ponto de arrastá-la para um dos cantos escuros da via para explicar melhor como me sinto. Ela não devia tê-lo beijado, mesmo. Caroline tinha certeza que qualquer envolvimento com Isaac McFadden era inadequado, indevido, uma tolice. Mas por que não conseguia evitá-lo? Era tão boa em afastar homens indesejados. E quando ele falava aquelas coisas… — Isso é por causa da sua inexperiência. Qualquer mulher que o tocasse de forma mais íntima despertaria isso em você. — Eu já fui tocado antes. — Ele confessou. — Mulheres já se ofereceram para… eu nunca desejei que elas continuassem a me tocar. Nem quis tirarlhes a luva. Eles se olharam por longos segundos. Nada na expressão de Isaac indicava que ele estava mentindo ou exagerando. Ele parecia tão honesto, tão puro e inocente. E, ao mesmo tempo, totalmente devasso. Seus olhos azuis transbordavam luxúria e ela tinha certeza que ele seria capaz de fazer coisas bem indecentes. — Venha comigo. Ela o segurou pela mão e o puxou por entre as pessoas. Ninguém estava prestando atenção neles, o movimento era frenético. — Aonde estamos indo? — Isaac questionou ao ver que se embrenhavam por entre as barracas e passavam pelos cordões de lamparinas. — Conheço todos os lugares escuros dessa vila. De repente tive vontade de tirar as luvas.

Isaac sentiu sua boca seca. Logo em seguida, estava salivando. A reação incongruente de seu corpo era compatível com a ansiedade que o dominou quando Caroline começou a arrastá-lo pelo meio das pessoas, passando por barracas e se enfiando em becos escuros por entre as casas. A vila era bem iluminada, mas passando as construções estava a praia. Apenas em frente ao hotel havia lamparinas a gás para permitir que os hóspedes visitassem a areia à noite. Ele estava ardendo de desejo por Caroline Eckley. E fora indecente o suficiente para confessar isso. Aquele não era bem o tipo de sedução que esperava. Mas as palavras dele tiveram efeito libertador. Foi bom confessar que não a queria por causa de um capricho masculino, mas porque ela o encantava. Ali, de onde estavam, dava para ouvir as ondas arrebentando. E não dava para enxergar quase nada. Cobertos pelo véu da noite densa e pelos ruídos das vozes das pessoas que conversavam animadamente no festival, Isaac e Caroline dificilmente seriam vistos. Ela parou quando os pés dele afundaram em alguma coisa fofa. Areia, provavelmente. Recostou em uma parede de pedra e sorriu. Isaac não conseguia ver muito, mas os dentes dela reluziram indicando que sorria. — Logo seus olhos vão se acostumar. — Ela murmurou, a voz quase engolida pela brisa que soprava. — Você quer tirá-las, agora? Caroline colocou as duas mãos na frente do rosto de Isaac. Ela usava uma luva de seda até os cotovelos, fechada por uma dúzia de botões pequeninos. Aquilo não era uma peça de roupa, era uma tortura. O lorde segurou-a pelo pulso direito e colocou os dedos nos pequenos botões. Eles eram lisos como pérolas e ele tinha dedos com calos e a pele grossa. Isaac não podia dizer que não tentou. A mão deslizava pela seda enquanto ele abria um a um os botões em velocidade muito lenta. Mas alguma coisa dentro dele estava agitada. Ele sentia arder as entranhas, o sangue em ebulição, calor que o consumia como fogo. Quase todas as sensações se concentravam em sua virilha. Ele já tivera uma ereção. Assim como já se tocara com as mãos. Entendia o que era o prazer e sabia como obtê-lo, mas nunca experimentara aquela reação visceral. Todos os seus sentidos convergiam para o mesmo lugar. E era o toque mais inocente que ele imaginava em relação a Caroline Eckley. — Se eu as rasgar, você ficará aborrecida?

A personificação de Lilith riu. — Eu ficarei aborrecida se você não rasgar nenhuma peça de roupa minha, hoje. — Céus. Ele agarrou a fileira de botões e puxou com força. Pequenas contas peroladas voaram e caíram na areia enquanto ele arrancava o tecido e descobria a pele macia do braço direito de Caroline. Depois, agarrou a mão esquerda e não perdeu nenhum minuto tentando abrir nada. Arrebentou os botões e puxou a seda, que escorregou pelos dedos longos e muito claros da mão mais delicada que ele já vira. Caroline estava recostada na pedra atrás dela. Parecia aguardar que ele desse o próximo passo. Só que Isaac não sabia qual era. Sem querer perguntar para ela o que deveria fazer, segurou as duas mãos dela entre as suas. Virou as palmas para cima e beijou uma, depois a outra. Um beijo molhado, em que ele fez um círculo com a língua em cada palma. Caroline emitiu um gemido que o atingiu diretamente no membro estrangulado dentro das calças. Ele a olhou e ela tinha razão. A visão se acostumou e era possível vê-la, mesmo que mais sombras do que luz. Isaac então pegou as duas mãos e colocou uma de cada lado de seu rosto. Ela enfiou os dedos na barba dele, traçou os contornos do seu maxilar e puxou sua cabeça na direção da dela. Sim, ela só beijava por inteiro. Tão logo a boca dele desceu sobre os lábios macios e ansiosos de Caroline Eckley, ela o agarrou pelo pescoço e fez com que os corpos se moldassem um ao outro. Não havia tecido suficiente para mantê-los protegidos do desejo que queimava a pele. Isaac pressionou-a contra a superfície na qual estava encostada e moveu seus quadris em direção aos dela. Parecia a coisa mais certa a se fazer, era como se o instinto o guiasse. Então, o instinto o guiaria. O lorde fechou os olhos e desceu a boca pelo pescoço de Caroline, passeando com a língua pela pele sedosa e levemente salgada. Dava para sentir a pulsação dela exatamente ali. O coração de Caroline estava acelerado. Ela estava excitada. Ela o queria, talvez tanto quanto ele a queria. — Sua irmã vai te procurar? — Ela disse, sussurrando sobre os cabelos dele. Isaac beijou-a até o decote, que permitia expor a protuberância dos seios. Sua boca permaneceu ali, no vale onde eles se encontravam, e ele quis ir além. — Provavelmente.

— Maldição, Isaac. — Ela soltou uma imprecação. — Por que trouxe Wilhelmina com você? — Porque ela queria vir ao festival… sou o homem da casa… Caroline levou as mãos para dentro do casaco dele. Com habilidade, ela desabotoou o colete e puxou a camisa de dentro das calças. Os dedos tocaram a barriga de Isaac, que se retraiu. — Isso é injusto. — Ele reclamou. — Vocês têm… muitas roupas. — Na maioria das vezes, basta que você as levante. — Ela riu. Isaac ergueu a cabeça e a encarou nos olhos. Caroline se divertia com a inexperiência dele. — Não seja tolo, Isaac, tudo está disponível debaixo dessas camadas de pano. Tente. O ar ficou repentinamente pesado e ele não conseguiu respirar. Ela o instigou com o olhar e ergueu a perna direita até o pé encostar nos quadris dele. Isaac segurou-a pelo tornozelo e a mão deslizou por baixo das anáguas. Caroline manteve o olhar firme sobre ele, enquanto os dedos exploravam a panturrilha, a parte de trás do joelho, a coxa. Ela usava meia de seda preta com bordados. Tão macia, mas não era o que ele queria tocar. A roupa íntima começava no meio da coxa, absurdamente indecente. Ela riu e gemeu quando ele encontrou a fita que amarrava a barra das calçolas. Tateando com os dedos firmes, Isaac continuou a subir. O incentivo nos olhos dela cessou quando Caroline gemeu e jogou o corpo para trás. Ele estava acariciando a parte interna da coxa direita dela. — Machuco você? — Céus, não. — Ela riu. — É que… quanto mais perto você chega, mais ansiosa por seu toque eu fico. — E chegar perto te dá prazer? Ela desceu o pé que estava apoiado nele para a região mais rígida de seu corpo. Isaac quase gritou quando os dedos dela tocaram sua ereção. — Você reage quando eu te toco aí, eu reajo quando você me toca lá. É o mesmo tipo de prazer. Ela não disse mais nada. Isaac nunca vira uma mulher real nua, nem mesmo com roupas de baixo. Mas ele sabia o que encontraria ao chegar lá. Continuou sua exploração, procurando em sua memória onde estaria o ponto exato no qual os corpos deles poderiam se unir. Já havia visto alguns cartões eróticos. As imagens estavam borradas e envelhecidas, mas… Ele subiu a mão e encontrou uma abertura no tecido. Naquele momento, Caroline estava imóvel, com a cabeça firmemente apoiada na pedra atrás

dela. Parecia antecipar alguma coisa. Ansiar por um prazer que ele temia não saber dar. Os dedos dele entraram na abertura e ele sentiu os pelos macios que cobriam aquela região no meio das pernas dela. Aquele roçar suave fez com que ele ficasse ainda mais duro. Como seu corpo sabia tão bem o que era para ser feito se ele nunca fizera? Ele então acariciou-a e passou os dedos pela região que tocava, a parte mais íntima de uma mulher. Queria poder vê-la. Entender como era. Os dedos escorregaram para dentro da carne macia que estava úmida e quente. — Meu Deus. — Caroline segurou-o pelo pulso e fez com que ele parasse. — O que houve? — Isaac ficou alerta. — O que fiz errado? Eu te machuquei, Caroline? Ela firmou os dois pés no chão e ajeitou as saias. Ele não estava enganado, as mãos dela tremiam. — Você não fez nada errado, milorde. — Ela riu e passou a mão pela barba densa dele. — Definitivamente, nada errado. Mas não podemos continuar fazendo isso aqui. — Eu nem mesmo tenho certeza do que estávamos fazendo. — Provavelmente, acha que sexo se resume ao seu pênis dentro de mim. Homens... A risada dela o constrangeu o suficiente para que Isaac começasse a abotoar seu colete. Não queria ser motivo de chacota. Tudo o que ele sabia de sexo era o que os homens falavam nos clubes. Nunca perguntou ao irmão nem experimentou com uma mulher. Até aquele momento, ele sequer havia tocado os joelhos de uma dama. — Isso é sexo. — Ele afirmou, querendo demonstrar que aprendeu. — Um prelúdio. Como a abertura de um concerto. — Ela passou as mãos pelos cabelos dele, ajeitando-os. — Mas não estamos protegidos e me recuso a roubar sua primeira vez dessa forma. Não pode acontecer sobre uma pedra, no meio da areia, com toda essa roupa envolvida. Você é virgem, Isaac. Eu seria uma pessoa horrível se não estivéssemos em uma cama, entre lençóis macios. O barulho continuava na vila. Ninguém daria pela falta deles, talvez nem mesmo Wilhelmina. Isaac não se importaria de continuar. Por um momento ele quis tanto Caroline que sentiu dor. Seu corpo precisava estar dentro dela, movendo-se em um ritmo que ele ainda ansiava por descobrir. — Leve Wilhelmina para casa. — Ela continuou. — Depois, volte para

Rhode Port e vá até a casa de hóspedes. Em silêncio, sem ser anunciado. A porta estará aberta. Depois da conversa com Anthony Eckley, Isaac sabia o que significava aquilo. Era mais do que um convite, era a redenção. Ela daria a ele o que ele precisava. Seu coração bateu acelerado mais uma vez. — Mas milady, eu retirei aquela proposta horrível. — Sim. — Ela sorriu. — E é exatamente por isso que eu estou fazendo esse convite. Claro que era. Sem se sentir ofendida por ele, ela dava vazão aos seus desejos. Aquela era Caroline Eckley, uma mulher que respondia apenas a si própria. — Certo. Então… vamos? — Quero ver os fogos de artifício. Estão preparando, consegue ver ali, ao longe? Vamos aguardar. Isaac recostou na pedra ao lado dela. — Onde estão seus outros primos? Faz bastante tempo que não vejo nenhum deles por aqui. — Ah, eles estão espalhados por aí. O mais novo está em Oxford, ainda. Robert está nas Índias. Ele tem negócios por lá, relacionado com a importação e exportação de produtos exóticos. Leonard, aquele maluco, está no Brasil. Acredita? Brasil! — Parece bem longe. Fica nas Américas? — Sim. Leo se meteu com um comerciante espanhol que foi parar no novo continente. E tem Nick, que vive em Londres, mas quase nunca vem a Kent. Ele costuma ir para Sussex, com a família da esposa. — Nós dois temos famílias enormes. Ele riu. Imagina se nos casássemos, foi o que pensou. Jamais diria aquilo, nem de brincadeira. Caroline poderia interpretar equivocadamente e acabar com sua expectativa. Isaac estava muito perto de ter o que seu corpo ansiava, não podia estragar tudo naquele momento. — Agora podemos ir. — Caroline se desencostou e ajeitou o cabelo. — Ainda não vimos os fogos. — Não tem problema. Já conseguimos distraí-lo o suficiente. Ela olhou para baixo, mais precisamente para a virilha dele. Imediatamente, Isaac entendeu que ela o estava fazendo desconcentrar do que havia acontecido entre eles para que sua ereção não chamasse atenção de ninguém. Como ela era esperta e sagaz naqueles assuntos.

Oferecendo o braço para que ela se apoiasse, ele os conduziu para fora das sombras. Com cuidado, tentando não ser notado. Mas duvidava que ninguém ouvisse seu coração martelando como um tambor dentro do peito.

Capítulo sétimo

P ARA NÃO CHAMAR a atenção de ninguém, Caroline pediu que Violet a ajudasse a se despir. Como havia saído, não pareceria estranho querer tomar um banho antes de se deitar. Foi um pouco estranho que ela derramasse quase um vidro inteiro de sais de banho na banheira de cobre. Ou que escolhesse uma camisola diferente daquela que a camareira havia preparado. Ela estava estranha, mas esperava que Violet fosse tola. Ou discreta o suficiente para fingir não perceber. A casa estava em total silêncio quando ela escapuliu pelos corredores. Era provável que, naquele momento, Anthony e Rose estivessem recolhidos em seus quartos. As crianças já estavam dormindo e os criados sempre eram dispensados para seus aposentos depois da meia-noite. Não era a primeira vez que Caroline escapava para encontrar um amante. Porém, daquela vez, ela se sentiu como uma jovem que faria algo muito devasso. Passou pelo corredor que interligava a mansão ao antigo chalé que costumava hospedar visitantes inesperados, ou menos próximos da família. Depois que a maioria dos filhos do marquês se mudou, quase ninguém mais usava o espaço. Só a lady solteira que frequentava Granville House fora da temporada. Deixou as cortinas fechadas para evitar que vissem as luzes acesas. Silenciosa, atiçou o fogo na lareira e acendeu uma a uma as lamparinas do quarto. Eram três no total, fazendo com que o espaço ficasse muito iluminado. Olhou para si mesma no espelho oval que ficava sobre o aparador. Os cabelos estavam soltos, o roupão de veludo vermelho estava aberto e sua camisola estava à mostra. Era a roupa de dormir mais sensual que ela tinha. Nunca usara para homem algum.

Estava nervosa, e ela nunca ficava nervosa, também. Ruídos no andar de baixo a fizeram alerta. A porta rangeu abrindo, depois fechando. Passos firmes ecoaram na madeira antiga do piso, até que ela o viu subindo as escadas. Pela disposição do chalé, havia uma sala no primeiro andar, com comodidades necessárias para um hóspede relaxar. Sofá, estante com livros, lareira, uma pequena mesa para refeições. E, logo acima no andar superior, um quarto grande, com antessala e quarto de vestir, que também era composto com uma banheira. Assim que Isaac subiu o último degrau ele a viu. Levou cinco segundos olhando para ela. E então deu dois passos até tomá-la nos braços e beijá-la. Caroline não esperava que ele fosse agir impulsivamente. Estava preparada para guiá-lo pelo caminho, mas ele simplesmente a arrebatou. Se não soubesse da inexperiência dele, poderia fechar os olhos e acreditar que Isaac era um amante capaz de levá-la à loucura. Talvez ele fosse. A boca dele pressionava a dela com volúpia. A forma como a língua dele procurou pelos sabores que ela escondia, fez com que Caroline retesasse nas mãos dele. — Desculpe! — Isaac afastou a boca apenas para buscar algum ar. Ela tinha certeza que não sabia mais como respirar. — Não queria parecer ansioso, mas… — Não se desculpe. — Ela o segurou pelo colarinho. — É exatamente isso que você deve fazer. Isaac voltou a beijá-la, com intensidade. Os lábios estavam vorazes e as línguas se encontravam, veludo e seda, como se ambos tivessem fome. Caroline aproveitou a proximidade para lhe desabotoar a camisa. Botão por botão, ela expôs o peito firme e permeado por pelos que já vira e cobiçara outras vezes. Os dedos percorreram suavemente a pele parcialmente desnuda e ele gemeu sobre os lábios dela. Com a mão nas nádegas de Caroline, Isaac puxou-a para si e pressionou-a contra sua masculinidade. — Temos que ir mais devagar. — Ela desceu os beijos para o pescoço dele e terminou de despir a camisa branca. — É para ser devagar? — Se formos rápido demais, vai parecer incompleto. Esse momento deve ser saboreado. Eu vou despi-lo, depois você fará o mesmo por mim. Vamos nessa ordem. A respiração dele acelerou, mas Isaac não disse nada. Não concordou,

não se afastou. Deixou as mãos caírem ao lado do corpo e esperou. O peito dele subia e descia, com o ar inflando seus pulmões. Ela o empurrou para uma poltrona que ficava próxima à lareira e se ajoelhou. Sem pressa, retiroulhe as botas. Depois, abriu os botões da calça, um a um, permitindo que os nós dos dedos roçassem na ereção que urgia por se libertar. Quando Isaac se levantou, as calças caíram e ele terminou de retirá-las. Caroline finalmente pode escrutinar Isaac completamente nu. — Precisamos mesmo de tanta luz? — O lorde estava corado, nitidamente envergonhado por estar tão exposto enquanto ela ainda preservava seu roupão. — Ah, claro que precisamos. Sem iluminação, como eu poderia ver tudo isso? Caroline passou as mãos pela lateral do corpo dele, descendo até os quadris. Ela queria tocá-lo ali. Segurá-lo entre os dedos, até mesmo beijá-lo. Mas isso poderia prejudicar o seu desempenho. Ela nunca teve um virgem em sua cama, mas já ouvira os homens comentando sobre aqueles que chegavam muito depressa ao orgasmo. — Sua vez. — Ela se ofereceu a ele. Isaac estava nervoso, mas as mãos dele foram firmes ao retirar o roupão. A camisola dela tinha apenas um laço no decote, que ele desfez em um segundo e derrubou a peça de roupa no chão.

Céus, Caroline Eckley era linda! No instante em que a camisola branca dela caiu ao chão, ele entendeu por que as lamparinas acesas. Vê-la ali, despida, em suas formas perfeitas e frágeis, já era suficiente para fazê-lo desejá-la além do decoro. Seus olhos se perderam por segundos nos seios redondos e que cabiam perfeitamente em suas mãos. Depois, desceram para o triângulo de pelos entre as pernas, o lugar que ele tocou enquanto estavam na praia. A boca dele salivou. Ele quis beijá-la em todo lugar. — Duvido que seja fácil assim toda vez. Isaac olhou para a pilha de roupas no chão. Ele queria jogá-la na cama e colocar um fim ao seu tormento, mas ela disse que deveriam ir devagar. Caroline era a mestra ali. Ela comandaria o espetáculo. — Na noite de núpcias, provavelmente será. Ela vai se preparar para estar

na sua cama. Mas eventualmente você enfrentará botões, espartilhos, roupas íntimas, meias e muito tecido para chegar ao que deseja. O que ele desejava estava ali à sua frente. À distância de um braço. Ela sorriu ante a indecisão dele e segurou-o pela mão. Puxou-o para a cama, deitando-se sobre o colchão e se esticando nos lençóis brancos. Como uma deusa pagã, disponível para ele. — Venha. Ela estendeu os braços e ele se deitou por sobre ela. O coração de Isaac martelava no peito, quase a ponto de abrir um buraco e sair. Teria sido dessa forma se ela tivesse atendido ao seu pedido quando ele a visitou em Londres? Aquela ânsia, aquela sensação de que todos os sentidos do corpo convergiam em apenas uma parte específica? Isaac duvidava. Ele a tomou na boca outra vez, acomodando-se de forma a colocar um joelho entre as pernas dela. Caroline deslizou as mãos pelas costas dele e segurou-o pelas nádegas. Isaac gemeu e apoiou a testa na dela. Ofegante. Seu membro dolorido de tanto desejo pulsava naquela região quente e úmida do corpo dela. — Isaac. — Caroline murmurou, beijando-o no pescoço. — Deixe seu corpo guiá-lo. Não há nenhum mistério, é puro instinto. Só há um lugar onde você queira estar agora. Qual é? Tome posse dele. Posse. Sim, ele queria possuí-la naquele momento. Ajeitou os quadris sobre ela e se moveu, conduzindo sua ereção impaciente na direção da carne macia. Ele foi devagar, temendo machucá-la, temendo se perder pelo caminho. Caroline não era virgem, mas ele estava muito ansioso. Ela arqueou as costas e levou seus quadris de encontro ao dele. Isaac não resistiu e penetrou-a o mais profundamente que pode. Com um rosnado gutural, vindo do fundo de sua alma, ele reivindicou a boca dela. A sensação de estar dentro daquela mulher era ridiculamente deliciosa. Caroline mantinha as mãos nos quadris dele e provocou-o a se mover. Ela tinha razão, era instinto. O corpo sabia o que queria, e ele queria entrar e sair, ir e vir, mergulhar no fundo da feminilidade dela e voltar à tona. Uma vez, duas vezes, três. Até que fosse muito difícil parar. Não foi como nas vezes em que ele procurou alívio escondido na casa de banho, por vezes dentro da banheira para abafar qualquer ruído. O prazer solitário o permitia esperar, mas ele duvidava que fosse se satisfazer sozinho depois de ter experimentado aquilo. Os músculos de Caroline o envolviam com tanta força e maciez que ele poderia realmente ter se perdido dentro dela.

Com as sensações mais intensas, ele foi mais rápido e mais fundo até ser engolido pelo orgasmo. Seu corpo trêmulo precisava descansar. Ele não queria sair de dentro dela, não queria soltar o peso de seu corpo sobre ela. Caroline pareceu compreender sua hesitação e girou sob ele, fazendo com que Isaac deitasse as costas no colchão. Subitamente ela estava por cima, as pernas entrelaçadas, apoiada por inteiro no peito dele. — Eu… — O lorde quis dizer algo. — Não deveria ter esperado tanto. É por isso que os homens são tão devassos, porque é… — Sim, eu sei que é. — Ela riu, a boca encostada nele. — Você sente o mesmo? É… assim para vocês, mulheres, também? — Ah, sim. É quase igual, eu acredito. Isaac a abraçou. Ele quis puxá-la para bem perto, ficar ali apenas agarrado a ela, sentindo o cheiro do que acabaram de fazer. Tinha cheiro. Pungente, salgado, de suor e fluídos corporais. Mas sua cabeça estava girando em várias direções. Seria difícil para ele simplesmente fechar os olhos e relaxar. — Caroline. — Ele murmurou sobre a cabeça dela. Beijou-a nos cabelos. — Isso que fizemos não foi arriscado? Quero dizer, você… pode engravidar? Ela ergueu os lindos olhos castanhos e o encarou. O cabelo desgrenhado e as bochechas rosadas a deixavam ainda mais linda. — Sim, mas eu tomei precauções. Tinha certeza que seria impossível para você se retirar na hora, então eu usei uma esponja. Aliás, eu preciso me levantar. A mulher se ergueu, preguiçosa, e caminhou até uma porta que Isaac não teve tempo de perceber. Ele ouviu água sendo despejada em uma bacia. — Eu ainda tenho muito que aprender. O que é uma esponja? Caroline respondeu de dentro do banheiro. — É um método contraceptivo. É comum para as mulheres embeber uma esponja com limão e usar para matar a semente do homem. Mas não podemos deixar muito tempo aqui dentro. — Aqui dentro… — Para onde acha que vai sua semente, Isaac? Não fique pensando muito, essa é uma tarefa da mulher. Existem formas dos homens se prevenirem também, podemos conversar sobre elas. Ele se ajeitou com os braços atrás da cabeça. Olhou para o dossel acima de si. Também não havia percebido que estavam em uma cama com dossel. Cortinas de seda desciam de uma construção imponente de madeira escura.

Estavam bem amarradas para permitir que a cama ficasse bem iluminada. Caroline retornou, muito à vontade com sua nudez, e se deitou ao lado dele. — Com o tempo você aprende mais. Eu ensino. Quanto tempo tem para a dama italiana retornar a Kent? — Assim que a temporada social terminar. Por quê? O que quer dizer? — Decidi que posso ensiná-lo o que sei. — Ela beijou-o rapidamente nos lábios. — Temos três semanas, então. Talvez um pouco mais. Nesse tempo, você pode compartilhar a cama comigo e eu te ajudo a não ser um homem inexperiente na sua noite de núpcias.

Ela não fazia a menor ideia dos motivos que a levaram simplesmente a ceder tudo. Convidá-lo para a casa de hóspedes, fazer amor com ele, oferecer mais do que fora proposto inicialmente. Caroline não tinha ideia de como aquilo começara, mas não podia negar que estava seduzida por Isaac McFadden. Ele era lindo, viril e muito forte. E era encantador que ele fosse tão inexperiente. A lady tivera sua quota de homens dominadores e arrogantes, que podiam copular em todas as posições do Kama Sutra. Tirando seu primeiro amante, todos os outros que estiveram entre seus lençóis eram extremamente conhecedores da arte do sexo. Foi delicioso ser tocada por mãos tão inocentes. Mãos com calos e trêmulas. Era delicioso tê-lo ali, tão à mercê dela e de tudo que ela podia fazer com ele. Então, ela não queria parar por ali. Não estava satisfeita por têlo uma vez. Queria mais. Por dez segundos, que duraram uma eternidade, ela aguardou que ele dissesse algo. E então ele sorriu. — Eu me sinto lisonjeado, milady. — Agora descanse. — Ela se deitou na curva do braço dele. Isaac a envolveu e puxou para seu peito. Ele tinha um cheiro tão masculino, tão poderoso. Não era nada como os nobres quase insípidos com quem se relacionava diariamente, nos clubes e nos negócios. Não que ela enfiasse o nariz no peito de todos eles. Mas muitos pareciam não tomar banho todos os dias, ou usar tanta colônia que fazia com que cheirassem a uma perfumaria. Sem contar as roupas engomadas e com cheiro de sabão. Isaac não. Ele era puro suor e sândalo. A nota do perfume era quase imperceptível.

Ficaram em silêncio por minutos. Ela fechou os olhos e se deixou envolver pelo calor da pele do homem ao seu lado. Poderia dormir ali, e provavelmente iria. Mas… — Creio que já devo ir embora. — Isaac murmurou. — Está bem tarde. — Seu cavalo está em segurança? Ela não o encarou. Deixou os dedos passearem pelos fios dourados que cobriam toda a extensão do peito dele. — Sim. — Então está tudo bem. Ninguém vem ao chalé de hóspedes. E Violet não deixaria que ninguém nos incomodasse. — Sua camareira sabe que estamos aqui. — Ela sabe que eu estou. — Caroline beijou-o. A boca roçou suavemente no mamilo dele. — Isso é suficiente. — Você está me provocando. — Foi uma afirmação. Claro que ela estava. Acomodada preguiçosamente nos braços dele, deixou que sua língua contornasse o mamilo masculino até que ele despontasse, túrgido. Isaac soltou um gemido que mais pareceu um ganido. — Caroline, por Deus. Eu vou acabar desejando possuí-la novamente. — Estou contando com isso, milorde. — A risada não pôde ser contida. — Então você gostou? — A voz dele vacilou na pergunta. — Eu fiz certo? — Fez. E eu gostei. Isaac inverteu a posição na cama. Deitou-se de lado, jogando-a sobre os lençóis, e apoiou a cabeça no braço. Fitou-a por longos segundos. Toda vez que ele a observava daquela forma, Caroline sentia como se estivesse derretendo de dentro para fora. Não havia, no mundo, olhos mais azuis e mais intensos do que os de Isaac McFadden. — O tom de sua voz não sugere que tenha gostado. O que fiz de errado? Me diga. Ele não poderia ser tão sensível a ponto de perceber sutilezas na fala dela. Poderia? Ela passou a mão pela barba dele. Era deliciosa e ela imaginou qual seria a sensação de tê-la arranhando a carne entre suas coxas. — Não foi nada. É que eu sou peculiar. A forma como eu sinto prazer é um pouco diferente. Eu nem sempre consigo ter um orgasmo apenas com um homem dentro de mim. Na maioria das vezes eu preciso de outras coisas. Aquele assunto a incomodava. Caroline não o discutia com ninguém, apenas com alguns homens com quem já se deitara. Poucos conheciam

aquela sua condição. A maioria das mulheres mal sabia o que tinha entre as pernas, e ainda assim conseguia extrair o máximo prazer dos intercursos sexuais com seus maridos. Isso quando eles eram cuidadosos e preocupados com elas, claro. Mas Caroline era diferente. E isso a frustrava frequentemente. Naquele momento, não estava frustrada. Nem insatisfeita. Só achava que devia a verdade ao homem depois de tê-lo roubado a virgindade. Bem, ela não roubou. Ele a entregou de bom grado. Isaac passeou os dedos levemente sobre ela. As pontas tocando os seios, depois a barriga, então os seios novamente. — Na praia, se eu tivesse continuado o que estava fazendo, você experimentaria esse prazer que eu experimentei, agora? Ela assentiu apenas movendo a cabeça. Ele desceu os carinhos para as coxas e os pelos castanhos de sua feminilidade. — Esse é seu segredo? — Não é um segredo. — Caroline segurou o dedo indicador dele e colocou entre os lábios de seu sexo, exatamente no feixe de nervos que ansiava por receber atenção. — Essa é uma das partes mais sensíveis do corpo feminino. Tocar qualquer mulher nesse lugar fará com que ela sinta um prazer imenso. A expressão dele era de atenção máxima. O lorde passou os dedos pela feminilidade dela em um tímido reconhecimento. Afastou os cachos castanhos, acariciou-a intimamente. O toque era delicado e bruto, ao mesmo tempo. Nenhum homem que ela conhecia tinha mãos como as dele. Caroline não queria fechar os olhos, preferia olhar para ele e admirar. Mas um período longo demais de abstinência fez com que ela ficasse muito sensível. Acomodando-se entre as pernas dela, Isaac fez com que as coxas se abrissem. A exploração ficou mais intensa. Ele a estava olhando ali, as partes femininas inchadas e já úmidas pelo estímulo. Caroline podia sentir o calor daqueles olhos azuis enquanto ele acariciava-a no clitóris. — Isso. — Ela soltou um gemido profundo, sentindo as ondas de prazer que vinham para arrebatá-la. — Isso mesmo. Incentivado, ele prosseguiu. Circulou o botão intumescido e pulsante com o polegar, acariciou-a com excessiva delicadeza até que ela não aguentasse mais. O prazer violento que a arrebatou não era desconhecido, mas nunca Caroline o experimentara por mãos tão inexperientes. E ela adorou.

O ato sexual o deixou exausto, e Isaac acabou adormecendo. Preocupou-se que soubessem que ele estava ali. Que o vissem sair de manhã. Decidiu que iria embora antes do nascer do sol. Mesmo que Caroline não se importasse com sua reputação, ele acreditava que seria muito desagradável que suspeitassem do que estavam fazendo ali. Aquele tipo de intimidade deveria ser exclusivo entre marido e mulher. Não entre solteiros, de forma tão descompromissada. Ela podia não se importar com o decoro, porém ele queria ser cuidadoso por ambos. Mas ele dormiu. Despido, entre lençóis que cheiravam a suor e sexo, ao lado do único corpo feminino que ele já vira e tocara. Despertou com o fogo da lareira bem baixo. As lamparinas apagadas e o sol prestes a nascer. O quarto estava com um aspecto melancólico. Percebeu-se deitado de lado com Caroline aninhada contra seu peito. E seu membro ficou rígido quando acordou em contato com o traseiro macio da mulher. Como tinha sido tolo em pensar que poderia ter uma noite de sexo com Caroline Eckley e se tornar um mestre na arte do prazer. Não aprendeu quase nada, nem estava satisfeito. Seu corpo ansiava por mais. Instintivamente, ele enfiou o nariz entre os cabelos dela. Sorveu o aroma do corpo feminino de manhã. Era a primeira vez que fazia amor com uma mulher e já passara a noite com ela. Aquilo parecia muito certo de todas as formas. Caroline se moveu e virou. Isaac contraiu todos os músculos quando sentiu os lábios dela tocando-o no peito. Calor subiu por suas entranhas. — Bom dia. — Ela disse com a voz abafada na pele dele. Depois, passou as pernas por sobre as dele e aproximou-se perigosamente da masculinidade que já ansiava por aquele contato. — Adoro essa disposição matinal. — Eu provavelmente deveria estar satisfeito. — Seria estranho se estivesse. Eu também não estou. Caroline beijou-o no ombro, depois no pescoço. Percorreu a pele dele com a língua. — Mas preciso ir. — Tem alguém te esperando fora dessa cama? — A lady ergueu o olhar, encarando-o diretamente. — Não agora. Mas ninguém deve saber que estou aqui. Sua reputação estaria arruinada e… — Eu cuido de minha reputação. Eu ainda preciso te mostrar alguns

truques. Ela riu, a risada abafada novamente no peito dele. Caroline empurrou-o para trás e ele desabou com as costas no colchão. Em outro movimento rápido, subiu sobre ele, acomodando-se com as pernas ao redor dos quadris de Isaac. Os músculos dele retesaram outra vez quando ela desceu a boca para a sua barriga e começou a beijá-la. Escorregando por sobre ele, a lady desceu os beijos até a coxa, depois subiu novamente até ter, entre seus dedos, o pênis rígido. O toque o fez arquear as costas. Ela então se ajeitou sobre o membro masculino e o envolveu com os lábios. Daquela vez, o homem cravou os dedos no colchão. Caroline o beijou sabendo o que fazia. Passou a língua ao redor, conduziu-o ao fundo da boca, segurou firme com os dedos pequenos. Era delicioso e ele teve certeza que estava perto de atingir o ápice do prazer quando ela parou. Ergueu a cabeça, deslizou por sobre as pernas dele e conduziu-o pra dentro dela. — Agora você vai aprender como não engravidar uma mulher. Ao menos, a forma que os homens acabam preferindo. Com um movimento suave de quadril, ela o inseriu completamente dentro de sua feminilidade. Isaac gemeu, as mãos segurando-a pelos braços. Os olhos estavam vidrados nela. O desejo de possuí-la se intensificava a cada segundo que permanecia ao lado daquela mulher. As mãos correram para os seios dela e Isaac os segurou como se eles fossem joias preciosas. Ele então se sentou, acomodando-a em seu colo, e levou-os à boca. Ela pareceu apreciar bastante o gesto. Isaac sugou os mamilos, provocouos com a língua, sugou novamente. Fez com que ela gemesse e rosnasse enquanto subia e descia em um movimento tão suave que parecia tortura. Ele a jogou sobre o colchão e se posicionou por cima. — Diga-me o que fazer. Ele estocava fundo, procurando o maior contato entre os corpos. — Quando estiver perto de… quando você estiver perto de gozar, precisa sair de dentro de mim. Posicione-se sobre minha barriga. — O que vai acontecer? — Sua semente será derramada do lado de fora. Isaac não conseguia parar de se mover. Ela dizia que não atingia o prazer máximo daquela forma, mas parecia gostar bastante do que ele fazia. Quando ela cravou as unhas nos ombros dele, o lorde sentiu que sua respiração ficava

mais acelerada e o clímax se aproximava, inevitavelmente. Sentiu um pouco de medo, mas ela confiava nele. Com mais algumas estocadas firmes, as ondas do orgasmo o arrebataram e ele saiu, sentindo-se aliviar exatamente da forma como ela dissera que seria.

Capítulo oitavo

S EM MÁSCARAS . Quando chegou para tomar seu desjejum com a família, Caroline não usava nenhum de seus artifícios tradicionais para esconder quem ela realmente era. Havia um sorriso em seu rosto e ela tinha certeza que seus olhos brilhavam. Era uma grande tolice que estivesse tão bem depois de passar uma noite com Isaac McFadden. Mas ela estava. Sentia-se revigorada, satisfeita e faminta. Rosamund logo percebeu que algo nela estava diferente. A esposa de Anthony não era muito observadora. Não, ela era bastante observadora para elaborar suas pinturas. Mas isso a tornava absurdamente distraída para muitas coisas. Se não fosse um objeto de seu interesse, Rose raramente prestava atenção suficiente. E Caroline era uma prima querida, mas não tomaria parte nas obras da artista. — O festival foi bom? Ela perguntou, passando manteiga em uma torrada. Caroline sentou-se à mesa e Marquesa se arrastou até os pés dela. A criada serviu chá e colocou um prato de bolinhos à frente da lady. Depois, o mordomo trouxe presunto e ovos. Ela atacou a comida como se não comesse a dias. — Sim, muito bom. Tivemos fogos de artifício. — Imagino que deva tê-los aproveitado bastante. A implicação era clara. Mesmo que ninguém soubesse que Caroline esteve com Isaac no chalé de hóspedes, ela saiu com ele para o festival. Aquilo era absurdamente fora dos padrões. Não que Caroline se importasse muito. As outras pessoas, no entanto, prestavam atenção. Anthony chegou para fazer companhia às mulheres e Caroline decidiu não falar mais. Ela ainda não descobrira o que ele conversou com Isaac e não

queria ter que ouvir nenhum sermão. Mesmo ainda com fome, ela se restringiu e pediu licença para sair. — Vou cavalgar. Depois, visitarei a Sra. Lange para saber se ela melhorou. — Teve resposta sobre o evento? A condessa lhe escreveu aprovando o convite? — Ainda não. Mas creio que deva receber algo hoje ainda. Em algumas semanas, a casa estará tão cheia de damas que vai parecer um convento. A referência à castidade e o decoro das damas da sociedade, e da maioria da burguesia, era sempre feita com desdém. Caroline não ligava para aquele comportamento excessivamente contido. Algumas mulheres eram devassas entre quatro paredes e traíam seus maridos com amantes impetuosos. Era comum que uma mulher nobre casada procurasse prazer na cama de outros homens. E algumas eram tão ingênuas em relação ao relacionamento entre homens e mulheres que viviam frustradas e com medo de seus maridos. Depois de trocar-se para as calças de montaria, pouco cobertas por uma saia curta e um corpete, Caroline pediu que preparassem sua égua. Marquesa andou atrás dela, pretendendo ser incluída no passeio. O caminho favorito da lady passava por uma área verde, com vegetação rasteira, arbustos floridos e árvores típicas do litoral. Não havia uma praia na propriedade dos Eckleys. Se quisesse nadar, tinha que invadir Greenwood Park ou cruzar Rhode Port até a vila. A ideia de invadir as terras dos McFadden era divertida, mas ela não pretendia encontrar Isaac naquele dia. Ficara muito mais abalada pela noite compartilhada com ele do que esperava. Precisava de um tempo. A égua trotava devagar e Caroline aproveitava a calmaria para tomar sol. Tirou o chapéu para sentir o calor diretamente na pele. Os cabelos estavam trançados para não se rebelarem com a maresia. Marquesa começou a latir para alguma coisa que a lady não identificou. Quando chamou a cadela de volta e mandou que sossegasse, a égua empinou. Uma cobra passava pelo caminho. O réptil sequer interrompeu sua trajetória, mas a égua se assustou e derrubou Caroline no chão. A lady bateu com o lado esquerdo do quadril no chão. A dor aguda quase a fez gritar. Marquesa continuou a latir, espantando a cobra para longe. — Maldição. — Ela reclamou. — Não consigo me levantar. Marquesa! Preciso que vá chamar ajuda. A cadela se sentou ao lado dela e observou. Caroline não tinha certeza se

Marquesa compreenderia seu pedido. Claro que não, era um cão, afinal de contas. Mas era um cão esperto. — Vá para casa. Chame Anthony ou algum criado! Chame ajuda. Saindo em disparada, Marquesa deixou Caroline meio sentada no chão coberto de flores. Era um lindo cenário, bastante romântico. De um lado, pedras e rochedos formavam a costa da enseada. Ali, onde ela estava, um campo de flores e algumas árvores próximas da borda do terreno. A égua manteve-se parada depois do susto. A dor irradiava pelos ossos. Ela esperava sinceramente que a cadela fosse mais esperta do que ela.

Lorde não parava de latir. Isaac estava parado no sol, em mangas de camisa, sem colete, sentindo o suor lhe escorrer pelo corpo. O conserto do silo estava sendo mais desafiador do que ele esperava. Havia um comprometimento na estrutura e eles precisavam reforçá-la antes de prosseguir. E o maldito cão rodeava e latia sem controle. — Acho que o bicho não gosta de ser ignorado. Um dos trabalhadores disse. Isaac desviou rapidamente os olhos para onde Lorde estava. Parecia perseguir um animal selvagem qualquer. — Ele tem muita energia. — Outro trabalhador se pôs a explicar. — É como um moleque, só que tem quatro pernas. O cão se afastou e o ruído dos latidos diminuiu. Um dos engenheiros segurava uma planta do silo nas mãos e dava ordens sobre o que deveria ser feito. Isaac já arrastara madeira para lá e para cá e, naquele momento, estava observando a construção para tentar entender o que poderia estar errado. Ele não entenderia. Estudou administração de negócios na faculdade, não sabia construir prédios. Mais latidos o distraíram. A bagunça do dia era bem-vinda, fazia com que ele não pensasse em Caroline. Desde que saíra da cama dela, Isaac estava com uma estranha sensação de saciedade e vazio. Ao mesmo tempo. Teve muita fome, comeu mais do que estava acostumado no café da manhã. Procurou ocupar-se desde cedo para tentar afastar as memórias da noite, mas não conseguira. — Agora são dois. Isaac olhou para o lado e lá estavam eles. Lorde e Marquesa, correndo em

sua direção. E latiam. Marquesa estava muito agitada. Ele procurou por Caroline e não a viu. Nem caminhando, nem cavalgando. Os cães continuaram a se aproximar e Marquesa parou próximo de Isaac, latindo muito. — O que houve? — Isaac ajoelhou-se quando a cadela parou de correr. — Por que está aqui sem sua acompanhante? Aonde está Lady Eckley? A cadela latiu mais. Lorde latiu também e correu. Voltou para perto, correu mais. Isaac tentou afagar a cabeça da cachorra, ela permitiu. Em seguida, prendeu a mão dele entre os dentes e puxou. Ele se assustou, ela latiu novamente. E Lorde continuava indo e vindo. — Acho que eles querem que o senhor os siga. O engenheiro parou o que estava fazendo para observar o movimento dos cachorros. — Para onde? — Tenho um par de cães, muito espertos. Eles sempre me chamam assim quando alguma coisa os incomoda. Veja como faz o Setter, ele está mostrando o caminho. Desacostumado com animais, Isaac não sabia o que fazer. Se seguisse os cães, ao menos eles parariam de latir e importunar os trabalhos no silo. Colocou o chapéu na cabeça e indicou, com um gesto, que iria atrás de Marquesa e Lorde. Quando perceberam que ele os estava acompanhando, os dois começaram a correr. E continuavam latindo. Os cães estavam nas terras de Rhode Port, indo em direção à borda. Em breve, chegariam às rochas e teriam que parar. Havia um penhasco ali, muito perigoso, e Isaac esperava que eles não fossem até ele. Para sua sorte, os cães diminuíram o ritmo e ele conseguiu ver a égua de Caroline. Aproximando-se mais, viu-a estirada no chão. Marquesa colocou-se ao lado dela e recebeu um afago. Isaac correu quando imaginou que a lady certamente estaria ferida. Ela parecia estar apreciando o sol, sentada na relva. Mas ela tinha uma expressão de dor que o fazia ter certeza que havia algo errado. Ajoelhou-se ao lado de Caroline e segurou-a pelos dois braços. — Você está bem? — Ora, Marquesa… eu pensei que havia pedido para ir à casa chamar por ajuda. Você foi atrás do seu namorado Lorde? A cadela latiu e se sentou. Lorde estava posto ao lado dela. Os dois cães pareciam estar se dando muito bem. Isaac imaginou que o Setter estivesse por

perto quando o Galgo Afegão saiu procurando ajuda. E eles foram buscá-lo. — Eles são notáveis. — Ele riu. — Não pararam de latir enquanto eu não vim até aqui. O que houve, Caroline? Você caiu? — Sim. Raiada empinou e me derrubou. Não foi culpa dela, ela viu uma cobra. Mas bati muito forte no chão e não consigo me levantar. Dói apoiar a perna no chão. Isaac preocupou-se. Passou as duas mãos pelos braços que segurava, percebendo que estavam sem ferimentos. Havia folhagem presa nas rendas do vestido. Caroline não usava um casaco de passeio nem chapéu. Aquelas roupas de montaria indecentes eram compostas de uma saia muito curta e calças que delineavam as formas do corpo dela. As memórias de tê-las tocado continuavam ali. Ele conhecia a textura e o calor da pele de Caroline. Não tinha como ignorar aquilo. — Onde está doendo? — Aqui. — Caroline colocou as duas mãos em seus quadris, no lado esquerdo. — Mas quando eu levanto, sinto dor na perna inteira. Ele estava suado e suas roupas não eram dignas nem mesmo para que ele estivesse conversando com Caroline. Mas não podia deixá-la ali até se lavar e se vestir adequadamente. A alternativa era levá-la de volta à Granville House naquelas condições. Sem considerar opções, Isaac segurou a dama em seus braços e ergueu-a do chão. — Consegue ficar sobre o cavalo? — Não sei, eu não tentei. — Vou colocá-la na sela. Veja se consegue passar a perna para o outro lado. Caroline assentiu e Isaac ergueu-a ainda mais alto. Ela era leve como uma pluma, bem menor do que geralmente aparentava. Ele nunca a vira tão frágil e delicada como naquele momento. Isaac considerou subitamente que a grandeza de Caroline Eckley não estava em sua compleição física ou em sua força muscular, mas em seu espírito. Ela nunca se diminuía nem permitia que alguém o fizesse. Mesmo assim, ela não parecia constrangida em tê-lo ajudando-a. Ao sentar-se na sela, ela fez uma careta e passou a perna com um gemido. Sentia dor, mas não fez nenhum drama. Aprumou as costas e respirou profundamente. — Vou conduzir a égua para Granville House. — Isaac segurou os arreios e virou-se na direção da mansão dos Eckleys.

— Espere. — Caroline disse, fazendo com que ele parasse. Isaac olhou para ela, o azul transparente de seus olhos reluzindo a luz do sol. — Eu preciso visitar uma pessoa, antes. Ele a fitou e exibiu um sorriso. Maldito McFadden, como ele podia ser ainda mais lindo do que todos os outros homens lindos que ela já conhecera? — Milady, você nem mesmo consegue pisar no chão. Seja lá quem precise visitar, essa pessoa certamente entenderá sua ausência quando for explicada. — A cesta no lombo de Raiada está cheia de iguarias que estou levando para a casa do ferreiro. A Sra. Lange está doente e eu pretendo fazer com que essa comida chegue às mãos dela. Isaac tirou o chapéu e coçou os cabelos dourados. Ele era o menos loiro dos irmãos. Ao menos seu cabelo parecia menos claro, quase um castanho com mechas cor de âmbar. Naquele lindo dia de final de primavera, no entanto, ele reluzia como se fosse inteiramente feito de ouro. Caroline segurou uma risada. Ela estava sendo incrivelmente piegas. — Se eu a levar até a casa do ferreiro, você promete voltar para casa depois e repousar? Talvez a queda não tenha causado nada além de uma contusão, mas seria prudente ver um médico. — Eu prometo repousar. Não gosto de médicos. Não, ela não gostava de médicos. Toda lembrança que tinha de morte estava conectada com médicos. Os pais, o marquês, a marquesa. Em todas essas perdas, havia médicos envolvidos. Sua teimosia poderia fazer com que um homem desistisse de ajudá-la, ou simplesmente impusesse sua vontade. Mas Isaac apenas moveu a cabeça em concordância e começou a caminhar, guiando a égua. — Será uma longa caminhada. — Ela disse ao confirmar que ele pretendia andar até o destino que ela estabelecera. — Sei disso. Já estive na casa do ferreiro antes, para pegar algumas peças que ele consertou para a fazenda. Estou acostumado a andar, milady. — Parece desnecessário. Já cavalgamos no mesmo cavalo, antes. — Sim. E foi uma experiência muito agradável. Mas agora não é adequado, pode fazer com que sinta dor. Ele parecia preocupado com o bem-estar dela. Caroline não podia negar que era bom receber a atenção masculina por razões que não a beleza de seu

corpo e sua expertise na cama. — O que tem a Sra. Lange? Foi a vez de ele puxar assunto. Os cães estavam um pouco à frente, correndo e brincando. Isaac também pareceu um pouco desconfortável com o silêncio. — Gripe. Pedi que o médico da vila fosse vê-la. Ele prescreveu caldos e repouso, mas algumas pessoas podem morrer de gripe. Quero levar algum conforto para a família, também. — Eu não sabia que você costumava cuidar tanto das pessoas. O passo de Isaac diminuiu. Ele tirou o chapéu e passou a manga da camisa para secar o suor da testa. O sol estava mais forte do que deveria para aquela época do ano. Caroline não queria que ele se sacrificasse por um capricho dela. — Eu não me importava tanto assim. Um pouco, mas não tanto. Depois que estive internada, eu passei a enxergar muita coisa diferente. — Parece que o sanatório fez bem a você, afinal. — Não seja tolo. — Ela se aprumou novamente no cavalo, sentindo um incômodo na coxa esquerda. — Uma instituição para pessoas doentes mentais não é boa para ninguém são. E eu não sou louca, milorde. Mas eu encontrei pessoas boas naquele lugar. Elas me ajudaram. O lorde parou de andar e virou-se para ela. Acariciou a crina da égua, que ergueu o focinho na direção dele. O homem era capaz de seduzir até os animais com seu charme irresistível. — Não quis ofendê-la. Sei que não é louca. Talvez algum dia queira falar mais sobre essa experiência. — Talvez. Agora acho que devemos voltar. — Por quê? — Ele a encarou e ela pôde jurar que havia uma nota de frustração naqueles olhos. — Desculpe minha insensibilidade, Caroline, eu… — Isaac. — Ela o interrompeu. — Não estou ofendida. Mas não quero que continue andando nesse sol. Depois entrego a cesta à Sra. Lange. Com um movimento de cabeça, ele negou. Retomou seu trajeto, puxando a égua, aproveitando-se que ela estava obrigada a fazer o que ele decidisse. Nunca Caroline Eckley esteve subjugada a um homem, nem à vontade dele. Provavelmente, sua resistência ao casamento surgiu ao se certificar de que perderia sua independência. Mas, naquele momento, ele tinha os arreios e ela não podia andar. Ele decidiu guiá-la e ela se colocou em suas mãos. Era uma sensação nova, mas ela confiava nele.

— Obrigada por ir ao meu resgate! — Não sabia que estava em apuros. Agradeça a sua cadela, ela foi muito inteligente em me procurar. — Mandei que fosse até Granville House e procurasse Anthony. — Então eu que devo agradecer a Marquesa. Quis evitá-la por hoje, mas, assim que a vi, percebi que estava sendo tolo. De verdade, eu desejava vê-la novamente. Mesmo depois de tê-la visto tanto. Mesmo que ele estivesse de costas para ela, Caroline suspeitava que Isaac estivesse corado. Não pelo sol, mas por admitir que estava feliz em vê-la. E ela pensando que o estava importunando. — Também gostei que tenha sido você. Foi mais agradável ser erguida em seus braços do que nos do meu primo. Ele riu. Os ombros subiram e desceram mesmo que ela quase não pudesse ouvir o riso saindo de sua garganta. Caroline gostava de fazê-lo rir. Deus, quando foi que ela se tornou tão consciente da existência de Isaac McFadden, e quando foi que ele se tornou tão relevante para ela? Aquilo era um pouco assustador. Se fosse prudente, ela deveria encerrar o contato entre eles definitivamente. Mas prudência nunca foi uma qualidade dos Eckleys. A casa do ferreiro despontou depois de um pequeno desnível no terreno. Os cães já estavam lá, brincando com duas crianças. Eram os netos do Sr. e da Sra. Lange, filhos de uma filha viúva que passara a residir com eles. Quando avistaram Isaac e Caroline chegando, correram para dentro. Logo a figura do ferreiro estava na porta aguardando. — Bom dia, Sr. Lange. — Isaac tirou o chapéu para cumprimentá-lo. — Bom dia, milorde. Milady. Vieram ver Helga? — Eu trouxe uma cesta com os mais deliciosos bolinhos recheados. Mas me feri hoje mais cedo e não posso descer do cavalo. Lorde Isaac fará as honras por mim, tudo bem? O ferreiro manteve o largo sorriso de agradecimento. Isaac pegou a cesta e entrou na residência simples atrás dele, deixando Caroline sozinha, com Raiada como companhia. Ela não quis dizer que a perna estava doendo ainda, que a posição era incômoda. Estava satisfeita em ter cumprido a missão da manhã e de ter sido respeitada por Isaac. Ao invés de agir como todo homem, dando ordens e exigindo que ela as atendesse, ele fez o que ela desejava. Talvez ele tivesse salvação, aquele homem especificamente. Por um momento, Caroline divagou como seria casar-se com alguém como ele. Algumas vezes, Isaac adotava uma postura muito típica dos homens da

sociedade londrina, julgando-a por seu comportamento livre, mas desejandoa em sua cama. Ao mesmo tempo, ele demonstrava respeito para com ela. Por Deus, ele retirou a proposta indecorosa porque a considerou ofensiva. Se ela tivesse um marido como ele, poderia trabalhar? Manter seus negócios? Não. Ela seria como Agatha, a condessa. Teria liberdades, mas apenas aquelas autorizadas pelo marido. Mesmo que a lei tivesse mudado, os costumes ainda insistiam em permanecer. Homem algum aceitaria que ela fosse tão livre. Que ela tivesse negócios tão valiosos e os gerisse por si própria. Caroline já esteve preparada para aquilo, não estava mais. Os pensamentos dissolveram no ar quando ela viu Isaac retornando. Ele era tão lindo e tinha uma presença tão fabulosa que ela quase não se importaria em ceder para tê-lo todo dia. — Agora vou levá-la para casa. Como está a perna? — Estou bem. — Ela mentiu. Não faria diferença se ele soubesse que ela ainda estava desconfortável. — Obrigada, milorde! Isaac assentiu apenas movendo a cabeça. Ele não parecia cansado por causa da caminhada e do calor. Prosseguiu conduzindo o cavalo enquanto os cães acompanhavam. Caroline não costumava continuar interagindo de forma amistosa com os homens com quem tinha relações sexuais. Pelo visto, aquele espécime estava sempre pronto a surpreendê-la.

Quando Isaac encontrou Caroline ferida, ele ficou apavorado. Pensou que ela poderia estar muito machucada, mas devia suspeitar que ela não era fácil de ser vencida. Enquanto conduzia-a para a Granville House, teve certeza que aquela era uma mulher muito forte. Perguntou várias vezes se ela estava sentindo dor e ela negou, mas era mentira. A expressão dela indicava o contrário. Mesmo assim, Caroline foi resistente até chegarem à mansão dos Eckleys. Pelos fundos, Isaac aproximou-se com a égua e ofereceu a mão para Caroline descer. Ela escorregou da sela e ele a amparou com os dois braços. O cavalariço veio receber o animal e estranhou que a lady estivesse ainda no colo de Isaac. — Aconteceu algo, milady? — Raiada assustou-se com uma cobra e eu caí. Mas estou bem, o Sr.

McFadden é muito dramático. — Quedas podem ser perigosas, milady. Talvez a senhorita devesse ver o médico. O cavalariço segurou a égua pelos arreios e começou a conduzi-la para os estábulos. Caroline assumiu uma expressão de irritação. Ela provavelmente detestava homens dando-lhe ordens. Isaac queria que ela entendesse que ele não pretendia mandar nela. Não era uma atitude autoritária. Mas ela insistia em dizer que estava tudo bem, enquanto claramente não estava. Sem preocupar-se em decoro, daquela vez, Isaac entrou na residência com a dama no colo. Ela passou os braços pelo pescoço dele e recostou a cabeça em seu ombro. Era um gesto de afeto ou uma tentativa de se manter segura? — Pode me deixar em qualquer sofá. — Ela disse. — Logo eu vou me sentir melhor. — De jeito algum. — Isaac continuou pisando firme para dentro da casa. — Vou deixá-la em seu quarto. Não importa que seja indecoroso, estou apostando que o marquês não vá me matar se me vir subindo as escadas com você nos braços. — Você está sendo muito mandão, milorde. — Ela riu e Isaac sentiu a boca dela tocando-o por cima da camisa desgrenhada. Ele ainda estava em péssimas condições, com vestimentas não adequadas para um lorde. — Mas não precisa ter esse trabalho, um criado pode me levar para o quarto. — Prefere que seja um criado colocando as mãos em você? Ela ergueu o olhar e o encarou. — Não. Pensando por esse lado, meu quarto fica no terceiro andar, na ala oeste. Duas criadas os viram subindo, mas nenhuma teve coragem de se aproximar. Aquela era uma casa com crianças. Isaac não queria acreditar que a família fizesse perversões pelos cantos. Nem que fosse comum homens levarem a sobrinha do marquês pelas escadas até um antro de devassidão qualquer. Era mais provável que Caroline fosse assustadora, para elas. — Vou deixar você na cama e procurar o mordomo. Ele chamará o médico. O marquês ou a marquesa estão em casa? — Não preciso de médico. — Ela insistiu. — Pode se fazer de difícil, milady. Mas descobrirá que eu sou mais insistente do que pareço. — Tenho plena consciência da sua insistência. A risada abafada de Caroline na camisa dele foi uma das coisas mais

sensuais que Isaac já experimentara. Era difícil concentrar-se no que fazer se ela acariciava sua nuca com as pontas dos dedos e mantinha o nariz enfiado na camisa dele, que tinha o colarinho aberto. A falta de pudor dela não tinha limites. Com o pé, Isaac abriu a porta do quarto de Caroline. Era um cômodo grande, arejado e enfeitado de vermelho. Uma cama de madeira estava posta no centro do quarto e dela subiam quatro magníficas colunas de mogno entalhado. Cortinas de veludo, vermelhas, estavam amarradas nas colunas com cordas douradas. O papel de parede adamascado tinha tons de vermelho e creme, os lençóis da cama eram cor de vinho. O lorde depositou Caroline cuidadosamente sobre eles. — Qual é o motivo de tanto vermelho? — É uma cor que combina comigo. Com meus cabelos. Eu gosto de vermelho. — É apenas gosto? Tem momentos que parece obsessão. Ela deu uma risada e se ajeitou na cama. Tentou esconder a careta de dor quando moveu a perna esquerda. Isaac sentou-se ao lado dela no colchão. Aquele atrevimento era difícil de evitar. Ele não sentia mais nenhuma barreira em relação a Caroline. Não havia restrições, ele a vira nua. Compartilhara com ela a maior intimidade possível entre um homem e uma mulher. Sentar-se ao lado dela e tocá-la na face não pareciam mais inadequados. Mesmo que fossem. — Caroline, eu vou encontrar o marquês e pedir que um médico venha vê-la. Ao menos para prescrever láudano, pois você está sentindo muitas dores. — Eu não preciso de médico. — Ela fechou os olhos e deitou a face nos dedos dele, que acariciavam seu maxilar. — E não se prenda por mim, Isaac. Sei que você tem muitas ocupações. — Eu tenho. Mas, nesse momento, minha maior ocupação será garantir seu bem-estar.

Capítulo nono

S EM ESTAR ACOSTUMADA A SER CUIDADA por alguém, Caroline não soube muito bem como reagir à atitude autoritária - e carinhosa? - do homem que acabava de socorrê-la, colocá-la em sua cama e sair do quarto decidido a fazer algo contra a vontade dela. Até a noite anterior, ela via Lorde Isaac como um garoto. A sensação de que ele era muito jovem a acompanhava lembrando que ele deveria estar fora de seu alcance. Mas ela estava enganada. Ele era um homem, em toda a sua virilidade. Não havia como duvidar disso. E ele também era um homem em toda a sua prepotência. Achando que sabia o que era melhor para ela, indo atrás de um médico para vê-la depois de uma queda insignificante. Se bem que sua perna estava mesmo doendo. E a dor não estava ficando mais fraca. Mover-se estava quase impossível. Talvez ver o médico não fosse uma ideia tão equivocada. Violet entrou no quarto dois minutos depois que Isaac saiu. — Não mandei chamá-la. — Milorde Isaac pediu que eu viesse. — A criada começou a ajeitar os travesseiros atrás das costas de Caroline. — Ele disse que milady precisa trocar as roupas porque o médico vai examiná-la. — Lorde Isaac não decide o que eu preciso ou não preciso. — Caroline fez uma careta. — O que mais ele está fazendo? — Conversando com a marquesa, milady. O marquês não está, saiu para a vila. Wallcott já foi buscar o doutor. As coisas estavam fora do controle dela. Caóticas. Caroline sabia quando não lutar uma batalha e aquele parecia o momento de se render. Sem ter como resistir, deixou que Violet a ajudasse a retirar as calças de montaria. A

dor foi excruciante quando ela teve que mover os quadris. Para seu desapontamento, havia uma mancha arroxeada na sua coxa esquerda. Aquilo certamente chamaria a atenção do doutor. — Melhor não colocar as calçolas, Violet. — Mas milady… é indecente. — O médico vai ter que ver isso. — Ela apontou para o lugar do ferimento. — Não vou querer que ele coloque a mão onde não precisa. A criada não concordou, porém obedeceu. Ela vestiu uma camisola e um roupão por cima, evitando roupas complicadas e apertadas. Logo depois de terminar de se vestir, o quarto foi invadido por Rose. A marquesa tinha a expressão preocupada, apesar da tranquilidade aparente. — O que houve, Caroline? — Rose sentou-se à beira da cama. — Lorde Isaac disse que caiu do cavalo. — Foi uma queda pequena. Eu estou bem. Ela quis reforçar suas palavras com um sorriso, mas Rose não a levou muito a sério. — Violet, avise que Lady Caroline almoçará em seu quarto, hoje. Peça para a cozinha preparar uma sopa consistente. E mande o médico subir assim que ele chegar. — Rose, eu não estou inválida. A marquesa a observou por alguns segundos. Era o olhar perscrutador da pintora, aquele que desnudava a alma e analisava cada fibra do corpo. Rose era um ano mais nova que ela. Tinha vinte e sete anos, mas parecia ter o dobro da idade de Caroline, às vezes. Ela dizia que fora a maternidade que a fizera envelhecer. Mas a lady tinha a impressão que ela que era imatura demais. — Aceite o cuidado, Caroline. Rose sorriu. — Lorde Isaac, ele… — Ele está lá embaixo. Parece que só vai embora quando o médico chegar. Não sei por que ele duvida que você vá se comportar e prefere garantir que não vá expulsar o doutor. Caroline quis rir. A ideia de que Isaac estava ali para confirmar que ela seria atendida pelo médico era ridícula. As pessoas não podiam pensar que ela era tão teimosa. Mas era provável que ela fosse mesmo muito teimosa. Qualquer um poderia pensar que ela mandaria o médico voltar para o lugar de onde ele viera.

— Ele se importa com você. — Rose passou os dedos pelos cabelos de Caroline, ajeitando-os atrás da orelha. — Sei que ele tem em mente outro tipo de dama para desposar, mas já considerou que Isaac é um excelente partido, Caroline? Ah, sim. Ela considerou. Em alguns momentos daquela manhã desastrosa, ela considerou. Por que diabos ela estava pensando em casamento e Isaac McFadden no mesmo intervalo de tempo, não estava claro. — Não estou mais apta ao casamento. — Caroline suspirou. — Já passei da idade de me casar, de ter filhos. Sou oficialmente uma solteirona, é melhor que eu aceite isso. E eu não quero mais me casar, também. Agora serei uma empresária. Quero cuidar de negócios. A forma condescendente com que a marquesa a olhou foi irritante. Ela não queria condescendência. Queria alguém que a entendesse. Que não colocasse o casamento como a única forma de felicidade possível para uma mulher. Ela aceitaria se casar. Mas primeiro, ela precisaria amar. Estar apaixonada, arrebatada a ponto de desejar passar a vida ao lado daquele homem. E, segundo, ela precisaria ter certeza que ele não a anularia. Que ela não se tornaria apenas a esposa de alguém. Era muito difícil que qualquer mulher entendesse aquilo. — Ao que me parece, Lorde Isaac não está considerando isso. Como eu disse, ele não está se portando como um homem que planeja cortejar outra mulher. Ele demonstra que quer você, Caroline. Rose se levantou da cama no instante em que a porta se abriu e o médico entrou. Caroline quis rir novamente, mas estava nervosa. A presença do médico a deixou ansiosa. E aquela conversa sobre Isaac a deixou muito desorientada. Seria bem mais fácil levar qualquer coisa adiante se ela tivesse certeza que ele a queria apenas para perder a virgindade.

A excentricidade da casa Eckley fez com que Isaac não se sentisse muito mal por usar roupas inadequadas. Sentado em uma poltrona próxima à lareira, segurando um copo de uísque na mão, ele viu o médico chegar. Depois, viu uma criada descer. A criada subiu novamente, carregando algumas ervas. Virou a bebida toda em um gole e serviu-se de mais. Por ordens da marquesa, um criado deixou a garrafa em uma mesinha ao seu lado.

Passou meia hora até que o médico descesse, conversando com a marquesa. Lady Granville era uma mulher peculiar. Sua beleza era singular, não comum às outras que Isaac conhecia. Ela parecia tão distinta que era compreensível que tenha retirado do mercado o maior libertino de Londres. E ele já deveria ter ido embora. Garantira que o médico atenderia Caroline. Não deveria esperar por notícias dela. Poderia receber essas notícias depois de ter se lavado, vestido e almoçado. Mas continuou ali, as mãos apertando o copo de vidro, desejando que a marquesa não notasse sua ansiedade. — Milorde. — Rosamund foi até ele, que se ergueu, desajeitado. Sentiase quase despido sem colete, com o colarinho aberto e as mangas dobradas. — Fique tranquilo, o médico disse que não foi nada grave. Mas Caroline precisará repousar. Quer vê-la? Sim, ele queria. Mas era melhor que voltasse para Greenwood Park. — Não vou incomodá-la. Por favor, transmita a Lady Eckley minhas estimas. A marquesa sorriu e Isaac se afastou. Sair de Granville House foi mais difícil do que ele esperava. Ele quis subir as escadas, colocar-se ao lado de Caroline, fazer alguma coisa para confortá-la. Quis desculpar-se por ser autoritário e exigir a presença de um médico. Não estava arrependido, mas entendia que agira contra a vontade dela. Quis apenas voltar a ficar na companhia daquela mulher que o intrigava tanto. Só que não faria nada disso. Não naquele dia. Precisava retornar para casa, para seus afazeres e para uma ordem diária à qual estava acostumado. Assoviou para Lorde, que estava nos jardins ao lado de Marquesa, e os dois foram juntos, caminhando, para a propriedade dos McFaddens. Ao chegar em casa, o engenheiro o estava aguardando. — Diga-me que está tudo bem, Sr. Richmond. Isaac interpelou o homem, levando-o para o escritório de Edward. Serviu mais bebida, uma dose dupla para si mesmo, e sentou-se à cadeira do irmão. Ele não fazia nenhuma questão de ser conde, mas adorava envolver-se nos negócios. — Não está, milorde. — O engenheiro colocou alguns papéis sobre a mesa. — A estrutura está mesmo comprometida e não temos como reforçá-la até a colheita. — Não podemos colher os grãos se não existir um silo, Sr. Richmond. — Isaac bebeu o uísque e pressionou as têmporas com as mãos. Esperava que os

problemas de Cornwall estivessem sendo menos desafiadores do que os de Kent. — Qual é a alternativa? — Escoras. — O homem coçou a cabeça. — Se apoiarmos essas colunas aqui e aqui, a estrutura aguentará até que os grãos tenham sido vendidos. — Será arriscado? — Há riscos. Mas é mais seguro do que manter a estrutura como ela está. Claro que era. Isaac não tinha muito o que pensar. A colheita dos grãos seria em uma semana e ele não podia simplesmente deixar os arrendatários sem lugar para armazená-los. — Farei uma reunião amanhã. Quando poderemos iniciar as obras? — No mesmo dia. — Então aguarde meu retorno. Mandarei um mensageiro assim que conversar com os arrendatários. O engenheiro agradeceu e saiu. Isaac olhou para si mesmo. Sujo, encardido, cheirando a suor e feno. E uma nota de jasmim. Caroline estava finalmente usando perfume? Ele não notou aquela diferença mais cedo, quando a encontrou. Talvez estivesse muito preocupado. Mas ali, naquele momento, tudo que Isaac queria era arrancar a camisa para levá-la ao nariz e cheirar Caroline mais um pouco. Alguma coisa estranha estava acontecendo com ele.

O telegrama da Condessa de Cornwall chegou à tarde. Violet levou-o para Caroline, que se empolgou em saber que os convites para o evento da escola já estavam rodando e seriam distribuídos por Londres. Fora garantido que todas as damas elegíveis para a escola seriam convidadas, assim como as filhas da burguesia. Não importava a Caroline se as suas alunas seriam moças nobres ou sem títulos. Ela queria apenas agir para transformar a vida delas. Apesar da animação pelo andamento do evento de apresentação da nova escola, a lady dormiu uma boa parte do dia. Estava acostumada ao álcool, mas não ao ópio do láudano que o médico prescreveu. E o emplastro que fora colocado na perna ferida aliviou o desconforto. No dia seguinte, ela conseguiu levantar-se. Foi ao lavatório, escovou os dentes com dentifrício em pó e tocou a sineta para chamar Violet. Queria tomar um banho e tirar o cheiro dos remédios que estava impregnado em si.

— O doutor mandou usar água fria, milady. Violet foi até a casa de banhos anexa ao quarto de Caroline e começou a encher a banheira. — Nem pensar que tomarei banho frio. Pode colocar menos água quente, mas é só. — Mas milady, o doutor… Caroline pretendia ignorar os comentários da criada, que sabia que seria ignorada mesmo que continuasse falando. Achou melhor silenciar-se e terminou de preparar o banho, deixando a água o menos quente possível. A lady tirou o roupão, a camisola e entrou na banheira com alguma dificuldade. A perna ainda estava dolorida e com uma mancha roxa mais escura. Depois de acomodada, com a água cobrindo seu corpo inteiro, Caroline deitou a cabeça em uma toalha dobrada na borda da banheira e relaxou. Ficou alguns minutos em completo silêncio até ouvir passos. Pensou que fosse Violet retornando, mas a arfada característica de Marquesa a fez abrir os olhos para descobrir a cadela sentada e olhando para ela. — Oras Marquesa, sentiu minha falta lá embaixo? Caroline afagou a cabeça da cadela e notou que, em sua coleira, havia um papel preso. Marquesa se agitou e latiu ao vê-la segurar o papel nas mãos. — O que é isso? Quem pediu que você entregasse isso? Marquesa latiu novamente e girou ao redor de si própria. Caroline abriu o papel e era um bilhete, escrito com uma letra claramente masculina e descuidada. Não conseguiu evitar sorrir ao confirmar que o bilhete vinha de Isaac McFadden. Gostaria de notícias de sua recuperação. Se puder, envie algumas palavras para que eu não precise inventar uma desculpa para ir à sua casa. Aquilo era inusitado. E totalmente excitante. Caroline olhou para a cadela, que estava visivelmente animada com a tarefa que lhe foi designada. Era a primeira vez que ela trocava bilhetes com um homem. Na verdade, a primeira vez que trocava bilhetes com qualquer pessoa. Ela não estava acostumada a flertar. Os homens não flertavam com ela. A primeira e última vez que flertou com alguém foi quando perdeu sua virgindade, e ela era bem mais jovem e inexperiente. Excitada com a novidade e o segredo estabelecido, Caroline enrolou

novamente o bilhete e o devolveu para a coleira de Marquesa. Chamou Violet e solicitou ajuda para terminar o banho e para vestir-se. Depois, sentou-se à penteadeira. Pediu papel e uma caneta e dispensou a camareira. Como todos os criados estavam acostumados aos impulsos de Caroline, Violet nunca achava nada que ela fazia estranho o suficiente para se alarmar. Sozinha, Caroline escreveu algo que acreditava expressar satisfatoriamente seu estado físico. Estou bem, porém devo repousar por mais um dia. Detesto o ócio compulsório, mas a experiência do láudano é intrigante. Gostaria que inventasse uma desculpa qualquer para me ver amanhã. Ela riu enquanto fechava o bilhete. Dobrou o papel e colocou dentro de uma pequena caixa de metal que usava para guardar lenços. — Marquesa, preciso que leve essa caixa para o Lorde. Ele deve entregar isso ao dono dele. Você entende o que estou falando? A cadela latiu e pegou a latinha com a boca. Depois saiu do quarto com toda elegância, desfilando com o porte aristocrático que lhe pertencia. Caroline deitou-se na cama, com os cabelos desfeitos e um pouco úmidos. O bilhete de Isaac a fez mais feliz do que a resposta da condessa. Ela tinha um sorriso tolo nos lábios e não estava muito familiarizada com os motivos que causavam aquela reação nela.

Quando Isaac retornou para casa, depois de um exaustivo dia em reunião com os arrendatários, tudo que ele queria era um copo de uísque e o jantar. Estava exaurido mentalmente. Não era um negociante muito habilidoso, como Nathaniel, e convencer os arrendatários a fazer algo que ele mesmo considerava arriscado era muito difícil. Antes de colocar escoras em colunas e arriscar a vida das pessoas em um desmoronamento de estrutura, ele iria pedir ajuda ao vizinho marquês. Mas, antes que pudesse chegar ao seu quarto para tirar as roupas empoeiradas do dia, foi interceptado pelo mordomo. A expressão de indignação e confusão na face dele era indecifrável.

— Milorde, o senhor tem uma… visita. — Quem é, Peyton? — A visita não se identificou, milorde. Está com Lady Wilhelmina na biblioteca. Era muito incomum que uma visita não se identificasse. Mais ainda que seu mordomo, muito rígido e bem treinado, deixasse um visitante desconhecido sozinho com a lady da casa. Enquanto se dirigia à biblioteca, no segundo andar, Isaac se pegou correndo. Abriu a porta e entrou agitado no cômodo, pensando que sua irmã pudesse estar em apuros. Mas ela estava ajoelhada no chão, sobre as saias, rodeada por cachorros. — Isaac! — Wilhelmina exultou. — Veja, ele não é lindo? Lorde e Marquesa estavam deitados ao lado da jovem. Ela acariciava o pelo liso e sedoso do Galgo Afegão, que levantou e latiu assim que viu o lorde. Já o Setter tinha um objeto na boca. Ele também se levantou o depositou-o nos pés de Isaac. — O nome dela é Marquesa. — Isaac explicou. — Ela é uma cadela muito inteligente. Você poderia continuar a entreter os animais? Preciso resolver algo no escritório. — Claro, eu adorarei brincar mais com eles. E você precisa de um banho antes de qualquer coisa. Ele precisava. A ordem correta dos eventos seria tomar um banho, vestirse decentemente e analisar o conteúdo da caixa. Mas estava bastante ansioso para saber o que fora trazido por Marquesa. Sabia que era um recado de Caroline. Sabia que a presença da cadela ali representava que sua tentativa furtiva de enviar um bilhete para ela deu certo. Então, Isaac ignorou a necessidade de manter um padrão e foi direto para o escritório. Abriu a latinha e encontrou o bilhete. Cheirava a jasmim. A flor que ele escolheu para ela. A porta do escritório se abriu e Dewitt entrou. — Milorde, posso preparar seu banho? — Sim, claro, em alguns minutos. Preciso apenas terminar de ler um documento. Ele pegou um papel em uma pilha organizada sobre a mesa de mogno e uma caneta para escrever a resposta. Tenho uma excelente desculpa para ir à Granville House. Um caso sério que preciso discutir com o marquês. Estou aliviado

em saber de sua recuperação. Satisfeito com sua resposta impessoal, Isaac enrolou o papel e prendeu com uma fita. Voltou à biblioteca, onde Wilhelmina ainda estava com os cães. Aproximou-se de Marquesa, prendeu o bilhete na coleira dela e afagou suas orelhas. — Leve de volta. Você sabe para quem entregar. A cadela latiu e saiu correndo, levando Lorde consigo. Isaac imaginou que aquele Setter nunca mais poderia ir embora de Greenwood Park. Ele já estava fazendo da propriedade seu lar, e Marquesa era sua melhor amiga. — Ela pertence a Caroline Eckley? — Wilhelmina levantou-se do tapete e bateu a poeira do vestido. A forma como ela observava o irmão indicava que ela sabia que ele estava fazendo algo escondido. — Sim, ela é dos Eckleys. Por quê? — Nada demais. A irmã saiu pela porta e ele decidiu que, finalmente, precisava de um banho. Tinha certeza que estava metido em uma enrascada. Se descobrissem seu envolvimento com Caroline, ele seria obrigado a casar-se com ela. Não que ela fosse aceitar isso, ou que ela tivesse exatamente uma honra a ser reparada. Caroline não era virgem e havia vários homens que atestariam isso. Mesmo assim, a coisa certa a se fazer seria casar-se com ela. Precisava tomar mais cuidado. Ainda assim, não conseguia deixar de desejar aquele relacionamento escandaloso e totalmente inadequado, que o fazia sorrir como um tolo e esquecer até mesmo das refeições.

Ele estava há cinquenta e três horas e vinte e oito minutos sem ver Caroline Eckley. Naquele intervalo de tempo, trocaram bilhetes secretos tendo seus cachorros como mensageiros. Ele fez uma reunião com seus arrendatários e decidiu pedir ajuda ao Marquês de Granville para o armazenamento dos grãos. Trabalhou, suou, respondeu às correspondências. E nunca sentiu tanto desejo por uma mulher quanto naquela maldita tarde. Isaac sabia que não poderia extravasar o que sentia. Primeiro, porque Caroline estava ferida e ele não sabia se ela já se recuperara. Segundo, porque ainda era dia, o sol continuava a brilhar, descendo no horizonte em

Greenwood Park, e ele tinha uma reunião com o primo dela. O mesmo que ameaçou sua masculinidade com palavras educadas. Mesmo assim, ele tomou banho e se vestiu com um traje completo para a noite. Calças cinza, camisa branca, colete e casaco pretos. Garantiu que o lenço em seu pescoço estivesse bem ajustado e os cabelos penteados. Ajeitou a barba na frente do espelho. Já pensara em tirá-la, mas gostava da barba. Ela estava na moda e Caroline disse que era macia. Ele não manteria a barba apenas por causa de Caroline, mas não negava que ela era um incentivo a mais. — Dewitt, vou sair. — Isaac disse para seu valete, antes de dispensá-lo. — Avise que não jantarei com mamãe e Wilhelmina. — Sim, milorde. Devo mandar preparar a carruagem? — Não, vou a cavalo. Porém não sei que horas retornarei. O valete fez uma reverência e se afastou. Isaac foi até os estábulos, pediu que selassem seu cavalo e montou. Lorde veio correndo atrás, latindo. Depois do tanto que os cachorros o estavam ajudando, ele não teria coragem de pedir que o animal ficasse em casa. Aceitou a companhia e trotou para a propriedade dos Eckleys. Na Granville House, foi recebido pelo mordomo que o conduziu ao escritório do marquês. Tinha negócios a tratar, antes de tudo. — Sente-se, Isaac. — Anthony Eckley acendeu um charuto e ofereceu um a Isaac. — Quando recebi sua mensagem fiquei preocupado. Em que posso ser útil? — Serei direto. Estamos com um problema de estrutura nos silos e temos uma colheita em menos de uma semana. Os silos de Rhode Port são capazes de armazenar pelo menos parte da nossa produção em Greenwood Park? O marquês saboreou o charuto e observou a fumaça por alguns instantes. Ele não tinha aquela aparência de autoridade mofada e imponência arrogante de muitos nobres de alto título. Anthony Eckley era de uma nova geração da nobreza inglesa. Apesar de não ser visionário como Edward, tinha uma boa noção de que a indolência dos pares não conduzia a um futuro próspero. — Creio que será possível acomodar parte dos grãos de seus arrendatários. Você teria que conversar com meu administrador. Eu não tenho um conhecimento muito profundo dessas questões. — Nós pagaremos o preço que for necessário. Isaac sabia que era mais justo que pedisse ajuda remunerada. O marquês ergueu uma sobrancelha e o fitou.

— Não será necessário me pagar. Será um prazer ajudá-los. Somos vizinhos há muitos anos. Meu pai era amigo de seu pai. Apenas converse com o administrador e ajuste as questões operacionais. — Obrigado. As obras no silo começarão logo, porém não será possível concluí-las antes da colheita. — O seu engenheiro é de confiança? — Perguntou o marquês. — Se quiser, posso pedir que enviem uma equipe de Londres. Se bem que eu aposto que Edward conseguiria uma equipe ainda melhor do que a minha. — Creio que o Sr. Richmond seja muito competente. Ele vem realizando serviços para a família há bastante tempo. E também foi cauteloso em suas recomendações. — Certo, então. Amanhã avisarei ao administrador que você irá procurálo. — Agradeço, milorde. — Isaac terminou seu charuto e levantou-se. — Ficará para o jantar, não é mesmo? — É um convite irrecusável, porém não estou vestido adequadamente. O marquês riu e também se levantou. Pegou uma garrafa de conhaque e serviu duas doses. — Está mais bem vestido do que eu quando vou ao Parlamento. Não se preocupe com essas bobagens, não fazemos jantares formais quando estamos apenas nós. Creio que o ver fará bem a Caroline. Ela está duas vezes mais difícil nesses últimos dias. Encurralado, Isaac não conseguiu negar o convite. Não desejava participar de eventos familiares com Caroline presente. Ansiava por vê-la novamente, mas preferia poder estar em um espaço mais íntimo. Onde ele tivesse privacidade para tocá-la. Onde poderia beijá-la. Ali, sentado à mesa com os Eckleys, tudo que ele conseguiria seria ser analisado e examinado, pois era como se sentia desde que fora procurar Caroline em sua residência londrina. Ele temia que, a todo minuto, fossem desvendar suas intenções. — Será um prazer jantar em sua companhia, milorde. O marquês tocou a sineta e o mordomo apareceu na porta para receber a notícia de que haveria um convidado para o jantar. Depois de finalizarem o conhaque e conversarem sobre algumas trivialidades, os homens saíram do escritório e foram para uma sala privativa da família. Lá encontraram as mulheres, Rosamund e Caroline. O que Isaac sentiu ao ver a lady depois de dois dias foi uma reação patética de seu corpo ansioso por ela. O coração disparou e a boca ficou seca.

Precisou se concentrar para não sorrir como um garoto e ir diretamente até ela. A etiqueta indicava que, primeiro, ele cumprimentasse a marquesa. — Ah, teremos companhia para o jantar? — Rosamund se animou. Isaac segurou a mão dela e beijou rapidamente os dedos sob a luva de seda. — Precisei obrigá-lo. — O marquês também se aproximou e beijou sua esposa nos lábios. — Espero que não se importem. — Eu, me importar? Sabe que adoro convidados! Isaac não prestou atenção no que a marquesa disse. Ele já estava segurando a mão descoberta de Caroline Eckley e o toque na pele dela, mesmo que ele estivesse com suas luvas de pelica, fez com que ele sentisse seu estômago borbulhar. Ela estava linda, com um vestido vermelho e os cabelos trançados. Como estava de pé, Isaac imaginou que estivesse liberada do repouso. — Como você está? — Bem melhor. Não sinto mais dores. — O que disse o médico? A lesão foi muito grave? — Foi uma contusão, Isaac. — Caroline sorriu timidamente. Ela não era tímida, então ele estava enganado. Foi um sorriso, apenas. — Estou ótima, agora. O silêncio fez com que ele percebesse que o salão estava subitamente vazio. O marquês e sua esposa não estavam mais ali. Nem os cachorros pareciam à vista. Era como se todos tivessem combinado em desaparecer para que eles compartilhassem daquele momento a sós. Homens e mulheres de respeito não ficavam a sós. Para sorte de Isaac, aquela casa não parecia se importar tanto com as regras de decoro. Porque ele queria, muito, beijá-la. Não importavam os motivos. Ele apenas precisava tê-la nos braços e tomá-la como sua. E, sem considerar os riscos que estava correndo, Isaac simplesmente segurou Caroline pela cintura, puxou-a para perto e colou sua boca na dela.

Capítulo décimo

C AROLINE ESPERAVA que Isaac fosse aparecer de madrugada. Como um bom amante, ele deveria chegar depois que todos estivessem dormindo para não causar desconfianças. Ela deveria lembrar que ele não era um bom amante. Era um jovem inexperiente e romântico, cujo sangue azul não o impedia de trabalhar na fazenda em meio a estrume e mato. E que não tinha muita noção de como se portar em uma situação como a deles. Então, ele estava ali para o jantar. E, se ela sentiu o corpo reagir quando o viu, ficou totalmente entregue quando ele a beijou. Porque sim, o audacioso lorde teve a ousadia de beijá-la no meio do salão, aproveitando a ausência de seus familiares. Ela adorou o gosto da boca dele na dela. E a pressão das mãos dele em suas costas. Isaac beijava com muito mais ímpeto e ardor desde a primeira vez em que ela o experimentou. A forma como a língua dele procurou a dela a deixou com as pernas bambas. Ela queria mais. — Não vá embora depois do jantar. Ela disse, depois que as bocas se desvencilharam. Dava para ouvir seu coração bater descompassado. Acelerado. — Eu devo ir. Você se feriu, eu… — Foi uma contusão, Isaac. — Ela repetiu. Segurou-o pelo colarinho e colou a boca na dele outra vez. Não durou muito, foi apenas uma forma de mostrar que o desejava. — Eu estou andando pela casa desde cedo. O lorde passou as mãos pelos cabelos dela. Colocou uma mecha atrás da orelha e acariciou-a na face. Caroline quis dizer para ele não resistir. Para se entregar ao que o movesse naquele momento. Mas até ela sabia o quanto tudo aquilo era inadequado. Pelos céus, eles estavam se beijando e se tocando no

meio da Granville House! — O que eu devo fazer? Me esconder até que todos durmam? — Não. — Ela deu uma risada. — Depois que tomar o vinho do porto com Anthony e decidir retornar para casa, dê a volta. A porta do chalé de hóspedes estará aberta. — Você sabe que envolver os criados nisso significará que, em breve, toda a vila saberá que… — Não estou envolvendo os criados. — Caroline ajeitou o lenço no pescoço dele, ajustando o alfinete que prendia o nó. — Violet está acostumada comigo. Ela sabe que não deve fofocar ou perderá o emprego. O silêncio dele indicou que estavam combinados daquela forma. Desvencilharam-se pouco antes do mordomo aparecer e informar que o jantar seria servido. Caroline suspeitava fortemente que sua família saíra da sala para dar a ela privacidade com Isaac. Rose não era uma mulher tão liberal quanto ela, mas ignoraria o decoro se fosse para empurrar Caroline para um casamento. A mesa estava posta no salão menor. Anthony se sentou em uma ponta com sua esposa ao seu lado. Eles nunca se sentavam afastados e passavam o jantar todo conversando. Ele falava de assuntos masculinos com ela e não se importava se era considerado adequado ou não. Ela o entretinha com as fofocas de Londres e de Paris. Naquele ambiente agradável de conversa, os pratos foram sendo servidos um depois do outro. Caroline ainda sentia um pequeno desconforto em sua lesão, mas o que a estava deixando agitada aquela noite era a presença masculina ao seu lado. Enquanto Isaac discutia com o Marquês sobre os investimentos para tornar a vila um lugar turístico, ela admirava o perfil dele. Admirava a inteligência dele para temas relevantes da produção agrícola e da criação de animais. Admirava o sorriso dele. Como a boca erguia sutilmente e exibia os dentes perfeitos. O jantar demorou mais do que ela estava disposta a esperar. Depois da sobremesa, Anthony convidou Isaac para a biblioteca, onde tomariam um vinho e falariam mais bobagens masculinas. Ela pediu licença para se recolher, alegando que precisava voltar a repousar. Rose assentiu e disse que veria se as crianças estavam dormindo. Claro que Caroline não iria para o quarto. Ela desviou do caminho e foi direto para o chalé de hóspedes. Usando a escada dos criados, ninguém a notaria. O que ela queria, naquele momento, era se afastar das pessoas para

não permitir que desvelassem seu estado de espírito. Que ela nem mesmo sabia qual era. Deslumbramento, talvez? — Milady, devo ajudá-la a tirar o vestido e se lavar? — Violet a encontrou no meio do caminho, quando ainda caminhava pelos corredores. — Não, pode deixar. Vá se recolher e não seja vista perambulando por aí. A criada se afastou com aquele olhar desconfiado de sempre, mas que não incomodava Caroline em nada. Violet sabia de praticamente todas as aventuras sexuais da lady, mas sempre fora de confiança e nunca fizera fofoca. Mesmo que isso também não incomodasse Caroline em nada. No chalé de hóspedes, ela acendeu algumas lamparinas e se sentou em uma chaise longue no térreo. Esperou. A lareira estava apagada e começou a esfriar. Quanto tempo os homens costumavam gastar bebendo vinho do porto? Caroline levantou-se e pegou um livro: Frankenstein. Depois das leituras interessantes que fizera no sanatório, ela não gostava mais de bobagens. Bateu a poeira da capa de couro azul escuro e se sentou novamente, folheando as primeiras páginas. Aquele exemplar parecia nunca ter sido lido. Continuou folheando até encontrar algumas passagens grifadas. Estava enganada. Houve uma época que eu alimentava falsas esperanças de encontrar seres que, perdoando minha aparência externa, me amariam pelas qualidades excelentes que eu seria capaz de demonstrar. Por algum motivo, aquela frase a tocou. Caroline era o oposto de Frankenstein: ela tinha um exterior lindo, desejável, perfeito. Mas seu interior não era tão agradável assim. Ou, ao menos, era o que ela achava. Tentava esconder a verdadeira Caroline para que ninguém a visse como ela era e desejassem apenas o que ela apresentava: um corpo feminino belo. Antes que pudesse continuar divagando nas palavras contundentes de Mary Shelley, a porta do chalé se abriu. Isaac McFadden entrou e caminhou até ela, sentando-se ao seu lado. — Alguém seguiu você? — Ela perguntou, fechando o livro e o apoiando em uma mesinha de madeira. — Não. Tomei cuidado para seguir na trilha de volta a Greenwood Park até desaparecer na escuridão e voltei pelo bosque. — Isso foi perigoso.

— Não tenho medo do escuro. Ele tirou as luvas e tocou-a na face. Ela fechou os olhos apenas para poder aproveitar melhor o contato. — Você poderia acender a lareira? — Assim que levá-la para cima. — A mão dele desceu pelo pescoço dela e ele passou a ponta dos dedos na renda do decote, tocando suavemente a carne macia no vale entre os seios. — Hoje você não facilitou para mim, certo? — Nem um pouco. — Ela riu. — Mas estou sem espartilho. Você hoje vai aprender quantas camadas de tecido cobrem uma mulher.

As mãos firmes que seguraram a lenha e atiçaram o fogo da lareira estavam trêmulas abrindo os pequenos botões do vestido de Caroline Eckley. Aquela também era uma das inúmeras primeiras vezes que a lady representava para Isaac. Ele esteve enganado sobre quase tudo, desde o primeiro momento em que decidiu procurá-la. Enquanto desabotoava a primeira camada de tecido que o afastava do corpo que desejava, ele começava a entender por que ela lhe disse não. Tudo ali envolvia mais do que o ato sexual. Não era uma cópula, como ele pensava. Havia mais do que apenas instinto. A reação de seu corpo ao dela indicava um envolvimento que transcendia a sua compreensão. Ela se manteve quase imóvel enquanto ele a desnudava, peça por peça. Depois do vestido, foram as duas anáguas. Ela realmente não usava espartilho. Isaac então a virou de frente para si e examinou a mulher que estava ali em seus braços, trajando apenas seda branca. — Você é linda. Isaac disse, mesmo sabendo que ela já ouvira aquelas palavras muitas vezes. Ninguém duvidava da beleza de Lady Eckley, uma verdadeira Lilith, pronta para instigar todos os homens a pecarem. Mesmo assim, ela baixou o olhar e sorriu. Ele teve certeza que viu um rubor em suas bochechas que não combinava com ela. Ou talvez combinasse. O lorde estava descobrindo coisas sobre Caroline a cada dia. Havia mais nela, também, do que uma mulher devassa. — E você ainda está vestido. — Ela provocou. — Vamos dar um jeito

nisso. Bem, nenhuma timidez durava muito tempo com ela. Caroline afrouxou o laço no pescoço dele, abriu o colete, desabotoou a camisa. Foi mais rápida do que ele foi ao despi-la, mas infinitamente mais lenta do que o desejo dele precisava que fosse. Quando Caroline abriu os três botões de sua calça, o alívio de não ter mais quase nada que os separasse se transformou em um suspiro. Isaac abriu os laços da chemise dela e puxou o tecido por seus braços. Depois, ajoelhou-se para baixar a calçola. Olhou brevemente para a marca roxa que ocupava quase toda a extensão da coxa esquerda dela e levou a ponta do indicador para tocá-la. — Não dói muito. — Caroline disse, segurando a mão dele e colocando sobre o ferimento. — Só se apertar. — Não precisa fingir resistência comigo. — Ele beijou a pele ferida, já descoberta. Um roçar de lábios suave. — Eu acho melhor… Ela o segurou pelos cabelos e fez com que olhasse para cima. — Isaac, não se atreva a desistir agora. Não sou frágil. Se doer, eu te aviso. A forma autoritária como ela falou fez com que ele desse uma risada nervosa. Não dava para desafiar a ira de Caroline Eckley. Se ele parasse por ali, ela provavelmente o jogaria na cama e o atacaria. Depois das calçolas, ele começou a retirar as meias. Enrolando a seda fina, descendo pelas pernas e descobrindo cada pedacinho de pele que ele queria beijar. E foi o que ele fez. Segurou um pé nas mãos, beijou os dedos, o tornozelo, a panturrilha, a parte de trás dos joelhos. Caroline apertou os ombros dele com força, onde ela se segurava para não perder o equilíbrio. A trilha de beijos se estendeu para a parte interna da coxa. Ela gemeu. Perto, ele estava muito perto. Uma das mãos deslizou até tocar a feminilidade de Caroline. Ele roçou os dedos ali, nos cachos escuros que cobriam o ponto mais sensível do corpo dela. Quanto mais ela demonstrava que estava gostando, mais ele a tocava. E continuou subindo a boca até que ele a beijou bem ali. A posição era incômoda, então Isaac segurou Caroline pela cintura e, com cuidado, empurrou-a para os colchões. Ela ficou com as pernas penduradas e ele usou as duas mãos, agora livres, para abri-la como às pétalas de uma flor. Ela também era linda, ali. O botão que pulsava apenas pela antecipação do toque estava túrgido, úmido. Ele voltou a beijá-la, deixando que a língua

acariciasse o clitóris. — Oh, céus! — Ela rosnou. — Você vai mesmo fazer isso? Isaac ergueu os olhos e a fitou, esparramada sobre a cama. — Não é algo que você goste? — De tudo que você pode fazer comigo, provavelmente isso é o que eu mais gosto. — Ela riu, abrindo os braços em desamparo. — Então sim, eu vou mesmo fazer isso. Me diga se não estiver do seu agrado. Mas ela não falou nada, apenas gemeu. Caroline estava novamente agarrada aos cabelos dele como que guiando-o pelo caminho. Com cuidado, ele não apenas beijou e lambeu a região sensível entre as pernas dela, mas também chupou e mordiscou. Os gemidos dela serviram de incentivo para que ele fosse mais rápido. E mais forte. Rápido. E forte. Até que ela gritou seu nome e convulsionou em sua boca. Ele não queria parar de beijá-la, mas ela o puxou para cima. — Entre em mim, agora! Era uma ordem fácil de obedecer. Ele queria estar dentro dela desde que a vira, naquela noite. Não, ele queria voltar para dentro dela desde o instante em que saíra dela, algumas noites atrás. Ajeitando-a um pouco para cima no colchão, Isaac forçou espaço entre as pernas de Caroline e a penetrou. Assim que seu membro foi envolvido pela carne macia e quente dela, Isaac entendeu por que a urgência. O corpo de Caroline ainda apresentava os sinais do êxtase e ela o envolveu com uma intensidade que o arrebatou. Mantendo o corpo dobrado sobre ela e os pés firmes no chão, ele tomou sua boca com uma paixão que ainda não experimentara, enquanto se movia com cuidado. Ela correspondeu ao beijo entre gemidos, rosnados e murmúrios. Falava o nome dele, uma vez depois da outra. Tudo nela indicava que o ato a agradava. E ele estava ficando cada vez mais perto de explodir no ápice do prazer que ela oferecia. — Você está protegida? Isaac murmurou, interrompendo o beijo por um instante. Caroline não verbalizou uma resposta, apenas balançou a cabeça indicando que não. Ele já sabia o que fazer. Continuou a mover-se, entrando e saindo até não resistir mais e se entregar ao orgasmo, fazendo sua semente derramar sobre ela, como da outra vez.

Caroline não estava acostumada àquilo. Ela desejava Isaac, sabia bem disso e não negava que o queria. Ela nem poderia dizer como resistiu a ele em um primeiro momento. Mas, em nenhum dos intercursos sexuais com seus outros parceiros, ela teve um orgasmo tão intenso e prolongado como aquele. Quando o homem desabou ao lado dela, exausto pelo clímax, ela não conseguia se mexer. As pernas estavam trêmulas. Seu corpo convulsionava. Quis se arrastar para cima, acomodar-se melhor no colchão, mas não conseguiu. Precisou que Isaac percebesse suas inúteis tentativas de se mover e a auxiliasse. Ele a segurou nos braços e a fez deitar nos travesseiros. Depois, caminhou até o lavatório e pegou um pano úmido para limpá-la. Eles estavam quase no escuro, daquela vez. Havia apenas a luz alaranjada da lareira e de uma única lamparina ao lado da cama. Isaac ficava tão lindo nas sombras quanto na luz. — Machuquei você. Não foi uma pergunta. Ele se deitou ao lado dela e a puxou para seu peito, acreditando que ela estava sentindo dor. Caroline não conseguiu se impedir de rir. — Não estou machucada, apenas muito satisfeita. A boca dele tocou-a nos cabelos. — Eu também estou. Ao menos por enquanto. Eu quis voltar para essa cama desde o momento em que me afastei dela. Sim, ela também quis. Confirmar aquilo para ele não era um problema, mas Caroline acreditava que estava em apuros. Não poderia continuar fazendo aquilo com Isaac McFadden sem se apaixonar um pouco, no processo. E ela sabia que não dava muita sorte em suas paixões. Seu coração era bastante tolo. Ele só se interessava por homens que não estavam disponíveis para ela. O problema era: Caroline não costumava ser prudente. — Você pode voltar sempre que quiser. — Temo que a ver durante a noite seja insuficiente. Eu também quero passar tempo com você durante o dia. — Não seja tão devasso, Isaac! — Ela riu, espantada com o apetite que aquele homem, antes virgem, estava demonstrando. — Por Deus, não é isso! — Foi a vez de ele rir. — Não estou falando de

passar o tempo assim… fazendo essas coisas. Apesar de que não oporia objeções. Céus, eu estou apenas querendo dizer que eu gostaria de… Ele parou de falar. Caroline estava com a cabeça recostada em seu peito e podia ouvir seu coração bater como um tambor. Isaac quase disse algo de que se arrependeria. Ela sabia o que era. Tinha uma forte suspeita do que se seguiria se uma longa pausa não o tivesse silenciado por completo. Talvez fosse melhor que não falassem sobre aquelas coisas. Sobre coisas com as quais nenhum dos dois queria lidar. Pela segunda vez, ela adormeceu nos braços do homem com quem fizera amor. Não era um hábito que Caroline cultivava. Mas nada a fez desejar sair dali. Também não quis que ele se fosse. O calor das chamas e a escuridão da noite fizeram com que ambos dormissem por um longo período. Quando Caroline abriu os olhos novamente, o sol ameaçava nascer no horizonte. E ela estava sozinha na cama. Sentou-se, um pouco aborrecida por despertar sem Isaac ao seu lado. Estava prestes a blasfemar contra ele em pensamento quando ouviu barulho de água no quarto anexo. Levantou-se, pisou de mal jeito e sentiu a perna doer. Mentalizou uma imprecação grosseira e arrastou-se até onde Isaac estava se banhando. Talvez ela pudesse ficar ali, observando, por um longo tempo. A banheira de cobre era pequena para um homem do tamanho dele. As pernas de Isaac estavam para fora e ele esfregava um pano pelos braços. Ele fazia com que ela desejasse pecar todo minuto em que estivesse em sua companhia. — É intrigante que seu chalé de hóspedes tenha um encanamento tão bom. Ele disse, percebendo-a ali. Caroline ajoelhou-se ao lado da banheira, de frente para ele. — Anthony tem mania de encanamentos. Ele andou quebrando a casa toda, depois que o marquês morreu. Estamos à beira de um novo século, milorde. Precisamos de água encanada. — Você tem noção que seu primo é agora o marquês, certo? Que ele herdou o título de seu tio. — Claro que tenho! Não sou tola. Mas é difícil para mim, ver Anthony como o marquês. Esse continuará sempre sendo o homem que me criou. Isaac sorriu e passou as mãos molhadas pelo cabelo dela. Caroline viu-se pendendo para frente até encostar sua boca na dele. A intimidade entre eles era absurda. Muito rápido, muito intenso, muito em tão pouco tempo. Aquele

não era um beijo de desejo. Era um beijo de um casal. Não havia barreiras erguidas para resguardá-los. — Hoje preciso resolver questões com os arrendatários. Você aceita meu convite para passar o dia comigo, amanhã? Sim, sem dúvidas ela queria passar o dia com ele. Mas Caroline teve medo quando olhou dentro dos olhos de Isaac. O que estavam fazendo? Aonde queriam chegar? Ela não estava preparada para nada daquilo. — Eu tenho que cuidar dos preparativos do evento de apresentação da escola. Comprometi-me a visitar algumas pessoas. Talvez possamos nos ver à noite. Era mentira. Caroline não tinha nada planejado. Ela cultivava o ócio da nobreza com muito cuidado. Envolvia-se com ações de caridade e costumava cuidar das pessoas quando estava em Kent, mas não permitia que muitos soubessem desse seu lado altruísta. A maioria das mulheres que a toleravam apenas doavam pilhas de moedas para orfanatos e hospitais, enquanto permaneciam dentro de suas casas, tomando chá. Caroline evitava que soubessem que ela ia pessoalmente conferir o bem-estar dos menos favorecidos. Mas ela precisava mentir. Não sabia o quanto era saudável passar tanto tempo com Isaac, mesmo que quisesse muito estar com ele. O maldito McFadden estava comprometido com o cortejo de outra mulher! E era excelente que estivesse, já que ela nunca seria uma opção. Não queria sequer sonhar com ele. — À noite, então. — Ele suspirou. — Você quer ajuda para tomar um banho? — Sim, eu quero. É uma pena que essa banheira mal te caiba, porque eu adoraria tomar banho com você. Isaac riu, levantou-se e pegou uma toalha felpuda para se enxugar. Depois, esvaziou a água e encheu novamente a banheira, enquanto ela aguardava. O silêncio indicou que ele estava um pouco magoado com ela. Caroline estava acostumada a magoar pessoas. Ela percebia quando isso acontecia. Não queria que ele se chateasse, mas talvez fosse melhor que Isaac entendesse que eles não deveriam ter tanta intimidade. Ele a ajudou a entrar na banheira e a deixou sozinha. Caroline acomodouse para que a água morna a cobrisse até acima da cintura. Fechou os olhos e relaxou, até sentir mãos masculinas tocando-a nos ombros. A respiração de Isaac em seu pescoço. A boca dele beijando sua orelha. A barba arranhando

sua pele. Ele pegou o sabão, fez espuma com as mãos e deslizou-as pelos braços dela. Subiu, desceu até os seios. — Você está tentando me seduzir. — Caroline murmurou, rendida pelos carinhos. — Eu não pretendia. Mas é impossível vê-la nua e coberta de espuma e não desejar seduzi-la. Isaac passou a massageá-la nos ombros. — Isso é muito bom. Espero que não esteja esperando que eu resista ao seu processo. — Não resista! Como você gosta de ser massageada? — Não sei. Nunca recebi massagens, antes. Ele parou subitamente. Acariciou-a no pescoço, voltou a descer as mãos pelos braços. — Nenhum… homem com quem se deitou fez isso para você? — Você é o primeiro. — É boa a sensação de ser seu primeiro em qualquer coisa. A melancolia no tom de voz dele atingiu a lady como o punho de um boxeador. Bem no queixo. Caroline virou-se. Segurou-o pela face e fez com que olhasse diretamente para ela. — Isaac, pare. Eu sei aonde você está querendo chegar. Não se compare com outros. Não faça isso com você, nem comigo. Eu tenho um passado. Eu tive homens. Você sabia disso quando quis deitar-se comigo. — Sim, eu sabia. Mas é difícil fingir que eles não existiram. Não querer superá-los. — Não precisa fingir nem superar. Não há uma competição em que vocês precisem ser melhores uns que os outros. Por que os homens são sempre tão complicados? Dizem-se tão liberados sexualmente, mas se sentem ameaçados por qualquer coisa. Se estivéssemos na posição inversa, gostaria que eu fizesse comentários como esse? Ele suspirou. — Não gostaria. — É por isso que será melhor se nos envolvermos menos. Vamos restringir nossos encontros às noites, aqui no chalé. Podemos dormir juntos, mas é só. Isaac beijou-a nos cabelos e saiu do quarto. No instante em que terminou de falar, Caroline sabia que o magoara outra vez. Ela era muito habilidosa em falar bobagens para afastar dela aqueles que não pretendia ter muito

próximos. E, depois daquela noite, teve certeza que precisava guardar alguma distância de Isaac McFadden.

Capítulo décimo primeiro

U M ADMINISTRADOR TINHA SEMPRE muita coisa para fazer. Isso significava não ter tempo para frivolidades, nem para gastar pensando em damas endiabradas que foram colocadas na Terra para infernizar os mais incautos. Isaac era ocupado demais, e estava com problemas suficientes para resolver. Mesmo assim, nada conseguia tirar Caroline Eckley da sua cabeça. Ele tentou contato com ela durante o dia inteiro depois que ela colocou limites no relacionamento deles. Lorde retornou para Greenwood Park com três bilhetes sem resposta. À noite, ele se recusou a ir até ela. Não iria ceder a ponto de se mostrar tão necessitado daquele contato físico. Ela estava sendo teimosa, ele também seria. Nos outros três dias que se sucederam, Lorde retornou com mais bilhetes sem resposta. Apenas um foi entregue por Marquesa, e continha uma pequena frase: venha à noite. Mas ele não iria. Apesar de não entender os motivos que o levavam a ser tão renitente, Isaac não iria mais querer Caroline pela metade. Essa realização fez com que ele tomasse uma atitude drástica. Isaac não podia continuar aquela vida dupla. Em Londres, todos acreditavam que ele estava cuidando dos negócios da família. Que ele precisara viajar às pressas para atender aos interesses do conde. Que ele tinha um compromisso com uma jovem dama italiana, cuja família estava muito bem vista na sociedade londrina. Como segundo filho e, ainda, primeiro na linha de sucessão do condado, ele era um dos melhores partidos da temporada. Mas a verdade era que ele estava em Kent fornicando com Caroline Eckley. Não poderia anunciar isso nos salões, mas precisava garantir que sua moral não seria abalada. Mesmo que a sociedade fosse excessivamente

permissiva com homens como ele e tolerasse as aventuras sexuais até mesmo dos casados, ele não era desse tipo. Isaac cultivou uma virgindade por fins morais. Ele não podia ter compromisso com uma mulher e estar, efetivamente, desejando cortejar outra. — Peyton, preciso que entregue esse telegrama com urgência! Peça a um criado para ir imediatamente até a vila despachá-lo. Mande entregá-lo ao Barão Capovilla. O lorde entregou um papel dobrado e selado para o mordomo. — Imediatamente, milorde. Devo mandar servir seu desjejum? — Peça que enviem uma bandeja aqui. Estou terminando uns relatórios e não posso me atrasar para conferir como anda a colheita. Peyton não era muito de falar, então fez uma mesura e saiu do escritório, onde fora chamado. A primeira ação fora tomada. Apesar de tudo, Isaac era íntegro demais para se permitir ser leviano com uma dama que não merecia ser enrolada por ele. A segunda atitude requereria mais cuidado. Ele precisava conseguir conversar com o Marquês de Granville, sem que Caroline soubesse. Como eles tinham negócios a discutir sobre o comodato do silo de Rhode Port, havia uma desculpa para convidar o marquês para sua residência. Não podia arriscar tropeçar em Lady Eckley se visitasse o templo pagão da Granville House. Tocou a sineta e chamou novamente o mordomo. — Pois não, milorde? — Mande outro mensageiro à Granville House. Peça que convide o marquês para um encontro de cavalheiros hoje, às seis horas. Depois do chá. Peyton fez outra mesura e se retirou novamente. Com os planos em andamento, Isaac tomou uma xícara de café preto, que lhe fora servido com torradas, e deixou a casa. Iria ocupar-se de serviços pesados e exaustivos para não precisar pensar que não estaria na cama com Caroline novamente naquela noite. Porque ele não estaria. Ele faria as coisas do jeito dele, daquela vez.

Não era admissível que Isaac McFadden a estivesse rejeitando. Claro que ele não estava. Caroline não se enganava sobre o desejo de um homem por ela, principalmente depois de terem dormido juntos. Ela sabia que ele a queria.

Mas, ante a oferta de ter exatamente o que pretendia, o lorde agia como se tivesse mudado de ideia. E não, ela não estava nem um pouco disposta a ceder a ele. Recebeu vários bilhetes entregues por Marquesa ou Lorde. Os cães pareciam desapontados quando ela devolvia o mesmo papel, sem escrever uma resposta. Todos os bilhetes queriam marcar encontros diurnos e românticos. Caroline não gostava de romance. Ela não tinha romance em sua vida. Homens românticos só queriam seduzi-la, possuí-la e descartá-la. Não criava expectativas com nada daquilo, principalmente porque nobres sempre se casavam com o melhor negócio que aparecia na frente deles. Mas ela estava indignada que ele não queria mais compartilhar a cama com ela. Indignada e bastante frustrada. Caroline queria sentir outra vez o que sentira na última noite que passaram juntos. Ela jamais imaginou que um homem inexperiente no corpo feminino pudesse ser tão certeiro no processo de sedução. — Ah! Caroline, que bom encontrá-la. Rose desceu as escadas, vinda do quarto das crianças. Ela sempre passava tempo com os filhos durante a manhã. — Precisa de mim para algo? Vou à vila conversar com uma decoradora para ajudar nos preparos do evento. — Recebemos um convite. — Convite? Ainda durante a temporada? — É para um dia na praia. Lorde Isaac nos convidou para visitarmos a enseada particular dos McFaddens. Eu nunca fui até lá, dizem que é linda. As crianças certamente vão adorar brincar na areia. Os balneários públicos andam muito cheios ultimamente. Caroline sentiu algo borbulhar dentro dela. Como se fosse água fervendo para preparar o chá. — O que você quer dizer com ele nos convidou? Isaac convidou a família toda? As crianças? — Sim. Ele quer agradecer por Anthony ter permitido o uso dos silos em Rhode Port. Ela sorriu. Caroline raramente demonstrava destempero. Tirando a vez em que apontou uma arma e ameaçou a vida de Madeline Westphallen, ela nunca parecia nervosa ou afetada. Mesmo que sua vontade fosse de gritar, sair correndo, encontrar Isaac McFadden e apontar-lhe um dedo por estar sendo tão desleal. Como ele ousava convidar a sua família para um passeio?

Como ele ousava agir como se a estivesse cortejando? — Não acho que possa ir. Amanhã tenho um horário marcado na modista. — Ah, Caroline! Remarque com a modista. Duvido que ela esteja muito ocupada agora, em junho. — Verei se consigo outro horário. Não posso deixar de preparar novos vestidos para os dias do evento, Rose. Quanto a ir à praia, eu posso fazer isso outra hora. A marquesa também não demonstrou nenhum abalo. Sorriu e disse que voltaria para suas pinturas. Caroline olhou ao redor e, vendo-se sozinha, soltou uma imprecação. Maldito fosse aquele McFadden! Ele não tinha o direito de fazer aquilo. E ela nem poderia confrontá-lo sem ir até ele e arriscar ser envolvida por sua lábia. Ou por aqueles braços fortes. Não, ela não iria até ele, ela mandaria um bilhete.

Quando o Marquês de Granville chegou a Greenwood Park, ninguém duvidou dos motivos que o levaram até ali. No dia seguinte, Isaac começaria a direcionar a produção para o silo em Rhode Port. Apesar do olhar suspeito de Wilhelmina, que andava silenciosa demais na opinião de Isaac, tudo indicava que o marquês estava na propriedade para conversar sobre negócios. Isaac, no entanto, tinha outros planos. Ele estava no escritório, vestindo traje completo e abrindo uma garrafa de conhaque quando Peyton abriu a porta e o marquês entrou. Como homem adulto, Isaac nunca se sentira um menino tolo indo pedir autorização para fazer algo errado. Naquele momento, era exatamente isso que pretendia. — Por favor, sente-se, milorde. Ele serviu duas doses do conhaque favorito de Edward e entregou uma a Anthony Eckley. O marquês bebeu um gole e sorriu. — Você está parecendo que vai a um baile de debutantes - como a debutante, claro. Está tremendo feito um garotinho e me servindo a bebida do conde. Certamente eu não estou aqui por causa dos silos. Isaac suspirou. — Muito óbvio? — Desde que te recebi na minha casa pela primeira vez. — O marquês riu. — Diga-me, Isaac, o que está havendo?

— Comuniquei ao Barão Capovilla que estou liberando a filha dele do compromisso comigo. Sei que não formalizamos nada, mas eu pedi autorização para cortejá-la e já havíamos nos encontrado algumas vezes. Não desejo que Lady Francesca fique me esperando e perdendo a oportunidade de conhecer outros cavalheiros. Ele disse tudo de uma vez. Se fosse comedido, perderia a coragem. O que estava fazendo era loucura. Tudo envolvendo Caroline Eckley era loucura. E ele era o tolo que acreditava que poderia ter uma noite com aquela mulher e sair ileso do processo. — Entendo e respeito sua atitude. Sei que fui um libertino imoral, mas não teria coragem de iludir uma mulher. Mas também tenho certeza que você não me chamou aqui para discutir seu rompimento com a dama italiana. — Não, milorde. Eu solicitei sua presença porque não queria ir à Granville House. Não quero que Caroline saiba que estou fazendo isso. Eu gostaria da sua permissão para cortejá-la. Anthony Eckley deu uma gargalhada sonora. Depois, bebeu o restante do seu conhaque e apoiou o copo sobre a mesinha redonda ao seu lado. — Você sabe que não precisa pedir minha permissão, não sabe? E também sabe que Caroline não é cortejada? Ela corteja. Certamente, Isaac tinha uma noção bem clara daquilo. Dificilmente um homem cortejaria aquela mulher. Ela era a dona de si mesma e tinha sempre as melhores cartas na mão. — Sei perfeitamente, milorde. Mas eu não gostaria de continuar envolvido com ela sem sua permissão e bênção. — Ah, Isaac. — O marquês passou os dedos pelos cabelos escuros. — Eu amo Caroline. Ela é a irmã que eu não tive. E eu abençoarei qualquer coisa que a deixe feliz. Eu vi como ela ficou feliz nesses últimos dias. Não quero saber absolutamente nada do que andaram fazendo, porém eu espero que continuem fazendo. Corteje-a, se é isso que deseja. Insista com ela. Caroline ainda não sabe, mas ela sonha com o amor. Mesmo que Isaac acreditasse que amor não tinha muito a ver com Lady Caroline Eckley, não desmentiria o marquês. Mesmo que aquela mulher teimosa não quisesse ser cortejada, ele iria continuar tentando. Mesmo que o relacionamento deles não desse em nada, Isaac não queria deixar de tentar. Uma hora depois que chegou, o Marquês de Granville deixou Greenwood Park. Aquela seria outra noite em que Isaac dormiria mal, ansiando ter Caroline em seus braços. O corpo dela sob o dele. Mas ele tinha algumas

estratégias ainda e precisava resistir. Quando disse que a seduziria, ele não estava falando só de levá-la para a cama. Não mais.

O sol decidiu aparecer forte e brilhante naquela manhã. Para garantir a aparência de passeio familiar, Isaac convenceu Wilhelmina a ir com ele à praia, encontrar-se com a família Eckley. Lorde era o mais animado para o passeio. Ia latindo e correndo na frente, enquanto a comitiva dos humanos ia mais devagar. Duas criadas e um criado carregavam cestas com comida, toalhas e sombrinhas, enquanto os dois McFaddens caminhavam animadamente na direção da enseada. — O que vamos fazer lá? — Wilhelmina perguntou, abrindo sua sombrinha para se proteger do sol. — Por que vamos nos encontrar com os Eckleys? — É um agradecimento. A marquesa gosta de praia, ela tem filhos pequenos. — Lady Eckley vai? — O convite foi para toda a família, Wilhelmina. E, pela quantidade de comida que estamos levando, espero que eles levem alguns agregados. A jovem riu e segurou o braço do irmão. Eles estavam já com suas roupas de banho, pois não encontrariam ninguém estranho pelo caminho. Aquela trilha que percorriam era reservada para a família McFadden e seus convidados. Empregados e arrendatários não circulavam por ela. Depois de alguns minutos, os rochedos ficaram mais visíveis. Eles seguiram por um caminho de pedras e areia, que demarcava a separação entre a vegetação mais verde e a enseada. Era uma paisagem impossível, que mesclava uma área onde se podia cultivar vários tipos de produtos e um mar azul e de águas frias. Assim que cruzaram aquela linha invisível, foram transportados para o paraíso marítimo de Kent. Os criados colocaram toalhas quadriculadas na areia, prenderam sombrinhas no chão para fazer alguma sombra, espalharam cestas com comida por todos os lados. Isaac sentou-se, abraçou os joelhos e esperou. Na noite anterior ele recebera um bilhete, levado por Lorde, em que Caroline esbravejava por sua ousadia. Ela disse que ele não podia convidar a família dela. Que aquilo era jogo sujo e que haveria retaliação. Ele esperava

ansiosamente por ela. Wilhelmina tirou as sapatilhas e correu para a água. A irmã, às vezes, ainda parecia aquela garotinha que ele segurava pela mão e ensinava coisas. No fundo, era bom ficar sempre em Greenwood Park e conviver com a família tão de perto. Ele era um homem caseiro. O choro de uma criança fez com que ele saísse de suas divagações. A Marquesa de Granville e uma comitiva de criados chegavam à enseada. Rosamund Eckley vinha segurando um bebê nos braços e um garotinho gorducho corria pela areia. Ele se desequilibrou e a babá o segurou pelos bracinhos. Marquesa também estava ali, marchando como um verdadeiro membro da realeza. Mas Caroline Eckley não estava à vista. Havia umas dez pessoas chegando, mas nenhuma delas era quem ele realmente desejava ver. — Lorde Isaac. — A marquesa se aproximou sorrindo. Wilhelmina saiu da água e chegou para cumprimentar os convidados. — Obrigada por este convite. Phillip está eufórico. O menino dava pulos e gritava. Os criados da marquesa começaram a ajeitar um lugar na areia para a família. — Você também gosta de água, Phillip? Wilhelmina ajoelhou perto do garotinho, que tinha uns dois anos de idade. Caroline tinha razão em dizer que o marquês não brincava em serviço quando o assunto era engravidar sua esposa. Com a resposta positiva do menino, Wilhelmina levou-o pela mão para onde arrebentavam as ondas. Os dois logo começaram a cavar na areia para construir alguma coisa. — É um prazer recebê-los, milady. — Isaac respondeu à marquesa. — Podem vir à enseada sempre que desejarem. O marquês não virá? — Ah, Anthony precisou resolver alguma coisa em Londres. E eu pedi que ele não viesse. O lorde endireitou as costas. Rosamund entregou o bebê, que estava em suas mãos, para a babá e também retirou as sapatilhas. Ela usava um traje completo de banho, com saias curtas e meias de seda. Parecia bastante jovem. — Eu queria conversar com você. — Ela completou seu raciocínio. — Creio que teremos a oportunidade de trocar algumas palavras. Os criados estavam afastados, reunidos debaixo de uma árvore. A babá e as crianças estavam cavando um buraco no chão. O bebê parecia bem novo, mas o sol estava fraco e era cedo. Wilhelmina não prestava atenção neles. Não era indecoroso para uma mulher, casada, conversar em público com um

homem que conhecia. Então ninguém precisava acompanhá-los. — Decerto, Lady Eckley não virá. — Não. Caroline está confusa. É por isso que eu gostaria de conversar. Anthony me contou que você pediu permissão para cortejá-la, mas não deseja que ela saiba disso. Isaac olhou para o horizonte. A brisa marinha estava suave e o calor começou a fazer com que ele suasse. — Se ela souber, vai rejeitar meu cortejo. — Claro que sim. Ela já está rejeitando, mesmo que não esteja totalmente consciente de suas intenções. Eu gostaria de pedir que não desista dela. A marquesa continuava prestando atenção nos filhos enquanto falava. Isaac fitou seu perfil e notou que ela sorria. Certamente não desejava que ninguém notasse o tom sério da conversa. Os criados podiam ser discretos, mas eles sempre fofocavam entre si. — Não pretendo desistir, milady. Eu desenvolvi um tipo de… afeto por Lady Eckley. Daquela vez a marquesa riu. Foi uma risada baixa, mas indicou que ela estava se divertindo com a tentativa frustrada de Isaac esconder o que havia entre ele e Caroline. Céus! Será que todos sabiam de suas visitas ao chalé de hóspedes? — Caroline contou a você sobre Robert Langdon? — Não. Ele foi… algum de seus amantes? — Sim, foi. — Rosamund virou-se para Isaac. A sua expressão mudou e ela ficou subitamente mais séria. — Quando conheci Anthony, demorei pouco tempo para compreender as razões por trás da atitude de Caroline em relação ao casamento. Claro que ela é uma mulher muito mais livre do que as outras que você conhece. Ela não entende nem aceita as limitações impostas pela sociedade. Mas, ainda assim, existe um motivo para ela afastar todas as pessoas e usá-las apenas para satisfação sexual. O rubor que subiu pela face de Isaac o deixou tão constrangido quanto ouvir a marquesa usar aquelas palavras obscenas. Ela parecia confortável, no entanto. — E milady me contará esse motivo? — Eu certamente não deveria. Mas entenda, não é fofoca. Eu desejo o bem de Caroline e sei que você seria muito bom para ela. E sei, também, que a libertinagem dela pode ser um obstáculo para que vocês possam chegar a algum entendimento. Mas preciso que saiba. Caroline não é infiel, nem

promíscua. — E Robert Langdon? — Ele a iludiu. Ela tinha dezessete anos! — A marquesa voltou a olhar para frente. O filho correu até ela e entregou algumas conchas. Quando a criança retornou para a babá, a conversa prosseguiu. — Ele fez promessas de casar-se com ela. Caroline estava apaixonada e você já deve ter percebido que ela é dada a paixões muito intensas. Sim, ele percebera. Apenas não considerava que aquilo era paixão. Luxúria, talvez. Desejo. Sua ingenuidade acerca dos assuntos do coração o constrangeu mais uma vez. — No fim, ele não se casou com ela. — Não. Mas ele tomou-lhe a virgindade com promessas que não pretendia honrar. O Sr. Langdon era ambicioso e preferiu casar-se com uma dama de mais estirpe que Caroline. Afinal, ela não vinha de uma família com título. Apesar do sangue, azul, correr em suas veias, seu pai era o segundo filho e o marquês tinha três filhos homens para herdar o marquesado. Então era aquilo. O motivo pelo qual Caroline sempre se referia ao casamento daquela forma pejorativa. Não era apenas porque ela, como mulher, se sentiria anulada ao se casar. Ser propriedade do marido era, provavelmente, o maior ponto negativo que Caroline via em se casar. Mas ela também carregava uma decepção amorosa em seu passado. — Milady, já que a senhora está sendo tão honesta sobre Caroline, eu gostaria de saber. A senhora me contou essa história para que eu entenda o comportamento de Caroline ou para justificar sua libertinagem? — Não pretendo justificar nada por ela. Eu sequer deveria contar isso a você. Quando ela souber, vai ficar muito zangada comigo. Mas eu vou entender que valeu à pena se você conseguir fazê-la se abrir para o amor novamente. — Ela amava Aiden Trowsdale. Isaac disse aquilo com amargura na voz. Quando procurou Caroline pela primeira vez, o passado dela era irrelevante. Ao contrário, ele confiava naquele passado para que ela lhe desse o que precisava. Foi rejeitado, seu orgulho fez com que assumisse o desafio de seduzi-la. E arrependeu-se amargamente de tê-lo feito, porque o seduzido foi ele. O passado de Caroline, então, passou a assombrá-lo. Não o fizera desistir dela, mas o deixava inseguro. E ciumento. Como ele sentia ciúmes de cada homem que tocara Caroline antes dele.

— Ah, ela estava obcecada pelo duque, sim. Caroline tende a se aproximar de homens que não pode ter. O duque nunca se casaria com ela, mesmo que ela fantasiasse essa ilusão. — Porque ela não era digna dele? — Isso poderia pesar, sim. Mas você conhece Aiden melhor do que eu. Ele foi feito para se casar com a mulher que amasse. Ele nunca seria feliz com um casamento de negócios. E ele não amava Caroline. Ela também não o amava, verdadeiramente. Ela gosta de querer o que não pode ter, pois assim não corre o risco de se machucar. Ninguém perde aquilo que não tem! — Eu não sei bem o que sou para ela. Nós… eu sinto muito, milady, não posso entrar em detalhes sobre meu relacionamento com Caroline. Devo a ela minha discrição. Rosamund deu uma risada. — Conheço-a melhor que você. Sei bem que relacionamento vocês têm. E, ao vê-la fugir de você, também sei que ela está encurralada. Você é algo que ela pode ter, Isaac, e pode perder. Ela não vai arriscar. Mas bem, eu acho que vou entrar um pouco no mar. Foi muito bom conversar com você. Do mesmo jeito súbito que chegou, Rosamund afastou-se na direção da água. Aproximou-se das crianças, levou Phillip para pular as ondas na arrebentação. Wilhelmina também participou das brincadeiras. O lorde, no entanto, não estava mais com humor para diversão. As palavras da marquesa martelavam em sua cabeça, enquanto ele tentava fazer com que elas fizessem mais sentido. Caroline não parecia uma criatura amargurada. Menos ainda sofrendo de coração partido. O episódio com Robert Langdon, fosse quem fosse aquele miserável, acontecera anos atrás. Depois dele, a lady tratou de prosseguir arruinando sua reputação e se envolvendo com dúzias de homens, solteiros ou não. Ela demonstrava gostar do ato sexual e sabia muito bem como seduzir um homem. Foi então que seu irmão mais velho apareceu em suas memórias. Quando se casou com Agatha, Edward estava fechado para o amor. O conde acreditava não ser digno de ser amado, guardava profunda mágoa da forma como o pai o tratara e do desprezo da ex-noiva, Lady Bridget. Isso não o impedia de ser um homem cortês, refinado, sempre buscando novas formas de aumentar a fortuna da família e bastante sociável. Edward foi, por muito tempo, o partido mais cobiçado dos bailes londrinos. E se Caroline também suportasse os traumas do abandono sem perceber?

E se sua aversão ao cortejo fosse uma forma de proteção? Ele não podia jogar com Caroline. Estava na hora de acabar com o gato e rato e ir até ela conversar francamente. Mesmo que não revelasse suas reais intenções, já que ele mesmo tinha dúvidas quanto a elas, ele precisava ser o primeiro a ceder. Ou a perderia e não teria nenhuma chance de descobrir até onde eles poderiam chegar.

Capítulo décimo segundo

F AZIA algum tempo que Edward não tinha uma boa mão. Estava enferrujado, sem jogar a quase um ano. Mas aqueles três reis o fizeram desejar blefar um pouco. Fingir que estava com a melhor das mãos vencedoras e instigar os amigos a apostarem bem alto. Ele não podia negar que adorava a adrenalina das apostas. A mesa no Riderhood era das mais favoráveis. Estavam ali seu melhor amigo, Aiden Trowsdale, seu outro melhor amigo, Grant Sawbridge, seu sócio e feliz pai de um herdeiro - finalmente! - Miles Westphallen, o Visconde de Whitby, e seu outro amigo e milionário, Virgil Oglethorpe. Eles jogavam cartas toda semana na casa de Thomas Riderhood, outro amigo. O conde, pela primeira vez em muito tempo, estava de volta aos clubes de cavalheiros. — Riderhood. — Sawbridge gritou. — Traga aquele conhaque especial. Temos que celebrar o retorno de Edward à vida masculina. — Pensávamos que tinha perdido suas bolas. — Oglethorpe provocou. — Depois que se casou você abandonou a vida noturna. — Minha esposa estava grávida. E vocês sabem o que aconteceu aqui na minha última vez. Edward rosnou e jogou algumas fichas na mesa, cobrindo a aposta que Aiden acabara de cobrir. — Acalme-se, homem. Todos aqui são casados e comandados por suas esposas. — O duque deu um tapinha nas costas do amigo. — Menos Sawbridge, mas ele é um bastardo insensível. Não se importe com ele. — Fale por si mesmo. Minha esposa não me comanda. — O Visconde de Whitby também cobriu a aposta. — Vamos logo com isso, mostre sua mão,

Edward. O conde resistiu em apresentar suas cartas. Riderhood chegou com uma garrafa especial de conhaque e abriu, atrapalhando a jogatina. Enquanto os homens eram servidos e esperavam para um brinde, o grupo ganhou um acréscimo. Lorde Ignazio, o italiano amigo de Sawbridge, chegou. Ele vinha frequentando o clube desde que a família se mudou para a Inglaterra a negócios. Sua irmã estava sendo cortejada por Isaac, ou, ao menos, havia uma proposta nesse sentido. Mas o italiano não estava satisfeito. A sua expressão era de indignação e a forma como ele segurou o copo de conhaque que lhe fora oferecido deu certeza que o homem estava louco de vontade de esbofetear alguém. — Dê-me cartas. Lorde Ignazio pediu, colocando suas fichas sobre a mesa. Os homens terminaram a rodada anterior, que Edward venceu, e receberam novas mãos. O italiano, ao invés de olhar para suas cartas, encarava o conde. Jogou uma rodada, perdeu, continuou a encará-lo. Jogou mais uma, os olhos permaneciam em Edward. — O senhor tem algo a me falar. — O conde resolveu dizer alguma coisa. Não estava acostumado a ser confrontado sem um confronto real. — Talvez milorde tenha algo a me falar. Meu pai recebeu isso ontem. Apoiando as cartas na mesa, Lorde Ignazio retirou um papel do bolso do casaco e jogou sobre o feltro verde. Os presentes pararam o que faziam. Riderhood se aproximou novamente - ele estava sempre atento a tudo em seu clube, principalmente se envolvia seus amigos e um estrangeiro que ele pouco conhecia. Edward pegou o papel na mão e o desdobrou. Havia um resquício de cera e ele reconheceu parte do brasão dos McFaddens. Aquela correspondência vinha de sua família. Todos aguardaram que o conde lesse o conteúdo, o que ele fez sem verbalizar uma só palavra. Era uma carta de Isaac. Seu irmão estava avisando ao Barão Capovilla que não tinha mais interesse em cortejar Lady Francesca, sua filha. — Não tomo as decisões por meu irmão, milorde. — Edward devolveu o papel ao italiano, que o fitava com os olhos semicerrados. — Ele é adulto e cuida da própria vida. — Seu irmão é um ingannatore! — Lorde Ignazio esbravejou. — Ele iludiu minha irmã com promessas de interesse. Ela passou boa parte da temporada esperando que ele retornasse e desejando reencontrá-lo.

— Sinto muito por sua irmã. Mas, se quiser confrontar alguém por causa disso, deve falar com Isaac. Ele está em Greenwood Park, se precisar eu posso lhe indicar a direção. Ao ver que o conde não se abalaria com a notícia, nem se justificaria em nome do irmão, o italiano jogou as cartas sobre a mesa, pegou as fichas que lhe restaram e saiu. Os homens levaram alguns segundos para se reorganizarem. — Bastante temperamental. — Miles Westphallen ajeitou-se na cadeira. — Deus nos livre de sermos governados por italianos, eles são muito exagerados. — Posso entender que ele esteja inconformado. — Edward pegou suas cartas novamente e descartou duas. — Mas fiquei preocupado. Isaac parecia bastante interessado na moça. Ele voltou para Kent e desistiu dela? — Talvez ele tenha conhecido outra moça. — Aiden sugeriu, apostando algumas fichas. — Ou talvez uma moça antiga tenha atraído sua atenção… O duque e o conde olharam, ao mesmo tempo, para Sawbridge. O industriário jogou algumas fichas na mesa e fingiu que não percebia que estava sendo escrutinado. — O que você sabe, Grant? — Aiden pediu que um garçom trouxesse outra rodada de bebidas. — Posso estar enganado, claro. E não gosto de fazer fofocas. Acho que devo ficar quieto. Edward virou-se para o amigo e colocou as duas mãos no colarinho dele. Ajeitou o lenço em seu pescoço e inspirou profundamente. — Fale. — Não tenho medo de você, Edward. Você pode ter degolado o americano e ainda assim eu acabo com você sem uma espada e com uma mão amarrada. Mas eu posso ter visto seu irmão em uma conversa um tanto quanto interessante com Lady Eckley. — Uma conversa? — Posso ter visto um beijo, também. O conde colocou as mãos nas têmporas e inspirou outra vez. — Todos nós já beijamos Caroline e isso não foi um problema para ninguém. — Eu nunca a beijei. — O visconde cobriu a aposta. — Nem eu. — Oglethorpe pagou. — Ela é minha investidora no hotel,

não costumo misturar negócios com prazer. — Não importa. A questão é que, se Isaac teve um caso com Caroline isso não necessariamente pode ser considerado um problema. Afinal, ela não se envolve com ninguém a ponto de fazer um homem desistir de um cortejo a uma dama decente. O silêncio na mesa precedeu à jogada final. Daquela vez, o Duque de Shaftesbury levou as fichas com dois pares de reis e valetes. — Edward. — Sawbridge bebeu seu conhaque em um gole e pediu mais. — Seu irmão já esteve com mulheres, não esteve? — Claro que sim. Eu acho que sim. Por que não? Você sugere que ele seja… virgem? Mais silêncio, que durou segundos intermináveis. Apenas se ouvia as cartas sendo embaralhadas pelo crupiê. — Bem, se era, ele certamente não é mais. Se beijou Caroline Eckley, duvido que tenha parado por aí. — Não existem homens virgens. — Aiden deu uma risada. — Só garotos. — Eu posso estar mais uma vez enganado. Ele poderia, mas Edward sabia que Sawbridge era perspicaz como uma cobra. Ele não costumava errar e não atirava no escuro. Se fez aquelas perguntas, se sugeriu que havia um envolvimento entre Isaac e Caroline, é porque deveria haver realmente alguma coisa. E aquilo era um problema com o qual Edward precisaria lidar. Não podia deixar seu irmão se relacionar com a sobrinha do marquês. — Preciso ir a Greenwood Park. — Edward jogou algumas fichas na mesa, apostando em suas cartas. — Vocês dois conseguem dar conta da fábrica por dois dias? — O que vai fazer lá, Ed? — Aiden colocou a mão no ombro do amigo. O conde estava nervoso, mesmo que fingisse não se abalar com aquela conversa. — Preciso conversar com Isaac e tirar essa história a limpo. Se ele deixou de cortejar a italiana por causa de Caroline, percebe que tenho um problema para lidar? O duque, e todos os homens presentes, concordaram com um movimento de cabeça. Edward estava decidido. Ele pegaria o primeiro trem para Kent no dia seguinte e descobriria o que estava acontecendo com seu irmão. Agatha compreenderia a necessidade de resguardar o bem-estar da família. Isaac precisava de ajuda e ele sairia em seu resgate.

Organizar eventos era tedioso. Caroline adorava participar deles, mas estava descobrindo que a parte por trás dos salões decorados, orquestras e mesas cheias de comida eram bastante desinteressantes. Claro que ela nunca se ocupava de organizar nada. Quando havia um evento na Granville House, a anfitriã era a marquesa. Quando era convidada para algum baile ou jantar, não precisava se envolver em nenhuma atividade que não dançar, comer e encantar os outros convidados. Porque Caroline era encantadora. Quando ousavam convidá-la, sabiam que ela iria para que todos os homens prestassem atenção nela. Se não a convidassem, ela acabava aparecendo nas festas de qualquer jeito. Era a sobrinha do marquês e fora amante de muitos homens. Poucos tinham coragem de destratá-la e ninguém jamais ousou expulsá-la de um evento. Só que ela daria uma festa. Um final de semana para seduzir mulheres, não homens. Damas, não cavalheiros. Precisava convencer a sociedade que estava redimida. Ou convencer a burguesia que seu passado maculado era irrelevante. E precisava de uma desculpa para manter-se ocupada e não pensar em Isaac McFadden. Não era uma decisão fácil. O homem era difícil de não se fazer presente. Ele teve a audácia de convidar a família dela para ir à praia. E Caroline teve que fingir compromissos para se esquivar do convite. Mas, ao ver Rose e as crianças retornarem, ao pôr do sol, felizes e sorridentes, ela desejou ter ido. Se fosse, iria se encantar por Isaac. Se isso acontecesse, ela acabaria cedendo ao que ele queria. Mesmo que ela realmente não soubesse o que ele queria. Ela dormiu outra vez no chalé de hóspedes. Esperava por ele, que não aparecia há quatro noites. Teve um sono ruim, inconstante, quase não fechou os olhos. Sentiu calor, mas depois sentiu frio porque apagou a lareira. Estava escuro, mas ficou muito claro quando acendeu uma lamparina. A camisola fez com que sua pele coçasse. Quando o sol nasceu, ela agradeceu pelo dia e se arrastou para fora da cama. — Ele vai ter que pagar caro por me fazer rolar na cama a noite toda. Caroline disse, enquanto tomava seu chá no terraço. Marquesa estava sentada ao seu lado, ouvindo atentamente as lamentações da lady. Era uma ouvinte excelente, que nunca contestava nem criticava. E não colocava seus próprios lamentos à frente dos de Caroline. Como a casa ainda dormia, ela podia falar livremente sem risco de ser ouvida.

— Espero que esteja com mais sorte com seu namorado. — A lady mordiscou uma torrada. — Porque o meu é muito complicado. Marquesa latiu. Caroline arregalou os olhos e encarou a xícara de porcelana decorada. O terraço ficava na lateral da casa, com vista para um belo jardim florido e muito bem cuidado. Era silencioso e o aroma das flores com a maresia suave fazia com que ela se sentisse sempre em casa. Ela geralmente adorava tomar chá ali, mas estava perturbada por seus pensamentos. Não estava enganada, acabara de chamar Isaac de namorado. Conversando com a cachorra. Depois de terem dormido juntos apenas duas vezes. — Marquesa, veja que estou perdendo meu jeito. Não é possível que eu, a rainha do pecado, a musa da perversão, use a palavra “namorado” para definir o homem que está na minha cama. — Ela bebericou o chá e a cachorra se aproximou, apoiando a cabeça na perna dela. — Você tem razão, ele não está na minha cama e eu não usei a palavra exatamente, não é mesmo? Sabe o problema, Marquesa? Eu não posso deixar que ele controle a situação. Se eu quero fazer amor com Isaac McFadden, então eu devo ir atrás disso. Maldição! Eu sou Caroline Eckley, eu não faço amor. A lady depositou a xícara sobre o pires sem fazer nenhum ruído. Levantou-se, ajeitou as saias e tocou a sineta. Sua camareira veio imediatamente, acompanhada de outra criada. — Violet, vou sair. — Preciso fazer algo pela senhorita, milady? — Apenas informe aos meus parentes, quando eles acordarem, se perguntarem por mim. Não tenho hora para retornar.

O trajeto até Greenwood Park era curto, então ela decidiu fazer a pé. Marquesa acompanhou-a, arrastando sua pelagem impecável pela grama e pelas pedras, quando seguiam por trilhas mais civilizadas. Para evitar ser vista por muita gente, Caroline preferiu tomar alguns desvios que acabaram por deixar a barra de seu vestido ornamentada com pequenos galhos e folhas secas. Enquanto seguia em busca de seu objetivo, pensava. Não tinha muita certeza do que faria ao encontrar Isaac. Prometeu a ele que não se veriam durante o dia, mas ele não queria as noites. Tinham que

chegar a um meio termo porque ela ainda tinha muito o que ensinar a ele. Talvez estivesse indo ao lugar errado. Era cedo, ela deveria procurá-lo em casa. O homem nem deveria ter acordado ainda. Ela mesma só despertara por causa dele. Por não conseguir dormir. Mas, ao ver Marquesa disparar na frente e ouvir os latidos de Lorde à distância, teve certeza que seguia no caminho certo. A construção decadente do silo de grãos apareceu à sua frente. Uma estrutura de madeira e pedras muito antiga e que gritava por socorro. Caroline não viu ninguém por ali, mas ouviu barulho vindo de todos os lugares. Apressou-se para ver os dois cachorros correndo e brincando na parte frontal do prédio. — Isaac? Ela chamou, sem se preocupar que fossem achar escandaloso que ela se referisse a ele pelo primeiro nome, sem o pronome de tratamento adequado. Lorde entrou latindo pela parte inferior da construção e voltou em seguida. Caroline não precisou esperar muito, a voz de Isaac ecoou pelo vazio. — O que houve, garoto? Por que está me chamando? A silhueta esguia e musculosa do lorde surgiu na penumbra da estrutura condenada. Ele estava sem camisa, o maldito. Havia suor em sua pele, fazendo com que seu torso assumisse um aspecto brilhoso. Como se estivesse encerado. Polido, para que ela o admirasse. Seus cabelos, desgrenhados, estavam também suados e grudados na nuca. Ele secava a mão com um pano quando a viu. — Caroline. Foi uma constatação. Ela entrou, mesmo sabendo que aquelas paredes e tudo o mais não forneciam segurança alguma. — O que está fazendo aqui? Pensei que esse prédio estava condenado. — Está. O engenheiro deve começar a trabalhar amanhã. Estamos esvaziando… havia homens aqui comigo… este não é um lugar para damas. — Por sorte eu não sou uma dama. Eles estavam há alguns metros de distância. Caroline não percebeu quantos passos deu na direção dele, mas Isaac não se movera. A penumbra a envolveu e ela sentiu cheiro de feno e mofo. — Você é uma dama. Espere lá fora, eu vou me recompor e podemos conversar. — Não quero conversar. — Ela disse, um pouco desorientada. O ambiente estava carregado de masculinidade. Suor, mato, estrume, aromas

desagradáveis da fazenda que, misturados com aquele ar marítimo, a deixavam confusa. Ou era apenas Isaac que a confundia. — Quero chegar a algum entendimento. Não podemos continuar fugindo um do outro. Eu passei a noite esperando você. — Você tem ideia de que, para chegarmos a um entendimento, precisamos conversar? — Não estou acostumada a conversar com homens. Eu geralmente os entretenho com outra coisa. De toda sorte, precisava dizer que senti sua falta nesses dias. Estou disposta a abrir uma exceção e aceitar vê-lo durante o dia, em algumas… Antes que conseguisse terminar, foi interrompida por mãos que a puxaram, braços que a envolveram e uma boca que a devorou. Isaac deu dois, três passos na direção dela e a arrebatou. Quando Caroline percebeu o que a atingira, estava com as costas contra uma coluna de madeira, sucumbindo a um beijo que quase a fez perder os sentidos. Isaac segurou-a pelos cabelos soltos, puxou-os para trás e fez com que ela dobrasse o pescoço. Saboreou-a com a língua, desceu a boca em uma trilha de beijos até a orelha, depois desceu até o decote. Caroline quis tocá-lo, mas nunca experimentara uma euforia como aquela. Ela costumava estar sempre no protagonismo. Naquele momento, estava sendo devorada pelo homem que ela considerava um tolo inocente. As mãos de Isaac seguraram-na pelos quadris e puxaram para perto. Ela gemeu ao senti-lo tão rígido e quente que nem as camadas de saias foram capazes de protegê-la. — Meu Deus. — Ele rosnou de encontro à pele dela, a boca espalhando ondas de calor por sobre os seios, aquela parte exposta no decote. — O que é isso que você fez comigo? — Não fui eu. — Caroline riu, mas deixou os braços pendurados, sem força, enquanto ele subia com os dedos para os botões do vestido dela. — Você se reprimiu por muito tempo, milorde. — É você, sim. Eu nunca quis devassar uma mulher dessa forma, menos ainda no meio da palha, debaixo de um prédio condenado que pode desabar. Ela deu uma risada, mas estava nervosa. Isaac era muito sincero. Ele falava o que queria e o que sentia, sem muitas restrições. Isso era porque homens não precisavam se conter. Se eles falassem bobagens, eram excêntricos. Ou apenas homens. As damas tinham que adotar comportamentos irretocáveis. Constrição não se aplicava aos cavalheiros. Só

que aquele arroubo dele somado à falta de sono dela, indicavam que eles estavam reféns um do outro. Ela o desejava, ele a desejava, e aquele desejo não era como ela já sentira antes. Os beijos dele ficaram mais intensos e o corpete dela cedeu. Os seios saltaram do decote frouxo e ele passou a língua de um até o outro. Capturou um mamilo entre os lábios, sugou, mordiscou, sugou novamente. Caroline já não enxergava direito. O sol, que entrava por algumas frestas, criava mosaicos no teto alto do prédio, e as formas giravam fazendo com que ela não soubesse se estava zonza ou atordoada. — Eu estou louco. Passei esses dias pensando em vê-la se contorcendo de prazer nos meus braços. — Isaac… — Não fale. Apenas me deixe ter isso mais um pouco. Caroline não pretendia fazer com que ele parasse. Mas eles estavam se arriscando muito. Aquele não era um lugar privado. — Hoje à noite. — Ela colocou as mãos nos ombros dele. Deslizou pela nuca, segurou-o e acariciou-o nos cabelos. Isaac repousou a cabeça no peito dela. Caroline pôde sentir a respiração dele pesada, densa. — Venha me ver. Vamos conversar como quiser. Ele concordou. Isaac parecia ainda muito afetado quando começou a ajudá-la a arrumar as roupas. Prendeu os botões do corpete, ajeitou o decote, passou as mãos pelas saias, que estavam amarrotadas e cheias de sujeira. A respiração deles estava acelerada. O coração de Caroline batia como uma orquestra em seu peito. — Eu chego às dez. Deixe a porta aberta! O lorde beijou-a novamente e se afastou. Ela nunca teve reações como aquelas. Sem olhar para trás, arrastou-se para fora daquele prédio e voltou para a luz solar. Precisava voltar para casa e tomar um banho frio, ou não aguentaria até a noite.

Capítulo décimo terceiro

E LE ESTAVA RINDO como um tolo quando chegou a sua casa. Trabalhou o dia inteiro, mal comeu algum lanche com os outros homens, exauriu-se ao limite. Suado, sujo, com a camisa esgarçada pelo esforço, empoeirado dos pés à cabeça. Com aquelas mãos imundas ele segurara Caroline e a beijara no meio do feno, da palha e das cascas antigas de grãos que estavam no silo. Por muito pouco ele não a jogou naquele chão encardido e fez amor com ela. Isaac estava perdido, tão encantado por Caroline Eckley como se ela fosse aceitar ser cortejada por ele. Claro que ela não ia. Ele teria que reinventar o significado do cortejo. Ela era diferente de tudo que ele conhecera. Entrou na casa pelos fundos, já tirando as botas enlameadas. Do jeito que estava não podia se apresentar para a mãe e a irmã. Precisava tomar um banho antes de entrar pela casa. — Dewitt. — Isaac chamou o criado, tocando a sineta. — Prepare-me um banho aqui embaixo. — Perdão, milorde. — O valete pareceu confuso. — Aqui, na cozinha? — Não, ache um quarto vazio, coloque uma banheira e encha de água. Mande uma criada fazer isso, claro. Eu não vou entrar em casa, imundo desse jeito. — O senhor esteve arrumando feno, milorde? — Estava no silo. Acho que encerramos por lá, está tudo pronto para o engenheiro entrar amanhã com seus trabalhadores. — Certo. Então devo informar que seu irmão chegou esta manhã. O valete falava enquanto arrastava uma banheira de cobre para um quarto pouco utilizado no andar de baixo. Isaac observava debruçado sobre a pia da lavanderia, tentando tirar a sujeira das mãos com uma esponja.

— Nate? Ah, os problemas em Cornwall foram fáceis de resolver, então. — Não, milorde. Não foi o Sr. Nathaniel, foi o conde. Ele está no escritório, disse que aguardaria o seu retorno. Isaac parou o que fazia. Algo estava errado. Edward não apareceria sem avisar, antes do final da temporada. — A condessa veio com ele? — Não, milorde. O conde está sozinho e não trouxe bagagem. Dewitt também suspeitava de algo. A forma como ele contou da presença de Edward indicava que ele achava que alguma coisa levara o conde até Greenwood Park sem um planejamento adequado. Edward era muito sistemático, cheio de regras e procedimentos. Ele não costumava fazer visitas não programadas nem mesmo à sua própria casa de praia. Se Isaac não estivesse tão sujo, ele iria imediatamente ter com seu irmão e descobrir de uma vez por todas o que estava acontecendo. Como precisava realmente de um banho, entrou na banheira assim que ela encheu, lavou-se com pressa e obrigou Dewitt a ajudá-lo a se vestir em velocidade atordoante. Com os punhos desabotoados e sem casaco, o lorde cruzou a casa e foi até o escritório. O conde estava sentado atrás de sua mesa de mogno, lendo os relatórios de administração. Isaac tinha certeza que não era para saber do progresso das obras ou dos lucros da produção. Além de ele nunca ter demonstrado desconfiança no trabalho dos irmãos, ele recebia relatórios constantes de tudo que acontecia de novo. Ao ver Isaac entrar, Edward ergueu o olhar e retirou os óculos que usava para ler. — Finalmente retornou. — O conde não sorriu, apenas manteve o olhar examinador sobre o irmão. — Você se envolve sempre assim com os assuntos dos arrendatários? Fui informado de que estava no silo, trabalhando. — Eu sou bom no que faço porque faço, Ed. Isaac foi até a mesa de bebidas e serviu duas doses de uísque. — Não é cedo para você beber? — Com sua presença súbita aqui, imagino que eu vá precisar de um drinque. O que houve, Ed? Pela forma como o conde estava agindo, Isaac começou a suspeitar de que era algo grave. Edward era sempre comedido em palavras e atitudes, mas, com os irmãos, ele não performava nenhum papel. Como não parecia haver nada com as propriedades, o pensamento de Isaac se voltou para a

fábrica. Ou possíveis dívidas. Estaria Edward afundado em dívidas? Não era possível, já que o irmão não assumia riscos que pudessem levá-lo à ruína. Mesmo estando um pouco afastado da fábrica, Isaac sabia que os negócios iam bem. Afinal, ele lia os jornais todo dia. — Soube que cancelou seu noivado com a dama italiana. Então era aquilo. Isaac quis cair na gargalhada, mas não conseguiu reagir a contento. Sentou-se outra vez e bebeu o uísque todo. Estava cansado, com fome e pensando em Caroline. Seu corpo ansiava por estar junto ao dela, delirava com a promessa da noite. Não sabia como lidar com aquela afirmação fantasiosa de seu irmão. — Edward, eu não estava noivo de Lady Francesca. Por Deus, vocês nunca prestam atenção no que digo? Sei que está atarefado com seus assuntos pessoais, mas eu pedi permissão para cortejar a dama, não para casar-me com ela. Interessei-me pela possibilidade e jamais teria um encontro com ela sem autorização de seu pai. — Ela criou expectativas. O irmão não estava feliz quando me interpelou no Riderhood. O lorde arregalou os olhos. Preferia não reagir emocionalmente, mas não conseguia evitar na maioria das vezes. A frieza não era sua melhor qualidade. — Lamento que isso tenha acontecido. Foi para evitar que ela se iludisse que comuniquei ao pai dela que retirava meu interesse no cortejo. Sei que isso provavelmente a ofenderia, mas prefiro que ela me odeie por rejeitá-la do que por fazê-la perder oportunidades reais de casamento. Edward balançou a cabeça em concordância. Ele sabia que o irmão era o homem mais sensato que conhecia. Isaac não se envolvia em escândalos, nem causava descontentamento a ninguém. Era adorado por todas e todos, desejado nos eventos e cobiçado pelas damas casadoiras, mesmo não sendo portador de nenhum título. Jamais chegaria perto de uma dama respeitável sem fazer aquilo da forma certa. Mesmo assim, o conde continuou tenso. Havia mais que ele queria falar. — Isso teve a ver com Lady Eckley? Isaac serviu mais uísque. Talvez ele precisasse estar bêbado para aguentar aquela conversa. — De onde tirou que Caroline determina minhas decisões? — Caroline? Você a trata pelo nome de batismo? — Você também. Não parece ser um problema. — Isaac, você sabe que eu… que Caroline e eu já tivemos alguns

arranjos. A forma como a trato decorre desse fato. Agora, você… — O conde passou as mãos pelos cabelos loiros e perfeitamente penteados, dandose conta do que acabara de falar. Fez algumas conexões em cinco segundos, o tempo que levou para retomar seu discurso. — Céus, diga-me que não se envolveu com Caroline Eckley. Que Sawbridge está equivocado. — Não é de sua conta com quem me envolvo, Ed. Nunca me meti nos seus assuntos com mulheres, espero que tenha o mesmo respeito por mim. — Você é melhor do que eu, Isaac. Merece uma dama adequada que possa ser sua esposa, com quem terá filhos. Lady Eckley é… — Uma dama. Perfeitamente adequada. E não é como se eu a tivesse pedido em casamento. Ou essa fofoca está rolando nas línguas masculinas em Londres? O que Sawbridge anda espalhando sobre mim? Edward levantou-se e girou pelo escritório. Parou de frente para a estante, examinou os livros por algum tempo. — Ele viu vocês se beijando. — O conde respondeu, sem virar-se. — Não fez fofoca, apenas contou-me quando o italiano apareceu no clube para me confrontar. Eu o defendi, mas preciso entender seu envolvimento com Caroline. — Sua esposa está montando uma escola de moças com ela. Por que eu não posso ser amigo de Caroline? — Você é amigo dela? — Edward encarou o irmão. Isaac já estava de pé, e as mãos fechadas em punhos. A ausência de uma resposta rápida fez com que o conde confirmasse suas suspeitas. — Imaginei que não. Bem, você sabe que precisa manter esse caso em segredo, não sabe? E que deveria terminá-lo imediatamente, antes que a coisa se prolongue por mais tempo do que o necessário. Isaac fechou os olhos. O sol já estava posto e a escuridão da noite começava a engoli-los. Havia duas luminárias acesas, mas o escritório ficara na penumbra. Ele não queria ter aquela conversa com seu irmão. Não daquela forma, nem naquele momento. Isaac pretendia entender-se com Caroline, primeiro. Convencê-la a sair com ele, a passar tempo com ele. Queria conhecê-la melhor e deixar que ela o conhecesse. Ir além do prazer intenso na cama. E, só então, conversaria seriamente com Edward. Porque o irmão não tinha que se meter nas suas escolhas. Se Isaac quisesse casar-se com Caroline, tomá-la como esposa, Edward não tinha nada a ver com isso. Não era como se ele fosse um garoto. — Ed, eu não vou terminar nada. Quer saber? Não adianta fingir porque

você já tem sua convicção sobre o que acontece. Eu e Caroline estamos envolvidos, sim. Nós nos encontramos algumas vezes. Mas eu conversei com o marquês. Não estou fazendo nada errado, nem escondido, nem contra os costumes. Eu quero apenas passar algum tempo com ela. Edward deu uma risada. Uma gargalhada cínica, quase exagerada. Isaac não podia saber se ele estava nervoso ou debochando dele. Deu dois passos até o irmão e segurou-o pelos ombros, em uma atitude paternal. — Meu irmão, eu amo você. Não posso permitir que arruíne sua vida. Caroline não passa tempo com homens, nem nada como você pretende. Você falou com o marquês? Pediu para cortejá-la? — Sim. E tenho a bênção dele. — E como Caroline se sente sobre isso? — Ela não sabe. Ainda. Eu tenho receio que ela fuja de mim se imaginar minhas intenções. — Exatamente, porque Caroline só deseja homens para satisfação sexual. Ela não se casa, não tem amantes fixos, não tem relacionamentos. Está perdendo seu tempo com ela e comprometendo sua honra. Isaac afastou-se de Edward, empurrando suas mãos. — Você acha que a conhece! — Ele riu, nervoso. — Deve ter passado muito tempo com ela, claro, e isso faz com que acredite que sabe tudo sobre ela. Pois não sabe. E tem mais, Ed. Nada que eu fizer comprometerá minha honra. Eu sou um maldito lorde, meu comportamento sempre será desculpado por essa sociedade hipócrita. Pode pegar seus conselhos e guardá-los para si. Eu não vou terminar nada, não vou agir como todos vocês libertinos que a usaram e descartaram. — Ninguém usa Caroline, Isaac! — Edward estava perdendo o usual controle. — Ela usa você. — Talvez seja verdade. Mas é minha decisão ser usado por ela ou não. O lorde deixou o escritório sem pedir licença ou encerrar formalmente a conversa. Estava irritado, aborrecido com aquela conversa sem qualquer sentido. Edward não tinha o direito de se intrometer. Não podia tratar Caroline daquela forma. Não podia agir como se Isaac precisasse de proteção contra a maligna libertina devoradora de homens. Maldição. Ele não podia sair para vê-la. Havia uma tensão familiar que só se agravaria se não jantasse em casa, se não jogasse cartas com Wilhelmina à noite, se não desse atenção à mãe. Se Edward imaginasse que ele estava negligenciando a família para fornicar com Caroline, isso apenas agravaria

sua impressão sobre ela. Isaac soltou uma imprecação, bufou e foi atrás de papel e caneta para escrever um bilhete. Precisava desmarcar seu encontro, no dia seguinte explicaria a Caroline que um imprevisto acontecera. Provavelmente, não contaria a ela sobre Edward. Aquilo a magoaria. Ela podia achar que nada a afetava, que estava acima daqueles sentimentos mundanos, mas Isaac sabia que era apenas fachada. Caroline era sensível. Não queria magoá-la por causa do seu irmão estúpido. Inventaria uma indisposição qualquer e colocaria a responsabilidade sobre a mãe.

O conde não podia ficar mais tempo em Greenwood Park. Não contou a Agatha o que faria, nem tinha uma desculpa para deixar seus afazeres na fábrica até o final da temporada. Para impor a Sawbridge a permanência em Londres, ele tinha que cumprir sua parte no acordo e trabalhar bastante. Mas estava preocupado com Isaac. O irmão estava enfeitiçado. Durante o jantar, eles quase não se falaram. Edward sentou-se à cabeceira, sua mãe na outra ponta, e Isaac e Wilhelmina em laterais. Acomodaram-se no salão menor, a mesa não era grande demais para mantêlos afastados. As mulheres não sabiam da discussão e nem desconfiavam dos motivos. Os McFaddens não eram muito comunicativos à mesa, então não viram nada estranho no silêncio. — Trarei Agatha e as crianças para cá em duas semanas. — Edward disse, quando já serviam a sobremesa. — Eu terei que voltar constantemente a Londres, mas elas precisam de ar fresco e sol. — Finalmente conhecerei minhas netas. — Pauline McFadden resmungou. — Pelo menos algum de meus filhos me dará netos. Os outros estão enrolando demais, se demorarem como você, Edward, eu não verei as crianças. — Não faça drama, mamãe. — Wilhelmina deu uma risadinha. — Os meninos são jovens, e a senhora está tão bem! — Espero que você se case logo. — A condessa viúva lançou um olhar terno para a filha. — Não estou ficando mais jovem, quero ver meus filhos todos encaminhados. — Eu cuidarei de Wilhelmina, mamãe. Não acha mesmo que deixarei minha irmã desamparada, não é? — O conde franziu a testa. — E o dote dela

é tão obsceno que teremos que afastá-la dos pretendentes. — Aposto que vocês farão isso muito bem. Espero que não assustem os pretendentes com reais interesses. A jovem estava sorrindo. Ela parecia bastante animada com a perspectiva de debutar na sociedade. Wilhelmina era uma moça criada de forma tradicional, com valores adequados para ser o objeto de desejo de todo nobre solteiro ou viúvo. Apesar disso, Edward não a empurraria para um homem decrépito ou endividado. Também não a faria casar-se sem que estivesse um pouco apaixonada, pelo menos. Não forçaria sua irmã a um casamento de conveniência porque ela não precisava - nem eles. Queria que ela fosse feliz como ele era. Queria que todos os irmãos fossem felizes. — Não tem nada a dizer, Isaac? — Estou me sentindo mal. — Ele baixou os talheres sobre o prato. — Tomei sol demais, preciso descansar. Se me dão licença, vou me recolher. O lorde levantou-se e saiu do salão. Seu humor fez com que a mãe se preocupasse. Isaac nunca reclamava nem demonstrava indisposição para nada. Ele já ficara doente e, mesmo assim, continuava realizando suas atividades sem questionar. — Wilhelmina, você tem notado algo estranho em seu irmão? — Pauline perguntou. — Ele anda trabalhando demais. O segundo filho de um conde não deveria trabalhar tanto. — Isaac gosta de estar em atividade, mamãe. Sempre tão ativo! Mas eu creio que haja algo mais por trás desse comportamento dele. — O que seria? Foi Edward quem se ajeitou na cadeira para ouvir a teoria da irmã. Wilhelmina era muito próxima de Isaac, eles conversavam sempre quando ela era mais nova. Depois que o irmão assumiu a administração de Greenwood Park eles se afastaram um pouco, mas o afeto entre eles não diminuiu. — Não devo fofocar. — Ela levou um pedaço do pudim à boca. — Mas Isaac pode estar sofrendo por questões sentimentais. Fez silêncio no salão. Os criados que estavam acompanhando o jantar pareciam estátuas, de tão quietos. Por mais que eles soubessem do que se tratava, eles não diriam uma palavra sobre Isaac. Todos ali o respeitavam demais. — É aniversário dele amanhã. — Pauline retomou o diálogo. — Deveríamos oferecer um jantar.

— Não tem ninguém importante em Kent. Creio que o jantar ficaria vazio, sem convidados. — O conde disse. — Entendo que seja melhor celebrarmos com um evento de encerramento de temporada, quando os amigos dele e pessoas da sociedade pudessem atender ao convite. — Ah, Edward, não podemos fazer isso. Haverá o evento de Caroline Eckley na Granville House! Temos que comparecer, Isaac se comprometeu a me acompanhar! O conde não se lembrava desse evento. Provavelmente, era algo que sua esposa estaria ciente, e pelo qual não tinha nenhum interesse. — Comprometeu-se? Interessante. — Eu quero ir. Haverá moças de toda Londres, muitas que não conheço. Podemos fazer um evento depois, Isaac nunca se importou mesmo em celebrar o seu aniversário. — Acalme-se, irmã. Você pode ir ao evento, não me oponho. — Edward levou a mão até a da irmã e a segurou com ternura. — Mas preciso que me ajude. Se você está certa sobre Isaac, ele pode estar se envolvendo em problemas. — Que problemas? — Pauline ergueu o olhar. — Como assim, se envolvendo? — Wilhelmina apoiou os talheres no prato. — Tenho razões para acreditar que precisamos ficar de olho em Isaac. Se algo estranho acontecer, vocês duas me reportarão? A condessa viúva chamou sua camareira com um aceno de cabeça. Um criado se colocou atrás dela e puxou a cadeira para que levantasse. — Edward, se seu irmão tem problemas, eu conversarei com ele. Isaac é meu filho, no final das contas. — Mamãe… — Não estou discutindo isso, estou comunicando. Tente continuar em harmonia com seu irmão, eu não quero meus filhos brigando. Vamos tomar chá, Wilhelmina? A jovem pediu licença ao conde e saiu com a mãe. Edward não desejava a mãe se envolvendo naqueles assuntos, mas talvez fosse bom. Isaac daria ouvidos a ela.

— A senhora pretende mesmo conversar com Isaac? — Wilhelmina questionou a mãe, depois que estavam sentadas no salão privativo da condessa viúva, tomando chá. — Porque eu não entendi o que Edward quis dizer. A condessa viúva ajeitou-se no sofá e olhou para uma imagem na parede. Havia fotos da família naquele quarto, todas devidamente emolduradas a pedido dela. O antigo conde, seu marido, posava imponente ao lado de seus dois filhos mais velhos. — Seu pai nos deixou muito cedo. Edward teve que assumir o condado ainda muito jovem e cuidar de negócios importantes. Ele tem essa ideia de que precisa ser um pai para vocês. Garantir que os meninos se mantenham na linha e que você se case bem. George sempre foi muito duro com ele. — Isso diz sobre Edward. E Isaac? — Não vou falar nada com ele. — Pauline bebericou seu chá. — Disse aquilo para que seu irmão achasse que estamos observando. Mas Isaac é adulto, não cabe a mim me meter em suas confusões. — Ele é seu filho. — Wilhelmina insistiu. — Ele é quem mais cuida de nós. — E é por isso mesmo que eu devo deixá-lo livre. Wilhelmina, somos mulheres. Não devemos nos intrometer nos assuntos dos homens a não ser que seja necessário. Não vejo necessidade de fazer isso. Edward está exagerando. A jovem dama aquiesceu. Estava acostumada a ouvir o mesmo discurso de sua preceptora, de suas professoras, de todas as mulheres com quem convivia. Tinha que lembrar sempre disso para não cometer falhas em seu debute na sociedade. Os assuntos masculinos deveriam se manter entre os homens. Mas ela estava curiosa em saber por que Edward se importava com o caso de Isaac. Ela sabia o que estava acontecendo, não era tola. Conhecia bem Isaac para entender que ele estava tendo um romance com a dama de vermelho. Mas também sabia que o irmão era inteligente demais, ele não pedira Caroline em casamento nem o faria se isso significasse problemas. Ela chegou a sugerir que ele a cortejasse, mas Isaac era muito adequado para se envolver seriamente com uma mulher libertina. Wilhelmina gostava de Caroline, mas sabia que ela não era bem vista na alta nobreza. Casar-se com ela rebaixaria Isaac e era provável que Edward tivesse medo que seu irmão não soubesse separar um caso amoroso de um casamento.

Capítulo décimo quarto

C AROLINE não se chateou porque Isaac desmarcou naquela noite. Ele mandou um bilhete, não a deixou esperando feito uma tola. Quando viu Lorde chegar sozinho à Granville House, suspeitou que algo acontecera. Mas ela precisou de um banho quase frio para acalmar seu corpo. E, naquela manhã, em que ela novamente acordou cedo demais por causa da cama vazia, tudo que precisava era vê-lo. Lavou-se, vestiu-se, deixou que Violet arrumasse seu cabelo, mesmo que o preferisse solto, e desceu para seu desjejum. Phillip corria pela casa naquela manhã, usufruindo da liberdade que a fuga da ala infantil lhe proporcionava. Gritinhos de criança fizeram com que ela sorrisse. Antes que chegasse ao salão, o mordomo a interceptou com uma bandeja e um papel dobrado sobre ela. — Milady, um cavalheiro deseja vê-la. — Cavalheiros têm nome, Shelton. Quem é? Sem deixar o mordomo responder, Caroline pegou o papel dobrado e sorriu mais uma vez. A letra já conhecida de Isaac indicava que era ele esperando no hall. Com um semblante inexpressivo, o mordomo fez uma reverência e se afastou, enquanto ela foi à direção da entrada. Precisou se controlar para não sair correndo e demonstrar que estava muito feliz com a presença de Isaac em sua casa. Ele continuava observando o vaso com figuras sexuais. Admirava a peça de cerâmica intrigado, quase se ajoelhando para vê-la melhor. — Precisamos resolver seu problema de nunca ter lido o Kama Sutra. Isaac levantou-se ao ouvi-la. Ele estava glorioso sob a luz do sol que penetrava pelas janelas de vidro. Segurava o chapéu de feltro nas mãos e

tinha os cabelos dourados, que misturavam cores entre o âmbar e o loiro. A barba, perfeitamente aparada, dava a ele um ar masculino e misterioso. Ela costumava pensar que não havia nada de misterioso em Isaac McFadden, mas ele a estava fazendo crer que esteve enganada. — Seria necessário que eu praticasse. — Ele disse, sorrindo. O tom de voz malicioso deixou Caroline excitada. — Algumas sugestões aqui parecem muito complicadas. — Podemos providenciar alguns testes. Os dois estavam mais próximos do que o decoro permitia. Não que a casa Granville fosse um primor de virtude, porém não pretendiam entregar que o relacionamento deles já tinha ultrapassado todos os limites da decência. Caroline colocou a mão espalmada na lapela do paletó que ele usava e sentiu seu peito inflar com a respiração. — Desculpe-me por ontem. Eu tive imprevistos familiares. — Não precisa se explicar. A que devo sua visita? — Vim convidá-la para ir à vila tomar um chá. Soube que há uma nova casa de tortas e ainda não tive a oportunidade de conhecer. — Ainda não tomei meu desjejum. — Ela levou as mãos para ajeitar o nó do lenço no pescoço dele. A peça não precisava de ajuste algum, mas ela queria uma desculpa para manter-se próxima a ele. — Estou faminta! — Então meu convite veio em boa hora. Talvez possamos discutir os termos de nosso acordo, afinal. — Não temos um acordo, milorde. — Podemos ter um, então. Algo que envolva mais do que aulas à noite. Ele falava com a voz rouca e suave, como se estivesse prestes a seduzi-la. Caroline olhava para ele, encarava seus olhos azuis que pareciam o céu de verão, transparentes e límpidos, e tinha certeza que estava enfeitiçada. Talvez os livros explicassem aquele fenômeno. Isaac McFadden fazia sua mágica e desarmava todas as defesas que ela construíra com muito afinco. — Certo. Pegarei minha sombrinha, aguarde um instante. O coração dela retumbava no peito quando se afastou dele. O desejo era tão latente que gritava dentro dela, esperneava querendo sair. Passar mais tempo com ele poderia ajudá-la a domá-lo ou causar um rebuliço de vez. A carruagem dos McFaddens estava parada na frente da Granville House. Isaac a ajudou a subir e sentou-se de frente para ela. Os joelhos dele se acomodaram entre as saias dela. Enquanto o veículo andava, trepidando sobre a via de pedra, eles não conversaram. Caroline olhou pela janela algumas

vezes, Isaac colocou sua mão com luvas sobre a dela. O trajeto era curto demais e logo estavam parados na via principal da vila. Isaac desceu e ofereceu o braço para que ela segurasse. Como ela não estava de luvas, sentia a maciez do tecido do casaco que ele vestia e o calor morno da pele por baixo. Entraram na casa de chá e tortas da Sra. Thorne, uma viúva espirituosa e que adorava conversar. Era refrescante que na vila as mulheres não a tratassem como em Londres. Talvez por não serem nobres, por estarem acostumadas a regras menos enfadonhas, elas respeitassem Caroline. — Sejam bem-vindos. É uma honra recebê-los, milorde. Milady. A Sra. Thorne correu detrás do balcão e veio até a porta. — Vamos nos sentar ali no canto. — Isaac apontou uma mesa mais reservada. — Sirva-nos chá e torta de morango. A mulher assentiu com um movimento de cabeça e foi providenciar o pedido. Isaac conduziu Caroline até a mesa, puxou a cadeira para ela se sentar e acomodou-se de frente, novamente. Daquela vez eles não estavam em contato, mas ele apoiou os cotovelos na mesa ao dobrar o corpo e encarála. — Odeio-me agora por não ter ido até você, ontem. — Venha até mim hoje. — Ela riu. — Como sabe que gosto de torta de morangos? — Vermelho. — Isaac retirou suas luvas e guardou-as no bolso interno do casaco. — Mas, se preferir outra, eu posso… — Não, morango está ótimo! — Ela o interrompeu. — Bem, estamos aqui. O que você quer discutir comigo? Que tipo de arranjo podemos fazer para que você pare de me rejeitar? — Céus, Caroline. — Ele riu e passou os dedos pelos cabelos, despenteando-os um pouco. — Eu não estou rejeitando você! Ao contrário, eu desejo mais tempo com você. Só isso que peço. — Sabe que vai parecer que você está me cortejando? A Sra. Thorne chegou com o chá e as tortas. Colocou um pedaço na frente de cada um e duas xícaras de porcelana decorada, acompanhadas pelo bule fumegante. Isaac indicou que ela podia deixar tudo ali e Caroline pegou o bule para servir o chá. Ela também sabia que ele preferia dois cubos de açúcar. Isaac gostava das coisas doces. — Talvez pareça. Mas não precisamos vir sempre à vila, podemos nos ver em Greenwood Park, na praia, em Rhode Port… há muitos lugares onde

podemos ficar juntos e conversar. — Apenas conversar? — Duvido que eu consiga isso por muito tempo. — Ele riu e aceitou o chá que ela ofereceu. — Agora mesmo, estou me esforçando bastante para não a tocar de forma íntima demais. Ela também estava. A proposta de passar tempo com Isaac era tentadora e perigosa. Nada do que ela estava acostumada. Tinha certeza que as pessoas confundiriam tudo e pensariam que ele estava cortejando-a. Isso chegaria aos ouvidos da dama italiana. Ela teria trabalho desfazendo boatos, mesmo que todos acreditassem nela. Caroline Eckley não era dada a cortejos. E também seria arriscado porque ela estava desenvolvendo muito afeto por aquele lorde. Nenhum homem fazia com ela o que ele fazia. Ninguém a queria como companhia, ou a convidava para comer torta no meio da manhã. — Ainda temos mais de uma semana até o final da temporada e os nobres começarem a infestar o litoral. — Caroline disse, bebericando seu chá e olhando o lorde por cima da xícara. — Até lá, deve ser seguro nos encontrarmos por aí. Aceito seus termos, milorde. Isaac sorriu e segurou a mão dela. Era um contato íntimo demais. Inadequado. Mas não havia ninguém no estabelecimento além deles. E a Sra. Thorne não parecia estar prestando atenção. — É um excelente presente de aniversário. — Aniversário? — Ela apoiou a xícara na mesa e o fitou brevemente. — Sim. Hoje é meu aniversário. — Oh, céus, Isaac! — Caroline bateu, no prato, o garfo que acabara de pegar. O ruído do metal sobre a porcelana fez com que a Sra. Thorne se alertasse. — Como me diz isso com essa tranquilidade? Haverá uma festa? — Não. Raramente celebro meu aniversário. Geralmente jantamos em família. — Não creio. — Caroline colocou um pedaço de torta na boca. — Precisamos fazer algo! — Como disse, não tenho o hábito de celebrar meu aniversário. Prefiro estar com as pessoas que gosto. Mesmo que ele tenha dito aquilo com muita convicção, Caroline não acreditava que fosse totalmente verdade. Ela adorava festas. E amava aniversários. Era justo e adequado que Isaac pudesse comemorar o dele. — Sua família ficará aborrecida se eu o roubar pelo dia? O lorde franziu as sobrancelhas perfeitas, unindo-as no centro. Terminou

seu chá e acenou para a Sra. Thorne, indicando que pretendia pagar pela comida. Enquanto a senhora fazia as contas do quanto era devido, ele encarou Caroline, que esperava uma resposta. — Antes não queria se arriscar comigo. Agora quer passar o dia inteiro em minha companhia? — Agora eu sei que é um dia importante. Vamos, faremos algo para celebrar seus vinte e cinco anos. Isaac sorriu. Um sorriso largo que exibiu seus dentes brancos perfeitos e que fez o coração dela saltar uma batida. E ela percebeu que se lembrava da idade dele. Que sabia quantos anos ele faria. E que ele era significativamente mais novo que ela. A Sra. Thorne trouxe um papel com o valor devido anotado e Isaac pegou duas moedas em seu bolso. — Fique com o troco. Os morangos estavam deliciosamente frescos. A mulher fez uma série de mesuras que eram certamente um exagero, mas que significavam sua gratidão pela atitude. Isaac sempre pagava mais do que devia por tudo. Aquilo era uma tradição nos McFaddens. Caroline sabia que Edward também era dado a supervalorizar os produtos que adquiria e pagar salários exorbitantes a seus empregados. O lorde levantou-se e deu o braço a Caroline. Ela estava nervosa com a falta de resposta. Esperava que ele não se ofendesse com a mudança súbita de opinião sobre passar tempo com ele. Aniversários eram diferentes. Mereciam atenção especial. Não era como se Caroline fosse volúvel. Mesmo que ela fosse. Quando estavam já dentro da carruagem, Isaac se sentou do lado dela e fechou as cortinas. Levou as duas mãos à face de Caroline, puxou-a para si e a beijou. Ela amoleceu como a cobertura da torta que acabara de comer. Ele tinha aquele sabor doce e a boca quente. Não foi um beijo que durou muito. — O que pretende fazer comigo durante o dia, milady? Foi a vez de Caroline sorrir diante da pergunta. Ela não fazia a menor ideia. As propriedades de Kent estavam vazias. Os nobres só voltariam para o litoral em duas semanas. Não havia como convidar pessoas para uma festa, não de última hora. — Pretendo não deixar que seu dia passe em branco, nem no meio do feno ou da palha. Isaac bateu no teto da carruagem e o cocheiro seguiu para Rhode Port. Quando chegaram à Granville House, Caroline conduziu Isaac pelos corredores até a biblioteca que ficava no segundo andar. Pediu que ele

esperasse e desceu para a cozinha. Não era o lugar que costumava frequentar na casa, então a cozinheira chefe assustou-se ao ver a lady entrando em território pouco explorado pelos nobres da casa. — Sra. Brooks. Preciso que preparem um bolo de aniversário. — Oh! Céus, alguém está fazendo aniversário e não fui comunicada? Teremos uma festa na residência, milady? Devemos estabelecer um cardápio? — Não será uma festa. — Caroline girou ao redor, examinando a cozinha. Ela não entendia o que acontecia ali, nunca precisou cozinhar ou ferver uma água em sua vida. — Mas um amigo está fazendo aniversário e ele não costuma comemorar. Gostaria de surpreendê-lo com um bolo. — Certo milady. É um cavalheiro? Devemos usar uma decoração masculina, então. — Sim, façam isso. Quero recheios bem doces, ele adora doce! E façam limonada também. Tudo tem que estar pronto para o chá das cinco. A Sra. Brooks bateu as mãos e duas criadas se aproximaram. A cozinheira explicou brevemente o que precisava ser feito e as duas se afastaram, iniciando tarefas em velocidade acelerada. Caroline voltou para a biblioteca e encontrou Isaac remexendo nos livros. Por sorte, Anthony não estava por ali. Não queria que os homens se envolvessem em conversas masculinas e a deixassem de lado. Podia ser ridículo sentir ciúmes do primo, mas ela pretendia ter Isaac para si o dia inteiro. E a noite também. Ela faria com que aquele aniversário fosse inesquecível.

A biblioteca do Marquês de Granville era enorme. Maior do que a dos McFaddens, o que indicava que se lia mais naquela família. Isaac estava procurando o bendito Kama Sutra quando Caroline chegou. Ele estava curioso para saber como um livro cheio de depravação podia ficar exposto em uma casa de família. Provavelmente estaria escondido em um porão. Mas, se ele não soubesse a localização do livro, jamais o encontraria naquelas prateleiras que iam até o teto e ocupavam duas paredes inteiras. — Pronto, eu deixei todos avisados que estamos aqui e não queremos ser incomodados. Caroline chegou por trás e fez com que ele soltasse de repente o livro que tentava pegar na estante.

— Silenciosa como um fantasma. — Ele provocou. — E completamente sem juízo. Não podemos ficar na biblioteca “sem sermos incomodados”. É inadequado. — Quase nada é inadequado na casa dos Eckleys. Por que acha que te trouxe aqui? A dama de vermelho se aproximou e pegou o livro que ele deixara cair. Era um exemplar daqueles que ela recomendou, escrito pelo filósofo utilitarista John Stuart Mill. Isaac queria compreender o mundo dela, entender por que Caroline era tão diferente. Ler o que ela lia talvez ajudasse. — Posso ler para você? Ela perguntou, abrindo o livro em uma página específica. Isaac sentou-se em uma poltrona próximo à lareira, que estava acesa e Caroline acomodou-se no sofá. Observou o espaço e bateu nas saias do vestido. Como o lorde demorou demais a entender o que ela queria, precisou verbalizar suas intenções. — Venha cá, Isaac. Deite a cabeça no meu colo. Ficará mais fácil para mim se meu público ouvinte estiver bem próximo. Era uma péssima ideia. Qualquer parte dele em contato com Caroline poderia desencadear uma reação violenta. Mas ela não parecia interessada em seduzi-lo, ela realmente estava interessada em ler para ele. Ainda achando que não deveria, Isaac sentou-se no sofá e deitou a cabeça no monte de tecido que compunha as saias do vestido de Caroline. Acomodou-se no calor daquele corpo que ele já conhecia e desejava, enquanto ela abria o livro e iniciava a leitura de algumas partes previamente selecionadas. O texto era chocante. Stuart Mill considerava que mulheres não eram biologicamente inferiores aos homens. Que elas poderiam ter a mesma capacidade masculina se tivessem a oportunidade de estudar o mesmo que os homens. Que a sujeição feminina era um projeto político e social que se supôs adequado. Seria melhor para todos se as mulheres se submetessem aos homens, simplesmente. Aquilo era muito subversivo. Uma afronta à própria Rainha, que declarou publicamente que as mulheres não podiam arriscar perder a proteção masculina. Mas, deitado ali, olhando para cima e para o semblante concentrado de Caroline, Isaac não podia concordar mais com John Stuart Mill. Aquela mulher ali, lendo para ele, com os cabelos trançados meio despenteados pelo vento, o olhar profundo e um corpo delicado como o de um filhote de passarinho era a maior representação de força que ele conhecia.

Ela era mais resistente que qualquer homem. Nenhum dos nobres frouxos, que ele conhecia, seria capaz de suportar tantos ataques à reputação deles como ela suportava. Claro que Caroline não era uma dama tradicional. Ela desconsiderava qualquer regra de recato da sociedade, porque ela não concordava que as mulheres deveriam ser submetidas a tantos rigores. Mas ela era punida por isso, mantinha a cabeça erguida e suas decisões permaneciam. Se Edward, aquele hipócrita, a tivesse confrontado, ela provavelmente chutaria suas bolas e o deixaria gemendo de dor. Ela era mais inteligente que muitos homens. Ela investia, multiplicava sua renda, constituía imóveis e negócios. Caroline não dependia da proteção de ninguém para sobreviver dignamente. Ele mesmo não detinha posses, ainda não fizera nada com o salário de administrador que recebia. Ao contrário, gastava com tolices. Tinha pouco guardado e não investira em nada, ainda. Se eles se casassem, ele seria sustentado por ela. Enquanto a voz de Caroline o embalava lendo sobre a necessidade de se reconhecer o valor feminino, ele se assombrou ao pensar em casamento. Mas, no fundo, sabia que o caminho que seguia era sem volta. Mesmo que ele ainda não estivesse apaixonado por Caroline, ele se apaixonaria fatalmente se continuassem a fazer o que estavam fazendo. — Interrompo algo? O Marquês de Granville entrou na biblioteca. Isaac quase não o ouviu, estava de olhos fechados e tão relaxado que poderia adormecer. Percebeu que a mão de Caroline lhe afagava os cabelos. E que ela não parou de fazer aquilo porque o marquês chegou. Não sentia nenhuma vergonha de tocar um homem de forma íntima na frente de seu primo. — Anthony! — Ela fechou o livro. — Estava lendo para Isaac. Você deveria se sentar aqui e ouvir, também. — Estava era fazendo o coitado do homem dormir. — O marquês deu uma gargalhada. — Suas leituras são tediosas. — O que deseja? — A cozinheira precisa falar com você sobre algo que pediu, mas todos os criados estão com medo de entrar na biblioteca. Você precisa parar de amedrontá-los, Caroline. — Eu não faço isso! — Ela riu. — Apenas pedi para não nos incomodarem. Eles também não deveriam tê-lo incomodado. — Rose está com as crianças, o mordomo não sabia o que fazer. Poderia, por favor, resolver esse impasse?

Isaac entendeu que deveria se levantar. Ele ouvia a conversa, mas não se percebia dentro de seu corpo. O decoro ordenava que ele se sentasse imediatamente com a entrada do marquês. Era escandaloso demais que fosse pego com a cabeça sobre as pernas de Caroline. Só aquilo já sugeria que eles deveriam sentar e negociar um casamento. Mas o marquês não parecia incomodado com o que vira. Caroline levantou-se e saiu da biblioteca. Ela flutuava como se estivesse dançando nos salões de baile. O lorde ajeitou-se no sofá, passando os dedos pelos cabelos e desamassando o paletó. O Marquês de Granville sentou-se em uma poltrona e pegou o livro que sua prima estava lendo, conferindo o título na capa. — Ela sempre me manda ler essas coisas. Como convenceu você? — Não sei se tive alguma escolha. — Isaac endireitou as costas. Apesar de aquela não ser uma família convencional, ele não se sentia confortável em ser pego pelo marquês em posição tão indecorosa. — Com elas, geralmente é assim. Principalmente se estivermos falando de Caroline. Vejo que tem se saído bem no cortejo. Ela não costuma trazer homens para casa e mimá-los com carinho. Sem dizer mais nada, o marquês se levantou novamente e saiu da biblioteca. Isaac suspeitava que estivesse sendo monitorado pela família Eckley. E que os motivos eram diferentes dos tradicionais. Granville queria que a prima se casasse. O discurso era progressista e de respeito aos desejos dela, mas o marquês provavelmente ansiava que Caroline tivesse um futuro estável e tranquilo ao lado de um homem que a valorizasse.

Capítulo décimo quinto

P ASSAR a tarde na biblioteca com um homem era novidade para Caroline, mas foi o que ela fez no aniversário de Isaac McFadden. Depois de resolver o problema com o bolo, ela retornou para ele. Continuou lendo John Stuart Mill até atingir seu objetivo, que era oferecer a ele informações sobre respeito às mulheres. Depois, eles jogaram jogos de tabuleiro. Isaac era muito bom em quase todos eles. Eles riram, se divertiram e praticamente não se tocaram. Nada daquilo reduziu o desejo que ela sentia por ele. Mas foi muito bom interagir com um lorde que não estivesse tentando seduzi-la naquele momento. Quando o relógio badalou cinco da tarde, eles desceram para o chá e havia uma linda mesa posta, com o bolo de aniversário no centro. — Surpresa! A marquesa estava lá e as crianças também. O chá acabou se tornando um evento um pouco mais interessante do que o usual. Isaac ficou visivelmente surpreso com o bolo. A forma como ele arregalou os olhos e arqueou as sobrancelhas deixou claro que ele não esperava ter nenhum tipo de celebração. Mas Caroline também não esperava a presença de Wilhelmina McFadden e da condessa viúva. Tanto a irmã quanto a mãe de Isaac estavam no salão de chá, e ela não se lembrava de ter convidado as duas. Claro que ela não tinha. Um convite dela dificilmente seria aceito por mulheres da alta sociedade. Aquilo era coisa de Rose. — Céus! — Isaac manteve a pose invulnerável, mas Caroline sabia que ele estava abalado. — Então eu terei um chá de aniversário? — Eu disse que não considero justo que ninguém passe um dia como esse sem comemorar.

— Feliz aniversário, Isaac. — Wilhelmina aproximou-se e abraçou o irmão. Ela não faria isso em público, Caroline tinha certeza que não. Mas ali era um evento privado. — Fiquei muito feliz em saber que o Marquês de Granville tem tanto apreço por você a ponto de fazer-lhe uma festa. Wilhelmina olhou para Caroline e sorriu. Aquele era um sorriso que carregava conteúdo. A jovem dama não era tola. Ela já os vira juntos antes. Se ela não fosse totalmente ignorante sobre os assuntos que envolviam homens e mulheres, ela desconfiava do que havia entre eles. Depois, olhou para o marquês e fez uma mesura. A pose de Anthony era irrepreensível. Então ele também tinha parte naquela fraude. As pessoas estavam se envolvendo demais no que não deveriam. Mas, afinal, o efeito estava sendo melhor do que o esperado. Isaac estava nitidamente feliz com a surpresa. — Vamos nos sentar! — Rose indicou os lugares à mesa. Isaac estava do lado de sua mãe e da irmã, Caroline ficou do outro lado e um pouco afastada dele. Era prudente. Se a família estava presente, ela não podia demonstrar tanto entusiasmo ou intimidade. — Obrigada pelo convite, milady. — A condessa viúva disse, enquanto chá lhe era servido. Os criados estavam treinados para servir de forma coordenada, portanto todas as xícaras estavam cheias naquele momento. — Meu filho tem um hábito estranho de nunca comemorar seu aniversário. Os outros adoram dar festas, Isaac prefere os eventos dos outros. Isaac limitou-se a sorrir e a conversa acabou centralizada nas mulheres. Rosamund era extremamente sociável, adorava receber e conversar. Se não estivesse reclusa em suas pinturas, era uma ótima anfitriã. Ela deixou a condessa viúva e Wilhelmina confortáveis, enquanto Anthony apenas observava. Ela, Caroline, tentou conversar, mas descobriu que tinha poucos assuntos femininos em sua pauta. Aquilo era uma constante. Ela tinha dificuldade de transitar entre damas da sociedade porque não foi criada para ser uma. E porque seus interesses acabavam sendo distantes dos delas. Não costumava saber sobre casamento, filhos ou bailes. Preferia negócios. Mas, ali, enquanto via a marquesa e suas convidadas conversando, Caroline percebeu que ela gostava daquelas coisas. Ela já quisera se casar. Já quisera ter filhos. Foi abandonando seus sonhos por perceber que realizá-los significava a perda de sua liberdade. A conversa se estendeu. Depois que beberam chá e comeram torradas, foi o momento do bolo. Isaac achou uma moeda na sua fatia e teve que fazer um

desejo. Phillip também achou uma e quase a engoliu. Quase duas horas depois, era o momento de as convidadas retornarem para Greenwood Park. — Vou levá-las. — Isaac disse, aproximando-se de Caroline enquanto sua mãe e irmã despediam-se de Rose e Anthony. — Obrigado pelo dia. Foi muito divertido. — Volte. — Ela sorriu. — Vamos sair para beber cerveja. O lorde ergueu a sobrancelha. Eram surpresas demais para um dia, mas Isaac sempre soube que viver próximo a ela era uma aventura. — O marquês anda escondendo barris em seu porão? — Não, vamos à taverna! Podemos nos encontrar lá. — Eu jamais deixaria você ir sozinha a um lugar desses. — Isaac balançou a cabeça. Eles não tinham mais muito tempo, as despedidas estavam terminando. — Venho buscá-la com a carruagem. Aguarde-me. Sim, ela aguardaria. Isaac beijou-a nos dedos e saiu com sua família. Não seria fácil esperar. Caroline estava ansiosa, ela passara o dia antecipando alguma coisa que não aconteceu. Ou que não aconteceria. Depois que os convidados saíram, não esperou ser interpelada por Anthony. Subiu para seu quarto, arrastando Violet atrás dela para preparar um banho. Iria se lavar adequadamente e vestir algo bastante intenso para a noite. — O que preparo para milady? Um vestido leve para o jantar? — Vou sair novamente. Quero o vestido vermelho, de veludo. Violet arregalou os olhos e fez o sinal da cruz. — Ele é indecente, milady! — A camareira protestou, terminando de encher a banheira. — Não tem mangas, deixa suas partes expostas. — Ele realça minhas partes bonitas, Violet. Não tem nada de indecente, deixe de ser pudica. Anos trabalhando para mim e ainda não se acostumou? Prepare o vestido, eu quero estar linda. Falando algumas palavras que Caroline suspeitou ser uma oração, a criada deixou-a e desapareceu pelo quarto de vestir. Quando o banho terminou, sua roupa estava perfeitamente passada para que pudesse ser a dama mais linda daquela taverna. Era provável que não fosse a única. As mulheres da vila sabiam se divertir. Isaac levou mais de uma hora para retornar. Ela teve que esperá-lo mais do que desejava e girou pelo quarto, nervosa. Só acalmou quando o mordomo apareceu com o aviso que uma carruagem estava parada na frente da casa e que Isaac a esperava no hall. O chapéu caiu da mão dele quando a viu. Caroline sabia o efeito daquele

vestido nos homens. — Você fez isso para me obrigar a desistir do passeio que você mesma planejou? — Ele provocou, já se acomodando dentro da carruagem. — Não, eu só queria um embrulho bonito para seu presente de aniversário. O rubor que subiu pelo pescoço dele, e se instalou nas bochechas, o deixava ainda mais irresistível. Mas o programa seria mantido. Foram para a taverna, onde beberiam, se divertiriam e, depois, afogariam o desejo reprimido pelo dia.

Ele não queria, de verdade, ter aceitado nenhum convite para beber em uma taverna. Do jeito que seu corpo estava reagindo, Isaac provavelmente manteria uma ereção constante enquanto não buscasse o alívio do corpo de Caroline. Algo que ela estava bastante disposta a oferecer e que tornava tudo bem mais excitante. Depois de vê-la com aquela peça de roupa de veludo vermelho, Isaac quis arrastá-la para o chalé de hóspedes ou possuí-la ali mesmo, na carruagem. Só que Caroline se esforçara tanto para oferecer a ele um aniversário especial que não era justo que deixasse seus desejos mundanos atrapalharem os planos dela. Pelo que ela dissera antes de entrarem na carruagem, em breve ele teria o presente pelo qual tanto ansiava. Quando chegaram à taverna, no entanto, ele quase se arrependeu novamente. O lugar não era adequado para uma dama. O cheiro de urina, que fez suas narinas arderem no instante em que desceu da carruagem, indicava que muita gente já estava mais bêbada do que deveria. E isso podia representar problemas, principalmente com Caroline usando um vestido capaz de incitar uma declaração de guerra. — Oh, céus, homens nunca aprendem a atender ao chamado da natureza em lugares adequados! Ela reclamou ao pisar no chão de pedra. Dois homens saíram pela porta, um carregando o outro, e trombaram em Isaac. — Creio que seja melhor voltarmos. Ou irmos a um lugar mais adequado. — Lugares adequados não servem cerveja. Vamos beber um pouco e depois pensamos em algo melhor para fazer, preferencialmente entre lençóis

macios. Maldita mulher e suas provocações. O lorde ofereceu o braço para ela segurar e entrou na taverna. O ambiente interno estava mais agradável. Havia mulheres ali e nem todas eram prostitutas. Algumas estavam na companhia de outras mulheres, provavelmente exaustas de um dia de trabalho e procurando alguma diversão. Um grupo de pessoas atacava, de forma não muito agradável, alguns instrumentos musicais, sobre um tablado de madeira. Tinha barulho de vozes, risadas e música desafinada. Eles se sentaram em uma mesa redonda no espaço mais reservado que encontraram. Foram interceptados por muitos olhares especulativos, curiosos com a presença de um lorde na taverna. As roupas perfeitamente talhadas e de tecido fino entregavam a origem nobre de Isaac. O mesmo valia para Caroline. Nenhuma mulher da vila teria um vestido como aquele que ela estava usando. O tecido era caro, o corte era fino. — Duas cervejas. — Isaac pediu para a mulher de seios fartos e cabelos loiros que veio atendê-los. A roupa que ela usava era ainda mais indecorosa que a de Caroline. — Acredito que me equivoquei em trazê-lo aqui. Muitas distrações. Caroline riu, retirando as luvas. — Eu não quis prostitutas antes. Por que as quereria agora? Duas canecas de malte dourado e gelado apareceram à frente deles. A atendente deixou a bebida e um sorriso malicioso para Isaac, mas ele realmente não conseguia prestar atenção nela. A sua companhia era a mais bela figura de todo o litoral, com seus cabelos soltos e a pele cor de creme, reluzindo sob a luz da taverna. Beberam em silêncio, ouvindo os sons do ambiente. Depois que as duas canecas foram esvaziadas, mais duas apareceram. E outras duas, depois daquelas. Já estavam na quarta caneca quando o silêncio entre eles ficou incômodo demais. — Obrigado pelo dia, Caroline. — Isaac decidiu retomar o diálogo. Eles costumavam conversar bastante desde que iniciaram aquela espécie de acordo, antes mesmo de ele parecer um acordo. — Aniversários nunca foram muito atraentes para mim. — Espero que eu não tenha reavivado memórias ruins de algum trauma de infância. — Não, claro que não. Não tenho traumas. Mas o dia de hoje certamente fará com que eu veja aniversários por outra perspectiva. Obrigado!

Caroline ergueu a caneca em um brinde e bebeu um gole longo. A espuma da cerveja fez um bigode sobre o lábio dela e Isaac levou a mão para limpar. Passou o polegar pela pele úmida e fria e ela sorriu. Involuntariamente, a mão dele se amoldou ao queixo dela, os dedos acariciaram a pele fina do pescoço e ela repousou a face sobre a palma dele. E tudo acabou rapidamente com uma trombada. Um homem corpulento e com cheiro azedo esbarrou propositalmente no braço de Caroline, derrubando a cerveja que ela segurava e molhando o vestido. Ela se levantou por impulso, deixando a caneca cair e estilhaçar no chão. Isaac também se levantou e o homem, cuja barba seria capaz de abrigar um ninho de ratos, gargalhou ao ver a cena. — Peça desculpas à dama. — Isaac interpelou o homem, colocando-se entre ele e Caroline. — Dama? — O homem riu mais. — Não me desculparei com sua prostituta, milorde. Foi ela que ficou no meu caminho. Acho melhor pegar um pano para ela limpar a bagunça que fez. — Se você sabe que sou um lorde, deveria ter mais respeito. Vamos, peça desculpas e traga outra bebida para a dama. O homenzarrão cruzou os braços no peito e olhou para Caroline de cima em baixo. Isaac não sabia se ela estava indignada ou assustada. Se o vestido estava arruinado ou não. Naquele momento, ele encarava o brutamonte maleducado, que estava atrapalhando sua noite, com toda fúria - pouco - contida em seus olhos. — Se ela fosse uma dama, eu poderia considerar. Mas estamos falando de uma lady que frequenta a cama de todo homem rico da Inglaterra. Outros homens riram. Até mulheres acompanhavam o movimento, pressentindo que haveria confusão. Aquelas pessoas desdenhavam de Caroline. Claro que sabiam quem ela era. Seria impossível, para eles, não conhecer uma das ladies daquela vila. Ela era a sobrinha do marquês. Isso significava que ninguém ali a respeitava. Isaac virou para trás e Caroline estava confusa. Sua expressão facial era de quem poderia matar qualquer um ali com suas próprias mãos. Ele não duvidava. Talvez ela arrancasse algumas cabeças e comesse os órgãos internos. Mas, ao mesmo tempo, ela estava vulnerável. Algo nela indicava cansaço. Desistência. Abandono. — Peça. Desculpas. À dama. O lorde pronunciou pausadamente cada palavra e empurrou o homem

com as duas mãos batendo no peito dele. O gesto inesperado fez com que o grandalhão cambaleasse para trás. Ele abriu os braços e deu outra gargalhada. — Acha que pode comigo, milorde? Pois venha me obrigar. Isaac desviou de um soco. O público gritou. Caroline se afastou, cobrindo a boca com as duas mãos. Assim que o homem caiu para frente, desequilibrado por não ter acertado seu alvo, Isaac o atingiu pelas costas. — Não vamos brigar aqui dentro. — Ele desfez o nó do lenço em seu pescoço, retirou-o, e abriu dois botões do colarinho. — Não quero causar estrago. Lá fora. Pela honra da dama. O barbudo gritou e saiu pela porta. Isaac tirou o paletó, o colete e dobrou a camisa. — Isaac, não faça isso. — Caroline o segurou por trás. — Aquele homem é enorme. — Eu luto boxe. — Mas você não está esperando que seu adversário vá lutar conforme as regras. Está? Não, claro que ele não estava! Isaac podia ser jovem, quase virgem e ter sangue azul correndo em suas veias, mas não era tolo. — Ele não vai, nem eu. Caroline o encarou com uma expressão de surpresa, espanto e encantamento. Seria possível que ela se sentisse atraída pelas partes menos nobres dele? Ela ergueu as saias e o acompanhou para o lado de fora, onde um agrupamento de homens um pouco bêbados e de mulheres pouco cobertas já se formara. O brutamonte estava no meio do círculo formado. As pessoas se afastaram brevemente quando Isaac chegou e ficaram em silêncio. Não importava se ele apanhasse. Talvez tomasse uma surra e até quebrasse o nariz. Esperava manter os dentes. Mas ele não aceitaria que falassem de Caroline daquela forma. Não aceitaria mais. O grandalhão se projetou para cima de Isaac, que desviou. Com as mãos em punhos, ele acertou a lateral do corpo do seu adversário, que virou e disparou um contragolpe. A força do punho do homem barbudo era descomunal e fez com que Isaac cambaleasse para trás. Ele se irritou e pulou em cima do brutamonte, acertando-lhe diversos socos. Foi atingido também. Os dois homens rolaram pelo chão sujo e fedendo a urina e fezes de cavalo, enquanto a turba que os assistia comemorava aos gritos. A luta durou mais alguns minutos. Isaac pôs-se de pé e agarrou o homem pelo pescoço. Ambos tinham a face ensanguentada e a roupa arruinada.

Segurando o adversário sem qualquer sutileza, o lorde encontrou Caroline no meio da multidão. Havia gritos e lamentos. Ele podia jurar que havia apostas, também. Esperava que sua dama tivesse apostado nele, porque tinha certeza que era o azarão. — Peça desculpas. Isaac virou-se para Caroline. Ela parecia horrorizada e excitada, ao mesmo tempo. O homem fez uma careta e rosnou qualquer coisa. Caroline assentiu, indicando que aceitava aquele murmúrio raivoso para encerrar o espetáculo. — Ela não vale tudo isso. O grandalhão, reduzido a um monte de carne ensanguentada e sujeira, disse. Isaac olhou para si mesmo. Não sentia nem dor, ainda. Sua roupa estava arruinada e ele provavelmente não conseguiria abrir os olhos no dia seguinte. Chegaria em casa com o rosto todo destruído e daria a todos motivos para que o criticassem. Mas Caroline estava ali, segurando seu paletó e seu chapéu, com a barra do vestido mais bonito que ele já vira arrastando naquele chão insalubre, olhando para ele com os olhos mais escuros e expressivos que existiam - e tudo valia, sim, à pena. — Ela vale mais do que eu e você juntos, seu patife. Nunca mais dirija a palavra à Lady Eckley, a não ser que seja para um elogio. Não, nem mesmo a elogie, ou eu terei que arrancar sua língua fora. Isaac jogou o homem para o lado e ele caiu sentado no chão. A plateia gritou, ensandecida, celebrando o momento. O lorde mal sentia seus pés pisando nas pedras. Caroline veio na direção dele e o segurou com as mãos firmes, mesmo que aquilo fosse sujar todo o seu vestido. — Desculpe estragar sua noite. — Ele sussurrou próximo ao ouvido dela. — Vamos para o hotel. Está mais perto e tenho uma suíte lá. Temos que cuidar desses machucados antes que eles infeccionem.

Primeiro Caroline precisava garantir que Isaac visse um médico. Depois ela analisaria as implicações do que acabara de acontecer. Porque eram muitas, ela sabia. Do tipo que era impossível voltar atrás. Com efeitos permanentes. Assim que chegaram ao Palace of the Sea, ela chamou o gerente até a porta lateral.

— Sr. Downey, preciso que me ajude a entrar com uma pessoa ferida. O homem baixo, de estrutura óssea muito larga e ostentando um bigode magnífico arregalou os olhos em espanto. — Ele precisa ser carregado, milady? — Não, acho que não. Mas não gostaria que ele fosse visto no salão principal. Vamos levá-lo direto para minha suíte, de lá chamarei um médico para vê-lo. O Sr. Downey a acompanhou até a carruagem e ficou ainda mais espantado ao ver Isaac esfolado, ensanguentado e imundo. Ajudou Caroline a conduzi-lo por caminhos exclusivos dos criados até o elevador hidráulico que servia aos nobres com suítes nos andares mais altos. Eles chegaram aos aposentos de Caroline, que ficavam no último andar, e o gerente estava aflito com a situação. Tanto tempo e as pessoas ainda não estavam acostumadas com ela. — Chame o médico. Qualquer um que esteja disponível, mas dê preferência ao Dr. Davies. Ele já conhece a família. — Sim, milady. A senhorita precisa que eu chame um criado, alguém para… — Não, Sr. Downey. Providencie o médico e será suficiente. Caroline interrompeu o gerente e fechou a porta, colocando-o para fora. Isaac estava de pé, recostado na parede, com a cabeça pendendo para trás. Ela se sentiu estranhamente protetiva e não deixaria que nenhum criado tocasse nele. Não fazia sentido algum aquela possessividade, o que não a impediu de senti-la. Ela foi até o banheiro e abriu as torneiras que encheriam a banheira de água. Aquele era o hotel mais moderno que existia no litoral e os quartos do último andar eram bastante exclusivos. O encanamento era muito bem estruturado, levando água quente e fria para todos os aposentos. Até mesmo as unidades mais baratas contavam com encanamento, mesmo que o banheiro fosse compartilhado. A banheira ainda estava enchendo quando Isaac entrou na sala de banho, desabotoando a camisa. Ele já soltara os punhos e tentava se livrar do tecido arruinado pela sujeira da rua. — Deixe-me ajudá-lo. Caroline se aproximou e assumiu a tarefa de terminar de despi-lo. Por inteiro. Tirou a camisa, abriu os botões da calça, arrancou os sapatos, baixou a roupa de baixo e fez com que ele entrasse na água morna. Isaac recostou a

cabeça na borda alta da banheira e soltou um gemido. Ela ajoelhou ao lado dele e, com um pano, começou a limpar o rosto ensanguentado. — Eu devia bater em você de novo. — Ela rosnou, irritada com os ferimentos que descobria. — Por que você fez isso? Por que brigou com aquele homem? Ele era o dobro do seu tamanho. — E eu ganhei assim mesmo. — Isaac sorriu e gemeu outra vez. O repuxar dos lábios causava dor. — Não vou me desculpar, Caroline. Ele a ofendeu. Alguém tinha que entrar em defesa de sua honra. — Não seja tolo, Isaac. Sabe quantas vezes já ouvi esse tipo de ofensa? As pessoas tendem a insultar aquilo que elas não entendem. Tudo que as deixa desconfortável é motivo de afronta. Aqueles que pensam diferente, mulheres como eu. — Não existem mulheres como você. Ela ignorou o que ele acabara de dizer e continuou a limpá-lo. Colocara uma bacia com água e sabão para retirar o sangue dos ferimentos. Isaac se contraía quando a dor era forte, mas não reclamava. Ele tinha um olho quase fechado, um lábio partido e um corte acima da sobrancelha, por onde vertia sangue o suficiente para incomodá-la. — Você não pode sair por aí batendo em todo mundo que me chamar de prostituta. Vai ficar todo quebrado, pois serão muitos para brigar. — Talvez você minta sobre tolerar isso de homens como aquele. Mas eu sei que não tolera. Ninguém gosta de ser ofendido, Caroline. Não me arrependo de tê-lo feito desculpar-se. Isaac ergueu a mão molhada e tocou-a nos cabelos. Eles estavam de frente um para o outro, ela do lado de fora da banheira, ele imerso em água e espuma. Caroline colocou o pano dentro da bacia e segurou a mão que descia para sua face. Havia ferimentos nos nós dos dedos. Aquela era uma mão grande, máscula e de um homem trabalhador. Em algum momento de sua vida, Isaac deixou de ser um lorde indolente e passou a cuidar pessoalmente dos afazeres das propriedades. Ela o respeitava mais por isso. — Violência não é a melhor forma de resolver os problemas. — Isso é engraçado, vindo de você, que apontou uma arma para Madeline Westphallen e ameaçou matá-la. Caroline deu uma risada. Levou a mão ferida de Isaac à boca e beijou os machucados. Ele também riu, mas se contorcia a cada movimento facial. — Foi diferente. Ela iria arruinar a vida do duque. Eu estimava Aiden, não podia deixar que ela se aproveitasse de uma mentira para casar-se com

ele. — É diferente quando é por amor? — Eu não o amava. — Mas achava que sim. — Sim, eu achava. — Ela voltou a dedicar atenção aos ferimentos da face. A mão de Isaac a acariciava na face, os dedos dele se embolavam em seus cabelos. — Eu estava bastante desorientada naquela época. Isso foi há dois anos, muita coisa mudou. Ele tocou-a com mais intimidade. Puxou-a para frente até desequilibrá-la. Ele a teria beijado se a porta do quarto não se abrisse e pessoas entrassem. Era um criado com o médico. Por sorte, encontraram o Dr. Davies. Por azar, ele entrou no banheiro e os pegou em posição comprometedora. — O que temos aqui? Davies fingiu não ter visto nada. Ele era um médico tradicional naquela vila e muito acostumado com as famílias nobres da região. Era o médico preferido dos Trowsdales e dos McFaddens. Conhecia Isaac desde que ele era bem pequeno. — Milorde colocou-se na direção dos punhos de outro homem. — Caroline provocou. — Eu estava limpando os ferimentos aparentes. O médico franziu a testa e estendeu uma toalha para Isaac deixar a banheira. Caroline não queria sair dali, mas sabia que era escandaloso demais se ficasse para ver o homem nu. Havia limites até mesmo para a sua falta de decoro. Saiu do banheiro e esperou no quarto, girando para lá e para cá até que os homens aparecessem. Isaac vestia um roupão de veludo e sangue ainda escorria de sua testa. — Teremos que dar pontos aqui. — Davies segurou o ferimento entre os dedos. — Lady Eckley, poderia solicitar um criado para me auxiliar? — Não será preciso. — Ela se colocou ao lado do médico. — Eu mesma ajudo. — Haverá bastante sangue. — Não mais do que já vi. O que precisa, doutor? — Láudano. E uma lata de metal que está ao lado. — Não quero ser drogado. — Isaac reclamou. — Não preciso de láudano. Dê os pontos, Davies. — Beba o láudano, Isaac. — Caroline sentou-se ao lado dele na cama e lhe entregou a garrafinha marrom. O cheiro de álcool e ópio era suficiente para intoxicá-la. — Haja como um homem forte e assuma sua fraqueza.

Sentir dor é uma prova tola de masculinidade. Ele fez uma careta, mas virou toda a garrafinha. Davies preparou seus equipamentos e, quando o lorde estava suficientemente incapacitado pela droga, deu cinco pontos pequenos no corte, fechando-o. Aproveitou para examinar outras partes que poderiam ter se ferido, mas não encontrou nada além das escoriações que Caroline já vira. Antes de ir embora, Davies deixou uma receita com um tônico de acônito para ajudar na recuperação das lesões. Ele não pareceu satisfeito em deixar Caroline sozinha no quarto com Isaac, mas não lhe fora dada opção. Depois que o médico saiu e Isaac estava deitado em silêncio, ela chamou um criado e pediu que encontrasse um mensageiro que pudesse entregar dois bilhetes. Pegou caneta e papel e escreveu um recado para sua família, explicando que passaria a noite no hotel. Escreveu outra para os McFaddens, em nome de Isaac. Esperava que não percebessem a letra feminina. Um garoto apareceu no quarto. Caroline entregou a ele os dois bilhetes e uma moeda. — Entregue esse aqui — ela depositou um papel dobrado na mão direita do menino — na Granville House. Esse aqui — outro papel foi colocado na mão esquerda — vai para Greenwood Park. Não misture os bilhetes e não falhe. Quando cumprir sua missão, eu te darei outra moeda dessas. — É um Soberano, milady! — Serão dois se você trabalhar bem. O garoto riu e saiu correndo do quarto. Ela aprendera com Isaac que pessoas bem remuneradas demonstravam mais interesse nas tarefas. Caroline fechou a porta com chave e eles estavam finalmente isolados do restante das pessoas. Daquela vez todo mundo sabia. Não era um segredo. Ela passaria a noite com Isaac McFadden nas vistas de todos. Ela começou a rir. Seu vestido lindo estava arruinado. Aquelas manchas de sujeira e sangue nunca sairiam. Seu cabelo estava desgrenhado. Ela cheirava a uma mistura de odores fétidos. Acabara de presenciar o homem com quem estava dormindo entrar em uma luta por ela. Nunca alguém brigara por sua honra. Nem mesmo Anthony. O devasso do seu primo mataria por ela, mas achava uma grande bobagem importar-se com o que os outros pensavam dele mesmo. Com ele, Caroline aprendeu a também não se importar. Mas Isaac tinha razão, ela se magoava. Não queria ser constantemente atacada por sua decisão de ser uma mulher livre. Ela não se arrependia de

nenhum de seus atos. De nenhum de seus homens. De nada que fizera. Mas preferia ser, pelo menos, respeitada. E aquele homem, aquele menino, esfregou a cara de um brutamonte no chão. Por ela. Pela honra que ela nem mesmo tinha. E estava ali na cama, drogado e costurado, dizendo que faria novamente a mesma coisa. Ela continuou a rir. Foi para o banheiro, preparou outro banho quente, despiu-se e mergulhou nos aromas doces dos sais de banho. Qualquer coisa era melhor do que aquele cheiro de latrina. A noite seria longa.

Capítulo décimo sexto

E LE NÃO SABIA o que era pior, se a sonolência moribunda do ópio ou o gosto de sangue na boca que o recordava de ter socado a cara de um grandalhão. Isaac tentou ajeitar-se na cama, mas acabou embolando-se na colcha. Ele era um emaranhado de tecidos quando ouviu o barulho de água. Torneiras abrindo, torneiras fechando. Piscou os olhos, mas não conseguia mantê-los abertos. Não havia muita luz e a penumbra o forçava a permanecer na escuridão do sono, que o puxava para longe. Os sons estavam caóticos, mas o toque daquelas mãos em seus cabelos era inconfundível. Era o mesmo carinho da biblioteca, o mesmo cuidado, o mesmo cheiro de pele feminina. Ele tentou manter-se desperto para senti-la próximo a ele. A colcha foi afastada e substituída pelo corpo macio que se acomodou ao seu lado. Se Isaac conseguisse levantar a mão, ele a tocaria. — Você precisa ir. — Ele balbuciou. — Não pode passar a noite comigo. — Como se fosse a primeira vez. Caroline passou os dedos pelos cabelos dele. Desceu pelo rosto ferido. Acariciou a barba e os lábios com o polegar. — Então converse comigo. Eu estou a ponto de apagar. — Deveria dormir. O láudano ajuda a relaxar. — Conte-me qualquer coisa. Ainda é meu aniversário, você não pode me negar um desejo. O que Caroline Eckley quer compartilhar? A voz dele estava arrastada e baixa. Ela se acomodou mais perto e, daquela vez, ele a envolveu com o braço. Dava para sentir o hálito morno dela tocando-lhe a pele do ombro. Isaac correu os dedos pela lateral do corpo dela e a sentiu estremecer sob o toque. — Você queria saber sobre o sanatório, então vou partilhar um segredo.

Eu digo para todo mundo que foi tudo bem, que me ajudou a ver a vida de outra forma. Mas a verdade é que foi um período terrível. A pior coisa é estar presa sendo considerada louca apenas por ser impulsiva. Eu tive uma crise de nervos, mas eu não sou louca. — Claro que você não é. — Isaac passou a mão pelas costas dela e a puxou para mais perto. Ele não sentia mais dores, apenas pontadas no lugar onde o ferimento foi costurado. O láudano entorpecia. — Eu sinto muito, Caroline! Foi por isso que decidiu mudar? Ser diferente? — Tive ajuda de uma enfermeira que foi um anjo. Ela me proporcionou leituras de boas obras, me ajudou a perceber que não há problema comigo. E acabei entendendo que eu precisava parar de correr atrás de homens que apenas me queriam para seus desejos carnais. Eu sou melhor do que isso. — Eu sei que é. — Ele levou os lábios até o ombro dela e beijou bem ali. Poderia estar entupido de ópio, mas a presença dela fazia com que seu corpo reagisse com rigidez. O desejo contido era maior do que a força da droga. — E eu não penso em você dessa forma. — Sei disso. Por que acha que estou aqui? Isaac segurou-a pelos quadris e puxou-a para si. Caroline gemeu e ele a beijou. Nada ali era romântico ou atraente, mas ele não conseguia passar nenhum momento mais longe dela. Virou-a na cama e acomodou-se sobre ela, forçando-se contra ela, buscando mais contato e mais proximidade. Enquanto se beijavam, ela tentava ser delicada. Colocou uma mão de cada lado de sua face, deixando o polegar tocar cuidadosamente o hematoma em seu olho esquerdo. Pressionou os lábios dele com cuidado. Mesmo que Isaac estivesse faminto, Caroline esbanjava sutileza e carinho. Sim, era carinho. Ele se sentiu cuidado enquanto delirava entre um estado de puro instinto e ligeiro torpor. Ela desceu as mãos suavemente pelos ombros, pelas costas e posicionou-as nos quadris de Isaac. Ele não percebeu exatamente em que momento notou que Caroline estava nua sob ele, nem que seu membro duro buscava seu caminho entre as coxas dela. Sentiu apenas que ela o guiava, entre beijos e murmúrios, até que ele se acomodasse e a penetrasse profundamente. Ao se perceber dentro dela, Isaac interrompeu o beijo e apoiou sua testa na de Caroline. Ela se movia debaixo dele, forçando uma fricção pela qual também deveria estar ansiosa. Ele a desejava demais e queria que ela entendesse que não era apenas um intercurso sexual. Não mais. Apoiando os joelhos no colchão, Isaac assumiu uma posição ativa e começou a estocá-la.

Foi mais rápido e mais forte do que ele esperava, mas ela o encorajou. Ele ergueu o corpo e ficou ajoelhado na cama. Colocou as mãos sob as nádegas de Caroline e ajeitou-a contra si, apoiando as pernas dela em seus ombros. Depois, levou o polegar até o seu centro de prazer e, aproveitando a umidade da excitação dela, começou a estimulá-lo. A penetração era profunda e Caroline parecia rendida aos carinhos. Ele não conseguia pensar em mais nada que não aquele corpo perfeito conectado ao dele, movendo-se em um ritmo cadenciado e forte, que estremecia sob o seu toque. — Oh, Isaac. — Ela gemeu e fechou os olhos. Depois os abriu novamente. — Não pare. Dar a Caroline prazer era algo que o agradava imensamente. Ele não iria parar. Provocá-la-ia para levá-la ao clímax, mesmo que ela o tivesse alertado que eles geralmente sempre gozariam em tempos diferentes. Talvez, com o hábito, isso mudasse. E foi pensando que eles poderiam repetir aquele momento várias vezes que Isaac se entregou aos sentidos. A forma como Caroline o envolvia mudou. Ela passou a quase estrangulá-lo, tornando a penetração absurdamente mais estimulante. Isaac estava longe de ser experiente na arte do prazer feminino, mas até ele entendeu que Caroline estava prestes a encontrar seu alívio. Ah, como ele queria estar dentro dela quando isso acontecesse. Mais forte e mais fundo, Isaac aumentou o ritmo até que ela se contorcesse nas mãos dele, agarrando os lençóis e chamando por seu nome. Já tendo ultrapassado seu limite de resistência, ele investiu mais algumas vezes contra ela e se retirou, derramando sua semente sobre o ventre dela.

Depois que Isaac desabou ao seu lado na cama, Caroline sabia que ele tinha ultrapassado vários limites. Depois de uma briga em uma taverna, um olho inchado e alguns pontos, ele estava ferido demais para a diversão sexual. Ainda havia o láudano, que deveria incapacitá-lo parcialmente. Ele não pareceu nada incapacitado ou com alguma dificuldade quando se colocou sobre ela. Mas, naquele momento, a dor o abatera. Ela puxou o roupão que estava sob ele e se limpou precariamente, apenas para poder levantar. Foi até o banheiro e voltou com uma bacia de água

fresca e uma toalha limpa. O ferimento sobre o olho menos inchado de Isaac estava sangrando e ela precisava garantir que o esforço não causara o rompimento de pontos. — Estou bem. — Ele virou para ela, querendo pegar a toalha. — Faminto, mas bem. — Pedirei que sirvam o jantar aqui no quarto. Mas você precisa descansar, Isaac. Deixe-me fazer as coisas, tudo bem? Ele provavelmente concordou com ela, pois permitiu ser limpo, virado e coberto. Caroline voltou ao banheiro, lavou-se e vestiu um roupão grosso de veludo, que cobria até quase os seus pés. Sentindo-se adequada para receber um criado, foi para a antessala da suíte e tocou a sineta. Havia criados permanentes nos andares das pessoas endinheiradas, fossem elas nobres ou não. Uma jovem, vestida impecavelmente, apareceu na porta. Caroline pediu que ela trouxesse sopa, pães e uma garrafa de vinho. Se Isaac não fosse beber, ela iria. Voltou para o quarto e o encontrou adormecido, os ferimentos no rosto não interferindo em nada em sua beleza angelical. Claro que hematomas e sangue afetavam a beleza de qualquer pessoa. Até um deus do Olimpo seria menos belo se estivesse combalido. Mas não fazia nenhuma diferença para ela. Talvez ele estivesse ainda mais perfeitamente lindo e desejável depois de ter brigado com o brutamonte barbudo, se isso fosse possível. Aquele maldito aniversário passara a representar mais problemas do que diversão. Depois que o jantar chegou, ela o despertou e fez com que se alimentasse. O láudano finalmente o abateu, forçando-o a adormecer novamente logo depois. Caroline deveria dormir, também, mas estava com muitos pensamentos que tornavam difícil relaxar. Ela estava um rebuliço. Cada minuto de cada hora de cada dia com Isaac McFadden fazia com que ela desejasse mais dele e isso a assustava bastante. E então ela se deitou ao lado dele, envolveu-o com um abraço e puxou as cobertas sobre eles. Levou algum tempo sentindo o aroma pungente da pele masculina, a maciez rígida dos músculos relaxados e o inflar dos pulmões dele enquanto respirava. Caroline não se viu adormecer, mas acordou relaxada como se ela também tivesse ingerido uma quantidade moderada de láudano. Espreguiçando-se enquanto abria os olhos para perceber o seu arredor, Caroline notou Isaac sentado em uma poltrona próxima à cama. Ele estava de

calça e sapatos, usava a camisa desabotoada e com os punhos abertos. Tinha o cabelo úmido, indicando que se banhara, e olhava para ela com a intensidade de um tornado. Apesar do tormento aparente naquele azul límpido que eram os olhos de Isaac, ele tinha a expressão suave. — Bom dia. — Ela se espreguiçou e se sentou na cama. — Você parece bem melhor, agora. — Eu estou melhor, obrigado. Pedi que sirvam nosso desjejum. Nós precisamos conversar, Caroline. Sim, eles precisavam, porém ela não desejava estragar, com palavras, o que eles tinham de tão bom. Qualquer conversa serviria para colocar questões no relacionamento deles. O que era simples se tornaria complexo. Caroline não queria discutir por quês nem racionalizar demais sobre os sentimentos que ela sabia que estavam ali, gritando, entre eles. Caroline se levantou e foi ao banheiro se lavar. Ela nunca fora tão asseada, mas a imundice da noite anterior permanecia no odor fétido das roupas amontoadas em um canto do quarto. — Podemos conversar enquanto comemos? Estou faminta, a sopa de ontem à noite não serviu para aplacar meu apetite. Isaac surgiu na porta do banheiro e recostou no batente de madeira. Aquele cômodo era lindamente decorado, com azulejos coloridos e pintados à mão, bordas douradas, e lamparinas de metal polido. Os componentes do banheiro eram de louça branca. A banheira de cobre era grande o suficiente para duas pessoas. Por um momento, Caroline desejou que eles iniciassem a conversa nus, ensaboados e mergulhados na água morna. — Todos sabem que dormimos juntos. — Isaac disse, cruzando os braços. — Nós estamos brincando com fogo há algum tempo. Precisamos tomar uma atitude quanto a isso. — Não será a primeira vez que dormi com um homem. Todos sabem, também. — Eu não sou como os homens com quem você se relacionou até agora. Não quero que falem que eu sou seu amante para dar mais motivos para falarem de você. Ela entrou na água e começou a se esfregar. — As pessoas falam de mim desde que tive meu debute em Londres. O que pretende fazer para silenciá-las? — Eu pretendo conversar com o Marquês de Granville e casar-me com

você. Caroline parou o que estava fazendo, como se a água da banheira tivesse congelado subitamente. Seu corpo travou. A tranquilidade na voz dele foi ainda mais assustadora do que a ideia surreal de que eles se casassem. Era o que ele realmente pretendia. Não se sentia ameaçado, nem compelido a fazer algo que não desejava. — Você perdeu o pouco juízo que tinha. Essa proposta é ainda mais irrazoável do que a primeira que me fez. — Acha irrazoável que eu deseje me casar com você? — Sim. — Os movimentos voltaram e ela saiu da banheira. Enrolou-se em uma toalha felpuda e o encarou. — Principalmente para reparar uma honra que eu não possuo. Eu não sou uma dama cuja virtude precise ser resguardada. Parece que você não me conhece há tantos anos, milorde. Ele foi até ela e pegou a toalha, ajudando-a a se secar. Ela estava muito sensível e a proximidade a fez manter a guarda baixa. — A coisa certa a se fazer é nos casarmos. — Ele a enrolou na toalha e a puxou para um abraço. — Depois de ontem, depois do que compartilhamos nesses dias, você pode acreditar que seríamos um casal tão improvável? Era difícil resistir a Isaac. Caroline afundou o nariz na dureza do peito dele e respirou fundo. — Não somos improváveis. Apenas não vou me casar, Isaac. Eu vou abrir uma escola, eu tenho negócios e investimentos. Não vou estragar tudo isso. Por mais que a lei me permita manter meus negócios, nós dois sabemos que maridos controlam suas mulheres. — Eu jamais faria isso com você. Eu deixaria você continuar tendo sua própria vida. — Você não pode me julgar por não acreditar. — Caroline afastou-se dele e voltou para o quarto. Naquele instante, bateram à porta e entraram com o café da manhã. O barulho dos criados arrumando uma mesa na sala anexa distraiu-a um pouco. — Eu não vou abrir mão da minha vida por um marido. — Mas você já quis fazer isso. — Isaac seguiu-a. — Já quase matou para se casar com Aiden Trowsdale. — Eu mudei de perspectiva. E eu achava que o amava, estava desorientada. — Se você me amasse, seria diferente? Ela não respondeu. Tentava arrumar-se para o dia, enfiando-se em peças de algodão e seda sem a ajuda de uma camareira. Quando Isaac se aproximou

para ajudar, ela se afastou, mas acabou aceitando que ele amarrasse os laços, prendesse os ganchos e fechasse os botões. Na noite anterior, Violet mandara uma maleta com roupas para Caroline e para Isaac, que foram obtidas de forma subliminar na casa dos McFaddens. Os criados se comunicavam e se ajudavam, dependendo da necessidade. Era fato que todos já sabiam que eles passaram a noite juntos. E, por todos, estavam incluídos os criados de Greenwood Park. — Não faça isso, Isaac. — Ela se virou para ele e colocou as duas mãos nas bordas abertas da camisa. — Está tudo tão bem entre nós. Você não está satisfeito com nosso arranjo? — Minha satisfação nunca será plena se nosso arranjo servirá para continuar perpetuando coisas maldosas sobre você. Ela levou sua boca à dele e o beijou. Os lábios estavam menos inchados, o corte ali já quase cicatrizado. O hematoma no olho dele também reduzira, mesmo que ainda indicasse que ele se envolvera em uma contenda. Os pontos na testa pareciam secos. Ele parecia bem melhor, como dizia estar. Precisava apenas tirar aquelas ideias da cabeça. — Vista-se, vamos comer e depois voltar para casa. Não pense mais nisso.

Ele não sabia quando tomara a decisão de se casar com Caroline. Mas, ao despertar de manhã e a ver ao seu lado, dormindo como uma ninfa na floresta, ele sabia que precisava tomar uma atitude. Esgueirar-se com ela pela escuridão e passar a noite escondido em um chalé de hóspedes era uma coisa completamente diferente de dormir com Caroline à vista de todos. Depois de brigar por ela. Não havia uma única alma na vila que já não soubesse do episódio na taverna, e certamente todos sabiam que eles estavam ali. A irredutibilidade dela o incomodou. Quando ela disse que não se casaria com ele, Isaac sentiu ciúmes de todos os homens com quem ela já desejou se casar. Porque eles existiram. E foi difícil não os nomear e jogar sobre ela. Mas Isaac não queria parecer desesperado. Ele tinha mais dignidade do que aquilo. Faria as coisas do jeito que considerava correto e tentaria convencê-la, no processo. Depois de tomarem um desjejum quase em silêncio, eles desceram pelo

elevador hidráulico até a recepção. Daquela vez passariam pela frente do hotel. Não havia mais necessidade de esconderem-se nas sombras. Não era mais possível evitar um escândalo. A forma como Caroline transitava entre as pessoas era intrigante. Ela não se envergonhava, não se constrangia, não abaixava a cabeça. Sorria e cumprimentava a todos, mesmo que olhassem para eles de forma suspeita. — Sr. Downey. — Ela se dirigiu a um homem de bigodes que estava circulando pelo saguão do hotel. — Gostaria de agradecê-lo por ontem. Por sua discrição e prontidão. — Foi um prazer servi-la, milady. — O homem segurou a mão dela e beijou. Isaac agradeceu aos céus por ela estar de luvas naquela manhã. Não gostaria de ver um homem que ele nem conhecia colocando a boca imunda nos dedos de Caroline. — Vejo que Lorde Isaac está bem melhor. O Sr. Downey olhou para ele, mas não recebeu um cumprimento amistoso. Isaac estava rabugento por ter sido recusado. Ele esperava que, se permitisse que Caroline soubesse de suas intenções, ela pelo menos as considerasse. — Estou me sentindo revigorado. O hotel tem quartos muito confortáveis. — A Srta. Eckley é responsável por boa parte desse conforto, milorde. Isaac concordou, sem entender exatamente o que dizia o homem. Eles se despediram e foram até o pátio do hotel, onde fora estacionada a carruagem dos McFaddens. O cocheiro estava já de prontidão, aguardando ordens. O lorde solicitou que ele os levasse até a Granville House, depois iriam para casa. Dentro da carruagem, Caroline continuava distante. Ela olhava para fora, para o litoral, e ele não conseguia entender o que se passava naquela cabecinha complicada. — O que quis dizer o gerente com aquilo? Por que você é responsável pelo conforto do hotel? — Fui eu quem cuidou da decoração de todos os quartos. — Ela se virou para ele e sorriu. — Adoro decorar e enfeitar coisas. Ficou mais divertido quando havia um propósito para isso. — Pensei que você só investisse no Palace of the Sea. Não sabia que tinha uma participação tão ativa. Caroline voltou a olhar a paisagem. — Eu investi no hotel. Mas talvez não tenha sido clara sobre o percentual da minha participação. Eu detenho oitenta por cento do Palace of the Sea.

— Oitenta por cento? — Isaac se surpreendeu. — Então por que Oglethorpe diz a todos que é mais um dos hotéis de sua rede? — Porque é assim que deve ser. Ninguém confiaria em um hotel gerido por uma mulher. Oglethorpe é um homem inteligente e sua rede hoteleira é um sucesso. O nome dele engrandece o empreendimento e dá credibilidade ao projeto. Enquanto nós, mulheres, formos meras decorações no mundo masculino, é assim que as coisas devem ser. Mesmo que ela sorrisse, havia amargura em suas palavras. Isaac não sabia como ela se sentia. Não teria como saber. Caroline era uma mulher que multiplicara sua fortuna e que, ainda assim, mantinha uma feminilidade que poucos notavam. Ela era uma mulher em toda a sua plenitude. Tudo que desejava era ser respeitada por isso. Os motivos pelos quais ela o rejeitou estavam ali, gritando para ele. Sempre estiveram, mas ele não os entendeu. Desde que ela retornara do seu período no sanatório, Caroline não era mais a mesma pessoa nem desejava as mesmas coisas. E ela desistira do casamento porque não havia como conciliar sua vida livre com um marido. Ainda assim, ele a desejava o suficiente para ser insistente. Precisava que ela confiasse nele. Não importava o que ela achava, ele a deixaria livre. — Como vai explicar para sua família esse olho roxo? Ela perguntou, por fim. A mão enluvada dela procurou a dele e aliviou o peso que estava em suas costas. — Falarei a verdade. Ganhei-o defendendo a honra de uma dama. — Dirá quem foi a dama? — Claro que sim. — Ele levou os dedos dela até a boca e os beijou. — Você pode não acreditar, Caroline, mas eu não tenho vergonha de você. — Eu acredito em você, Isaac. — Ela se acomodou melhor à frente dele e passou a mão por sua face. — Mas eu sei que sua família não aprovará um relacionamento seu comigo. Definitivamente, não. Isaac sabia que Edward já se colocara contra. Era possível que a mãe também repudiasse a ideia do segundo filho ter um caso com uma mulher. Ela esperava que ele constituísse família. Mas Isaac sabia que conseguiria convencê-los. Assim que a carruagem parou em Granville House, eles se despediram. Não havia muita coisa a ser dita. Caroline o beijou com suavidade e encerrou o contato dos lábios antes que ele pudesse se tornar mais intenso. Não houve adeus ou promessas de reencontros. Isaac sabia que eles precisavam guardar

um tempo para si mesmos, para refletir. Mas ele tinha planos que deveria executar, e esses não podiam esperar. Mas seu planejamento teve que ser postergado no instante em que entrou em casa. O mordomo arregalou os olhos ao vê-lo, assustado com sua aparência. Wilhelmina, que acabara seu desjejum, correu para cumprimentar o irmão e parou no meio do caminho, levando as mãos à boca. — Meu Deus, Isaac, o que houve com você? A jovem se aproximou mais e levou os dedos para tocá-lo no ferimento na testa. — Um inconveniente. — Parece bem mais que um inconveniente. Você esteve brigando? — Quem esteve brigando? A voz da condessa viúva ecoou no corredor. Ela saía do salão onde tomara seu desjejum com a filha. Tudo que Isaac menos desejava era explicar-se para elas naquele momento, porém não podia esconder-se para sempre. Era melhor falar a verdade antes que a fofoca circulasse. — Eu precisei defender a honra de uma dama. Sei que não praticamos mais duelos nem apelamos para a violência, mas o homem que apanhou de mim não sabia outra linguagem. — Ele apanhou? — Wilhelmina tocou o olho roxo. — Mais do que você? — Sim, eu o fiz retratar-se. — O lorde retirou seu casaco e seu chapéu e entregou para Peyton. — Isso aqui não é nada, é o que geralmente acontece quando homens brigam. — Por acaso a dama cuja honra estava em ruína era Lady Eckley? A condessa viúva perguntou. — Talvez devêssemos ter essa conversa em algum lugar privado. Pressentindo que o assunto se estenderia, Isaac levou as mulheres para o salão de artes e serviu-se de uma dose de conhaque. Ele precisava beber para enfrentar um interrogatório. — Você está cortejando Lady Eckley? — Wilhelmina insistiu. — Talvez eu esteja. — Ele bebeu seu drinque em um gole só. — Mas estou fazendo tudo corretamente, inclusive tendo me descompromissado com Lady Francesca e conversado com o marquês, antes. — Suas intenções são de casamento, Isaac? — Sim, são. — Ele serviu-se de mais bebida. Seus dedos tremiam, ele estava nervoso tendo que explicar aquilo para sua família. Principalmente porque Caroline ainda não demonstrara intenções de aceitá-lo e Edward se

mostrara tão contrário ao enlace dos dois. — Mas eu preciso convencê-la, primeiro. — Você sabe que ela tem uma reputação maculada. — Não foi uma pergunta, mas uma afirmação. A condessa viúva sentou-se e levou segundos fitando o filho. — Ainda assim deseja tomá-la como esposa? — Ele está apaixonado. Wilhelmina disse, afiada como uma adaga. Isaac se engasgou com o conhaque e quase derrubou o copo em suas mãos. — Não tem nada a ver com paixão. — Posso ser jovem e não saber muitas coisas, mas eu leio bastantes livros de romance e sei reconhecer os sintomas. Seus olhos brilham quando você fala dela. Passa muito tempo com ela e, agora, ao responder mamãe, você sorriu. — Não sorri. — Sorriu, sim. — A condessa viúva confirmou. — Céus, vocês duas querem o quê de mim? Nervoso, Isaac virou de costas e passou a observar o exterior, pela janela. Daquele salão era possível ver os rochedos e parte da fazenda. Ele tinha tantas coisas para cuidar. Precisava visitar a reforma do silo, precisava confirmar se já havia uma avaliação para a mudança do curral para outra região, precisava analisar relatórios e discutir a venda dos grãos com os arrendatários. E tudo que ele conseguia pensar era em Caroline. A condessa viúva aproximou-se do filho e colocou uma mão no ombro dele. Pauline McFadden fora uma mãe tradicional para a aristocracia. Os filhos passavam mais tempo com tutores e babás do que com os pais. Mas isso não significava que ela não os amasse. Sentia necessidade de compensar a rigidez do marido, principalmente com Edward. Mas o primogênito cresceu duro e ranzinza, enquanto os demais eram doces e afetuosos. — Queremos que seja feliz. Que forme uma família e tenha filhos. Que consiga usufruir da pequena herança que seu pai lhe deixou. Sempre pensei que você daria trabalho para conseguir uma esposa. Edward era pragmático e objetivo, ele negociaria uma dama e a desposaria. Não foi como eu esperava. Mas você? Como sua mãe, sempre soube que só se casaria pela mulher por quem se apaixonasse. — Vocês estão vendo sentimentos onde eles não existem. Eu não fui um cavalheiro com Caroline. Eu preciso reparar a honra dela. — Não conheço Lady Eckley muito bem. — A condessa prosseguiu. —

Mas suspeito que ela não precise que você redima sua honra. — Já considerou as consequências de sua decisão, Isaac? — Foi a pergunta de Wilhelmina. — De quais consequências estamos falando? — Das sociais. — Foi a mãe que respondeu. — Você é um homem criado dentro dos mais rigorosos padrões. Mesmo que nossa família tenha se tornado pouco tradicional, casar-se com Lady Eckley representará ostracismo social. Alguns amigos não o convidarão mais para eventos. A alta sociedade se afastará. Talvez alguns mantenham contato com vocês em razão do título de seu irmão - e da fortuna que ele fez. Mas, apesar do sangue azul de Caroline, casar-se com ela pode rebaixá-lo. Isaac pressionou as têmporas. Ele sabia bem o que significava casar-se com Caroline Eckley. Ela era uma pária na sociedade londrina. Costumava ir aos eventos sem ser convidada e geralmente era assunto nas rodas de fofoca nos clubes de cavalheiros. Nada daquilo era novidade para ele. E, mesmo assim, parecia incomodá-lo muito menos do que imaginava. Quando pensou em procurar Caroline, ele mal a considerava uma criatura com sentimentos. Pouco tempo depois, ele mataria para evitar que alguém a magoasse. — Entendo as consequências. — Ele falou ainda virado para a janela. — Mas também sei que, mesmo que uma mulher tenha um comportamento escandaloso, ela sempre acaba redimida por se casar com um homem íntegro. — E você se acha um homem íntegro? — Espero que o suficiente. — Então, não precisamos ter essa conversa. Não procure desculpas para não fazer o que deseja, meu filho. Apenas faça. Use o pragmatismo de seu irmão e negocie com o marquês. Isaac virou-se para a mãe, surpreso. — A senhora aprova meu enlace com Lady Eckley? — Bem, ela é jovem, bela, rica e de sangue azul. Ela parece apta a produzir filhos saudáveis. Você não se importa com as restrições sociais que ela representa. Não vejo motivos para não a aprovar. Ele olhou para Wilhelmina, que balançava a cabeça concordando com tudo que dizia a mãe. A surpresa era imensa. Primeiro, pela aceitação declarada de um possível casamento entre ele e Caroline. Segundo, pela sugestão de que ele fosse negociar com o Marquês de Granville, pois era exatamente isso que Isaac pretendia fazer. Batidas à porta do salão antecederam a entrada de Peyton. O mordomo

carregava um papel dobrado e selado com o brasão dos McFaddens sobre uma bandeja. — Milorde, acabaram de entregar esse telegrama. É de Lorde Nathaniel. Isaac pegou o papel e rompeu o lacre. As mulheres estavam curiosas aguardando que ele o lesse. Assim que abriu o telegrama, Isaac soltou uma imprecação. — O que houve? — Wilhelmina se aproximou. — Nate precisa de mim em Cornwall. O mais habilidoso negociador da família não conseguiu resolver o problema e mandou me chamar. Não poderia haver momento menos adequado. Ao mesmo tempo em que Isaac não poderia deixar de atender o irmão. Aquela era a propriedade ancestral da família, encrustada em uma das regiões mais conservadoras da Inglaterra. Era distante, úmida e pouco servida pela linha férrea. Se eles não retomassem as rédeas da propriedade e resolvessem o problema com os arrendatários, eles acabariam tendo que se desfazer de Tyntesfield. — Vai até ele? — Sim, eu preciso. Talvez tenha que obrigar Edward a se retirar mais cedo para o litoral. Se me dão licença, preciso organizar minha viagem ao outro extremo do país.

Capítulo décimo sétimo

T UDO QUE ELE pretendia organizar em semanas foi ajustado em horas. Isaac foi até o silo, conferiu o que precisava o engenheiro, escreveu um telegrama para Edward e deixou uma lista de afazeres que seu encarregado teria que cuidar. O conde fora tão enfático em enviá-lo para Kent para garantir que alguém estivesse administrando a propriedade que Isaac sentia-se dividido. Ele tinha certeza que Edward determinaria sua ida para Cornwall assim que soubesse que Nathaniel estava em apuros. Então, faria o que deveria fazer. Mas não queria deixar Greenwood Park desguarnecido, por isso, informava ao conde o que faria. Orientou Dewitt a arrumar sua mala, depois de se lavar e vestir um traje completo para o dia, cavalgou até Rhode Port. Ele acabara de ver Caroline, passara a noite com ela. Mas não podia deixar de despedir-se, principalmente depois que as coisas ficaram um pouco estremecidas entre eles. E havia a necessidade de conversar com o marquês. Isaac prometeu a Caroline que respeitaria a vontade dela sempre, então ele não a negociaria com Granville. Se sentasse com o homem e pedisse a lady em casamento, era provável que o marquês concedesse. Fazendo isso, no entanto, ele começaria o casamento com uma quebra de confiança. Isaac queria que Caroline o aceitasse. Falaria com Granville apenas para pedir ajuda. Para demonstrar suas intenções reais. Para sua sorte, o marquês estava em casa e concordou em recebê-lo. Isaac foi conduzido até o escritório e surpreendeu-se ao encontrar Rosamund Eckley. Eles compartilhavam uma bebida e Granville não pareceu incomodado em receber um convidado homem com sua esposa. Não convencional. Isaac precisava lembrar-se que a família Eckley desafiava

todas as tradições. — Seja bem-vindo, Isaac. Em que podemos ajudá-lo? O marquês indicou uma cadeira para que ele se sentasse. Por trás da mesa de mogno escuro, Anthony Eckley ficava ainda maior. Ele tinha ombros largos e seu tamanho era ameaçador. Se Isaac não tivesse intenções honradas para com Caroline, ele teria medo de estar em uma sala com o marquês. — O que houve com seu rosto? — A marquesa levou a mão à boca, em espanto. Aquela era a reação padrão aos ferimentos do lorde. O inchaço do olho fazia com que ele não conseguisse abri-lo totalmente. — Foi um pequeno acidente que ocorreu ontem. Os punhos de um vilão colidiram com meu rosto, mas posso garantir que ele ficou em situação pior que a minha. Mas foi por isso que vim aqui. Os eventos de ontem conduziram a uma situação em que a honra de Caroline foi comprometida. Eu pretendo repará-la. A expressão do marquês e da marquesa foi do assombro pelos ferimentos à estupefação pelo pequeno discurso. Eles se entreolharam e levaram alguns segundos para se recompor do susto. — Vocês foram pegos em uma situação comprometedora? É isso? A marquesa se ajeitou na poltrona em que estava sentada. Granville levantou-se e serviu três doses de conhaque. — Não fomos pegos, mas isso é irrelevante. Haverá rumores e fofocas. — Com Caroline, sempre há rumores e fofocas. Você nos dirá o que houve? Isaac aceitou o conhaque e bebeu-o todo de uma vez. Se ele dissesse que passara a noite com Lady Eckley, aquilo selaria o seu destino. O marquês não toleraria um amante de sua prima olhando-o face a face. Por mais irreverente que ele fosse, havia limites quando o assunto versava sobre a honra de uma pessoa amada. — Depois da briga que causou meus ferimentos, nós dois fomos ao Palace of the Sea e… bem, eu devolvi Lady Eckley para casa apenas hoje de manhã. Rosamund Eckley manteve-se em um silêncio inexpressivo, olhando para o marido. O marquês fitou o líquido âmbar no copo de vidro por poucos segundos. Quando ergueu o olhar, ele demonstrava um desconforto sensível em prosseguir a conversa. — Meu caro Isaac, eu poderia resolver isso de forma bem simples. Obrigá-lo a casar-se com Caroline seria a decisão mais correta. Mas eu

estaria sendo leviano se mentisse que ela tem uma honra a ser reparada. Como minha querida prima não é uma mulher que cultivou sua virgindade na espera de um marido, há muito se tornou desnecessário que ela se casasse para redimir qualquer coisa que façam com ela - porque tudo será da vontade dela. Se estiver preocupado com a reação da sociedade, nós já nos acostumamos. — Entendo, milorde, mas eu não me acostumei. Eu pretendo casar-me com Lady Eckley. Daquela vez a marquesa se agitou. Um sorriso largo se formou nos lábios bem delineados da mulher, que não conseguiu esconder sua alegria pela notícia. — Casar-se! — Ela juntou as duas mãos e bateu palmas. — E veio aqui pedir autorização do marquês para tomá-la como esposa? — Sim, eu vim. Porém, sei que Lady Eckley não aceitará um casamento imposto a ela. Eu gostaria de sua bênção novamente, milorde, mas ainda não a convenci de que casar-nos seja uma boa ideia. Ela está muito preocupada com seus novos empreendimentos. — Certamente que está. — O marquês era mais comedido, mas demonstrava satisfação pela decisão de Isaac. — Ainda assim, Caroline é uma mulher. Ela deseja um amor, um marido, filhos. Se confiar que você não a podará como um arbusto seco no outono, ela aceitará sua proposta. Continue cortejando-a, Isaac. Esqueça o escândalo, não se sinta obrigado a desposá-la. Fazia algum tempo que eu não via Caroline tão envolvida com algo que ela queira - e não estou falando da escola nem do evento que acontecerá em uma semana e meia, mas de você. A sinceridade crua do marquês fez subir uma onda de calor que enrubesceu o pescoço e a face de Isaac. Aquele fluxo exagerado de emoções era inadequado. Nenhum padrão masculino se referia a um homem tão sentimental como ele. — Obrigado, milorde. Fui convocado por meu irmão Nathaniel com urgência, por isso embarco hoje ainda para Cornwall. Mas, assim que retornar, continuarei a visitar Lady Eckley. Peço desculpas por meu comportamento. — Você é um cavalheiro, Isaac. — O marquês estendeu a mão para cumprimentá-lo. — Se Caroline não quiser se casar com você, vou amarrá-la e arrastá-la para a igreja. Não há homem mais adequado para ela em toda Inglaterra.

O aperto de mãos selou um acordo de cavalheiros. Não era um contrato de casamento, apenas um ajuste no combinado que fizeram antes. Isaac tomava todas as providências dentro da decência, mesmo que ele não estivesse sendo decente com Caroline. O marquês chamou um criado e pediu que acompanhasse o lorde. Ao sair do escritório, ouviu a marquesa comemorar em voz alta. Pelo menos alguém da família estava satisfeito com sua proposta. Dali, Isaac pediu que fosse conduzido até Caroline. Precisava despedir-se e garantir que a viagem não os afastaria de vez. Pensar que ela poderia encontrar um substituto para ele enquanto estivesse fora quase o fez perder o passo enquanto seguia o criado. Não, ela não faria isso. Ela gostava dele. E Caroline não era uma prostituta, ela só se envolvia com homens por quem tivesse sentimentos. Ela estava no jardim de inverno. O lugar era grande, fartamente iluminado pela luz solar e repleto de plantas e flores. As paredes continham janelas que iam do chão ao teto, que era parte de vidro e parte de madeira e alvenaria. Orquídeas e acônitos se misturavam de um lado, rosas e jasmins do outro. A excentricidade era compatível com a família Eckley. Caroline segurava alguns papéis e parecia concentrada neles. Deitada no chão ao lado dela, Marquesa cochilava enquanto recebia carinho dos pés descalços da lady. A cachorra ergueu a cabeça ao ver pessoas se aproximando. Caroline virou para o lado e sorriu ao ver Isaac chegar. — Milorde, que bom receber sua visita. — Ela colocou os papéis sobre uma mesinha redonda. — Fulton, traga-nos chá e bolinhos. — Minha visita será breve. — Isaac disse, fazendo com que o sorriso morresse nos lábios dela. — Certo. Fulton, traga o chá com bolinhos assim mesmo. Aliás, mais bolinhos do que chá. Aqueles com cobertura. Peça para que a criada mande café preto, também. O homem fez uma mesura e se afastou. Caroline indicou que Isaac deveria sentar-se em uma cadeira que estava próxima a ela. A lady usava um vestido branco com detalhes em vermelho. Isaac nunca a vira vestindo qualquer coisa que não fosse apenas vermelho em suas diversas nuances. O branco a deixava tão linda quanto qualquer cor a deixaria. Os cabelos estavam trançados e ela parecia refrescada, como se tivesse terminado de tomar banho. — Desculpe interromper sua leitura. Eu vim me despedir. Passarei alguns

dias em Cornwall, meu irmão Nathaniel está com problemas. — Não é nada importante. — Ela apontou para os papéis. — Documentos da escola. Eu nunca os assino sem lê-los primeiro. — Entende o que eles significam? Deseja uma opinião? — Se não entendesse, milorde, não estaria mais rica do que nunca. — Ela deu uma risadinha bem-humorada, mas estava afiada como uma espada. — Mas adoraria que pudesse dar uma olhada neles. Gosto de ouvir as pessoas sobre meus negócios, mesmo que nem sempre siga as orientações que me dão. Duas criadas entraram com bandejas. Serviram café para Isaac e chá para Caroline. Ele gostava de café preto de vez em quando, aquele seria um bom momento. Estava tenso como se houvesse engolido uma estaca de madeira. Depois que as criadas saíram, ele abandonou o decoro e segurou as duas mãos de Caroline entre as dele. Beijou os dedos e saboreou a pele acetinada em seus lábios. — Pensarei em você enquanto estiver fora. Você me enfeitiçou, Caroline Eckley. Ela correu os dedos pela face dele. — Também pensarei em você. Mas, seja lá o que for que seu irmão precise, tenho certeza que conseguirá ajudá-lo. — Pense em minha proposta enquanto isso. — Não vou me casar com você, Isaac. — Caroline bebeu o chá e mordiscou um bolinho. — Mas considere aceitar você a minha. Continuemos como estamos. E por favor, prove esse bolinho. Caroline levou o doce à boca dele. Isaac deu uma mordida e soltou um gemido baixo. A maciez e a textura do bolinho eram incríveis. Olhando para ele, Caroline indicou que um pouco da cobertura sujara seus lábios. Isaac tentou limpar, mas passou o guardanapo no lado errado. Ela riu, dobrou o corpo e levou a boca até a dele. Não era para ser um beijo, apenas uma provocação. Caroline era espontânea e fazia tudo que desejava sem se importar muito com as consequências. Mas o toque dela fez com que ele, inteiro, estremecesse. Isaac segurou-a com as duas mãos, uma de cada lado de sua face, e beijou-a de verdade. Levaria muito tempo para que ele se cansasse de tê-la. O afastamento o deixaria miserável. Durou pouco, o suficiente para um beijo de despedida. — Mandarei notícias.

Ele se levantou depois de soltá-la. Saiu do jardim de inverno se esforçando para caminhar em linha reta, sentindo seus músculos trêmulos e o coração batendo forte demais. O efeito Lady Eckley era mais potente do que o láudano da noite anterior.

Por dois dias, Caroline foi a mesma mulher de sempre. Seu humor ácido e seu temperamento mantinham os criados afastados dela. Era como se a sua imoralidade fosse contagiosa. Muitas criadas se recusavam a olhar para ela, apenas cumpriam as ordens que recebiam porque precisavam do emprego. A única que a tratava com algum respeito era Violet, sua camareira. Mas Caroline não se importava tanto. Ela se acostumara a ter o desprezo da sociedade e de todos com quem socializava. Tirando sua família, todas as pessoas conviviam com ela por serem obrigadas. Os preparativos para o evento se intensificaram. Ela recebera diversas confirmações, a maioria de famílias burguesas. Jovens damas com muito dinheiro que desejavam maridos com títulos para ascender socialmente. Naquela época, ainda havia muitas famílias nobres que insistiam em viver de renda, pois julgavam o trabalho degradante. E, com o crescimento exponencial da indústria e da tecnologia, a maioria já estava endividada até os últimos fios de cabelo. Caroline sabia disso e contava com a necessidade de ambos os lados em se unirem. Rosamund estava empenhada em auxiliá-la. Como boa anfitriã, respondeu alguns convites que fizera a mulheres nobres com filhas jovens, dentro da idade esperada por Caroline. O silêncio da condessa, no entanto, a desanimava. Sabia que Agatha tinha restrições quanto a ela, mesmo que tivesse aceitado uma amizade e a sociedade. Mas, no fundo, ela esperava ser perdoada. Não por ser livre e tomar decisões contrárias ao recato, mas por não ter entendido o lado das mulheres que eram diferentes dela. No terceiro dia, no entanto, ela não conseguia mais dormir. Rolava na cama a noite toda e chegara a tomar láudano para ver se a droga a derrubava. Não teve muita sorte, apenas náuseas. Violet fez alguns chás para ajudá-la a descansar, mas, no final, Caroline parecia um fantasma com manchas arroxeadas debaixo dos olhos. Exausta e irritadiça, ela precisava manter-se afastada das pessoas.

Claro que seu primo não a deixaria em paz. Mesmo depois de ela ter dado ordens aos criados que não aparecessem perto dela nem se fossem chamados, porque ela não queria destratar ninguém, ele foi até ela na biblioteca com uma bandeja de doces. E uma garrafa de vinho. — Vamos hastear uma bandeira branca, Caroline. Você está com suas regras mensais? — Anthony serviu duas taças e entregou uma para ela. — Não. Mas elas não demorarão. Minha barriga dói e estou muito aborrecida com tudo. E você não deve me fazer essas perguntas. Não é inadequado falar de partes do corpo e de questões femininas? — Desde quando você se importa com decoro e com o que é adequado? Vamos, beba. Pode te ajudar. Converse comigo, como andam os preparativos? Caroline ajeitou-se em uma chaise longue e bebericou o vinho. — Rose está sendo fantástica, eu quase não preciso fazer nada. Ser marquesa faz dela praticamente a comandante de um império. Mas estou preocupada, nunca ofereci eventos dessa magnitude. E se falhar tentando apresentar meu projeto? Anthony sentou-se próximo a ela, apoiou a taça em uma mesinha e segurou as mãos dela nas suas. — Estaremos aqui para te ajudar. Você está com saudades dele? — Saudades de quem? — Dele, Caroline. Isaac McFadden, seu lorde romântico. — Anthony. — Ela esticou a coluna e se sentou ereta no estofado, soltando as mãos do marquês. Encarou-o com sua expressão mais assustadora. — Ele não é meu lorde e por que eu teria saudades dele? Isaac mal se foi. — Não sei, pensei que isso pudesse contribuir para seu humor insuportável. Mas, se está dizendo que Isaac não tem nada a ver com isso, eu acredito. O marquês continuou bebendo, mas em silêncio. Caroline enfiou um bolinho na boca, mastigou, mas não se satisfez com o sabor dos morangos. Estavam frescos, o creme era delicioso, mas faltava alguma coisa. Estava faltando alguma coisa e ela até sabia o que era, porém recusava-se a admitir. Não podia admitir. — Anthony, diga-me uma coisa. — Caroline recostou novamente nas almofadas e encarou a luz flamejante das lamparinas que clareavam a sala. — Como foi que você descobriu que estava apaixonado por Rose?

O maldito primo tentou esconder um sorriso quando se virou para encarála. Um sorriso. Ele estava rindo dela. Ou da sua confusão. Caroline sempre soube que Anthony era um vilão. Ela queria bater nele por imaginá-lo fazendo troça de seus problemas. — Desde o primeiro momento em que eu a vi. Mas foi apenas quando ela me mandou para o inferno e jogou uma taça de champanhe sobre mim que tive certeza que a amava. Mas você já sabe essa história. — Sei a história de como vocês se conheceram. Paris, café, champanhe, festa, todos os detalhes. Estou falando agora de sentimentos. Você era um libertino. Não tinha mais honra do que um cão de rua. E então se apaixonou? Foi dormir um dia querendo acordar todas as manhãs ao lado dela? — Mais ou menos isso. — Anthony deu uma risada e mudou de lugar. Sentou-se ao lado de Caroline. Ela se ajeitou para que ele se acomodasse. — Apenas para corrigi-la, eu sempre tive muita honra. Nunca matei, nem feri ninguém deliberadamente. Nunca roubei ou explorei as pessoas. Nunca fui avarento e sempre tentei levar o bom nome dos Eckleys adiante. Eu era um libertino no que toca às liberdades sexuais, apenas isso. — E decidiu que queria ficar com Rose. — Eu amo minha esposa, Caroline. Não há explicação racional para esse sentimento. Você sempre pensou muito sobre tudo. Não dá para pensar muito sobre amor. Você o sente, bem aqui. — O marquês levou a mão cautelosamente até o meio do peito dela e tocou-a onde era possível sentir as batidas do coração. — Se estiver apaixonada por alguém, seu próprio corpo te dirá. O ar vai faltar sempre que você estiver próximo a ele, ou também quando estiver longe. Suas pernas tremem, suas mãos suam, você fica um pouco tola querendo estar com ele o tempo todo. E o desejo, ah, o desejo… você provavelmente notará que o ato sexual é muito mais prazeroso com ele. Ela não disse mais nada, apenas continuou a beber e a encarar os objetos. O marquês continuou ao seu lado enquanto ela refletia sobre o que ele disse. Anthony sempre acabava falando de sexo ou outras perversidades, só que ele tinha razão. E ela tinha um problema. Se aqueles eram os sintomas, o que ela sentia por Isaac poderia ser classificado como paixão. E Deus sabia que ela não pretendia se apaixonar. Não mais. Não enquanto ela tinha tantos planos. Porque todas as suas paixões a levaram à ruína. Caroline sempre escolhia os homens errados, fossem eles canalhas ou apaixonados por outras. Mas Isaac não era um canalha. Ele também não estava apaixonado por outra, mas pretendia casar-se. E

com outro tipo de mulher. Ele queria uma esposa tradicional, ela jamais seria uma. Ele precisava de alguém como a dama italiana: que fosse calma, resiliente e disposta a lhe encher de filhos. Caroline era um furacão que derrubava todas as estruturas dos lugares por onde passava. — Ele disse quando volta? — Anthony perguntou, tirando-a dos devaneios. — Não, ele disse que daria notícias e… de quem estamos falando mesmo? — Acha que consegue me enganar, Caroline? Eu sou aquele que cuida de você desde que chegou nessa casa, indefesa e assustada. Estamos falando de Isaac McFadden, a causa dessa conversa que acabamos de ter. O homem por quem você está apaixonada - e morrendo de medo de seus sentimentos. — Ah! Mas eu não tenho medo dos meus sentimentos! — Ela se levantou rapidamente, ajeitando as saias que estavam amassadas. — Eu sequer tenho sentimentos, Anthony Eckley. Não invente coisas onde elas não existem. — O menino é um cavalheiro, Caroline. Ele tem intenções nobres para com você. — O problema não é ele. — Ela se sentou em outra poltrona, de frente para o marquês. — Eu não quero ser podada por um marido, Anthony. Por nenhum marido. — Duvido que ele seja um tirano com você. — Ele é maravilhoso, mas ainda não tem a autoridade sobre mim. E quando tiver? E se ele mostrar uma face que nunca exibiu para ninguém, antes?. — Tudo bem, minha cara. Entendo suas dificuldades em confiar nos tipos como eu. Espero apenas que Isaac não desista de você facilmente. Vá se lavar, vamos jantar em breve. Da mesma forma súbita que entrou, o marquês saiu da biblioteca e deixou Caroline ali, pensativa. Ela encheu novamente a taça de vinho e se encolheu na frente da lareira. Iria se atrasar para o jantar, mas estava confusa, cansada e ansiosa por alguma coisa que não compreendia bem. Imaginou estar ali nos braços dele. Conversando. Podendo ler alguns trechos de seus livros favoritos para ele. Ouvir como estavam sendo as coisas em Cornwall. Recebendo carinhos e beijos suaves. Isaac não oferecia a ela apenas noites de prazer. De uma forma ou de outra, ele era capaz de preencher seus dias. Ele era presença, enquanto os outros foram ausência. Ele esteve ali para ela quando os outros preferiram

não estar. A decisão de ter aquilo para toda a vida parecia muito simples de tomar. Se ela não fosse perder nada no processo que culminaria na destituição de todo o seu patrimônio. Talvez Anthony tivesse razão e ela estivesse sim, apaixonada por Isaac McFadden. Aquele jovem romântico e ingênuo que, no final, se mostrava masculino, atraente, sedutor e muito maduro. Mas ela precisava confiar nele para ceder a ele. Paixão não parecia suficiente em troca de tudo que ela poderia perder.

Capítulo décimo oitavo

J Á SE HAVIAM PASSADO cinco dias desde que Isaac chegara a Tyntesfield e ele ainda não encontrara uma solução para os problemas da propriedade. Isso porque ele não encontrara o problema propriamente dito. Aquilo aborrecia Nathaniel. Ele estava certo que havia impropriedades na contabilidade. Desde a conversa com os arrendatários, ele descobrira os reais motivos de descontentamento - nenhuma das melhorias que foram prometidas se realizou. E o administrador havia destinado dinheiro para cada uma delas. Se as melhorias não existiam, onde estava o dinheiro? Mas Isaac estava debruçado naqueles livros há quase uma semana e não descobrira exatamente o que aconteceu. Os arrendatários insistiam que não receberam o maquinário e que não houve implementos nas sementes, ou nos edifícios. O administrador garantia que tudo fora cumprido, mas que os arrendatários eram eternos insatisfeitos. A forma mais simples de descobrir quem falava a verdade era encontrar mais falhas na contabilidade. Se o administrador estava desviando dinheiro, ele provavelmente fazia isso há bastante tempo. E lá estava o irmão sentado detrás da mesa no escritório do casario principal, parecendo nem mesmo ter dormido, com os dedos sujos de tinta e todos os livros contábeis abertos à sua frente. — Céus, você é tão madrugador quanto Edward. Nathaniel entrou no escritório com a aparência de quem ainda não acordara. Estava com os cabelos cuidadosamente penteados e úmidos, indicando que acabara de tomar banho. Vestia um traje completo para o dia, composto de colete cinza de brocado e paletó de linho. Os olhos azuis estavam avermelhados porque o irmão mais novo sempre dormia tarde

demais. Nate era apreciador da vida noturna e das festas que iam até o nascer do sol. Acostumara-se a dormir durante e o dia para poder aproveitar a noite. — Para fazer meu trabalho, preciso estar acordado enquanto as pessoas que trabalham estão. Isso significa durante o período de luz solar, Nate. — E então? Os números falaram com você? — Não, porque eles não falam comigo. Eles se escondem e eu os encontro, os arranco de onde estão e os exponho publicamente. Mas, dessa vez, está difícil. Se o administrador está roubando, ele faz isso muito bem. — Foi por isso que te chamei. Eu sei que ele está roubando. Mas não posso ir ao conde sem provas. Não posso acusar ninguém sem provas. Nathaniel serviu duas doses de conhaque e chamou o criado. Pediu que servissem seu desjejum no escritório mesmo. Isaac sabia que ele ficaria ali para ajudá-lo, mesmo que não fosse habilidoso em administrar nada. Nem a própria vida ele administrava direito, abusando de mulheres e vícios com uma idade tão tenra. — Como descobriu que havia algo errado com a contabilidade? — O problema dos arrendatários me fez precisar consultar os livros. Nosso administrador não quis entregá-los, o que me levou a suspeitar de algo. Depois, há esse dinheiro destinado a obras que os arrendatários juram que não foram realizadas. — Falou com Edward sobre isso? Isaac fechou o livro de encadernamento de couro e massageou as têmporas com os dedos. Estava há horas debruçado sobre os dados e observara pouca discrepância que pudesse suspeitar. Nathaniel sabia que, por ele não administrava Tyntesfield, ficava difícil encontrar os detalhes que precisavam ser encontrados. Não conhecia os hábitos e despesas da propriedade bem o suficiente. O criado entrou com o desjejum e um bule de café preto. — Achei que deveríamos deixar o conde de fora até termos respostas. Ele anda muito irritadiço com tudo, ainda mais do que antes. Pensei que o casamento ia fazê-lo mais afável. — Ele está com uma filha recém-nascida e não pode dormir com a esposa. Logo, passa. Os dois riram. Um dos esportes favoritos dos irmãos era implicar com o conde, principalmente porque ele não gostava de ser provocado. Como Isaac e Nathaniel tinham uma diferença de idade muito pequena, eles eram melhores amigos e muito unidos. Parecia bastante razoável que Nate

recorresse a ele quando precisasse de apoio. — Eu vou descobrir o que está havendo aqui. Dê-me mais algum tempo e finja que está tudo bem. Se há alguém desviando o dinheiro de nossas propriedades, vou pegar o maldito. — Sabe que elas não são nossas, não é? — Claro que sei, mas também sei que Edward nunca nos deixaria sem nada. No fundo, ele tem coração mole e cumprirá a vontade de nosso pai. Nathaniel concordou. Precisava que Isaac se dedicasse em tempo integral naquela tarefa. Estar enganado não era parte do seu plano. Ele sabia que algo estava sendo escondido naqueles livros e só confiava no irmão para ajudá-lo. Depois de mais dois dias, Isaac descobriu algo que poderia ser um problema bastante grave. Havia pequenas discrepâncias em despesas e desvios do que deveria ser revertido em melhoria da propriedade. De início, pareciam quantias pequenas, mas, somadas, contabilizavam somas exorbitantes. Tyntesfield estava sendo aparentemente negligenciada pelo administrador, mas as divergências estavam bem escondidas, para que alguém desconfiasse em uma verificação superficial. O homem era esperto, mas os irmãos McFaddens eram mais. Antes de confrontar o administrador, Isaac sugeriu que eles conversassem com Edward e contassem o que sabiam. Afinal, o conde era o dono de todas as propriedades e patrão de todos os empregados. Se os dois irmãos colocassem o administrador na parede, ele talvez não se intimidasse tanto. Mas se fosse Edward… todos morriam de medo do conde. Como o irmão ainda estava em Londres, no dia seguinte eles decidiram ir até a cidade. Colocaram os livros, onde estavam as evidências do desvio de dinheiro e da má administração da propriedade, em uma maleta e pegaram o primeiro trem da manhã. Isaac obrigou Nathaniel a dormir cedo na promessa de levá-lo ao Riderhood para se divertir. Claro que ele não precisava de ajuda para ir ao clube do qual era sócio, mas, ainda assim, preferia fazer o que o irmão pedia. Era uma forma de agradecê-lo por deixar seu trabalho e ir ajudálo. Compraram passagens na primeira classe e fizeram uma viagem tranquila, enquanto conversavam sobre propriedades, negócios, os irmãos mais novos e as mulheres. — Diga Isaac, e as coisas com a dama italiana? Esfriaram depois que você voltou para Kent? Ou está ansioso para reencontrá-la agora enquanto estivermos na cidade?

— Esfriaram. — Isaac recostou na cadeira e olhou pela janela. A paisagem mudava na medida em que se aproximavam de Londres, ficando menos rural e mais industrializada. A parte norte do país estava tomada por indústrias das mais variadas, atraindo os jovens para o trabalho nas fábricas que era mais sedutor, porém mais precário. — Eu a liberei para ser cortejada por outros cavalheiros, já que meu interesse foi direcionado a outra dama. — Outra dama? — Nathaniel cruzou as pernas. — Você está me saindo pior do que os libertinos que tanto critica, meu irmão. Que dama é essa que roubou sua atenção? — Você a conhece. Lady Caroline Eckley O silêncio desconfortável não foi planejado, mas Nathaniel não conseguiu evitar. Todo o trem fazia silêncio naquele momento e Isaac pareceu desconfortável. — Irmão, eu sei que você é virgem, mas não pensei que fosse também ingênuo. Você sabe que Caroline é… — Nathaniel ajeitou-se para aproximarse de Isaac, podendo falar mais baixo. — Que ela é uma mulher livre. — Não sou ingênuo, irmão. — Isaac também falou baixo. — E nem virgem. — Mas você… quando foi que isso aconteceu? — Se pensa que vou te contar detalhes dos meus intercursos sexuais, desista. E eu sei exatamente tudo que preciso saber sobre Lady Eckley. — E ainda assim deseja cortejá-la? Está… interessado nela? — Sim. — Ora, se meu irmão cavalheiro perfeito e honrado não está me saindo um rebelde! — Nathaniel deu uma risada. — O passado dela não te importa? — Não me importa. Não é como se eu não sentisse ciúmes de cada homem que já tenha encostado nela. Mas não será isso que me impedirá de casar-me com ela. Falar em casamento fez Nathaniel arregalar os olhos em surpresa e assentir, dando por encerrado o assunto. Ele acreditava que era muito cedo para que Isaac pensasse em se casar com alguém, que ele deveria primeiro aproveitar os prazeres da juventude. Admitia que Edward estivesse certo em casar-se depois dos trinta, principalmente porque eles não precisavam produzir herdeiros. Não era função deles procriar para garantir a linhagem dos McFaddens, esse era o papel do conde. Não havia motivos para que se prendessem ao casamento tão cedo. Isaac, no entanto, era tradicional. Queria casar-se cedo, casar-se virgem,

ser o homem de uma mulher só, viver feliz com sua esposa perfeita. E, de repente, ele demonstrava interesse em desposar a maior libertina da Inglaterra. A única, pelo que Nathaniel sabia. Depois de desembarcarem na London Bridge, a mais central estação da cidade, pegaram uma carruagem de aluguel para a McFadden Garden. Imaginavam que o conde estivesse na fábrica durante o dia, mas aguardariam por sua chegada enquanto desfrutavam da companhia da cunhada e das sobrinhas.

Quando o convite para o evento na Olsen Terrace chegou à casa Granville, Caroline mal acreditou que ela estivesse incluída. A Duquesa de Norfolk sempre dava um grande baile, disputadíssimo, em sua residência londrina antes do encerramento das atividades do Parlamento. Era um dos eventos mais esperados do ano, principalmente pelas moças casadoiras que encerravam sua temporada. Era a última chance de receber uma proposta de casamento para muitas delas. Caroline nunca frequentou o baile. Desejou ser convidada pela duquesa desde seu debute na sociedade, o que não aconteceu nenhuma vez até aquele ano. Rosamund recusava-se a ir sem que ela fosse, e Caroline nunca teve coragem de invadir aquele evento específico. Não eram claras as razões pelas quais a duquesa a convidara. A reputação de Caroline não parecia melhor desde a última vez em que ela frequentou um evento social - o fatídico evento na casa Trowsdale, quando ela atentou contra a vida de Madeline Westphallen. Aquele episódio fora o marco revolucionário em sua vida inteira, mas a sociedade não passou a vê-la como uma pessoa melhor depois dele. Mesmo que ela tenha se tornado melhor. Mesmo que ela se sentisse melhor. Mas havia tanto que ela precisava finalizar para seu próprio evento na semana seguinte que parecia leviano deixar tudo para trás apenas para ir a Londres. Nem a curiosidade de descobrir por que ela estava sendo subitamente recebida em grandes salões a motivava. — Você precisa ir. — Rose insistiu. Elas conversavam enquanto brincavam com as crianças no meio do quarto infantil. — É a oportunidade perfeita de olhar diretamente na cara de todos que sempre te desprezaram.

— Não preciso provar nada para ninguém. E não estou tão interessada assim em ir. Tenho muito que fazer. — E se eu te contar que o Conde de Cornwall foi convidado? E que ele confirmou presença, com os dois irmãos mais novos? — Dois irmãos? — A atenção de Caroline imediatamente se virou para a cunhada. — Isaac e Nathaniel estão em Londres? — Ao que tudo indica, sim. Ele não te deu notícias? Não, não deu. Já se haviam passado dez dias desde que Isaac deixara Greenwood Park para resolver pendências em Cornwall. Ele prometera que daria notícias, que entraria em contato, mas não o fez. Ela aguardou todo dia pela chegada de uma carta. Ou um telegrama, pois bastavam algumas palavras para que ela se satisfizesse. Entre seus afazeres e seus períodos de ócio, Caroline esperou que o homem que a propusera casamento demonstrasse alguma consideração por ela naqueles dias afastados. Mentalmente, ela justificou a ausência com vários motivos. Talvez Nathaniel estivesse envolvido em problemas tão graves que exigiram total atenção do irmão. Ou talvez ele tenha enviado um telegrama que extraviara. Chegou a se culpar por esperar algo de Isaac. Os homens não eram dados a se doarem, como as mulheres faziam. Por que ele teria consideração de contatála? Apenas porque decidira que precisavam se casar para reparar a honra arruinada dela? A verdade era que Caroline desejava, no fundo, que ele fosse diferente. Que não fosse mais do mesmo e que representasse a evolução das criaturas masculinas que povoavam a Terra. — Por que eu desejaria ir a um baile em que Isaac McFadden estivesse? Eu apenas me sentiria muito humilhada quando ele não me tirasse para dançar ou fingisse que não me conhece. — Caroline, ele não fará nada disso. — Rosamund pegou a bebê no colo e o aconchegou no peito. Ela estava com sono e fechou os olhinhos com o carinho da mãe — O homem esteve aqui para conversar com seu primo. Ele entrou em uma briga por sua causa. Como pode ser tão difícil para você perceber que ele tem intenções honradas? Porque era difícil com todos os homens, foi o que ela quis dizer. Não disse. — Então iremos a esse evento. Vamos confirmar a presença dos Eckleys pela primeira vez no encerramento de temporada dos Olsen. Se a marquesa não estivesse segurando a filha nos braços, teria dado

pulinhos e batido palmas, tamanha a sua animação. Caroline pediu licença e foi para seu quarto com Violet. Elas precisavam organizar a viagem para Londres, que seria curta, e decidir que vestido usar no baile. Era a primeira vez que Caroline atenderia a um baile daquela magnitude como convidada. Se não estava tão empolgada assim em ir, ao menos faria com que a família não se envergonhasse dela. Seria a dama mais bela do salão.

— Elizabeth, você conversou com a Duquesa de Norfolk recentemente? A pergunta de Agatha não surpreendeu a duquesa. As duas estavam na Trowsdale House tomando chá, em meio a crianças e babás. Apenas Patrick não estava com elas, pois Aiden o levara à Eton College para apresentá-lo ao diretor. O menino queria entrar para a escola mais tradicional de Londres e precisava da ajuda do duque. Se tudo corresse como esperado, no ano seguinte ele seria admitido em Eton. — Tomamos chá regularmente. Ela tem uma filha da minha idade e ficamos próximas. Por quê? — Bem, Londres continua um antro de fofocas. Em cada lugar que se vai, ouve-se algo absurdo sobre alguém. E fizeram questão de me contar que a duquesa convidou os Eckleys para seu baile de encerramento da temporada. — O marquês é sempre muito requisitado nos eventos da alta sociedade. Por que isso seria uma fofoca? — Porque Lady Eckley também foi convidada. — Ah, entendi. — Elizabeth pegou um bolinho da bandeja e deu na mão de Lillian para que ela provasse o doce. A menina soltou um gritinho de alegria ao se lambuzar com a cobertura. — É verdade que ela tenha convidado Caroline. Ela agora é sua sócia em um empreendimento. E, bem, digamos que a duquesa anda interessada em casar um de seus filhos com uma dama rica. — O que vive bebendo, jogando e desperdiçando o dinheiro da família? — Esse mesmo. Um segundo filho bastante problemático, do qual ela tem intenções de se livrar. Casando-o com uma dama rica e arruinada, ele passará a gastar o dinheiro de outra pessoa. — Céus, esse é um plano horrível. — Agatha fez uma careta de desgosto. — Sei que Lady Eckley tem uma reputação ruim na sociedade, mas ela tem

se mostrado uma boa pessoa. Não merece esse destino. — Certamente que não. Podemos tentar ajudá-la, se for de seu gosto. — Você estaria disposta? — Por que não? — A duquesa se levantou e se sentou no chão com os gêmeos, que brigavam por algum brinquedo. Ela sempre cuidava das crianças, mesmo que Aiden, o duque, insistisse em manter um exército de babás. Elizabeth se acostumou a lidar ela mesma com seus filhos, desde que o primeiro nasceu. — O que ela teve com Aiden ficou no passado. Você mesmo disse que ela mudou. Eu vislumbrei essa mudança. Temos que acreditar que pessoas aprendem com seus erros e se arrependem dos seus pecados, ou minhas confissões na igreja toda semana serão totalmente inúteis. — Tem razão. Podemos avisá-la do plano diabólico da duquesa. — Algo me diz que não precisaremos. Mas vamos ficar de olho.

O clube de Riderhood era o ponto de encontro dos homens endinheirados de Londres, mesmo nos dias de grandes eventos. Como os bailes começavam sempre por volta das dez, os nobres iam se encontrar com os burgueses industriários, negociantes e banqueiros antes do horário marcado. E todos comentavam que a Duquesa de Norfolk estava muito diferente naquele ano, pois convidara uma boa cepa de famílias não nobres, o que nunca acontecia em seus tradicionais bailes de encerramento de temporada. Norfolk era um título antigo. Isso fazia com que fosse respeitado por todos. O duque também era um homem rico, mas, como parte da nobreza tradicional, resistia a se envolver com negócios. Para ele, trabalhar era uma vergonha, um demérito que o rebaixava ao nível dos plebeus. Por esse motivo e por ter dois filhos perdulários, a riqueza de Norfolk estava minguando. Lentamente, mas alguns temiam que ela não durasse por muito tempo depois que um novo duque assumisse. Naquela noite, estavam reunidos ali o Duque de Shaftesbury, o Conde de Cornwall e seus irmãos, o Visconde de Whitby, o Barão de Attwood, o industriário Grant Sawbridge e o empresário Virgil Oglethorpe, todos ao redor de uma garrafa de conhaque sobre uma mesa. Sentados em cadeiras confortáveis, os homens fumavam charutos e bebiam, conversando sobre

trabalho e propriedades. Isaac estava alheio ao que acontecia. Em Londres há dois dias, já queria ter retornado para Greenwood Park há pelo menos três. Tinha preocupações com o silo, que já deveria estar no final dos reparos, e com a reconfiguração do curral. O responsável pela propriedade já o contatara por telegrama para informar que tudo estava sob controle, o que não diminuiu sua preocupação. Boa parte do desejo de retornar estava na vontade de rever Caroline. Ah, ela deveria estar muito irritada com ele. Por não ter voltado ainda e por não ter escrito, como prometera. Ele sabia que deveria ter escrito um telegrama. Uma carta, um bilhete, qualquer coisa. Mas, sempre que se sentava com um papel e uma caneta, tudo que saía era romântico demais, tolo demais, apaixonado demais. Céus, ele não queria estar apaixonado por Caroline Eckley. Ela deixara bem claro que não estava interessada em se casar com ele. Quantas vezes um homem conseguiria ser recusado por uma dama e manter a sua honra intacta? E, no entanto, sempre que pensava nela ou escrevia para ela, algo meloso e tolo saía. Claro que ela riria dele, o acharia um grande frouxo. Sentado ali com os homens dela, Isaac não podia se sentir menos atraente em comparação a eles. — Desde que meus irmãos descobriram que meu administrador em Tyntesfield está me roubando, procuro um substituto. Não encontrei ninguém à altura do cargo, vocês não me indicam alguém? Edward perguntou para o grupo e atraiu a atenção de Isaac. Ele segurava um charuto quase intocado, mas tinha interesse nos desdobramentos do caso de Cornwall. — Já disse, você tem irmãos o suficiente para usá-los. — Aiden Trowsdale respondeu. — Coloque Nathaniel para administrar a propriedade, ele já provou seu valor. — Não sou administrador, milorde. — Aprenda a ser. Hoje em dia está difícil encontrar homens de confiança para cuidar de nossos negócios. Se eu tivesse irmãos, eu os seduziria com muito dinheiro para que fizessem tudo para mim. Edward, não me diga que você está sendo avarento com seus irmãos? — Eu nunca sou avarento. Nathaniel sabe que, se ele quiser, qualquer cargo nas propriedades será dele, assim como Isaac administra Greenwood Park. — Se Nate recusar, avise-me. Vou conversar com uns conhecidos. —

Sawbridge interferiu. — Já demitiu o homem em Tyntesfield, Edward? — Ainda não. Eu iria para lá imediatamente, mas Agatha decidiu que quer ir ao baile de Norfolk, então aguardarei até amanhã. — Todos aqui foram convidados? — Miles Westphallen, o visconde, perguntou. — Sim. Norfolk convidou mais gente do que de costume. Dizem por aí que a duquesa convidou muitos plebeus e que até mesmo Lady Eckley foi confirmada. O assunto subitamente se tornou muito interessante para Isaac. Ele se ajeitou na cadeira e bebeu um gole de conhaque. Depositou o charuto em um cinzeiro e encarou o barão, que acabara de falar as palavras mágicas para atrair sua atenção. — Mas Caroline sempre vai a todos os eventos. — Aiden provocou. — E ela nem precisa de convite. — Dessa vez ela foi realmente convidada. A duquesa deve estar desesperada para casar aquele paspalho do Gregory Olsen. — Milorde acha que ela pretende que Olsen se case com Caroline Eckley? A voz de Isaac saiu vacilante. Se homens do passado de Caroline não o incomodavam, os do futuro eram uma ameaça. Se ela fosse se casar com alguém, teria que ser com ele. O filho de Norfolk era um jogador que desperdiçava todo o dinheiro da família. Ele nunca seria um marido digno para Caroline. — É o que dizem as fofocas. Descobriremos em poucas horas. O assunto mudou para a situação financeira dos Olsen. Isaac levantou e se serviu de mais conhaque, que bebeu em apenas um gole. Em um minuto descobriu que enfrentaria Caroline no baile, em ambiente desfavorável, e que ela tinha um pretendente. Para agravar a situação, era um homem cuja família desejava o enlace. Seu desconforto foi notado pelos irmãos e até mesmo pelo duque. — O que está havendo com o segundo McFadden? — Aiden perguntou em voz baixa, criando uma conversa paralela à principal. — Está agindo como se tivesse engolido uma estaca de madeira. — Creio que descobrir que Lady Eckley foi atraída para um plano de casamento o afetou. Nathaniel despejou a informação sem nenhum cuidado. Nem mesmo considerou que Isaac não quisesse contar sobre seu caso com Caroline. Mas o

irmão era sempre muito distraído. Era quase impossível manter em segredo algo que Nate soubesse. — Por que diabos o casamento de Caroline afetaria… — O duque fez uma pausa e ergueu as sobrancelhas pela realização dos motivos da irritação de Isaac. — Oh, é sério isso? — Isso o que, Aiden? — Edward rosnou. — Caramba, Ed, você deixou seu irmão se envolver com o demônio? — Ela não é o demônio. — Isaac virou-se bruscamente para o duque. A conversa principal cessou e todos olharam para ele, que segurava o copo de vidro com muita força. Sua mão livre estava fechada em um punho. — Os senhores deveriam ter mais respeito por uma dama. Sei que veem Caroline apenas como uma mulher promíscua. Afinal, ela não se importou em guardar a virtude para o marido como todas as damas respeitáveis fazem, não é mesmo? Mas nenhum dos senhores a conhece realmente. Ela é uma mulher inteligente, gentil e bondosa. E mudou muito desde que saiu do sanatório. Seria interessante se conseguissem vê-la além de um corpo feminino na cama dos senhores. Ele não pretendia dizer tudo aquilo, mas estava guardado por tempo suficiente para explodir. Isaac não sabia em que momento daqueles últimos dias sentira tanta vontade de defender Caroline, mas ele precisava colocar aqueles homens no lugar deles. Curiosamente, nem ele conhecia a lady tão bem. Só que ele se propusera a ouvi-la, a passar tempo com ela, a entrar na vida dela. Os outros queriam apenas usá-la para satisfazer desejos carnais. Ele queria mais. E não importava que tivessem passado mais tempo separados do que juntos. Cada minuto com Caroline pareceu ter durado uma hora, e cada dia, uma semana. Fez-se silêncio entre os homens. Todos se entreolharam por alguns segundos, até que Isaac pediu licença e se afastou. Foi até o bar, de onde Riderhood observa seus clientes mais notórios, e sentou-se ao balcão. — Sirva dois uísques, Thomas. O Conde de Cornwall sentou-se ao lado do irmão. Isaac pensou em se retirar, mas ele respeitava Edward demais para fazer aquilo. Aceitou a bebida colocada à sua frente e percebeu que estava já cheirando a malte. Mais uma dose além daquela e estaria levemente embriagado. — Poupe seus esforços, meu irmão. Se vai falar algo que desabone Caroline para mim…

— Não estou aqui para isso. — Edward o interrompeu. — Mas eu gostaria que você pensasse em algo. O que você acredita que sente por Caroline não pode ser reflexo do desejo sexual? Ela foi sua primeira mulher, não foi? — Isso não importa. — Claro que importa. Sei que pensa estar apaixonado, porém tudo que vocês têm é sexual. Isaac fechou os olhos. Era previsível que as pessoas pensassem que tudo relacionado à Caroline fosse sexual. Era como eles a viam. — Quando você se casou, Edward, você amava Agatha? — Não misture as coisas. — Não estou misturando. Responda. Você a amava? Isaac virou-se para o irmão e o fitou com o azul transparente dos seus olhos. Edward estava rígido. Os homens fingiam que não estava prestando atenção neles, mas o lorde sabia que Aiden estava louco de vontade de se meter na conversa. — Não. Meus sentimentos por ela cresceram com o tempo. — A maior parte dos homens que conheço não amam suas esposas. E aqueles que amam não se casaram tão apaixonados, assim. Infelizmente, para que eu possa conhecer Caroline melhor, eu preciso me casar com ela. De qualquer outra forma eu a estarei desonrando. E não farei isso. — Isaac, eu quero apenas protegê-lo. — Edward insistiu. — Todos nós aqui conhecemos Caroline. Ela é mais velha do que você, mais experiente e provavelmente está esperando outra coisa de um relacionamento entre vocês. Casamento não está na pauta. — Você tem razão, ela não quer se casar. Mas eu não quero que me proteja, Ed. Eu sou um homem adulto. Quero que seja meu irmão e me apoie nas decisões que eu tomar, mesmo que eu vá tropeçar e cair. O conde colocou as mãos nos ombros do irmão. Passou a mão direita pelos cabelos dele e o puxou para um abraço. Isaac estava trêmulo, nervoso. — Quer que eu fale com o marquês sobre isso? Anthony com certeza deve estar louco para dar a mão da prima em casamento. — Eu já falei com ele. Quem eu preciso convencer agora é Caroline. Edward deu uma risada. — Claro que sim. Se você deseja isso, Isaac, eu me colocarei do seu lado e te apoiarei. — É tudo que eu preciso, nesse momento.

— Certo, agora se recomponha. Estamos quase atrasados e Agatha ficará furiosa se não chegarmos cedo ao baile. Será seu primeiro evento social depois do nascimento de Eloise e ela ainda está muito preocupada com a repercussão da sua desonra entre a alta sociedade. A esposa de Edward fora violentada quando viajou para as Américas. O caso teve que ser exposto publicamente depois que o conde matou o violador, Colton Bristol. Agatha fora sequestrada por ele, que pretendia obrigá-la a um casamento com seu irmão mais novo, mas o cativeiro foi descoberto pelo conde e pelo Duque de Shaftesbury. Para evitar que seu marido sofresse com persecuções criminais, Agatha decidiu contar a verdade e, desde então, não fora mais a nenhum grande evento para se preservar. — Caroline estará no baile. — Isaac riu. — Ninguém vai ter outro assunto para falar.

Capítulo décimo nono

Q UANDO ERA PEQUENA , Caroline lembrava-se do marquês entrando em seu quarto para lhe contar histórias. Ele dizia que sonhava em ter uma menininha, mas Deus só lhe concedera varões. E que ela era o pequeno milagre de sua vida. Aquilo a deixava orgulhosa de si mesma. Ser o milagre de alguém. E ela apreciava cada história de princesa, cavaleiros e dragões sanguinários que o marquês contava. Ao se olhar no espelho, naquela noite, ela se sentiu uma princesa saída diretamente das histórias de sua infância. Era a primeira vez que ela usava um de seus modelos de seda vermelha. Aquele tinha uma cauda comprida e era pouco armado. Anquinhas estavam fora de moda há uma década, o excesso de anáguas também. Sem mangas e com um decote ousado, o vestido era escandaloso como ela. E lindamente elaborado com ornamentos de flores e detalhes em cetim preto. Apesar de preferir os cabelos soltos, Caroline deixou que Violet os prendesse no alto da cabeça com enfeites de diamantes. O pente que firmava o coque no lugar era a única recordação que tinha de sua mãe. — Você está fabulosa. Anthony disse, ao recebê-la no saguão. Estavam hospedados em um dos hotéis da rede de Oglethorpe, em uma suíte no último andar. As mulheres estavam se arrumando enquanto o marquês se divertia no bar do hotel. Geralmente, Caroline era a primeira a terminar de se produzir para qualquer evento. Naquele dia, ela se atrasou. — Esteja preparado para defender minha honra algumas vezes. Prevejo caos e confusão. — Estou acostumado. — O marquês ofereceu o braço para conduzi-la até

a carruagem, onde a marquesa já esperava. — Mas hoje espero que outra pessoa tome meu lugar. — E eu espero que ele tenha boas desculpas para ter me deixado sem notícias. — Talvez ter rejeitado o pedido de casamento dele seja uma justificativa razoável? — Não é. — Caroline riu. — Preciso que ele tenha mais força de vontade. A família Eckley ocupou três assentos da carruagem de aluguel e seguiu na direção de Olsen Terrace. A residência londrina do Duque de Norfolk ficava no Hyde Park, uma das regiões mais exclusivas da cidade, e era uma mansão histórica imponente. A fachada de mármore, com colunas frontais, relembrava a arquitetura de palácios. E estava toda iluminada para o baile, com música tocando que podia ser ouvida do lado de fora. A carruagem parou em frente à mansão e o cocheiro abriu a porta para que o marquês descesse e ajudasse as damas. Várias carruagens estavam estacionadas ou chegando para a festa. Eles pegaram muito trânsito e chegaram com meia hora de atraso. Os olhos de Caroline vagaram pelos veículos, procurando o brasão dos McFaddens, sem encontrar. Aceitou novamente o braço oferecido pelo primo e caminhou pela passarela de pedra até a entrada principal. Um criado elegantemente vestido recebeu-os. Pegou o chapéu de Anthony e os indicou o hall de entrada. Vários casais de nobres aguardavam para serem anunciados e poderem entrar no salão de baile. Anthony passou por eles com um sorriso. Ele adorava ser um marquês apenas para poder invocar sua precedência sobre ex-colegas de escola. Aqueles que eram os valentões, que maltratavam os mais fracos e que se achavam mais importantes do que outras pessoas apenas por ostentarem um título de nobreza futuro. E, tirando os duques e duquesas que estavam ali, nenhum marquesado era mais antigo que o de Granville. — O Marquês e a Marquesa de Granville. Lady Caroline Eckley. Outro criado, ainda mais elegante, os anunciou. Bastou a menção do seu nome para que o salão praticamente emudecesse. Não fossem os violinos tocando, o silêncio seria absoluto. Não houve viva alma à vista que não se virasse para vê-los entrar. Caroline segurou a barra de seu vestido para caminhar com mais tranquilidade e sorriu. Desde que saíra do sanatório, aquele era o primeiro evento que atendia. Não recebera nenhum convite e não se interessara em invadir a festa de

ninguém. Ela não fora vista na sociedade e as especulações sobre sua saúde mental eram muitas. Caroline frequentava clubes de cavalheiros, tavernas e lugares inadequados para qualquer dama de sangue azul. Mas os bailes e saraus foram riscados de sua lista. Até aquela noite. Rosamund viu um grupo de damas que gostaria de cumprimentar. Soltouse do braço do marido, que a beijou sobre a luva e a deixou ir. Caroline só percebeu que ela a estava chamando quando a marquesa a segurou pela mão. — Vamos, Caroline. — Rose disse, sorrindo. — Vamos começar a socializar com as fofoqueiras. O marquês também a beijou sobre a luva e se afastou. Ele preferia, certamente, ir atrás dos homens que estavam na outra sala, jogando e fumando. Não era solteiro, não precisava dançar com ninguém, não tinha que seduzir nenhuma dama casadoira. Vendo o primo se afastar, Caroline foi arrastada para a conversa com o grupo de damas escolhido por Rose. Eram três conhecidas, a Condessa de Surrige e a Baronesa de Attwood, além da Sra. Oglethorpe. E algumas desconhecidas que olhavam para Caroline como se ela tivesse uma doença contagiosa. Ela correu o olhar pelo salão. Estava bastante cheio. Havia uma mesa retangular com comida disposta e tigelas de ponche. Algumas jovens circulavam acompanhadas e em grupo, analisando os homens que estavam por ali. Todas com cabelos perfeitamente empoados, enrolados e presos, vestidos de cores sóbrias e discretos, e colunas eretas. Tudo que Caroline nunca foi nem nunca quis ser. Os homens ao redor eram os solteiros, em sua maioria, que buscavam as melhores pretendentes ainda no final da temporada social. Isaac não estava à vista, nem seu irmão Nathaniel. Era provável que estivessem com o conde, junto dos homens casados. Teria ela que invadir a sala masculina para tirar satisfações com aquele miserável? — Então, Lady Eckley, ficamos todos muito felizes em saber de sua recuperação. — A condessa disse, fazendo com que ela prestasse atenção na conversa. Até então, não ouvira uma palavra. Esperava que as damas não tivessem conversado sobre a previsão do clima, pois ela adoraria saber se iria chover. — A sua doença chocou todos nós. — Não estive doente, milady. — Caroline sorriu. — Eu tentei matar Madeline Westphallen e as pessoas acharam que eu tive uma crise de nervos. Não foi uma coisa, nem outra. — Não teve uma crise? — A baronesa perguntou.

— Nem tentei matar Lady Madeline. Eu só queria assustá-la. — Soube que ela está sendo cortejada pelo herdeiro de Norfolk, Lorde Berwick. O visconde está muito satisfeito. — A família está desesperada para se livrar dos filhos. — Annabelle Oglethorpe disse, escondendo-se atrás de um copo de ponche. — Fiquei sabendo que os dois têm muitos vícios e os pais querem casá-los de qualquer forma. — Coitada de Lady Madeline. — Caroline suspirou. — Se eu pudesse falar com ela, orientá-la-ia para passar um tempo em Paris e livrar-se desse lorde. Mas ela foge toda vez que ouve falar meu nome. Rosamund riu e escondeu a risada fingindo que tossia. As damas desconhecidas, cujos nomes Caroline não ouviu, a olharam estarrecidas. — Mas ela está muito feliz com a possibilidade de casar-se com o herdeiro de um ducado. — A baronesa explicou. — É o desejo dela ter precedência sobre o restante da família. Daquela vez, todas as damas riram. Caroline não entendia os motivos que levavam aquelas mulheres a acharem divertido casar-se com homens detestáveis como era Berwick. Se estivessem elas falando de cavalheiros de verdade, aqueles educados e trabalhadores, que se preocupavam em satisfazêlas e multiplicar suas riquezas, Caroline entenderia o apelo do casamento. Ela já desejara muito se casar. Mas não o faria enquanto o mercado oferecesse produtos tão ruins em condições tão precárias. A marquesa insistiu em fazer Caroline circular. Despediu-se das damas e foi para outro grupo, onde o assunto era um escândalo qualquer. Alguma jovem tola foi pega aos beijos com algum oportunista que estava interessado no dote dela. Em outro grupo, o escândalo era sobre o amante de Lorde Folston, o Marquês de Beresford. Havia uma fofoca diferente em cada conjunto de bocas naquele salão, nenhuma delas parecia importar-se com Caroline. Logo ela viu duas faces conhecidas com quem gostaria de socializar. A Duquesa de Shaftesbury e a Condessa de Cornwall. Elizabeth usava um vestido amarelo de seda, coberto por tule bordado em dourado. Tudo combinava com os cabelos dela, fazendo com que parecesse ser feita de ouro. Já Agatha estava mais discreta, como era de costume. Usava um vestido azul de seda bordada, com detalhes em cetim e renda. Curiosamente, elas pareceram animadas ao ver Caroline se aproximar com a marquesa. — Milady. — Elizabeth cumprimentou Rosamund com uma reverência.

— Lady Eckley. Que bom vê-las em Londres. — Vossa Alteza. — A marquesa também fez uma reverência. — Ainda não pude parabenizá-la pelo nascimento dos gêmeos. Lady Agatha, que prazer revê-la. — Já se inteiraram de todas as novas fofocas da cidade? — Agatha implicou. — É minha primeira festa depois do nascimento de minha filha e já aconteceram tantas novidades que levarei o verão inteiro sendo informada sobre elas. — Estou sabendo mais do que gostaria. — Caroline pegou uma taça de champanhe de um criado, que circulava com uma bandeja. — Mais ansiosa por nosso evento na Granville House, em breve. — Também estou. Recebi várias confirmações, creio que teremos muitas famílias interessadas em nossa escola. Dois homens se aproximaram delas, em companhia da anfitriã. Eram os filhos mais velhos da Duquesa de Norfolk, Lorde Berwick e Gregory Olsen. Caroline sentiu um arrepio lhe percorrer a coluna. Os dois homens eram desagradáveis, apesar de bonitos e muito bem vestidos. — Miladies. — A duquesa as cumprimentou. — É um prazer recebê-las. Gostaria de apresentar-lhes meus dois filhos. Todas já os conheciam, mas era adequado que fossem formalmente apresentadas por uma dama em comum. Os lordes cumprimentaram as mulheres com as formalidades exigidas para o momento. — Fazia algum tempo que desejava conhecê-la, milady. — Gregory Olsen disse, diretamente para Caroline. — Há algum espaço para uma dança em sua caderneta? — Não tenho uma caderneta. — Ela riu. — Mas não há ninguém dançando, milorde. — Se não se importar, gostaria de ter a primeira dança da noite. — Lorde Gregory ofereceu-lhe o braço. — A senhorita me daria a honra? Caroline olhou ao redor. As expressões de Elizabeth e Agatha sugeriam que ela deveria tomar cuidado. Ela sabia. Homens não a cercavam e demonstravam interesse em conhecê-la apenas por saber de sua honra e boa educação. A maioria deles tinha intenções indecorosas. Mesmo assim, aceitou a dança. Ela esperava ser vista por alguém em específico. E esperava que ele morresse de ciúmes.

Estava difícil não parecer ansioso. Isaac estava no salão masculino quando o Marquês de Granville chegou, com sua imponência morena atraindo atenção até mesmo dos homens que já estavam acostumados a ele. Se Anthony Eckley estava ali, era porque Caroline chegara. O lorde desejou correr na direção dela, mesmo que não soubesse qual era. Desejou perguntar ao marquês ou sair em perseguição pelo salão. Mas aquilo seria fazer papel de tolo, de homem desesperado. Ele não atrairia o interesse de Caroline sendo tão fraco. Terminou de jogar a mão de cartas que tinha. Estava perdendo, distraído desde que chegara ao baile, e não faria questão de perder novamente. Depois que Nathaniel começou a recolher as moedas que foram apostadas, ele se levantou com a desculpa de ir ao reservado. Não precisou de muito esforço para encontrar Caroline. Bastou sair do salão onde se reuniam os homens para que seus olhos fossem atraídos para ela. Linda, uma divindade pagã, de vermelho e preto. Séculos atrás, Caroline teria uma religião apenas para adorá-la. Com os cabelos escuros presos em um coque elaborado, com cachos pendendo do alto da cabeça, ela rodopiava pelo salão de baile ao som de uma valsa. Nos braços de Lorde Gregory Olsen. Ele teve vontade de ir até o meio do salão e arrancá-la daquele patife. Se não soubesse das intenções da família Olsen, talvez não se importasse tanto. Afinal, era uma dança, em público, nada que todas as damas presentes não fizessem em todas as festas que frequentavam. Dançar com os filhos da anfitriã era sempre muito honrado. Mas Isaac sabia que Gregory Olsen estava apenas interessado na fortuna e no dote considerável de Caroline. Apesar dos ciúmes que o devoravam de dentro para fora, Isaac permaneceu ali. Aceitou uma taça de champanhe de um criado, sorriu para algumas damas que o cumprimentaram à distância e esperou. A valsa durou o equivalente a um dia inteiro. Quando finalmente a música terminou, Lorde Gregory conduziu Caroline para fora do círculo de dança e ela estava sorrindo, conversando alguma coisa com ele. Ao ver Isaac, o sorriso se estreitou e os olhos dela o desafiaram. — Milady. — Isaac interpelou o casal que já estava parado próximo a alguns vasos de decoração. — É bom vê-la depois de tanto tempo. O olhar de Caroline estava mais gelado do que o inverno londrino. Ela demorou algum tempo para responder, dando a Lorde Gregory a oportunidade de se intrometer.

— Lorde Isaac, achei que não estava em Londres. O homem estendeu a mão para Isaac, que o cumprimentou. Seus olhos, no entanto, continuavam em Caroline. Esperando que ela dissesse ou fizesse algo. — Milorde, foi um prazer dançar com o senhor. — Ela agradeceu a Gregory Olsen e soltou-se do braço dele. — Se me dá licença, aceitarei o convite de Lorde Isaac para a próxima valsa. Ela ofereceu sua mão enluvada para que Isaac segurasse. Era uma luva de seda que ia até os cotovelos, fechada por dezenas de botões perolados. Ele se recordou de quando a beijou na escuridão da praia, no festival da vila, e arrancou cada botãozinho daquele com um puxão desastrado. Os casais começavam a se formar no centro do salão para a próxima dança e Isaac a conduziu até lá. Tentou encontrar um lugar onde pudessem conversar sem chamar atenção de todos, mas Caroline, por si só, não comportava discrição. Os músicos iniciaram uma valsa de Strauss. Os olhos de Caroline se acenderam. — Eu adoro Strauss. — Ela piscou. Os cílios muito longos quase tocando as bochechas. — Quando estive na Alemanha, dançava valsa toda noite. — Por quais países já viajou? — Ah, apenas os que todo mundo conhece, França e Alemanha. Gostaria muito de ir às Índias, mas meu primo nunca me levou. Isaac segurou Caroline em seus braços e não percebeu que estavam próximos demais. A valsa era uma dança indecente, os moralistas que sobreviviam ao tempo ainda a detestavam. Parecia perfeita para Lady Eckley e seu vestido vermelho como o pecado. No instante em que começaram a se mover ao som da música, nada mais pareceu importar. Os olhos dele estavam novamente cravados nela e seu coração batia em um ritmo acelerado demais. — Eu mataria para segurá-la assim novamente. — Ele sussurrou. O medo de ser meloso e tolo desapareceu assim que Isaac colocou os olhos na dama de vermelho. — Senti sua falta, Caroline. — Se tivesse sentido, teria escrito algumas linhas para me contar. Você me prometeu notícias que nunca chegaram, Isaac. Descobri que estava em Londres por acaso. — Desculpe-me. — Ele girou com ela pelo salão. Isaac não sabia se era um dançarino muito bom, mas nenhuma dama reclamou, antes. — Eu quis escrever, mas… — Não se desculpe. Você não tem nenhuma dívida comigo. O que eu

deveria esperar dos homens? O seu tipo não costuma cumprir promessas feitas a uma dama. — As comparações são injustas. Sei que cometi um erro, porém não pretendia descumprir uma promessa. — Mas descumpriu. — Ela virou o olhar. Estava magoada com ele e Isaac não sabia o que sentir. Ao mesmo tempo em que precisava consertar aquele erro, estava satisfeito porque aquela mágoa demonstrava uma emoção que ela pretendia esconder. Caroline só se importava com a falha cometida por ele porque se importava com ele, no final. — Sabe por que não te escrevi? — Porque se ocupou demais com os assuntos de Tyntesfield e não teve tempo. Porque os assuntos masculinos são muito importantes e você acabou envolvido demais neles. Não é isso? Ela voltou a olhar para ele. Isaac maldisse aquele salão cheio, aquela valsa maravilhosamente tocada e aqueles casais que giravam junto deles ao som de violinos. Ele queria beijá-la e não podia. — Eu pensei em você a cada hora do dia, Caroline. — Isaac segurou-a pela cintura e puxou-a para mais perto. Estavam tão próximos que era quase escandaloso. — E escrevi algumas cartas que nunca enviaria. Todas elas eram tolas. Eu só conseguia dizer que sentia sua falta. Não fui capaz de formular nada razoável para te contar. Só queria falar de sentimentos. — E se eu quisesse saber dos seus sentimentos? — Você não quis casar-se comigo. Supus que essa discussão fosse entediá-la. — Isaac, não querer me casar com você não quer dizer que eu não goste de você. A conversa silenciou. Tudo que eles ouviam era o som dos instrumentos e das vozes ao redor. Dançar com Caroline era prazeroso o suficiente para ele desejar apreciar cada segundo da música, mesmo que ela estivesse aborrecida com ele. Quando a música terminou, os casais dispersaram. Isaac conduziu Caroline para fora do círculo central do salão, desejando levá-la para um passeio nos jardins. Ele não era frequentador da Olsen Terrace, mas conhecia alguns caminhos interessantes cuja iluminação era precária. Mas, para sua insatisfação, outros cavalheiros pleitearam uma dança com ela. Que aceitou. Cada um deles, mesmo que ela sequer tivesse uma caderneta de danças.

Ela não estava interessada em ir ao baile, depois pretendia pisar sobre algumas cabeças quando chegasse. No fundo, tudo que Caroline desejava era ser respeitada. Naquele momento, ela fazia o possível para irritar Isaac. Os sentimentos se misturavam dentro dela e tornavam sua alma um mar revolto. Aqueles cavalheiros que insistiam em dançar com ela serviam de instrumento para provocar o homem que despertava sentimentos indesejados. Não, não eram indesejados. Caroline nunca se importou em se apaixonar. Sempre preferiu ter relações sexuais com homens por quem se envolvesse romanticamente. Mas Isaac não era um homem qualquer - ele insistia nisso e tinha razão. Apaixonar-se por ele era um caminho muito mais complicado do que apaixonar-se por qualquer pateta que babava sobre ela como um cão com um osso. De qualquer forma, ela queria puni-lo. Fazê-lo sofrer por tê-la prometido algo que não pretendia cumprir, por provocar nela desejos e vontades que ela já abandonara antes, por ousar ser quase perfeito em um mundo de imperfeições. E, por isso, Caroline valsou com cada cavalheiro que lhe pediu uma dança. Ficou com os pés doloridos de tanto girar para lá e para cá, mas divertiu-se ao ver Isaac de pé, esperando, parado. Ele não se moveu por quase uma hora inteira. Bebeu algumas taças de champanhe. Ela sequer conseguia prestar atenção na conversa tediosa dos seus parceiros de dança. Queria saber se ele a provocaria também. Se ele tiraria alguma dama para uma valsa. Mas ele apenas esperou. E isso a irritou ainda mais. Porque ele estava fazendo exatamente o que ele deveria fazer para conseguir o seu perdão. Ou o seu coração. — Se não tiver mais nenhum pretendente por agora, poderíamos dançar novamente? — Ele perguntou assim que ela retornou da oitava valsa, outra vez com Lorde Gregory Olsen. Isaac pareceu duas vezes mais furioso por vêla aceitar uma segunda dança com ele. — Meus pés doem. — Caroline reclamou. — Prefiro sentar-me em algum lugar. — Posso levá-la à varanda. — Lorde Gregory prontificou-se imediatamente. — De lá podemos ter uma bela vista do Hyde Park e há bancos confortáveis para descansar, milady. — Adoraria conhecer essa vista.

Caroline seguiu com Gregory Olsen para o outro lado do salão. Passaram por uma porta e chegaram a uma parte externa da casa. Era uma área grande, cercada por uma balaustrada decorada e pouco iluminada. Como estavam no segundo andar, havia uma escada para os jardins e vários móveis de exterior, que sugeriam ser aquela uma parte bastante frequentada da casa. Durante o dia, provavelmente. Por mais que desejasse provocar Isaac, aquele passeio pela varanda parecia intencional demais. Caroline nunca fora aceita naqueles círculos. Nunca recebera tanta atenção de nobres cavalheiros. E nunca fora convidada para ir ao exterior de uma festa por nenhum deles. Se ela fosse mais tola, talvez pudesse ser enganada por aquele lorde elegante. Mas ela jamais seria pega em um escândalo. Até porque não havia escândalo que ela já não houvesse superado. Enquanto observava a vista do Hyde Park, que era realmente privilegiada, Caroline sentiu a proximidade de Lorde Gregory. Ele estava ao lado dela, porém perto demais. Ela se afastou um pouco. Ele levou a mão até as costas dela. — Foi bom respirar um pouco de ar puro. Agora, se me dá licença, milorde, retornarei para o salão. A mão de Gregory Olsen a impediu de prosseguir assim que se virou. O homem colocou o braço na frente dela, fazendo com que Caroline se mantivesse no mesmo lugar. — Ainda é cedo. Se esperar um pouco, logo podemos ver os fogos no parque. — Agradeço o convite, mas prefiro entrar. Ela sentiu o corpo dele se colocar na frente do dela. Se havia algo que Caroline detestava era um homem tentando se impor a uma mulher. Ela aprendeu com Anthony sobre liberdades e como toda mulher deveria ter direito de escolha. Poder escolher um homem era, também, poder dizer não a ele. E era difícil encontrar um que aceitasse ser recusado por uma mulher. — Milorde, o senhor está sendo inoportuno. — Não me diga que vai querer se fazer de difícil comigo? — Ele riu, irritando-a ainda mais. — Milady, com sua fama, não pretende que eu acredite que esteja assustada com meu comportamento. — Assustada? Milorde, o senhor tem dez segundos para sair do meu caminho. Caso contrário, afirmo que o senhor protagonizará um verdadeiro escândalo na festa de sua mãe, quando cair ao chão gemendo de dor depois

de ser atingido por uma mulher de um metro e meio de altura. Lorde Gregory não acreditou no que ela prometeu fazer. Caroline treinara técnicas de defesa em Paris e era capaz de causar dor excruciante a um homem com o dobro do seu tamanho. E ela pretendia empregar todo o seu conhecimento para derrubar aquele canalha quando sentiu seu braço sendo tocado por ele. Isaac estava ao lado deles, enfrentando Olsen com o olhar e afastando-a dele. — Se você não aprendeu a respeitar uma dama, Olsen, respeite o meu punho. Se chegar perto de Caroline novamente, a não ser que ela peça, terá que se entender comigo. E eu não lhe darei dez segundos. Isaac ofereceu o braço para ela segurar, conduzindo-a para fora da varanda sob o olhar perplexo de Lorde Gregory. — Venha comigo. Pessoas viram o que aconteceu. Eles não estavam sozinhos na varanda e ela sabia que era o assunto do baile. Mesmo que, na sua frente, as fofocas tenham sido outras, Caroline tinha certeza que falavam dela pelas costas. Eles seguiram por uma varanda grande e pouco iluminada e saíram para um jardim. Isaac demonstrava conhecer bem o espaço, enquanto ela nunca estivera ali. Treliças com plantas e muitas flores compunham o cenário do jardim, que também contava com uma fonte de pedra esculpida e diversos bancos de mármore. Isaac sentou-se com ela em um dos bancos que ficava mais afastado, de frente para as flores e de costas para a casa. Eles podiam ser vistos, mas estavam discretamente posicionados. — Não precisava se envolver. — Ela disse, quando já se sentia segura. — Eu daria conta dele. — O futre pretendia provocar um escândalo. Dizem que a mãe dele precisa casá-lo com uma dama de dote exorbitante, como é o seu. — Ah, Isaac. Quão tolo seria Lorde Gregory em pensar que poderia me prender com escândalos? Caroline deu uma risada baixa, tentando ser contida. A expressão taciturna de Isaac, no entanto, sugeria que ele não estava satisfeito com o episódio que presenciara. — Onde vocês estão? Na casa de sua família? — Não, Anthony decidiu ir para o hotel. A casa está fechada há algum tempo, daria muito trabalho organizá-la para a vinda de todos. As crianças também vieram, estão com a babá. Preferi ficar com eles, já que dei folga a meus criados quando fui para Kent.

— Você concordaria em ir comigo para minha casa? — Quer me levar para a McFadden Garden? — Caroline arregalou os olhos. — Ficou louco? — Não é lá, essa é a casa de Edward. Eu comprei um apartamento, ele ficou pronto ontem. Está limpo e… — Virgem. — Ela deu uma risada. Toda a irritação que sentira por Isaac se perdia quando ao lado dele. Era quase impossível permanecer muito tempo aborrecida com um jovem tão impetuosamente lindo como aquele. — Sim, você pode dizer que sim. Eu confesso, não aguento mais dividi-la com esses abutres. Principalmente Gregory Olsen, aquele patife. Se eu o encontrar novamente acho que ganharei outro olho roxo. — Eu adoraria conhecer seu apartamento. — Ela levou as mãos enluvadas até a lapela dele. Deixou que os dedos passeassem pelo nó do lenço no pescoço de Isaac, quis desfazê-lo para liberá-lo da prisão dos tecidos. Ele era muito mais interessante sem aquele monte de camadas de roupas. — Como vamos sair daqui sem que ninguém perceba? — Vim para o jardim exatamente por esse motivo. Há uma saída por aqui. Ah, então ele era mais esperto do que demonstrava. A iluminação onde eles estavam era precária, mas Isaac fez questão de olhar ao redor e ver se alguém os observava. À vista, não havia ninguém. Caroline não se importou muito. Aquele não seria seu primeiro escândalo. Definitivamente, nem o último. Passando por entre os arbustos com seu vestido de seda e cetim, sentindo fisgadas em seus pés pelo esforço da dança, ela seguiu o lorde pelos caminhos que apenas ele conhecia até se depararem com um portão. Dali via-se a rua, o Hyde Park e as carruagens dos nobres, que estavam estacionadas. Isaac aproximou-se da carruagem dos McFaddens, com seu brasão imponente, e conversou com o cocheiro. Caroline manteve-se discreta nas sombras causadas por uma falha na iluminação externa. — Anton vai nos levar, depois ele retorna para buscar os outros.

Capítulo vigésimo

O APARTAMENTO de Isaac ficava em uma região bem frequentada de Londres. Era uma região em expansão e que vinha recebendo o investimento considerável de Sawbridge, em sua sanha de reconstruir a cidade. Caroline pouco entendia o que movia o amigo. Ele era um homem reservado, muito centrado e que ganhou muito dinheiro ajudando nobres falidos. Havia boatos que ele era filho bastardo de um nobre, mas ninguém confirmava. Nem seu pai, nem sua mãe, admitiam qualquer coisa. Ele teve uma família estruturada, estudou em boas escolas e decidira que transformaria a cidade em algum lugar melhor. E Charing Cross vinha passando por significativas remodelações desde a construção da Charing Cross Street e da Shaftesbury Avenue. De uma das janelas dava para ver a Trafalgar Square. A cidade dos comuns dormia enquanto a parte nobre começava a festejar a noite. Caroline estava a alguns minutos observando as luzes que clareavam Mayfair e o Hyde Park, esperando Isaac dispensar o cocheiro e acender a lareira. Quando se virou para dentro da sala, ele estava desabotoando as luvas e desfazendo o lenço do pescoço. Caroline achava sensual ver um homem despir-se. Ela poderia sentar-se e esperar que ele retirasse cada peça de roupa. Ou podia incentivá-lo a fazê-lo. A segunda opção era mais divertida. Não importava se eles estavam na sala, se as janelas estavam abertas. Do quinto andar de um grande edifício, na penumbra, ela duvidava que pudessem ser vistos por alguém. Com habilidade que desenvolveu durante uma década de treinamento, ela retirou as luvas sem desabotoá-las. Uma depois da outra. Isaac não disse, mas pareceu entender o que ela queria. Lentamente, ele

retirou seu casaco e o pendurou em uma cadeira. Depois, abriu um a um os botões do colete. Em incentivo, Caroline levou as mãos desnudas aos cabelos e começou a soltar os grampos. Os cachos caíram sobre seus ombros. Ele respirou fundo, seu peito subindo e descendo pelo movimento dos pulmões se expandindo, e tentou se aproximar. Ela estendeu o braço e indicou que ele deveria manter-se afastado. — Não vou poder tocar? Isaac começou a desabotoar os punhos da camisa branca que vestia. — Vai. Mas não agora. Ela esperou que ele terminasse com os botões e se livrasse do tecido. Imediatamente, arrependeu-se de tê-lo afastado. Ela queria colocar as mãos naquele peito definido, esculpido, enroscar os dedos nos fios dourados que cobriam a pele. Mas decidiu esperar. Levou as mãos até o vestido e começou a abri-lo. Era uma regra para Caroline vestir apenas aquilo que podia despir. Violet se irritava porque ela exigia que as modistas preparassem vestidos com botões laterais e outros truques que permitiam que ela os tirasse sem auxílio. Naquele momento, foi bastante útil ser capaz de abrir os botões do próprio corpete, enquanto notava a ereção de Isaac despontar em suas calças de linho cinza. Sempre foi um deleite ter consciência do poder em despertar aquela reação no corpo masculino. A forma como ele a encarava, com o desejo latente em seus olhos, fazia com que ela se regozijasse. Depois de soltar o corpete, Caroline terminou de desfazer alguns laços e descartou o vestido aos seus pés. Ela usava apenas uma anágua, que também saiu em um empurrão para baixo. Isaac se sentou na cadeira em que apoiara seu casaco e retirou as botas. Caroline se sentou no sofá de veludo e retirou as sapatilhas de seda. Ele levantou e abriu o fecho da calça, que desceu por suas pernas musculosas e expôs toda a glória de sua masculinidade. — Quanta indecência, vir até mim sem roupas íntimas. — Eu não sou um homem decente. — Ele riu. — Não mais. Caroline riu. Ele podia não acreditar, mas era a criatura mais honrada e decente que ela conhecia. Ainda sentada, ela abriu as ligas e retirou as meias uma por uma, enrolando-as enquanto descia-as pelas pernas. Os olhos de Isaac mudaram. As partes escuras crescendo enquanto ele parecia fazer muito esforço para não ir até ela. Com um movimento rápido, ele também se livrou de suas meias.

Virando de costas para ele, Caroline desceu a calçola lentamente. Sua chemise era curta, muito mais do que o modelo tradicional usado pelas damas londrinas. Não cobria toda a extensão de suas nádegas, que ela fez questão de expor para ele. O tecido fino também não dava muita margem à imaginação, permitindo que um observador mais atento enxergasse os contornos de seu corpo. Assim que ela levou a mão aos últimos botões que a separavam da nudez total, foi arrebatada por Isaac, que a tomou nos braços e a beijou. A intensidade do toque quase a derrubou sobre o sofá. Depois de dez dias, o gosto dele ainda era o mesmo. Daquela vez era champanhe e tabaco, doce e amargo em um misto de sedução. — Quanto tempo nós temos? — Ele perguntou. A boca desencaixando da dela por apenas breves segundos. Os dois corpos estavam emaranhados como se fossem um. Mãos que buscavam o toque e pele que precisava de pele. Caroline não se lembrava de sentir aquela urgência por contato, antes. — Quanto for preciso. Ninguém dará falta de mim, Anthony e Rosamund provavelmente esperam que eu desapareça essa noite. A intensidade do beijo mudou. Isaac pressionou a boca na dela, buscando saboreá-la com a língua e com os lábios. Pegou-a nos braços, carregou-a para o quarto e colocou-a cuidadosamente na cama. Acomodou-se ao lado dela sem parar de beijá-la. E então ele desceu os beijos para o pescoço, o colo, passou a língua pela pele suada e excitada dela, até capturar um mamilo túrgido entre os dentes. Caroline gemeu e se contorceu debaixo dele. As mãos dela acariciaram suas costas com pouca delicadeza, cravando as unhas na carne e deixando um rastro de sangue e dor. Isaac não protestou, não demonstrou desconforto, ao contrário. Quando ela posicionou as mãos nos quadris dele e o tocou nas nádegas, ele perdeu o controle. — Preciso de você, Caroline. Preciso agora. Ela também precisava. Os olhares se cruzaram e ele a penetrou, forte e rude, fazendo Caroline soltar um murmúrio abafado. Foram muitos dias afastados. Nunca foram muitos dias, com nenhum outro homem. Daquela vez, ela queria ser arrebatada por Isaac, consumida por ele, exaurida ao ponto de não pensar em mais nada, não sentir mais nada. Com movimentos firmes e ritmados, ele entrava e saía sem que seus olhos a deixassem um segundo. Consciente da urgência de seu prazer, Caroline pegou a mão de Isaac e levou até o seu centro intumescido. Ele suportou o corpo com os joelhos no

colchão e ergueu as costas, fazendo com que as pernas dela se apoiassem nos ombros dele. Com aquele ângulo, ele podia tocá-la e penetrá-la ainda mais profundamente. Ele parecia muito próximo do alívio, mas não parou de se mover e de estimulá-la. Circulou seu clitóris com o polegar enquanto investia uma, duas, tantas vezes quanto fosse necessário. E Caroline sentiu o calor em seu ventre, aquela sensação da iminência do clímax. Tudo pareceu confuso demais para ela, que se considerava tão experiente que nada deveria surpreendê-la. — Isaac. — Ela murmurou. — Não pare agora. Sem responder, ele continuou a se mover e a tocá-la daquela forma erótica. Força e suavidade combinadas. Ela não estava acostumada àquilo. Estava à deriva, entregue aos carinhos daquele lorde devasso, que deveria ser ingênuo, inocente, mas se mostrava absurdamente hábil. A sensação mais incrível que ela conhecia a dominou e Caroline foi atordoada pelo orgasmo. Tão logo percebeu que ela convulsionava em seus braços, Isaac retirou-se e derramou sua semente sobre seu ventre. Naquele momento, Caroline entendeu o que Anthony quis lhe dizer. Ela não queria, não pretendia, não era capaz de lidar com o sentimento. Mas podia afirmar, sem dificuldade, que nunca experimentara um intercurso sexual tão intenso e tão prazeroso. Foi rápido, foi simples, foi perfeito. Foi como disse o marquês - quando se está apaixonado, o sexo é extraordinário. Caroline não tinha como negar. Estava apaixonada por Isaac McFadden.

Isaac levou minutos para se recuperar. Deitado em sua cama, ele segurava Caroline em seus braços e não fazia nada além de sentir a respiração dela em sincronia com a sua. Eles estavam abraçados e emaranhados, em silêncio enquanto seus corpos descansavam da atividade sexual. Ele desejou tomá-la e possuí-la desde que a viu no salão, valsando com outro homem. E ali, naquele quarto, enquanto compartilhavam momentos de intimidade, ele se sentia poderoso. Quase invencível. Poderia fazer aquilo toda noite. Dormir ao lado dela e acordar com Caroline em seus braços todo dia. Ele tinha que se casar com ela. Não havia mais nada que desejasse tanto. Mas ela tinha outros planos, e o silêncio indicava que era melhor adiar uma conversa até o dia seguinte. Disposta a passar outra noite ao lado dele,

Caroline logo adormeceu entre os lençóis, nua, perfeita sobre a cama. Isaac levantou-se, lavou-se, ajeitou uma colcha sobre ela, deitou-se novamente ao seu lado e também adormeceu. Ele costumava dormir muito mais cedo que seus pares em Londres. A exaustão de trocar os dias pelas noites cobrava invariavelmente seu preço. Durante a madrugada, eles despertaram algumas vezes. E fizeram amor em todas elas. Mesmo que eles fossem apenas sombras, que a nebulosidade do sono ainda pairasse sobre suas vistas, o desejo conduziu um até o outro. Isaac pode tocá-la mais, senti-la mais, beijá-la mais - e se deleitar com os gemidos de prazer que ela soltava só para ele. Quando a luz do sol penetrou pelas janelas ainda abertas do quarto, ele despertou ao perceber o vazio ao seu lado. Caroline não estava no quarto. Isaac quis levantar-se e procurá-la, mas a dama logo retornou enrolada em um roupão. Os cabelos longos e escuros estavam úmidos. — Seu encanamento é fascinante. Nunca havia usado um chuveiro, sempre preferi a banheira. Estou revendo meus conceitos. Ela sorriu e pulou sobre a cama, colocando-se ao lado dele. Definitivamente, Isaac poderia fazer aquilo todo dia. — Os prédios recentemente construídos são muito modernos. Por isso quis comprá-lo. Também porque eu queria um lugar para chamar de meu. — Preciso me arrumar e voltar para o hotel. Anthony tem alta tolerância para minha falta de decoro, mas eu não posso exagerar. Caroline levantou-se e começou a procurar suas peças de roupa. Não parecia razoável que ela saísse de seu apartamento vestida com o vermelho da noite. — Deixe que eu mande Dewitt buscar roupas adequadas para você. Sua criada pode vir ajudá-la a se arrumar. Não vou atrasá-la muito mais e será menos desonroso do que desfilar pelo dia com as roupas de ontem. Enquanto esperamos, podemos conversar. — Ah, conversar. — Caroline recostou-se na cabeceira da cama. — Certo, pode dar seguimento ao seu plano. Diga a seu criado que procure Violet, ela providenciará tudo que preciso. Isaac assentiu. Saiu do quarto, chamou seu valete e pediu que Dewitt cumprisse algumas tarefas. Entre elas, que trouxesse comida de uma padaria muito conhecida que ficava próxima ao apartamento. Tudo levaria mais de uma hora para ser resolvido, então ele teria aquele tempo para discutir alguns detalhes importantes com a mulher em sua cama.

— Temos algum tempo, agora. — Ele disse, se colocando ao lado de Caroline. — Eu sei que deixei Kent subitamente e não resolvemos algumas pendências. E que você não quis casar-se comigo. Mas tenho outra proposta agora, Caroline. Eu quero cortejá-la. A expressão assombrada de Caroline poderia ser interpretada como uma ofensa, mas Isaac duvidava que sua masculinidade pudesse sofrer mais. — Cortejar? Depois dessa noite, depois de todas essas noites, ainda acredita que isso é necessário? — Claro que é. Nós temos intimidade física, mas não somos um casal aos olhos públicos. Eu quero que sejamos. Quero cortejá-la em festas, em passeios, em eventos, visitá-la formalmente. E, só depois, propor-lhe casamento. O assombro deu lugar à consternação. Isaac poderia jurar que os olhos dela estavam úmidos. Mas demonstrar emoções não era o ponto forte de Caroline Eckley. Ela parecia mais dura do que uma rocha. Mesmo assim, com carinho, ela levou a mão direita até ele e tocou-o na face. — Ah, Isaac. Você é o homem mais romântico que conheço. Eu adorarei aparecer em público com você, além de encontros casuais às escondidas. Preciso confessar que eles não estão me satisfazendo. Eu quero mais de você. — Mas isso é excelente! — Ele se exultou. — Isso significa que… — Ainda assim, eu não pretendo me casar. — Ela o interrompeu. — Não posso me casar agora. Nós não podemos continuar com nosso arranjo inicial? Como amantes? — Céus, não! — Isaac levantou-se repentinamente. Passou as mãos pelos cabelos, nervoso com a dificuldade que ela colocava ao relacionamento deles. Para ele, era tudo muito claro, muito óbvio. Ele estava apaixonado por ela. Era ridículo que estivesse, mas não adiantava negar e dizer que não. Mas Caroline impunha obstáculos intransponíveis a qualquer proposta digna que ele fizesse. — Certamente não podemos ser amantes. Eu não quero nada tão indigno. Sem contar as implicações. Nunca poderemos ser uma família, Caroline. Você não quer filhos? Mesmo que eu não precise providenciar herdeiros para os McFaddens, eu gostaria de ter os meus filhos. E ainda há os riscos, pois você pode engravidar mesmo que tomemos todas as precauções. Ele disse tudo rápido demais. Estava nervoso com todos os obstáculos que ela insistia em colocar ao relacionamento deles. Caroline queria o mínimo, ele só se satisfaria com o máximo. Vendo que ele parecia fora de controle, ela se levantou e foi até Isaac. Passou a mão pela face dele, pelos

ombros, pelo peito despido. — Sei de todos os riscos. Mas você não entende, você jamais entenderia. Eu quis ser uma dama como todas as outras, mas nunca fui. Quis ter um marido como todas as outras, mas os homens só me desejaram por motivos fúteis. Eu servia para dar-lhes prazer, nunca para ser a esposa. E então eu passei por tudo aquilo em Thanet Bay, fui internada como louca e me redescobri como pessoa. Como mulher. Foi preciso um choque para me transformar, Isaac. Eu não vou abrir mão de quem eu sou, hoje, para me casar. — Ela levou a boca até ele, beijou-o no lugar onde batia o coração. — Eu gosto muito de você. Mais do que deveria. Mas, no fundo, você é apenas mais um homem como todos os outros. Vai tentar me controlar e me podar assim que nos casarmos. Não posso fazer isso. Não posso deixar que faça isso. — Eu jamais podaria você, Caroline. — Ele a abraçou, puxando o corpo pequeno e trêmulo para si. — Eu me apaixonei pela mulher que você é. Por que eu mudaria qualquer coisa em você? — Ainda assim, não posso. — Caroline ergueu o olhar. Havia um brilho úmido em seus olhos castanhos que indicava que ela estava emocionada. — É difícil para um homem entender que, quando se tem tudo a perder, não se pode ceder nada. Quero você. Mas não vou me casar. Isaac fechou os olhos. De todas as fraquezas que ele já demonstrara na frente dela, chorar seria a mais vergonhosa de todas. Ele não costumava chorar, apesar de se considerar um homem sensível. Aquelas vulnerabilidades eram femininas demais para que ele demonstrasse sem se sentir diminuído perante seus iguais. Mas ele estava prestes a derramar algumas lágrimas pela constatação de que não teria a mulher que desejava. Não teria Caroline. Ela o recusou de todas as formas possíveis. Um homem não podia ser rejeitado tantas vezes e sair ileso. Ele precisava dar um fim àquilo, porque senão seria tarde demais. — Não posso ter você pela metade. Não é a coisa certa a se fazer, não é justo conosco. — O que faremos sobre isso, então? A pergunta dela ecoou no fundo de sua alma. O que ele faria? Ela estava decidida, não seriam suas declarações que a fariam mudar de ideia. Caroline não era uma dama manipulável nem influenciável. Tudo que ela foi antes, tudo que se falou a respeito dela, não era mais. E era aquele o motivo de ele desejá-la tanto. De querer tanto ter mais tempo com ela, passar a vida com ela

para descobri-la todo dia. Com Caroline, ele suspeitava que os dias nunca seriam tediosos ou mornos. Mesmo assim, ele precisava deixá-la ir. Com cuidado, Isaac afastou-a de seu peito e beijou-a nos lábios. Foi rápido, úmido e suave. — Preciso encontrar-me com Nathaniel e Edward. O problema de Tyntesfield fora causado por um administrador desonesto e estamos resolvendo isso de forma a não gerar escândalos. Logo suas roupas chegarão. Fique o quanto quiser, Dewitt trará também comida e preparará um desjejum para que desfrute da manhã. — Você está indo embora. — Ela constatou. — Por enquanto, eu estou. A voz estrangulada foi sucedida do afastamento. Isaac não podia continuar naquele quarto ou não sairia mais dali. Acabaria cedendo e fazendo todas as vontades de Caroline, porque ela sim, o dominava. Porém, precisava ser razoável. Ela não merecia que ele aceitasse aquela proposta. Assim como ela não aceitou a sua primeira, de tirar-lhe a virgindade. Ambas eram indecorosas, injustas, e não representavam a dimensão dos sentimentos dele por ela. Ele pegou uma camisa branca, seu casaco e saiu. Terminaria de se vestir em outro cômodo e manteria uma distância razoável de Caroline enquanto tentava descobrir uma forma de fazê-la confiar nele. Ela precisava confiar. Isaac não estava pronto para abrir mão dela, para desistir. Mas não podia dizer sim e permitir que continuassem como amantes.

Assim que a porta de madeira se fechou, Caroline sentiu seu corpo falhar. Não conseguiu manter as pernas firmes, acabou sentada na cama com os membros trêmulos. Outros homens já haviam deixado sua vida. Todos eles. Nenhum de seus amantes ficou. E ela não quis que ficassem. Alguns, ela desejou que voltassem. Outros, ela precisou expurgar como a uma doença. Mas aquele… daquele homem ela precisava. Não, Caroline não precisava de maridos ou amantes. Ela queria amigos. Pessoas que se importassem com ela e que não a tentassem mudar. Estava cansada de depender de quem a magoaria no final. Mas a voz dentro dela gritava que estava enganada. Que Isaac nunca seria outro Robert Langdon.

Porque todos os homens, até então, eram iguais ao miserável que a deflorou e a abandonou. Só que aquele ali era diferente. Por que era tão difícil para ela confiar? Ela não sabia o que fazer. Pela primeira vez, Caroline ficou sem reação. Batidas à porta precederam à entrada de uma criada que carregava uma bandeja com comida. Ela saiu e voltou com uma valise contendo um vestido e os acessórios que Caroline precisava para sair com dignidade do apartamento de Isaac. — Milady deseja ajuda para se vestir? A criada perguntou, vendo a dama apática à sua frente. Caroline assentiu sem dizer nada. Estava com a sensação de quem engolira um bolo de pelos. Sua voz sumiu, sua garganta estava áspera. Deixou-se vestir e arrumar pela jovem moça desconhecida e se sentou à frente da bandeja, que continha um bule de chá, biscoitos e bolinhos com cobertura. — Milorde pediu para garantir que a senhorita comesse tudo. — A criada disse, com um sorriso. — Ele mesmo escolheu os doces, milady. Lorde Isaac é muito atencioso. Sim, ele era. Caroline sabia e já experimentara bastante daquela atenção. E ela já estava se acostumando a tê-la. Acostumando-se a saber que aquele homem estava ali para ela. Afogada em pensamentos confusos, ela mordeu um bolinho e descobriu que era recheado de morangos. As lágrimas vieram sem que ela conseguisse impedir. Sozinha novamente, Caroline chorou pelas decisões tomadas e pela perda que acabara de sofrer. Isaac foi embora. Ele não iria voltar. Nenhum homem, nem ele, aceitaria tantas rejeições. O mais difícil era que Caroline não pretendia rejeitá-lo. Ela o desejava tanto, o queria tanto, mas acreditava que seria possível mantê-lo sem a necessidade do enlace matrimonial. E não era. A comida adquiriu um gosto amargo e desagradável. Ela deixou tudo ali, o chá pela metade e os biscoitos intocados, e decidiu voltar para os Eckleys. Não adiantava chorar por Isaac. Ela tinha que tomar atitudes. Caroline sempre foi uma mulher de ação. Precisava organizar os pensamentos e decidir. Afinal, o que ela queria?

Capítulo vigésimo primeiro

A FAMÍLIA E CKLEY voltou logo para Rhode Port, pois o evento de Caroline seria naquele final de semana. A maior parte das famílias já estava a caminho do litoral e do campo, indo para suas propriedades no interior da Inglaterra. As famílias que não eram nobres não tinham terras nos lugares mais populares, mas muitas viajavam para os hotéis, que se multiplicaram na última década. Thanet, a cidade de Kent onde ficavam as propriedades das famílias Eckley, McFadden e Trowsdale, era um dos balneários mais visitados. Mas a iminência da festa não animou Caroline. Ela mentiu para Anthony e Rosamund, afirmando que nada acontecera para deixá-la melancólica. Fingiu sorrisos e forçou algumas piadas sarcásticas que eram sua especialidade. Por dentro, ela estava arrasada e destroçada. Estava ocupada com seus afazeres e, por dois dias, apenas desejou aquilo que não podia ter sem conseguir pensar como fazer para obter. Sabia que precisava ir atrás de Isaac e fazer o que ele mais gostava, conversar. Porém tinha compromissos que exigiam sua integral atenção naquele momento. E eles estavam ali, em propriedades vizinhas. Se ela saísse de casa, corria o risco de encontrá-lo. Os McFaddens já estavam todos em Greenwood Park, incluindo o Conde de Cornwall, sua esposa e filhas, e o irmão Nathaniel. Em um ou dois dias, o jovem Emile chegaria para completar a família. Se pisasse fora da segurança da Granville House, poderia ouvir a voz de Isaac falando com os arrendatários, ou sentir o perfume dele pelo ar denso e úmido do litoral. Claro que ela não podia. Mas Caroline via Isaac por todos os lugares desde aquela manhã. Talvez passar um final de semana cercada de damas

fosse lhe fazer algum bem, no final. Ela precisava se desintoxicar dele. Quando o aguardado dia chegou, a criadagem estava agitada. Fazia tempo que a Granville House não recebia tantos convidados. Todos os quartos estavam preparados e separados para seus ocupantes. A roupa de cama foi escolhida de acordo com a cor preferida de cada um. A localização dos quartos obedeceu a critérios rigorosos de precedência e tamanho das famílias. As cortinas foram trocadas para combinar com a decoração. Anthony estava animado para receber os homens. Como o evento tinha como foco as mulheres, ele fora encarregado de entreter pais e maridos. Preparou atividades masculinas variadas, reativou sua sala de jogos e separou diversas garrafas de conhaque, uísque e vinho para garantir que seus convidados tivessem o melhor. À medida que as carruagens chegavam, trazendo os hóspedes da estação de trem, os criados iam recebendo e orientando cada família. O mordomo, impecavelmente trajado, dava ordens sobre o local para onde a bagagem seria levada e conduzia os recém-chegados ao solário, que tinha parte do teto de vidro e estava preparado com duas mesas grandes de comida, café e chás. Quando Caroline desceu, foi primeiro recebida por Marquesa. A cadela andava muito sumida, desde que conhecera Lorde, o Setter malhado. Até ela estava seduzida por um dos McFaddens. No solário, encontrou-se com as Westphallens, pois a irmã mais nova era da idade ideal para a escola. Também estavam lá outras dezenas de jovens, entre filhas de nobres e burgueses. A nova realidade industrial, comercial e social da Inglaterra estava conduzindo muitas moças a interesses que não apenas o casamento. Mesmo que casar ainda fosse a coisa mais importante que elas pudessem fazer, algumas preferiam exercer profissões ou, pelo menos, entendê-las melhor. — Sejam todas bem-vindas. — Ela se apresentou. Destacava-se pelos cabelos soltos e vestido vermelho, enquanto as damas, todas de vestidos de dia, usavam cores sóbrias como amarelo claro, azul claro, verde claro. — Espero que estejam sendo bem tratadas até agora. — Muito bem, milady. Estamos agradecidas por seu convite. — Disse a filha mais nova de um industriário. — Estamos ansiosas para saber das atividades! — Lady Diana, a filha mais jovem dos Westphallens, se empolgou. — É verdade que estamos próximas da praia? E que podemos nadar em uma enseada particular? — Claro, vamos todas fazer um passeio pela enseada. Ela fica na propriedade dos McFaddens, em Greenwood Park, mas temos autorização

para frequentar. — Ah, será adorável! — Lady Felipa exaltou-se. Não, damas nunca se exaltavam, ela apenas demonstrou entusiasmo moderado. — Seria intrigante se, acidentalmente, encontrássemos os donos da propriedade. O restante das jovens deu risinhos. Caroline semicerrou os olhos, irritada com o comentário luxurioso sobre os McFaddens. Sim, eles eram lindos. E três deles eram jovens o suficiente para interessar a todas aquelas ladies. Mas um deveria estar fora de circulação. Um era dela, e ela estava quase pronta para clamar sua posse sobre ele. — Creio que não os encontraremos. Na verdade, tomarei precauções para que isso não aconteça. Não será adequado que nos misturemos com os homens, se formos nos banhar. Os risinhos foram substituídos por lamúrias. E surpresa. Nenhuma daquelas damas acreditava que Caroline fosse pudica. Ela não era. Apenas não queria Isaac sendo exibido como um pedaço de carne para as mulheres famintas. Enquanto conversavam e bebiam chá, mais damas foram chegando. Entre as famílias, algumas que Caroline nem mesmo reconhecia, pois eram convidadas de Agatha ou Rosamund. E uma delas, muito bela e nitidamente estrangeira, chamou a sua atenção. Não tinha mais do que dezesseis anos e estava tímida. Estava acompanhada de uma dama mais velha, também estrangeira. Ela tinha um olhar mais atento e parecia procurar alguma coisa. — Buongiorno. Somos Lady Francesca e Lady Angelica. Viemos a convite da Condessa de Cornwall. A dama mais velha disse. Todas olharam para elas, de cabelos claros e olhos expressivamente azuis, como duas bonecas feitas à mão. Usavam vestidos com saias farfalhantes, renda e brocado, nas cores da primavera. Antes que Caroline conseguisse cumprimentá-las, ouviu um clique em sua cabeça e parou no meio de uma reverência. Ela conhecia Lady Francesca. Aquela era a noiva de Isaac. Não, a pretendente. A mulher que ele se propusera a cortejar antes de iniciar a cruzada para se casar com Caroline. E ela estava ali, em Rhode Port, para o evento. Ficaria hospedada com os Eckleys, ao lado de Greenwood Park. Aguentar as damas aguadas que estavam ali era uma coisa. Apesar de tudo, Caroline duvidava que qualquer uma delas interessasse a ele. Isaac gostava de desafios e sua futura esposa deveria oferecer-lhe algo além de saber servir o chá e ser um receptáculo para sua semente. Mas Lady

Francesca… ela não era uma concorrente qualquer. Ela transpirava confiança, esperteza e poder destrutivo. Ela era a versão loira de Caroline. — Por favor, acomodem-se! — Rosamund surgiu por trás dela e cumprimentou as recém-chegadas. — Estamos todas aqui conversando, não é mesmo? — Claro, sejam bem-vindas! Vou servir-lhes chá. — Assumiu Lady Diana. — Sirva para mim, também. Dessa vez, a voz que ecoou foi de Wilhelmina McFadden. Ela entrou sozinha no salão, sem acompanhante ou companhia dos irmãos. Caroline sentiu o amargo do chá que acabara de colocar na boca. Tudo ali conspirava para que ela pensasse em Isaac, lembrasse-se de Isaac e sentisse ciúmes de Isaac. Mas ela não tinha o direito de sentir nada. Nem de pensar tanto nele, menos de se enciumar pela possível talvez futura noiva. Ela o recusara, reiteradamente, durante todo o tempo que ficaram juntos. Ah, como ela estava confusa. — Nosso grupo está quase formado. — Foi Rose quem a tirou do transe de seus pensamentos. — Que tal fazermos um passeio pela propriedade? Depois do almoço, teremos a apresentação da escola e não haverá tempo para diversão ao ar livre. As damas concordaram e continuaram conversando sobre futilidades. Eram todas muito jovens. Algumas acompanhadas de irmãs mais velhas ou mães. Todas potenciais alunas que atrairiam novos olhares para a escola. Tudo estava exatamente do jeito que Caroline desejava, mas nada a agradava. Nenhum assunto tolo, nenhuma dama sorridente, nenhum comentário jocoso sobre qualquer coisa. Ela estava anestesiada e não sabia o que fazer para se livrar daquela sensação. Quando foram conhecer Granville House, guiadas pela animada marquesa, as mulheres entraram na biblioteca. O exemplar de A Sujeição da Mulher estava ainda ali sobre a mesinha, fazendo-a lembrar de alguns momentos vividos naquele lugar. Depois, passaram pelo hall de entrada e ela deixou-se perder observando o vaso de figuras obscenas. Ninguém notava aquele objeto, apenas ele prestou tanta atenção a ponto de criar memórias. E assim foi durante toda a manhã. Caroline andava com as damas e suas acompanhantes pela propriedade sem conseguir conectar-se a nada. Nem depois da chegada da condessa ela se interessou pelo evento. Sua cabeça

doía, latejava e ela desejava beber. Ao invés de chá, uísque. Qualquer coisa que pudesse derrubá-la e mantê-la em estado comatoso até esquecer aquele lorde insistente. — O que tem ali? — Lady Aline perguntou. Ela era filha do Barão de Attwood e uma das mais agitadas do grupo. — É a propriedade dos McFaddens, Greenwood Park. Podemos ir até lá, Lady Wilhelmina? — Lady Felipa, a filha do Conde de Yorcestershire disse. — Naquela direção ficam os prédios dos arrendatários. Não há nada para ver lá, a não ser homens trabalhando e muita sujeira. — Homens trabalhando? — A Srta. Justine se animou. — Parece bárbaro. — Lady Angelica se assombrou. — Muito animalesco. — Lady Felipa concordou. — Será que eles trabalham como os homens das docas? Em mangas de camisa e de colarinhos abertos? As damas se entreolharam. Elas eram jovens diabinhas, interessadas em ver homens em poucas roupas. Talvez elas nunca tivessem aquela oportunidade outra vez. Caroline não podia negar a elas a chance de apreciar belos espécimes masculinos - mesmo que ela soubesse que era mais fácil encontrarem homens barrigudos e peludos como ursos ao invés de bonitos e bem cuidados. E era possível encontrar Isaac. Eles estavam separados há dois dias e ela sofria como se fossem dois anos. Vê-lo apenas ampliaria o sofrimento. — Por que não vamos até lá conferir essa barbárie? Rosamund balançou a cabeça em negação e Caroline liderou a caminhada. A comitiva de damas e sombrinhas estava quase chegando à fronteira das propriedades, avistando os trabalhadores e o movimento de pessoas quando um estrondo fez com que parassem. Algumas gritaram, outras se encolheram, quase se atirando ao chão. Mais gritos e vozes masculinas chamaram a atenção de Caroline. Ela viu a imagem de Nathaniel ao longe e Wilhelmina começou a correr na direção do irmão. Agatha também disparou. Virando para o lado, ela notou o grande edifício do silo quase em ruínas. Muita poeira subia, indicando que um grave acidente acabava de acontecer.

Tudo se deu muito rapidamente. Pessoas corriam de um lado para o outro. Nobres e plebeus, homens e mulheres. Não importava quem fossem, estavam empenhados em fazer alguma coisa. O silo desmoronara e havia pessoas dentro dele. Em um minuto, as futuras alunas da escola de Caroline e Agatha estavam a caminho de uma aventura - ver homens trabalhando em mangas de camisa, suados e escandalosamente expostos e, no instante seguinte, havia poeira para todo lado e elas estavam apavoradas, algumas correndo também, outras abraçadas aos prantos. Caroline não saberia dizer como suas pernas se moveram na direção do tumulto. Ela começou andando, então se lançou em disparada até chegar onde estavam todos. Wilhelmina e Agatha também chegaram com ela. Foi apenas sorte que Rosamund conseguiu manter-se ao lado das damas e ajudar a controlar a situação. — O que está havendo, Nate? — Wilhelmina perguntou ao irmão, que estava com as mangas da camisa dobradas até os cotovelos e os cabelos cheios de pó. — Só sabemos que tudo caiu. Estávamos ajudando a reabastecer o silo com grãos e de repente… — Quem está aí dentro? — Foi Agatha que questionou. Havia uma nota de desespero em sua voz. — Há alguém dentro, não há? — Umas dez pessoas, pelo menos. Deixe-me ajudar os homens, precisamos correr para resgatá-los. Nathaniel começou a se afastar, mas Agatha agarrou-o pela blusa e o obrigou a ficar. — Nathaniel, quem está preso nos escombros? — Alguns arrendatários. O engenheiro. Isaac. Ele não conseguiu sair. O jovem McFadden não esperou para ver a reação das mulheres. Apressou-se para onde estavam vários homens levantando pedras e pedaços de madeira. O ruído de vozes e entulhos sendo removidos era ensurdecedor. Mãos agarravam escombros e os tiravam de uma pilha para formar outra. Tentavam desobstruir a entrada do prédio, que estava totalmente bloqueada. Ouviam-se vozes de comando e ordens sendo proferidas. Vindo de outra direção, os homens que estavam no evento em Rhode Port se aproximavam. Anthony guiava vários cavalheiros, todos a cavalo, até o epicentro da destruição. Ele desmontou e seguiu na direção de Nathaniel, seguido por Edward, que tentava manter sua expressão de não se afetar por nada. Enquanto o marquês não se importava em parecer descontrolado, o

conde era extremamente comedido. — O que diabos aconteceu aqui? — Ainda não temos certeza, milorde. Mas precisamos tirá-los de dentro. — Tirar quem, Nathaniel? A pergunta de Edward ecoou no silêncio. Um homem deu algum comando para que todos ficassem quietos e foi obedecido no instante em que o conde falou. Outra voz, fraca e abafada, veio de baixo dos escombros. Ninguém entendeu direito o que foi dito. — Meu Deus, eles estão vivos! Nathaniel subiu no monte de pedras e entulho e começou a arrancar pedras de lá. Edward tirou seu casaco e arrancou o lenço do pescoço, sendo imitado por alguns homens do grupo. Tinha bastante gente mobilizada a ajudar, mas o trabalho era exaustivo. As mulheres observavam assombradas. Algumas começavam a preparar o espaço para receber os feridos. — Vá até a vila e chame o médico. — Edward deu a ordem a um jovem magricela que tremia de nervoso. — Você, vá até Thanet Bay e avise ao duque o que aconteceu. Peça que venha aqui. — Foi a ordem para outro jovem, que estava coberto de poeira da cabeça aos pés. — Quem quiser ajudar, não fale. Vamos tentar ouvi-los para saber onde procurar. Quem não quiser ou não puder ajudar, desapareça daqui. O conde, o marquês, alguns industriários amigos e dois nobres começaram a ajudar na tarefa de retirar os destroços onde ouviram a voz. Precisavam ser rápidos, pois não sabiam o quão feridos os homens estavam, e se havia ar para respirarem. Caroline estava em choque. Não exatamente paralisada pelo horror e pelo medo, mas genuinamente aterrorizada. Ela nunca vira um grave acidente, nem pessoas feridas ou mutiladas. Em suas andanças de caridade, viu pobreza e miséria suficientes para assombrá-la pelo resto da vida. Mas era diferente. Naquele momento, ela só pensava que Isaac não sairia inteiro daquele amontoado de madeira e pedra. Que ele estaria ferido, talvez inconsciente, faltando algum pedaço ou morto. Ela não suportaria se ele estivesse morto. — O que podemos fazer? — Wilhelmina perguntou para a cunhada. — Diga, há algo que possamos fazer? — Vamos ajudá-los. — Caroline tomou a frente e foi na direção das ruínas. — Ficar aqui parada é que não vou. — Você vai apenas atrapalhá-los, Caroline. — Agatha colocou-se no

caminho dela. — Eles sabem o que estão fazendo. Edward não vai deixar o irmão enquanto não o retirar de lá. — É fácil pedir para que eu me afaste quando seu marido está a salvo logo ali. — Caroline apontou o conde, glorioso de pé no ponto mais alto das ruínas. — E se fosse ele soterrado? — Não entendo a comparação, Caroline. Seu marido não foi soterrado, você não tem… — Lady Eckley, talvez seja melhor ajudarmos a preparar macas improvisadas para os cuidados com os resgatados. — Wilhelmina interrompeu a cunhada e segurou Caroline pela mão. — Veja, as esposas dos arrendatários já estão se ocupando dessa tarefa. Nate disse que há uns dez homens debaixo do prédio, então teremos muito trabalho. Vamos? Com um aceno de cabeça, Caroline assentiu e seguiu a jovem McFadden. Seria impossível para Agatha compreender o sofrimento de seu espírito. A condessa não sabia de seu envolvimento dela com Isaac. E do quanto saber que ele estava debaixo dos escombros a assustava. Mas Wilhelmina tinha razão. Ela era jovem, mas extremamente razoável - e sabia do que havia entre Caroline e o irmão dela. Esperar era difícil. Rosamund conduziu as damas de volta à Granville House, o médico chegou, trazendo dois auxiliares, e arrendatários de Rhode Port também vieram ajudar. As mulheres que permaneceram no local do acidente contribuíram com água fresca para os homens que trabalhavam e auxiliando a montar macas, estender lençóis limpos, cortar panos e ferver água para os feridos - quando eles fossem resgatados. Só que o resgate começou a demorar demais. Mais de uma hora se passou até que vozes foram novamente ouvidas. Edward mandou todos se calarem. O som, muito baixo, dizia que todos os dez homens estavam no mesmo lugar. As buscas então se concentraram ali. Caroline já retirara as luvas e estava nervosa, esfregando os dedos. Ninguém entendia sua ansiedade, apenas as pessoas que desconfiavam do motivo. Depois de mais uma hora, um buraco se abriu no prédio em ruínas e os homens que estavam ali começaram a sair. Oito deles, pelo menos. Empoeirados, feridos e assustados, foram imediatamente colocados sob cuidados dos médicos. Mas havia algum problema - dois homens estavam ainda presos sob os entulhos e um deles era Isaac. — Deixe-me passar. — Caroline tentou se meter entre os homens que

ajudavam a arrancar pedras e paus. — Eu vou entrar aí. — Não vai a lugar algum. — Anthony segurou-a pela cintura. — Perdeu de vez o juízo? A estrutura está instável, ela pode ceder a qualquer momento. — Mais um motivo para alguém entrar e tirá-lo lá de dentro! Por que ele não saiu, Anthony? — Edward está ali conversando. Caroline… — Diga logo o que houve. Você nunca foi de me poupar. — Isaac está inconsciente. Ele bateu a cabeça. O homem que está com ele tem a perna esmagada e não consegue sair sozinho, ou ajudá-lo. — Eu vou ajudá-lo. — Ela forçou passagem, mas o marquês era duas vezes mais forte. — Saia da minha frente, Anthony. Ele saiu. Temia pela segurança da prima, mas certamente vira as lágrimas nos olhos dela, a ansiedade latente em cada palavra que dizia. Caroline só seria parada se fosse derrubada por tranquilizantes. Anthony conhecia aquele espírito, era o que ele mais admirava nela. E foi por ele que permitiu que ela, usando saias longas, anáguas e sapatilhas, fosse até onde estavam resgatando os soterrados. O conde conversava com outros homens. Caroline aproximou-se e inflou o peito com ar. Precisava parecer confiante e segura de que seu tamanho poderia ajudar. Ser pequena dava a ela vantagem para entrar e sair do buraco aberto pelos homens e auxiliar os que ainda estavam presos. — Você não passará com essas roupas. — Edward determinou. — Causará um aumento do risco de novo desmoronamento. Caroline olhou ao redor. Edward estava certo, ela não poderia passar com as saias. E não teria como ir à sua casa buscar suas calças de montaria, ou pedir emprestadas as roupas de algum jovem. Mas nada a impediria de entrar naquele buraco e retirar Isaac de lá. Nem mesmo o risco de ser soterrada com ele. Era melhor morrer tentando do que nada fazer para ajudar. Olhando para o conde que a fitava de braços cruzados, Caroline tomou a atitude mais drástica que podia. Colocou a mão nos botões que prendiam seu vestido e começou a retirá-lo. Foi um escândalo. Anthony correu até ela, mas parou na metade do caminho. Edward ficou sem saber o que fazer. Agatha levou as mãos à boca e Wilhelmina riu. Aquela era Lady Eckley, a libertina mais devassa de Londres. Despir-se na frente de vários homens e ficar apenas com suas roupas íntimas para poder caber em uma abertura diminuta parecia algo condizente com seu caráter. Depois de retirar o vestido e ficar apenas com

sua calçola até os joelhos, a meia - preta -, a chemise e o espartilho, ela girou no próprio eixo e encarou o conde. — Estou adequada agora, milorde? — Você ficou louca, Caroline. — Edward rosnou. — Agradeça-me depois que eu resgatar seu irmão. E ela se aproveitou da estupefação causada para burlar as defesas e ir até onde estava Isaac. Inconsciente ou não, perigoso ou não, ela daria um jeito de trazê-lo de volta. Porque não parecia mais admissível que ela continuasse vivendo em um mundo em que ele não estivesse.

Isaac estava sonhando. Era um sonho estranho e pouco usual, em que ele sentia muita dor e estava preso. Amarrado, com pés e mãos acorrentados. O barulho ao redor era vezes ensurdecedor, vezes uma calmaria tranquilizante. Não sabia onde estava. A escuridão o engolia mesmo de olhos abertos. Não, ele não conseguia abrir os olhos por mais que se esforçasse para fazê-lo. Mas, assim mesmo, ele sabia que ela estava ali. Por perto, procurando por ele. Foi então que as correntes foram arrancadas de seus membros e ele estava liberto. Imóvel, porém, em liberdade. A luz ardeu suas pálpebras, forçando-o a piscar algumas vezes. — Isaac? A voz de Caroline era música em uma tarde de verão. Como os pássaros cantando nas árvores. A mão dela segurava a dele, mas ele não conseguia vêla. Tudo estava muito turvo, borrado, cinzento. Isaac abriu bem os olhos, tinha certeza de tê-los arregalados - e, ainda assim, Caroline não passava de um borrão. — Deixe-me examiná-lo, milady. Aquele era Davies. O que o doutor fazia em seu sonho? — O senhor não me afastará dessa maca, doutor. Faça o seu melhor. Ele quis sorrir e não soube afirmar se seus lábios se moveram. Era como se tivesse recebido uma grande quantidade de morfina, mas sentia dor demais para estar drogado. — Preciso de espaço para trabalhar. Se milady se preocupa com ele, sente-se naquela cadeira por alguns minutos, ao menos para que eu o examine.

Não, não se afaste. Isaac quis gritar, sua voz não saiu. Ele estava tão confuso, o sonho parecia tão etéreo e tão real. Nervoso, ele tentou protestar, tentou agarrar alguma coisa, tentou acordar. O esforço o deixou cansado e tudo ficou escuro, quieto e silencioso por muito tempo.

Caroline estava sentada há muito tempo. O quarto em que Isaac foi colocado, já na mansão em Greenwood Park, estava cheio de pessoas e ela resolveu sair. Não, não resolveu, foi conduzida para o lado de fora por Wilhelmina, que decidiu ser sua guardiã naquele pandemônio. A jovem McFadden era mais madura do que demonstrava. Ou ela não demonstrava porque, como uma boa dama, fora ensinada a agir como uma tola para não constranger os homens. Mas ali, enquanto tudo era caos e sangue, ela se mostrava forte e intangível. Uma rocha de cabelos ondulados e vestido de babados. Ninguém foi conversar com ela até Edward se aproximar. O Conde de Cornwall raramente lhe dirigia a palavra em lugares públicos. Eles costumavam conversar nos clubes de cavalheiros e quando ela impunha sua presença, mas ele não demonstrava interesse algum em manter diálogos agradáveis com ela. — Obrigado. Ela ergueu o olhar. Edward era um dândi, sempre impecável mesmo na tormenta. Apesar dos cabelos desfeitos, dava para notar que ele tentou limpar o pó de sua vestimenta. — Não quero agradecimentos. Fiz o que deveria fazer para ajudar. — Confesso que não esperava uma atitude tão altruísta vinda de você, Caroline. — Como ele está? A mudança de tema da conversa era sua forma de defesa. Ao invés de contra-atacar as ofensas à sua honra, Caroline escolhia quase sempre alimentá-las ou ignorá-las. Quanto mais ela prolongasse o assunto, mais ele se propagaria pelos lugares. — Ainda desacordado. Davies disse que ele bateu a cabeça, mas não temos como saber a extensão das lesões por enquanto. Você deveria ir para casa cuidar de suas convidadas. — De jeito algum. Consenti em me afastar da cama e sair do quarto

porque era o melhor a ser feito por Isaac. Porém não vou embora, milorde. O senhor pode me arrastar para fora de sua propriedade se quiser que eu saia, porém, essas pernas não caminharão sozinhas. A expressão rígida no rosto de Edward suavizou. Era difícil precisar se ele estava surpreso, incomodado ou satisfeito com a insistência dela. — Você gosta dele. — Isso não lhe diz respeito. — Certo. Mandarei lhe trazerem roupas limpas para que possa se lavar. E o médico lhe examinará assim que terminar com os feridos. — Não preciso ser examinada. Eu estou ótima. — Ainda assim, está sob meus cuidados. Verá o médico. O conde se afastou e deixou-a ali rosnando, irritada. Havia coisas que Caroline tolerava pouco, uma delas era receber ordens. Mas ela precisava domar seu espírito, ao menos domesticá-lo um pouco. Um animal selvagem não vivia em sociedade. Seu desejo por liberdade a estava conduzindo por caminhos nem sempre satisfatórios. Ela não sabia ceder, não conseguia abrir mão de nada, pois se acostumara a ser quase sempre usurpada por aqueles em quem confiara. Depois que o médico saiu do quarto de Isaac, ela entrou. Notou que estava encardida, com as roupas de baixo cheias de pó escuro e sentiu-se imunda e indecente. Esqueceu-se de seus problemas e dramas ao ver o homem deitado sobre a cama. Seu coração falhou, o ar sumiu de seus pulmões. A imagem a desestabilizou. Havia uma imagem de Isaac em suas lembranças. Em todas elas, ele sorria. Estava sempre impecavelmente vestido e cortês. Era um verdadeiro cavalheiro, sem máscaras e fingimentos. Vê-lo incapacitado sobre uma cama era insuportável. Não haveria satisfação em tirá-lo vivo dos escombros se ele não se recuperasse plenamente. Com os pensamentos arrebatados, Caroline se sentou ao lado dele na cama e segurou a mão dele entre as suas. Acariciou-o nos cabelos. Estavam ainda sujos de poeira, assim como ele inteiro. Era provável que o criado pessoal fosse aparecer para limpar e cuidar do seu lorde, mas ela não estava disposta a esperar. Caminhou até o lavatório e encheu uma bacia. Levou-a para a cama, embebeu um pano em água fresca e passou pelo rosto silencioso de Isaac. O peito dele subia e descia lentamente, como se estivesse em sono profundo. — Daqui a pouco virão me obrigar a sair. — Ela disse, embebendo

novamente o pano em água. — Não tolerarão o escândalo de ter uma mulher semivestida em seu quarto. Principalmente porque você está nu, não está? Caroline levantou o lençol que o cobria para confirmar suas suspeitas. Dificilmente um paciente como ele manteria suas roupas no lugar. Mesmo ferido, aquele Adônis conservava sua beleza extasiante. — Isso significa que não teremos muito tempo para conversar. Mas não se preocupe, eles não conseguirão me fazer ir embora. Apenas perturbarão nossa privacidade. — Ela desceu o pano pelo pescoço, recolhendo cada grão de sujeira daquela pele perfeita. — Isaac, você precisa acordar. Entende isso? Você precisa. Não sei o que fazer, estou muito confusa. Mas sei uma coisa, eu preciso de você. Não houve retribuição, ela falava sozinha. Ele continuou respirando lentamente, em silêncio sepulcral. Caroline notou que suas mãos tremiam enquanto torciam o pano na bacia esmaltada. Ela era sempre forte. Nada a abalava. Mas aquilo já era demais para suportar. Ninguém nem mesmo sabia por que Isaac estava desacordado, que tipo de ferimentos ele tinha, se ele iria ficar bem. E ela nem deveria estar ali. Aproveitava-se de um descuido e afastamento do médico para se colocar onde não deveria ter saído. E, por isso, a lady sucumbiu às lágrimas outra vez. Deitou a cabeça no peito dele, colocou a sua mão sobre ela, como se ele pudesse abraçá-la e acariciá-la, e se permitiu chorar. Em três dias, já chorara duas vezes por aquele homem que abalou suas muralhas desde a primeira vez em que bateu à sua porta, em Londres. Ela, a tão temida libertina, o terror dos homens de família, quase uma rocha de força mesmo sendo tão pequena fisicamente, se mostrava tão frágil e desprotegida para ele. Por ele. Enquanto deixava as lágrimas lavarem seus medos e angústias, Caroline sentiu algo. Tentou refrear as emoções e segurar o choro ao perceber que os dedos de Isaac se enrolaram em seus cabelos. Ela parou de respirar quando ele desceu a mão até os olhos dela e os enxugou. Com o polegar, capturou a umidade que vertia sem controle. — Não chore. Isaac murmurou. Sua voz era quase um sopro. Fraca, exausta, um sussurro de sua alma. Caroline ergueu a cabeça e enlaçou seus dedos aos dele. Com os olhos abertos, ele parecia disperso. — Você está acordado. Isaac, eu vou chamar o médico. — Não. — Os dedos dele seguraram os dela. — Fique comigo. Fique aqui. Eu estou… conte-me o que houve.

Caroline não sabia a dinâmica do acidente, porém narrou as partes que conhecia. O estrondo, o desmoronamento, o resgate. Isaac ouvia com atenção, apertando a mão dela com bastante força. — O doutor Davies disse que você bateu a cabeça. Ele precisa vê-lo novamente, agora que está acordado. — Não vá ainda. Eu estou… assustado. — Por quê? Sente algo? Isaac, diga o que… — Não consigo ver, Caroline. Meus olhos estão abertos, mas tudo é um borrão turvo.

Capítulo vigésimo segundo

Q UANDO O MÉDICO retornou ao quarto de Isaac, ele estava recostado nos travesseiros, parcialmente limpo e coberto por lençóis e uma colcha. Caroline terminou de ajeitá-lo e o ajudou a se acomodar melhor antes de buscar o doutor Davies. A situação não podia ser mais desconfortável. Ele sofrera um acidente terrível, saíra relativamente ileso, mas não conseguia ver direito. Havia luz, claridade, ele notava as formas humanas, dos objetos. Mas era tudo borrado e desfocado. — A perda de visão deve ser resultado da pancada na cabeça. — Davies diagnosticou, colocando uma lamparina próxima ao rosto dele. Isaac via a claridade e ela o incomodava bastante. — Deve passar com o tempo, mas ele precisa fazer mais exames com um médico especializado. — Ele já pode viajar para Londres? Podemos conseguir uma consulta com o doutor Greyling. Disse Edward. Os irmãos McFaddens estavam todos reunidos. Emile chegou mais cedo, naquela tarde, e já encontrou a casa caótica. Wilhelmina levou Caroline para algum lugar. Isaac sabia apenas que sua presença não estava mais ali, enquanto todos discutiam seu futuro. Uma sensação de impotência o atingiu, assim como o medo irracional da invalidez. Ele estava cego, ou quase cego. Enxergava mal e estava ferido demais para sequer procurar ajuda de um especialista. E se fosse tarde demais quando pudesse se levantar daquela cama? E se ele nunca mais recuperasse integralmente sua visão, como continuaria a trabalhar e a realizar suas atividades? Aos vinte e cinco, ele se tornaria um fardo para sua família e um indesejado perante a sociedade. Era apenas sorte que Caroline ainda não tivesse aceitado sua proposta de

casamento. Isaac jamais poderia impor a ela aquela realidade. — Seu irmão ainda não deve viajar, milorde. Ele teve contusões nas costelas e nas pernas e uma lesão na cabeça. Precisa de repouso por alguns dias. Se o problema for temporário, assim que as feridas melhorarem ele pode recuperar integralmente a visão. — Isso é animador. — Isaac desdenhou. — Tudo que ouço são hipóteses e possibilidades. Nada a afirmar, Davies? — Lesões na cabeça ainda são um mistério para a medicina, milorde. — A imagem enevoada do médico circulava pelo quarto. — Já houve muita evolução, mas ainda não conseguimos saber exatamente o que se passa dentro dessa maravilha que é a caixa craniana. Portanto, o tempo costuma ser o remédio mais eficiente. Como Isaac não tinha o hábito de esperar por nada, aquela era uma sentença desfavorável. O lorde era paciente e determinado, porém gostava de perseguir o que desejava e ir atrás de seus objetivos. Não ficava sentado aguardando que as graças caíssem sobre sua cabeça. Dar tempo para que suas lesões curassem seria uma tormenta, mas ele suportaria sem reclamar. A grande incerteza da cura era o que o afetava. Nunca mais voltar a enxergar o transformaria em um peso inútil. — Onde ela está? — Ele perguntou, depois de alguns segundos de reflexão. — Tomando um banho e vestindo-se. — Nathaniel sentou-se ao lado do irmão na cama. — Ela te contou que arrancou as roupas para entrar debaixo dos escombros e ajudar no seu resgate? — Céus, não! — Isaac quis rir, gargalhar. A ideia de que Caroline tenha se despido na frente de um monte de homens era repugnante e, ao mesmo tempo, cômica. — Mas eu não esperaria nada diferente dela. Doutor Davies, eu posso me levantar? Caminhar? Lavar-me? — Recomendo que se mantenha deitado por pelo menos um dia, milorde. — Pedirei a Dewitt que venha banhá-lo. — Edward disse e saiu do quarto. Isaac ouvia passos e movimentos, via sombras e feixes de luz. Era suficiente, naquele momento, para entender a dinâmica dos acontecimentos. — E eu avisarei a Caroline que você perguntou por ela. — Nathaniel segurou a mão de Isaac entre as suas. — Vai ficar tudo bem. Você sabe, não sabe? Ele não sabia, mas assentiu para que Nathaniel não se preocupasse. Depois que os irmãos deixaram o quarto, seguidos do médico, e ele ficou

sozinho, os pensamentos começaram a importuná-lo. Desde que deixara Caroline em seu apartamento em Londres, Isaac passou todos os minutos disponíveis de seus dias pensando em como convencê-la de suas intenções dignas. E, estando cego e inválido, era como se todo seu esforço escorresse pelos dedos como areia. Parecia justo que Caroline não confiasse nele, pelos motivos de uma vida de desconfianças e decepções. Isaac não a culpava. Ele compreendia todo o sofrimento que ela escondia, ao menos ele tentava ser sensível àquele sofrimento. E tinha planos para romper as defesas de Caroline. Planos para fazê-la acreditar nele, para que ela compreendesse que ele não era um homem como todos os outros. Talvez ele fosse parecido. Tinha seus defeitos e vicissitudes, porém não minaria aquele espírito selvagem e impetuoso que ela tinha. Uma das melhores coisas em Caroline era exatamente o que ele desprezava, antes. Precisava mostrar a ela que não apenas deixara de desprezar, Isaac passara a amar cada detalhe que era considerado nela um defeito. Ah, ele amava! Todos diriam que ele estava fora de si. Que perdera o juízo. Que Caroline não era uma dama para o casamento, que ele não podia amá-la tão rapidamente. Mas a verdade era que ela era adorável. Qualquer um que enxergasse além do que ela mostrava podia se apaixonar por Caroline. Mas, cego? Sendo um homem incompleto, parecia impossível que Isaac fosse atender às necessidades de Caroline. Ela precisava de um homem que fosse seu companheiro, que andasse ao seu lado e não que fosse carregado por ela. A porta do quarto abriu e fechou. Não havia cegueira capaz de impedi-lo de notar o vermelho esvoaçante da seda que cobria Caroline. — Nathaniel disse que queria me ver. — Como você está? — Muito nervosa. Eu quase perdi você hoje, portanto acredito que seja tolerável meu comportamento. Ela se aproximou mais. Isaac podia sentir seu cheiro de pele limpa e cabelos lavados. Estendeu as mãos para ela, que atendeu a seu apelo e sentouse próximo a ele, deixando-se envolver em um abraço. — Fiquei sabendo que você se colocou em perigo por mim. É verdade que se despiu na frente de todos e entrou naquele prédio em ruínas para me ajudar, Caroline? — Sim, é. Mas saiba que eu faria novamente, se precisasse. Alguém tinha

que agir, Isaac, eu não poderia vê-lo ferido e… — Acalme-se, amor. — Ele beijou-a nos cabelos. — Eu não vou repreendê-la. Eu agradeço que tenha me tirado de lá, assim eu poderei abraçála mais uma vez. Caroline envolveu-o com os dois braços e Isaac sentiu-a soluçar em contato com sua pele. Suspeitando que demonstrar emoções não fosse algo que Caroline fizesse com muita facilidade, ele deu a ela tempo para chorar e se recompor. — Tornei-me uma dessas mulheres que choram por qualquer coisa. — Ela se afastou brevemente do contato com ele para enxugar as lágrimas. — Desculpe! — Caroline, hoje não é o primeiro dia do evento de apresentação de sua escola? — Isaac perguntou, imaginando que ela deveria ser necessária para ciceronear suas convidadas. — Sim, é. Mas sua cunhada Agatha está lá, representando-me. Ela não conhece a escola nem é empolgada com o projeto como eu, porém é muito comunicativa e sei que falará de forma a cativar as damas e suas famílias. Isaac segurou Caroline pelos ombros e afastou-a. Olhou para ela, tentando focar os borrões que o impediam de apreciar a sua beleza. Ele daria qualquer coisa para vê-la novamente. — Volte para Granville House. Já está anoitecendo e seus convidados precisam de você. — Não vou deixá-lo aqui. — Eu estou cuidado por quatro irmãos e uma mãe, que provavelmente está se recuperando do susto. Tenho criados e estou me sentindo muito bem. Esse evento ocupou sua mente por muito tempo, meu amor. Você precisa estar lá para vê-lo acontecer. — Isaac, eu… Ele se dobrou na direção dela e a beijou. Foi uma atitude corajosa e idiota, pois Caroline sempre beijava por inteiro. Aquilo significava que eles terminariam embolados sobre aquela cama, com ele nu e excitado, sem poder possuí-la. Mesmo assim, Isaac precisava beijá-la. A privação de Caroline o deixava sensível, ansioso e nervoso. Os dias sem ela eram sem graça, como manhãs de verão sem sol, primavera sem flores ou inverno sem neve. Aquela devassa e despudorada dama era quem dava cor aos seus dias e luz às suas noites. Não importava que fosse súbito demais ou intenso demais. Talvez isso significasse que ele, Isaac, só amasse por inteiro.

Temerosa que ele se machucasse mais, Caroline estava comedida. Ela se deixou capturar pela boca ávida de Isaac, sem reagir propriamente. Com cuidado, ele a empurrou até deitá-la nos lençóis e acomodou-se ao lado dela. Beijou-a com intensidade, saboreou-a lentamente como se bebesse o mais precioso néctar. Colocou as mãos por baixo da saia do vestido, erguendo-a alguns centímetros, tocando Caroline sobre o tecido fino de suas roupas íntimas. Ela forçou seu corpo contra o dele, erguendo mais as saias até que o encaixe entre eles fosse quase perfeito. Mesmo sem penetrá-la, Isaac ajeitou-se ali, acomodando seu membro rijo entre as pernas dela, em contato com a abertura de sua calçola. Naquele momento de intimidade, ele não precisava de visão. Bastava tocá-la e ser tocado por ela para sentir-se satisfeito e muito poderoso. — Você me assustou, hoje. — Caroline beijou-o no pescoço, descendo para a clavícula e para seu peito despido. Moveu os quadris para garantir que eles estivessem próximos a ponto de ser possível senti-lo invadindo sua intimidade. Ele gemeu em retribuição. — Eu não sei o que faria se você tivesse… — Shhh! — Isaac silenciou-a com a boca, puxando-a para cima e beijando-a novamente. — Não vou a lugar algum. Mas você precisa voltar para casa. Suas convidadas te aguardam e aposto que estão muito curiosas sobre o acidente. — Não vou conseguir agir como esperam de mim. Estou muito abalada. — Aja como desejar, seja você mesma. — Você não gostava de mim sendo eu mesma. — Eu estava errado. — Ele a acariciou nas costas, desejando que seu vestido desaparecesse. — Sobre você, sobre tudo. Você é perfeita como é, Caroline. E eu te amo exatamente dessa forma. Não houve resposta, ele não esperava nenhuma. Ela voltou a beijá-lo e as bocas se devoraram por mais alguns minutos. Caroline moveu-se novamente e sua umidade fez com que o membro de Isaac deslizasse entre suas coxas. Ele a segurou pelos quadris e forçou-se contra ela, penetrando-a apenas um pouco. — Não comece o que você não pode parar. — Ela murmurou, sentindo-o entrar e sair lentamente. Eles estavam de lado, em uma posição talvez desconfortável, mas que exigia pouco esforço dele. — Você está ferido, Isaac. — Nada grave. — Ele a penetrou mais um pouco. — E eu não pretendo

parar. Caroline passou uma perna por sobre ele e abriu-se o suficiente para ser invadida por completo. Moveu os quadris para frente e para trás, tentando fazer com que ele não precisasse se cansar. Ele estava à flor da pele e muito excitado, não demoraria a encontrar seu alívio. E ela, implacável, estava decidida a arrancar dele um orgasmo fulminante. — Eu não consigo mais segurar. — Sussurrou, entre os dentes, enquanto se sentia preso pelas pernas dela ao seu redor. — Não segure. Não pare, Isaac, apenas venha para mim. — Caroline, eu… Foi a vez de ela silenciá-lo com um beijo. Isaac tentou se afastar, mas não conseguia. Estava bom demais. — É seguro? — Perguntou, sentindo a iminência do orgasmo. — Não. Mas faça assim mesmo. Eu quero o risco. Ele nem conseguia compreender o risco, mas estava disposto a aceitá-lo para permanecer dentro dela naquele momento. Movendo-se junto dele, Caroline o provocou até que Isaac não resistiu mais e despejou-se dentro dela, preenchendo-a com sua semente. — Meu Deus. — Isaac afundou a cabeça no pescoço dela. Sentiu uma fisgada nas costas, onde tinha uma grande marca roxa e dolorida. — Eu não tenho nenhum controle quando estou ao seu lado. Nenhum. Ela riu. Os dois corpos relaxaram no colchão macio. — Nem eu. E nunca foi tão bom perder o controle. — Vá para casa, Caroline. Volte amanhã, se quiser. Temos tanto a conversar, eu tenho outra proposta para te fazer. — Eu voltarei. Mas será hoje à noite. Eu quero dormir com você, abraçada a você, garantindo que seus sonhos sejam todos meus. E Caroline levantou-se e desapareceu pelos corredores, deixando-o confuso, saciado e completamente apaixonado.

A Granville House não ficava a uma distância considerável de Greenwood Park, mas o conde não permitiu que Caroline caminhasse. Era tarde e ele pretendia acompanhá-la, na intenção de rever sua esposa. O desgaste do dia afetou a rotina de todos, fazendo com que as crianças fossem relegadas às

babás e as mulheres precisassem se unir para que o evento da escola não resultasse em um grande fracasso. Na carruagem dos McFaddens, Caroline foi para casa enquanto era escrutinada em silêncio por dois dos irmãos. Para garantir que a breve viagem não representaria uma violação à honra da dama, a condessa viúva foi convidada para seguir com eles. Caroline nunca conversara com a mãe de Isaac, mas sentia-se também examinada pela senhora elegante e de cabelos brancos. Não costumava relacionar-se com mães. Nunca tivera pretendentes nem amantes cujas famílias se interessassem. Em verdade, era absurdamente inadequado que ela se relacionasse com a família de seus amantes, mas ela pouco se importava com as regras. Naquele momento, em que se sentia tola e exposta, ela adoraria que qualquer assunto rompesse o silêncio. Quando chegaram, a casa estava calma e quase silenciosa. O mordomo os recebeu e conduziu Caroline até o salão de chá, onde estavam Elizabeth e Agatha. O conde e seu irmão foram interceptados por Anthony, e a condessa viúva foi convidada por Rosamund para conhecer a casa. Ela não teve aquela oportunidade quando esteve ali, no aniversário do filho. Ao ver Caroline, Marquesa quase pulou sobre ela. A dama não se surpreendeu ao perceber que Lorde também estava ali e que eles faziam companhia um ao outro. Aninhado sobre o tapete, o Setter cochilava enquanto a namorada canina se agitava ao ver a melhor amiga retornar. Seriam os cães tão sensíveis a ponto de perceberem nela a mais sutil nota de desespero? Ou não havia sutileza alguma e Caroline estava visivelmente descomposta? A segunda opção a preocupava muito. — Ela retornou. — Elizabeth servia uma xícara de chá quando Caroline entrou no salão. — Deseja chá, milady? Conte-nos sobre como está Lorde Isaac. — Ele está bem. Vossa graça não precisa me servir, deixe que eu… — Ora, por favor. — A duquesa riu. — Antes de me casar com Aiden eu era uma governanta, milady. Certos hábitos não mudam. Sente-se, você parece… As duas mulheres a encararam por segundos. Elizabeth entregou a ela uma xícara com chá e leite e também se sentou em uma poltrona. A lareira estava acesa e com fogo recente, indicando que a sala acabara de ser preparada. — Percebo que Isaac deve estar em boas condições de saúde, depois do que houve. — Agatha tentou esconder uma risadinha baixa.

— Certamente que sim. E você deve estar mais tranquila agora, milady, que está vestida a contento e, digamos, recebeu alguns cuidados. O rubor subiu pelas bochechas de Caroline, fazendo-as tão vermelhas quanto sua vestimenta. Os olhares de Agatha e Elizabeth indicavam que elas sabiam que alguma coisa acontecera em Greenwood Park e se divertiam com aquilo. — Não pensei que fosse possível perceber certas coisas apenas olhando para alguém. — Somos muito observadoras. — Agatha continuava tentando segurar o riso. — E há alguns sinais um pouco evidentes, milady. Por sorte, os homens são completamente incapazes de perceber esses detalhes. — Sinais? Elizabeth apoiou sua xícara em uma mesinha e levou a mão aos cabelos soltos de Caroline. A ponta suave de seus dedos delicados tocou-a no pescoço e deslizou para a parte sensível atrás da orelha. Ela se recordava bem da boca de Isaac ali. O estremecimento que sentiu apenas fez confirmar o que já suspeitavam as damas. Ela olhou para si mesma por alguns segundos. Caroline sempre foi capaz de perceber quando uma mulher estava satisfeita pelo intercurso sexual, porém nunca se ocupara de perceber a si própria. O vestido não estava muito bem ajustado no corpete e a saia tinha dobras que sugeriam ter sido levantada. Apenas uma virgem ingênua deixaria de relacionar sua aparência com a de uma mulher que acabara de fazer sexo. Céus, ela ainda precisava se lavar. Sentiu novamente a queimação que indicava um enorme fluxo de sangue em suas bochechas e baixou o olhar. — Eu não sabia que havia algo entre vocês. — Agatha retomou a conversa. — Lamento pela forma como agi, hoje. — Nosso objetivo era manter nosso relacionamento em sigilo. Parece-me que, depois de hoje, esses planos são inúteis. — Isaac é um homem maravilhoso, Caroline. Eu apenas espero que você não esteja disposta a zombar dos sentimentos dele. Por sua atitude hoje, creio que não seja esse o caso. Fez-se silêncio enquanto as damas terminavam seus chás. Havia tensão entre eles, talvez assuntos não resolvidos sobre o passado. Caroline não era uma mulher muito simpática às outras damas. Ela as julgava por fazerem escolhas que considerava equivocadas. Ela as desprezava por preservarem suas virtudes perseguindo casamentos sem amor, enquanto os homens não

perdiam nenhuma oportunidade de exercitarem-se sexualmente. Ela as criticava por não compreenderem o seu lado. E então ela percebera que estava tão errada. Nenhuma daquelas mulheres era realmente responsável por suas decisões. Elas foram tão moldadas por uma sociedade masculina que não eram capazes de enxergar além daquelas realidades. O casamento era uma necessidade tão bem plantada nas jovens moças que elas cresciam acreditando que só seriam capazes de serem elas mesmas no matrimônio. Curiosamente, os matrimônios as transformaram em nada por décadas. E, ainda assim, não importava que a lei houvesse mudado. Não importava que a individualidade da mulher fosse preservada com o casamento, pois a cultura masculina ainda era de manter a mulher sob rédeas curtas. Homens exerciam o controle sobre suas esposas, independentemente do que dizia a lei. — Miladies, eu gostaria de fazer uma pergunta sincera. Espero não ser invasiva demais, mas eu preciso saber. Por que se casaram? Por que quiseram prender-se ao casamento? Agatha e Elizabeth se entreolharam. Talvez fosse demais forçar aquela pergunta a elas. Provavelmente, não desejavam uma amizade mais íntima, mas Caroline não tinha muitas mulheres a quem recorrer. Aquelas duas pareciam sempre as mais favoráveis a aceitá-la entre elas. — Eu amo meu marido. — Foi Elizabeth quem rompeu o silêncio. — Eu amei meu marido anterior, também. Casei-me primeiro porque era necessário para minha sobrevivência, depois porque estava apaixonada. Quando se ama, se quer ficar com aquela pessoa. Quer ter filhos abençoados pelo matrimônio. — Mas Vossa Graça não tinha outra opção. Se tivesse, a escolheria? — Talvez. Mas o casamento é muito bom para mim. Aiden é um marido atencioso, apaixonado e que provê a família com tudo que é preciso: posses e amor. — Milady, eu acredito que sua resistência ao casamento não seja quanto à instituição em si. — Agatha ponderou. — Você não conheceu muitos bons homens, não é mesmo? — Quase todos eram porcos chauvinistas que desprezavam suas mulheres e procuravam diversão em outras camas. Alguns solteiros libertinos, alguns excelentes partidos, porém nenhum deles via a mim como uma possibilidade de casamento. Eu não confiaria a minha vida inteira a nenhum deles. — Já que estamos sendo sinceras, eu te perguntarei. Quais são seus

sentimentos por Lorde Isaac? Você o ama, Lady Eckley? Ou ele também lhe é um porco chauvinista a quem não confiaria sua vida? A pergunta de Elizabeth poderia ser uma adaga cravada em seu peito, dilacerando a carne e fazendo sangrar o coração. Poderia ser o chumbo de uma pistola, disparada à queima-roupa em seu peito. Doía ouvi-la, ainda mais respondê-la. Porque a resposta representava a derrubada de todos os seus muros. A queda de suas defesas, o fim de quem Caroline Eckley era. Estaria Caroline realmente preparada para se reinventar em uma nova pessoa? Depois de tudo que ela fizera nos últimos dias, tinha quase certeza que sim. — Eu o amo. — As palavras saíram baixas demais. Culpa a dominou por não as dizer antes para o dono de seu coração. — E estou apavorada. — E ele sente o mesmo por você? — Agatha perguntou. — Ah, esqueça. Essa pergunta já foi respondida por essas marcas em seu pescoço e pelo estado de suas roupas. Se vocês se amam, por que estamos tendo essa conversa? O que te impede de viver esse amor, Caroline? — Não acredito em casamento. Não desejo ser submetida a um marido. Quero gerir meu patrimônio livremente, manter minha independência. Mas eu não consigo mais ficar sem ele. E, bem… depois de hoje, temo que possa haver um bebê envolvido. As duas esconderam muito mal o misto de surpresa e divertimento que as acometeu. Caroline estava ali, desnudando sua alma para as duas mais improváveis ouvintes, e sentindo-se exposta e abrigada, ao mesmo tempo. Cada palavra dita era um pedaço de pele arrancado, até que sobrasse apenas a carne viva, vermelha, sangrando. Não sobraria nada depois daquela conversa. — Talvez você precise parar de olhar para o lado ruim e enxergar o que está à sua frente, minha querida. A voz de Rosamund fez com que Caroline se sobressaltasse e quase derrubasse a porcelana em suas mãos. A marquesa, silenciosa como um fantasma, caminhou até a mesa de chá e serviu-se de uma xícara. Elizabeth levou a mão até a de Caroline e segurou-a entre as suas. — Precisa de exemplos de casamentos felizes. E há três bem aqui à sua frente. Sei que os arranjos atuais não são ideais para as mulheres, Lady Eckley. Que ainda estamos longe de caminhar lado a lado com os homens. Mas isso não quer dizer que não haja homens que nos respeitem, homens que nos ouçam e que nos tratem como iguais. Nós nos casamos com esses homens. Hoje, o casamento é a forma que temos de viver com o amor de

nossas vidas. Se você desse uma chance a ele… — A não ser que Isaac não tenha demonstrado interesse em se casar. — Agatha considerou. — Ele já me propôs casamento de todas as formas possíveis. — Caroline deu uma risadinha. — E você recusou todas. — Sim, recusei. — E ele insistiu? — Sim, insistiu. — Ah, Caroline. — Rosamund apoiou a xícara que segurava e fez uma expressão de decepção. — Quase nenhum homem coloca o amor por uma mulher na frente de sua virilidade. Na primeira rejeição, muitos teriam partido para outra. Ele persistiu. Não é possível que você não acredite que esse homem te ama. — Eu sei que ele ama, ele me disse. As três mulheres se entreolharam. Por um breve segundo, Caroline sentiu-se como em uma sabatina. Elas provavelmente lhe dariam um sermão sobre coisas do coração, pois todas ali eram mais experimentes quando o assunto era amor. — Talvez eu não deva interferir. — Agatha retomou a conversa. — Mas eu me casei com um McFadden, então posso testemunhar sobre como eles são quando estão apaixonados. Caroline, Isaac é o melhor homem que eu já conheci. Ele reúne todas as qualidades de um cavalheiro e não possui quase nenhuma das falhas comuns a eles. Se vocês estão apaixonados, não se deixe conduzir pela desconfiança. Você não acha que ele vale a pena? Ele valia. Depois daquele dia, depois do medo de perdê-lo para sempre, Caroline tivera certeza de que não aceitaria mais viver sem Isaac. Ele dissera que tinha outra proposta para ela, porém ela não estava interessada em sabêla. Daquela vez, seria ela a ter uma proposta para ele. — Obrigada pela conversa, miladies. — Ela se levantou. — Como estão nossas convidadas? — Lavando-se para a noite. A apresentação foi um sucesso, creio que elas continuarão interessadas nos pormenores durante o jantar. Se me dão licença, preciso ir. Imagino que meu marido esteja aqui e deseje voltar para casa. — Ele veio comigo, escoltando-me até aqui. Rose, o que você fez com a condessa viúva? — Pauline está aqui? — Agatha arregalou os olhos.

— Sim, eu a deixei com Marquesa e Lorde. Parece-me que a senhora está se divertindo com os cães e as crianças. — Então eu preciso mesmo voltar para casa. — A condessa se aproximou de Caroline e segurou suas mãos. — Milady, independentemente de nossas desavenças, nunca lhe desejei nada que não a felicidade. Minha cunhada Elizabeth, aqui, me ajudou a reafirmar a crença de que todas as pessoas merecem uma segunda chance. Eu tive a minha, você está tendo a sua. Espero que a aproveite da melhor forma possível. — Poderá sempre contar com nosso apoio. — A duquesa também se aproximou. — No final, somos todas damas que desafiaram algumas regras e pagamos o preço por essa ousadia. Se não nos mantivermos unidas, seremos destruídas pela sociedade que nos despreza. As duas mulheres se retiraram e deixaram Caroline com os olhos novamente marejados. Ela precisava parar de chorar, mas estava vivendo emoções muito intensas naqueles dias. A força recebida por aquelas que poderiam odiá-la - e teriam motivos para tanto - fez com que ela tivesse certeza de sua decisão. Mas, antes, precisaria cuidar dos negócios. Era hora de jantar com suas futuras alunas.

Capítulo vigésimo terceiro

L ORDE RETORNOU para Greenwood Park segurando uma caixinha de metal em sua boca. Fazia algum tempo que Isaac não recebia nenhum bilhete pela via canina, o que o deixou intrigado. Caroline prometera visitá-lo naquela noite e, ao invés de uma dama sedutora e atraente, quem entrava em seu quarto de madrugada era o Setter babão. E ele estava acompanhado. Nathaniel sentou-se ao lado de Isaac na cama e pegou o objeto da boca do cão. — Sua mulher queria mandar um recado, mas você não consegue ler. Acabei sendo escolhido como mensageiro. Ela mandou o bilhete mesmo assim, posso lê-lo? — Claro que ela escolheria você. Quem mais poderia desdenhar da minha vergonha? — Isaac riu. — Leia, você já sabe de tudo, mesmo. Nathaniel limpou a garganta com um pigarro e segurou o papel próximo à lamparina sobre a mesa de cabeceira. — “Meu caro Isaac. Terei que desmarcar nosso compromisso. Sinto muito, mas o jantar com as damas parece que se prolongará mais do que o esperado e tive um contratempo feminino para lidar. Isso não significa que esteja liberado. Seus sonhos ainda devem ser meus essa noite.” — O irmão colocou o papel aberto na mão de Isaac, que o levou ao nariz para sentir o cheiro dos jasmins. — Céus, que bobagem romântica é essa? Ela está cortejando você? — Certamente que está. Obrigada, Nate! — Entenda, todos nessa casa amam você. Nossas restrições quanto a Caroline não significam nada se ela é quem você escolheu. — Você não aprovaria Caroline como minha esposa.

Isaac não perguntou, constatou. Não precisava ser muito perspicaz para saber que toda a sociedade acreditaria que ele se rebaixava ao se casar com ela. Mesmo não sendo detentor do título, ele era o segundo na linha de sucessão. Ele tinha uma origem nobre e honrada, enquanto Caroline, apesar do sangue azul, era equiparada às meretrizes pela grande maioria na sociedade. — Irmão, Caroline não é pura e casta. Não age como uma dama e mandou um bilhete escandaloso para você. Confesso que ela seria minha última opção como esposa. É mais adequado casar com a filha de um burguês do que com ela. Mas duvido que outra mulher teria feito o que ela fez. Colocando-se em risco, despindo-se na frente de homens, lutado. Mesmo que eu tivesse minhas ressalvas, antes, como vamos desaprovar uma mulher que demonstra te amar tanto? — Caroline não me ama. — Não seja tolo! Até Edward sabe isso. — Se vocês a conhecerem, como eu a conheço, vocês se apaixonarão por ela, também. Caroline é uma mulher fantástica. — Bem, amanhã vamos ter a oportunidade de saber mais sobre isso. Ela pediu para avisar que virá aqui. Ele contaria com a presença dela. Passaria a noite confortável, na espera, porque eles precisavam chegar a um entendimento derradeiro. Não podiam continuar aquele relacionamento que não era uma coisa, nem outra. Depois que Nathaniel saiu, Isaac tentou adormecer com Lorde ao seu lado. E os sonhos de Isaac foram todos dela, todos sobre Caroline recusando outra proposta dele. Sobre as dúvidas em fazer qualquer proposta enquanto estivesse sem conseguir enxergar. Sobre não ser capaz nem mesmo de sustentá-la dignamente sem visão. E se houvesse um bebê? Naquele dia, suas preocupações com o futuro duplicaram. Eles foram inconsequentes e arriscaram, Caroline poderia estar carregando uma criança. Isaac não era tolo, sabia bem como bebês eram feitos e que, sem prevenção, bastava uma vez para que a mulher engravidasse. Eles teriam que se casar. A resistência de Caroline ao matrimônio cederia diante da possibilidade de gerar um bastardo, não cederia? Ao mesmo tempo, ele se sentia tão incapaz de se casar. Quando acordou, estava ainda cansado. Os olhos, embaçados. Dewitt ajudou-o a levantar, banhar, vestir, e quis levá-lo para a cama. Mas Isaac sentia-se tão bem que

pediu ao criado que o conduzisse até o salão. Queria tomar o desjejum com a família - afinal, não era sempre que eles conseguiam reunir todos os irmãos em uma refeição. — Pelos céus, Isaac. O médico não mandou ficar em repouso? — Edward reclamou ao ver o irmão chegar ao salão, amparado por Dewitt e segurando o lado do corpo que tinha uma costela muito provavelmente fraturada. — Eu me sinto bem, não vou ficar entrevado sobre uma cama. — Como está sua visão? — Nathaniel perguntou. — Igual. Embaçada. Não sei dizer. É como se eu enxergasse tudo por uma janela encardida. O criado puxou a cadeira e Isaac sentou-se. Ao seu lado direito estava Wilhelmina, que assumiu a função de abrir o guardanapo e colocar sobre as pernas do irmão. Ele agradeceu com um movimento sutil de cabeça. Não conseguiria cortar os alimentos, mas, por sorte, tudo que havia à mesa eram bolinhos, torradas e pãezinhos. Agatha estava sentada ao lado de Edward. Logo em seguida chegou a condessa viúva e sua camareira. O conde indicou que a refeição deveria iniciar. — O médico lavou seus olhos com alguma solução? Foi a pergunta de Emile, depois de alguns minutos. Todos ainda estavam em silêncio, servindo-se de chá e provavelmente ponderando sobre a nova condição de deficiente de Isaac. — Não. Ele entende que a lesão decorre do trauma na cabeça. — Talvez ele esteja enganado. — E por acaso você acredita que saiba mais sobre lesões do que o doutor Davies? Edward questionou, fitando o irmão mais jovem. Emile era magro, quase franzino, de pele muito branca e cabelos quase brancos. Ele nasceu prematuro e foi uma criança fraca a vida inteira. Tinha vinte anos, mas parecia mais jovem e sempre muito debilitado. — Quando se é uma pessoa doente, aprende-se muito sobre patologias. E tivemos um amigo que sofreu um acidente, em Eton. Ele ficou sem conseguir enxergar e descobriram que havia detritos em seus olhos. Como ele não sentia nada, demoraram a desconfiar do real problema. Bastou lavar os olhos com solução bórica algumas vezes que ele retomou a visão. — E quem recomendou essa solução? — Um médico da escola. Por isso perguntei, pois Isaac pode ter o mesmo

problema. Afinal, ele foi soterrado, não foi? — Tudo bem, Emile. Diga-me se consegue descobrir como preparar essa solução. — Isaac agitou-se, mas tentou não demonstrar muita animação. Ele pretendia sempre manter uma postura mais sóbria na presença da família, mesmo que fosse considerado um homem divertido. — Não seria melhor chamar o doutor Davies e conversar com ele sobre isso? — A condessa viúva sugeriu. — Por minha experiência, médicos não gostam de ser questionados em seus diagnósticos. — Emile mordeu um bolinho. — Pela minha, também. — Agatha disse. — Não precisamos deslocar o doutor apenas para fazer um teste. Se Emile estiver certo, minha visão deve melhorar na primeira lavagem, certo? O McFadden mais jovem concordou. O assunto foi encerrado momentaneamente até que o desjejum terminasse. Edward falou sobre Tyntesfield e da necessidade que Nathaniel decidisse se ficaria com a propriedade para administrar ou se ele precisaria contratar outro administrador. Em seguida, Agatha puxou a discussão sobre o debute de Wilhelmina em Londres, que deveria ser logo na temporada seguinte. Mesmo que ainda faltassem muitos meses, a jovem precisaria ser preparada e uma preceptora adequada deveria ser contratada. Após a refeição, os homens foram para a biblioteca e as mulheres para os jardins, tomar sol com as crianças. Lá estavam Lavínia e Eloise, a pequena bebê de Agatha e Edward. A condessa amamentaria sua filha e elas continuariam a conversa sobre debute, pretendentes elegíveis e bailes. Antes de se recolher com os irmãos, Emile escreveu uma receita em um papel e pediu que um criado fosse até a vila para consegui-la com o boticário. Não era nada inovador ou futurístico, apenas ácido bórico diluído em água. Quando o criado retornou, quase uma hora depois, foi até a biblioteca onde estavam reunidos os irmãos McFaddens e entregou a encomenda. — O que seu colega de escola fez? — Isaac perguntou, segurando o vidro com cheiro estéril nas mãos. — Isso é para lavar o rosto? — Não, apenas os olhos. Vamos pegar um pedaço de pano limpo. — Céus! Não é melhor que criados façam isso? — Nathaniel resmungou. — Ou mulheres. Vamos chamar Wilhelmina. — Que bobagem, Nate. Como se eu não pudesse passar um pano embebido em ácido nos olhos. Que risco isso pode oferecer? — Prestou atenção nas suas palavras? É ácido, Isaac.

— Diluído. — Emile explicou. — Vamos, eu estou curioso para saber se funciona. — Vamos todos a um banheiro. Edward segurou o braço de Isaac e eles caminharam pelo corredor até o banheiro do primeiro andar. Todos os andares da mansão em Greenwood Park tinham encanamento e calefação há décadas. E o conde não toleraria que aquele conforto faltasse em sua residência de praia. O lorde foi colocado sentado em um banco de madeira enquanto Emile procurava um pano nos armários. Nathaniel passou as mãos pelos cabelos do irmão mais velho, retirando-os da face. — Parece que estão se preparando para uma cirurgia. — Isaac implicou. — Seria divertido. Podemos fazer isso? — Não seja idiota, Nate. — Emile ralhou. — Pronto, tenho um pedaço pequeno de pano e agora vamos embebê-lo nessa solução bórica e ver o que acontece quando lavarmos seus olhos. Isaac esperava que desse certo. Ele podia ficar mais cego do que já estava, afinal. No momento, enxergava borrões e sombras, mas podia chegar à escuridão total. Se ele nunca mais voltasse a ver, seria preferível manter o que já tinha. Mas Emile parecia tão seguro em sua determinação e ele se sentia tão impotente que aceitou o desafio. Quando o tecido molhado entrou em contato com seus olhos, sentiu ardência imediata e quis fechá-los. Mas persistiu e aguardou enquanto o irmão mais jovem espremia o tecido e derramava o líquido em suas membranas. Assim que Emile terminou o que fazia, a sensação era refrescante e picante. Incomodava, porém Isaac sentia-se melhor. Piscou algumas vezes, olhou ao redor. Não parecia haver melhora no seu estado. — E então? — O jovem perguntou, ansioso. — Não sei o que deveria acontecer. Continuo vendo vultos. — Meu colega levou dias para recuperar a visão. — Emile balançou a cabeça, desanimado. — Podemos continuar tentando. Isaac estendeu as mãos e segurou as do irmão. Ele não estava com muita noção de profundidade, mas foi capaz de executar aquela tarefa. — Obrigado! Vamos continuar tentando, sim. Sabe que não sou uma pessoa que se entrega em uma batalha. Ele não era. Edward passou o braço ao redor do seu ombro e o puxou para perto. Nathaniel também se aproximou e eles terminaram em um abraço desajeitado. Antes que a situação ficasse constrangedora, latidos atraíram a

atenção dos irmãos. — O que diabos é isso? — Edward ajeitou seu paletó. — Marquesa e Lorde. Pelo visto, eles estão animados com alguma coisa. — Creio que não conseguiremos devolver o cão para Hampshire, conseguiremos? — Oh, ele ficaria tão triste se fosse embora e deixasse sua namorada para trás… O conde balançou a cabeça em negação e os irmãos deixaram o banheiro. Isaac não usava paletó, apenas colete e gravata. Seus cabelos estavam desgrenhados por terem sido mexidos por Nathaniel. Os olhos, ainda embaçados, ardiam pelo banho de solução ácida. Mas, quando ele chegou à varanda, freou bruscamente ao perceber o vermelho estonteante do vestido de seda de Caroline Eckley. Ela estava ali. Na varanda, com as mulheres reunidas e os cães em festa. E, pelos céus, ele podia ver que ela sorria. Sua visão poderia não estar melhorando, porém Caroline continuava fazendo com que a luz penetrasse em seus olhos. — Milady. — Edward a cumprimentou. Isaac travou o maxilar e virou-se para ele, temendo que houvesse qualquer desabono à presença de Caroline ali. — Seja bem-vinda! — Obrigada, milorde! Eu gostaria de conversar com Lorde Isaac. — Em particular? — Ah, não, isso seria muito escandaloso, já que estou desacompanhada. Podemos nos sentar na biblioteca, ou algum lugar público. Edward riu, porque sarcasmo era o esporte preferido daquela mulher insolente. A condessa viúva parecia atenta ao movimento enquanto Agatha prestava mais atenção em algo que Lavinia pretendia mostrá-la. Wilhelmina olhava diretamente para eles. — Se não for nada privado, podemos conversar aqui mesmo. — Isaac apontou uma mesa de pedra cercada por bancos confortáveis. — O dia parece muito bonito. Caroline aproximou-se dele a ponto de permiti-lo sentir seu cheiro de pele feminina. Todos prestavam atenção, porém fingiam estar em assuntos diversos ou distraídos. Ela ajeitou os cabelos que estavam emaranhados na testa dele. Sentaram-se apenas um pouco afastados dos demais, de forma que a conversa entre eles não seria privada. — Tem certeza, milorde? Porque nossa conversa pode se transformar em

algum tipo de negociação. — Sim, eu tenho uma nova proposta para fazer. E creio que… — Isaac. — Ela o interrompeu. — Ontem, eu vi um prédio em ruínas e soube que você estava debaixo dele. Isso tudo quando eu estava prestes a vir aqui dizer coisas das quais eu esperava me arrepender. Eu fiquei sem respirar por horas e meu coração só voltou a bater depois que eu te vi acordado. Se eu te perdesse ontem, não sei o que aconteceria comigo. Nunca me senti dessa forma, antes. Eu quero ficar com você. Eu quero passar mais tempo ao seu lado, ir aos eventos, conversar sobre negócios, discutir planejamentos, qualquer coisa que possamos fazer juntos. Meu medo de casar não é irracional. Mas ele é significativamente menor que o medo de não ter você. Se não for pedir muito, poderia abandonar a nova proposta e retornar à segunda?

O silêncio imediato ocorrido depois das palavras de Caroline lhe permitiu pensar. Dava para ouvir pássaros gorjeando, o farfalhar das árvores pelo vento, até mesmo as ondas arrebentando na enseada, há mais de um quilômetro de distância. Não havia ruído que lhe atrapalhasse processar o que a lady lhe dizia, mas Isaac suspeitou que seu cérebro virara mingau. A primeira proposta que ele fez a Caroline foi para que ela lhe tirasse a virgindade. Mas era claro que a lady não se referiria a ela. Isaac retirou aquela proposta indecente e fez outra muito mais adequada no lugar: ele quis casar-se com ela. Então, aquela era sua segunda proposta. Caroline falava de casamento. Matrimônio. Depois de semanas tentando convencê-la, ela finalmente dizia sim. Bem, ela não disse, já que ele não fizera uma proposta correta. Esperava que ela aceitasse antes de fazer um pedido formal, romântico, que representasse seu desejo verdadeiro de unir-se a ela. Ninguém levava Caroline a sério, e não acreditavam quando ele dizia que estava apaixonado por ela. Até seu irmão achava que ele era um tolo ingênuo que fora seduzido pela Viúva Negra e estava preso na teia da morte. — Caroline, você não quer se casar comigo. — Ele sussurrou, tentando não ser ouvido pela família que já parara o que fazia para observá-los. — Está assustada pelo acidente. E eu estou cego, não sei se retomarei minha

visão. Você não quer se casar com um homem inválido que não poderá sustentá-la. — Oras, Isaac! Assim você me ofende. Primeiro, não quero mesmo me casar com um homem. Quero me casar com você. Segundo, não preciso ser sustentada. Tenho mais dinheiro do que qualquer mulher na minha condição. Era verdade. Ele gostaria de vê-la nitidamente para deleitar-se na expressão enfezada que certamente tomara sua face. — Tem razão. Você não precisa de nada disso. — Eu preciso de você. — Ela levou as mãos à face dele. — Somente de você. Fique comigo, Isaac. Não quero mais arranjos nem encontros escondidos. Isaac olhou ao redor. Até sua mãe o fitava com curiosidade. Todos esperavam que ele fizesse alguma coisa, que dissesse alguma coisa. — Então vamos fazer isso da forma correta. — Isaac escorregou do banco onde estava para o chão, colocando-se de joelhos. Ele segurava a mão dela entre as suas. Caroline prendeu a respiração e permaneceu com os olhos vidrados nos dele. — Lady Caroline Eckley, desde que nos conhecemos eu venho me apaixonando por você. Dia após dia eu conheço uma mulher forte, determinada, sensível e passional. Eu gostaria muito de passar todos os dias que me restam pela vida descobrindo você. Por isso peço, você aceitaria ser a minha esposa? Uma lágrima molhou as mãos unidas. Isaac vira Caroline chorar por raiva e nervoso, esperava que aquelas fossem lágrimas de alegria. O sorriso dela clareou um pouco mais sua visão. — Eu adoraria ser sua esposa, Lorde Isaac McFadden. Nem a presença de Lavinia e Wilhelmina fez com que Isaac se contivesse. Ele se levantou, erguendo Caroline consigo e a beijou. Foi um toque delicado e ávido de lábios, longe do suficiente para representar a sua felicidade. Ele estava prestes a fazer a ela a mais desonrosa das propostas. Para manter Caroline ao seu lado, Isaac a convidaria para ser sua amante. Eles poderiam ter um contrato e tudo o mais. Estava tão obcecado por ela que seria capaz de aceitar a indignidade enquanto lutava para convencê-la a casarse com ele. Precisou apenas quase morrer. Não achava que Caroline estivesse com ele por piedade. Uma vez, ela disse que precisou de um choque para mudá-la. Aquele choque talvez tenha exercido alguma influência sobre ela. Se fosse ela a quase morrer, Isaac nunca mais permitiria que ela saísse de seu lado.

— Nate, você poderia ir até meu quarto buscar… — Isso? — O irmão o interrompeu e colocou uma caixa aveludada em sua mão. — Quando ouvi essa declaração toda, imaginei que fosse precisar. — Obrigado. — O que é isso? — Caroline demonstrou curiosidade. Isaac entregou a ela a caixa e indicou que deveria abri-la. — Desde que decidi que me casaria com você, mandei fazer esse anel. Tinha esperanças que você aceitasse, um dia. Ela abriu a caixa e encontrou um anel dourado com um rubi modesto no centro, cravejado de brilhantes ao redor. Isaac temia que ela não gostasse da peça. Ele não era um conde e não dispunha de uma fortuna para esbanjar. Adquiriu a joia que considerava digna de Caroline e que estivesse dentro de suas posses. Mas, olhando-a ali, envolta em nuvens e fumaça, ele sentiu medo. Talvez Caroline esperasse um anel melhor. Maior. Mais caro. Ela fora a sobrinha do marquês. Era rica e acostumada à riqueza. Mas a lady colocou a joia em seu dedo anelar e sorriu novamente. — É a coisa mais linda que já vi na vida. E ela o beijou outra vez. Se a família dele não ficasse escandalizada depois daquilo, não haveria mais nada que pudesse assustá-los.

As mãos de Caroline tremiam depois que ela saiu do quarto de Isaac. Ele não devia ter descido e se esforçado tanto. Ela precisou convencê-lo a subir e beber um pouco de láudano para a dor - que ficou evidente um pouco depois que ela aceitou o pedido de casamento. Depois que o lorde, seu futuro marido, adormeceu, ela precisava voltar para Granville House e continuar seu evento. Apesar de ter se decidido pelo casamento, Caroline também estava decidida a convencer Isaac que nada mudaria significativamente em relação aos seus negócios. Mas ela estava muito nervosa, ainda. Pelo que aconteceu no dia anterior e pelas regras que chegaram desavisadamente. Por um lado, era bom ter que lidar com aquele inconveniente feminino - ela não estava grávida. Apesar de estar acostumada ao sexo, Caroline nunca fora tão inconsequente quanto estava sendo com Isaac. E tudo aquilo fazia com que ela estivesse à beira da exaustão.

Ela ia embora quando foi atraída para o escritório de Edward. O conde estava ali, com sua esposa, conversando alguma coisa sobre alguns papéis. Ao vê-la passar, chamou-a para juntar-se a eles. Caroline não sabia se deveria. Ela se impôs aos McFadden como fez aos Trowsdales. Decidiu que eles seriam seus amigos, porque ninguém mais lhes dava qualquer importância. Apesar de tudo que acontecera entre eles, nem Elizabeth nem Agatha a desprezavam. Ao contrário, até a duquesa, que tinha motivos de sobra para detestá-la, tratava-a com educação e respeito. Caroline agiu muito mal, antes de ser internada em um sanatório. Ela tinha um relacionamento de rivalidade com outras mulheres. Demorou a entender que fazia aquilo porque não conseguia ser como elas e se atormentava com inveja. Parte do seu processo de mudança e do perdão que precisava angariar restava na necessidade de mostrar para Agatha que ela era uma pessoa melhor. E ela faria parte da família. Isaac era um irmão querido e certamente haveria muitos encontros e reuniões, como aquela em Greenwood Park. Ela não fugiu de Agatha antes, por que estava preocupada naquele momento? — Caroline, beba conosco. — Agatha ofereceu a ela uma taça de vinho branco. — Vou ajeitar algumas coisas e acompanhá-la até Granville House. A escola também é minha, preciso participar de tudo. — Ah, mas milady ajudou muito ontem. Não posso pedir que deixe sua família novamente. — Não está pedindo, estou oferecendo. — Obrigada! Representa muito para mim que tenha me perdoado pelos erros do passado. — Eu também preciso do seu perdão, Caroline. — Foi Edward quem disse. Ele virou uma dose de conhaque de uma só vez, indicando que aquele assunto o incomodava. O conde não costumava desculpar-se por nada. — Quando soube do envolvimento de Isaac com você, julguei mal suas intenções. Eu pensei que… — Que eu estava interessada em usar seu irmão. — Ela bebeu um gole de vinho. — Eu estava. Não nego que uma parte de mim quis se aproveitar de um jovem tão viril quanto ele. Mas meus sentimentos são verdadeiros. Eu me apaixonei por Isaac. — Consigo perceber. Ninguém se enfiaria em um buraco e arriscaria a própria vida se não fosse por amor. — Você não se importa de ele ser mais jovem? — Agatha demonstrou

curiosidade. — Nem um pouco. Pensei que ele se importaria de eu ser mais velha, porém isso não aconteceu. Nunca conheci um homem como Isaac. Eu seria uma tola completa se deixasse que essa pequena diferença de idade nos afastasse. Meus motivos para resistir foram outros. Eu sou muito independente. — Os homens McFadden não prendem suas mulheres. — Edward olhou para sua esposa com ternura. — Meu pai nunca demonstrou afeto por mim, mas eu aprendi com seu exemplo. Minha mãe tinha muito mais liberdade do que qualquer mulher de sua época. Talvez por isso sejamos tão bobos, fomos ensinados a nos casar por amor. — Ainda bem, pois eu só aceitaria um casamento se pudesse me apaixonar por meu marido. — Caroline riu. — Eu te perdoo, Edward, porque sei quem eu fui e que reputação eu tenho. Você é um idiota, mas não tinha como saber que eu não pretendia ferir os sentimentos do seu irmão. A lady terminou de beber seu vinho e foi até a varanda. Não encontrou nenhum outro McFadden, o que era revigorante. Não sabia se conseguia ter aquela mesma conversa pela quarta vez. Estava acostumada a famílias grandes, foi criada com cinco primos, mas ficava exausta de se repetir. Pediu a um criado da residência que informasse à condessa que precisava partir, e que a aguardava em Granville House. Ela foi caminhando para Greenwood Park, voltou caminhando para casa. Marquesa e Lorde a viram partir e a seguiram, latindo e brincando um com o outro. Caroline olhou ao redor e sentiu-se melhor do que em qualquer outro dia de sua vida. Mesmo que uma cólica desconfortável a fizesse praguejar em silêncio, nada tiraria seu bom humor naquela manhã de verão. Mas ela teria que fazer outra exigência ao marido. Eles teriam que morar em Kent.

Capítulo vigésimo quarto

O D UQUE de Shaftesbury e o Conde de Cornwall decidiram interferir mais uma vez no relacionamento de Isaac e Caroline. Retornaram a Londres para usar suas influências para conseguir uma licença de casamento. Como o Parlamento estava em recesso e tudo ficava em suspensão na cidade, Isaac não conseguiria casar-se antes do inverno. E ele planejava uma festa no litoral, aproveitando que as famílias estavam por ali depois da temporada. Portanto, os nobres cobraram favores para conseguir a licença. Não havia muita pressa, apesar de tudo. Caroline precisava cuidar de suas convidadas, entreter as famílias que participaram de seu evento, e elaborar uma lista de possíveis matriculadas na escola. Ela gostava de tratar de negócios pessoalmente e sem a interferência de administradores. Homens não se sentiam confortáveis estando submetidos a uma mulher. Qualquer administrador serviria apenas para desautorizá-la e irritá-la. Isaac precisava se recuperar. Ele vinha lavando os olhos, com a ajuda de Emile, e sua visão estava melhorando. Os hematomas também desapareceram com o passar dos dias e o doutor Davies afirmou que suas costelas fraturadas estavam se curando. Depois de uma semana, ele pôde retomar atividades físicas leves. Menos cavalgar e entrar em luta corporal com outros homens, o doutor deixou bastante claro. E Caroline não estava em condições de organizar um casamento em tão pouco tempo. Ela precisava de um exército de auxiliares para dar conta de vestido, decoração e da comida da festa. Sem contar, precisava convencer a todos que o casamento deveria acontecer nos destroços do maldito silo que desabou. — Acho que você perdeu definitivamente o juízo. — Rosamund balançou

a cabeça. — Caroline, o lugar está cheio de entulhos. Ninguém mexeu no prédio ainda. — É um bom motivo para limparem tudo. — Ela moveu os ombros, não se importando que isso pudesse dar muito trabalho. Pessoas eram pagas por aquele serviço, e a maioria precisava do pagamento. — Aquele lugar é especial para mim. Eu desejo que meu casamento aconteça lá. Está calor, não há riscos de temporais e podemos fazer algo que inclua os arrendatários. — E você quer incluir os arrendatários na lista de convidados? — Foi a vez de Anthony se surpreender. Eles estavam na biblioteca conversando casualmente antes do chá das cinco. — Isaac gostaria. Ele adora os arrendatários e empregados de Greenwood Park. Creio que seja porque ele é administrador das terras e tem contato direto com eles. Eu faria isso por ele, não vejo nenhum problema. — Isso pode desagradar alguns convidados de sangue azul. — Os nobres só fizeram me desprezar a vida inteira, não faço questão de agradá-los. Anthony e Rose sorriram. O marquês sabia que tinha participação naquele comportamento de Caroline e ela sabia que ele se orgulhava disso. Mas ela nem sempre agiu com altruísmo e respeito. Aproveitaria aquele crescimento para realmente ser uma pessoa melhor. Por todos esses motivos, o casamento aconteceu mais de um mês depois do pedido. Era um noivado curtíssimo, porém foi longo demais para um casal que se manteve em celibato involuntário por razões variadas. Caroline podia afirmar que estava em desespero quando chegou o dia do casamento. Se ele demorasse mais uma hora, teria que invadir Greenwood Park novamente e assaltar seu marido sexualmente. Mas, de certa forma, valeu a pena esperar. Por ele, por aquele momento. Quando ela colocou o pé fora da carruagem que a conduziu até o silo desmoronado, percebeu que estava vivendo um conto de fadas da vida real. Caroline foi proibida de participar diretamente dos preparativos. Ela escolheu cardápio, escolheu bolo, escolheu vestidos. Tomou decisões importantes e não o fez ao lado do noivo, que estava se recuperando. Mas ela não viu nada pronto, pois Isaac prometeu que faria com que o lugar ficasse perfeito. E ele não a decepcionou. Ele nunca decepcionava. Todo o entulho fora recolhido e retirado. Sobraram algumas colunas e meias paredes de pé, e elas serviram para sustentar uma decoração de flores e pequenas lamparinas. Colocaram cadeiras para os convidados assistirem à

cerimônia, improvisaram um altar e usaram tecidos para enfeitar as partes mais destruídas. Tudo estava lindo. Tão lindo que Caroline precisou segurar suas lágrimas para não aparecer com os olhos inchados e vermelhos no próprio casamento. — Vamos, minha querida. — Anthony segurou Caroline pela mão. — Seu noivo te espera, e ele parece muito mais ansioso do que eu estava quando me casei. Ela sorriu. O primo era um homem muito bonito, mas era seu primo. Anthony sempre foi uma espécie de irmão mais velho, ela o adorava e o tratava como tal. Entrar na cerimônia com ele ao seu lado era tudo que ela esperava e precisava. A marcha nupcial começou a tocar quando ela apareceu. Havia um trio de cordas da vila, três jovens filhas de fazendeiros que aprenderam a tocar violino para ajudar na conquista de um bom marido. Todos os convidados se levantaram, e Caroline reconheceu praticamente cada um deles. Seus parentes, os familiares de Isaac, a família do Duque de Shaftesbury, arrendatários das duas propriedades, pessoas da vila. A esposa do ferreiro estava melhor e pode comparecer, junto ao marido e filhos. Eram todos amigos, colegas, pessoas que a respeitavam, apesar de tudo. Não havia nenhuma pompa e nenhum membro fajuto da sociedade. Ela se sentiu em casa. Mais em casa ainda estava seu coração ao ver Isaac esperando por ela no altar. Ele usava traje preto completo, uma gravata cinza e colete da mesma cor, bordado com qualquer linha brilhante. A claridade do dia fazia com que seus olhos azuis de mar reluzissem mais do que qualquer coisa existente. E ele sorria. Um sorriso tão largo e verdadeiro que fez com que ela desejasse correr para ele e abraçá-lo. Foi a primeira vez em muito tempo que Caroline não quis ser devassada por um homem que desejasse. Eles estavam, finalmente, em outro nível de relacionamento. Ao se encontrarem no altar, Anthony franziu as sobrancelhas e olhou para Isaac. Por trás dele estavam seus irmãos, os três. O estranhamento do reconhecimento masculino durou segundos. O marquês sorriu largamente e colocou a mão de Caroline sobre a do seu futuro marido. — Cumpriu bem a promessa que me fez, Isaac. Mas você ainda precisa continuar cuidando da minha garota, as ameaças duram pela vida inteira. — Que ameaças? — Caroline murmurou no ouvido de Isaac, depois que Anthony se afastou e voltou para o público.

— Não são ameaças. Apenas um combinado entre homens. Ela conhecia bem aqueles combinados. Mas era bom saber que seu primo zelava por sua felicidade - e que Isaac estava disposto a fazer o mesmo. O pároco da vila pigarreou e iniciou a cerimônia, simples e direta. Caroline não gostava de muitos floreios e bordados, ela preferia que tudo fosse objetivo para não causar interpretações em excesso. Depois dos votos, Marquesa e Lorde apareceram, cada um segurando um potinho de metal com as alianças. — Eu vos declaro, de agora em diante, marido e mulher. Aquelas palavras fizeram com que Caroline quase parasse de respirar. Olhou para o lado e ele estava ali. Fazia dias que ele sempre estava ali. A partir daquele momento, ele era seu marido e estar ali se tornou permanente. Eles viveriam juntos, dormiriam juntos, teriam filhos que criariam juntos. Porque, se Isaac fosse um bom representante dos McFadden, era aquilo que a esperava. E isso porque eles sequer haviam decidido onde morariam. Tudo aconteceu mais rápido do que ela esperava. Depois da cerimônia, havia um brunch na mansão em Greenwood Park. Pela primeira vez, arrendatários, empregados, moradores da vila e nobres se reuniram independentemente de suas origens. Havia mesas com presuntos, bacon, ovos, pães, tortas de carne e outras iguarias salgadas. E mesas com doces, bolinhos, tortas com cobertura e muitos morangos. Criados serviam vinho e champanhe para todos. — Você está tensa. — Isaac sussurrou para ela, que segurava o braço dele com um pouco de força demais. — Estou acostumada a chamar atenção em eventos, mas por outros motivos. — Se quiser, podemos cumprimentar a todos e ir embora. É seu casamento, ninguém se importará se quiser começar a lua de mel um pouco mais cedo. — Seu devasso. — Ela deu uma risadinha e recostou no ombro dele. — Não, vamos ficar aqui. Quero comer, quem sabe dançar uma valsa. O conde de Cornwall os interpelou, trazendo duas taças de champanhe. Entregou aos noivos e, em seguida, tirou do bolso de seu paletó um papel. — O que é isso? — Isaac perguntou ao receber o documento que continha um selo oficial. — Papai deixou claro que todos vocês deveriam receber uma propriedade depois que se casassem. Há uma reservada para Nate, outra para Emile, além

do dote de Wilhelmina. Eu tenho o poder de escolha, e acredito que você preferirá continuar em Thanet, certo? Isaac balançou a cabeça e abriu o documento. Caroline esticou-se para ler a escritura que estava nas mãos do marido. Era uma transferência de terras, mais especificamente as terras ao leste de Greenwood Park. — Você está me dando Sunnyside Bay? — O que é Sunnyside Bay? — Caroline pegou o papel para examiná-lo. — São as terras que ficam próximas à enseada. Há uma grande área onde Isaac pode desenvolver a criação de animais, além da agricultura. Já tem arrendatários e uma belíssima casa com vinte e cinco cômodos. Não é grande como essa aqui, mas acredito que… — É maravilhoso! — Isaac sorriu. Caroline viu a emoção nos olhos do marido. — Eu não esperava isso, pensei que receberia algo em Londres. — Você já tem algo em Londres. — Obrigada, Edward. Sei que Caroline vai adorar ficar perto dos Eckleys quando estivermos em Londres. — Você pode apresentar a casa a ela em breve. Nós cuidamos para que ela estivesse organizada, limpa e preparada para vocês. Hoje. — Hoje? — Ela arregalou os olhos. — Pensei que ficaríamos no hotel antes de sairmos em lua de mel. — Não precisam ficar. A casa de vocês está esperando. O conde ergueu a sua própria taça de champanhe e fez um brinde silencioso e solitário para os noivos. Caroline não tinha certeza se Isaac receberia alguma propriedade, mas aquilo não importava para ela. Casara-se com ele, não com suas posses. Mas saber que teria uma casa para si tão perto do lugar que chamava de casa era gratificante. — Não sei você, mas estou com muita vontade de conhecer Sunnyside Bay. — Ela sussurrou no ouvido do marido. Ele ergueu o canto da boca em um sorriso irresistível. — Vamos cumprimentar os convidados e desaparecer.

Não foi fácil acreditar que a propriedade dada a ele era a sua favorita durante toda a sua infância. Isaac sempre adorou estar perto do mar e a casa em Sunnyside Bay ficava ridiculamente perto da praia. A brisa marinha entrava

pelas janelas o dia inteiro e, da suíte principal havia uma vista perfeita para o mar de Thanet. Depois de passarem duas horas cumprimentando todos no brunch, Isaac e Caroline escaparam sem serem vistos e foram de carruagem até a propriedade, que não ficava muito distante da casa principal em Greenwood Park. Ele nunca pensou que, um dia, levaria sua esposa para lá. Quando chegaram, havia um criado para recebê-los. — Seja bem-vindo, milorde. Sou Taylor, seu mordomo. — Muito prazer, Taylor. Creio que meu irmão tenha escolhido você. — Sim, o conde foi muito gentil em me dar esse emprego. Posso apresentá-los aos criados agora ou milorde preferirá… — Podemos fazer as apresentações amanhã. — Isaac entregou seu chapéu de castor ao mordomo. — Agora, eu preciso fazer com que minha esposa conheça a vista. — Cuidarei para que não sejam incomodados, milorde. Como todo criado dos McFadden, aquele certamente era muito bem treinado. Taylor desapareceu pelo corredor e Isaac conduziu Caroline pelas escadas. Ela estava muda até então, deixando que o olhar vagasse por todos os detalhes da casa. O lorde parou no meio do caminho e virou-se para a esposa, que parecia bastante dispersa. — Estou sendo autoritário. — Ele disse, passando as mãos pelos cabelos dela. — Você quer conhecer os criados? Conhecer a casa toda agora? Cômodo por cômodo? — Não. Estou apenas um pouco assustada, Isaac. Nunca fui uma esposa antes. Sei gerenciar negócios, mas nunca precisei cuidar de uma casa. E essa casa maravilhosa… bem, tenho medo de falhar. — Você não falhará, Caroline. Você nunca falhou em nada do que fez. Tenho plena confiança que, logo, você terá todo o controle da situação. Ele deu um passo na direção dela e, com um puxão, segurou-a em seus braços. No colo. Desde que sua visão retornara praticamente por completo, ele também recuperou a confiança e a força muscular. Ela deu um gritinho e se agarrou no pescoço dele para manter o equilíbrio. — O que é isso? — O marido deve levar a mulher nos braços para o leito nupcial. — Isso é definitivamente muito tolo. — Sou tolo e sou romântico. Você terá que aprender a lidar com isso. Isaac subiu o restante das escadas, abriu a porta do quarto com um pé e

fechou com o outro, e depositou sua esposa sobre a enorme cama de dossel que ficava bem no meio da suíte. Depois, foi até as duas janelas que ficavam ao lado da cama e abriu as cortinas para revelar a mais esplêndida visão de Thanet. O mar da enseada, já na penumbra, sendo engolido pela escuridão da noite. — Oh meu Deus, Isaac. — Caroline pulou da cama e foi até a janela. — Isso é lindo. É quase como estar no Paraíso. Sim, era. Ele se aproximou por trás e começou a soltar os grampos dos cabelos dela. Enquanto Caroline apreciava a vista que desaparecia diante de seus olhos, absorvida pela beleza, ele beijava-a no pescoço enquanto soltava seus cachos do elaborado penteado feito por Violet. Havia pouca iluminação no quarto, mas naquele momento ele queria apenas sentir. O cheiro de jasmins, a maciez da pele, a pulsação naquela zona sensível no pescoço dela. Caroline apoiou as duas mãos na janela. Isaac desceu os carinhos para os botões perolados do corpete. Aquele era o vestido de noiva mais lindo que ele já vira. Era a primeira vez que ela não usava vermelho. Mas também não era branco, era de um tom de creme que fazia com que Caroline parecesse uma sobremesa a saborear. Com os cabelos soltos, ela poderia ser um manjar esperando ser devorado. Isso fazia com que ele não tivesse muita paciência com os botões. Ainda assim, Isaac não os arrancou. Abriu um a um enquanto beijava-a nos ombros e se deliciava com os sons que ela emitia a cada toque. O corpete afrouxou e cedeu. Depois de terminar os botões da saia, o vestido inteiro caiu aos pés de Caroline. Ele já fizera aquilo outras vezes. Já a despira e já a possuíra de muitas formas. Mas, naquele momento, ela era sua esposa. Ela era dele. E parecia bem satisfeita com aquela condição. Isaac trabalhou nas fitas do espartilho e retirou cada peça de roupa que cobria aquele belo corpo feminino. Depois, abraçou-a por trás, forçando sua ereção contra suas costas. — Você ainda está vestido. — Ela murmurou, sentindo-o deslizar as mãos para o centro de suas pernas. — Não teremos uma consumação formal de casamento. — Ele provocou, virando-a para si. As costas de Caroline bateram contra o vidro da janela. — Então eu posso me divertir fazendo as coisas que você se propôs a me ensinar. — Pelos céus, quando você se tornou tão arrogante assim? Ela riu, mas a risada saiu estrangulada. Isaac arrancou os tecidos do

caminho deles e se ajoelhou, colocando uma das pernas de Caroline sobre seus ombros. — Eu sempre fui, milady. Mas agora eu sou um arrogante com experiência. Isaac acariciou os cachos castanhos que cobriam o objeto de seu desejo e, com os polegares, expôs o sexo de sua esposa. Envolveu-a com a boca e lambeu-a suavemente. Caroline gemeu e se contorceu enquanto ele segurava o clitóris entre os lábios e sugava. — Parece que você aprendeu muito bem. Acho que sou uma professora muito eficiente. Ele riu e continuou a beijá-la ali. Sim, Caroline era uma professora muito boa. Não porque entendia do ato sexual, mas porque colocava significado nele. Ela o ensinou a compreender seus gemidos, a entender cada movimento de seu corpo, a perceber quando ela estava desesperada de desejo e prestes a explodir no clímax. Dar prazer a ela era uma das coisas que ele mais se deliciava em fazer. Antes que Caroline chegasse ao orgasmo, ele parou. Ela ameaçou protestar, mas ele levou as mãos às suas roupas e arrancou-as, quase com pressa demais. Caroline segurou seu membro rígido nas mãos e ele grunhiu. — Estou sem você há semanas. Se você não tomar cuidado, duvido que eu possa durar muito. — Pois eu quero que dure o máximo de tempo que puder. — Ela conduziu-o para sua entrada, molhada e inchada, esperando por ele. — É a primeira vez que farei sexo com um marido, estou achando isso muito excitante. Era excitante. Isaac penetrou-a com intensidade demais e fez com que ela batesse no vidro novamente. Caroline riu e ele sabia que ela não se opunha a um pouco de virilidade. Ela o enlaçou com as pernas e Isaac passou a moverse lentamente, beijando-a. Segurava-a pelos quadris, com as mãos debaixo das nádegas, e percorria seus lábios, seu pescoço, ia até os seios, mordiscava os mamilos. Enquanto ela gemia e murmurava seu nome, ele entrava e saía dela e estimulava-a com o polegar acariciando o clitóris. Aquela foi outra coisa que ele estava aprendendo. Ela podia atingir o ápice enquanto ele estivesse dentro dela, se tivesse ajuda. Percebendo o que ela dizia e como ela o envolvia com seus músculos apertados, Isaac ia e vinha enquanto a acariciava onde ela mais gostava até que ela colapsasse em seus braços chamando por ele.

Encontrando seu próprio alívio, Isaac investiu mais algumas vezes contra Caroline e a abraçou, permitindo mais uma vez que sua semente a preenchesse. Daquela vez, pelo menos, não havia risco algum. Eles eram marido e mulher. Eles pertenciam um ao outro.

— Os criados ficarão escandalizados se continuarmos fazendo isso. Caroline disse, deitada na enorme cama, aninhada nos braços de Isaac. Eles tinham acabado de ter uma sessão de sexo rápido, intenso e barulhento. Móveis rangeram, o vidro da janela estava gorduroso pelo suor e a madeira do piso estalou. — Você vai adorar que eles espalhem pela vila que seu marido é um homem viril e incansável, não vai? — Ah, definitivamente, eu vou. — Ela riu e virou-se na cama para ficar de frente para ele. — Eu amo você! É muito ridículo que eu diga isso algumas vezes? — Céus, é maravilhoso que você diga. — Isaac puxou-a para um beijo rápido. — Eu tinha um pouco de medo de estar sozinho nessa coisa de amor. Sinto-me bem melhor que minha esposa também me ame. — O que faremos agora? Vamos viajar, passar uma semana em uma ilha e quando voltarmos… — Tudo continuará no mesmo lugar. Eu administrando Greenwood Park, você cuidando de seus negócios. Caroline sentou-se na cama e cruzou as pernas. Ela não tinha nenhum constrangimento com sua nudez e adorava ver Isaac sem roupas. Ele era tão lindo que não merecia viver coberto por tecidos. — Você não vai querer interferir? — Nos seus negócios? Por Deus, não. — Isaac fingiu espanto. — Eu não sou bom com esse tipo de empreendimento, Caroline. Não entendo nada de escolas, nem de hotéis. Você já tem um combinado com Oglethorpe e ele é um empresário brilhante. — Não vai querer controlar o dinheiro, transferi-lo para uma conta conjunta… — Caroline. — Isaac também sentou e segurou as mãos dela. — Eu não quero que nada mude. Quando te conheci, você era independente e fantástica.

Eu te achava uma aberração até te conhecer. E eu me apaixonei por cada pedacinho de você. Ser minha esposa não mudará isso, apenas me dará permissão para acordar ao seu lado, esmurrar homens que olhem para seu decote e engravidá-la dos meus filhos. Você quer filhos, não? Sim, ela queria. Caroline dobrou o corpo e beijou seu marido, um movimento bastante equivocado. Logo, eles estavam envolvidos novamente um com o outro, absorvidos pela paixão. Aquela seria uma das muitas noites que ela passaria com Isaac, e suspeitava que todas seriam muito boas. Afinal, ele foi o melhor não que ela já dissera na vida.

Epílogo

C AROLINE BAIXOU a caneta sobre o papel e pressionou as têmporas. Ela estava muito cansada e sem ideias para vender o mesmo produto por mais uma temporada. A escola era um sucesso, mas logo se iniciaria terceiro ano de existência e ela ainda precisava de estratégias para convencer moças de que bordar e pintar não eram os únicos talentos admissíveis em uma mulher. Depois da inauguração da participação da Condessa de Cornwall na sociedade, muitas jovens damas, entre quinze e dezessete anos, foram matriculadas por seus pais e tutores. A maioria não era da alta sociedade londrina, já que os arrogantes não aceitavam muito bem os escândalos da família Trowsdale, depois McFadden, e finalmente Eckley. Não importava. Caroline queria atingir mulheres, queria fazer o mesmo que fizeram por ela durante seu período de internação. No prédio da escola havia um exemplar de Reivindicação dos Direitos das Mulheres em cada cômodo. Todos os quartos eram ornamentados com veludo, seda, cetim e livros inspiradores. As aulas iam do tradicional piano até história, geografia, matemática, física. Caroline e Agatha conseguiram professoras francesas e americanas que se dispuseram a participar do projeto de instruir mulheres. E a própria Caroline era uma das tutoras que ensinava sobre gestão de negócios - que ela aprendeu na prática, mas fazia muito bem. — Caroline? — A voz de Isaac ecoou pela biblioteca. Ela levantou a face e olhou para a porta para ver o marido com meio corpo para dentro do cômodo. — Você está muito ocupada? — Não, meu amor, pode entrar. Ela sorriu ao vê-lo, porque Isaac sempre a fazia sorrir. Um pouco desajeitada, Caroline afastou a cadeira da mesa e se levantou, sentindo seu

centro de gravidade pender para frente. O marido a segurou, impedindo que perdesse o equilíbrio. Marquesa, que estava deitada no tapete, latiu para indicar que estava atenta ao movimento. A cachorra se esticou, preguiçosa, e exibiu a barriga redonda querendo receber carinho. — Vim ver se precisa de ajuda. É tão tarde e você ainda está aqui, trabalhando. Com cuidado, Isaac ajudou Caroline a acomodar-se em um sofá. Morando há mais de dois anos em Sunnyside Bay, eles já tinham decorado e ajustado a casa como gostavam. Em Londres, ficavam no apartamento de solteiro de Isaac. Mesmo pequeno, era um espaço confortável e que os acomodava bem. O de Caroline fora vendido e o dinheiro reinvestido. Quando acabava a temporada e a escola encerrava suas atividades, retornavam para Kent, pois o marido precisava manter a administração de Greenwood Park com rédeas curtas. Isaac colocou os pés da esposa sobre seu colo e começou a massageá-los. Passava de uma hora da manhã. Ela estava de camisola de musselina e roupão de veludo, com os pés descalços. — Preciso preparar convites para a escola e não estou conseguindo nada. — Tente não exigir tanto de você. — Ele subiu a massagem para os tornozelos, para a panturrilha, desceu novamente para os pés. — Amanhã vamos à praia para você espairecer um pouco. — Não posso ir à praia neste estado. — Caroline colocou a mão sobre a barriga, também redonda. — Nem roupas de banho eu tenho, estando desse tamanho enorme. — A praia fica em frente à nossa casa, meu amor. Vá de camisola, se quiser. Ele tinha razão, Caroline nunca se importou em exibir-se, ainda mais em uma praia privativa. Mas ela estava ranzinza e muito sensível desde que se descobriu grávida. Seis meses depois, sua saúde estava ótima, mas seu corpo mudara completamente. Aquilo a deixava insegura e a insegurança a deixava mais aborrecida do que a falta de criatividade para elaborar textos a fim de atrair clientes. A gravidez veio tarde, quando Caroline já estava muito velha para ter filhos. Depois de quase três anos de casada, ela já estava na casa dos trinta e se sentia muito incapaz de gerar e parir uma criança. Havia muito risco e o doutor Davies recomendou que ela repousasse o máximo possível. E a dama seguia o que dizia o médico porque Isaac se preocupava demais e ela estava

disposta a colocar nos braços dele uma criança saudável. — Acha que será um menino? — Ela perguntou, distraindo o marido do assunto anterior. — Não me importo se for menino ou menina, mas sim, eu acho. Principalmente se for para troçar com Edward. Marquesa protestou outra vez. Continuava na mesma posição, querendo atenção de Isaac tanto quanto Caroline recebia. — Vocês duas não podiam ter engravidado na mesma época. — Ele esticou um braço para fazer carinho na cadela. — E quando nascerem os filhotes, o que faremos? — Ah, vamos cuidar deles. Deixar que os filhos de Elizabeth escolham um. Presentear Lavínia com outro. E o restante fica aqui, correndo pelo jardim. — Terei que conversar com Lorde. Ele precisa ter mais cuidado. — Ele precisa? — Caroline acariciou a barriga. — Você não tem moral para repreender o cachorro, meu marido. — Caroline, do jeito que é nosso casamento, surpreende-me sinceramente que você não tenha engravidado antes. Não foi por falta de tentativas. Ela deu uma risada e o bebê se mexeu dentro dela. Caroline pegou a mão do marido e colocou sobre sua barriga e pediu que ele a acariciasse. O bebê mexeu de novo. Aquilo fez com que Isaac abandonasse qualquer outra tarefa para colocar as duas mãos sobre seu filho e senti-lo se movendo para lá e para cá dentro da mãe. — Vamos para a cama. — Ele se dobrou sobre ela e a beijou. — Quero contrariar um pouco as recomendações do doutor Davies sobre a gravidez. — Adoro quando você fica rebelde, meu marido. Isaac sorriu e ajudou-a a levantar-se. Aqueles eram os dias e as noites em Sunnyside Bay, confortáveis, divertidos e apaixonados. O sentimento que ela nutria pelo marido não esmoreceu, não diminuiu, não se perdeu com o tempo. O cuidado e carinho dele para com ela permaneceram o mesmo. E, nenhuma vez, Isaac pretendeu impedi-la de fazer o que fosse preciso para gerir seus negócios. Ela continuava transitando entre os homens, elaborando contrato e frequentando os clubes de cavalheiros. A vida deles era muito diferente do que fora há três anos. Caroline não se sentia mais solitária. Tinha companhia, tinha ajuda e tinha, acima de tudo, amor.

Nota da autora

Eu não costumo escrever notas, mas esse livro pede alguns comentários, não pede? Quando comecei as pesquisas para escrever romances de época, eu já sabia um pouco sobre a realidade das mulheres nos séculos passados: sem direitos, tratadas como propriedade dos pais, irmãos e maridos, sem autonomia, sem que suas potencialidades pudessem ser desenvolvidas. Isso porque eu tinha acabado de terminar meu doutorado em Direitos e Garantias Fundamentais e temas como desigualdade de gênero e violência contra a mulher foram os que mais estudei durante 5 anos inteiros. Eu também já havia notado que os romances de época traziam suas discussões sobre essa realidade. E foi aí que tive a ideia de criar Caroline Eckley, uma mulher que destoava dos padrões, que recusava os estereótipos e que era desrespeitada e rejeitada por isso. Caroline foi descrita como louca, insana e desagradável no primeiro livro, mas isso foi proposital - mulheres diferentes do padrão eram comumente consideradas loucas e internadas em sanatórios. Uma das partes interessantes da pesquisa se relacionou ao Married Women’s Property Act de 1882, a lei britânica que concedeu às mulheres o direito de manter propriedades e de existir como seres em separado de seus maridos, depois do casamento. Até aquele ano, quando as mulheres se casavam elas deixavam de existir. Marido e mulher viravam uma pessoa única e apenas o marido despontava. A personalidade da mulher era apagada por completo e seu patrimônio (caso ela tivesse) era absorvido pelo marido. Quando Caroline se tornou adulta, a Married Women’s Property Act estava se virando realidade. Mas, apesar de existir no papel e valer para toda

a Inglaterra, Gales e Irlanda, a lei não mudou os costumes. Era incomum que uma mulher efetivamente conseguisse gerenciar seu patrimônio, depois que se casasse. Mesmo que ela não fosse mais absorvida por seu marido, ela ainda era controlada e submissa a ele. A rejeição ao casamento podia ser uma forma de rebeldia a essa realidade. O que não era uma decisão fácil, já que mulheres solteiras eram mal vistas pela alta sociedade - ganhavam a denominação “solteironas” e eram consideradas mulheres infelizes e incompletas. Fico frustrada por ver que, hoje em dia, ainda há mulheres que se sejam colocadas na posição de escolher constituir família pela via do casamento e seguir suas carreiras profissionais. Estamos no Século XXI e ainda precisamos nos manter vigilantes quanto aos direitos pelos quais algumas mulheres morreram para conquistar por nós. Os livros que Caroline menciona são A Vindication of the Rights of Women, de Mary Wollstonecraft e Subjection of Woman, de John Stuart Mill. São obras fundamentais para se compreender a luta de mulheres por direitos antes que os movimentos sociais se consolidassem, por volta de 1960. Recomendo! Beijo grande e até o próximo livro!

Sobre a autora

Tatiana Mareto é sagitariana, gosta de se comunicar, adora transformar sentimentos em palavras. Mora em Cachoeiro de Itapemirim, é professora e advogada e começou a escrever aos doze anos, sendo autora de diversos textos não acabados, muitas poesias não publicadas e alguns originais empoeirados. Inspira-se com música e tem uma trilha sonora para todos os capítulos – das suas histórias e da sua vida. Se apaixona com facilidade pelos próprios personagens e coleciona crushes literários.

Outros livros da autora A Sobrinha do Marquês Um Conde para Curar meu Coração Um Duque para Chamar de Meu Fúria e Redenção Queda e Redenção A Patricinha e o Milionário Jogos de Adultos Paixão em um Verão Paixão em Jogo Dezembro Sequestrados O Segredo de Esplendora - A Origem O Segredo de Esplendora - Ascensão O Segredo de Esplendora - O Poder
Box da serie Amores em Kent - l - Tatiana Mareto Silva

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