Azul tormenta (cores Livro 2)

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Copyright © 2019 Priscilla Ferreira Copyright © 2019 Editora Angel

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônico ou mecânico sem a permissão por escrito do Autor e/ou Editor. (Lei 9.610 de 19/02/1998.) 2ª Edição

Produção Editorial: Editora Angel Capa e projeto Gráfico: Débora Santos Diagramação digital: Débora Santos Revisão: Carla Santos Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA.

Sumário: Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 Capítulo 21 Capítulo 22 Capítulo 23 Capítulo 24 Capítulo 25 Capítulo 26 Capítulo 27 Capítulo 28 Capítulo 29 Capítulo 30 Capítulo 31

Capítulo 32 Capítulo 33 Capítulo 34 Capítulo 35 Capítulo 36 Capítulo 37 Capítulo 38 Capítulo 39 Capítulo 40 Capítulo 41 Capítulo 42 Capítulo 43 Capítulo 44 Capítulo 45 Capítlo 46 Capítulo 47 Capítulo 48 Capítulo 49 Capítulo 50 Epílogo Agradecimentos Sobre a autora Editora Angel

Este livro é para todos aqueles que acreditam que o amor é a forma mais simples para consertar os cacos quebrados de um coração.

“Palavras duras em voz de veludo E tudo muda, adeus velho mundo Há um segundo tudo estava em paz Cuide bem do seu amor Seja quem for...” Cuide bem do seu amor – Paralamas do Sucesso Liz

— Minha flor... acorda. — Hum... — resmunguei sonolenta reconhecendo a voz deliciosa do homem que amava, bastava isso para um sorriso despontar em meus lábios. Eu estava com saudade dessa voz.

Pisquei os olhos me acostumando à luz vinda da janela entreaberta do nosso quarto, e dei de cara com duas esferas castanhas me fitando de perto. Espreguicei-me gemendo de sono. — Bom dia, minha vida — Gustavo me cumprimentou, mostrando uma carreira de dentes brancos provindo de um sorriso arrebatador. — Amor... Ainda é cedo. — Fiz manha tentando convencê-lo a me deixar dormir mais um pouco, envolvendo-o em meus braços para fazê-lo deitar-se comigo. Gustavo não se rendeu tão fácil, ele tirou a franja do meu rosto e começou a beijar meu ombro nu, causando arrepios por toda minha pele. — Precisamos conversar antes das crianças ocuparem todo nosso tempo — insistiu. — Gustavo... deita aqui, nem vi quando você chegou de viagem, estou com muita saudade para ter conversas sérias a essa hora da madrugada. — Fiz charme, me contorcendo com os beijos que ele espalhava pelo meu corpo. — Liz... Já são seis horas, não é mais madrugada de jeito nenhum — meu marido continuou. — Vamos dormir só mais um pouquinho. Vem, deita aqui. — Apontei para o colchão.

— Liz Maria Albuquerque Salles! Eu preciso que você se levante — Gustavo resmungou em um tom mais sério, o que era incomum ao meu marido. Olhei-o curiosa. — O que houve? Aconteceu alguma coisa? — questionei preocupada. — Tenho uma pergunta para lhe fazer. — A voz dele saiu rouca e o seu olhar era inseguro, outro sinal de que havia algo muito errado. — O que foi, Gustavo? Você está me assustando. — Apoiei-me nos cotovelos e sentei na cama. — Eu queria ter conversado com você ontem, mas, quando cheguei de viagem, você estava dormindo tão tranquila com as crianças, que preferi não te acordar. Seu ronco podia ser ouvido em toda vizinhança — Fez graça aliviando a tensão que estava se formando. — Eu não ronco! — Dei um tapa em seu ombro. Gustavo gargalhou desviando do meu punho. — Ronca sim. Alto e grosso como um lenhador. Da próxima vez irei filmar para poder usar como provas. — Você não faria isso. — Senti minhas bochechas queimarem de vergonha.

Eu não ronco. Ou ronco e não sabia? — Não, amor. Eu não faria isso, estou brincando. Você apenas ronrona, como uma gatinha. — Gustavo me beijou nos lábios e se afastou. — Me desculpe por não estar acordada para recebê-lo, as crianças me deixaram exausta, ontem foi dia de piscina, você pode imaginar. Elas sugaram todas as minhas forças com a brincadeira com os macarrões que você os ensinou. — Fiz careta para ele, que me respondeu com o sorriso que me dizia que tudo que havia de bom no mundo era ser amada como ele me amava. Esforcei-me a resistir ao seu encanto e continuei: — Agora quer parar de enrolar e falar o que está acontecendo? — Nunca vi uma mulher tão ansiosa — brincou com um sorrisinho cínico, que me deixava boba, fiz um ruído com a garganta fingindo irritação, Gustavo sorriu e apertou a pontinha do meu nariz. — Gustavo, não me irrita! Fala logo — briguei tentando não ser enfeitiçada pelos seus olhos âmbar brilhantes. — Tudo bem... — Beijou minha boca rapidamente. — Recebi uma proposta de uma multinacional para participar do lançamento de um novo produto. — Que bom, meu amor! E qual é o problema? Por que você parece tão

sério? — indaguei, animada com a novidade. — Bem, o lançamento vai ser nos Estados Unidos. — Uau! — exclamei. — Só tem um pequeno problema... — Gustavo me lançou um olhar apreensivo. — E qual é? Você fala inglês e tem o passaporte mais carimbado que já vi. Não teria dificuldade em entrar nos Estados Unidos. Além disso, sua equipe é preparada para esse tipo de competição. — O lançamento acontecerá durante quatro semanas, será em um grande evento de esportes radicais com visitantes do mundo inteiro. E a proposta é para que eu corra durante todo o torneio, além de participar de entrevistas para divulgar a marca em programas de rádio e tevês americanas. Abri a boca para falar, porém não consegui raciocinar. Um mês. Era muito tempo, desde que estamos juntos não passamos mais que uma semana longe um do outro, mas um mês, a quase cinco mil milhas de distância, era um fato completamente novo para digerir. A carreira do Gustavo, graças ao seu talento, estava indo de vento em popa, ele aderiu muitos fãs após os últimos campeonatos nacionais, principalmente garotas ensandecidas que queriam tirar uma selfie ou dar-lhe

de presente uma peça íntima, o que me deixava louca. Além das fãs enlouquecidas, Gustavo vinha fidelizando torcedores que realmente apoiavam e gostavam do esporte, o que me deixava muito orgulhosa do seu dom e carisma. Programas de tevês disputavam para conseguirem uma entrevista com ele, ainda mais depois que descobriram que ele doou o rim para o pai anos atrás. Esse acontecimento repercutiu por muitos dias na mídia. Gustavo em momento algum quis se promover com o gesto, na verdade ele ficou muito chateado quando a imprensa descobriu o que aconteceu. Quis até se recusar a falar sobre o assunto, o que fui totalmente contra, afinal, o que aconteceu poderia servir de exemplo para outras pessoas. E foi o que houve, quando os fãs e outros atletas souberam da doação lançaram uma campanha nas redes sociais usando a hashtag Doe Órgãos Salve Vidas, que viralizou em menos de vinte e quatro horas. A hashtag foi usada mais de um milhão de vezes nas redes. Foi um tremendo sucesso, mas Gustavo só ficou conformado com o que aconteceu, quando recebeu uma carta da Associação Brasileira de Incentivo a Doação de Órgãos parabenizando-o pelo gesto. — Querido, isso é maravilhoso, mas é muito tempo. — Finalmente consegui falar. — Ei, você não me deixou concluir. — Ele apertou novamente a

pontinha do meu nariz, me fazendo rir. — Essa proposta é excelente para a minha imagem nas competições, além da grana, que será paga em dólar. Vou faturar um contrato de dois anos para divulgar o produto deles. É uma oportunidade irrecusável. — Sem dúvidas é sensacional. Qual é o produto? — perguntei curiosa. — Um capacete feito de um material inovador, cinquenta por cento mais leve e mais seguro que os atuais. — Nossa, eu não sei o que dizer. Isso é fantástico! — Obriguei-me a sorrir porque não seria burra o bastante para não saber que a oportunidade era excelente. Porém, estava com o coração apertado em imaginar passar um mês longe do meu marido. — Liz, não me olhe assim. Eu sei que é muito tempo, mas não vou sozinho. — Claro que não, sua equipe vai com você, como acontece em todas as competições. — Levantei a sobrancelha divertida. — Não é deles que estou falando. Você vem comigo. — Ele sorriu de canto de boca. — O quê? — perguntei surpresa.

— Isso que ouviu. Você sempre disse que queria conhecer os Estados Unidos, essa é uma ótima oportunidade. Não abro mão de ter minha mulher lá comigo. — Amor, as crianças são pequenas para fazerem uma viagem tão longa. — O pânico começou a se alojar em mim como uma febre, aquecendo meu corpo e revirando meu estômago. — Poderíamos deixar as crianças com minha mãe ou com a Carol. Tenho certeza de que ambas não se oporiam a isso, e aproveitaríamos a chance de ter uma lua de mel sem os nossos pestinhas. Não que eu não queira eles conosco, mas desde que nasceram nunca fizemos uma viagem só nossa. — Gustavo, as crianças só têm três anos. Eles são muito dependentes de mim. Você se lembra do que aconteceu da última vez que deixei alguém cuidando deles. — Minha voz tremeu só de lembrar. — Aquilo foi uma fatalidade, Liz! Não vai acontecer de novo. Minha flor, não seria com um estranho que deixaríamos nossos filhos, estou falando da nossa família. — Sinto muito, não quis insinuar isso. Mas ainda não me sinto segura para dar esse passo. — Está na hora de você deixar aquele incidente no passado.

— Mas... — Não tinha argumentos para discutir. Ele estava certo. O incidente que tanto me apavorou aconteceu quando as crianças tinham apenas um ano. Eu e Gustavo planejamos uma viagem de fim de semana para comemorar o Dia dos Namorados. Contratamos uma babá experiente para cuidar deles nos dois dias em que estaríamos fora. Planejei cada pequeno detalhe para que tudo desse certo: fiz uma lista com a rotina dos gêmeos, outra com telefones de emergência, horários das refeições e lista de tudo que eles não poderiam tocar ou pôr na boca. Gustavo ria da minha compulsão por listas, mas criá-las me deixava mais segura. Ele ria de mim, mas também estava apreensivo por deixá-los sozinhos. Depois de tentar desistir umas duas vezes, pegamos a estrada de moto no sábado pela manhã, e fomos em direção a uma casa de campo em uma cidade vizinha. Essa era a primeira vez que eu os deixaria sozinhos. Mas eu estava confiante de que uma pessoa experiente estaria olhando eles para mim, sem falar que a nossa família estaria sempre circulando pela nossa casa para verificar as coisas. Mas na manhã do domingo recebemos uma ligação de Guilherme, ele estava apavorado. Apenas de ouvi-lo chamar meu nome, eu sabia que havia acontecido algo com meus filhos. E eu tinha razão, uma mãe nunca se enganava. Foi uma fatalidade que poderia ter me deixado sem a minha menina. A

babá estava com as crianças na piscina infantil quando Arthur pediu para tomar água, ela deu as costas a Laís, que brincava com seus bonecos de borracha e foi em direção à mesa onde a mamadeira de água estava. E foi nesse pequeno descuido que Laís subiu na borda da piscina dos adultos e caiu. Minha filha se afogou, e só sobreviveu porque Guilherme estava chegando e assim que ouviu os gritos da babá, pulou na piscina e tirou-a de lá. Foi preciso fazer respiração boca a boca e mais de quarenta insuflações para trazê-la de volta. Eu e Gustavo voltamos para casa desesperados para ver com nossos próprios olhos que nossa filha estava bem. Laís ficou no hospital por três longos dias. Por isso a ideia de deixá-los aos cuidados de alguém me deixava tão psicótica. Não podia negar que amaria viajar por tanto tempo em um país que gostaria de conhecer. Seria nossa “lua de mel”, já que não tivemos uma por conta do nascimento das crianças. Mas aí lembrei-me de que meus filhos ainda eram pequenos, e morria de medo de me afastar deles por tanto tempo. Não eram quatro dias. E sim quatro semanas... inteiras e longas. No fundo, eu já sabia que este não era o melhor momento para uma viagem dessas e eu só iria atrapalhar meu marido. Porque sabia que não iria parar de me preocupar e chorar com saudades dos meus pequenos. Por mais que confiasse na minha sogra e na minha cunhada, elas já eram cheias de

tarefas, não teriam como ficar com Arthur e Laís em tempo integral. Porque, por mais que fossem meus filhos, eu não podia fingir que eram uns anjinhos. Porque não eram. Esses dois me davam uma trabalheira. — Então, Liz? — Gustavo beijou meu pescoço, me fazendo acordar dos devaneios. — Meu amor, eu adoraria poder ir nessa viagem, mas você sabe que as crianças são pequenas e precisam de atenção o tempo todo. Nunca fiquei longe deles, foi no máximo uma noite ou outra na casa da sua mãe, mas nada mais do que isso. Dona Carmen tem o restaurante para cuidar e Carolina já tem a Cléo, não quero dar trabalho a elas. Além disso, você acabou de chegar de Santa Catarina, não quero deixá-los sozinhos. — Ainda podemos levá-los, vejo com a minha equipe o melhor quarto de hotel, eles terão espaço para brincar e você ficaria tranquila. — Podemos, mas será que vale a pena expô-los a uma viagem dessas? Também não gosto da ideia deles em um avião, só de pensar fico apavorada. Sem falar que não poderei acompanhá-lo no evento, já que não posso levá-los comigo. Aonde os deixaria na hora das suas provas? E a imprensa estará toda em cima de você, não quero fotos dos meus filhos circulando na internet. — Se você concordasse em contratar uma babá para te ajudar, isso não

seria problema. — Essa ideia está totalmente fora de questão. Nada de babás — neguei ríspida. Gustavo passou as mãos no cabelo daquele jeito que sabia que estava se irritando, porque suas bochechas ganharam um leve tom avermelhado. Aproximei-me e beijei-lhe os lábios levemente para acalmá-lo. Esses quase quatro anos de casados me fizeram conhecê-lo melhor, suas manias e costumes já eram velhos conhecidos. Hoje sabia desvendar a maioria dos seus gestos corporais e saber o que estava sentindo. — Meu amor, não precisa ficar nervoso. — Liz, é um mês porra! — Ele esfregou o rosto cansado, como se as horas de sono não tivessem sido suficientes para matar o cansaço da última viagem. — Eu sei, Guto. — Não vou ficar todo esse tempo longe de vocês. Vou avisar que não poderei ir, está resolvido. Partia-me o coração saber que ele estava desistindo de algo por minha causa, respirei fundo e tentei achar uma maneira de resolver isso.

— Gustavo, você não vai desistir. Isso é importante para a sua carreira, você mesmo falou. Esse mês vai passar logo. Vamos fazer como todas as outras vezes que viajou para competir e eu e as crianças não pudemos ir. Você me liga eu te ligo, e falamos pelo Skype, não há problemas nisso. Nós damos um jeito. — Liz, será que você não me ouviu? — perguntou irritado. — Não precisa ficar irritado — rebati. — Caramba, Liz, eu estou falando de um mês! Um mês sem ver meus filhos e sem ver você, sem tocarmos um no outro. Apesar de que não tocar em você está se tornando algo comum, já é rotina para nós dois. — Não fale assim. — E como você quer que eu fale? Todo mês estou em uma cidade diferente, quase nunca vejo vocês, e nas raras vezes que estou em aqui, as crianças não nos deixam sozinhos um segundo sequer. Porque até quando estão dormindo você está cuidando da casa. Sinto-me um cretino em pensar em tocar em você quando te vejo tão exausta e sobrecarregada de trabalho. — Meu amor... — Do que ele está falando? — Não, Liz, essa situação está foda! Quero minha mulher de volta, já chega de você ser apenas a mãe dos meus filhos. Eu quero a minha esposa do

meu lado, eu tenho esse direito — ele lançou as palavras na minha cara, me deixando prostrada no meio da cama, sem fala e com o coração tão acelerado que imaginei que ele estava quebrando uma parede de concreto dentro do meu peito. Sem esperar uma resposta, levantou e saiu do quarto como um tufão, deixando a porta escancarada, tão escancarada quanto minha boca assistindo a cena. Poucas vezes vi meu marido tão irritado em todo o tempo que nos conhecemos. Uma lágrima solitária queimou minha bochecha, pisquei para evitar que outra caísse e me levantei. Eu não consegui acreditar no que ouvi, não sabia que ele estava tão insatisfeito com nosso relacionamento. Depois que as crianças chegaram, as coisas estavam corridas e complicadas, afinal eram saudáveis e sapecas, que não paravam de correr de um lado para o outro espalhando brinquedos por todo lado. Mas eu abri mão da minha carreira para cuidar deles e da nossa casa, que diga-se de passagem era enorme. Eram dois andares para limpar, cuidar do jardim, das roupas, da comida das crianças, das compras, atentar-me às vacinas, além das coisas corriqueiras do dia a dia. O que podia fazer? As crianças brigavam, corriam e faziam bagunça o tempo inteiro. Quando eles finalmente dormiam, eu já estava esgotada. Gustavo sempre quis que eu contratasse alguém para me ajudar a fazer

as coisas em nossa casa, ou para me ajudar com as crianças, mas depois do acidente na piscina, eu recusei essa ajuda rapidamente. Gostava de cuidar deles, de participar da vida dos meus filhos e, principalmente, tinha orgulho em cuidar da minha casa e me manter ocupada, afinal, sempre adorei trabalhar e já que não trabalhava mais como advogada, pelo menos cuidava da minha família. Isso fazia eu me sentir útil. Eu não seria eu mesma se ficasse apenas sentada ordenando que as pessoas limpassem as minhas coisas. Nosso casamento era maravilhoso, comemorávamos datas importantes, o sexo continuava bom como quando nos conhecemos, pode ter se tornado escasso, devido às tantas viagens de Gustavo, mas continuava incrível. É claro que nosso matrimônio não poderia ser igual e agitado como o de um casal sem filhos, nossa realidade era outra. Gustavo não podia simplesmente jogar aquelas palavras duras na minha cara e me deixar sozinha para tentar entendê-las. Tomei uma chuveirada rápida, troquei de roupa e saí do quarto. No corredor catei um ursinho de pelúcia da Laís e fui atrás de respostas. Passei no quarto das crianças e vi que ainda estavam dormindo tranquilos, o relógio de cabeceira dos Minions marcava seis e vinte da manhã. De acordo com minha experiência materna, as crianças só iriam acordar por volta de oito e meia. Caminhei na ponta dos pés pelo quarto para não os acordar, desci as

escadas e vi Gustavo de costas apoiado no parapeito da sacada da varanda. Eu soube que percebeu minha presença devido à tensão em seus ombros. — Não quero conversar agora, Liz — declarou sem se virar para mim. — Mas eu quero conversar agora — exigi. Ele não era o único a ditar as regras. — Não quero discutir a essa hora da manhã, será que você não entendeu? — Gustavo, precisamos conversar, e se você se recusar, ficaremos aqui uma vida inteira. Eu tenho tempo. — O que você quer? — Gustavo perguntou virando-se em minha direção, suas pupilas estavam dilatadas, e ele respirava com dificuldade, seus ombros estavam curvados como se estivesse com muito peso sobre eles. — Podemos sentar? Ou voltarmos para o nosso quarto? Não vou discutir meu relacionamento com meu marido na varanda, onde todos os vizinhos podem participar. Gustavo se aproximou, e quando pensei que ele ia me beijar ou me envolver em seus braços como costumava fazer, ele passou reto indo em direção ao andar de cima, onde ficava nosso quarto. Respirei fundo, usando toda minha serenidade e o acompanhei em silêncio, para evitar deixá-lo ainda

mais estressado. Quando entrei no cômodo, ele já estava sentado na beirada da cama com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos cobrindo os olhos. — Eu não sabia que você não estava feliz. — Tentei esconder o desespero em minha voz. Meu marido levantou a cabeça e sustentou o olhar no meu rosto. — Liz, eu preciso falar? Será que ainda sou um estranho para você? — Meu Deus, Gustavo, eu não sei o que pensar! — Levantei as mãos em sinal de rendição. — Liz... — Me deixa falar! — vociferei. — Acordo cedo todos os dias, cuido das crianças, faço as refeições, cuido sozinha dessa casa enorme, você sabe que não paro um minuto. Sinto muito se você nunca está em casa para perceber isso, mas eu sempre estou aqui por eles, cuidando deles e de você. Você não acha que sinto saudades de ter um tempo para mim? Sabe qual foi a última vez que li um livro sossegada? Tomei um banho demorado de banheira? Saí com uma amiga para papear? Fui ao salão de beleza cuidar das unhas e do cabelo? Que pude tomar uma taça de vinho e olhar as estrelas? NUNCA! Porque meu tempo é todo em função de vocês e dessa casa, mas

você deve achar que estou surtando e reclamando da vida. Mas eu não estou, sabe por quê? Porque faço tudo por amor! Porque gosto de cuidar de vocês e do nosso lar, de participar da vida das crianças. Agora me desculpe se quando você chega em casa, eu não estou de cinta-liga com uma taça de champanhe te esperando — concluí ofegante e cheia de raiva. — O que você quer que eu faça? Já cansei de pedir para você chamar alguém para te ajudar, pode chamar duas, três ou quatro empregadas, eu não me importo. Sempre te ajudo com as crianças, cozinho, lavo a louça, faço todo o possível para você — rebateu. — Você sabe que não me sinto bem com uma estranha na nossa casa, muito menos perto dos nossos filhos. Você me ajuda quando está em casa, e quando não está? — Liz! Você está sendo controversa. Você está sobrecarregada, mas não quer contar com a ajuda de ninguém. Eu não te entendo! Sabe quanto tempo faz que não transamos? — Então é isso? — Nesse momento, minha voz já estava quase na altura de um grito. — Não é só isso... Acabei de passar três dias longe, e quando chego de viagem minha mulher está dormindo.

— Tudo gira em torno de sexo para você, Gustavo. Você só seria feliz se transássemos seis vezes por dia, é isso? — Pelo menos, eu não teria que tomar banho gelado antes de dormir porque minha mulher está cansada demais para pensar em sexo! — esbravejou. — Você está sendo cruel e mal-agradecido! — rebati sua ofensa. — Liz, qual foi a última vez que fizemos algo juntos, só eu e você? Você se lembra? Porque eu não. — Gustavo, eu não tenho culpa disso. — Tudo bem, você está certa... — Ele se levantou e se aproximou ficando a apenas um centímetro da minha boca. Seu cheiro invadiu minhas narinas e prendi a respiração. Era tentador demais estar perto dele e não me afetar. Estava com tanta saudade desse aroma, mas no momento precisava usar todo meu foco na nossa discussão. — Você não me ama mais? — perguntei engolindo as lágrimas. — Eu não falei isso. Ao contrário, me viciei em você e estou com saudades — Gustavo falou deslizando o nariz pela minha bochecha em um movimento sensual, causando arrepios pela minha coluna.

— Não faço mais você feliz. É a mesma coisa de você não me amar — choraminguei. — Liz, você me deixa louco. Realmente amar é muito pouco para o que sinto, eu sou fissurado em você, ficar longe me deixa em abstinência, doente, eu mal respiro... — Gustavo... — Eu sei que nossos filhos são pequenos, mas sinto falta da Liz receptiva e fogosa com quem eu casei. — Eu ainda sou assim... — disse, me derretendo pelos seus lábios estarem trilhando caminhos no meu pescoço. — Só ando cansada. Só isso, mas as crianças vão começar a escola, assim terei mais tempo para mim. — Terá tempo para o seu marido? — perguntou parando suas carícias e olhando nos meus olhos. — Não sei... — provoquei sem conseguir controlar a risada. — Está rindo de mim? — Talvez terei que ver em minha agenda algum horário para o meu marido. — Porra nenhuma! Eu sou a sua prioridade. E não estou brincando! —

Gustavo falou essas palavras me aquecendo como lava, pegando-me no colo e me deitando na nossa cama. Afundei no colchão macio amando o que estávamos começando a fazer. Sexo de reconciliação era uma das partes preferidas do casamento. Nos envolvemos em uma desesperada troca de beijos e carícias, sua boca exigia a minha como um animal faminto, gemi em resposta, embriagada de desejo. — Meu Deus, que saudade, eu estava com saudade do seu cheiro, do seu gosto — falou baixinho enquanto suas mãos deslizaram pela minha pele, me deixando louca. — Eu também sinto saudades suas, motoqueiro. — Quero chegar em casa e ter minha mulher me esperando com um sorriso safado no rosto, e pronta para me deixar tomá-la da maneira que eu quiser. Porque essa é uma das vantagens de ter uma mulher — Gustavo disse palavras ousadas o tempo todo em que fizemos amor, e sua boca suja jogou querosene no fogo que me consumia. Com urgência matamos a saudade que sentimos. Depois de derretermos no calor um do outro, deitamos ofegantes e suados sobre os lençóis macios, ele imediatamente me puxou para o seu peito úmido de suor. Fiquei ali sobre aquela estrutura de músculos lisinhos, apenas refletindo em quanto ele tinha razão sobre tudo.

— Amor... — chamei. — Oi? — Me desculpe, você tem razão, mas não posso negar que fiquei magoada. Estou sempre tão ocupada, que muitas vezes não te dou a atenção que merece. — Eu que peço desculpas, fui um idiota pela forma como falei com você. Não estou infeliz. Só com saudades de ter minha mulher só para mim. Me perdoa? — De verdade? — perguntei levantando a cabeça para olhar nos olhos dele. — Claro, eu sou o homem mais feliz do mundo por poder ter você na minha vida, e tenho muito orgulho pela mãe maravilhosa que é para os meus filhos, mas me casei com você para ter uma mulher, não uma empregada. Beijei-lhe os lábios e sorri pelas suas doces palavras. — Eu te amo, tenho tanto medo de te perder. — Enchi-lhe de beijos no rosto. — Não vai. Deixei essas duas palavras confortarem meu coração, enquanto

aproveitei do conforto que era estar em seus braços. — Quando será essa viagem? — quis saber após um tempo. — Na segunda-feira. — Mas já? — Franzi a sobrancelha preocupada, porque só teremos três dias juntos. — Hum-hum... — Mas você acabou de chegar... — Eu sei, por isso temos que aproveitar. — Gustavo cobriu meu corpo com o seu, me beijando a boca pronto para começar outro round. Suas mãos puxaram meus cabelos entre os dedos, tomando posse da minha boca desejosa por seus beijos. Eu já estava em estado de liquefação. Quando estávamos começando a ficar ofegantes novamente, eu escutei uma vozinha me chamar e gelei. Laís. — Mamãe... — nossa menina chamou chorosa do corredor. Gustavo imediatamente puxou o edredom sobre nossos corpos; no segundo seguinte, ela apareceu na porta esfregando os olhinhos azuis sonolentos. — Papai, você voltou! — Laís gritou e correu até ele.

— Oi, querida! — Gustavo cumprimentou esbaforido. — Oi, filhota — disse me cobrindo, só deixando a cabeça para fora do edredom. Só aí foi que percebi a mancada que demos, não fechamos a porta do quarto, e quem tinha filho sabia que essa era uma infração gravíssima no código de ética dos bons pais. Enrolei-me com um lençol, catei minha calcinha no chão e corri até o banheiro, me lavei rapidamente, vesti uma camisa de Gustavo que estava pendurada em um gancho e voltei ao quarto para pegar nossa filha e deixar meu marido se trocar. Laís nos observou sorrindo, exibindo sua janelinha entre os dentes. Ela estava linda, vestindo seu pijaminha enfeitado de fatias de pizza, os cabelos castanhos caindo por todos os lados. Como era costume estava agarrada ao seu boneco do Homem de Ferro de pelúcia. — Oi, princesa, bom dia! Dormiu bem? — perguntei beijando sua bochecha gordinha. — Sim, mamãe — ela bocejou. — Seu pai precisa usar o banheiro, vamos dar um tempinho a ele. — Pisquei para ela e a peguei no colo. Gustavo enrolou o lençol na cintura e levantou para ir ao banheiro, mas

antes ele sussurrou no meu ouvido: — Você está me devendo. — Ri enquanto o assistia correr para o banheiro. — Mamãe será que o papai vai pecisar usar falda? Ele palece apertado — Laís perguntou se divertindo. Abafei o sorriso no seu pescoço e disse: — Não, filha, ele não precisa. Gustavo ressurgiu vestindo uma calça de moletom e camiseta, pegou nossa filha tagarela nos braços e se aninhou na cama. Pela janela vi que estava começando a chover, o céu cinza do começo da manhã mostrava que o tempo devia ficar assim pelo resto do dia. — Papai estava com tanta saudade da minha princesa, você se comportou? — Gustavo perguntou enchendo-a de beijos estalados na bochecha, Laís começou a gargalhar. Assisti boba a interação entre pai e filha, sentindo um leve aperto no peito por ter perdido isso quando meu pai me deixou. Deixei-os a sós e fui dar uma olhada em Arthur, assim que cheguei à porta do quarto o escutei se remexendo na cama. Timing perfeito!

— Bom dia, filhão — cumprimentei ao me aproximar da cama. — Mamãe, papai chego? — perguntou ansioso. — Sim, meu amor, vamos para a cama da mamãe, Laís já está lá. — Arthur abriu um sorriso de felicidade. Deitamos todos juntos na cama, eu e Gustavo ficamos curtindo nossas joias preciosas quase a manhã toda. Eu não cansava de admirar o rosto bobo do meu marido quando as crianças falavam novas palavras, ou quando diziam algo incomum para suas idades. Também percebi a tristeza dele ao ser cobrado por nossos filhos para passar mais tempo em casa. — Papai, eu tava com sadade. — Arthur abraçou apertado meu marido, que neste momento estava com os olhos cheios de lágrimas. — Eu também estava com saudade, filho, precisei trabalhar. Já falamos sobre isso, não foi? — Não trabalha, papai — Laís pediu. — Filha, eu preciso trabalhar. É a vida que escolhi. Mas vocês sabem que eu sempre volto — Gustavo explicou com a voz embargada, sabia o quanto era difícil para ele ficar longe dos nossos filhos. Já comecei a imaginar como seria o mês inteiro em que vai ficar nos Estados Unidos.

Desde que as crianças nasceram, Gustavo foi um pai muito presente, nossos filhos eram a vida dele. E todo tempo que tinha livre fazia questão de passar com nossos filhos, mas Arthur era o que sentia mais falta do pai. Desde a barriga, Laís sempre foi mais agitada que o irmão, ela tinha o espírito independente e sapeca, e adorava filmes de super-heróis. Já Arthur tinha uma personalidade tranquila, muito observador e gentil. Mas era mais carente de atenção que a irmãzinha, principalmente da atenção do pai. — Filhotes, vamos fazer aquilo que combinamos para comemorar que papai está em casa? — perguntei fazendo segredo para Gustavo. Meus bebês balançaram

as

cabeças

animados,

olhando-me

com

cumplicidade.

Avançamos sobre Gustavo dando um abraço coletivo nele, que gargalhou adorando o chamego. Ele me puxou para seus braços e me deu um beijo rápido nos lábios, o que não passou despercebido. — Papai beijou a mamãe, Tutu — Laís disse chamando o irmão pelo apelido que inventou desde que aprendeu a falar. — Sim, filha, mamãe ama beijar o papai — concordou. — Ecaaaa... — Arthur mostrou a língua fingindo vomitar. — Beijar é algo natural quando se ama alguém — Gustavo disse risonho.

Gustavo nos preparou um delicioso café da manhã daqueles que eu tanto amava, porque me fazia lembrar das manhãs regadas a sexo e comida de alguns anos atrás. Enquanto ajudava as crianças a comer suas panquecas, me lembrei de um detalhe que me passou despercebido, mas muito importante. — Gustavo, esqueci-me de um detalhe. — O que, amor? — indagou enquanto levava a caneca aos lábios. — Nosso aniversário de casamento e o aniversário dos meninos. Pela data que você falou que vai viajar, você estará aqui a tempo para a comemoração? — Me lembrei desse detalhe, e sim, estarei aqui. Chegarei um dia antes, nunca perderia poder ter uma noite a sós com a minha loira. — Ele piscou para mim sugestivo. — Gustavo! — recriminei-o olhando para as crianças, que para minha sorte estavam alheias brincando com a comida. — Que foi? — Vamos aproveitar em dobro então. — Ah, é? — perguntou levantando uma sobrancelha divertido. — Sim, agora para de me olhar assim... As crianças. — Indiquei com o

queixo. — Olhando como? — Gustavo perguntou lambendo a calda da panqueca devagar, fazendo questão de seduzir os gestos no garfo. — Você sabe. — Terminei de comer. O dia passou rápido, por volta das seis da tarde já estávamos todos prontos para o jantar de boas-vindas no Nos Teus Olhos Restaurante. Minha sogra, como chefe de cozinha e dona do lugar, sempre fazia questão de reunir os filhos e a oportunidade perfeita para isso era quando Gustavo voltava de alguma viagem, por mais curta que fosse. Caminhamos o pequeno trecho de rua que separava nossa casa do restaurante. Trouxe Arthur pela mão e Gustavo trouxe Laís no ombro. Meu marido ainda chamava a atenção por onde passava, com o passar dos anos ele estava ainda mais sexy, com uma beleza mais agressiva. Seu rosto anguloso e bem definido agora carregava uma leve sombra de barba por fazer, as sobrancelhas negras e expressivas acompanhavam aqueles olhos que deixavam qualquer uma sem ar por alguns minutos. O cabelo estava mais curto, com um corte moderno que favorecia os atrativos que a idade lhe proporcionou. Seu corpo estava cada vez mais firme e definido devido à maturidade dos músculos, e principalmente à intensidade de exercícios que ele praticava por conta do motocross. Não tinha do que reclamar, adorava

observá-lo, e cada vez que o olhava não parava de me perguntar como tive tanta sorte. Mas, às vezes, toda essa perfeição me deixava insegura com relação ao meu corpo, não era para menos. Após uma gravidez de gêmeos, meu corpo nunca poderia voltar à forma normal. Meus seios ficaram um número maior, para minha alegria, mas não estavam tão firmes quanto antes, pois fiz questão de amamentar as crianças o tempo necessário. Meus quadris ficaram mais largos, minha barriga também demorou um pouco para voltar ao que era, e minha bunda ganhou algumas estrias, mesmo eu tendo usado todos os produtos que a médica indicou. Podia conviver com as mudanças que a gestação me trouxe, só que era um pouco difícil ser tão segura quando o seu marido era um atleta famoso com milhões de seguidores nas redes sociais. Seguidores esses que opinavam em cada movimento seu na rede, inclusive nas fotos em que eu aparecia. A maioria dos comentários eram gentis, mas sempre havia a parcela dos haters que viviam em função de denegrir os outros. O tamanho do meu quadril em uma foto já foi motivo de uma longa discussão entre eles. Gustavo sempre fazia questão de dizer que não se importava com a opinião das pessoas, mas eu me importava. E muito. Meus cabelos agora estavam em um comprimento Long Bob desfiado com leve ondulado, pois, pela minha falta de tempo, era mais fácil mantê-los

arrumados, já que não precisava estar o tempo todo em um salão hidratando. Hoje vestia uma calça jeans skinny, uma blusa sem alças azul-turquesa e sapatilhas. Cuidar de duas crianças pequenas não me dava muito tempo para usar meus amados saltos. Então, tentei adaptar meu guarda-roupa com peças confortáveis e que realçavam apenas as coisas que queria mostrar. Quando entramos no restaurante, os homens Salles estavam sentados em uma mesa na lateral, meu sogro, Guilherme e Thiago conversavam em voz alta, rindo de alguma piada interna masculina. Olhei para o salão e vi Carolina afastada no celular conversando com alguém enquanto Cléo brincava com sua Barbie à mesa. Quando eles notaram nossa presença, sorrisos se abriram em seus rostos tão familiares e afetuosos conosco. — Oi, pessoal — Gustavo cumprimentou a todos com um aperto de mão e um abraço apertado. — Oi, meninos — cumprimentei-os também. — Oi, querida, é bom ver vocês. Meus netinhos chegaram. — Augusto veio beijar as crianças. — Vovô! — As crianças gritaram desesperadas para irem no colo do avô coruja.

Sorri me sentando na cadeira, que Gustavo cordialmente puxou para mim. — Cadê minha mãe? — meu marido perguntou aos irmãos enquanto seu pai estava ajoelhado ao lado da mesa mostrando às crianças curiosas um antigo relógio de bolso. — Está na cozinha, terminando nosso jantar — Thiago respondeu mexendo no celular impaciente. Suas mãos tremiam enquanto ele digitava uma mensagem. Seu rosto, diferente de segundos atrás, estava tenso, com uma ruga formada entre suas sobrancelhas. — Algum problema? — perguntei curiosa. — Ele deve estar em uma crise com a namorada secreta — Guilherme riu, debochando como sempre. — Namorada? Quem é a garota? — Gustavo perguntou. — Vocês não devem acreditar em tudo que Guilherme fala. Agora me deem licença que vou beijar meus sobrinhos — Thiago disse se levantando, guardou o celular no bolso e veio ajoelhar-se para brincar com meus filhos. — Guilherme, dá um tempo — Gustavo pediu dando um tapa na testa do meu cunhado.

O restaurante estava movimentado para uma quinta-feira à noite, as mesas cheias de jovens, famílias e homens engravatados no balcão do bar bebendo suas doses castanhas, o que me fez deduzir ser uísque. Lembrei-me da cor dos olhos do meu marido e apertei sua coxa. Gustavo colocou a mão sobre a minha e começou a fazer movimentos circulares com o polegar, causando ondas de calor pelo meu corpo. Eu o observei conversando com seu irmão sobre a viagem e meu coração perdeu uma batida ao lembrar-me de suas palavras mais cedo. Tive a leve impressão de que não estava falando tudo aquilo da boca para fora. Tratei de afastar o pensamento, e me envolvi em uma conversa animada sobre a última corrida do Gustavo. Carolina surgiu à mesa, preocupada. — Oi, Guto. Oi, Liz. — Ela sentou-se, suspirando profundamente. — Tudo bem? — perguntei. — Homens. Quem foi que teve a ideia de inventá-los? Não resisti, gargalhando. — Ei, não tem graça, Liz! — Gustavo me beijou na bochecha. — Não concordei, só achei engraçado.

— Cala a boca, Gustavo, vocês homens só nasceram para tornar nossas vidas mais difíceis — Carol repreendeu o irmão. — E mesmo assim vocês não vivem sem nós — Guilherme falou em socorro ao irmão. — O que foi que aconteceu, afinal? — indaguei tocando sua mão. — Não quero falar sobre isso, preciso de uma taça de vinho, garçom! — Carolina fez sinal para o garçom e nós pedimos as bebidas. O senhor Augusto pegou as crianças e foi até a varanda do restaurante mostrar a eles e a Cléo uma casa de passarinho que surgiu em uma árvore. Dona Carmen apareceu junto com mais dois garçons segurando enormes travessas fumegantes de comidas. Minha sogra estava cada dia mais feliz, ela e meu sogro finalmente estavam vivendo o amor que deixaram escapar há mais de vinte anos. O relacionamento dos dois era lindo de se ver, qualquer um que olhasse para ambos só podia enxergar amor entre eles. Estavam completamente apaixonados, chegava até ser engraçado, fiquei me perguntando se as pessoas também viam a mim e Gustavo da mesma maneira. Dois bobões exalando amor e cuidado. — Olá, meus amores — ela nos cumprimentou carregando no sotaque mineiro.

— Mãe! O cheiro está divino, o que temos aqui? — Gustavo perguntou ajudando-a com as travessas. — Você sabe que adoro mimar os meus meninos... fiz tudo que vocês gostam: galinha caipira, polenta, arroz com pequi, mandioca frita, tropeiro. Tenho comida para alimentar um exército, então tratem de comer. E você, Liz? Ah, mas você fica ainda mais linda quando meu filho está em casa. Seus olhos brilham como diamantes. — Sorri pelo comentário da minha sogra. — Talvez seja porque seu filho me faz feliz — brinquei piscando para ela. Gustavo me olhou sobre a mesa como se fosse me despir a qualquer momento. — Que amor... e por falar em amor, cadê o pai de vocês? — ela perguntou aos meninos, girando para olhar no restaurante. — Ele foi mostrar a casinha do passarinho às crianças — informei. — Vou chamá-los — avisou ela. — Não, eu posso ir. Quero aproveitar e pedir a ajuda dele para lavar as mãos das crianças antes do jantar. — Quer ajuda? — meu marido perguntou. — Não, converse com seus irmãos, já volto. — Beijei-lhe a bochecha,

me levantando. Fui até a varanda do restaurante; quando passei pela mesa dos engravatados, tive a sensação de ter escutado assobios e provocações, mas o zum-zum-zum do restaurante era tão grande que podia ter sido apenas impressão. Caminhei em direção à árvore e não vi meu sogro e nem as crianças. Franzi a testa tentando vê-los em algum lugar ao longo da rua arborizada, mas nada. Fui até a calçada do outro lado da via e nem sinal deles. Enquanto voltava, uma mão apertou meu braço. Pensei ser Gustavo querendo me surpreender, mas o homem que me olhava estava longe de se parecer com meu marido, quem apertava meu braço, como se fosse arrancar um pedaço, era um dos rapazes engravatados que estava bebendo no bar. — Oi, coisa linda. Está perdida? — o desconhecido disse com a voz de quem estava tentando soar sexy. Tentei desvencilhar meu braço do aperto de suas mãos, mas não consegui. O local onde sua mão pegajosa estava apertando com certeza ficaria roxo, porque seus dedos grossos me apertavam com força. Eu já estava suando, mesmo com o tempo frio. — Me solta! O que pensa que está fazendo? — gritei, sentindo minhas pernas tremerem de medo.

— Que isso, gracinha, sei que você veio aqui fora para isso. — Ele aproximou-se do meu rosto, senti o mau cheiro que vinha dele, o cheiro de bebida em seu hálito, misturado com o suor de suas roupas, me embrulhou o estômago. — Me solta! Não sei do que você está falando — implorei tentando me soltar de seu aperto insuportável. Ele segurou meus cabelos tentando me aproximar do rosto dele, instintivamente ergui o joelho e chutei suas bolas. O homem desconhecido urrou de dor, me soltando para pressionar o local machucado. Desvencilheime de suas mãos e, quando pensei que consegui me livrar do seu domínio, ele agarrou novamente meu braço, me puxando com força contra o muro da casa vizinha. Minhas costas bateram com força contra o concreto, meus olhos já estavam cheios de lágrimas de dor, eu bati com minhas mãos contra ele, mas o homem era grande e meu protesto foi em vão. Meu Deus, por que esse homem está pensando que dei qualquer sinal a ele? Olhei ao redor tentando ver alguém a quem pedir socorro, mas a rua estava deserta. Só ouvi a movimentação dentro do restaurante, que agora estava bem longe de nós. O segurança que sempre ficava de plantão à noite não estava em seu posto na calçada, para meu azar, provavelmente era a hora do seu descanso. Droga!

As lágrimas molhavam meu rosto, enquanto gritava e esperneava tentando me livrar de suas mãos nojentas me apalpando sobre o jeans. Tudo o que podia sentir era pavor e nojo. Quando já estava perdendo as forças escutei uma voz poderosa atrás de nós. — Tire as mãos sujas da minha mulher, AGORA! — Gustavo vociferou ao homem, que se virou assustado e foi recepcionado por um gancho de direita certeiro bem no meio da cara. A partir daí as coisas aconteceram tão rápido, que tive medo de realmente não estar vendo tudo que acontecia. Gustavo derrubou o desconhecido no chão e acertou uma sequência de socos duros no seu rosto, já lavado de sangue. O maldito do homem não tinha nem chance de revidar, meu marido estava ajoelhado sobre ele revezando entre um punho e outro para acertar o alvo. — Nunca mais toque nela! Nunca mais! Nunca mais, nunca mais toque o que é meu! — Gustavo gritou enlouquecido, sem parar de desferir golpes contra o homem já desfalecido. Estava caída contra o muro me abraçando com todas as células do meu corpo em pânico. Quando percebi que Gustavo não tinha intenção de parar de bater no homem, me vi obrigada a intervir. — Já chega, Gustavo! — Levantei-me e percebi que o homem não estava mais reagindo. Da sua boca saía apenas borbulhas de sangue. Agarrei

as costas do meu marido para tentar fazê-lo me ouvir, mas foi inútil. A rua, que geralmente era movimentada, parecia não ser mais a mesma, virei-me e não vi ninguém a quem pedir ajuda para separá-los. — Gustavo, pelo amor de Deus, já chega! Você vai matá-lo, meu amor, os nossos filhos... — Quando Gustavo escutou o que acabei de falar imediatamente parou o punho no ar. Seus dedos estavam cobertos de sangue, assim como o homem caído no chão. Minhas pernas não funcionavam, eu não conseguia senti-las, um medo enorme me atingiu só de pensar o que poderia ter acontecido comigo se Gustavo não tivesse chegado para me socorrer. E se ele matou esse homem por minha causa? Gustavo me pegou olhando para as suas mãos ensanguentadas e vi um lapso de consciência sobre o que acabou de fazer nos seus olhos, que agora não estavam mais na cor castanha, sua cor amendoada habitual foi substituída por um preto fulminante. — O que houve aqui? — Uma voz perguntou, virei-me para ver meu cunhado Thiago atrás de nós com a mão na cabeça ao admirar o cenário de guerra. Logo atrás vinha Guilherme, o senhor Augusto e Carolina. Gustavo acertou um último soco de misericórdia, mas ele não achou suficiente, ele se levantou e chutou as costelas do homem, que urrou com a dor da pancada. Thiago correu e lhe puxou para fazê-lo parar.

— Cara, já chega! — Thiago pediu, mas Gustavo parecia nem lhe enxergar, meu marido correu e se ajoelhou à minha frente. — Meu amor, você está bem? — Gustavo indagou, pude sentir seu corpo tremendo. O cheiro insosso do sangue invadiu meus pulmões quando ele passou as mãos sujas no meu rosto. Eu não consegui respirar, só queria acordar desse pesadelo que se tornou essa noite. — Amor... Eu... ele... ele... — gaguejei trêmula. — Ele te machucou? — perguntou ansioso, com uma névoa estranha em seus olhos, e algo apertou no meu estômago. Meneei a cabeça negando sem conseguir falar. Thiago se abaixou e examinou o homem, até então desconhecido, desmaiado no chão. — O que houve, posso saber? — perguntou enquanto discou um número no celular, que imaginei ser o do socorro. Fiquei feliz por meu cunhado ser sempre tão controlado e sensato em uma situação como essa. — O que aconteceu aqui? Por que você estava prestes a matar um cliente, Gustavo? — meu sogro perguntou. — Esse idiota estava atacando a minha mulher, pai. Se eu não tivesse aparecido, só Deus sabe o que poderia ter acontecido. Cadê a porra dos

seguranças? Como uma coisa como essa pode acontecer na porta do restaurante? — Gustavo voltou sua atenção para mim. — Minha flor, fala comigo, você está bem? — Ele me examinou, como se procurasse algum ferimento. Agarrei-me a ele, aliviada pela sensação de segurança. Carol, que estava estática no lugar assistindo a confusão, correu em nossa direção para me checar. Ela e Gustavo me ajudaram a ficar em pé. — Liz, você está bem? E você, meu irmão? — Nem eu nem Gustavo conseguimos responder à pergunta dela. Era óbvio que não estávamos bem. — Carol, leve-a para dentro, vou chamar a polícia. — O senhor Augusto avisou. — Meus filhos, onde eles estão? — perguntei, pensando na possibilidade de eles terem visto aquilo tudo. — Eles estão com a minha mãe, não se preocupe, Liz — Guilherme me tranquilizou. — Gustavo, leve a Liz lá para cima, ela está muito nervosa. Vou subir para ajudá-la — minha cunhada disse. Gustavo se levantou do chão, me pegou no colo e caminhou comigo em direção à casa dos meus sogros. Meu marido, e agora salvador, sentou-me no sofá, me beijou no rosto e saiu em direção ao lavabo, escutei o barulho de

água corrente e tive certeza de que ele estava lavando o sangue das mãos. Carol entrou logo depois, esbaforida. — Como está se sentindo? — perguntou se ajoelhando à minha frente, conferindo meus jeans rasgados nos joelhos. — Bem... — Sequei as lágrimas com as mãos trêmulas. — Não se preocupe, a ambulância já está chegando, vou pedir que os médicos venham lhe ver. Thiago e Guilherme chamaram um dos amigos do rapaz e eles vão acompanhá-lo ao hospital. — Ele está bem? Quer dizer, está vivo? — indaguei preocupada. — Sim, não se preocupe com aquele monstro. Vou fazer um chá de camomila para você, vai te acalmar. Depois posso te ajudar a tirar essas roupas. — Se ele morrer será um favor que fará a todos — Gustavo disse entrando na sala com um copo de água e uma toalha úmida. — Não diga uma coisa dessas, ele estava bêbado. — Você está defendendo o filho da puta agora, Liz? — Gustavo me entregou o copo de água, enquanto deslizava o pano úmido em meu rosto, limpando as manchas de sangue que ele havia deixado.

— Claro que não, só que se ele morrer você será o seu assassino. Nem posso imaginar isso. O que eu vou fazer com você na cadeia? — Chorei. Gustavo abandonou a toalha ao meu lado e bufou, com o corpo tomado de fúria. — Não me importo. Eu mato qualquer um que chegar perto de você de novo. Liz, ele ia lhe estuprar, porra! O que você queria que eu fizesse, sentasse e aplaudisse? — Meu marido caminhou de um lado para o outro como um animal enjaulado enquanto gritou a plenos pulmões. — O desgraçado ia estuprá-la! — Guto, se acalme, meu irmão, você está assustando-a. E Liz, ninguém vai matar ninguém. — Carol tentou nos acalmar. — Já que você está defendendo-o me conte o que aconteceu. — A insinuação de Gustavo me magoou, mas preferi não revidar devido ao fato de saber que ele estava louco de raiva. — Eu fui procurar as crianças, e como não as encontrei na árvore, fui até o outro lado da rua para chamá-los e, quando estava voltando, aquele louco me agarrou, eu tentei lutar, mas ele era muito forte, e a rua estava deserta. Eu não tinha mais forças para tentar me soltar... eu tentei, mas não consegui... Ele começou a me tocar, e me machucar — narrei entre os

soluços. — Desgraçado... — Gustavo rosnou dando um murro na parede do corredor, provocando um enorme estrondo e um grande estrago no drywall. Enquanto decidia o que fazer para acalmá-lo, um barulho de sirene invadiu a casa. Carol correu para ver pela varanda a movimentação na rua. — Eu vou matar aquele desgraçado — Gustavo ameaçou indo em direção à porta com a mão sangrando; os pingos de sangue manchando o carpete. — Gustavo, pelo amor de Deus! — gritei me levantando para impedilo. Espalmei minhas mãos em seu peito e tentei fazê-lo parar. Gustavo me segurou pelos braços verificando os hematomas que estavam se formando nos meus cotovelos, ele passou os dedos pelos meus arranhões sangrando. — Liz, ele machucou você, ele machucou você, olha isso. — Meu amor, para... por favor, já passou. — Me abracei a seu tronco na tentativa de fazê-lo me ouvir. — Gente, a ambulância já está levando o louco para o pronto socorro. Os meninos estão subindo, um médico vem com eles — Carol avisou. — Não quero médico, quero saber dos meus filhos.

— Estão com minha mãe na sua casa, para evitar que eles vejam vocês tão nervosos. Liz, querida, se acalme, certo? Não aconteceu nada de grave, o cara parece que vai ficar bem e você também, Gustavo vai se acalmar logo, logo. Vou pegar a caixa de primeiros socorros para verificar esses machucados dos dois. E, meu irmão, pare de esmurrar as coisas, a mamãe vai te matar por destruir a parede dela. — Ela foi até ao banheiro. Sequei as lágrimas sentindo meu rosto inchado, Gustavo pegou minha mão e sentou-se no sofá me puxando para o seu colo. Agarrei-me ao seu pescoço inalando seu suor. — Meu Deus, minha flor, se acontecesse algo a você... — murmurou entre meus cabelos. Pude sentir suas mãos trêmulas me segurando, e todos os seus músculos abaixo de mim retesados de tensão. Beijei seus lábios usando tudo que tinha para acalmá-lo, me afastei e peguei a toalha que estava no sofá, amarrei na sua mão para estancar o sangue, que não parava de escorrer de um pequeno corte entre seus dedos. Nós parecíamos saídos de algum filme de terror: rostos assustados, roupas sujas e manchadas de sangue. — Meu amor, agora está tudo bem — sussurrei beijando sua mão machucada.

— Nada está bem, Liz. Preciso levá-la ao hospital. A porta se abriu, meu sogro e meus cunhados entraram com as testas franzidas em companhia de um policial e um socorrista. — Liz, você está bem? Aquele idiota te machucou? — Thiago perguntou se aproximando com uma carranca no rosto. — Estou bem, só um pouco assustada. — Pedimos para o médico subir e checar você. — Thiago explicou. — Não precisa, estou bem. Ele não me machucou em tudo, só alguns arranhões. O médico se aproximou e tocou meus braços verificando os machucados. — Tem certeza de que está tudo bem? Seria interessante levá-la ao pronto socorro para fazer alguns exames. E verificar se não houve alguma concussão. — Não é necessário, ele apenas me apertou e tentou me apalpar. Tudo que quero agora é tomar um banho, e ficar com a minha família — falei essa última parte e meu peito rasgou em um soluço. Gustavo me abraçou apertado, deslizando as mãos nas minhas costas.

Seu toque, por mais simples que fosse, tinha um poder calmante, ao seu lado me sentia muito mais forte para enfrentar qualquer coisa. — Doutor, receite algo que possamos passar nos machucados, e alguma medicação para dor. Caso ela sinta algo a mais, me responsabilizo em levá-la ao hospital. — Tudo bem. Se o que aconteceu foi tudo que você me falou, não vejo nenhum problema nisso. — O médico receitou algumas medicações enquanto senhor Augusto se aproximou e apresentou o policial: — Esse é o policial Araújo, ele precisa colher seu depoimento sobre o ataque, Liz. Precisamos denunciar o agressor à polícia para que isso não se repita. — Depoimento? — perguntei assustada. — Sim, preciso que você me conte tudo que aconteceu para abrir uma queixa contra o agressor. Também preciso saber quem o espancou daquela maneira. — Quando o oficial terminou de falar, meu estômago apertou em desespero. Gustavo se meteu em uma confusão enorme por minha causa. — Fui eu — Gustavo falou sem deixar tempo para que eu justificasse o que ele fez. Gustavo era uma figura pública, dependia de patrocínios de empresas

que usavam sua imagem para vender seus produtos. Ele não podia ter sua imagem manchada por briga de rua. Ainda mais quando ele quase matou o homem, mesmo que fosse para me salvar, ele não poderia ter feito isso. — Policial, o rapaz estava me atacando, e eu não tinha mais forças para tentar me soltar de suas mãos. Meu marido apenas me salvou, ele agiu dessa forma para me ajudar — tentei explicar. — Ok, senhora. Mas me contem detalhadamente o que aconteceu. Duas horas depois chegamos em casa, exaustos do interrogatório do policial. Prometemos prestar queixa e realizar o exame de corpo delito no dia seguinte, depois que estivéssemos mais calmos. Na nossa ausência, Dona Carmen alimentou meus filhos e lhes colocou para dormir. Ela estava na nossa casa nos esperando aflita, mas, como sempre, era delicada o suficiente para saber que o que precisávamos era de espaço. Depois que conferi as crianças, lamentando não estar com eles na hora do soninho, voltei para o meu quarto e encontrei Gustavo encostado à soleira da porta. Ele me observou em silêncio com uma expressão pensativa. — Querido, merecemos um banho relaxante — sugeri jogando as sapatilhas de lado e em seguida tirando a blusa estragada. Ele resmungou alguma coisa e entrou no banheiro batendo a porta. Não

existia sinal mais claro que esse, ele precisava de um tempo sozinho. Meu coração apertou em saber que não estava bem, essa raiva que ele estava sentindo não fazia bem para ninguém. Deixei-o tomar banho em paz. Levei esse tempo a sós para agradecer a Deus por Gustavo ter chegado a tempo. O que seria de mim se ele não aparecesse? Após baixar a adrenalina, simplesmente tudo doía. No momento em que deixei escapar um gemido de dor, Gustavo saiu do banheiro ainda nu, parou na porta e olhou em minha direção. — Você está bem? Eu deveria ter insistido em levá-la ao hospital. Ainda podemos ir. — Essas foram as primeiras palavras que me dirigiu desde que chegamos em casa, ele estava muito estranho. — Estou bem, só cansada. — Você não sabe mentir, venha, vou lhe ajudar com o banho. Gustavo me ajudou a tirar minha roupa, com cuidado para não piorar meus machucados. Em seguida me pegou no colo e me levou até o chuveiro; ainda me segurando, ele deslizou as mãos delicadamente sobre meus machucados. Eu chiei de dor com o contato e seu rosto ficou ainda mais furioso. Gustavo ensaboou meu corpo e lavou meu cabelo da mesma forma que fez quando dormimos juntos a primeira vez. Nada sexual, apenas um

contato íntimo e cuidadoso. Ele se ajoelhou e olhou de perto meus joelhos esfolados, tomando cuidado em deixar a água lavá-los. Quando terminamos, ele me entregou um roupão e saiu, deixando-me sozinha no banheiro. Meu marido estava estranho e eu não estava com um bom pressentimento com relação a isso. Deitei na cama querendo muito apenas me enrolar em uma bola e esquecer essa noite, mas Gustavo sentou ao meu lado, fazendo o colchão afundar. — Beba isso. — Ele me entregou dois comprimidos para a dor. — Vou procurar algo para comermos, você não jantou. — Não estou com fome. — Você tirou a noite para mentir para mim? — Gustavo questionou e sem esperar uma resposta saiu do quarto. Desfiz-me do roupão e vesti uma camisola. Desci até a cozinha caminhando devagar por conta da dor nas costas. Gustavo estava sentado à mesa de jantar vestindo apenas uma calça de moletom cinza. A sua única companhia era um copo de uísque na mão. Caminhei com os braços cruzados sobre o peito até ele, que se virou para me olhar. E o que vi por trás daqueles olhos que tanto amava era dor.

— Era para você ter esperado no quarto, eu já estava terminando com isso aqui, mas você nunca pode fazer o que lhe é dito. — Eu vim ver o que você estava fazendo. — Fiz sanduíches de ricota e frango desfiado. Achei que fosse gostar de algo leve — Ele apontou para o prato na mesa e voltou a tomar sua bebida. Abracei suas costas, encaixando meu rosto na curva de seu pescoço, Gustavo suspirou e colocou o copo na mesa. Dei a volta e sentei-me em seu colo abraçando-o, no primeiro momento ele não retribuiu, mas logo depois passou os braços pelo meu dorso. — Não estou com fome... — informei baixinho. — Não é verdade. — Vamos para a cama — pedi beijando a lateral da sua têmpora. — Depois eu vou, Liz, estou sem sono. — Meu amor, por favor, eu preciso de você na nossa cama, agora — supliquei, me levantando e pegando sua mão. Gustavo me olhou como se aquele pedido lhe doesse a alma, após alguns segundos, que pareceram durar anos, ele se levantou e me acompanhou. Subimos as escadas de mãos dadas, e ainda pude ver como a

junta de seus dedos estavam feridas. Peguei no banheiro uma caixa de remédios e trouxe para a cama. Gustavo sentou-se ao meu lado em silêncio, alcancei suas mãos machucadas e coloquei-as no meu colo, tocando os nós dos dedos inchados e esfolados dos murros que ele desferiu no homem que me atacou. A mão esquerda estava mais inchada, devido ao soco que ele deu na parede. Nela estava se formando um hematoma azulado horrível. Beijei cada dedo e comecei a colocar pomada antisséptica e band-aid nos machucados. Igualzinho como fazia nos machucados das crianças. Apesar de saber que devia estar doendo, Gustavo não demonstrou nenhuma expressão. Ele apenas me observou como se as respostas do mundo estivessem em mim. Peguei o copo de água ainda meio cheio que Gustavo me deu mais cedo e entreguei a ele, junto com um comprimido para a dor, que coloquei em sua boca. — Mania de mãe. Meu marido engoliu sem relutar. — Você também está com machucados. Deveria ter me deixado levá-la ao hospital, ainda está em tempo, você pode ter machucado algum osso — ele disse quando já estava levantando para guardar a caixa. — Eu já passei a pomada que o médico receitou, foram apenas

escoriações. Você que deveria tê-lo deixado ver essa mão, você pode ter fraturado algum osso ou tendão. — Dei-lhe um pequeno sorriso. Ao dar-lhe as costas para sair, ele me puxou para sentar em seu colo, fitou-me atentamente, preocupado. — Deixe-me ver. — Gustavo começou a examinar meus braços e joelhos. — Estou bem — reafirmei adorando a atenção, apesar de exagerada. — Não parece, seus braços e costas estão cheios de hematomas, Liz. Seu corpo está tomado de manchas azuladas. — Amanhã vai ter sumido, Gustavo. — Peguei seu rosto nas mãos e o fiz olhar nos meus olhos. — Eu deveria ter matado aquele desgraçado, ele machucou você. Ele tocou em uma das coisas mais preciosas para mim. — Meu amor, você não deveria ter matado ninguém. Quer parar de falar isso? Já passou, não estou gostando de como você está agindo. Esse comportamento violento não combina com você. — E como você queria que eu estivesse? Eu não consegui proteger você, eu vi aquele cara atacando-a. Prestes a violentá-la à força, ali no meio

da rua. — Meu amor, você me salvou. Você me protegeu, antes disso ninguém poderia fazer nada. — Não foi o suficiente, eu não deveria ter deixado você sair sozinha do restaurante. — Claro que foi suficiente, você me salvou. Agora vamos nos deitar, não quero mais pensar sobre isso, quero esquecer essa noite. — Saí de seu colo e me deitei na cama, Gustavo me olhou por um tempo, esfregou a testa derrotado e finalmente deitou-se ao meu lado. Como sempre, me aconcheguei sobre seu peito, ele fez cafuné nos meus cabelos, enquanto inspirei o aroma de sua pele, mesmo sentindo muita dor nas costas, aquele momento foi me acalmando pouco a pouco. O calor do corpo dele foi tomando o lugar das memórias horríveis daquele homem me forçando a beijá-lo. Gustavo deslizou as mãos pelas minhas costas me confortando, ele percebeu que tudo que precisava agora era de carinho. — Gustavo? — Hum... — Eu te amo tanto, tanto. — Também te amo.

— Você me salvou. — Daria minha vida para proteger vocês, se preciso. — Eu estava tão assustada. — Eu sei, eu enlouqueci quando vi aquele homem com as mãos em você. Meu Deus, Liz, eu estava apavorado com a possibilidade de perdê-la. Nunca senti tanto medo na vida. — Mas estou aqui, graças a você. — Sempre irei protegê-la. Respirei fundo acalmando meu coração ao ouvir sua promessa. Me tranquilizava saber que ele estava ao meu lado, enquanto isso acontecesse eu seria a mulher mais feliz do mundo. H Acordei com o coração palpitando, a respiração acelerada e a cama vazia. Tive um pesadelo horrível onde estava emaranhada em um lugar no qual não conseguia me soltar, engoli o bolo que estava na minha garganta e tomei um gole da água que estava no criado-mudo para aliviar a boca seca. Levantei-me devagar, passei as mãos nos cabelos e fui procurar Gustavo. Encontrei-o no escritório sentado à mesa, desenhando; quando sentiu minha

presença, levantou a cabeça para me olhar. — Tudo bem? Está sentindo alguma coisa? — perguntou preocupado largando o lápis. — Estou bem, você está sem sono? — Sim, estava apenas tentando passar o tempo. Aproximando-me da mesa vi o rosto dos nossos filhos nos desenhos. — São muito bons — elogiei. — Estou enferrujado, só estava tentado limpar minha mente. — Estão lindos. Posso ver? — Indiquei os papéis sobre a mesa. Gustavo fez sinal para que eu sentasse em seu colo e começou a me mostrar seus rascunhos. — Amor, amei esses. Também, não tem como algo não ser perfeito tendo o rosto dos nossos filhos. Eles são lindos. — Apontei alguns esboços dos rostos dos gêmeos sorrindo. — Estou tentando voltar à prática, eu era bem melhor quando era mais novo. — Você ainda é muito bom, você não poderia ser ruim em alguma

coisa, para ser justo com os outros homens? Meu marido sorriu contra meu pescoço. — Não. — Senti sua falta na cama — murmurei. — Estava sem sono e não quis te acordar. — Gustavo encostou as costas no apoio da cadeira me puxando contra seu peito. — Volta para a cama, não precisa ser necessariamente para dormir. — Insinuei deslizando minhas mãos por seus cabelos. — Ah, não? — Ele levantou uma sobrancelha. — Não. — Beijei seu pescoço. — Poderíamos fazer o quê, por exemplo? Jogar baralho? — Não, engraçadinho, apesar de que o que podemos fazer não é necessário ser feito na cama. — Hummm... E onde seria? — Gustavo começou a beijar meu pescoço com leves mordidas. — Hum... — gemi, precisando de mais contato. — Sou louco pela sua pele... tão macia, Liz.

— Faz amor comigo... — pedi sem qualquer vergonha em implorar. — Você está machuca. — Você sabe ser gentil. — Então não precisa pedir. — Ele me colocou sobre minhas pernas me apoiando na mesa do escritório. Lentamente tocando minhas coxas, subiu devagar até alcançar a bainha da camisola de seda. — Gustavo — pedi enlouquecida, tentando fazê-lo se apressar. Ele não parecia ter pressa, levantou minha camisola e quando descobriu que eu não usava calcinha por baixo do frágil tecido, gemeu em aprovação. Fui pega de surpresa com um tapa rápido na minha bunda, me fazendo ofegar. — Deliciosa — grunhiu. Em um ágil movimento, meu marido espalhou minhas pernas, e quando percebi já estava dentro de mim, com movimentos sensuais e precisos, gememos em um prazer mútuo. Apoiei as mãos na madeira rica da mesa e tentei afastar os cabelos do rosto, jogando a cabeça para trás. Quando já chegava perto da borda, Gustavo me virou, me deixando de rosto colado com ele. — Vamos para a cama.

— Amor... — gemi em protesto. — Não quero comer você. — Não? — perguntei admirando sua enorme ereção entre as pernas. — Quero fazer amor com você, vamos para a nossa cama. Quem sou eu para reclamar? Saímos do escritório e voltamos para a nossa cama, entregamos nossos corpos ao prazer, como se isso fosse suficiente para nos fazer esquecer qualquer coisa nessa vida. Ver em quem meu Gustavo se transformou para me defender mudou algo dentro de mim, mas ao mesmo tempo me feriu; aqueles olhos não eram do homem que eu amava, e sim de um homem tomado pelo ódio, e esse sentimento me assustava de tantas maneiras. Mesmo sabendo que ele só estava tentando me salvar, tive medo quando mesmo depois de me tirar das garras daquele louco, não o vi com intenção de parar de bater no homem, ele ficou cego, só enxergava o inimigo e esqueceu-se de que aquilo poderia causar problemas para ambos. Deitamos abraçados, Gustavo dormindo tranquilamente nos meus braços enquanto o sono não chegava para mim. O dia de hoje passava em minha mente como um filme em preto e branco, me relembrado apenas dos maus momentos. As palavras de Gustavo sobre o nosso casamento, nossa

briga, e por fim, o ataque daquele homem. Nunca imaginei que uma coisa dessas fosse acontecer comigo, agora me colocava no lugar de tantas mulheres que eram violentadas de inúmeras maneiras no Brasil. E se algo acontecesse comigo? Quem ia cuidar dos meus filhos? E se Gustavo matasse aquele homem tentando me defender? E se aquele sujeito estivesse armado e matasse meu marido? Deus, são tantos “e ses” que meu peito ardia em aflição, fechei os olhos, mas o sono não vinha, sabia que meu dia seria cheio. As crianças, a casa, além de ter que ir até a delegacia registrar o boletim de ocorrência. Olhei para o relógio de cabeceira: 04:15. A dor no meu corpo se transformou em apenas um desconforto suportável, por isso resolvi começar a arrumar as coisas, não ia adiantar ficar aqui remoendo os pensamentos. Levantei-me com cuidado para não o acordar ao meu lado. Fui até o banheiro, tomei um banho rápido, coloquei uma roupa confortável e fui para a cozinha. Sentei-me em um dos bancos do balcão e passei meus olhos pelo lugar silencioso, observei a luz fraca do novo dia entrando pelas frestas das janelas. Engraçado como conseguia ver meus filhos em todos os cantos, brinquedos, tapetes emborrachados no canto da sala e fotos. Fotos minhas carregando um barrigão de gêmeos, fotos das crianças em vários meses diferentes. Fotos do dia do meu casamento, e do primeiro

aniversário das crianças. Dentre todas as fotos havia uma especial que mandei fazer um quadro em preto e braço, nela eu e Gustavo dançávamos a música Yellow, do Coldplay, no nosso casamento, ainda lembrava-me de cada detalhe. Ele em seu belo terno cinza, eu no meu vestido de noiva delicado, suas mãos deslizavam pela minha cintura, enquanto dançávamos meio desajustados por conta da minha barriga de gêmeos, Gustavo estava tão lindo e não parava de sorrir. E eu não parava de agradecer por ser tão sortuda. Quando a banda começou a cantar a música, ele deslizou os lábios bem próximo do meu ouvido, fazendo-me arrepiar, calmamente ele foi falando os versos da música, me dizendo como as estrelas brilhavam para mim. Sem dúvida, aquele foi o melhor dia da minha vida, poucas horas depois eu estava conhecendo meus filhos. E pensar que alguns anos atrás eu nunca imaginei ter tudo isso. Uma família. Com o tempo você aprendia que mesmo depois de construída, ter uma família era como cultivar um jardim: era preciso nutrir a terra, arar o solo, plantar, arrancar plantas indesejadas e esperar com paciência até o tempo certo para colher as flores. E repetir tudo de novo, para só assim voltar a sentir novamente o perfume das flores. Era um ciclo infinito.

E não irei abrir mão do meu jardim, precisarei estar disposta a acertar onde estou errando com meu marido, com meus filhos e, principalmente, comigo mesma. Ter uma família não significava esquecer quem eu era. Não podia me esquecer de querer alcançar meus próprios méritos, especialmente deixar de cuidar de mim. Caminhei até o espelho horizontal na parede oposta, olhei para o reflexo da jovem mulher em frente a ele. Vi alguém de olhos cansados, um corpo voluptuoso, e cabelos claros um pouco acima dos ombros. A imagem era familiar porque essa mulher de olhos cansados era eu, tão diferente de anos atrás. Mas algo estava mais mudado do que qualquer outra coisa relacionada à minha aparência: eu cresci. Eu era dona de uma casa, tinha dois filhos e um marido. Há muito tempo não me lembrava dos meus sonhos, dos meus objetivos, além de amar essa família. Era hora de mudar.

“O amor é proteção Em uma feroz tempestade O amor é paz No meio de uma guerra Não, o amor não é uma luta Mas vale a pena lutar por ele...” Love Is Not A Fight – Warren Barfield Gustavo Os lençóis frios me diziam que Liz deixou a cama há algum tempo, olhei para o relógio e vi que passava das dez horas da manhã, depois de usar o banheiro, fui guiado até a cozinha pelo cheiro delicioso de pão de queijo, minha mulher sabia como me fazer quebrar a dieta. Entretanto, o café da

manhã foi logo esquecido, porque meus olhos foram capturados por uma deusa, Liz estava vestida impecavelmente em um vestido azul que lhe dei de presente quando voltei de uma das minhas viagens. Em pé, de costas para mim abrindo as janelas, me deu um belo vislumbre do seu traseiro empinado. Meus filhos estavam limpos e sentados em suas cadeiras de alimentação segurando suas mamadeiras. Voltei a olhar para Liz e percebi que seus braços de pele clarinha estavam com enormes hematomas arroxeados e azuis, um punho de aço apertou meu coração em saber quem causou isso. — Bom dia! — cumprimentei entrando no cômodo, Liz virou-se sorrindo para mim, e retribuí com outro sorriso. Beijei meus filhos e caminhei até ela. — Oi, meu amor, dormiu bem? — perguntou enlaçando minha cintura. Fiz o mesmo com ela. Enterrei meu rosto em seu pescoço apreciando seu cheiro. — Perdi alguma coisa enquanto dormia? — indaguei confuso, pegando seus braços e examinando-os. — Sim, tome seu café, fiz tudo que você gosta. Pão de queijo fresquinho, bolo de cenoura, café e ovos mexidos. — Liz puxou os braços e se afastou.

— Você está bem? Pensei que fosse ficar até mais tarde na cama, depois de tudo que aconteceu ontem. — Seus olhos fugiram dos meus enquanto ela pensava em uma resposta. — Não quero me abater e perder meu dia pensando no que aconteceu. Cheguei à conclusão que é perda de tempo. — Liz, não foi uma bobagem que aconteceu ontem. Foi sério. Olha para você! Precisamos arrumar uma desculpa sobre o que falar para as crianças, elas irão perceber esses hematomas. — Eu já contei — ela disparou. — E o que você disse? — Que levei um tombo da escada. Balancei a cabeça irritado, apesar de tudo que aconteceu ontem, nós precisamos mentir para justificar às crianças os machucados da minha mulher. Eu realmente deveria ter matado aquele imbecil engravatado. Segurei seu rosto próximo ao meu e procurei em seus olhos o medo que vi ontem dentro deles. Eu fui um idiota durante o choque de vê-la sendo violentada. Liz não merecia minha apatia. — Eu queria te pedir desculpa pela forma que agi ontem, eu perdi o controle. Não sei lidar com o risco de perdê-la. Ainda mais depois da cena

que presenciei. Ver aquele idiota com as mãos em você... — Eu sei, querido, eu entendo. Agora vá tomar seu café. — Liz me beijou e se afastou me indicando a mesa. — Que horas fez tudo isso? — Faz um tempinho, não pude esperar para comer com você. Precisei resolver uma coisa. Acabamos de chegar, na verdade. — Para onde vocês foram? — perguntei me sentando próximo a Arthur para começar a tomar meu café. — Fui prestar o depoimento — Liz respondeu baixinho para que apenas eu escute. — O quê? Por que você não me esperou? Você poderia ter me acordado, Liz — ralhei irritado só de pensar em minha mulher em um lugar como aquele. Ainda mais sozinha! — Quer se acalmar? — Liz olhou para as crianças apreensiva que elas percebessem o clima. — Eu quis fazer isso sozinha, não queria te acordar cedo para lhe fazer lidar com coisas como aquelas. Fui muito bem atendida, se você quer saber. O policial me falou que o acusado não irá prestar queixa contra você por agressão, então, não era necessário seu depoimento, isso só iria dar o que falar na imprensa, uma coisa dessas não seria boa para sua

imagem. Enfim, tudo deu certo no final. — E você acha que é assim, Liz? Estou pouco me lixando para a minha imagem. E onde as crianças ficaram? Você levou meus filhos numa delegacia? E o cara se safou de boa? Depois de quase estuprar você? Olha os seus braços, você está toda machucada! — xinguei baixinho. Liz inspirou profundamente antes de começar a me explicar: — Gustavo, as crianças ficaram com a sua mãe, Carol me acompanhou à delegacia enquanto falei com o delegado, foi bem rápido e não passamos mais que vinte minutos lá dentro. E sobre o maluco, ele estava muito bêbado, e afirmou ter me confundido com outra pessoa. O delegado queria abrir um inquérito contra ele, mas ele aceitou não registrar queixa contra você caso eu não o denunciasse. E foi o que eu fiz. Proteger sua imagem era mais importante no momento do que processá-lo. O delegado informou que caso ele passasse pelo menos perto do nosso bairro, ele iria reabrir o caso. — O quê? Liz? Como você decide algo desse tipo sem me consultar? Porra, o cara é um violentador, só Deus sabe o que ele faria se eu não tivesse chegado. Porra de mulher teimosa! — Bati o punho contra a madeira da mesa assustando Liz e fazendo as crianças nos olharem de olhos arregalados. — Gustavo... — Liz murmurou.

— Preciso de um tempo — resmunguei e saí da cozinha em pisadas fortes. Porra! Sei que não deveria ter agido assim na frente das crianças, mas oh mulher teimosa dos diabos! Como ela podia achar que minha carreira era mais importante que sua segurança? O cara estava atacando-a como um porco maldito, ele não iria deixá-la ir, mesmo que continuasse implorando, e Liz simplesmente liberou o cara, contanto que ele não abrisse a boca que bati a merda fora dele, pouco me importava a minha imagem, merda! Respirei profundamente enquanto olhei a rua pela varanda, no fundo eu sabia que ela só quis me proteger, ela sabia o quanto o esporte era importante para mim, mas nunca seria mais importante do que ela e nossos filhos. Lentamente deixei a adrenalina da raiva evaporar pelos meus poros, dei um último suspiro e fui falar com ela para me desculpar por ter sido rude na frente das crianças. Voltei à cozinha, pedi desculpas aos meus filhos por ter ficado chateado na frente deles e fui até Liz, que estava em pé encostada no balcão da cozinha com os olhos parecendo piscinas de lágrimas não derramadas. — Me desculpe, agi sem pensar. — Fiz minha melhor cara de arrependido e enlacei sua cintura com minhas mãos, amando o fato de que elas envolviam o corpo da minha esposa perfeitamente, como se tivesse sido

feitas para isso. — Não quero que me proteja, eu que tenho obrigação de cuidar de vocês. Sinto muito se fui grosso, ainda não me conformo de você não ter me chamado. Liz me olhou atenta, tocou meu rosto e sorriu. — Eu preciso que esqueça essa história, para que eu possa esquecê-la também. Não quero gastar meu tempo pensando no horror que passei, quero gastar o tempo que tenho com você sendo e fazendo você feliz. — Me perdoe, minha flor, mas em momentos como esses, eu gosto de ser consultado, eu sou seu marido. — Tudo bem. Agora trate de comer que hoje é dia de piquenique, as crianças estão ansiosas. Liz me deu as costas e foi pegar as mamadeiras vazias dos gêmeos. — A princesa da mamãe comeu tudo, parabéns, filha — ela falou beijando Laís. A pequena de olhos azuis sorriu mostrando os dentinhos brancos. Meu coração pulou de alegria em ver como as mulheres da minha vida eram lindas. — E você, garotão? Comeu tudo, filho? Deixe a mamãe ver. — Liz pegou a mamadeira, balançou o objeto na frente do rosto para conferir, e em seguida fez uma expressão de alegria e começou a beijar Arthur, ele bateu

palminhas em diversão por ter agradado a mãe. — Muito bem, meus bebês tomaram toda a vitamina, agora vamos apressar o papai que já está tudo pronto no carro para irmos ao nosso piquenique. Liz me deu um sorriso travesso erguendo as sobrancelhas para a mesa, e aí que percebi que tinha que me alimentar. Eu não me cansava de olhá-la, admirá-la, amá-la, desejá-la e querer sempre mais do que ela podia me dar. Nunca é suficiente, nunca é demais. Comi maravilhado uns sete pães de queijo, tomei meu café e uma enorme fatia de bolo. Subi correndo as escadas, peguei uma camisa e desci para irmos ao tal passeio que ela preparou. — Querida, quer ajuda? — chamei enquanto terminava de descer as escadas. — Já está tudo no carro, só me ajude com as crianças. — Liz pegou Arthur no colo, tirando-o de sua cadeirinha de alimentação. Não sei como ela conseguia fazer tudo isso: cuidar dos meninos, limpar a casa, fazer comidas tão deliciosas e ainda ter tempo de ser linda e gentil com todas as pessoas que cruzam seu caminho. Peguei Laís e a segui em direção ao carro na garagem. — Quando voltarmos vou preparar um jantar especial. Podemos tomar

um vinho e jogar conversa fora, sua mãe disse que não vai abrir o restaurante hoje. Então, teremos uma noite divertida. Terminei de colocar as crianças nas cadeirinhas, conferi se as fivelas estavam bem fechadas e abri a porta para minha esposa entrar. Percebi que havia algo de diferente, Liz estava mais enérgica, se não fosse os cotovelos e joelhos esfolados e os horríveis hematomas em sua pele, com certeza ninguém imaginaria que ela passou por tudo aquilo ontem. — Por que tantos eventos assim de uma hora para outra? — perguntei estranhando sua reação. Imaginei que ela estaria triste e assustada hoje, mas tudo que encontrei foi uma Liz cheia de energia. — Porque você vai viajar, precisamos aproveitar e as crianças adoram o lago. E nossa família adora nossa casa — respondeu afivelando o cinto de segurança. — Está tudo bem mesmo, Liz? — indaguei de repente muito curioso com o que estava acontecendo. Liz não sabia mentir. — Sim. — Ela estava com um imenso sorriso. Esforcei-me a acreditar, que depois de tudo ela estivesse bem, porque eu ainda estava puto e com muita vontade de cometer um assassinato cada vez que olhava para os seus braços marcados.

Dei partida no carro e segui a estrada, Liz se remexeu no banco e ligou o rádio. Com o ar-condicionado e o balançar do carro, nossos filhos em pouco tempo caíram no sono. Minha mulher cantava baixinho, olhando para fora da janela enquanto tamborilava os dedos no apoio. O dia em Minas estava ensolarado, Liz tinha razão, não aproveitar o dia seria um grande desperdício. Nesse fim de manhã de sexta-feira, comecei a pensar como seria passar um mês longe deles, a lembrar-me de tudo que aconteceu ontem, minha mulher sendo atacada por um homem imundo daqueles me partiu o coração. Deixá-los sozinhos não seria uma decisão fácil, não ficarei tranquilo nunca mais, depois ter visto aquilo. — Tenho algumas novidades — Liz avisou. — E você não vai me contar? — Deslizei uma mão pela pele macia da sua coxa. — No jantar, eu conto... estou tão animada! — Liz cruzou as pernas afastando minha mão e voltou a cantar baixinho, desafinada, a música que saía dos alto-falantes. Mil e uma possibilidades passaram pela minha cabeça, não tinha a menor ideia do que podia ser a novidade. Tentei não pensar tanto e confiar na minha mulher. Minha mente já estava cheia de coisas que não queria pensar:

em deixar minha família por um mês, no que eu disse a Liz, na vontade que eu tive de matar aquele filho da puta que a atacou, em deixá-la sozinha. Agora queria apenas aproveitar meu dia com as pessoas que mais amava nesse mundo. Continuei dirigindo, sem deixar de sorrir em ver Liz tão tranquila, mesmo depois de quase ter sido violentada por um psicopata. Liz tinha uma força sobre-humana dentro dela, não podia negar, minha flor já passou por coisas tão terríveis, como: abandono, morte, sentimento de culpa, solidão. Mas continuava de pé, acreditando na vida, principalmente em mim. Minha Liz tinha razão quando dizia que a vida dela se resumia aos meus filhos. Vê-la cuidando tão bem dos meus tesouros enchia meu peito de orgulho e gratidão. Nunca poderia dar a eles uma mãe maravilhosa como ela, apesar de toda insegurança que ela tinha quando descobriu a gravidez, após o nascimento dos gêmeos ela os protegia como uma mãe, uma fera. E era bem sexy vê-la sempre pronta a atacar quem ousasse tocar nas nossas crias. Chegamos ao lago com o sol a pino no céu azul-turquesa, ajudei Liz a descer e comecei a descarregar da pick-up a cesta que minha mulher preparou cheia de comidas, e as bolsas com as coisas das crianças. Liz acordou as crianças com beijos, bastou que eles percebessem onde estávamos para os gritos de ansiedade ser ouvidos. Coloquei as coisas embaixo da árvore aonde

iremos nos sentar, para poder ajudá-la a carregá-los. O lago estava lindo, as árvores cheias de folhas verdes, o capim fresco e a água límpida, o cheiro de relva e capim-limão deixava o lugar maravilhoso. Quando já estávamos instalados embaixo da copa da árvore, Liz reaplicou repelente e protetor solar nas crianças, que não paravam de se mexer tagarelando tudo que iam fazer. Gargalhei pelo olhar atrapalhado de Liz em tentar segurar Laís para que ela não fosse para o sol sem proteção, enquanto Arthur pulava na sua frente sem deixá-la aplicar o produto. — Ei, meus amores. Que tal facilitar as coisas para a mãe de vocês. Já falamos sobre como o sol pode machucar a pele. Vamos fazer assim, vocês deixam Liz aplicar o protetor em vocês, como um rapaz e uma mocinha que eu sei que vocês são, e depois nós passamos protetor na mamãe? — Vedade, mamãe? — Arthur perguntou. O rosto da minha mulher ganhou um tom de vermelho escuro, e ela confirmou com a cabeça. Tirei a camisa sem deixar de reparar o olhar que Liz lançou para mim com aqueles olhos pidões e provocadores que tanto me excitavam. Olhos de desejo. Ela terminou sua tarefa com as crianças com muito mais facilidade.

Depois que estavam todos protegidos, aguardei a hora de apreciar o show. Liz levantou o vestido pela cabeça revelando um pequeno biquíni rosa, que me fez amaldiçoar a ideia de ter trazido as crianças, porque meu pau deu sinal de vida em ver o quanto ela estava perfeita dentro dele. O busto era tomara que caia, o que deixou seus seios ainda mais arrebitados, o tecido os segurava firmemente e minha cabeça parecia ter um disco arranhado, me dizendo que precisava tirá-los daquele aperto. E a calcinha era apenas um minúsculo triângulo que se segurava em seu corpo com laços nos quadris. Porra, estou fodido! Laís e Arthur saltaram para o protetor solar adorando a ideia de sujar a mãe com a coisa pegajosa. Mas agora, queria me chutar nas bolas por ter tido essa ideia. Essa era uma coisa que eu queria fazer sozinho. Apliquei o produto entre seus seios, e bunda, enquanto os gêmeos se divertiam melando todo o rosto de Liz do cosmético branco. Pressionei meu quadril em sua bunda, mostrando a ela o que essa simples brincadeira fez comigo, mas só ganhei uma olhada recriminatória por cima do ombro. Alguém pode me culpar por ser humano? As crianças pularam na margem do lago jogando água um no outro, enquanto Liz caminhou até mim com um olhar cheio de segundas intenções. — Você não pode simplesmente pressionar sua ereção na minha bunda

na frente dos nossos filhos quando sabe que não posso fazer nada sobre isso, e depois fingir que nada aconteceu. — Eu tenho sangue nas veias, mulher. E você parece que está vestindo um dos biquínis da Laís, de tão pequena que é essa coisa. Liz gargalhou e olhou para as crianças alheias a tensão sexual se formando entre nós. — Tire a bermuda! É hora da minha vingança. Eu poderia negar um pedido desse? Claro que não. Joguei o short perto das mochilas das crianças, ajeitei meu pau duro na sunga e fiquei entregue á sua mercê. Liz pegou o protetor, mas não deslizou na mão para poder aplicar em mim. Ela pingou o creme gelado contra minha pele pegando fogo. O que me fez tremer com cada toque do produto. A situação na minha sunga ficou insuportável. Como se ainda não se desse por satisfeita, depois que eu estava todo lambuzado, suas mãos deslizaram pelo meu peito espalhando o protetor, seu rosto tomado por um sorriso malvado. Provocadora. Liz só parou depois de aplicar protetor até nas minhas panturrilhas, costas e bunda. Na bunda foi um caso à parte, porque minha mulher enfiou as mãos por dentro da sunga e apalpou desavergonhadamente minhas nádegas. Usei cada grama de sanidade para não comê-la ali mesmo, mas ainda era

muito cedo para ensinar as crianças sobre reprodução humana. Então, pegueia sobre meu ombro e a joguei na água. O que fez as crianças caírem na gargalhada. Liz nadou até mim, e plantou um beijo apaixonado em meus lábios, depois se virou e foi até nossos filhos. Brincamos na água até que Liz determinou que já bastava para não pegarmos uma gripe. — É hora de almoçar, crianças! — Liz distribuiu nossos sanduíches e sentou-se distribuindo os sucos a cada uma das crianças, que discutiam com quem ia ficar o de uva. — Arthur, você sabia que o Homem-Aranha toma suco de laranja toda manhã? — ela perguntou. — Lalanja? — Ele fez uma careta. — Sim, ouvi falar que suco de laranja ajuda a deixar os músculos fortes. Não é, Gustavo? — Liz lançou a bola para eu intervir. — Sim, por isso eu tomo suco de laranja sempre que posso. — Pisquei para o meu garoto, que, sem birra, agarrou o suco e abocanhou seu sanduíche. Sempre ficava embasbacado em observá-los, dinheiro nenhum no mundo pagaria por isso, por estar ao lado deles. E lembrar que um mês inteiro iria me afastar dessa bagunça me dava um aperto no peito. Toquei o colar que Liz me deu antes deles nascerem, o pingente com as fotos da minha

família era para mim como um amuleto da sorte. Já estava cansado de estar longe, de não poder vê-los todo dia, ouvir o som das suas risadas, brincar com eles, cuidar e protegê-los. — Papai, papai. — Laís me acordou dos pensamentos. — Oi, filha. — Limpei a boca com um guardanapo. — Vamos bincar de bola? Eu já comi. — Ela me mostrou um sorriso sujo de molho de tomate. — Só se você me prometer que não vai me fazer passar muito vexame, papai é maior perna de pau — brinquei apanhando a bola e correndo pelo campo aberto. Já era fim da tarde quando Liz começou a juntar nossas coisas. Ajudeia com o coração partido por ter que ir embora, queria que meus filhos amassem esse lugar tanto quanto eu amava quando meu pai nos trazia aqui. Quando eu não sabia o que eram as coisas ruins da vida. Dirigi de volta para casa com crianças muito sujas e cansadas no banco de trás, e um pai acabado por não aguentar acompanhá-los na cadeira do motorista. Minha mulher olhou para mim daquele jeito provocador que sempre fazia. — Está muito cansado, Motoqueiro?

— Nada que um banho não resolva. — Balancei as sobrancelhas, provocativo. — Banho? Que pena. Tinha planos para limpar você, inteiro. — Ela passou a língua pelos lábios, como quem via uma suculenta torta pelo vidro da loja de doces. — Nesse caso o banho pode esperar. — Engoli em seco com o pensamento de Liz com aquela língua em lugares inimagináveis. Ela sorriu satisfeita com o resultado da provocação, pegou o celular no porta-luvas e começou a mandar mensagens para alguém, que não consegui ver quem era. Após alguns minutos de risadinhas dela e dedos ágeis teclando, desviei o olhar do trânsito e perguntei enciumado: — Posso saber o que é tão engraçado, que você não possa compartilhar comigo? — Toquei seu cotovelo para chamar sua atenção. — Nada de mais. — Ela voltou a teclar no aparelho, ignorando meu toque. — Liz... — falei em um tom mais alto. — O que foi? — Quer parar de me ignorar? — pedi entredentes. Meu orgulho

masculino diminuiu um palmo por precisar implorar. — Sabia que você é muito ciumento, Motoqueiro? — Você não me respondeu, com quem você está falando? — Você é um tanto possessivo às vezes — Liz disse com uma meia risada, estendendo as pernas no painel do carro. Tirei uma mão do volante e alcancei sua coxa nua, ela continuou a ignorar meu toque, remexendo o corpo no ritmo da batida da música. Queria rir, mas Liz estava me irritando tanto que tentei me manter no controle. — Liz, por favor, quer parar de ser infantil e me dizer com quem está conversando todo o caminho? Ela desviou os olhos do celular, olhando-me com aquela expressão “Sério mesmo?”. — Não estou sendo infantil e por você ser tão chato, não vou dizer. — Usei meu autocontrole para manter minhas mãos no volante e não lhe dar umas palmadas na bunda para aprender a falar comigo, mas fiz uma nota mental de cobrar respostas mais tarde. H À noite, minha casa estava cheia de pessoas sentadas na mesa de jantar

caprichosamente preparada pela minha mulher. Meus irmãos, meus pais e meu cunhado conversavam animadamente. Minha afilhada brincava com meus filhos correndo de um lado para o outro da casa, enquanto meu pai se divertia com eles. Liz fez questão de cozinhar nosso jantar quando chegamos, cuidei dos gêmeos enquanto ela preparava sua massa com camarões e cogumelos, que me fisgou pelo estômago no dia em que nos conhecemos. A cada segundo estava mais ansioso para saber sobre quais novidades Liz se referiu mais cedo. Uma pulga se instalou atrás da minha orelha em querer descobrir com quem ela estava conversando no carro com tanto ânimo, tinha certeza de que tinha a ver com o segredo que ela não quis me contar. — Pessoal! — Liz chamou nossa atenção batendo com um garfo na taça de vinho, que bebericou durante todo o jantar. Minha mãe sorriu apoiando sua taça na mesa para escutar, meu pai sentou-se ao seu lado ansioso para ouvir. Meus irmãos deram risada. — Bom, eu tenho algumas novidades que gostaria que vocês soubessem — Liz cantarolou, parecia um pouco alta por conta do vinho, ou talvez fosse apenas a ansiedade em contar o que quer que ela estivesse escondendo. — Oh, meu Deus, querida! Não me diga que vou ter outro neto? —

minha mãe perguntou levando a mão ao coração. Outro bebê? — Não, nada disso... pelo menos não que eu saiba — tratou de esclarecer. Que pena! — Então o que é? Para que tanto mistério, fala logo, Liz! — Carolina pediu sorrindo. Não sei por qual motivo meu coração começou a bater acelerado, senti que suava, minha perna começou a balançar embaixo da mesa em um ritmo descompassado. Minha mulher sorriu, procurando meu olhar, quando os encontrou, passou as mãos no cabelo e limpou a garganta. Ela estava linda, se pelo menos fosse um pouco menos fantástica eu poderia me concentrar melhor em ouvi-la, do que reparar na sua beleza. — Eu queria contar a vocês que... eu resolvi voltar a trabalhar. Todos giraram o pescoço e olharam para mim, esperando minha reação com a notícia. Porém, meus olhos estavam fixos na loira sorridente à minha frente. Não soube o que dizer, minha mulher resolveu voltar a trabalhar e não trocou uma única palavra comigo para saber minha opinião sobre o assunto. Eu nunca iria impedi-la de voltar a trabalhar, mas o que custava ela me

comunicar antes de tomar a decisão? Minha mãe percebeu o clima que se instalou na mesa, olhou-me pedindo calma. Liz permaneceu me fitando com ansiosa esperando uma reação, não mais rindo como antes. Agora ela me observava com um sorriso amarelo desconcertado. — Cunhada, que coisa boa, quando você volta? — Carolina quebrou o silêncio. — Segunda-feira, ainda não tenho certeza, vai depender da adaptação das crianças — Liz respondeu sem desviar os olhos de mim. — Mas quem vai cuidar dos gêmeos? — Thiago perguntou. — Elas vão para um berçário, eu já pensei em tudo. — Que boa notícia, cunhada, fico muito feliz. Não deixe o homem das cavernas do meu irmão estragar sua conquista. — Guilherme falou voltando a tomar seu vinho. Franzi a testa, ainda incrédulo por toda a situação, Liz ia colocar meus filhos em uma creche sem ao menos ter um pouco de consideração em comunicar-me ou perguntar o que eu achava a respeito, e ainda deixava para me contar aqui, na frente de todos, como se eu não passasse de um integrante qualquer da família. Senti-me um estranho dentro da minha própria casa.

Levantei-me e subi as escadas em silêncio, sentindo os olhos das sete pessoas à mesa perfurando minhas costas. Mas foi melhor assim, eu não estava pronto para discutir todas as novidades na frente da minha família. Entrei no quarto, sentei-me na cama e fiquei ali, digerindo as notícias e pensando o que fazer a partir delas. Eu ia viajar, Liz ia trabalhar e eu nem sabia onde as crianças ficarão, a não ser ainda mais sozinhas. A porta se abriu e meu pai surgiu na soleira, preocupado. — Posso entrar, filho? Fiz um gesto com a cabeça confirmando. Meu pai caminhou pelo quarto e sentou-se do meu lado na cama. Lembrei-me de que há alguns anos em hipótese alguma iria imaginar essa cena, o homem que me abandonou há tanto tempo, o mesmo homem a quem doei meu rim me fazendo carregar essa cicatriz para o resto da vida, estaria aqui sentado na minha cama me aconselhando. — Tudo bem, amigo? — Ele bateu o ombro no meu. — Não sei. — Fui sincero. — Filho, Liz não merecia essa atitude.

— E eu não merecia ser tratado como um estranho pela minha mulher. — Guto, todo mundo sabe que a Liz te ama, filho. — Eu sei, pai, mas o que custava ela me comunicar? Ela vai colocar nossos filhos em uma creche. E não teve a coragem de perguntar minha opinião, são os nossos filhos... Meu pai respirou fundo e passou a mão no meu joelho me confortando. — Meu filho, eu não estou aqui para lhe julgar. Só peço que esfrie a cabeça e converse com a sua mulher. Tenha paciência, não cometa os mesmos erros que eu e sua mãe cometemos. Veja tudo o que a gente perdeu, não seja burro como eu fui. Casamento é sinônimo de paciência, muita paciência, mas principalmente amor. — Meu pai se levantou me deixando sozinho para refletir sobre suas palavras.

“Sei como você se sente por dentro Já passei por isso antes Algo está mudando dentro de você E você não sabe Não chore esta noite...” Don’t you cry – Guns N' Roses Liz

Depois que Gustavo subiu, a noite que era para ser de comemoração chegou ao fim. Percebendo o clima, meus cunhados me parabenizaram pela novidade e pouco a pouco foram dando desculpas e indo embora. Thiago foi mais atencioso, porque antes de ir veio até mim se solidarizar pela situação.

— Liz, mais uma vez parabéns, você é uma grande profissional, seria mesmo um desperdício tê-la fora do mercado de trabalho. — Acho que seu irmão não acha a mesma coisa — lamentei-me. — Gustavo não lida bem com mudanças. Dê-lhe um tempo, às vezes ele se esquece quem é a mulher ao seu lado — disse olhando dentro dos meus olhos, sorriu sem graça e se despediu com um beijo na minha testa. Meu sogro subiu para falar com meu marido e desceu pouco tempo depois, Dona Carmen foi muito prestativa e me ajudou a limpar as coisas do jantar enquanto Carol olhava as crianças. Uma Carolina muito chateada foi embora com o marido e a filha após querer subir e falar umas “coisas” para o irmão. Eu insisti que deixassem a falta de educação de Gustavo para lá. Mas a alegria de outrora deu lugar ao constrangimento. Terminei de colocar as crianças na cama e voltei para a sala de estar onde Dona Carmen me esperava para se despedir. — Obrigada, Dona Carmen, pela ajuda com a louça. — Liz, querida, sente-se aqui. — Ela bateu no lugar vago no sofá ao lado dela. — Fico muito feliz que você tenha decidido voltar a trabalhar. Quando tive as crianças, essa decisão não foi fácil. Mas não deixa de ser importante, ainda mais sabendo a mãe maravilhosa que você é para os meus

netos. Sei que deve estar sendo muito difícil para você. — A senhora não faz ideia, mas nada me doeu tanto do que ver a atitude do Gustavo. Pensei que ele iria ficar feliz por mim. — Tem razão, Gustavo agiu muito mal, minha querida. Mas coloque-se no lugar dele, Liz. Você tem que entender que meu filho é seu marido e pai dos meus netos. Ele precisa estar ciente sobre qualquer decisão que você tomar, que vá mudar a rotina da família. Não estou defendendo-o, de jeito nenhum. Eu mesma vou puxar suas orelhas quando eu tiver a chance, mas lembre-se de que casamento é comunhão. — Mas, Dona Carmen, eu achei que ele ficaria feliz com a surpresa. Eu preciso fazer da minha vida muito mais que cuidar das crianças e da casa. Preciso voltar a ter sonhos que não envolvam as crianças ou meu marido. — Sequei uma lágrima fina, que caiu. — Ele mesmo disse que não estava feliz com nosso casamento, acho que a rotina está lhe cansando. — Não chore, você tem todo direito de conquistar sua carreira, você é jovem e merece isso. — Dona Carmen, estou perdendo meu marido... Justo no momento que ele devia me apoiar a recomeçar minha carreira. — Claro que não, Liz, meu filho ama você.

— Eu sinto, ele não está feliz. E eu não sei como mudar isso. Minha sogra me abraçou enquanto eu deixei a emoção me levar, era tão bom desabafar com alguém que eu sabia que só queria o nosso bem. — Querida, escute, meu filho é louco por você. E digo isso com plena e absoluta certeza, porque aquele homem teimoso saiu daqui de dentro de mim. Ele pode ter atitudes estúpidas, mas não se pode negar que te ama como um louco. O que meu filho quer, Liz, é ficar mais próximo de você. Duas crianças não são fáceis de cuidar, eu sei. Filhos podem afastar o casal. Mas por que não conversa com ele? Fale o que está lhe magoando, minha querida, e escute-o. Despedimo-nos, e vi minha sogra ir embora caminhando pela rua de mãos dadas com meu sogro, que estava lhe esperando o tempo todo no terraço enquanto conversávamos. Levantei meus olhos para o céu estrelado; sempre que fazia isso lembrava-me da história que Gustavo me contou. Onde ele me disse que o céu era como uma colcha de estrelas que Deus nos presenteou para sabermos que nunca estamos sós, que, como um pai carinhoso, Ele nos cobria antes de dormirmos. Inspirei fundo sentindo a brisa da noite, precisava criar coragem de subir e enfrentar meu marido, agir como uma adulta e falar sobre as coisas. Não me conformava por ter sido tão ingênua. Conhecendo meu marido como conhecia, como pude não ter

pensado que ele ia gostar de opinar sobre minha decisão? Desde o começo da nossa relação Gustavo se mostrou controlador, estava claro que ele não ia aceitar saber junto com todos os outros. Um vento frio passou por mim, assanhando meus cabelos e causando um arrepio frio na espinha. Não gostava nada dessa sensação, já a senti antes. Tranquei a porta da varanda, caminhei devagar pela casa apagando as luzes e subi as escadas. Abri a porta do quarto devagar e vi Gustavo deitado. Mas pela forma que seu peito subia e descia em um ritmo controlado, percebi que ele estava dormindo. Fiquei ali parada admirando seu rosto firme ressonando. Tão perfeito. Sorri tristemente, nossa conversa teria que esperar para amanhã. Tomei um banho rápido, troquei de roupa e me deitei na cama onde Gustavo continuava imóvel. Ele estava de lado, com o rosto virado para o quarto e de costas para mim. Aproximei-me dele abraçando sua cintura, ficando de conchinha contra seu corpo. Senti a respiração dele ficar mais rápida com a minha proximidade. Nunca fomos dormir brigados, sempre fizemos questão de conversar e nunca levar mágoa para a cama. A nossa cama era o nosso lugar sagrado da casa. Mas hoje foi diferente, ele dormiu chateado comigo, e isso me deixou profundamente triste, meu coração guerreava entre meu orgulho ferido e

minha necessidade de estar perto dele. Desde o dia em que Gustavo entrou na minha vida, ele se tornou minha maior fraqueza, literalmente meu calcanhar de Aquiles. Estar longe dele nunca foi uma opção agradável, me feria mais do que qualquer coisa. Aproximei meu rosto do tecido da sua camiseta e inspirei seu cheiro, levei a mão aos seus cabelos macios, meus dedos por puro costume faziam cafuné em sua cabeça morena. Fechei os olhos sentindo o cheiro confortável do algodão misturado com o cheiro único de Gustavo, mas minha tranquilidade foi quebrada quando ele se soltou do meu abraço. — Agora não, Liz. — Gustavo afastou-se de mim como se meu toque lhe queimasse a pele. — Gustavo... — Vou dormir em outro cômodo. — Ele pegou o lençol e se levantou. Sem raciocinar, corri em direção à porta do quarto e travei o caminho estendendo as mãos de um lado e outro da porta. — Você não vai sair desse quarto, Gustavo. Aja como um homem que é e me enfrente. — Liz, me deixe passar — pediu passando as mãos no rosto, irritado.

— Gustavo, fala alguma coisa! Grite, me diga desaforos, mas não me ignore dessa maneira, você ainda é meu marido, mesmo que não esteja feliz com isso! — explodi, sentindo as lágrimas pinicando os meus olhos. — Ah, agora sou seu marido? — perguntou com um sorriso sarcástico. — Pelo amor de Deus, Liz, como você quer que eu reaja? Estou tão puto com você que prefiro dormir com meus filhos a ter que te encarar agora. Porque juro por Deus, que você passou da porra de todos os limites. — Você está criando um bicho de sete cabeças porque não lhe comuniquei que queria retomar minha carreira. Quando eu mesma não sendo a maior fã de motocross, apoio e torço por você, porque esse é o seu sonho. — Liz! Estou profundamente cansado dessas coisas! — Gustavo gritou me assustando, me encolhi contra a porta de olhos arregalados. Ele começou a andar pelo quarto como um leão raivoso, abracei-me com o corpo tremendo de raiva e frustração pela minha noite ter terminado dessa maneira. Não sabia como consertar as coisas, quando pensava que estava fazendo a coisa certa, o tiro saía pela culatra. Fui atingida pelo pânico e me deixei levar pela adrenalina do momento, arrastei as costas contra a porta e sentei no chão com o rosto apoiado nos joelhos. Pela minha visão periférica vi Gustavo parado olhando para mim.

— Minha flor... — sussurrou se abaixando ao meu lado. Uma raiva iminente percorria minhas veias, levantei-me sem deixá-lo me tocar, entrei no banheiro e tranquei a porta atrás de mim, sentei na tampa do vaso e desabei. Comecei a pensar em tantos casamentos fracassados que conhecia, lembrei-me dos meus sogros, que passaram tanto tempo se amando a distância devido ao orgulho ferido. Lembrei-me do casamento dos meus pais e de suas inúmeras brigas, onde minha mãe chorava a noite toda. Comecei a me enxergar nela, aqui, trancada no banheiro como tantas mulheres faziam, procurando respirar um pouco de ar que não tivesse o cheiro do Gustavo. Quando é que um casamento começa a acabar? Será que tem como enxergar e prever antes de finalmente estar tão difícil que a única opção é cada um viver sua vida? Agora eu sabia, que quando as crises de um relacionamento se aproximavam, você não tinha como se prevenir tomando uma vitamina C como quando sentia que ia pegar um resfriado. Quando você se dava conta de que seu casamento estava doente, já era tarde demais. Gustavo começou a bater na porta do banheiro com gritos desesperados, as pancadas contra a madeira pareceram acertar meu cérebro, que latejou de dor. Queria que, pelo menos em alguns momentos, ele não fosse tão intenso, e simplesmente me desse algum tempo sozinha com meus pensamentos.

— Liz, abre essa porta! Fui até a pia, lavei o rosto e respirei fundo para oxigenar meu cérebro. Quando meu coração batia mais devagar e minhas mãos estavam mais firmes, abri a porta e agi como a adulta que eu era. Flagrei Gustavo com os olhos desesperados em pé olhando para mim, passei por ele e sentei-me na cama. — O que porra você pensa que está fazendo, Liz, você quer me enlouquecer, é isso? Por que se trancou no banheiro? — gritou em minha direção. — Primeiro, pare de gritar — pedi seca. Ele me olhou consternado, mas mantive a postura. — Segundo, se deseja conversar como um adulto, sente-se, não vou gritar. Gustavo abriu a boca para retrucar, mas rapidamente desistiu, atendendo ao meu pedido. — Liz... — ele falou, mas lhe cortei. — Terceiro, as mulheres falam primeiro. Seja o cavalheiro com quem me casei e me escute. Deixe-me falar. — Tudo bem. — assentiu. Seu rosto não tinha mais a mesma raiva de

um segundo atrás, agora seu semblante era de cansaço. Desde que ele chegou da sua última viagem, as coisas não paravam de acontecer. Tão rápido que mal nos deixava digerir um problema antes de chegar outro. — Não sei o que fazer para consertar as coisas, Gustavo. Pensei que você fosse gostar de saber que quero voltar a trabalhar, que decidi fazer as coisas por mim mesma. Nunca imaginei que você simplesmente iria me deixar plantada na frente da sua família sem me dirigir uma única palavra. Você me machucou, Gustavo, eu pensei que ficaria feliz por mim — comentei com a voz embargada. — Eu só queria mostrar a você que quero ser a Liz de antes, com um trabalho ao qual me dedicar e um futuro a trilhar, não quero passar o resto da minha vida dependendo de você. No começo entendi que era passageiro, afinal, temos dois filhos que precisam de mim o tempo inteiro. Mudei meu foco para cuidar da minha família da melhor forma possível, cuidando das crianças, da casa e do meu marido. Tudo bem que agora não sei mais se terei um marido provedor por muito tempo, porque você deixou claro que não está feliz, então, quando isso acontecer, quero estar pronta. Meu motoqueiro cabeça-dura olhou para mim como uma fera, sua íris escura e brilhante estava repleta de raiva contida. Sua mão coberta de tatuagens segurou meu queixo fazendo com que nossos olhos se

encontrassem, e aconteceu. Eu vi na sua raiva o quanto Gustavo tinha pavor em perder o controle. Seu toque não era gentil, era forte, possessivo, cheio de palavras não ditas, mas que a força que ele usava para respirar me contava tudo. Notei que eu era uma fraca, porque tudo que mais queria era subir em seu colo e esquecer tudo isso. — Meu Deus, mulher, você me enlouquece. Você me faz perder a cabeça, Liz. Que história é essa de que não serei mais seu marido? Que bobagem é essa? Você está misturando tudo. Quando disse que queria mais de você, significa que quero mais do seu tempo. Não quero que se sinta uma escrava, sempre limpando, correndo atrás das crianças e cuidando de mim. Eu sei me cuidar sozinho, mas ficaria muito feliz se você tivesse tempo para mim. Quero que saia uma tarde com suas amigas, vá ao shopping, gaste meu dinheiro, faça aula de artesanato, seja lá o que for... Eu quero que você se sinta feliz e não obrigada a cuidar da gente. Contrate pessoas, faça o que for preciso, mas quero mais de você — ele disse deslizando os lábios nos meus. Mas me afastei. — Eu não vou negar que adoraria ter um tempo para mim, mas isso não é fundamental na minha vida. — Deveria, quero que você se cuide, Liz. — Isso que estou tentando fazer... já estava planejando organizar as

nossas rotinas, para poder conciliar com meu trabalho no abrigo. Mas nada disso justifica você ir dormir brigado comigo. Você estava com nojo do meu toque, Gustavo. O que mais você quer para ferir meu coração? — Liz, se eu não te amasse, não tinha quase matado aquele idiota ontem e acabado com a minha vida. Mas por que você nunca age como se fôssemos um casal? Depois do que aconteceu ontem, você foi até a delegacia sozinha, sem me comunicar, como se eu não fizesse parte do que aconteceu. Como você quer que eu me sinta? Um estranho, Liz, é assim que me sinto. Depois você me comunica que vai voltar a trabalhar e que vai colocar nossos filhos em uma creche. Mas em algum momento você se perguntou o que eu iria achar disso? Nem ao menos eu sei onde você vai trabalhar. Será que você não vê que as pessoas que formam um casal não tomam atitudes por si mesmas? Tudo que faço com relação a minha carreira, você é sempre a primeira a saber. Gustavo fez eu me sentir culpada, mas ele tinha razão. Ele sempre insistiu que eu chamasse alguém para me ajudar com as crianças, depois implicou para que eu contratasse alguém para a faxina. Eu que sempre recusei ajuda, sempre achei que daria conta, porque gostava de cuidar deles. E quando ele disse que sempre pedia minha opinião era verdade. Ele sempre me consultava sobre o que fazer a respeito de tudo.

— Meu amor... — Gustavo tocou meu braço me fazendo encará-lo, aquelas esferas cor de mogno me fitaram brilhando, não mais cheias de ódio, e sim de compreensão. — Liz, eu nunca vou deixar de amar você. Nunca. Você me ouviu? Assenti com a cabeça, fazendo biquinho e usando toda minha força de vontade para não desabar na frente dele de novo. — Me desculpe, eu fui uma estúpida, mas você me magoou, tivemos um dia tão bom hoje, achei que seria uma boa ideia contar a vocês todos a novidade, nem me atentei que você poderia querer saber antes. — Venha cá. — Gustavo me ajudou a sentar no seu colo, passei meus braços por seus cabelos bagunçados. — Olhe, quando falei que quero a Liz de antes, não estou falando para você esquecer que temos uma família. Mas que você organize o tempo para que possamos passar mais tempos juntos, não quero te culpar de jeito nenhum. Mas você sabe que estou sempre viajando e quando chego, o que mais quero e matar a saudade dos meus filhos e de você. E nunca vou te achar nada menos que uma mulher sensacional. Você é perfeita de tantas maneiras que nem posso contar. Funguei o nariz em seu pescoço e apenas escutei meu marido.

— Eu quero mais sexo, quero momentos só nossos, não pedi para você trabalhar. Não pedi para colocar nossos filhos em uma creche. Não que você não possa trabalhar, muito pelo contrário, só que as crianças precisam de você, elas ainda vão fazer quatro anos. E eu também preciso de você, muito. — Suas palavras eram como canções de amor, meu peito pouco a pouco foi desacelerando e minha tristeza se dissipando. Gustavo tocou seus lábios nos meus. Apesar dos anos e das mágoas, o gosto do seu beijo a maneira que me sentia em seu colo e seu vigor ainda eram os mesmos, e eu o amava do mesmo jeito. — Eu te amo, tanto — sussurrei entre os beijos úmidos. — Eu também te amo, loira. Agora quer me dizer onde você vai trabalhar e com quem você estava falando ao celular? Sorri e beijei novamente meu motoqueiro, passei uma das mãos pelas suas costas fortes, e com a outra puxei seus cabelos, meu marido gemeu em aprovação. Gustavo caiu de costas na cama em um entrelaçado de mãos e beijos ardorosos, cheios de amor, muito, muito amor. Quando já estávamos quase cochilando exaustos, meu marido me chamou: — Querida? — Hmmm... — gemi preguiçosa.

— Não vou mais para os Estados Unidos. — Ele beijou as marcas roxas nos meus braços. — O quê? — Levantei a cabeça para olhá-lo melhor. — Não quero me afastar depois do que aconteceu com você na porta do restaurante da minha mãe. Não vou ficar descansado, não consigo parar de ver aquela cena na minha cabeça. — Amor, sua mãe já colocou mais segurança no restaurante. Já foi tudo resolvido, o cara só estava bêbado e me confundiu com alguém, só isso. — Liz... Já decidi. — Mas, amor, não precisa desistir da viagem. — É sério, Liz. Não vou conseguir focar na competição. — Gustavo, não quero que deixe de fazer as coisas por minha causa. Não é justo. — Eu falei com a minha mãe, para sempre que eu tiver que viajar um dos seguranças do restaurante te acompanhar até em casa. — Gustavo, não precisa disso. — Liz, eu não vou conseguir ficar tranquilo. — Respirei fundo, frustrada pelo marido controlador que eu tinha, mas decidi que me sentiria

realmente mais segura. Além de achar fofa sua preocupação. — Tudo bem, mas só concordo se você me prometer que não vai desistir dessa competição. Promete? — pedi ansiosa. — Você não tem jeito, não é? — Ele sorriu me beijando. — Não... — neguei contra seus lábios. — Agora me conte sobre esse trabalho. — Ah, foi uma coincidência na verdade. Padre Benedito me ligou pela manhã para pedir minha ajuda com o abrigo que ele apoia. — Sim, já ouvi falar. — O abrigo recebe crianças órfãs, ou que foram abandonadas pelos pais. E o padre ajuda nas orientações jurídicas como pode, também incentivando o acolhimento dessas crianças na comunidade, é um trabalho muito bonito. Ele pediu minha ajuda sobre um caso de uma das crianças que está em processo de adoção. Acabei confessando a ele que meu sonho era poder trabalhar em um lugar como esse. — E ele, que não é bobo nem nada, te convidou? — Sim, fiquei tão animada. Ele me deixou muito à vontade com relação ao horário por conta dos gêmeos, sei que não vou ganhar nenhuma

fortuna, nem era de se esperar isso de um abrigo que sobrevive de doações, mas vou fazer o que realmente gosto. Ajudar as crianças que precisam — respondi com um brilho nos olhos de animação. — Estou feliz por você, querida, me desculpe novamente. — Está desculpado. — Beijei-lhe os lábios. — Em que horário você vai trabalhar? — Gustavo deslizou as mãos pelas minhas coxas. — Ele me deixou à vontade para escolher, inicialmente como tem muitos processos em atraso e muito trabalho, seriam todos os dias pela manhã, ou à tarde. Ele deixou ao meu critério, e quando as coisas estivessem encaminhadas só seriam três vezes por semana. — Realmente é um horário muito bom. Era com o padre que você estava falando tão entusiasmada ao telefone? — Sim, seu bobo. — Beijei a pontinha do seu nariz. — Cheguei a pensar que eu tinha concorrência. — Gargalhei pelo seu jeito sincero. — A competição seria injusta, é que tenho uma queda por motoqueiros morenos de olhos castanhos, fortes e bons de cama.

Gustavo cobriu minha boca com um beijo, abafando minha gargalhada divertida.

“E quando você sorri O mundo inteiro para e fica olhando por um momento Pois, garota, você é incrível Do jeito que você é...” Just The Way You Are – Bruno Mars Gustavo Senti um beijinho na ponta do nariz, pisquei os olhos afastando o sono e encontrei os pares de olhos mais lindos do mundo, Laís e Arthur estavam em cima de mim, risonhos, mostrando suas janelinhas. Sorri e sentei-me na cama, procurei meu outro par de olhos preferidos e encontrei Liz, segurando uma bandeja de café recheada, sorrindo para mim. Vestindo minha camiseta e um micro short jeans.

— Bom dia, papai! — meus filhos gritaram, juntos com a mãe deles. — Bom dia, meus amores — respondi sem conseguir conter um riso. — Trouxe nosso café para comermos todos juntos na cama, queremos que seu último dia antes de viajar seja perfeito. — Boa ideia, minha flor. — Abracei meus pequenos, que começaram a pular na cama e alcancei o selinho que Liz me deu antes de me entregar a bandeja. — Crianças, cuidado... — Liz chamou a atenção de Arthur e Laís, que pulavam como pipocas no colchão. — Filhos, não quero que vocês se machuquem, sentem-se — orienteios. — Papai, o Tutu que começou — Laís falou apontando para o irmão. — Eu sei, filha, mas você também estava pulando, sentem e escutem a mamãe. — falei beijando-lhe a cabeça morena. Minha flor sentou-se ao meu lado ajudando as crianças a sentar. Admirei a bandeja recheada com bolo, pão, queijo, frutas da época e suco. Essa mulher não cansava de cuidar de mim. Ela entregou os copos decorados com tampa para as crianças, tomamos nosso café curtindo a alegria de

estarmos juntos. Como eu daria tudo para não me afastar nenhum minuto deles. Depois de toda a bagunça que o café da manhã foi, com direito a farelos e suco derramado por toda a cama, todos se salvaram. Meu dia foi curti-los, passamos a manhã na piscina, depois aproveitei o cochilo à tarde dos meus filhos para aproveitar a companhia da minha mulher. Amei seu corpo e sua alma, para que quando não estivesse aqui ela ainda pudesse se lembrar de mim. Fomos jantar no restaurante dos meus pais, para poder me despedir deles. Peguei-me observando o ambiente, o salão cheio, pratos sendo servidos, taças e copos tinindo, música ambiente movimentando o lugar, risadas e conversas animadas em todas as mesas. Na nossa mesa meus filhos estavam cada um no colo de um tio, minha irmã cochichando no ouvido do marido, meu pai com minha afilhada no colo servindo-lhe bolo de chocolate, minha mãe sorrindo conversando com meu cunhado. E minha mulher olhando para mim encantada, a observá-los. — Olá, moreno — ela falou fazendo graça. Tirei a mão de cima da mesa onde segurava a taça e apoiei em sua faixa de coxa nua, o toque daquela pele macia instantaneamente aqueceu o sangue nas minhas veias.

— Oi, loira. — Fiz charme. — Vem sempre aqui? — perguntou me dando aquele olhar, que conhecia há tanto tempo. E que há muito não via. Minha mulher queria brincar. — Sim, mas esse lugar nunca tinha sido tão bem frequentado — respondi olhando em seus olhos azuis e arrastei os dedos na parte superior de sua coxa, o tecido fino de crepe me dava total acesso. Senti Liz ficar tensa, na posição que estávamos ninguém poderia ver o que eu estava fazendo a minha esposa. Mas sabia que ela não estava à vontade com isso. — Você é bem atrevido para um primeiro encontro. — cochichou colocando a mão sobre a minha. — Só com as bonitas. — Liz levantou uma sobrancelha provocativa, passou a língua nos lábios rosados que tanto eu era viciado e disse arrebitando o nariz: — Você é péssimo em cantadas. — Mas sou bom no que importa. — Me aproximei ainda mais de seu rosto. O hálito quente de Liz me causou arrepios. Encarei aqueles olhos expressivos e tão profundos, e esqueci onde estávamos, passei as mãos por seu rosto e abocanhei sua boca com ferocidade. Liz gemeu baixinho, deliciada pelo ataque repentino, seus dedos

passaram pelos meus cabelos me puxando ainda mais perto. Seu gosto era como o mais raro manjar, quem o provasse viveria na dependência por mais, sempre mais. Acordei do nosso transe ao barulho de uma tosse constrangida. Afastei-me do rosto de Liz e procurei de onde veio o maldito som. Thiago estava com o rosto vermelho e a testa franzida para nós em reprovação. Se ele não fosse meu irmão, poderia jurar que sua expressão era de puro ciúme. Mas afastei esse pensamento da cabeça e tratei de me desculpar. Afinal, na mesa havia crianças de olhos arregalados para nós, meus pais e pessoas próximas deram pequenas risadinhas. — Me desculpem. É que não resisto a essa mulher. Olhem para ela, vocês podem me culpar? — Dei de ombros. — Gustavo, tenha um pouco mais de respeito — meu irmão mais velho falou irritado. — Já pedi desculpas, não sabia que beijar minha esposa fosse crime. — Me deem licença. — Thiago jogou o guardanapo na mesa e saiu em passos apressados para o escritório. Toda a mesa observou a cena intrigada pela sua reação. — O que diabos deu nele? — Guilherme perguntou sorrindo. — O homem estava soltando fumaça pelas ventas. — Carol fez

chacota. — Carolina! — Murilo, meu cunhado, a repreendeu. — Deve estar com algum problema. Deixem o garoto em paz. — meu pai tentou justificar. Um sentimento estranho se alojou em meu peito, Liz levantou-se ainda vermelha de vergonha e pegou uma Laís sonolenta no colo de Guilherme. — Querida, leve-a lá para cima — minha mãe pediu. — Ah, obrigada, Dona Carmen, mas acho que já está na hora de irmos. Gustavo vai viajar amanhã bem cedo. — Vamos levá-lo ao aeroporto, filho — minha mãe se ofereceu. — Mãe, a empresa mandará um pessoal me buscar, iremos no avião comercial, faz parte do marketing. Darei entrevistas durante o voo para o material publicitário. — Viu isso, Augusto? Fico tão orgulhosa do nosso menino. — Mamãe choramingou buscando a atenção do meu pai. — Tivemos muita sorte. Nossos filhos são maravilhosos — meu pai completou arrancando um sorriso orgulhoso da minha mãe. — Guilherme, ajude Liz a levar o Arthur para casa, o segurança vai

acompanhá-los. Eu vou falar com Thiago, ele não me parece bem. Tudo bem, querida? — Liz confirmou, levantei-me e dei um beijo nela, me despedi de todos e fui esclarecer esse ataque de Thiago. Quando abri a porta do escritório, meu irmão mais velho estava de costas olhando o céu através dos vidros da janela, seus ombros estavam tensos, os braços cruzados sobre o peito demonstrando cansaço. — Ei, cara. — Aproximei-me. Thiago se virou para mim, seus olhos estavam vermelhos e aflitos. — Oi, aconteceu alguma coisa? — ele indagou. — Vim ver o que houve para você sair correndo da mesa daquele jeito. Está acontecendo alguma coisa? Thiago me encarou por um instante, abriu a boca para falar, mas se arrependeu. Ele caminhou passando por mim e sentando-se em sua cadeira de couro marrom, por trás da mesa de madeira polida. O escritório era pequeno em comparação ao restaurante, mas bem construído, minha mãe deixou o lugar moderno, realçando objetos em cores sóbrias e sofisticadas, entretanto pessoal e confortável para quem precisasse passar horas trancado aqui dentro trabalhando. — Então, vai me falar o que está acontecendo? — perguntei sentando-

me na cadeira à sua frente. — Não foi nada. Estou apenas cansado. — Thiago, eu te conheço há bastante tempo e nunca te vi agir daquela maneira. — Não foi nada, já falei. — Será que preciso te dizer que não sou mais um moleque? — Tudo bem... — Ele jogou as mãos para cima em sinal de rendição. — Estou preocupado com algumas coisas que estão acontecendo no restaurante, mas nada que deva se preocupar. — Finanças? O restaurante parece cada dia mais cheio, se for grana posso emprestar... — Não, não é nada disso. Só alguns problemas com fornecedores. Mas já estou resolvendo, só isso. — Não consigo acreditar, mas tudo bem. — Olhe só para você, um homem me dando conselhos. — Meu irmão tentou forçar um sorriso, mas senti que ele soou sincero. — Não foi só você que cresceu.

— Tenho orgulho do homem que você se tornou. — E eu tenho sorte de você ter sido como um pai para mim. Meu irmão coçou a cabeça e sorriu. Mas o sorriso não chegou aos olhos. — Bom ver que você e a Liz se resolveram. — Não senti confiança em suas palavras. — Nós conversamos e consertamos as coisas. Nós sempre consertamos a merda. — O que você fez ontem não foi legal. Liz é uma mulher fantástica, realmente única, você seria cego se não enxergasse isso. Aquela sensação horrível tornou a aparecer, olhei para Thiago e não consegui discernir o que essas palavras significavam para ele. Percebi que estava sentindo ciúmes de ouvir outro homem que não eu elogiando-a, mesmo que fosse meu irmão. — Eu sei as qualidades da mulher que tenho. — Olhei diretamente para seus olhos, buscando captar qualquer sinal do que estava acontecendo, senti um bolo na garganta se formando com uma sensação muito ruim de desconfiança me dominando.

Vi-o engolir em seco, desconfortável. Levantei e me despedi com um abraço aguado e fui para casa. O que será que aconteceu hoje à noite? Meu irmão nunca mentiu para mim, sempre falamos abertamente sobre as coisas, o que será que ele está escondendo? H Abri a porta de casa e me surpreendi com o lugar cheio de velas aromáticas, um cheiro afrodisíaco de canela e baunilha estava por toda parte, no meio da sala Liz estava em pé, vestindo apenas uma lingerie de cinco peças vermelho sangue, contendo: corselete, calcinha, cinta-liga e meias, além de um salto assassino preto verniz e em suas mãos um chicote de couro. Fiquei parado de boca aberta admirando e literalmente babando pelo mulherão com quem eu me casei. — Está pronto? — perguntou sensual caminhando lentamente até mim. — Eu posso saber para quê? Liz parou na minha frente, bem próxima do meu rosto, mordeu o lábio inferior e falou como um gemido de tão provocativo. — Para me dar prazer. — Minha mulher apoiou as mãos no meu peito, me guiando até o sofá fazendo-me sentar. Liz estava a própria diaba, vestida para matar em vermelho. — Eu estou no controle — disse sentando-se em

mim com cada joelho na lateral do meu quadril, ficando montada sobre minha pelve. Seus lábios traçaram rastros úmidos pelo meu pescoço. Gemi querendo mais, levantei a mão para tocá-la, mas ela bateu na minha mão com o chicote. — Não me toque — ordenou. — Liz, as crianças. — Lembrei-me de que meus filhos podiam nos ver aqui, expostos na sala. — Estão dormindo com os anjos. Temos a casa para nós. Agora tire a camisa. Engoli ansioso e tirei a camiseta pela cabeça, jogando-a em algum lugar que não consegui ver. Liz levantou-se do meu colo espalhando beijos por todo meu peitoral. Arrepios de prazer percorreram meu corpo como formigas. Minha diabinha particular levantou-se, saiu rebolando aquela bunda deliciosa em um mísero fio dental de renda até o som. Ela apertou um botão e uma música sexy começou a tocar pela casa, eu reconheci a voz de Beyoncé cantando sensualmente Haunted. Liz virou-se e quando eu pensei que seria impossível ela me deixar mais excitado, seu corpo apetitoso começou a se mover no ritmo sensual da canção. Seus quadris requebraram lentamente, Liz não tirou os olhos de mim enquanto

isso, passou as mãos sinuosas pelas suas curvas apetitosas. Ela caminhou a passos lentos, ficando um pouco mais próxima para me deixar enxergá-la melhor devido à baixa iluminação. Sua mão alcançou um fecho secreto na lateral do corselete e com um simples gesto a peça caiu no chão, revelando aqueles belos seios pesados e suculentos, me dando água na boca. Alcancei o fecho da calça, abri o zíper e comecei a me tocar para não pular em cima dela e estragar o show. Ela continuou com seu strip como uma profissional, a versão desinibida de Liz virou-se de costas, virando a bunda para mim e remexendo-se como a coisa mais sensual que já vi na vida. Certa vez Liz lembrou-me a deusa Circe, e agora a vendo assim, não conseguia imaginar qualquer outra coisa para compará-la. Era simplesmente a coisa mais linda que já vi, os reflexos das velas na sua pele clara deixavam-na como um anjo travestido em pecado. Lentamente baixou a calcinha, deixando o micropedaço de renda cair em seus pés, ficando apenas de saltos, meias e cinta. Liz se virou e caminhou até mim, levantei do sofá ainda sem fôlego e estendi as mãos para tocá-la. — Parado. Fique em pé bem aqui. — Ela indicou o meio da sala. Fiz sem reclamar. — Agora tire a roupa. — Obedeci suas ordens como um submisso

experiente. Liz rodeou meu corpo passando as cerdas do chicote de couro negro pela minha pele, quando estava nas minhas costas, ela se afastou e bateu na minha bunda, me dando um pequeno susto. Safada! — Hmmm... Liz — gemi com a queimação que o couro causou. — Cale-se, você tem se comportado muito mal. — Me comportei, é? — Muito mal, eu é que mereço sentir prazer, não você. Ajoelhe-se! — ela mandou me dando outra chicotada, dessa vez na barriga. Saltando faíscas em direção ao meu pau. Ajoelhei-me enlouquecido com a brincadeira, era um homem controlador, essa minha característica também era comum no sexo. Sempre dominei, sempre gostei da sensação de tê-la para mim, de saber que ela era minha. Mas não negava que ficar de joelhos tão vulnerável para Liz estava me excitando como nunca poderia imaginar. Minha mulher colocou uma perna sobre meu ombro, arranhando minhas costas neste gesto com o salto do sapato, deixando-me com o rosto pressionado contra seu núcleo.

— Me chupe! Agora. — Obedeci, deliciado com a oportunidade em sentir seu sabor adocicado, o cheiro da sua excitação era demais para meu controle, agarrei a bunda dela com força trazendo-a mais próximo do meu rosto, Liz gemeu em prazer. — Meu Deus, Liz, você quer me enlouquecer? — Assoprei contra sua boceta sensível, sabendo que era um estimulante. — Gustavo, eu preciso... por favor, querido. — Eu sabia pelo que ela estava implorando, Liz estava quase lá. Eu conhecia suas reações como a palma da minha mão. E atender suas necessidades era minha obrigação de vida. — Se entregue pra mim, Liz. — Continuei torturando-a revezando entre chupar, lamber e morder seu clitóris. Com um grunhido rouco minha mulher explodiu convulsionando. Peguei-a no colo, subi as escadas levando-a ao nosso quarto, quando a deitei na cama percebi que esse mês que ficaria longe seria o pior martírio que viveria nessa vida. Seus cabelos espalhados sobre os lençóis, seus olhos marejados olhando para mim, ansiosos por mais. Meu peito se encheu de medo em perdê-la. — Amor, o que foi? — perguntou preocupada, franzindo aquela testa bonita.

— Só estou te admirando, eu sou um filho da puta sortudo. Ela sorriu maliciosa, caí em cima dela penetrando-a até onde humanamente consegui, mas querendo desesperadamente adentrar a sua alma, marcá-la como minha. A aliança em sua mão não era o suficiente, nosso casamento não era o suficiente, meu sobrenome em sua assinatura não era suficiente. Eu queria possuir seu corpo, controlar seus pensamentos, sentimentos e sonhos. Controlei meus desejos por que não queria assustá-la, mas sabia que no fundo o que sentia por Liz não era apenas amor. Era possessão. Dois rounds depois Liz adormeceu sobre meu peito, passei as mãos nos seus cabelos macios, peguei uma mecha e levei ao nariz. Flores. Como eu amava essa mulher, apertei-a ainda mais contra mim, faltavam quatro horas para eu deixá-la por um longo tempo, e senti que nunca estaria preparado para isso. No canto do quarto vi minhas malas prontas. Fechei os olhos e fiz uma prece a Deus, para que esses dias longe dela fossem tão rápidos como os dias que passava com ela.

“Você é a avalanche Um mundo distante Meu faz-de-conta Enquanto estou acordada...” Salvation – Gabrielle Aplin Liz Observei o fim de tarde chuvoso pela janela, as folhas das árvores balançavam incessantes com os pingos de chuva raivosos do início de verão. O vento forte sacudia como se quisesse bater o pó das folhas. Lembrei-me da casinha de passarinhos que meus filhos estavam encantados do outro lado da rua. Como devia ser difícil para a mamãe passarinho proteger seus filhos da fúria da natureza. Um tufão de vento embaralhou meu cabelo, espalhando-o por todo o

meu rosto. Fechei a janela e fui fazer um café enquanto esperava as crianças acordarem. Meu marido foi embora na van do patrocinador bem cedo. Ainda nem sabia como iria suportar esses dias sem ele aqui, mas pelo bem das crianças continuarei nossa rotina. Preparei meu café, sentei-me à poltrona no canto da sala, alcancei um livro na mesa de centro e comecei a folhear as páginas. A bebida quente terminou de aquecer meu corpo, que mesmo com meias e moletom não estava quente o suficiente. A lembrança do abraço do meu marido me fez sorrir, abraçá-lo era tão reconfortante, era como se eu me reconectasse com minha outra metade, o que faltava em mim. Devolvi o livro, peguei o celular e resolvi ligar. Desbloqueei a tela e fui recepcionada pelo meu moreno de olhos cor de uísque sorrindo para mim, abraçado com nossos filhos, como protetor de tela. Apertei chamar e aguardei, no segundo toque ele atendeu. — Minha flor. — Oi, querido, só queria conferir se você chegou bem. — Só de ouvir sua voz aqueceu mais coração do que qualquer roupa que eu pudesse vestir. — Sim, chegamos há algumas horas. Acabei de chegar ao hotel, você iria adorar o lugar, a Big Apple continua linda e alucinante, como sempre. — referiu-se a Nova Iorque, no fundo senti uma pontinha de inveja, sempre quis poder viajar para lá e conhecer o Central Park, o Brooklyn e tantos lugares que

foram cenários para tantos livros e filmes que já vi. — Que bom, meu amor, aqui está chovendo bastante, fico mais tranquila que você já tenha chegado. — Estou bem. Me conte das crianças? Já estou com saudades. — Estão no cochilo da tarde. Eles ficaram muito manhosos depois que você saiu — referi-me ao chororó do Arthur procurando o pai pela casa. Foi de partir o coração, mas não precisava informá-lo disso, não queria deixá-lo se sentindo culpado. — Liz, vou fazer o check-in no hotel, assim que me alojar no quarto eu volto a ligar. — Claro, me desculpe atrapalhar. — Não atrapalhou, foi bom falar com você. Te amo. — Também te amo. — Despedi-me e ouvi-o encerrar a ligação. Seriam longos dias, precisava focar em outras coisas que não me fizesse pensar que o homem da minha vida estava a milhares de quilômetros, rodeado de americanas lindas e muitas fãs. Terminei meu café, quando estava levando a caneca à cozinha ouvi a campainha tocar. Apoiei a louça na pia e fui atender a porta, por segurança olhei primeiro pelo olho mágico e me deparei com um par

de olhos verdes conhecidos. Thiago. Abri a porta sorrindo para a visita inesperada. — Oi — Ele falou com um sorriso de canto de boca. Thiago continuava muito bonito no estilo homem de negócios. Com cerca de 1,90m de pura testosterona, mantinha ombros largos, quadril estreito e pernas longas dentro de um belo terno cinza chumbo sem gravata, a barba rala por fazer dava-lhe um ar mais descontraído, e os olhos verdes dóceis acrescentavam-lhe um pouco de humanidade. Ele realmente era um bom pedaço de homem. Mas por vezes me perguntei o porquê dele estar sempre sozinho, em todo esse tempo apenas duas vezes o vi na companhia de mulheres, a primeira vez foi no meu aniversário há um ano, e da outra vez foi em um jantar de comemoração à recuperação do senhor Augusto. As duas moças eram morenas e lindíssimas a seu modo, tive a impressão que ele tinha preferência pelas morenas. Sempre tive a suspeita de que ele e Cris tivessem se envolvido em uma de suas visitas, mas ela sempre negou e deixou claro que se sentiu atraída pelo Guilherme, mas simplesmente não aconteceu. — Olá, a que devo a visita do meu cunhado? — Convidei-o a entrar. Percebi que seu terno estava com alguns respingos de chuva, e seu cabelo sempre bem cortado e penteado estava desfeito e molhado.

— Vim saber como você está — respondeu um tanto sem graça. — Vem, sente-se, você está todo molhado, veio andando nesse vendaval? — Fui pegar uma toalha na dispensa. — Foi só uns pingos. Entreguei-lhe a toalha, servi-lhe uma xícara de café com um pedaço de bolo de coco que fiz mais cedo e sentei-me na outra cadeira da mesa da cozinha. Olhei para ele curiosa pela visita. Thiago sempre foi um bom homem, gentil e atencioso comigo e com as crianças, sempre admirei o irmão maravilhoso que ele era, sua relação com Gustavo era linda. Cheia de admiração e respeito. Queria ter tido um irmão como ele. — Não precisava — ele disse enlaçando a alça da xícara com o dedo. — Acabei de fazer, não custa nada. Veio saber do Gustavo? — perguntei. — Não, quer dizer, também. Bom, eu vim saber como você e as crianças estão, e se meu irmão chegou bem. — Eu e os meninos estamos bem, acabei de falar com Gustavo, eles já chegaram a Nova Iorque, graças a Deus. — Percebi que ele estava me encarando como se esperasse por mais palavras. — Que bom — Thiago sussurrou sem tirar os olhos dos meus. A atitude do

meu cunhado me deixou completamente sem graça. — Liz... — Hum? — perguntei sem entender o que estava acontecendo. — Quero que saiba que... — Ele parou. — O quê? — Você pode contar comigo, para o que precisar. Eu quero muito te ajudar com as crianças enquanto meu irmão não está aqui. E se sentir medo ou qualquer coisa, devido ao que aconteceu na outra noite, não hesite em me chamar. — Senti sinceridade em suas palavras, sorri e agradeci. — Obrigada, Thiago, pela atenção, mas eu e as crianças estamos bem. — Minha mãe e meus irmãos não querem que você se isole aqui sozinha com as crianças, vá almoçar e jantar conosco, vá para a casa da minha mãe, meus sobrinhos gostam tanto de brincar com meus pais. — Ele cobriu minha mão com a sua, meu instinto foi de tentar puxá-la de seu domínio, mas não vi o porquê de fazer isso. Thiago só estava sendo cavalheiro e gentil como sempre, minha mente imediatamente fez a comparação com o toque do Gustavo, nenhum outro homem me tocou assim além dele. Quando meu marido tocava em qualquer lugar do meu corpo, mesmo que não fosse um toque sexual, como era o caso de agora, minha pele aquecia. A mão do meu cunhado sobre a minha não causou nada, além de

estranhamento. — Tudo bem. — Puxei discretamente minha mão. — Se você precisar de algo, Liz, é só me chamar. Você tem meu número, tudo bem? — Claro, família é para essas coisas. — Sorri e percebi que o rosto de Thiago ficou pálido. — É... Eu vou indo. — Ele levantou-se indo em direção à porta. — Obrigada, Thiago. — Até mais, Liz — ele se despediu e foi embora, me deixando sem entender muita coisa. O resto do dia passou lentamente, brinquei com as crianças, cuidei do jantar, telefonei para a Cris, que prometeu vir me visitar daqui a alguns dias. Quando deitei na cama vazia, uma saudade desmedida me invadiu. Como eu queria meu marido aqui comigo, levantei-me, fui até o guarda-roupa e peguei uma de suas camisas e vesti, seu cheiro gostoso invadiu minhas narinas. Voltei para a cama, comecei a me perguntar por que ele ainda não ligou, passei o resto do dia com o celular por perto, e nenhuma ligação. Ele devia estar dormindo, a viagem foi longa e passamos a noite anterior muito ocupados. Fechei os olhos e lembrei-me de suas mãos na minha pele, de seus beijos, seus gemidos de prazer.

Meu Deus, como eu amo aquele homem. Acordei de supetão com o celular tocando. Gustavo.

“E as coisas lindas são mais lindas Quando você está Hoje você está Onde você está As coisas são mais lindas...” As Coisas Tão Mais Lindas – Cássia Eller Gustavo

A viagem foi longa, passei todo o caminho dando entrevistas, gravando vídeos e posando para mil fotos para a campanha publicitária. Eles também enviaram uma jornalista americana chama Kathy Stuart, enviada exclusivamente para me acompanhar durante o torneio. Kathy era uma morena descendente de espanhóis, muito bonita, mas não tanto quanto minha Liz. A ideia da equipe de

marketing era fazer um making off do evento para uma revista de esportes radicais de grande circulação nos Estados Unidos e no Brasil ao qual ela trabalhava. Sabia que Liz não ia gostar da ideia de ter uma mulher vinte quatro horas na minha cola, mesmo que fosse a trabalho. Eu poderia ter lhe contado a novidade quando ela me ligou mais cedo, mas não queria chateá-la logo no primeiro dia. Irei arrumar uma forma de lhe contar, que não cause uma catástrofe. Passei o restante do dia terminando de me instalar e verificando os locais de treino. Estava morto, meu corpo quebrado de cansaço do voo. Mas meu dia ainda não tinha terminado, a equipe do patrocinador nos informou que tínhamos que participar da festa de lançamento do evento. Tudo que eu mais queria era poder recusar, só que uma cláusula do contrato especificava estar disponível para todos os eventos, então eu não tinha escolha. A festa foi um saco, muita gente, música alta, muita bebida e mulheres. Não bebi porque amanheceria morto, e tudo que mais queria era estar bem amanhã para conseguir uma boa colocação no ranking mundial. Fingi sorrisos para as inúmeras fotos, conversei com empresários, jornalistas do mundo todo, alguns atletas de outras modalidades e alguns concorrentes de outros países. Era uma boa tática para exercitar meu inglês. Quando cheguei ao quarto do hotel por volta da meia-noite, caí na cama e liguei para minha mulher. Tocou algumas vezes antes dela atender com a voz de

sono. — Alô? — Liz, me perdoe, não queria lhe acordar. Esqueci-me que temos algumas horas de diferença. — Oi, amor, não me importo. Queria mesmo ouvir sua voz, como foi seu dia? — Me desculpe não ter podido falar com você quando ligou mais cedo. Acabei passando o resto do dia muito ocupado. — Não se preocupe, querido, está tudo bem — disse baixinho. — Cadê nossos filhos? — Estão dormindo, estamos bem. — Saber disso não me deixa com menos saudade. — Fui sincero. — Parece que já faz dias que você está longe. — Tem razão. O que aprontaram hoje? — Brinquei com as crianças de cabaninha, com um lençol e as cadeiras da mesa de jantar. — Ela riu. — Não acredito que perdi.

— Sim, com direito a índios na mata e uma onça muito brava. — Assim vou querer voltar amanhã mesmo para casa. Uma onça? Eu amo onças e índios. Liz sorriu com a minha brincadeira e ficamos em silêncio por alguns minutos, apenas ouvindo a respiração um do outro. — Gustavo — sussurrou. — Oi, minha flor. — Amo você — minha mulher falou com a voz doce, e foi como um beijo de um anjo. — Também amo muito você e as crianças. Amanhã ligo mais cedo, quero muito falar com meus pestinhas. — Amor, não diz isso. — Tem razão, meus anjinhos. — Assim está melhor. Durma bem, querido. —Te amo. — Ouvi Liz desligar. Apoiei o celular no móvel ao lado da cama e apaguei, nem me dei o trabalho de tirar o terno.

“Você com seus olhos tristes Não se desencoraje Eu entendo É difícil ter coragem...” True Colours – Cyndi Lauper Liz

O meu dia começou cedo, não consegui voltar a dormir depois que falei com Gustavo. Ouvir sua voz me deixou carente, sua falta era tão grande que me adoecia o corpo. Enquanto as crianças dormiam, passei um café, sentei-me na bancada da cozinha e resolvi dar uma olhada nas notícias. Assim que a página do site carregou, dois pares de olhos cor de mogno me encaravam, a foto do meu marido acompanhado de uma bela morena em uma festa era manchete do jornal.

Meu coração acelerou, todo o meu corpo todo estava em choque com a imagem, pisquei algumas vezes para ter certeza de que não estava enganada. Para minha infelicidade, a foto continuava olhando para mim. Forcei a vista no título da matéria para entender do que se tratava.

“PILOTO BRASILEIRO MARCA PRESENÇA EM FESTA EM NOVA YORK ACOMPANHADO DE JORNALISTA AMERICANA”.

Não pode ser. Quem é essa mulher ao lado do meu marido? Jornalista americana? Observei a foto, Gustavo estava em seu terno preto slim elegante, que lhe dei de presente no Natal passado. Seus cabelos penteados, o rosto recémbarbeado, um sorriso charmoso. Estava como um deus, perfeito em toda sua glória masculina. A morena sorridente tinha os cabelos negros e sedosos, que caíam em seu colo como ondas macias de cachos, os dentes brancos destacavamse contra o tom de sua pele morena amendoada, ela estava em um decotado vestido marfim, tão justo que não conseguia imaginar como ela estava respirando e sorrindo ao mesmo tempo. Na imagem, eles não estavam abraçados, para o meu alívio, entretanto, também não estavam distantes como dois desconhecidos, e sim posicionados

como se fossem amigos próximos que tivessem intimidade um com o outro. Engoli o bolo que se formou na minha garganta, e tentei ler o que dizia a matéria.

Na noite desta segunda-feira (18), o premiado piloto de motocross, Gustavo Salles, marcou presença na badalada festa de abertura do Uhuu! Maior evento de esportes radicais dos Estados Unidos. O brasileiro chegou acompanhado da jornalista americana Kathy Stuart, a colunista da Revista Radical. Lembrando que o piloto é casado há alguns anos com a advogada Liz Maria Albuquerque, mãe dos seus filhos gêmeos. Fica o questionamento, onde estava sua esposa ontem à noite, que não o acompanhou ao evento? Fontes afirmam que a relação dos dois anda balançada. Será que a garupa do belo moreno está desocupada? Gustavo, que está entre os três melhores atletas do mundo na modalidade Freestyle competirá no evento desse ano, no último circuito que ele participou, realizado em Curitiba, o piloto ficou em primeiro lugar com êxito. Para sorte da lista de torcedoras do rapaz, que a cada dia só aumenta, ele participará de vários eventos até a competição acabar daqui a um mês.

Terminei de ler o texto tendencioso e sensacionalista com meu estômago revirando, fechei com força o notebook e soltei a respiração, que só agora percebi

que estava segurando todo esse tempo. Não podia criar uma história inexistente, precisava confiar no meu marido, confiar em mim mesma e no nosso relacionamento. Que fonte informou a esse jornalzinho que meu casamento estava abalado? Será que as pessoas estão percebendo? Mas custava a moça ser um pouco mais normal, precisava ter todas aquelas curvas e aquele tom de pele sensual? Onde será que eles se conhecem? Será que ele a achou bonita? Será que ficou interessado? Eu vou enlouquecer! Mil e uma ideias do que pode ter acontecido nessa tal festa surgiram na minha mente fértil, ele não podia ter demorado nesse evento se ele me ligou ontem à noite. Ou podia? Não, não podia. Gustavo nunca faria uma coisa dessas. Tinha que haver uma explicação, olhei para o celular desesperada para ligar e cobrar respostas, mas me segurei. Não queria parecer uma mulher louca e insegura, mesmo estando dessa forma. Ouvi um choramingo no andar de cima, meus filhos acordaram. Tentarei pensar que tudo não passa de um mal-entendido, meu marido me amava e estava com saudades de mim tanto quanto estava dele. H O dia estava fresco, os passarinhos cantavam incessantemente, esse pequeno detalhe era uma das coisas que mais amava nessa cidade, estar perto da natureza e poder mostrar isso aos pequenos não tinha preço. Quando empurrei o

carrinho pela calçada do sobrado dos Salles, Guilherme descia as escadas vestindo roupa de corrida. — Oi, cunhada, bom dia — ele me cumprimentou e em seguida beijou as crianças. — Está tudo bem? Você está pálida. — Sim, estou bem... — gaguejei — Só estou um pouco cansada — concluí sentindo minhas bochechas ardendo de vergonha. Até Guilherme podia ver que eu não estava nada bem. — Vou dar uma caminhada no parque, se você quiser posso levá-los — Guilherme sugeriu, sorrindo. — Você quer levá-los? Tem certeza? — perguntei receosa, não que não confiasse no meu cunhado, mas esses dois deixavam qualquer um louco. — Vou adorar passar um tempo com as crianças, além disso você poderá respirar um pouco. Você não me parece bem, tem certeza de que não está doente? — Bom, se você acha uma boa ideia. Não vejo problemas. — Vai ser bom para atrair alguns olhares, você sabe, as mulheres adoram um homem que cuida dos filhos. — Guilherme, não quero você usando meus filhos para paquerar. Ele sorriu, pegou a bolsa das crianças do meu ombro, me beijou na

bochecha e assumiu a direção do carrinho. Beijei meus filhos que estavam animados com o passeio e dei as últimas instruções sobre não tirar os olhos de cima deles, não os deixar com estranhos em hipótese alguma, lembrar-se da água e do suquinho e mais importante: trazê-los intactos para casa. Mesmo com o coração apertadinho, fiquei feliz por meus filhos serem tão amados pela nossa família. Subi as escadas da casa e quando abri a porta, encontrei Thiago me encarando como se tivesse visto um fantasma. — Oi, bom dia — cumprimentei sem graça lembrando-me da cena desconcertante da noite anterior. — Oi, Liz, você viu os jornais? — ele foi direto ao ponto, sem rodeios. — Hum... sim. — Fechei a porta atrás de mim. Minhas pernas não me obedeciam como eu gostaria, sabia que o país e o mundo estavam me achando a mulher traída, mas precisava me manter firme e confiante no amor do meu marido. — Meu irmão não tinha o direito de fazer isso! — Thiago esbravejou. — Seu irmão não poderia fazer o quê? — Ouvi a voz de Dona Carmen vindo da cozinha. — Bom dia, querida. — Ela se aproximou, me abraçou e beijou minha bochecha como sempre costumava fazer. — Bom dia — respondi.

— Mãe, o Gustavo enlouqueceu. — Onde estão meus netos, e do que ele está falando? — Dona Carmen questionou. — Guilherme foi dar uma volta com as crianças no parquinho, e sobre o que seu filho está falando é melhor perguntar a ele. — Tive certeza de que meu rosto estava mais vermelho do que um tomate maduro, e estava tão constrangida que parecia que minhas bochechas iam explodir, espalhando sujeira por todo o carpete da sala. Thiago esticou o tablet para a minha sogra, que ao passar os olhos nas fotos e no texto foi formando um biquinho de reprovação. — Liz, querida, isso é mentira. — Engoli em seco e confirmei com a cabeça, querendo mostrar o quanto estava segura sobre isso. — Mãe, a senhora vai defendê-lo? Ele não respeita essa família, os filhos e principalmente a Liz. Uma onda de súbita necessidade de autopreservação a mim e ao meu marido percorreu em minhas veias. Levantei-me e caminhei até o canto da sala onde Thiago estava em pé rodando as chaves do carro entre os dedos. — Thiago, você deveria dar mais crédito ao meu marido. Você mais do que ninguém deveria saber que esses tabloides sobrevivem de mentiras sem

escrúpulos. Isso tudo pode ser maldade e não passar de um grande malentendido. Gustavo não está aqui para se defender, então, por favor, respeite o seu irmão — terminei de falar ofegante de irritação, eu era a suposta mulher traída, eu que deveria estar pirando, não ele. — Liz tem razão, seu irmão não faria uma coisa dessas — Dona Carmen acrescentou. — Me desculpe. Acho que exagerei — Thiago disse com cara de poucos amigos e saiu batendo a porta. Minha sogra franziu a testa e sorriu nervosamente. Como boa apaziguadora que era, convidou-me para tomar café da manhã. Estava tão atônita, com tantas coisas em que pensar, que simplesmente sentei-me à mesa e nem recordei do que coloquei na boca após terminar a refeição. — Liz, não pense muito sobre isso. Tenho certeza de que meu filho tem como explicar, você está bem? — ela perguntou, e se a conhecia um pouco como achava, minha sogra estava tentando disfarçar a aflição. — Eu estou bem — menti completamente sem querer deixá-la preocupada. Meu estômago revirou em protesto, senti o gosto da bile na garganta. E tentei mudar de assunto. — Cadê o senhor Augusto? — Ah, ele foi ao mercado fazer compras para o restaurante. Não abro mão

de ter produtos fresquinhos. Mas hoje estou de folga das panelas, Augusto vai nos fazer um jantar. — Percebi o brilho nos olhos castanhos da minha sogra que tanto me lembravam dos olhos do meu amor. — Ele cozinha tão bem quanto a senhora. — Eu ensinei-o. — Ela deu uma piscadinha divertida. — Liz, querida, como você está depois de tudo que aconteceu? — Do que a senhora está falando exatamente? — Do ataque que você sofreu na outra noite. — Não esqueci, é algo muito traumatizante para se apagar da memória assim, mas estou tentando lidar com isso da melhor forma. Era só um troglodita bêbado com muitos hormônios. Conversamos assuntos seguros, como uma nova receita de massa que estava sendo testada no restaurante e o perigo da quantidade de sódio nos alimentos. Até que um estrondo na porta chamou nossa atenção. Um Guilherme muito suado empurrava o carrinho dos meus filhos. As crianças estavam sujas de uma meleca rosada que suspeitei ser sorvete. Os cabelos estavam pegajosos, a roupa quase não se via a cor original do tecido de tanta sujeira. Os rostinhos rechonchudos deles carregavam sorrisos banguelas e traquinas. Meu coração amoleceu.

— A carrocinha de picolé caiu sobre eles? — perguntei levantando-me para pegá-los. — Meu Deus, Guilherme, o que você fez com meus netos? — minha sogra perguntou sorrindo. — Só agradei meus sobrinhos, não tenho culpa se eles não têm modos. — Eles só têm três anos! — recriminei o comentário. — Mas vou confessar que chegar ao parquinho com esses traquinas atraiu bons olhares. Consegui até o telefone de uma morena deliciosa. — Mamãe... — Arthur choramingou estendendo os bracinhos em minha direção. — Filho, mamãe não sabe nem onde pegar. — Sorri porque não havia um local que não estivesse cheio de calda de morango e sorvete. — Meus sobrinhos me amam — Guilherme disse jogando a camiseta suada no sofá, ganhando um olhar zangado da mãe. — Terei que levá-los para dar-lhes um bom banho. — Oh, querida, estava com saudades dos meus netinhos. Voltem para almoçar. — Voltaremos. — Peguei o carrinho, me despedi rapidamente e fui

embora. Enquanto caminhava até em casa para trocá-los, lembrei-me de que Gustavo ainda não me ligou, já passava das dez da manhã. Será que ele não foi avisado das notícias? Ou será que ele viu e não teve coragem de me enfrentar? O que será que ele está fazendo? E com quem? Um desconforto se alojou no meu estômago. Fazia tanto tempo que não sentia tanto medo, talvez a palavra medo não carregasse tudo que estava sentindo, ainda não era suficiente. Talvez pavor fosse a palavra certa, tudo que tanto lutei para construir parecia ruir ao meu redor e eu observava impotente, mais imóvel que um manequim de loja, estava de mãos atadas e amordaçada, sem poder gritar. Que era tudo que eu gostaria de fazer agora, mas não podia. Tinha as crianças, nossa família. Precisava parecer confiante, me mostrar segura. Limpei o suor que se formou na testa, atirei as sandálias num canto e levei as crianças para o banheiro. Depois de muita bagunça e jatos de água por toda a minha roupa terminamos o banho. Arthur estava mais manhoso que o normal, sempre querendo colo. Talvez fosse o sol do começo da manhã, ou o exagero do sorvete. Mas afastei as preocupações em achar culpados e dei um abraço no meu bebê. Laís permaneceu brincando com seu boneco de pelúcia do Homem de Ferro, que ela tanto amava. Para ficar com a mente mais tranquila verifiquei a temperatura do meu menino, estava com vinte e seis graus. Não estava com

febre, então tranquilizei-me por enquanto. Arrumei-os novamente, deixei meus filhos no seu cercadinho com os brinquedos enquanto tentei vestir uma roupa seca. Quando subia as escadas, escutei meu celular tocando, corri de volta para a sala procurando o aparelho entre as almofadas do sofá e quando localizei, nem me dei o trabalho de conferir quem era. — Gustavo? — perguntei sem fôlego. — Não, amiga. Sou eu, a Cris. — Meu peito ficou dividido entre a felicidade e decepção. Juro que achei que fosse meu marido. — Oi, Cris. — Tentei parecer animada. — Estou preocupada com você, aquele idiota do seu marido ainda não acredita que vou mandar cortar suas bolas? — Então você já viu? — Joguei-me no sofá, soltando um longo suspiro. — Liz, sinto muito sobre aqueles jornais idiotas. Não os leia. — Cris, eu ainda não sei o que aconteceu. Não quero julgá-lo. — Amiga, eu sei que Gustavo ama você e deve ter uma explicação. — É o que todo mundo tem me dito. — Esfreguei os olhos, exausta e ainda nem era meio-dia. — Ele não é louco de perder você nem as crianças, não seria baixo a esse

nível. — Cris, eu estou com tanto medo. Você já viu a internet? Minha vida é palco público para discussões. E o pior que nem faço ideia de quem são aquelas pessoas que sabem tudo sobre mim. Um blog disse que eu tenho um estilo de vida peculiar. O que é peculiar para você? — Liz, as pessoas invejam você, minha amiga. Você tem uma puta de uma genética boa, teve dois filhos e parece uma Barbie, além de ter aquele moreno esquentando sua cama. O que você queria que as pessoas sentissem, além de inveja por não ser você? Dou uma risadinha. — Eles fizeram enquetes, sobre quem deve ficar com meu marido. — Minha voz saiu como um guincho. — Você deveria ficar feliz, a pesquisa que vi você estava na frente como preferida para o motoqueiro. E eu nem votei, para você não dizer que eu roubei porque você é minha amiga. — Cris... — gemi, recriminando-a por brincar com essas coisas. — Você já falou com ele? — Não, ele ainda não me ligou e isso está me matando. Eu também não

quero ligar e parecer a mulher insegura. Cris, eu quero acreditar no meu marido, mas é um pouco difícil quando ele está me ignorando — respondi baixinho limpando uma lágrima solitária que escorreu pelo canto dos meus olhos. — Liz, você está sempre tentando esconder seus sentimentos do seu marido, quando na verdade suas inseguranças e sentimentos deveriam ser um livro aberto para ele. — Me sinto mal por isso, mas não sei como partilhar esse tipo de coisa. — Amiga, queria poder está aí, essa viagem vai demorar quanto tempo? — Um mês. — Ok. Faça o seguinte, acalme-se, cuide das crianças, não acesse mais a internet e espere ele te ligar. Ele vai ter uma resposta para tudo isso. — Tenho tentado fazer isso. Mais cedo, o Thiago surtou, disse umas coisas que me deixaram ainda pior. Ele acredita nas notícias. — O Thiago o quê? — Ele disse que o Gustavo não respeitava a família, não gostei do jeito que ele duvidou do próprio irmão. Não sabemos ainda o que realmente aconteceu, e no fundo sei que meu marido, o homem que amo, não faria algo assim, ainda mais na frente de tanta gente.

— Claro que não. Olhe, dê-lhe um voto de confiança, semana que vem irei fazê-los uma visita. Consegui uma pequena folga no trabalho e vamos poder colocar o papo e o vinho em dia. — Jura? — Sim, não vejo a hora. O telefone residencial começou a tocar me fazendo pular de susto. — Mamãe, o fone! — Laís gritou de dentro do cercadinho, onde ela e o irmão brincavam de montar um lego. Meu coração disparou, agora só podia ser Gustavo, ele tentou meu telefone e, como não conseguiu, ligou para o telefone fixo. — Cris, o telefone está tocando, deve ser ele. Preciso atender, depois nos falamos. E obrigada por tudo. Amo você. — Desliguei em seguida ainda tendo tempo de ouvi-la gritar. — Mostra a esse cara quem manda! Corri até o telefone no móvel ao lado da janela e atendi entusiasmada. — Alô? — Alô, bom dia! Liz Salles? — Uma voz feminina perguntou do outro lado.

— Sim, quem é? — Eu me chamado Sara Aragão, sou repórter da revista Fama — tentou soar educada. A única pergunta que veio à minha mente era como ela conseguiu o telefone da minha casa. — Como você conseguiu meu telefone? — Ah, precisei da ajuda de uma fonte, gostaria de poder conversar com você sobre as notícias sobre seu marido, tenho certeza de que a senhora deseja dar a sua versão da história. Segurei o telefone com tanta força que tive vontade de esmagá-lo na parede. Recuperei a voz e tratei logo de dispensá-la: — Obrigada, mas não tenho interesse algum. Nunca mais ligue novamente na minha casa. — Mas, Liz, essa seria sua chance de dar uma resposta. Seu marido lhe traiu publicamente, você deve estar se sentindo humilhada, e tem o direito de dizer como se sente. Nós mulheres estamos do seu lado. Só queremos conhecê-la um pouco melhor, talvez assim o romance dos dois não dê certo, devido ao clamor público para ele continuar ao lado da família. Você teria seu marido de volta. — Sua falsa educação bem treinada não me convenceu. Estava com tanta raiva da sua sugestão, que minha vontade era de atravessar o telefone e arrancar

com minhas próprias mãos sua língua acusatória. — O quê? De onde tirou essa história? Meu marido não me traiu coisa nenhuma, e as pessoas estão fazendo esse tipo de suposição devido ao jornalismo sensacionalista que vocês praticam. Nunca mais ligue neste número, eu não lhe forneci meu telefone, então se voltar a ligar, posso processálos por perturbação por me ligarem com uma proposta absurda dessa, além de danos morais por terem a coragem de acusar meu marido por algo que ele não fez. Entendeu? — Subi dois tons. Nem dei oportunidade para ouvir a resposta, desliguei imediatamente o telefone com uma pancada. Laís e Arthur perceberam minha agitação e fizeram biquinho para chorar, corri e peguei meus filhos, colocando-os no carrinho. Mesmo com as mãos tremendo, me esforcei em acalmá-los. — Ei, meus amores, não foi nada. A mamãe só está um pouco chateada. O telefone voltou a tocar como uma cigarra desafinada, apanhei a bolsa e saí, sem nem me dar ao trabalho de trocar de roupa.

“Sangue novo junta-se a esta terra E, rapidamente, ele é subjugado Pela constante e dolorosa desgraça O jovem aprende as regras deles...” The Unforgiven – Metallica Gustavo Mexi-me na cama passando a mão sobre o colchão procurando Liz, meus dedos encontraram apenas lençóis frios. Abri os olhos e lembrei-me de que não estava em casa, e sim em um quarto de hotel em outro país, longe de tudo que amava, exceto o motocross. Nunca imaginei que ficaria tão dividido entre as maiores paixões da minha vida: minha família e a minha carreira. Peguei o celular ainda sonolento para

desejar um bom-dia a Liz. Mas assim que desbloqueei o aparelho vi milhares de notificações do Google onde meu nome era mencionado. Abri a primeira e, se ainda não estivesse deitado, teria caído para trás. A manchete insinuava que tive algo com a jornalista que estava me acompanhando para a matéria da revista. Meu Deus, Liz. Rolei as notícias na tela, e repetidamente fui lendo as mesmas insinuações e comentários maldosos, ainda sem acreditar como a imprensa podia distorcer as coisas dessa forma. Como podem pensar que eu trairia minha mulher em uma festa cheia de fotógrafos do mundo todo? Levantei-me em um pulo, vestindo a primeira roupa que encontrei e fui atrás de soluções e retratações sobre isso. Quando saí do quarto encontrei Kathy no corredor, é claro que ela ficaria no mesmo andar que eu, já que ela ia ficar no meu pé o tempo todo dessa maldita viagem. Ela estava vestida como uma profissional carregando aquele sorriso americano. — Bom dia, Gustavo — cumprimentou-me em inglês. — Você viu os jornais? — perguntei no mesmo idioma. — Sim, sinto muito pelo que deu a entender. — Sente muito? É só isso que você tem a me dizer? Maldita hora que concordei com essa merda.

— Gustavo, eu não tenho culpa sobre o que está acontecendo. Sinto muito, não quero causar nenhum dano, apenas estou fazendo o meu trabalho — ela disse nervosa. — Me desculpe — falei, percebendo o idiota que eu estava sendo. — Também não gostei das notícias, isso pode manchar a seriedade do meu trabalho. — Droga, você viu meu assessor? — perguntei irritado. — Eles estão no restaurante do hotel tomando café, na verdade estava indo te chamar para irmos para os nossos compromissos do dia. Já estamos atrasados. — Meu único compromisso do dia é consertar essa merda. — Deixei-a para trás e caminhei em direção ao elevador. Meu sangue estava fervendo de raiva, arrependimento me dominava, não teria hesitado em recusar esse convite se soubesse que teria uma mulher na minha cola o tempo todo e os jornais deduziriam que estava traindo a mãe dos meus filhos. Entrei no elevador rejeitando o olhar de duas senhoras que estavam dentro dele, talvez elas tenham me reconhecido como “o piloto galinha” que estava traindo a mulher em outro país. Merda! Quando as portas já estavam quase fechando uma mão fez-as parar abertas. Kathy entrou com as bochechas vermelhas e com a respiração ofegante de correr

atrás de mim. — Não me trate como uma idiota — ela atirou quando recupera um pouco do fôlego. Não respondi a sua provocação, só precisava pensar agora em como explicar o que estava acontecendo para a Liz. Minha mulher era muito tranquila, mas as vezes em que a vi irritada, parecia uma onça. Certa noite, estávamos em um barzinho e quando Liz foi ao banheiro uma mulher sentou-se em seu lugar à mesa e começou a me provocar, quase jogando na minha cara os peitos recém-comprados. Quando Liz viu a cena, não pensou duas vezes em derramar sua margarita dentro da blusa da moça, que gritou como uma louca de susto. Tendo apenas em resposta um olhar assassino de Liz que dizia “aproxime-se e morra”. A atitude possessiva da minha mulher me deixou instantaneamente de pau duro e cheio de orgulho. Já em outra ocasião, uma garota que eu já tinha transado veio até nossa mesa em um dos tantos jantares no restaurante da minha mãe e pediu para tirar uma selfie comigo. Nem lembrava o nome da menina, mas levantei-me educadamente posei para a foto com ela. Liz nem parecia afetada com o que aconteceu. Mas bastou chegarmos em casa para Liz me fazer confessar que já tinha me envolvido com a garota. Resultado: fiquei uma longa e torturante semana sem sexo porque topei em tirar a foto abraçando a moça.

Quando o elevador terminou seu caminho saí a passos largos, deixando Kathy para trás, senti-me um pouco culpado por isso, ela parecia ser uma boa pessoa, mas estava tão puto da vida que esqueço qualquer educação. Entrei no salão do restaurante e avancei para a mesa que estava o pessoal da minha equipe, ignorando completamente o fotógrafo que tirava várias fotos minhas com sua objetiva. — Para que eu pago você? — perguntei mais alto do que gostaria ao Bruno, meu assessor. Ele me olhou desconcertado por cima da armação de tartaruga de seus óculos, abriu a boca para falar, mas fui logo tratando de cortá-lo. — Posso saber por que porra você está sentado aqui tomando café, enquanto toda a merda da imprensa está dando a entender que estou traindo minha mulher? — Ei, cara, pega leve — Dudu tentou apaziguar, puxando a manga da minha jaqueta. — Gustavo, me desculpe, mas não tive como evitar isso. Eu estava esperando você acordar para saber como gostaria de reparar o problema. — Porra! Eu estou fodido. É a minha família que está em jogo, é a minha imagem perante meus filhos que está sendo provada, a minha mulher está sendo

vítima de haters na internet, meu casamento está sendo discutido em rodinhas de fofocas por algo que não fiz. Quero retratação agora, porra! Que merda eles pensam que podem fazer? Minha família não está em jogo, e farei tudo para protegê-los, não vou pensar duas vezes antes de escolhê-los. — Servi-me de um café. — Nós vamos resolver. Não precisa ficar desesperado, estou pensando em divulgar uma nota de esclarecimento. — Uma nota? Você acha que vai convencer a imprensa que eu não estou traindo minha mulher com a droga de uma nota? — Estava alterado, mas não podia evitar. As pessoas nas outras mesas nos olhavam assustadas, enquanto outras registravam a cena com seus celulares. Mas que porra! Tomei uma longa respiração deixando a adrenalina se acalmar nas minhas veias. Baixei o tom e pedi para que todos me acompanhassem até meu quarto, não queria dar mais motivos para as pessoas inventarem fofocas. H — Então, qual a sugestão? — perguntei esfregando minha nuca de tensão. — Podemos gravar um depoimento seu e da Liz esclarecendo que vocês

estão bem — Bruno sugeriu. — Cara, você está ficando louco? Eu não quero minha mulher envolvida nisso, você já viu os comentários nas redes sociais? Precisamos protegê-la. — Também não acho que seja uma boa ideia envolver mais a Liz nisso. Aliás, o que ela está achando dessa confusão toda? — Dudu perguntou. — Ainda não falei com ela, preciso consertar isso primeiro. — Já que não perguntaram, darei minha opinião — intrometeu-se Kathy na conversa. — O quê? — Eu gravarei um depoimento falando que estou apenas acompanhando Gustavo em um trabalho para a revista. Onde deixarei claro que mantenho um relacionamento sério, e que a imprensa apenas distorceu as coisas. E Gustavo, você pode escrever uma nota de esclarecimento nas suas redes sociais contando que não há nenhum mal com seu sagrado casamento — concluiu irônica. — Não sei se é uma boa ideia você gravar um vídeo, isso só irá chamar mais atenção para você — enfatizei. — Não, a ideia é boa. A Kathy esclarecendo que ela estava ao seu lado a trabalho deixará a coisa mais segura, até porque ela representa uma grande revista

de circulação mundial — Bruno falou ajeitando os óculos no nariz torto. No fundo, não achava que isso fosse suficiente, mas no momento era o que tínhamos. — Ei, cara, a Liz vai entender — Dudu falou dando uma tapinha de compreensão no meu ombro. — Espero, porque se ela não entender, volto para o Brasil no primeiro avião que encontrar e esse evento que se foda. O resto da manhã passou como uma nuvem. Tentei não pensar tanto nas notícias e focar na competição, mas foi quase impossível. Minha cabeça não parava de martelar como minha mulher deve ter se sentido ao olhar as notícias, todo mundo devia estar falando disso no Brasil. Alguns sites estavam fazendo até votação para as pessoas decidirem com quem eu deveria ficar. Será que essas pessoas não se importam em quanto esse tipo de especulações e mentiras podem prejudicar a vida das pessoas? Eram tantas notícias de conteúdo duvidoso, infundadas e totalmente sem qualquer aparência com a realidade que estava ficando com trauma da imprensa, pareciam um bando de abutres brigando pela carne podre. Meu assessor agiu rápido, contratou um advogado para processar os portais de notícias que inventaram essa história solicitando retratação, também escrevi a seguinte nota para divulgação:

“Gostaria de esclarecer aos meus fãs e a minha família que vim aos Estados Unidos para participar de um evento muito importante para a minha carreira. Tenho focado meu tempo e minha atenção em me sair o melhor que puder nisso, honrando meus compromissos firmados com meus patrocinadores e com a minha equipe. Venho através dessa nota desmentir veementemente que tive ou insinuei ter qualquer relacionamento que não seja de caráter profissional com a jornalista americana Kathy Garcia Stuart. Que, ao contrário do que foi divulgado de má-fé pelos veículos de comunicação, não me acompanhou ao evento da noite de ontem (05) como uma amiga ou pretendente, e sim a trabalho. A Srta. Stuart foi enviada pela revista de circulação mundial Radical para acompanhar meu dia a dia no campeonato, que será contado em uma matéria especial da edição do próximo mês. Nunca, em momento algum, admito que duvidem da minha índole como atleta, como pai de família e, principalmente, como marido. E aos veículos que erroneamente divulgaram uma fatídica suposição, saibam que irei cobrar uma retratação de desculpas publicamente e judicialmente de acordo com a lei. Um abraço aos que verdadeiramente torcem por mim, Gustavo Salles.”

Divulgamos a nota nas minhas redes sociais, em sites, blogs, canais de tevê, rádio, e em jornais daqui dos Estados Unidos e do Brasil. Extrapolei minha raiva no Bruno, mas o garoto fez um bom trabalho, o moleque tinha a melhor mailing list que já vi. Conseguiu divulgação da nota em 95% dos locais que a enviamos. Kathy gravou o vídeo negando a fofoca de um possível envolvimento comigo, a revista Radical também publicou uma nota de esclarecimento no seu site, sobre a função dela ao me acompanhar nos eventos. O vídeo dela foi divulgado em todos os principais canais de notícias, o que pelo contrário do que pensei, teve um retorno positivo. Os comentários das pessoas deixaram de ser acusatórios para insatisfeitos com a imprensa por divulgar conteúdo sem fundamento. Minha mulher não tinha rede social, graças a Deus, isso evitou expô-la ainda mais a alguns comentários maldosos e desrespeitosos sobre nosso casamento. Não tive tempo para ligar para casa, tentei resolver a sujeira o mais rápido possível para evitar mais danos. Decidi ligar para Liz na hora do almoço, quando eu tivesse um tempo sozinho para lhe explicar o que estava acontecendo, estava nervoso com esse contato. Não tinha a mínima ideia de como minha mulher ia reagir.

“Tudo o que precisamos é esperança E para isso temos um ao outro Vamos nos levantar...” Rise up – Andra Day Liz Entrei na casa da minha sogra ofegante, o senhor Augusto me olhou de testa franzida. — Liz, está tudo bem? — perguntou colocando o jornal que estava lendo na mesinha de café e levantou-se para vir até mim. — Sim, só vim um pouco rápido demais — tentei falar entre respirações profundas.

— Você está branca, tem certeza de que não aconteceu nada? — Os olhos azuis brilhantes do meu sogro me examinaram, ele tinha um tato aguçado. O senhor Augusto sabia que eu não estava nada bem. Tirei meus filhos, um a um, do carrinho, minhas mãos ainda estavam trêmulas ao tentar desafivelar o cinto de segurança. — Vou pegar um copo de água, você está tremendo — falou me deixando sozinha. — Obrigada — respondi, agradecida pela gentileza. Um minuto depois meu sogro voltou com um copo de água na mão, entregou-me e sentou-se ao meu lado. — Então, querida, não vai me contar o que está acontecendo? — ele perguntou com um olhar compreensivo. Provavelmente ele já estava sabendo das notícias, afinal estava lendo o jornal. — O senhor é bom observador, não é? — Sim, essa é uma qualidade que herdei da minha mãe. — Meu sogro me deu um sorriso reconfortante. — Eu fiquei um pouco nervosa, recebi uma ligação de uma jornalista querendo uma declaração sobre as notícias. Ela foi rude, e me deixou tão

frustrada. — Minha voz falhou. — Oh, imagino. — Nunca imaginei passar por isso, ver minha vida íntima sendo discutida por milhares de pessoas que nem sei quem são. Isso é muito injusto. Tem pessoas que me odeiam e nem sei por que me acham gorda demais, magra demais, loira demais; já outras me defendem como se eu fosse um parente próximo. Isso é muito surreal para mim. Meu sogro pegou minha mão na sua e sorriu. — Liz, as pessoas que tem uma vida pública, mesmo sem querer, como é o caso do Gustavo, sempre irão passar por esse tipo de coisa. É inevitável, as pessoas gostam de opinar, muitas vezes sem qualquer razão sobre a vida do outro, é uma forma de fugir das suas próprias realidades. Assistir a vida das pessoas é mais fácil que viver a própria vida. Não se deixe afetar por isso, eu conheço você de verdade, e sei a mulher extraordinária que é para o meu filho, a mãe excepcional que você é para os meus netos, e também sei quem é a verdadeira Liz. Não a que as pessoas acham que conhecem através de uma foto, eu conheço você e sei que você não é nada disso que eles falaram. Também sei que você acha que, como Gustavo é meu filho, eu sempre irei defendê-lo, mas, minha filha, eu nunca acreditaria em uma linha do que li. Meu filho tem seus defeitos, mas ele ama você e as crianças profundamente, você despertou o que Gustavo tem de

melhor. Deu-lhe uma família, um lar, uma vida estável. Ele nunca abriria mão disso por nenhuma outra mulher no mundo. Ele não seria louco para isso. Amava o meu sogro, sua forma gentil e sensata de observar e achar soluções para tudo. Meus olhos se encheram de lágrimas, respirei fundo e deixeias cair. — Eu estou com medo... — confessei. — Você é corajosa, Liz, vai saber enfrentar isso. O medo te domina quando ele vê que tem espaço, não o deixe se aproximar. Suas palavras me deixaram momentaneamente mais confortável. Afasteime para pegar Arthur no colo, que choramingava querendo atenção, enquanto Laís brincava aos nossos pés com seu boneco do Mickey no tapete felpudo da sala. — Querida, tenho certeza de que Gustavo vai resolver isso. Está mais calma? — Sim. Obrigada! — Fui sincera. — Agora me deixa beijar essas crianças mais lindas do vô Augustinho. — Uma sessão de beijos e risadas começou entre meu sogro e meus filhos. — Onde está o resto do pessoal? — perguntei estranhando o silêncio da

casa. — Carmen está tomando banho, Guilherme foi buscar uma nova namorada para almoçar conosco, e Thiago está trancado naquele escritório soterrado em trabalho, como sempre. — Bom, o almoço será animado então — brinquei. — Sim, como todos os almoços nessa família. Quer uma taça de vinho, querida? — Ah não, na verdade estou com um pouco de dor de cabeça. Toda essa confusão me deixou exausta. Enquanto meu sogro brincava com as crianças, conferi meu celular. Nenhuma mensagem, nem um torpedo sequer. Meu coração apertou em decepção, quando ia guardá-lo novamente na bolsa recebi uma mensagem.

Carolina: Oi, cunhada, está em casa? Eu: Oi, Carol, estou aqui na sua mãe. Carolina: Já chego aí, menina, quase não acreditei no que li. Imagino como deve estar se sentindo. Foda! Eu: Pois é.

Carolina: Precisamos conversar, já estou chegando, estou deixando a Cléo na escola. Beijinhos! Eu: Até, bjo.

Carol tem sido uma grande amiga na ausência da Cristina, sempre disposta a escutar e a dividir comigo os desafios do casamento e dos filhos. Carolina era uma força da natureza, chegava até ser engraçado quando lembrava que o Murilo, marido dela, era budista e adepto da meditação, talvez fosse uma alternativa que ele encontrou para sobreviver ao furacão chamado: Carolina Salles. Arthur esfregou os olhinhos irritado, peguei-o no colo beijei-lhe a testa. — Oi, príncipe da mamãe, você está bem? — Cheirei sua cabecinha loira. — Mamãe... — ele choramingou, abracei-o contra mim. — Quer água, filho? Ou quer um suquinho? Mamãe trouxe seu suco de laranja. — Suco de laranja do Homem-Aranha. — pediu. Alcancei no carrinho sua garrafinha de suco e entreguei-lhe. Arthur terminou a mamadeira agarrado em mim, enquanto Laís continuava correndo pela casa já descabelada e sem os lacinhos do cabelo. Meu sogro já estava com o

rosto vermelho em fazer esforço para acompanhá-la. Sorri em assistir a interação dos dois. Alguns minutos depois, Dona Carmen surgiu do quarto com os cabelos recém-molhados e um leve aroma de rosas. Ela abriu um sorriso quando nos viu na sala. — Os amores da vovó voltaram? — Ela abraçou Laís, que se pendurou nas suas pernas. — Oi. — Retribuí o sorriso. — Oi, minha linda, que bom que vieram, e o príncipe de vovó estava chorando, por quê? — Minha sogra perguntou baixando-se para beijar Arthur. — Ele está manhosinho hoje, acho que está sentindo falta do pai. — Imagino. Por falar nele, Gustavo ligou? — questionou sentando-se ao meu lado. — Não, deve estar ocupado. — E você também não ligou? — Não tive coragem. — Querida, eles terão o momento certo para conversarem, é melhor os dois esfriarem a cabeça — o senhor Augusto interrompeu. Mudamos de assunto até a porta se abrir e Guilherme aparecer vestido de

jeans e camiseta, com um capacete em uma mão e na outra uma bela ruiva. Uma moça dos cabelos cor de fogo, nariz coberto de sardas, olhos amendoados e um belo corpo cheio de curvas. Ela entrou envergonhada por estar nos conhecendo pela primeira vez, me veio imediatamente à lembrança do meu constrangimento ao conhecê-los, minhas mãos tremiam em aflição, desejando intimamente ser aceita. Mesmo tímida, ela sorriu, e só de olhar para ela vi que era uma boa pessoa. Os olhos entregavam quem éramos, e nos dela, só enxerguei ternura. Sempre dizia que meus filhos eram ótimos para quebrar qualquer clima chato, Laís começou a tagarelar brincando com seus cachos acobreados e ela começou a se soltar pouco a pouco. Guilherme parecia estar levando-a a sério, estava mais carinhoso do que com as outras garotas que ele já nos apresentou. Com um sorriso bobo no rosto e mãos descuidadas tocando-a onde podia. Um fofo, ele parecia apaixonado. Sorri baixinho com a cena. Quem diria? — Seus filhos são lindos — a ruiva, que descobri se chamar Esther, me elogiou. — Obrigada, sou suspeita em concordar. Meus filhos são a minha vida. — falei orgulhosa.

— Ei, Liz, não liga para essa merda que saiu na imprensa. Li algumas coisas e fiquei horrorizado. Meu irmão deve estar puto, eu também estaria se estivesse no lugar dele — Guilherme disse tentando me confortar. Dei de ombros e sorri. Guilherme pegou Arthur do meu colo e começou a brincar com meu filho, Dona Carmen se aproximou e conferiu o relógio impaciente. — Algum problema? — perguntei. — Thiago. Pedi para ele subir para almoçarmos há um tempão e ele não me ouviu. Deve estar distraído em meio àquelas notas fiscais. — Posso chamá-lo — me ofereci. — Você faria isso, querida? Eu não posso deixar Esther aqui sozinha, e Augusto está me ajudando a arrumar a mesa. — Sim, só olhe meus filhos. Já volto. — pedi licença, saindo para chamar Thiago para o almoço. Desci os degraus rapidamente, entrei no restaurante, que estava agitado como era costume no horário nesse horário. Avistei Lucas, o garçom, e perguntei por Thiago, ele fez uma careta como se não fosse um bom momento em ir chamá-lo e apontou para o escritório.

Bati na porta e, como não escutei resposta, entrei. Meus olhos enxergaram o conteúdo da sala e fiquei paralisada. A cena seria de tirar o fôlego se eu não fosse casada e o homem que eu via não fosse meu cunhado. Thiago estava de costas para mim vestindo nada mais que um calção, suas luvas de boxe e um fone de ouvido. Um saco de pancadas estava pendurado em um suporte no teto, ele desferia socos velozes no objeto. Seu corpo, e toda sua proporção era idêntica ao do meu marido, alto, com o físico atlético e músculos rígidos distribuído nos lugares corretos. Uma camada de suor lavava o seu corpo, deixando em destaque as saliências dos seus músculos das costas e braços. Seus bíceps e antebraços estavam saltados de veias salientes do esforço físico, Thiago continuava revezando em socar o saco. O escritório cheirava a uma fragrância almiscarada e suor. Suor de homem. Ele estava tão distraído em seu exercício que não percebeu minha presença até eu tropeçar em um par de sapatos e me esborrachar no meio da sala. Thiago virou-se assustado e quando me viu caída, correu para me ajudar a levantar. — Liz? — falou afobado, me puxando pelos braços, ainda com suas mãos cobertas com luvas. — Oi, me desculpe, não quis te assustar. Sapatos italianos são perigosos. — Fiz graça enquanto me levantei.

— Você se machucou? — perguntou tirando as luvas apressado. Meu olhar ganhou vida própria e fez um raio X no homem. Santo Deus! Mesmo sendo mais velho que Gustavo, ele estava tão bem quanto. Seu abdômen era definido, seus ombros fortes sustentavam braços tão fortes quanto o resto do seu corpo. Desviei os olhos me recriminando por isso e fui pega de surpresa por seus olhos me encarando. — É... Eu vim te chamar para almoçar, estão todos te esperando lá em cima — justifiquei passando por ele para esconder minha vergonha. — Liz? — chamou, virei-me e esperei o que ele ia dizer. — Me desculpe por hoje mais cedo, deve estar sendo difícil para você toda essa situação. Eu só queria protegê-la. Mas meu irmão não merecia minha desconfiança. Sinto muito se fui rude ou se lhe deixei triste — terminou de falar, alcançando uma toalha de rosto na cadeira e começou a secar o suor. — Obrigada, Thiago, você é sempre muito gentil. Não tem do que se desculpar, o que você falou me magoou um pouco, mas nada que eu não vá superar. Thiago sorriu deixando um rastro de dentes brancos. Ele se afastou e vestiu uma camiseta que colou imediatamente a sua pele, devido ao excesso de suor. — Não sabia que esse escritório tinha um saco de boxe. — Toquei o

aparelho sentindo o couro deslizando pelos meus dedos. — Culpado! Foi uma ideia que tive há algum tempo. Às vezes, não tenho tempo de ir correr ou fazer algum exercício, então dou alguns socos aqui mesmo. Para raiva da minha mãe, que reclama do cheiro de suor sempre que entra aqui. — Talvez eu possa convencer seu irmão a colocar um desses lá em casa. Porque tem horas que tenho vontade de dar uns socos em alguém. Thiago sorriu, abriu a porta e me convidou a sair. Atravessamos o restaurante em silêncio, subimos as escadas e entramos juntos. — Thiago, meu filho. Onde você se meteu? — Dona Carmen perguntou levantando-se. — Estava treinando, perdi a hora. Desculpem-me. — Vá tomar banho, querido, você está coberto de suor — ela pediu torcendo o nariz. — Cara, você está fedendo — Guilherme falou tentando ridicularizar o irmão, que apenas lhe estapeou a cabeça. — Só me deem um minuto ou dois — pediu indo em direção ao quarto. Quando me sentei novamente voltei a conferir o celular, nada. Nem um único torpedo sequer para perguntar se eu ou as crianças estávamos bem. Arthur,

que estava no colo do meu sogro, me estendeu os bracinhos, peguei meu filho no colo. Ele passou os bracinhos pelas minhas costas, encaixando o rosto na curva do meu pescoço. — Oi, filhote. — Beijei-lhe os cabelos. — Mamãe, cadê o papai? — indagou choroso. — Filho, papai está trabalhando. — Fiz cafuné nos seus cabelos sedosos. — Quero o meu papai. — Ele chorou. — Eu sei, meu amor, mas logo ele estará de volta. E vamos poder enchê-lo de beijos, e de abraços. Vamos passar um tempão abraçando e beijando ele, eu, você e a Laís. Todos da sala nos olharam tocados pela sinceridade do Arthur, ele estava com saudade do pai e não sabia disfarçar o que sentia, como nós adultos. — Ei, camarada, papai está trabalhando, mas vovô está aqui. Que tal se o vovô colocar aquele desenho que você gosta? — Meu filho levantou a cabeça esfregando o rostinho vermelho. Meu sogro pegou-o do meu colo levando para frente da TV para escolher o desenho. Minha princesa Laís, sempre tão independente e perspicaz, estava alheia à cena brincando de pentear o cabelo ruivo da namorada do Guilherme.

Partiu-me o coração de uma maneira que nem soube explicar, ver meu filho tão pequeno já conhecendo um dos mais difíceis sentimentos da vida, que era a saudade, e isso era ruim demais. Dona Carmen observou meu rosto, e perguntou: — Tudo bem, querida? — Sim — menti completamente, estava me tornando especialista. Thiago surgiu tomado banho, vestindo uma bermuda jeans e camiseta, seguido de Carol. Apesar de sempre o ver em roupas sérias, ele ficava muito bem em um estilo mais descontraído. Depois de mais outra rodada de apresentações e abraços, dirigimo-nos à grande mesa de jantar, nos posicionando de uma maneira que deixasse o novo casal juntos. O senhor Augusto, como bom anfitrião, sentou-se na ponta da mesa seguido por Dona Carmen sentada ao seu lado, acabei sentando-me na outra extremidade da mesa para conseguir ajudar meus filhos a comerem sem fazer muita bagunça em suas cadeirinhas de alimentação. A mesa, como sempre estava muito bem servida. Alimentei meus filhos, depois coloquei uma ou duas colheres na boca. Não tinha um pingo de fome, beberiquei um pouco de vinho, mas não passei de uma taça pequena, não podia perder a atenção nos gêmeos. Ainda mais estando sozinha.

Sentia-me sozinha como nunca me senti em anos. Vi todos rindo e conversando ao meu redor, porém a imagem de Gustavo ao lado daquela morena não saía da minha mente. E seu silêncio parecia uma sinfonia desafinada na minha cabeça, que não parava de doer. Senti meu estômago revirar, pedi licença e levantei-me da mesa. Peguei Arthur, que estava quase cochilando no colo. Essa era a desculpa perfeita para ir embora. Sabia que estava sendo egoísta, mas só queria ficar sozinha. Queria um tempo para mim, para poder pensar em tudo que estava acontecendo. Não queria parecer mal-agradecida, nem nada, mas era muito difícil fingir-se de forte quando tudo que você queria é chorar até se desintegrar. — Gente, obrigada pelo almoço, mas vou levar as crianças para tirarem o cochilo da tarde. — Liz, você pode colocar as crianças na minha cama — Thiago disse levantando-se para me ajudar. — Obrigada, mas estou sentindo o Arthur um pouco quente, vou levá-lo para casa para dar-lhe um antitérmico. — Liz, fique mais um pouco, posso ir buscar o remédio — Dona Carmen se ofereceu. — Obrigada, mas também estou com dor de cabeça. Vou aproveitar o

cochilo deles para descansar um pouquinho. — Mas, Liz, ainda nem conversamos — Carol falou levantando-se em protesto com minha saída. — Por favor, terminem seu almoço. Vou levar os pequenos para casa e vou tentar descansar também. Carol, você pode ir lá em casa quando sair daqui. — Liz, eu vou te ajudar a carregar as coisas — Thiago se ofereceu gentilmente. Despedi-me de todos, juntei as coisas das crianças e fui para casa com a ajuda de Thiago, ao levar o carrinho. Atravessamos a rua em silêncio e entramos em casa. Ele permaneceu em silêncio, gostei da ajuda, mas não queria conversar. Não queria falar como me sentia, porque nem eu mesma sabia. Só queria deitar um pouco. — Entregues — meu cunhado falou enquanto coloquei a bolsa das crianças no sofá. — Obrigada — agradeci. — Liz, o que você precisar, qualquer coisa, pode me chamar. Tudo bem? — Obrigada novamente — agradeci enquanto vi-o caminhar em direção à porta.

Quando Thiago me deixou sozinha, peguei meus filhos, que estavam no carinho cochilando e levei-os para o meu quarto. Queria ficar pertinho deles, sentir seus cheirinhos. O engraçado é que o cheiro do suor dos meus filhos era idêntico ao do Gustavo, e essa lembrança fez com que uma lágrima rolasse. Tirei seus sapatos, cobri-os com o lençol, também me desfiz das minhas roupas, optando por uma camiseta surrada do meu marido e me deitei ao lado deles. Fechei os olhos e uma avalanche de imagens e palavras explodiram na minha cabeça como uma bomba atômica. Tudo que li, as imagens que vi, os comentários maldosos, as suposições e tantas coisas que me magoaram. O silêncio de Gustavo, a insistência da jornalista em ter minha versão sobre a suposta traição. Chorei baixinho por tanto tempo, que nem me lembrei de quando parei. Acordei assustada com o céu lá fora já escuro. Meus filhos ainda dormiam tranquilos, abraçados a mim. Levantei-me devagar para não os despertar e desci as escadas para acender as luzes de casa, só aí lembrei-me do meu celular. Droga, ele pode ter ligado! Peguei a bolsa e achei o aparelho, que tinha vinte e oito ligações de Gustavo. E muitas ligações de outras pessoas. Meu coração acelerou, ele devia estar pensando que não quis atendê-lo de propósito. Também havia mensagens de texto; quando me sentei no sofá para lê-las, o aparelho começou a vibrar.

Carolina. Atendi no primeiro toque, sonolenta: — Alô? — Meu Deus, Liz, você quer matar todo mundo de susto? — O quê? Por quê? — Onde você estava? Está todo mundo te procurando. — Estou em casa, adormeci com as crianças, o que houve? — questionei assustada. — Meu irmão está enlouquecido, já ligou para todos querendo saber de você. Liz, você não vai acreditar, Gustavo divulgou uma nota e a tal jornalista desmentiu tudo e explicou o que aconteceu. — Do que você está falando? — Minha cabeça girou sem entender nada. — Entre na internet, olhe os sites de notícias e blogs. Levantei-me atrapalhada, batendo a perna no centro da sala e derrubando um monte de revistas pelo chão. — Cacete! — gritei de dor. — O que foi? — Carol gritou ao telefone.

— Bati a perna, doeu. Espera que vou ligar o computador. — Liz, eu sempre soube que meu irmão não faria uma sujeira dessas. — Meu Deus, por que eu fui dormir? Ele me ligou uma porção de vezes, ele deve estar muito chateado. — Minhas mãos tremiam enquanto ligava o notebook. — É bom mesmo que fique, ele vai querer voltar logo para casa. Quando o computador carregou a página do site e vi a foto do meu marido saindo do hotel, eu mal acertei clicar no link do tanto que minhas mãos tremiam. Terminei de ler as inúmeras notícias com o coração na boca. — Meu Deus, Carol... — falei ainda sem acreditar. — Você viu o vídeo? — Que vídeo? — Ai, Liz, às vezes você é tão lenta. O vídeo da jornalista negando o caso com seu marido está na página dela e da revista em que ela trabalha. Imediatamente, eu digitei seu nome na busca do meu navegador e vi vários links citando-a, clico no primeiro que continha o vídeo. — Achei! — gritei contente.

— Você entende um pouco de inglês? Alguns sites brasileiros até já legendaram — minha cunhada perguntou. — Um pouco, não sou fluente nem nada. Mas consigo compreender. — Liz, o que você está esperando? Assiste isso. — Cliquei no vídeo enquanto meu coração batia violentamente no peito. Essa mulher não poderia ser um pouco menos bonita? No vídeo ela explicava o motivo de estar acompanhando-o na viagem, e que ficou muito surpresa e triste com os comentários maldosos. E que nada havia entre eles além de um contato profissional. — E então? — Carolina perguntou, ansiosa pela minha reação do outro lado da linha. — Ela é linda — digo com a voz um pouco falha. — Liz! — Carolina, gritou daquele seu jeito mandão e controlador que ela tinha sobre as coisas. — É verdade, ela é perfeita, passei quase todo o vídeo tentando achar um defeito que a torne mais humana. Mas não encontrei — choraminguei. — Liz, quer parar? Desliga esse telefone e chama meu irmão no Skype. Fale com ele, Gustavo estava todo preocupado com você, ele queria inclusive que alguém da nossa família fosse aí conferir se você não tinha fugido com as

crianças. — Eu dormi. E ele não disse isso, disse? — perguntei enquanto a ouvi mascar um chiclete barulhento do outro lado da linha. — Sim, ele disse. Então acorde, é seu casamento que está em jogo. Agora deixe-me ir cuidar do meu. — Carol? — Hum... — Obrigada. — Escutei minha cunhada rir na linha, ainda mascando seu chiclete e desligou. Subi as escadas correndo, tomei um banho, vesti uma roupa decente e arrumei os cabelos, passei um pouco de máscara de cílios e batom. Não poderei competir com a americana, mas me esforcei para ser alguém apresentável. Conferi o celular, nenhuma nova ligação. Ótimo. Gustavo deve ter tido tempo para se acalmar. Sentei-me no sofá e apoiei o notebook no colo, percebi que ele estava on-line, convidei-o para uma conversa. Ele aceitou e imediatamente surgiu seu rosto cansado na tela, a barba rala nascendo na têmpora, os cabelos desgrenhados e o peito nu encostado na cabeceira de uma cama de madeira bem trabalhada. Mesmo a milhas de distância pude sentir a vibração que vinha do seu corpo, ele estava muito irritado, mas mesmo chateado ele continuava fazendo

borboletas voarem no meu estômago. — Oi — cumprimentei sentindo a boca muito seca. Gustavo me olhou como se pudesse me devorar viva pela tela do computador. — Liz... — o tom de sua voz era rouco, e pela sua expressão, ele teve um dia ruim, e para evitar deixá-lo ainda mais chateado eu expliquei o porquê não atendi. — Me desculpe não ter atendido ao telefone, tive uma manhã cheia e depois do almoço tive dor de cabeça e acabei dormindo com as crianças. — Dormiu? — indagou num tom cético. — Sim, dormi. — Liz... — Ele respirou fundo e passou as mãos nos olhos, como se pudesse afastar o cansaço. — Você sabe a porção de coisas que imaginei? Uma súbita raiva me dominou. Depois de tudo que passei, nem tirar um cochilo eu podia? Será que ele não vê que quem deveria estar surtando aqui era eu? Afinal, era a foto dele com outra mulher que estava estampada em todos os jornais e tevês. — Olha aqui, eu não tinha nenhuma obrigação de ficar colada ao celular a sua disposição. Passei a manhã inteira esperando uma maldita ligação sua para

me dar uma justificativa do porquê sua foto estava estampada em todos os jornais ao lado de uma mulher que não era eu. — Gustavo me olhou surpreso com meu repentino desabafo. — Minha flor... — Me deixe falar! — eu o interrompi. — Você nem imagina como me senti, Gustavo, então não venha me cobrar nada. Eu tive uma manhã infernal fingindo sorrir e mentindo que estava tudo bem — terminei de falar ofegante. — Você já viu as redes sociais? Estão me queimando viva. — Eu pisquei para controlar a vontade de chorar. — Liz, eu sinto muito. Eu não quero nem imaginar como você se sentiu, mas acredite em mim, foi tudo uma fofoca maldosa. A Kathy apenas estava fazendo seu trabalho. — A Kathy? Você a chama pelo primeiro nome? E o costume americano de chamar as pessoas respeitosamente pelo sobrenome? — questionei sem disfarçar meus ciúmes. — Meu amor, é comum no Brasil chamar as pessoas pelo primeiro nome. — Mas você não está no Brasil, e ela não é brasileira! — berrei. — Quer parar de ciúme bobo? — Gustavo teve a audácia de perguntar.

— Bobo? — Fiz um barulho com a garganta em desdém. — Meu amor, você leu a nota? Não houve nada, eu estava com a minha equipe. Todo mundo viu que não aconteceu nada, saí da festa cedo e liguei para você. — Gustavo, eu tenho todo o direito de ficar magoada. Você viu o comentário das pessoas? Leu? Você sabe o que é ter sua vida íntima na boca de todos? Ainda mais quando todos te chamam de corna. E ela é tão linda e sexy e bem-sucedida. Eu sou só uma mãe em tempo integral, que parece que está começando a surtar. — Liz, não importa o que as pessoas falam. Você tem que acreditar em mim! Eu sou seu marido, droga. É na minha palavra que você deve crer acima de todas as outras. Ficamos nos encarando em silêncio por um momento, até eu ouvir um chorinho vindo lá de cima. Gustavo percebeu meu rosto em alerta e perguntou: — São nossos filhos? — Sim, acho que acordaram. Vou cuidar deles. — Liz, não terminamos de falar. — Gustavo, preciso cuidar das crianças — falei querendo encerrar a

chamada em vídeo, por pura vergonha da minha reação infantil e baixa autoestima. — Me deixe conectado, quero vê-los. Traga-os aqui na frente do computador. — Fiz um gesto com a cabeça confirmando. Coloquei o notebook na bancada da cozinha e fui em direção ao nosso quarto buscar as crianças. Ao voltar para cozinha percebi que Gustavo ainda estava olhando ansioso para a tela querendo vê-los. Coloquei as crianças em suas cadeirinhas e de canto de olho vi Gustavo sorrindo para eles. — Oi, meus amores! — ele falou risonho. Nos seus olhos só vi saudade. Laís e Arthur começaram a gritar de felicidade em ver o pai. — Papai. — Laís bateu as mãozinhas no apoio da cadeira. — Papaizinho. — Arthur chorou dando os bracinhos. Beijei suas bochechas e tratei de acalmá-los: — Crianças o papai está trabalhando, logo ele vai estar de volta. Então, que tal aproveitar para dizermos a ele o quanto estão com saudades? — Vem pá casa, papai — Arthur disse, o nariz começando a escorrer. — Oi, garotão. Não chora, filho, papai está aqui. Aproximei suas cadeirinhas ainda mais perto do balcão, em uma posição

que Gustavo pudesse ver as crianças perfeitamente. — Papai veio trabalhar, mas está com tanta saudade de vocês. — Volta, papai! — Arthur chorava. — Ei, filho. Não chora, papai está bem e mamãe está aqui. — Vi que meu marido ficou com os olhos brilhando. Arthur começou a chorar copiosamente chamando pelo pai, até Laís começou a fungar por ver seu irmão assim, tão triste. Uma tristeza profunda me tomou por não poder fazer nada, um sentimento de culpa me atingiu por não ter concordado em ir com ele nessa viagem, que mal começou e já causou tanto problema. Gustavo levantou-se da cama e por um momento a imagem do quarto do hotel que ele está foi tudo o que vimos. Depois de alguns segundos, ele voltou segurando dois embrulhos de presente. — Ei, filhotes, não chorem, papai veio trabalhar, mas quando eu voltar para casa vou levar um monte de presentes. Querem ver o que já comprei? Meus filhos olharam um pouco mais animados para tela. — Sim, papai. — Laís respondeu sorrindo. Essa minha filha é uma gracinha.

— Comprei um lindo barquinho de controle remoto para o meu garoto. Olha, filho, vamos usá-lo no lago. — Arthur sorriu secando as lágrimas das bochechas vermelhas. Gustavo desembrulhou um enorme pacote e tirou de dentro da caixa um lindo barco a vela, a proa vermelha e as velas em branco e azul. — É lindo, papai! Vovô vai com a gente? — Arthur indagou. — Sim, meu pai vai adorar nos ajudar com o barco no lago. — E eu, papai? — Laís perguntou ansiosa. — Deixe-me pegar o seu presente, filha. — Ele se afastou e pegou outro grande pacote. — Eu comprei uma coleção de pintura da Faber Castell, tem lápis de cor, papéis e tintas de diferentes cores, canetinhas coloridas, telas, pincéis e tudo que você precisar para pintar, filha. Assim minha princesa vai poder brincar bastante de desenhar o papai quando eu voltar. — Eu amei! — Os olhinhos azuis de Laís brilharam de felicidade. — Agora eu quero que vocês prometam que não vão mais chorar. Senão vou ficar triste e não vou me concentrar para ganhar a corrida. — Não vou chorar, papai, sou uma mocinha — minha filha prometeu, fiquei babando meus filhos e admirando o pai maravilhoso que dei a eles.

— Bom, crianças, mamãe vai colocar o jantar. Comportem-se. — Fui até a geladeira para pegar a janta que eu já havia deixado pronta. Meu marido continuou conversando com as crianças sobre a casinha de passarinho que eles descobriram na rua. Me peguei sorrindo em vê-los mais animados, mesmo que não me agradasse distraí-los com presentes, esse era um assunto que terei que conversar com Gustavo depois. Não queria criar crianças consumistas e mimadas, muito menos filhos que não supervalorizavam o dinheiro. Sentei ao lado deles e fiquei ouvindo Gustavo contar sobre o evento e o lugar que estava hospedado, enquanto as crianças comiam. — Você já jantou? — perguntei a Gustavo. — Comi mais cedo, estou sem fome. — Hum... — disse sem deixar de imaginar se a jornalista o acompanhou no jantar. Gustavo leu meus pensamentos. — Ei, não é o que você está pensando. Eu pedi comida no quarto, não tive companhia — ele se justificou, como se isso me tranquilizasse, o que não aconteceu, porque sabia que ele ia ter uma mulher lindíssima na sua cola o dia inteiro e em todos os eventos que iria participar. Era ela que ia sentir seu cheiro, ouvir sua voz, olhar em seus olhos, respirar o mesmo ar que ele. Não eu. — Não disse nada. — Fiz cara de desentendida e continuei o que estava

fazendo. Terminei de alimentá-los e lavei a pouca louça. Um tempo depois Gustavo se despediu, encerrei a chamada de vídeo com a birra das crianças. Coloquei um desenho do Bob Esponja, para tentar distraí-los. Respondi as mensagens do celular avisando que estava tudo bem conosco. Já passava das dez horas da noite quando Arthur e Laís deram sinal de cansaço. Não podia culpá-los, dormimos a tarde inteira. Levantei com cuidado para não os acordar, peguei Laís em meus braços e subi as escadas para colocá-la na cama. Fiz com Arthur o mesmo processo. Depois que estavam deitados e aquecidos, parei no limiar da porta admirando-os ressonando calmamente. A pediatra me disse uma vez que as crianças cresciam quando dormiam, lembrar disso me fez querer acordá-los. Ver meus bebês crescendo e se tornando pessoas com características e gostos me deixava feliz e aflita na mesma proporção. Acho que nenhuma mãe queria que seus filhos crescessem. Porque no fundo elas sabiam que um dia eles não seriam tão dependentes de nós como eram quando pequenos. E cogitar deixar de ser fundamental na vida deles me enlouquecia. Afastei os pensamentos negativos sobre isso e fui me deitar. Abracei o travesseiro de Gustavo, mas o sono não veio, peguei um livro na cabeceira e folheei tentando tirar minha cabeça dos problemas, mas não me concentrei nas palavras. Queria que meu marido estivesse aqui comigo. Queria tanto ouvi-lo dizer que me amava antes de dormimos abraçados e ouvir sua voz

me desejando boa noite. Fiquei remoendo minha saudade até resolver levantar e tomar uma taça de vinho, talvez o álcool me ajudasse a dormir. Quando já bebericava a quarta taça de vinho senti-me mais leve, o peso que estava nos meus ombros se desfez. Balancei o corpo ao som da música Send my love, da Adele, onde ela pedia para o cara enviar seu amor para sua nova amada. Irônico. Ri sozinha da minha própria piada ruim. Cantarolei baixinho a letra da música, circulando a borda da taça com a ponta dos dedos. Sobressaltei-me ao ouvir meu celular tocando na mesa de centro, pulei do sofá e corri para atendê-lo. Só podia ser Gustavo. Pelo sorriso sexy na tela percebi que estava certa, atendi no terceiro toque. — Oiiii... — Minha voz já estava um pouco estranha. — Oi, onde você está? — perguntou com a voz rouca de quando estava deitado. — Em casa. — Minha voz foi interrompida por um soluço. — Onde mais estaria? — Que barulho é esse? — O quê? Não posso mais ouvir música? — Você está bêbada, Liz?

— Hmmm... Deixe me ver... — gemi. — Talvez um pouco. — Dei uma risadinha. — Onde estão as crianças? — Dormindo com os anjos. — Liz, posso saber por que você está bebendo a essa hora da madrugada? — Posso te passar uma lista. Bem, por onde posso começar? Por que tive um dia ruim? Por que mereço um descanso? Por que meu marido gostoso está sendo perseguido por uma deusa a milhares de quilômetros de mim? Por que fui chamada de corna mais vezes do que alguém já foi chamado desse adjetivo em toda uma vida? — questionei irônica. — Liz, pelo amor de Deus! — Gustavo me repreendeu sem paciência. — Eu quero você... — solucei. — Meu dia foi uma droga, mas basta ouvir sua voz que esqueço tudo. Que grande idiota eu sou, não é, Gustavo? — falei seu nome como um gemido. Escutei sua respiração ficar entrecortada. — Você acha que eu não? Esse foi o segundo pior dia da minha vida. — E qual foi o primeiro? — O dia que você me deixou anos atrás. — Me falar essas coisas era injusto, mordi o lábio sentindo meu coração derreter, ele continuou: — Liz, eu

fiquei tão assustado, passou tanta coisa na minha cabeça. Pensei que você não acreditaria em mim. Pensei que você fosse embora de novo. — Quem disse que acredito em você? — Sim, você acredita, sabe que eu não faria algo assim, Liz. Você me conhece, vivemos sob o mesmo teto há alguns anos. Isso é tempo suficiente para você conhecer o que sou capaz ou não de fazer. — Não é essa a questão. Qualquer homem daria graças a Deus de estar debaixo da saia daquela deusa de mulher, em que você é diferente dos outros homens? — Um simples fato. — O quê? — bufei incrédula. — Eu amo você. — Suas palavras aqueceram meu corpo como uma lareira. — Gustavo... — sussurrei abafado. — Onde você está? Na cama? — Ele perguntou. — No sofá. — Que roupa você está vestindo? — Gustavo procurou saber, provocativo.

— Que isso? Sexo pelo telefone? — Hum, não sou assim tão fácil — respondeu com um tom divertido na voz. — E se eu for? — provoquei descaradamente. — Você é uma menina muito levada, sabia? — Tive um professor muito bom, sabia que ele não cansava de me dar orgasmos múltiplos? — Ah, é? — Hum-hum. Tão experiente, ele sabia das coisas boas da vida. E me ensinou a ser um pouco má, a Lana Del Rey está certa quando canta sobre meninas más. E como os homens as preferem. — Não gosto quando você fala essas coisas. Você não precisa saber o tipo de mulher que os outros homens gostam, precisa saber apenas que gosto de como você é. Me irrita supor que outro homem te tocou além de mim. Agora anda logo, me responda. Gargalhei do seu ciúme idiota, mas ele ficava tão fofinho quando agia assim. — Você está rindo de mim, Liz?

— Não, estou rindo do seu ciúme sem fundamento. Eu poderia mentir que estou com uma camisola de seda sensual, mas estou com sua camiseta velha do Kiss e uma calcinha de algodão. — Sorri pela minha tolice bêbada. — Hmmm... — ele gemeu em aprovação. — Aí é jogo baixo, porque adoro o Kiss e adoro algodão. — E você, o que está vestindo? — Apenas a boxer. — Hmm... Isso não se faz com uma mulher bêbada e sedenta a milhares de quilômetros. — Liz? — Hum... — Estou sentindo sua falta. — Sério? — Não tenha dúvida disso, nem um segundo sequer. Pode ser clichê, mas um dia longe de você é como se me tirassem um ano de vida. Estou envelhecendo, Liz, longe de vocês. — Não é clichê. Também tenho sentido a sua falta, tanto que parece que às vezes sinto que estou doente. As crianças também, você viu mais cedo, né? —

pergunto. — Sim, juro que se não tivesse assinado um contrato milionário, pegaria o primeiro avião para casa. — Não é necessário todo o transtorno. Tem o valor da quebra de contrato, é muito dinheiro, meu amor. Não se precipite. — Não me importo, Liz. Eu não estou bem com nossa vida na boca das pessoas, não estou bem em estar me explicando por uma coisa que não fiz. Não posso nem respirar, Liz, estou sufocado. Sem você, sem nossos filhos, longe da nossa casa. — Gustavo suspirou profundamente. Afligiu-me saber que meu marido estava mal com essa história tanto quanto eu. — Isso vai passar, esse novo patrocinador é excelente, esse evento será bom para sua carreira. Precisamos fazer isso funcionar, só depende de nós em concordarmos em ter paciência um com o outro e passar por isso. É sua profissão, querido. — Não sei se o motocross vale a paz da minha família. — Não fale assim. Nossa paz continua intacta, o mar balança o barco e temos a impressão de que vai naufragar, mas o barco se mantém de pé quando as ondas se acalmam. — Onde está aprendendo essas frases feitas?

— Com seu pai, ele tem uma porção delas na manga, e são tão úteis em momentos como esses. — Ouvi Gustavo rindo baixinho. — Thiago me ligou, me chamando de idiota. Fazia tempo que não o ouvia tão irritado. — Sério? Por que ele fez isso. — Algo ruim invadiu meus pensamentos. — Acabamos discutindo. Ele me disse que eu não lhe merecia, e por um momento eu concordei com ele. Você merece coisa melhor. — Isso não é verdade — tratei de corrigi-lo. — Bom, acho que ele tem um pouco de razão no final das contas. Mas sempre soube que quero mais do que posso ter. Amar e manter você para mim é uma prova disso. — Não fala assim. Ninguém seria suficiente senão você, eu gosto de pertencer a um motoqueiro tatuado. — Amo você ainda mais por isso. Meu irmão está estranho e não estou gostando nada disso. — Amor, releve. Seu irmão se sente como um pai para você. Ele te ama, ama nossa família, ele só quer nosso bem. — Ama — Gustavo confirmou, sua voz saiu grave, como se não

acreditasse nisso. Ficamos alguns minutos em silêncio tentando entender o significado daquilo. Gustavo me chamou baixinho, respondi com um gemido rouco, não querendo que ele percebesse que teríamos que desligar em algum momento. — Você acreditou no que noticiaram? — Calculei em minha mente como eu ia responder a essa pergunta, não via outra resposta se não a verdade. Mas iria magoá-lo se confessasse que realmente passou pela minha cabeça que ele teria me traído. Antes que eu pudesse abrir a boca para responder, a babá eletrônica, que estava em cima da mesa de centro alarmou com o choro de Arthur. Eu sabia que era ele porque, de tanto ouvi-los chorar, já reconhecia o choro de cada um. — Estão chorando? — meu marido perguntou. — Sim, Arthur acordou, amor, vou precisar subir para vê-lo. — Tudo bem, querida, eu vou dormir, amanhã tenho um dia cheio. Aviseme sobre qualquer novidade. — Tudo bem, boa sorte amanhã, amo você. — Também te amo, e Liz? — Oi — respondi ansiosa.

— Ainda vou querer ouvir sua resposta. — Ok — assenti e ouvi-o desligar. Apertando o telefone contra o peito, respirei fundo e corri subindo as escadas o mais rápido que pude para ver meu rapazinho. Quando cheguei ao quarto, Arthur estava sentado na cama chorando. — Oi, filho — sussurrei tentando acalmá-lo. Peguei-o nos braços e notei que sua pele estava muito quente. — Mamãe... quero o papai — falou me abraçando. — Shhh, não chore, meu amor. Venha, vamos para o outro quarto para não acordar sua irmãzinha. O pijama do meu filho estava colado de suor no seu corpinho pequeno, seus cabelos loiros estavam grudados na testa. Levei-o ao meu quarto com o coração menor que uma ervilha, ver meu filho doente era terrível. Daria tudo para ter o poder de transferir qualquer sofrimento da vida deles para mim. Deitei-o na cama, tirei a blusa do seu pijama e o examinei, coloquei a mão em sua testa tentando sentir sua temperatura, como meu pai costumava fazer comigo quando eu era criança. — Mamãe... onde tá o papai? — Ele chorou. — Filho, calma, mamãe está aqui com você. O que aconteceu? Você sonhou com o papai? — Arthur balançou a cabeça confirmando. — Ele está

trabalhando, você o viu correndo na tevê. Fica aqui bem quietinho que vou pegar um remédio para fazer você se sentir melhor. Já volto. Deixei-o deitado e corri até o banheiro, peguei a caixinha de remédios e levei até a cama. Alcancei o termômetro dentro da caixinha, coloquei-o embaixo do seu braço esquerdo. Alisei sua bochecha suave enquanto ele continuou chorando. Quando deu o tempo de verificar o termômetro, tirei-o e uma onda de nervosismo me atingiu. Arthur estava com 39º graus de febre. — Meu Deus, filho! — exclamei calculando o que fazer a partir dessa informação. Olhei para o quarto tentando raciocinar. Beijei sua testa e fiz um carinho para acalmá-lo, fui até o banheiro novamente, peguei toalhas de rosto e molhei-as com água fria na pia. Dobrei uma das toalhas em sua testa, enquanto isso passei a outra toalha úmida pelas suas pernas e pés para fazer compressa fria e ajudar a diminuir a temperatura do seu corpo. Em outro momento pensaria em dar-lhe um banho frio para diminuir a febre, mas Arthur não parava de chorar. — Filho, mamãe está cuidando de você, fique quietinho. Estou aqui, meu bem, estou aqui. — Peguei na caixinha o antitérmico que a médica das crianças indicou em caso de febre e ajudei-o a tomar.

Deitei do seu lado na cama e continuei as compressas frias em sua testa. Arthur fechou os olhinhos e foi pouco a pouco diminuindo o choro, substituindoo por soluços dolorosos. — Seu pai está trabalhando, mas ele vai voltar. O Gustavo ama muito você, filho, para ficar longe por muito tempo. — Ele abriu os olhinhos e me abraçou. Respirei fundo tentando buscar forças de onde não sabia, mas mantive a calma. Essa não era a primeira vez que um dos gêmeos tinha febre no meio da noite, contudo, nenhuma mãe se acostumava com isso. — Papai vai vim pá casa, mamãe? — Arthur perguntou baixinho. — Sim, filho, ele vai voltar porque ele nos ama, nós somos a família dele, e a gente sempre volta para a nossa família. — Família, mamãe? — Sim, filho, família. Fiquei o resto da noite velando o sono do meu menino, revezando entre cafuné e beijinhos. Sua febre baixou quando já era quase três da manhã. Depois que ele se acalmou, eu desci, fiz um chazinho de hortelã e gengibre, que era bom para combater a febre e deixá-lo hidratado. Ele tomou toda a mamadeira com o líquido morno, enquanto dormia tranquilo. Meus olhos estavam pesados de sono e exaustão, mas não me deixei vencer pelo cansaço. Só quando estava

amanhecendo, não resisti e dormi, abraçando meu filho o mais apertado possível, como se pudesse protegê-lo do mundo.

“Quando você ama uma mulher Você lhe diz que ela, realmente, é desejada Quando você ama uma mulher Você lhe diz que ela é a única Pois ela precisa de alguém Para dizer-lhe que vai durar para sempre” Have You Ever Really Loved A Woman? – Bryan Adams Gustavo Falar com minha mulher acalmou um pouco meu espírito que estava tão conturbado nas últimas horas, ver meus filhos também foi um grande alívio. Mas mesmo assim, não conseguia parar de pensar no quanto as crianças sentiam minha falta. Era torturante ser obrigado a sorrir e fingir que estava tudo bem, quando por dentro tudo que eu mais queria era pegar o primeiro voo de volta para

casa. Quando Liz se despediu de mim ao telefone, desabei na cama exausto, fechei os olhos e fiz uma prece para o tempo se apressar para que eu pudesse voltar para junto deles. Tateei o celular entre os travesseiros e olhei a hora, ainda sonolento: eram seis da manhã. Limpei os olhos com a mão livre e digitei uma mensagem para Liz.

Eu: Bom dia, minha flor, estarei cada segundo pensando em vocês. Te amo, seu motoqueiro.

Cliquei em enviar e beijei a tela do celular, onde estava a foto de Liz sorrindo na piscina da nossa casa com meus filhos enganchados em cada lado de sua cintura fininha. Lembrava-me de cada detalhe daquele feriado de Carnaval. O sol estava quente em Minas, o céu azul-celeste, da cor dos seus olhos, a rua estava cheia de folhas secas no chão, mas as copas das árvores estavam carregadas de folhas e passarinhos em suas rotinas de cantar e piar para os seus filhotes no ninho. A água da piscina estava fresca, passamos o dia ali na água, as crianças com seus corpos encharcados de protetor solar brincavam animadas em suas boias e macarrões coloridos. Lembrei-me de ter sentado na espreguiçadeira ao lado da piscina e ficar parado, admirando-os como um pintor admirava a sua

obra depois de finalizada. Liz sorria como uma menina em seu biquíni verde, o tom rosado das suas bochechas ressaltava as sardas graciosas do seu nariz arrebitado, ela me lançava olhares culpados enquanto brincava com nossos filhos. Porque ela sabia que eu era enfeitiçado em cada detalhe do seu corpo. Liz e os gêmeos eram minhas obras, minhas mais perfeitas obras. Deixei as lembranças na parte de trás da minha mente e foquei em algo que não me deixasse querendo apenas arrumar minhas malas. Tomei um banho frio, organizei os equipamentos que irei precisar durante o dia e desci para o café, encontrei em uma mesa no canto do salão toda a minha equipe pronta para começar mais um dia, Dudu conversava animadamente com a Kathy, enquanto Bruno mastigava o que parecia ser bacon frito. Um mecânico e dois representantes do meu patrocínio conversavam sobre a competição. Sentei-me em uma cadeira vazia colocando minha mochila no chão. Dudu me olhou como se não me visse há dias. — Bom dia, pessoal — cumprimentei. — Cara, você está com uma cara péssima — ele disse sorrindo. — Obrigado — agradeci ironicamente chamando a garçonete do restaurante para pedir um café. — Conversou com sua esposa? — Bruno perguntou e vi a jornalista muito

atenta a minha resposta. Desviei meus olhos dela e olhei para o meu amigo. — Sim, está tudo resolvido — respondi sem mais delongas, querendo encerrar o assunto mesmo antes de começar, não me alegrava nem um pouco saber que meu casamento era assunto de discussão em mesas de café da manhã. Já bastavam as fofocas na internet. — Que bom, sabia que a Liz ia entender. Hoje nosso dia está cheio. As competições começam depois do almoço, antes você vai participar de uma coletiva juntamente com outros atletas. Respirei fundo já me sentindo muito cansado, voltei a olhar para Kathy, ela me encarou com olhos de cobiça, assim que percebeu que a vi me admirando, ela pigarreou e voltou a tomar seu café. Isso me embrulhou o estômago, ela nem se deu ao trabalho de disfarçar. — O que foi? — perguntei encarando-a. — Bom dia para você também, Sr. Mal-Humorado — cumprimentou irônica. Kathy era uma mulher bonita, o tom oliva de sua pele combinava com os cachos negros de seus cabelos. Mesmo com toda a incontestável beleza, não me atraía. Talvez faltasse nela uma risada boba, um nariz empinado, lábios rosados e principalmente um belo par de olhos azul profundo.

Ignorei sua brincadeira sem graça, coloquei minha atenção no meu café e na porção de coisas que tinha para fazer. Nós íamos para um hotel onde seria feita a coletiva, uma van foi enviada pela organização do evento de motocross para nos levar até lá. Quando chegamos, fomos direcionados para uma sala de eventos, já entupida de vários jornalistas equipados com suas câmeras, microfones e gravadores. Bruno me indicou o local para sentar do lado de mais três pilotos, a coletiva foi preparada para a imprensa conversar com os três primeiros colocados. Como eu estava como primeiro colocado no ranking geral, assim que sentei no local indicado os flashes e disparos começaram. Já dei algumas entrevistas assim, mas era assustador. Um dos organizadores do evento disse algumas palavras sobre como iria funcionar o esquema de perguntas e respostas, os outros pilotos que estavam do meu lado na mesa horizontal onde estamos sentados pareciam nervosos. Eu estava apenas apreensivo para a possibilidade de surgir perguntas sobre meu casamento, ou sobre Liz. Apesar de que podia usar isso a meu favor. Bruno se aproximou e falou no meu ouvido: — Eu sei o que está pensando. Sem gracinhas, apenas seja educado. Eles vão te provocar para ouvir o que querem que você diga. — Sei com quem estou lidando. — Sorri, ele se afastou, e junto com Dudu, sentou em cadeiras na lateral para assistir à coletiva junto com Kathy, que

anotava alguma coisa em um bloquinho de notas. Assim que o organizador avisou que estavam liberados para começar, um mar de mãos foram levantadas pedindo a oportunidade de perguntar. Como eu estava sentado no centro da mesa, e a ordem era que começassem pelo melhor colocado, escolhi um jovem repórter no canto da sala. — Bom dia, Sr. Salles, sou Frank Walker, do Daily News. Primeiro nos fale como está se saindo com a pressão dos últimos dias. Ser o número um em um evento como esse e estar na mira constante da imprensa é positivo, ou isso pode atrapalhar seu desempenho? — questionou em inglês. Peguei o microfone sobre a mesa, beberiquei um pouco da água da taça e respondi no mesmo idioma: — Na verdade, quando você escolhe um esporte como esse para ganhar a vida, você aprende a lidar com a pressão. No motocross, estresse e pressão viram uma rotina e logo esse tipo de situação está incorporado no seu sangue. É inevitável, todo dia você está sob a pressão de não cair e quebrar o pescoço, ou errar uma manobra e ficar paraplégico. Ou bater em um adversário numa prova e destruir a vida dele, mas a maior pressão e maior dificuldade na minha carreira é a possibilidade de não poder voltar para a minha família, então, erros sobre a moto não estão no meu vocabulário. Não intencionalmente.

Quando terminei de falar, outra montanha de jornalistas gritaram pedindo a vez. Tomei mais um pouco de água e escolhi mais uma jornalista. — Sr. Salles, me chamo Nina Hernandez. Sou jornalista do El Mundo, da Espanha, obrigada por nos receber. Gostaria de saber como é estar como destaque mundial em um esporte que não é comum no seu país, que é referência no futebol — ela concluiu com um sotaque pesado. — Olá, Nina, eu fico feliz que possa representar meu país. Mesmo quando o motocross não é uma febre nacional como o futebol, como você mesma citou, o Brasil é um país muito receptivo para o esporte, apesar de não termos muito incentivo por parte do poder público, como existe em outros países. Já temos atletas excelentes no motocross e pouco a pouco esse número de expectadores vai crescer. Sem falar que os atletas brasileiros são campeões apenas por tentar. Amo o seu país, Nina, Aragón é um dos meus lugares preferidos no mundo. — Enquanto respondi, não pude deixar de notar a infinidade de lentes disparando. A jornalista agradeceu, e recomeçou a gritaria por uma chance de me fazer uma pergunta. Respondi mais duas até me deparar com o seguinte questionamento: — Você foi rápido em abafar o caso extraconjugal que vazou essa semana, com a jornalista da revista Radical. Como você driblou os fãs para, ao invés de abrirem votações sobre com quem você deveria ficar, criarem conteúdos sobre

sua mulher, elogiando-a e fazendo top 10 dos looks que ela usou quando foi fotografada com você. A quem você deve essa forte tirada de marketing? E como sua esposa lida com o assédio das mulheres? Quando o abutre terminou de falar, minhas mãos já estavam em punhos firmes por baixo da mesa, de canto de olho vi os rostos aflitos de Bruno e Dudu. Já Kathy disfarçou um sorriso irônico. Tomei uma respiração lenta e depois usei toda minha frieza em responder o mais educadamente possível o idiota. Lembrei-me do que Bruno falou, eles queriam me provocar. — Antes de lhe responder, preciso lhe dizer o que você deveria saber antes de estar aqui como um profissional. Mesmo sem ser da área, eu entendo que a função de um jornalista é prestar serviço à sociedade passando informações verossímeis sobre fatos que sejam de interesse público. E por esse motivo você errou em alguns pontos na formulação da sua pergunta. Primeiro: não se faz uma pergunta usando falsos julgamentos a um entrevistado; segundo: estou aqui para responder assuntos relacionados à minha carreira no motocross, e não para te contar sobre a minha vida pessoal, mas já que você tocou no assunto, quero mesmo esclarecer alguns pontos. Nunca faria o que foi divulgado equivocadamente na rede. Minha família está acima de qualquer coisa na minha vida, inclusive o esporte. Preciso fazer uma pergunta a vocês que estão aqui. Já

viram minha mulher? Já enxergaram o quanto ela é linda? Tenho certeza que sim, então me digam se preciso ter encontros furtivos com outra mulher? Amo e valorizo a mulher sensacional que tenho em casa, que além de linda e extraordinária como pessoa, é meu alicerce nessa Terra. Se gostam do meu trabalho, agradeçam a ela, porque é a minha esposa e meus filhos que me fazem dar o meu melhor para poder voltar para eles. Toda a sala ficou em silêncio com a minha resposta, descaradamente tomei outro gole da minha água e olhei para a minha equipe que estava boquiaberta com a minha resposta. Passado o choque, a sala voltou à confusão de mãos estendidas e gritos pedindo mais uma pergunta, mas o organizador da coletiva pegou o microfone e passou a palavra para outro atleta. O resto da manhã passou como um tufão; quando percebi, já era hora de me preparar para correr, nesta etapa da competição precisava me manter em uma boa colocação. Para que na grande final eu estivesse com uma boa soma de pontos. Vestia minhas joelheiras quando Dudu entrou no vestiário me mostrando o celular. — Liz — ele avisou me entregando o telefone. Atendi ansioso para ouvir a voz doce da minha loira. — Oi, minha flor. — Sorri só em saber que ela estava pensando em mim.

— Oi, querido, estou atrapalhando? — ela perguntou. — De jeito algum, está tudo bem? — Sim, só queria te desejar boa sorte e dizer que meu dia começou bem melhor com sua mensagem. Você me faz tão feliz, motoqueiro. — Meu dia é que começou melhor por ter acordado pensando em você. — Hmmm... — ela gemeu em aprovação e continuou: — Assistimos sua coletiva de imprensa, você se saiu tão bem, meu amor. Mesmo quando lhe questionaram sobre nosso casamento, você lidou maravilhosamente com a situação. Agora acho que te amo mais do que antes. Foi tão lindo como você me defendeu. Obrigada. — Ah, é? Pensei que já me amasse muito ontem. — Eu amo, meu amor, mas quando você age daquela maneira meu peito explode de tanto amor por você. — Liz riu com o que disse. — E meu peito explode de amor cada vez que ouço sua risada. — Oh, meu Deus! Pare de ser fofo, senão eu vou chorar novamente. — Não quero você chorando, pensei que ficaria feliz. — E estou, imensamente. Quero até fazer um brinde, estamos todos aqui no restaurante assistindo o evento pela tevê. Amor, o restaurante está lotado de

gente querendo ver você. Isso é tão incrível. — Estou ouvindo a gritaria — digo sorrindo, só de imaginar a bagunça. — Sim, seus pais não perdem a oportunidade de fazer festa. — E meus filhos? Meu amor, me fale deles. — Estão aqui correndo de um lado para o outro com a Cléo, estão ansiosos para lhe ver. — Estou ansioso para ver todos vocês. Querida, mais tarde ligo novamente, certo? Agora preciso ir me aquecer. — Vou esperar ansiosa. Escutei Liz respirar profundamente, como se estivesse puxando o ar dos pulmões. — Querido? — Hum? — Tenha cuidado — ela pediu e consegui sentir a preocupação no tom da sua voz. — Preciso voltar para a minha mulher, você viu o que falei na entrevista. — Garota de sorte. Te amo!

— Eu amo vocês. Um beijo em todos. — Beijos, meu amor, arrebenta — Liz me desejou boa sorte e desligou. Baixei o telefone ainda sorrindo, só Liz conseguia me deixar feito um bobo rindo à toa como se fosse um colegial que recebeu um oi da garota popular da escola. Tirei a camiseta pela cabeça para vestir a blusa com os slogans dos meus patrocínios e o colete de proteção. Quando me virei, Kathy estava parada no vão do vestiário do banheiro masculino. Ela não tirava os olhos do meu peito descoberto, e a forma como me olhava me causou novamente uma sensação ruim no estômago. Não era um olhar amigável, e sim de desejo. — Esse é o vestiário masculino! — esbravejei, acordando-a do transe. — Ah, eu sei — disse sem graça. — O que você quer? — perguntei enquanto vestia rapidamente a camisa. — Gustavo, eu vim estender uma bandeira branca. Do jeito que as coisas estão, não consigo levar adiante essa matéria sobre você. Você não tem me deixado participar de nada, sempre está me tratando com cinco pedras na mão. Não quero prejudicar seu casamento — falou com o sotaque puxado de novaiorquina. Olhei em seus olhos negros e percebi que estava sendo sincera. Para falar a verdade, ela tinha razão, desde que aquela mentira saiu em todos os jornais, fiz de tudo para não dar a entender a ela e a todos que pudesse existir

qualquer fundo de verdade. O que me fazia evitá-la como quem evitava o próprio diabo era esse olhar que ela me dava cada vez que me via. — Me desculpe. — Kathy sentou-se em um banco na minha frente, desamarrou o cabelo, que agora estava em um coque e fez um rabo de cavalo. — Podemos começar de novo? — perguntou estendendo a mão em minha direção em um gesto de paz. Olhei para a sua mão e ponderei, para que ela fizesse algo bacana, eu precisava tratá-la um pouco melhor. Talvez ela só me achasse bonito e não sabia disfarçar. Mas antes certifiquei-me de deixá-la ciente do tipo de relacionamento que eu estava disponível. — Kathy, sei que esse trabalho é importante para você, não quero dificultar as coisas para ninguém. Só não quero dar mais motivos para as pessoas falarem, então não posso ficar desfilando com você a viagem inteira. Se você estiver de acordo em fazer esse relacionamento ser apenas profissional, tudo bem. — Retribuí o aperto de mão, ela me olhou de boca aberta, como se não acreditasse no que falei. — Você soa muito prepotente, brasileiro — Kathy disse puxando a mão do meu aperto, caindo em uma risada irônica. — Eu já vi você me olhando com olhos de desejo, americana — retribuí a

ironia na sua nacionalidade, da mesma maneira que ela falou da minha. — Eu tenho namorado! — falou estupefata, como se aquilo fosse coisa da minha cabeça. — Coitado dele. — Sorri, caminhando para a saída. — Ei, volte aqui, preciso te fazer umas perguntas antes da competição começar! — gritou juntando sua bolsa e vindo atrás de mim. — Pelo jeito, essa é a única maneira que temos para nos comunicar. — Você é um impossível prepotente e idi... Antes dela se dar ao trabalho de terminar a frase, concluí: — Idiota, já ouvi muito isso. Caminhamos o resto do percurso até o estádio enquanto respondia algumas perguntas sobre minha preparação antes das competições, nada do que minha mente pudesse racionalizar para expressar como me sentia seria suficiente para descrever como verdadeiramente era. Um frio se instalou em meu estômago, minha boca ficou seca e a adrenalina inundou minhas veias. É hora do show!

“Para o teu amor, eu tenho tudo Desde meu sangue até a essência do meu ser E para o teu amor, que é meu tesouro Tenho minha vida toda inteira a teus pés...” Para tu amor – Juanes Liz Mais cedo...

O céu nem tinha raiado quando eu já tinha terminado de arrumar todas as coisas das crianças, liguei para a Dona Carmen e pedi que desse uma olhada na Laís enquanto levava Arthur à pediatra. Fiquei muito preocupada com a febre

insistente, vê-los doente sempre me assustava, não tinha como ser diferente. Meus filhos eram como o ar que respirava, não podia nem cogitar perdê-los. Enquanto terminava de secar meus cabelos, Arthur acordou sorrindo para mim com aqueles olhos castanhos amorosos, idênticos aos do pai. — Oi, filho, bom dia! Como está se sentindo? — Bom dia, mamãe — balbuciou se espreguiçando. Sentei-me perto dele na cama e conferi sua temperatura, afastando os cabelos da testa para sentir sua pele. Graças a Deus ele estava bem, a pele está apenas morna dos lençóis, muito longe da temperatura de mais cedo. Beijei-lhe as bochechas rosadas. — Você está bem, meu amorzinho? — perguntei lembrando-me da noite anterior. — Sim, mamãe. Cadê a Lala? — Laís vai passar a manhã lá na vovó Carmen, porque nós vamos visitar a doutora Gabriela. — Tô dodói, mamãe? — Ainda não sabemos, mas vamos descobrir. A doutora Gabriela vai nos dizer tudo que precisamos saber — disse sem querer deixá-lo preocupado.

— Ela me dá pilulito. — E eu gosto dela por cuidar de você e da sua irmãzinha desde que nasceram. Agora vamos nos aprontar porque temos muito a fazer hoje. Vamos ver o papai pela tevê, estou tão ansiosa. — Mamãe, quando papai volta? — Arthur perguntou levantando os bracinhos enquanto tirei sua camiseta para ajudá-lo com o banho, suspirei sem saber como falar a verdade ao meu filho. — Logo, logo, filho. H A visita à médica foi enervante, a pediatra ficou um pouco preocupada com a febre de Arthur, não que ela tivesse me dito, mas pude perceber aquela ruguinha entre suas sobrancelhas grossas, ela estava desconfiada de algo. Quando estávamos na sala de espera do hospital, Thiago me ligou para saber se estava tudo bem e se Arthur e eu estávamos precisando de algo. Achei superdelicado de sua parte, sempre tão preocupado e atencioso conosco. Enquanto esperávamos, Arthur sentou em meu colo e ficou brincando com a aliança de casamento em minha mão. E novamente uma dor insuportável atingiu meu peito de saudade. Hoje era um dia importante para o meu marido, e eu me recriminava por não ser um pouco menos egoísta e estar feliz por ele. Mas tudo

que eu mais queria era que ele estivesse aqui conosco, no nosso país, perto da nossa família, dos nossos filhos e de mim. — Liz que bom que você trouxe o Arthur para uma consulta, não é normal uma criança sentir febre sem um motivo aparente. Tenho algumas suspeitas, como gripe ou alguma virose da época. Mas quero que ele faça alguns exames para descartar algumas hipóteses — disse a mulher de meia-idade que tanto confiava. Olhei apreensiva para Arthur, que brincava distraído em uma mesinha de plástico colorida, ele montava algumas peças de Minecraft, tão atento à brincadeira que nem se virou para nos ouvir. — Eu que agradeço pela sua atenção em nos atender tão em cima da hora. Mas por favor, me fale, pode ser algo sério, doutora? Não quero que me esconda nada — digo apertando sua mão por cima da mesa. — Liz, tenha calma, crianças tem muitas gripes e viroses. Não se preocupe, seus filhos são crianças saudáveis, nunca ficaram doentes com algo mais sério que uma dor de barriga ou febre. — Ela me olhou por cima da mesa compreensiva. Chorei junto com meu filho na hora de colher seu sangue para os exames laboratoriais, doía em mim vê-lo sentindo qualquer tipo de dor. Mesmo que necessária como foi dessa vez, ficamos esperando cerca de uma hora na lanchonete, enquanto Arthur tomava um suco, até os resultados ficarem prontos.

Nesse tempo, Cris ligou para saber como ficaram as coisas entre mim e Gustavo, ela não parou de falar um minuto dizendo o quanto estava feliz com a atitude do Gustavo, e que sabia que no fundo ele não era tão idiota assim por me magoar. Ela também falou que chegava amanhã para passar uns dias conosco, meu coração deu um pulinho de alegria, com certeza ter minha melhor amiga perto de mim ia animar as coisas e fazer o tempo longe do Gustavo passar mais rápido. Quando finalmente Cris parou de falar, contei que estava preocupada com o Arthur e ela me deu aquele sermão, sobre minha preocupação excessiva com as crianças. Prometeu que quando chegasse iríamos relaxar, só nós duas como nos velhos tempos. — Cris, estou tão feliz que você vem. — Claro que eu iria, Liz. — As crianças vão adorar te ver, eles estão com tanta saudade de você. — Eu ainda mais deles, estou levando muitos presentes para os meus pestinhas! — Quer parar de chamar meus filhos assim? — pedi sem conseguir abafar o riso. — Amiga, eles não são nenhuns anjinhos. — Sorri da maneira engraçada com que ela reforçou a última palavra.

— Cris, eles não são tão ruins assim. Ela gargalhou e se despediu de mim, coloquei o celular novamente dentro da bolsa e enquanto tomava meu café olhando para o meu menino brincando, a enfermeira surgiu me chamando. — Senhora Liz? — Sim, sou eu. — Levantei-me e peguei meu filho no colo para irmos saber os resultados dos exames. A doutora Gabriela me estendeu o resultado dos exames, seus olhos agora mais apoiadores do que preocupados. Não sei se isso era uma coisa boa, ela começou a me explicar o que significavam aqueles resultados. — Como eu desconfiava, não é nada grave. — Ai, meu Deus, que alívio — falei em um silvo. — Os exames de sangue estão bons, mas há um pequeno detalhe que precisamos nos atentar. — O quê? — O hemograma acusou um pouco de anemia. — Anemia? Mas eu mesma preparo a alimentação deles, sempre incluo frutas e legumes como a nutricionista explicou. Eu não entendo.

— Liz, se acalme, anemia é comum em algumas fases da infância. Nem será preciso medicação, apenas reforçar a ingestão de alguns alimentos ricos em ferro. Mas acho que a febre que ele teve não foi devido à anemia, porque, como falei, está muito pouco abaixo do normal para a idade dele. Desconfio que seja algo emocional. — Emocional? — Sim, como ele tem se comportado ultimamente? — Ele está mais choroso desde que meu marido viajou. Gustavo está nos Estados Unidos, como a senhora deve saber. — Nesse caso é preciso conversar com ele. Explicar que o pai está longe temporariamente. Arthur ainda é muito pequeno para entender certas coisas, mas basta redobrar o carinho e cuidado com ele, tenho certeza de que ele em breve irá se sentir melhor. — Nós conversamos bastante sobre isso, mas meu menino sempre fica muito afetado quando meu marido está viajando. Ele não lida bem com a saudade que sente do pai. — Aproveite para gastar o tempo com ele e distraí-lo. Sei a mãe atenciosa que você é. Seus filhos são crianças incríveis, eles ficarão bem. Você vai saber contornar isso. — Ela me lançou um sorriso e esforcei-me para confiar em suas

palavras. Quando uma mulher se tornava mãe, estava sempre pensando que não era boa o suficiente em cuidar dos pequenos. Ainda mais quando se era mãe de gêmeos, por mais que você fosse cuidadosa, nunca era o suficiente. Nesse momento comecei a duvidar da minha ideia em começar a trabalhar, talvez eu precisasse amadurecer um pouco mais essa decisão. Despedimo-nos da doutora Gabriela, Arthur ganhou uma bala de caramelo e saiu satisfeito do hospital, alheio ao que aconteceu. Ajudei-o a se sentar na cadeirinha de segurança do carro, entreguei-lhe sua moto em miniatura que Gustavo lhe deu de presente, beijei sua testa e admirei como meu filho era lindo. — Eu te amo, filho. — Tá cholando, mamãe? — perguntou alisando meu rosto com os dedos pegajosos de doce. Limpei uma lágrima, que nesse momento era de felicidade, e apertei-lhe as bochechas, beijando-lhe todo o rosto, abracei meu pequeno bem apertado e me deliciei em sentir seu cheiro. — Mamãe, tô sem ar — disse sorrindo. — Me desculpe, não resisto a tanta fofura. — Baguncei seus cabelos, afivelei seu cinto e entrei no carro para nos levar para casa.

Quando cheguei ao restaurante, fui recepcionada pela nossa família a postos nos esperando. Meus sogros, meus cunhados e até mesmo a namorada de Guilherme estava à mesa me lançando um olhar aflito. Carolina estava com Laís no colo e Cléo, que já estava uma mocinha, sentada em uma cadeira ao lado de seu pai. — Então? — Todos perguntaram em coro. — Arthur está bem, não foi nada de mais — tratei de acalmá-los. Ouvi um suspiro coletivo de alívio. — Graças a Deus nosso menino está bem! Sente-se, querida. Gustavo vai começar uma entrevista coletiva antes da corrida. — Coletiva? Não estava sabendo. — Sim, vem, sente-se para assisti-lo. — O senhor Augusto puxou uma cadeira para mim, mas antes de sentar para assistir, fui até Laís, que parecia enfezada no colo da Carol. Peguei-a no colo enquanto meu filho foi beijado e abraçado pela família preocupada. — Oi, princesa, mamãe estava com saudades. Você se comportou bem? — pergunto apertando seu narizinho arrebitado, igualzinho o meu. — Oi, mamãe.

— O que minha princesa tem? Está chateada? — Mamãe, po quê você não me levou pá passear? — Cruzou os braços sobre o peito fazendo birra. — Filha, eu levei seu irmão ao médico. Por isso pedi para você ficar com a vovó Carmen. — O Tutu tá dodói? — Sorri pela preocupação que eles tinham um com o outro, o amor desses irmãos era impossível de explicar. Talvez esse elo tivesse se formado quando dividiram o mesmo útero. — Seu irmãozinho está bem, graças a Deus. — Também quelo passear — Laís reclamou. Respirei fundo e pensei em algo para fazê-la se sentir menos chateada. — Que tal se depois da corrida do papai fôssemos fazer um programa de meninas? Só eu e você. — Mamãe, não vou ficar tisti se o Tutu for com a gente. — Então tudo bem. — Abracei minha filha, orgulhosa. Dona Carmen se aproximou colocando Arthur no chão. — Agora já podemos começar os preparativos para assistir Gustavo. — Minha sogra bateu palmas como um general em ação e começou a delegar ordens

aos garçons, beijou cada um de nós, deu um beijo mais demorado no seu marido, o que causou pigarros e gritos dos filhos, e saiu afoita para a cozinha. Sentamo-nos para assistir a coletiva em uma mesa num lugar mais reservado do restaurante, todo o pessoal focou os olhos na tevê na parede. Quando meu marido surgiu na tela, meu coração parou de bater por um momento. Sua beleza nunca deixava de me impressionar, seu corpo ocupou o centro da mesa, como se fosse acostumado a estar na mira das lentes do mundo inteiro o tempo todo. Ele era todo altivo. Gustavo começou a responder as perguntas muito bem, seguro e desenvolto. Não parecia nervoso nem afetado pela infinidade de flashes disparados. Mas o ar sumiu dos meus pulmões quando um dos jornalistas fez uma pergunta constrangedora e completamente acusatória sobre a suposta traição de Gustavo. Meu marido ouviu o homem terminar de falar, e mesmo fingindo calma, percebi seus olhos ficarem nublados. Sei que ele estava se segurando para não partir para cima do homem. Meu sogro rapidamente levantou e levou meus filhos para outra lateral do restaurante, para que eles não pudessem ver ou ouvir o que ia acontecer a seguir. Toda a mesa olhou aflita para a televisão, eu estava sufocada, minhas mãos tremiam enquanto as deslizava pelas coxas. Porém, ao contrário do que todos imaginavam, Gustavo deu uma resposta totalmente fora do seu personagem,

geralmente arredio a tudo que fosse relacionado à nossa vida pessoal. Muito educado e sucinto, meu marido respondeu ao jornalista deixando a sala em silêncio, da mesma forma que deixou meu coração, que parou de bater com as coisas lindas que me falou. Quando a entrevista coletiva terminou, eu não conseguia parar de sorrir. Não perdi tempo e liguei para ele. Depois que nos despedimos voltei minha atenção novamente para os meus filhos. Assistimos toda a corrida juntos, comentando e gritando quando foi a vez de Gustavo entrar na pista. Seus irmãos e pais gritavam como loucos balançando os braços de um lado para o outro, as crianças pulavam nos pezinhos como pipoca. Enquanto eu e a Dona Carmen pegamos na mão uma da outra e assistimos a tudo com o coração na boca. Gustavo realizou manobras surpreendentes e saiu inteiro delas, finalmente suspirei aliviada e levei meus filhos para o nosso passeio. Decidimos ir ao cinema e depois tomar sorvete no parque, as crianças se esbaldaram. Acabei trazendo para casa dois amores sujos de terra e sorvete, mas ganhei sorrisos lindos. Olhando para eles pelo espelho retrovisor do carro, tão maravilhosos e tão parecidos com o pai, podia ver Gustavo através deles em cada detalhe. Desde o jeito gentil de Arthur ao espírito aventureiro de Laís. Queria que ele estivesse aqui conosco, criando nossos filhos e aproveitando-os. Engoli o bolo que se formou no meu peito. Ouvir suas palavras na tevê trouxe novo ânimo. E a

confirmação de que eu precisava de que precisamos ficar mais unidos do que nunca. Não havia motivos para desconfianças, Gustavo me amava, ele me deu amor, uma família, filhos lindos, e cuidava de nós com tanto zelo e proteção que muitas vezes me perguntava se eu era o suficiente para ele. Mas acreditava que sim, nós éramos mais fortes do que qualquer tempestade. Não irei me apegar a opiniões ou julgamentos de terceiros, que se achavam conhecedores da nossa vida. Vou me segurar com unhas e dentes por tudo que ele me fazia sentir. Nosso amor não foi feito para ser efêmero, ele nasceu em nós para ser eterno, e se depender da mim, farei o impossível para mantê-lo assim. Forte como um diamante.

“Quero esconder a verdade Quero abrigar você Mas com a fera dentro Não há onde nos escondermos...” Demons – Imagine Dragons Gustavo Entrei na arena muito mais feliz e tranquilo por ter ouvido a voz da minha mulher, a minha inspiração para acordar todos os dias e querer mais da vida. Ela e meus filhos, e minha família eram tudo o que eu tinha. Liz me mostrou o que era ser feliz plenamente, eu comecei a enxergar que o que eu vivia antes era uma vida de enganos. Eu era vazio, meu peito só tinha espaço para mágoas e rancor. E hoje quando me olhava no espelho, via o filho da puta sortudo que eu era. Casei

com a mulher da minha vida e tinha os filhos mais especiais que alguém poderia ter. Mesmo com o coração apertado por eles não estarem aqui, sabia que estavam lá torcendo por mim. Por isso precisava orgulhá-los. Comecei a competição bem, já estava adaptado à minha moto. Sabia o momento certo de cada coisa em cima dela, meu relacionamento com minha motocicleta surgiu bem antes de Liz, era tão sério quanto qualquer coisa na minha vida. O estádio estava lotado, milhares de pessoas lotavam as arquibancadas, muitos jovens e moças alvoroçadas com copos de cerveja, os gritos obscenos não passavam despercebidos. Os gritos eram como música aos meus ouvidos. Ouvi a plateia se agitar a cada participante chamado pelo locutor. Meu sangue começou a esquentar quando escutei meu nome nos alto-falantes, acelerei e entrei no estádio. Mesmo sem querer me sentir como predileto, tive certeza de que ouvi muitos mais gritos quando adentrei a arena. O estádio de competição era um campo de futebol adaptado para o evento, que ao invés de ter grama, era aterrado com muita terra barrenta para que os pneus das motos tivessem estabilidade nas manobras, e evitar que caso acontecesse um acidente, algum de nós caísse, a coisa fosse um pouco pior, além de muita sujeira. O que eu particularmente adorava. Corria hoje no ArenaCroos. O objetivo era tentar chegar ao final do campo no menor tempo, tendo desviado

de obstáculos e pulado alguns barrancos colocados estrategicamente por todo o percurso, isso fazendo o possível para chegar primeiro que os outros competidores. Já tive oportunidade de ir ao Maracanã, no Rio de Janeiro, e o tamanho do lugar era equivalente. Eu e os outros pilotos nos posicionamos no local de largada, antes do árbitro dar sinal de largada, beijei o pingente com a foto dos amores da minha vida e acelerei. Um minuto e quarenta e seis segundos depois, cruzei a linha de chegada ofegante, pisquei para tentar controlar a adrenalina que sentia e comecei a ouvir os gritos ensurdecedores. Vi ao meu lado encostar outros competidores, que xingavam em suas línguas, contrariados com seus tempos, enquanto me dei conta do resultado. Cheguei em primeiro lugar, tirei o capacete ainda sem fôlego e acenei para as pessoas. Muitos fotógrafos se aproximaram querendo garantir o melhor ângulo do campeão. Sorri, acenei e entrei no automático, tudo que mais queria era correr para o meu quarto no hotel e contar a novidade para Liz, que com certeza já devia estar sabendo, mas não podia pensar em outra coisa a não ser em como queria comemorar com ela. Depois de três longas horas de fotos, entrevistas e autógrafos, consegui finalmente correr para o hotel para poder tomar um banho e cair na cama. Meu celular estava cheio de mensagens de parabéns dos amigos, mas não

abri nenhuma delas antes de ligar para a minha mulher. Cada segundo que ficava longe de Liz percebia o quanto sentia sua falta. Falta da nossa cumplicidade adquirida com os anos de convivência. Acordar e não olhar dentro daqueles olhos azuis me doía no peito. Sem falar em que nunca ficamos tanto tempo sem fazer sexo, isso só aconteceu no resguardo dos gêmeos. Sei que reclamei que estávamos sem tempo para transar, mas confesso que exagerei. O fator que mais contribuía para nossa distância na cama eram as minhas viagens, claro que depois que as crianças nasceram tudo mudou. Não era para menos, tínhamos duas pestinhas para cuidar. Mas faminto como eu era com relação à Liz, sempre arrumava um jeitinho de matar minha fome dela. Uma vez no meu aniversário, lá no restaurante, fugimos de fininho e fizemos um sexo louco no banheiro dos funcionários. O que fez todo mundo começar a nos procurar, Liz ficou envergonhada ao surgir ao meu lado com o rosto vermelho, a boca inchada e as roupas amarrotadas de quem acabara de ser fodida. Todo mundo nos encarou de olhos arregalados, é óbvio, e não conseguimos escapar das piadas escrotas de Guilherme. Rindo sozinho das minhas lembranças, eu liguei para a Liz, fiquei excitado só de recordar como ela gemia alto de prazer e eu tentava em vão tapar seus gritos com beijos apaixonados. Pela hora, ela já devia estar dormindo, mas tentei arriscar mesmo assim.

Não conseguirei dormir sem ouvir sua voz gostosa no meu ouvido. — Amor! — Liz atendeu no segundo toque. — Oi, linda. — Estava tão ansiosa para falar com você, como você está? Está sentindo alguma dor? Meu Deus, Gustavo, você já viu as imagens da competição? Você voou em cima daquela coisa. Você queria me matar? Será que você não poderia ter escolhido outra coisa para fazer na vida? Ser contador, cuidar dos impostos ou administrar o restaurante da sua mãe? — Liz falou as palavras sem fôlego algum, sabia que ela devia estar nervosa. Não resisti em rir baixinho, imaginando-a com o telefone apoiado no ombro enquanto gesticulava com as mãos andando de um lado para o outro no nosso quarto, vestindo apenas uma camiseta minha e calcinha. — Não ria de mim, seu ingrato! Eu e sua mãe quase morremos de um infarto hoje. Eu deveria proibi-lo de voltar a fazer isso, você quer me deixar viúva antes de completar trinta anos. É isso que você quer? Ou você quer que eu vire uma louca sem marido? Porque eu nunca me atreveria a casar de novo. — Minha flor, calma, me deixe falar. — Ouvi-a começar a chorar baixinho. — Me desculpe, eu sou uma louca neurótica, não sei como você me

aguenta — Liz disse entre os soluços. — Ei, querida, pensei que estaria feliz por mim. — Eu estou, mas também estou com muita raiva. — Sei que você se preocupa, mas posso lhe garantir que estou bem, só estou cheio de saudades. Onde você está? Por que você está chorando? — falei com uma voz carinhosa tentando tranquilizá-la. — Estou no nosso quarto, as crianças já dormiram. Eles estavam elétricos e não paravam de dizer o quanto estavam orgulhosos. Torcemos tanto para você, que parecia até final de copa do mundo. As crianças ficaram enlouquecidas pelo papai delas ter ganhado em primeiro lugar. Depois os levei para passear, quando voltamos eles estavam exaustos. — Obrigado por torcer, me fale mais dos meus pequenos — pedi com o rosto ostentando um sorriso maior que o do Máscara. — As crianças não sabem do perigo que você corre em cima daquela moto, elas te acham um super-herói. — Vai ver eles estão certos — brinquei — Agora quero que você deite na cama e me conte tudo, principalmente o que está vestindo — falei para seduzi-la. Liz sorriu, e ouvi o farfalhar dos lençóis. Sua risada doce acendeu um

dispositivo no meu cérebro, me deixando excitado, um arrepio percorreu meu corpo apenas em ouvir sua voz, não sabia como uma pessoa podia ser tão suscetível à outra pessoa assim, mas eu era. Perto de Liz era apenas um tolo apaixonado. — Pronto, estou deitada como pediu. E sobre sua pergunta, estou vestindo sua camiseta do Led Zeppelin e aquela calcinha preta de renda, que vesti antes de você ir embora. Nada sexy, me desculpe. — Hmmm... Pode ter certeza de que essa é a coisa mais sexy que posso imaginar agora — gemi em aprovação, feliz por conhecer tão bem minha mulher. Pude ver na minha mente, seus cabelos loiros assanhados sobre os ombros, a minha camiseta folgada sobre os seus seios livres de sutiã, as pernas nuas e o núcleo coberto apenas com uma peça de renda. Como posso não ficar louco? Ela estava vestindo minha roupa, porra! Ela queria meu cheiro em sua pele. E isso me deixava orgulhoso pra caralho. Saber que Liz me pertencia acariciava meu ego, mais do que isso, acariciava minha alma. Estava sendo um puto machista das cavernas, mas pouco me importava, ela queria ser minha. — E você? — Não tive tempo de vestir nada, apenas tomei banho e desabei na cama. Estava louco para falar com você. Não consegui me desvencilhar dos jornalistas antes, me desculpe.

— Hum... tudo bem, meu amor, estou com tanta saudade. Para ouvir sua voz vale a pena esperar pelo tempo que for. — Nem me fale em saudade. Meu peito parece que vai explodir a maior parte do tempo. — Gustavo? Preciso te falar uma coisa, mas não quero que se preocupe. — O que foi? — Uma sensação ruim queimou em meu estômago, a voz de Liz parecia preocupada. — Arthur. — Liz, o que tem meu filho? O que aconteceu? — questionei levantandome. — Calma, não foi nada de mais. — Isso quem decide sou eu. Me diga! — exigi. — Não precisa ser grosso! Arthur teve febre insistente ontem à noite, hoje o levei à pediatra, ela disse que a causa pode ter sido apenas um pouco de anemia ou algum estresse emocional. Nem remédio ele irá precisar tomar, apenas comer alguns alimentos e se distrair. — O quê? E por que você não me contou nada? Era para ter ligado para mim imediatamente, eu voltaria para casa para poder cuidar dele.

— Eu não queria lhe preocupar em vão. — Porra, Liz, mais uma vez você esconde as coisas de mim, ainda mais se tratando da saúde do meu filho. — Gustavo, não seja injusto. Eu só não quis preocupá-lo antes da competição. — Injusta tem sido você, em me esconder algo desse tipo. Você está dificultando as coisas, Liz. Estresse emocional, por que isso? Por que uma criança de três anos está estressada? E por que eu pareço ser o último a saber sobre a saúde do meu filho? — berrei, sem conseguir controlar a raiva e a preocupação que se alastrou no meu peito. — Você está sendo um grande idiota, eu só quis lhe poupar a carreira, não ia cair bem para sua imagem abandonar uma competição tão importante porque nosso filho teve uma febre. Já lhe expliquei que não passa de uma anemia idiota que quase toda criança tem. Agora pare de agir feito um imbecil, ou você esqueceu que sua imagem já está bem abalada após as fotos com a sua amiguinha americana? Estou exausta de sempre estar me explicando para você, como se estivesse fazendo algo errado, quando tudo que tenho feito é em prol do seu bem! — ela gritou essas palavras, me deixando de boca aberta. — Liz... — tentei cortá-la, mas foi em vão.

— Você está sempre me culpando, Gustavo, mas não percebe que tudo que tenho feito é tentado que nada de mal lhe afete. Estou cuidando do nosso filho, mas o estresse que ele tem sentido é apenas saudades do pai. Apenas isso, mas, ao contrário de você, não estou jogando isso na sua cara, porque sei que esse é o seu sonho. O motocross é a sua vida, e não seria justo pedir para você escolher. — Meu Deus... mulher! — Inspirei cansado, esfregando os olhos. — Boa noite, Gustavo! E parabéns! — A linha ficou muda. Eu era um idiota. E tinha uma esposa geniosa dos infernos!

“Pois nunca sabemos quando Quando ficaremos sem tempo Então eu vou te amar como se eu fosse te perder Eu vou te amar como se eu fosse te perder...” Like I'm Gonna Lose You (feat. John Legend) Liz Arremessei o telefone num canto do quarto, fazendo-o se partir em dois. Droga! Todo meu corpo estava tomado de raiva. Por que meu marido tinha que ser tão cabeça-dura? Nunca era flexível com nada que fazia, Gustavo tinha que estar sempre no controle de tudo sobre nossa vida. Sempre estava desconfiado, achando que escondia as coisas dele, mas será que ele não enxergava que só fiz isso para poupar sua carreira?

Não queria estragar essa viagem para ele, ainda mais depois do começo conturbado que tivemos. Não pegaria bem para sua imagem estar vinculado a um atleta furão e que abandonava os campeonatos em andamento, olho para o celular caindo e imediatamente me arrependi do que fiz. Nele estavam as fotos mais recentes que tirei das crianças, e fotos minhas e de Gustavo. Corri para apanhar os cacos do que restou, xingando-me mentalmente. Coloquei novamente a bateria e tentei ligá-lo. Para minha sorte, ele apenas desencaixou as partes e rachou uma fissura na lateral esquerda da tela. Cruzei os dedos para que ele acendesse, e para meu alívio ele deu sinal de vida. Beijei-o agradecida. — Oh, como sou idiota! — Assim que o sinal apareceu na tela, o telefone começou a tocar na minha mão. Vi o sorriso do meu marido iluminar a tela e toda raiva que estava sentindo evaporou, tentei ser firme e fazê-lo se arrepender de gritar comigo daquele jeito. Não atendi logo de primeira, deixei-o ligar pela terceira vez, me segurando ao máximo para fazê-lo sentir-se tão frustrado quanto eu. Sabia que estava sendo infantil, mas uma mulher tinha que ter seu orgulho. Respirei fundo. — Oi — atendi secamente e ouvi um suspiro pesado, do jeito que ele fazia quando estava tentando esfriar a cabeça. — Liz... — ele falou baixinho, e mal pude ouvir novamente o suspiro pesado que ele deu após falar meu nome.

— O que você quer? — Esforcei-me ao máximo para me manter firme em deixá-lo saber o quanto estou chateada. — Perdoe-me, eu sei que deve estar cansada de me ouvir dizer isso, mas estou sendo sincero. Minha flor, não acabamos de brigar devido ao fato de você não me contar as coisas? Preciso que você entenda que nossa família está acima de qualquer outra coisa no mundo. Liz, sei que você tentou me proteger por causa da competição, mas eu não quero ser protegido. Eu sou seu marido, droga! Que homem sou eu se não souber lidar com nossos problemas? Eu que tenho o dever de cuidar de você e dos nossos filhos. — Sinto muito... — eu disse, como se minha voz fosse apenas um soluço em meio ao choro que rompia do meu peito. — Não chore, pare com isso. Odeio ver você chorando, odeio ainda mais não estar aí para lhe abraçar e dizer o quanto te amo. Eu fui um idiota, me ajude a consertar as coisas, Liz. Me ajude a ser o que você precisa. — Oh, meu amor, você já é... — afirmei com a voz embargada. — Como eu queria estar perto de você, sinto tanta falta do seu abraço, tenho me sentido tão sozinha. — Liz, não faz assim — sussurrou meu nome. — Eu te amo tanto, Gustavo, eu não quero brigar com você nunca mais.

— Também não quero, nunca mais. Faz uma coisa para mim? Você faz? — Agora a voz de Gustavo estava carregada de puro desejo. Eu conhecia essa voz, era assim que ele falava comigo quando estava cheio de segundas intenções. — Qualquer coisa — respondi com a boca seca em antecipação, nesse momento se ele pedisse que eu pulasse de uma ponte, eu pularia feliz, porque agora não conseguia nem lembrar meu próprio nome, quanto mais unir forças para negar. — Levante-se. — Estou deitada. — Levante e dispa-se, imagine que está fazendo isso para mim. Imagine que estou sentado na poltrona no canto do nosso quarto admirando você. — Ponderei seu pedido por alguns segundos, nunca fizemos nada tão ousado, as nossas ligações nunca passaram de frases apimentadas e provocações. Mas fazer literalmente a coisa em si, nunca tive coragem. Nada se comparava as mãos de Gustavo em mim, sua mão áspera deslizando pelo meu corpo, então guardei todo meu tesão para quando ele voltasse de viagem. — Liz... faça o que estou pedindo. Pare de pensar tanto, daqui estou ouvindo seu cérebro trabalhando — ordenou, me trazendo de volta para a realidade, sua voz grave me causou ondas de excitação e calor pelo meu corpo,

comecei a sentir o formigamento entre as coxas. Fiz como ele pediu e me deixei levar. Fechei os olhos e tirei a camiseta. — Não fique em silêncio. Narre detalhadamente o que está fazendo, eu quero imaginar você. Comecei a dizer passo a passo tudo que estava fazendo, me embolei um pouco com as palavras devido ao fato de estar cheia desejo e minha mente nesse momento só conseguir imaginar que Gustavo estava aqui nesse quarto, vestindo apenas uma calça de moletom cinza que ele usava em dias frios, com a perna apoiada no joelho e a mão esquerda estendida passando suavemente o polegar pelo lábio inferior, pude imaginar perfeitamente seus olhos castanhos como tochas de fogo querendo derreter tudo em mim. Gustavo sempre foi fogo, e eu sempre fui o iceberg que ele soube derreter pouco a pouco, me transformando em uma mulher louca por sexo. Sexo com ele, sexo com amor. — Liz... — ele ofegou, tive certeza de que Gustavo estava se tocando, e isso me excitou de uma maneira que comecei a gostar cada vez mais da brincadeira. — Minha flor, eu ia assistir você se despir para mim e depois caminharia lentamente, feroz como um animal pronto para devorar a presa, mas calculista como um leão, que sabe a hora certa de atacar. Eu iria parar em frente a nossa cama e ia tirar minha calça, sem tirar os olhos de você, porque ia querer muito ver sua boca esperta se abrindo admirada ao ver como você me deixa

alucinado. — Hmmm... — gemi. — Eu começaria a beijar seu corpo desde o pé, não seriam beijos rápidos, mas beijos apaixonados, de quem quer devorar cada centímetro de pele, sem perder nada. — Gustavo ... — Só de pensar eu estava quase em ebulição. Como um homem podia fazer isso apenas com palavras e alguma imaginação? — Eu sei, você ia querer se apressar. Você não é uma mulher para se degustar com pressa, eu iria jogar com as minhas regras, sentiria o seu cheiro maravilhoso de flores, Liz. Lembra-se quantas vezes já te disse isso? Você cheira a um jardim florido em dia de sol, fresco e doce. O perfume da sua pele revigora minha alma. —Você está me deixando louca — sussurrei, sem saber ao certo se ele conseguiu entender o que disse. — Liz, eu sugaria todo seu mel. Te faria sentir prazer apenas com minha boca sobre seu corpo macio. — Sim... — Liz, agora quero que separe as pernas e toque-se. Toque-se como você

acha que eu faria. — Sem raciocinar, fiz o que ele disse, e percebi que meu núcleo estava úmido, fechei os olhos e me concentrei na tarefa. Meus dedos trêmulos tocaram o botão intumescido, arqueei as costas, gemi ensandecida de prazer. Gustavo sempre estava me levando além do que eu podia aguentar. Meu marido além de ter sido o primeiro homem da minha vida, era o único que me fazia sentir assim, tão aflorada para o sexo, descobrindo o poder que tinha sobre meu próprio corpo. — Liz, eu estou tão duro, porra. Não vejo a hora de voltar e poder me enterrar inteiro dentro de você, eu não vou ser macio. Eu preciso ser áspero com você, porque estou morrendo, Liz, e só posso te mostrar o quanto tenho fome de você sendo bruto. Deixando as marcas das minhas mãos em cada nádega de sua bunda arrebitada. — Meu Deus, Gustavo. — choraminguei mordendo o lábio. Permaneci tocando naquele ponto que parecia ativar algo dentro de mim, porque estava enlouquecida. — Goze, Liz! — ordenou daquele jeito mandão e tão sexy que ele faz. — Ahhhh... — gritei convulsionando em um orgasmo louco. Escuto ao telefone um urro misturado de prazer e dor.

Permanecemos ali, apenas escutando a respiração ofegante um do outro. Após alguns minutos meus olhos começaram a pesar. Passar a noite em claro com Arthur febril foi muito cansativo, e hoje o dia foi bem cheio. Depois que fiquei algum tempo em silêncio, apenas ouvindo sua respiração, Gustavo me chamou baixinho, como se quisesse ter certeza de que eu estava acordada. — Minha flor? — Hummm — resmunguei. — Durma, querida, mas deixe o celular ligado, quero ouvir sua respiração. Quero imaginar que estou deitado ao seu lado. — Você é tão doce. — Tudo culpa sua, agora durma, meu bem. — Ele disse e obedeci, mesmo tentando resistir, eu me rendi e dormi com um sorriso bobo ouvindo Gustavo respirar do outro lado da linha. H Acordei com uma coceirinha no nariz, abri os olhos ainda sonolenta e me deparei com dois banguelinhas sorrindo para mim. — Bom dia, mamãe! — Laís falou sorrindo com os olhos azuis como o céu.

— Acorda, mamãe! — Arthur pediu pulando na cama. — Oi, meus amores, que horas são? A mamãe dormiu demais? — Beijei suas cabecinhas cheirosas e cabeludas, e olhei para o despertador no móvel ao lado da cama. Meu Deus, são 09h46! — Mamãe, tem um homem batendo na porta — Arthur informou puxando minha blusa para eu levantar. — Homem, filho? Que homem? Vocês não abriram a porta, não é? — O pânico que senti quando fui atacada por aquele desconhecido no restaurante dias atrás me invadiu. Sentei-me assustada na cama. Fui até a janela e vi um carro estacionado em frente à nossa casa. — Ele está lá fora! — Laís disse sorrindo. Passei as mãos no cabelo, vesti um robe e enganchei cada filho de um lado da cintura e com dificuldade desci as escadas. Esse era um costume que aderi devido à facilidade em pegá-los no colo de uma só vez. Percebi que esta façanha estava ficando cada vez mais difícil, Laís e Arthur estavam crescendo e estavam pesados. Minha lombar logo mais não aguentaria. Coloquei-os no sofá e corro para abrir a porta, enquanto a campainha tocava sem parar. Me deparei com um jovem rapaz vestindo a farda verde da

floricultura que sou cliente. — Oi? — perguntei ansiosa. — Oi, a senhora é a Dona Liz Salles? — O rapaz me olhou com um sorriso ansioso de quem estava conivente com alguma coisa. — Sou eu — respondi olhando para as suas mãos vazias. — Que bom que a senhora está em casa, já estava quase desistindo. — Ah, me desculpe, estava dormindo. — Aguarde um momento aqui. Vou pegar a encomenda. — Ele me deu as costas e caminhou até a van branca com um enorme slogan da floricultura. Fiquei parada na porta segurando o cinto do robe o máximo que pude para me manter calma. As crianças espiavam pela brecha da porta, dando risadinhas ansiosas. O rapaz abriu a porta traseira do automóvel e tirou de lá enormes buquês de flores do campo coloridas, eram tão enormes e majestosos que mal se podia ver seu rosto por trás das flores. Eu ri nervosa, sem acreditar no que via. — Senhora, tem um lugar onde eu possa colocá-los? — o rapaz me perguntou ao se aproximar. — Sim, claro. — Abri a porta e lhe indiquei a mesa de jantar. Meus filhos correram até a cozinha e tentaram alcançar as flores dando

pulinhos desajeitados. — Crianças, cuidado! — Adverti-os. — A senhora pode manter a porta aberta, ainda tem outros para trazer. — Outros? Quantos? — A van está cheia, senhora. Alguém quer muito dizer que lhe ama. — O rapaz voltou para sua função e me deixou de boca aberta, sem entender quem teria feito isso. Mesmo com uma leve desconfiança que fosse meu marido, era bom sentir o friozinho na barriga ao ser surpreendida com uma surpresa assim. — Mamãe, foi o papai? — Laís perguntou. — Vamos descobrir, filha. Mas tenho esperança que sim. — Pisquei para ela. Depois de quase vinte minutos, minha casa estava repleta de flores do campo, flores de lis e muitos lírios. Quem as enviou se preocupou em enviar as flores que mais gostava, e isso me deixou ainda mais feliz. Não havia um único espaço nos móveis que não estivessem preenchidos de exuberantes e perfumados buquês de flores. O entregador limpou a testa suada quando terminou o serviço, fui até minha bolsa, peguei uma gorjeta e entreguei ao rapaz. Ele sorriu agradecido e me

entregou outra caixa pequena. Olhei o pacote, intrigada. — Aí dentro tem o cartão, senhora. — O entregador me deu um envelope pardo. Abri o envelope com as mãos trêmulas, peguei a folha e vi a caligrafia caprichada do meu marido. — Essa é a letra do meu marido. Como isso é possível, se ele está nos Estados Unidos? — indaguei o entregador da floricultura. — Ele nos enviou um fax. Aquela coisa é velha, mas ainda funciona que é uma beleza — o rapaz explicou, meu coração parecia uma percussão batendo nas mãos de um músico talentoso. — Ah sim, um fax. Ele faria isso — assenti. — Obrigado. E até mais, crianças — ele se despediu dos meninos e eu fiquei ali, no meio daquele verdadeiro mar de flores. Quando fiquei a sós com meus filhos, sentei no sofá e li o bilhete que meu marido escreveu à mão para mim.

“Minha flor, daria tudo para acordá-la como faço todas as vezes que estou em casa, com amor e café da manhã, mas, como não estou é possível,

quero lhe mostrar o cheiro que sinto cada vez que você está junto a mim... Aroma de flores. Você é meu jardim florido e por isso quero deixá-la junto das suas irmãs: as flores. Amo você, agora e para sempre. Seu marido “Motoqueiro Fantasma.”

Fechei o bilhete com os dedos trêmulos, limpei as lágrimas que rolavam pelos meus olhos. Nem tinha percebido que estava chorando. Olhei para os gêmeos que estavam de olhinhos marejados olhando para mim. — Foi o papai? — Arthur perguntou. — Sim, filho, foi do papai. — Abri os braços e as crianças correram para me abraçar. — E a caixa, mamãe? — Laís perguntou. Abri a caixinha e encontrei um vidro de perfume, mas não era qualquer perfume, era meu perfume preferido. Floral e adocicado, mas não enjoativo, fresco e agradável. Há anos que o usava e Gustavo adorava. Como eu amo aquele homem.

O telefone residencial começou a tocar, Arthur correu e pegou o aparelho sem fio do suporte e trouxe para mim. — É o papai. — Peguei o aparelho de suas mãozinhas e atendi. — Acho que minhas flores estão perdidas em meio a um jardim — meu marido disse com sua voz de galanteador que tanto me encantava. — Gustavo, que coisa linda. Nossa casa está literalmente parecendo um jardim das minhas flores preferidas. Não precisava. — Você merece, Liz, eu só queria fazê-la ter um começo de dia agradável. — Não tenho nem palavras. Nunca vou esquecer desse dia, amo você. — Queria estar aí, querida, para poder ver seus olhos. — Meus olhos estão cheios de lágrimas de felicidade, até as crianças estão encantadas. Nossa casa está linda coberta de flores, estou me sentindo uma fada. — Coloque no viva-voz, amor. Afastei o telefone do ouvido e fiz o que ele pediu, Laís e Arthur estavam sentados ao meu lado no sofá. Gustavo conversou com as crianças por um tempo, depois se despediu com a promessa de ligar em breve. — Amor, está tudo bem? — perguntei ao notar sua voz estranha, ele sempre se culpava por fazer as crianças sentirem sua falta.

— Sim, querida. — Não quero que se culpe por não estar conosco. — Eu sei, só que esta saudade de vocês está me matando. — Ei, pensa que quando você voltar terá recompensa por ter feito sua mulher tão feliz hoje — tentei distraí-lo. — Você vai agradecer cada florzinha, Liz Maria — brincou. — Amo tanto você. Nunca esquecerei desse dia, nunca. — Gosto de estar na sua memória. — Sempre, sempre estará. Gustavo suspirou, como se o que falei lhe causasse algum tipo de dor ou desconforto. — Minha flor, preciso ir. —Tudo bem, fica bem. Estarei pensando em você. — Te amo, minha princesa, cuide-se e cuide dos meninos. Assim que tiver um tempo eu ligo. Pode me ligar se quiser, Dudu ou Bruno podem atender caso eu esteja ocupado. — Tudo bem, amo você.

— Eu que amo — ele disse e desligou.

“Eu preciso de você, amor Eu tenho que te ver, amor Há corações espalhados pelo mundo hoje à noite...” With you - Chris Brown Gustavo Acordei e não consegui parar de rir feito um boboca, sem dúvidas sou o homem mais apaixonado do mundo. Depois de tudo que aconteceu ontem à noite pelo telefone, percebi o quanto Liz movia meu mundo sempre em direção a ela. Era como a Terra, que girava em torno do Sol, só que nesse cenário eu era a Terra e Liz o Sol, aquecendo minha alma e derretendo qualquer barreira que já existiu em meu coração. Podia passar anos, séculos e milênios, mas isso nunca mudará. Meu amor por ela se renovava a cada dia, sempre que olhava dentro daqueles

olhos era como se eu começasse a enxergar pela primeira vez, e ao olhar dentro deles eu via a luz, a minha luz. Precisava demonstrar a ela o quanto a amava e a valorizava, nada que eu fizesse seria suficiente. Mas como sabia que Liz amava flores e tinha até o nome de uma, resolvi fazer a ela uma surpresa. Tratei logo de ligar para a florista do bairro que éramos fregueses, Liz sempre enfeitava nossa casa com as flores de lá, e a simpática Dona Lúcia não pensou duas vezes em atender ao meu pedido, ainda foi gentil ao ponto de ir à loja de perfumes do bairro comprar o perfume que pedi para entregá-la junto com as flores. Queria poder estar lá ao seu lado e ver seu rosto deliciado em surpresa, queria poder beijá-la, sentir seu cheiro ao acordar. Com esses pensamentos liguei para casa, e quando escutei sua voz emocionada e tão grata pela surpresa com as flores tive a certeza de que fiz a coisa certa, eu estava radiante em ouvir meus pequenos perguntando se nos amávamos, e ainda mais feliz em ouvir Liz confirmando isso. Mas meu coração se partiu aos pedaços ao sentir a saudade na voz das crianças, cada dia longe deles equivalia a um ano de saudade. Mas não deixei Liz perceber o quanto isso me doía, queria que o dia dela fosse especial e tranquilo. Segui para as áreas de provas e percebi um barulho atrás de mim, como se fossem cascos de cavalos, e quando me virei vi a Kathy correndo em cima dos

saltos altos de suas botas de couro estilo cowgirl. Imaginei minha mulher em botas como aquelas, vestindo uma saia jeans e tranças loiras sobre seus ombros. A imagem que se formou em minha mente me deixou com o sangue quente, balancei a cabeça como se pudesse desfazer a imagem. — Srta. Stuart — cumprimentei-a em seu idioma. — Olá, Sr. Sales — ela retribuiu ofegante. — O que a senhorita deseja? — Não custa nada fingir ser educado e me tratar um pouco melhor. Só estou fazendo meu trabalho, se não se importa — ela atirou. Sorri da língua afiada da moça. Seguimos lado a lado sem nos falar até o terreno que foi reservado para a prova de Freestyle, a pista tinha cerca de aproximadamente mil e quinhentos metros de muito barro e lama. Essa era a prova que mais adorava fazer, é onde tentava pôr em prática os saltos que vinha treinando, quem assistia a esse esporte achava que os saltos eram os mais difíceis, mas aí é onde se enganam. Os saltos eram momentos de descanso para o piloto, que durante a corrida precisava ter muita força e resistência para dar o impulso certo na moto, o que cobrava muita resistência física. Há alguns meses tentei realizar o salto considerado o mais difícil do mundo, a BodyVarial 360° também

chamada de Carolla, o piloto que a realizou pela primeira vez foi o Chuck Carothers no XGAMES 2004, eu lembro de estar na plateia ainda garoto e foi ali que tive certeza do que queria para mim, eu já era apaixonado por motos e corridas naquela época, mas aquele momento para mim foi decisivo. A manobra nada mais era do que descer em uma rampa em forma de U e ao subir no final da rampa, girar o corpo em trezentos e sessenta graus sem as mãos no guidão da moto, e depois retornar à posição inicial finalizando a manobra. Nos treinos consegui realizar algumas vezes, só que essa manobra era dificílima, onde não cabiam erros. Estava guardando-a para quando precisasse, os outros pilotos eram incríveis, o que me deixava um pouco inseguro. Dudu tem insistido para eu não arriscar, a manobra me daria pontos extras pelo grau de dificuldade, meu amigo e técnico tinha medo que a qualquer erro pudesse causar um acidente. Concordava com ele, não podia brincar com a minha vida agora que eu era pai de família e tinha pessoas que dependiam de mim. O treino de reconhecimento de arena foi tranquilo, quando segui na minha moto para a raia de chegada, escutei um barulho de motor se aproximando de mim, e meu sangue ferveu pelo reconhecimento do filho da puta que me olhava.

Conhecia aqueles olhos acinzentados cheios de desprezo e arrogância, encarei-o da mesma maneira que ele me olhava, superior e cheio de escárnio. — Olha só quem está por aqui? Pilot chute de la merde — ele me chamou de pilotinho de merda com aquele seu sotaque francês metido a besta. Nada contra os franceses, mas esse cara era tão idiota que me fez ter aversão à língua. — Pois é, o piloto de merda está aqui — respondi em inglês. — Parece que o Don Juan foi fisgado, belle épouse. — Ele me lançou aquele sorrisinho seboso que tanto abominava enquanto dizia que Liz era linda. — Não toque no nome da minha mulher, filho da puta! — Trinquei os dentes, soltando fumaça de raiva. — Ela é um docinho, o Brasil sempre tem mulheres délicieux. — A maneira que ele se referiu à Liz me embrulhou o estômago. Ele era um homem asqueroso. — Eu não vou repetir novamente, antes de quebrar sua cara com esse bigodinho ridículo. — Girani riu abertamente exibindo seus dentes amarelos, acelerou a moto e saiu em direção à pista. Maurice Girani era um homem que não sabia perder, nos conhecemos

em um campeonato na Austrália, o idiota estava namorando uma mulher que só vim a descobrir depois de dormir com ela. Só fiquei sabendo que a francesa fogosa com voz de gato irritante era namorada dele dias depois, quando ele me procurou para tirar satisfação. Tive certeza de que a garota estava se divertindo com a situação em que me meteu, fingindo-se de pobre coitada que foi seduzida por um galinha, como eu era conhecido. Depois do ocorrido, Girani começou uma implicância dos infernos comigo em toda maldita competição fora do Brasil. Dudu me passou a ficha do cara, até ano passado ele estava afastado devido a problemas com drogas, no começo do ano voltou para o esporte após passar seis meses em uma clínica de recuperação no Sul da França. Também já esteve envolvido em brigas em boates e já foi acusado de abusar de uma garota em Paris. O cara se safava de todas as acusações contra ele devido ao fato de ser podre de rico. Sua família trabalhava no ramo do petróleo, o que o fez ser um cara intragável. Imaginei que o problema dele fosse apenas comigo, por ter dormido com sua garota, mas a sua fama de mau atleta fedia. Tinha inúmeros amigos nesse esporte, um atleta estava sempre apoiando o outro e até torcendo, tinha admiradores e admirava o talento de muitos, mas esse cara só conseguia sentir inveja de todos. Não era para menos, seus tempos foram péssimos nas últimas competições e eu só lamentava.

Voltei para o hotel com a jornalista na minha cola, Kathy ouviu parte da conversa com Maurice e tive que inventar uma desculpa qualquer. Não queria que ela usasse isso contra mim, minha imagem já não estava muito boa, imagina se a imprensa descobrisse que tive um rolo com a namorada de um dos competidores. Ela aceitou minha desculpa esfarrapada e recomeçou suas infinitas perguntas. Quando subi para o meu quarto no hotel já passava das duas da tarde. Verifiquei meu celular e vi algumas mensagens e duas ligações perdidas. Porra! Xinguei mentalmente e verifiquei se foi minha mulher. Para minha surpresa tinha uma ligação de Cris e outra da minha mulher, mesmo curioso para saber por que Cristina me ligaria aqui nos Estados Unidos, liguei antes para a minha mulher. — Oi, meu motoqueiro gostoso — Liz atendeu risonha. — Oi, minha flor, que bom ouvir sua voz. — Hum, como foi o treino? Já almoçou? — Foi bom, querida, mas ainda não tive tempo de comer. Corri para falar com você. — Amor, quantas vezes já falei para se alimentar, Gustavo? Eu te liguei mais cedo justamente para isso, lembrá-lo para parar para descansar

um pouco e comer. Sabia que você não iria lembrar. — Obrigado pela preocupação, meu amor, mas quis me focar um pouco mais hoje, as provas nessa categoria são importantes para mim. — Provas? Essa não é a única nessa categoria? — Não, a prova é por etapas, a grande final é no último dia do evento. Por isso preciso fazer bons saltos nos próximos dias e conhecer o lugar é muito importante. — Mesmo preocupada, fico muito orgulhosa de ver você falando com tanto amor do seu esporte. Mas tome cuidado, prêmio nenhum vale a sua segurança. — Eu é que tenho sorte pra caralho de ter você — disse ficando excitado pela proteção dela comigo, essa mulher ia me matar. — Humm... — ela ronronou daquele jeito que me deixava louco. — Como está o Arthur? E minha princesa, estão bem? — Estão bem, estão brincando com a Cris. Ela chegou hoje e passará o fim de semana aqui. — Que bom, querida, fico muito mais tranquilo sabendo que você tem companhia, controle a boca daquela louca na frente dos meus filhos.

Liz gargalhou sabendo que eu tinha razão, e depois pigarreou e soube que ela queria me perguntar algo e não sabia como. — Quer me falar alguma coisa? — perguntei olhando o cardápio do restaurante do hotel. — Como você sabe? — Ficou surpresa. — Liz Maria Albuquerque Salles, conheço você mais do que imagina. — Amo você por isso, sabia? Mas não é nada de mais. — Então fale, querida. — Cris quer sair para dançar depois que assistirmos sua corrida. Agora sei por que Cristina me ligou, queria saber se podia levar minha mulher para uma boate, não sabia onde nem com quem. O que ela pensa que é para já chegar me irritando? Lembrei da primeira vez que Liz dormiu comigo, Cris deixou-a sair bêbada da boate em um táxi qualquer. Cristina era uma inconsequente e não irei arriscar, ainda mais sabendo que não estarei por perto para ir buscá-la se algo acontecer. Até hoje não conseguia tirar as imagens daquele merda agarrando Liz flor à força, e olhe que isso foi na nossa rua, que era movimentada por causa do restaurante da minha família. — Estamos superanimadas para ir. Vai ser uma noite para colocar o

papo em dia, estava com tanta saudade da Cris — ela disse me trazendo de volta dos meus pensamentos. Só de imaginar Liz em um vestido curto, saltos assassinos e sozinha em uma boate minha cabeça começou a doer. — Liz, é claro que você não vai — neguei possessivo. — Eu não estou lhe pedindo, estou lhe comunicando caso me ligue e eu não esteja em casa — disse se afastando do barulho. — Liz, você se esqueceu das crianças? Com quem vão ficar enquanto você se embebeda com sua amiga irresponsável? E além disso, não confio na Cris, ela é solteira, mas você não. Você sabe que estou a milhares de quilômetros de você, não me agrada saber que estará sozinha em uma boate. De jeito nenhum você vai — concluí possesso de raiva e ciúmes, qualquer possibilidade de perdê-la me deixava fora de mim. Ouvi Liz suspirar e depois falar calmamente: — Gustavo... primeiro, não vou admitir que me trate como um objeto. Você não é meu dono, Sr. Homem das Cavernas! Segundo, você não tem opinião nenhuma a dar sobre isso, porque não estou lhe pedindo para ir, só estou avisando. Terceiro, como ousa me acusar de abandonar nossos filhos, quando você sabe que eu nunca iria abandoná-los para ir a uma boate. Eles ficarão com seus pais, pessoas responsáveis para cuidar deles no tempo que

eu estiver fora. Além disso, sua irmã e sua cunhada também irão conosco, e faz séculos que não tenho um tempo para mim, nem para as minhas amigas. Então, não precisa bater seu tacape como um troglodita porque nada que você diga vai me fazer mudar de ideia. Nem sei por que fui comentar com você. — Liz! — urrei irritadíssimo. Mas que merda! — Não adianta, Gustavo! — ela rebateu. Respirei fundo, derrotado, Liz era sempre doce e delicada, mas quando batia o pé sobre algo ninguém a fazia mudar de ideia. Não queria estragar o clima que estamos, e ela tinha razão. Eu estava apenas sendo um egoísta, além de um puto machista, minha mulher merecia uma noite com as amigas. — Tudo bem — cedi, mesmo a contragosto. — Sabia! Eu não casei com um troglodita do século passado. — Ela riu. — O que não faço por você? — Joguei o cardápio do restaurante do hotel longe e passei as mãos pelos cabelos para aliviar a tensão. — Querido, é apenas uma noite. E quando eu chegar posso te ligar, poderíamos brincar daquilo novamente — ela disse com a voz semvergonha.

— Hum... Não vou conseguir dormir enquanto não me ligar, e se cuide pelo amor de Deus, não exagere na bebida, não dance com nenhum imbecil. Na verdade, nem olhe para eles, nem deixe ninguém se aproximar, e grite por socorro o mais alto que puder se alguém te tocar. — Certo, chefe, mais alguma coisa? — ironizou com aquela boca esperta, sempre me desafiando. — Não me provoque, você não imagina o esforço que estou fazendo para concordar com isso. — Tudo bem, boa sorte hoje. E amo você, meu príncipe, agora vá comer. — Também te amo, um beijo de língua. — Ouvi a voz de Cris lhe chamando. — Liz? — Oi, amor. — Você sabe que tenho um tacape enorme no meio das pernas, não sabe? — provoquei. — Gustavo! — Liz desligou rindo. Estou fodido! Como me concentrar na prova quando minha mulher vai a uma boate com as amigas?

“Amar você é o que realmente está sempre na minha cabeça E eu não consigo evitar de pensar nisso dia e noite Eu quero fazer esse corpo dançar Sente-se e assista Hoje à noite eu vou dançar para você...” Dance For You – Beyoncé Liz Ainda suspirando pelas flores, e pelo marido maravilhoso que tinha, ouvi a campainha tocando. Sorri imaginando ser mais alguma surpresa de Gustavo, mas dei de cara com a minha melhor amiga parada na porta me presenteando com um enorme sorriso. Nem tive tempo para retribuir o

sorriso, pois fui surpreendida com um grito esganiçado de alegria e um enorme abraço de urso, do jeito que só minha amiga era capaz de dar. Não evitei derramar uma lágrima de felicidade em revê-la. Nos esforçamos para que, em meio as nossas rotinas pudéssemos sempre nos manter conectadas, porém morar em estados diferentes nos privou de continuar fazendo nossos programas de meninas. Mas o que era a distância para uma amizade verdadeira? Nada, apenas mais um motivo de sentir saudades. — Oh, Cris, que saudade! — exclamei quando ela finalmente me largou, me devolvendo um pouco de oxigênio. Peguei em cada lado de seus ombros e a examinei, como fazia com meus filhos. Minha amiga continuava linda, Cristina Serra era uma morena de parar o trânsito, seus longos cabelos negros destacavam-se em sua pele amendoada tão brasileira e quente. Cristina ainda foi abençoada com um corpo escultural de quem praticou balé, a prática da dança como hobby deixou-lhe com pernas alongadas e definidas. Seu rosto doce, mas ao mesmo tempo atrevido carregava um sorriso perfeito com uma bela boca carnuda, seus olhos negros eram intensos como tudo nela. Eu amava essa garota, como a irmã que não tive. — Liz, não sou uma criança! Você está me conferindo como minha vó fazia — falou esbaforida, se abaixando para pegar sua bolsa e as três malas

imensas que estavam na varanda. — Uau, vejo que vai demorar mais tempo do que o previsto pela quantidade de malas, que coisa boa! — Ajudei-a a trazer tudo para dentro. — Não, infelizmente, mas você sabe, uma mulher tem que andar prevenida. E prevenção é o meu nome. — Cris brincou me dando uma risadinha debochada, seguida de uma piscada malandra. Assim que entramos em casa, Cris abriu a boca totalmente em choque pela quantidade de flores espalhadas pelos cômodos. — Meu Deus! — Cris levou a mão à boca perplexa como poucas vezes vi minha amiga ficar. — Não são lindas? — perguntei boba. — São de quem eu imagino que são, não é? — Claro, e de quem mais seria? — Cara, dessa vez até eu me apaixonei pelo Sr. Idiota. — Não fala assim do meu marido — corrigi-a, mas sei que quanto mais der bola para isso, mais ela insistirá no apelido ridículo que arrumou para o Gustavo. Tratei logo de mudar de assunto. — Nem acredito que você está aqui. — Fui abraçá-la novamente, estava sentindo falta da minha amiga

louca. — Eu sei que você sentiu minha falta, Liz, também senti a sua. Mas não tanto como senti falta dos meus sobrinhos. Onde eles estão? Trouxe tantos presentes. — Ela saiu em disparada para as escadas que dava acesso ao quarto das crianças, e fiquei parada observando sua bunda justa no jeans, que lhe caía perfeitamente nos quadris largos e sensuais, me dando uma invejinha de não ter um bumbum daquele. Bastou um minuto e escutei os gritos de felicidade das crianças. Meu coração ficou em festa com minha amiga em casa, senti-o aquecido. Cris desceu com cada criança em um lado do quadril, como costumava fazer. — Meu Deus, Liz, como você tem aguentado? Eles estão pesados pra cacete! — xingou sem fôlego no final da escada. — Mamãe, o que é cacete? — Laís perguntou. — Cris, cuidado com o que você fala perto das crianças — adverti-a entredentes. — E, Laís, não fale novamente essa palavra até ter seus trinta anos, entendeu, filha? — Ei, crianças, a tia disse tapete, vocês estão pesados para tapete! — Cris colocou-os no chão e depois correu atrás deles fazendo-lhe cócegas na barriga.

Depois de instalá-la no quarto de hóspedes, Cris me ajudou a dar banho nas crianças e aprontá-los para o cochilo após nosso almoço agitado. Porque os gêmeos não queriam comer depois que viram os presentes que Cris trouxe. Foi uma bagunça, mas finalmente eu os convenci, com um pouco de chantagem maternal, para que eles comessem sem mais estragos. Servi para nós duas taças de sorvete e a chamei até a beira da piscina, onde podíamos ter um tempinho para matar a saudade uma da outra. Apesar de todo alto astral e de falar pelos cotovelos, percebi que Cris estava triste, algo afetava essa cabecinha e eu ia descobrir o que era. Deitamos nas espreguiçadeiras nos empanturrando de doce. — Então, pode começar a contar. Desembucha! — mandei. —O quê? — Cris se fez de desentendida. — Cris, não sou idiota, te conheço muito bem para saber que está acontecendo alguma coisa. — Ela me olhou e vi seus olhos brilhando como se seu silêncio incomum confirmasse minha dúvida. — Não vai me dizer... o que significa esse silêncio? Não tem a ver com um homem bonitão chamado Ricardo Sherman? — Cris sentou-se de frente para mim, largando a taça de sorvete no chão ao seu lado. Repeti seu gesto e aguardei a bomba, esse olhar de Cris estava me deixando bem nervosa.

— Liz, nem sei por onde começar. Eu estou com tanta vergonha! — minha amiga falou com a voz fraca encarando as mãos, que estavam tremendo. — Cris, você está me assustando, o que houve? — Apertei sua mão gelada e olhei dentro dos seus olhos para lhe passar confiança em desabafar comigo, afinal éramos amigas há tantos anos. — Eu fiz algo terrível, e não consigo me perdoar, nem tenho coragem em lhe dizer. Sei que minha amiga estava animada com os encontros que andou tendo com Ricardo Sherman, o homem incrível que conheci enquanto trabalhava no escritório em São Paulo. Nos conhecemos em um processo de adoção que eu estava trabalhando no meu antigo emprego. Ricardo estava lutando para conseguir adotar um garotinho do abrigo em que Cris trabalhava, inclusive fui eu que apresentei os dois. Ter a confiança de uma assistente social era primordial para o sucesso do processo de adoção. Sherman com certeza era um dos homens mais interessantes que já conheci, além de lindo nos seus quarenta anos bem vividos, ainda era gentil e muito educado. Um empresário bem-sucedido e de um coração enorme, o único problema foi o dedo podre para mulher, o pobre homem era casado com uma cadela. O processo de adoção acabou dando errado devido ao fato

da bruxa da sua mulher não querer o garoto pelo menino ser negro. Lembreime como se fosse hoje das barbaridades que ela disse quando foram conhecer as crianças e ela viu os dois juntos brincando no parquinho. Depois de alguns meses, Sherman pediu o divórcio, mas a esposa estava dificultando as coisas. Sua intenção era se divorciar e dar entrada sozinho na guarda do Samuel. Quando Cris me contou, admirei sua coragem, porque, como advogada da vara da família, sabia o quanto era difícil adotar uma criança no Brasil quando se era sozinho. Ainda mais divorciado, do sexo masculino, mesmo com dinheiro, não era nada fácil. — Liz, eu nem sei por onde começar. — Que tal pelo começo, querida? — encorajei-a dando um olhar compreensivo. — Eu fiz algo de que me envergonho muito, e sei que quando te contar você tem todo direito de me odiar também, e de não confiar mais em mim. E de não me querer junto da sua família, nem do seu marido. — Ei, não há julgamentos entre nós, esqueceu-se do nosso lema? — Você sabe que me envolvi muito com o caso do Ricardo para adotar o Samuel, sempre tive um amor muito grande por aquele garoto devido à forma horrível em que perdeu seus pais. Você também sabe que aquelas

crianças são tudo para mim — fungou. — Eu sei, minha amiga. — Nós saímos para almoçar algumas vezes para discutir sobre o garoto, eu vi imediatamente que ele amava o Samuel tanto quanto eu e isso mexeu com algo dentro de mim, você lembra que eu estava sozinha por um longo tempo depois do que aconteceu com o desgraçado do meu ex. — Balancei a cabeça confirmando e ela prosseguiu: — Os almoços se transformaram em jantares, de jantares ligações no meio do dia, e-mails, mensagens. Eu lutei para fingir que nosso contato só tinha a ver com o garoto, ledo engano. Ricardo tem tudo que eu sempre busquei em um homem, e eu via você feliz com sua família construída e sentia-me tão sozinha naquela cidade. Não quero te culpar, de jeito nenhum, eu só senti falta da minha melhor amiga. Eu queria ter o que você tem, entende? Confirmei com a cabeça, agora secando minhas próprias lágrimas por ver minha amiga tão triste. — Quando estava perto dele, eu me sentia especial e única. Seu jeito galanteador e respeitoso desabrochou algo em mim. E ele foi tão digno que em momento algum insinuou que nossos encontros eram mais do que programas de amigos. Isso me irritava, mesmo eu sabendo que ele era casado com aquela bruxa horrorosa. Ela não o merecia e eu ficava horrorizada com

as coisas que ele tinha que suportar dela para conseguir a guarda do Samuel. Certa noite, eu o convidei para tomar uma taça de vinho na minha casa depois de um dos nossos jantares, e ele aceitou. Esse foi o meu pior erro, Liz. — Cris assuou o nariz desajeitada, como as crianças faziam, e um instinto materno despertou em mim. Puxei minha amiga para que ela se deitasse em meu colo, alisei seus cabelos e ela continuou: — Eu não sei se foi o vinho, ou se foi apenas meu corpo que não resistia mais a tanta tensão sexual entre nós. Eu aproximei-me dele e lhe beijei, amiga foi a coisa mais intensa que vivi na minha vida. Naquele momento, eu esqueci onde estávamos, quem ele era e o estado civil dele. Nós transamos, Liz. Não apenas sexo, digo amor. Nós fizemos amor como eu nunca tinha feito com homem nenhum — confessou em um soluço a última frase e sei o quanto foi difícil para ela me contar. — Cris, querida, não se martirize dessa maneira — tentei consolá-la, mas as palavras me fugiram, porque me lembrei do que meu pai sentiu enquanto minha mãe o traiu com meu padrinho. Mas a mulher do Ricardo era uma bruxa preconceituosa e amarga. — Liz, eu me tornei uma traidora, fiz de um homem reto e justo um traidor, igual a mim. Eu que quis o que aconteceu, usei minha beleza para seduzi-lo, quando tudo que ele queria era uma amiga que entendesse o que ele estava passando para ter o Samuel.

— Ei, Cris... — Abracei minha amiga e choramos juntas. Pelo muito que a conhecia, sabia sobre sua aversão a traições e mentiras, e que ela devia amá-lo verdadeiramente para se deixar envolver numa trama como essa. Depois de não sei quanto tempo dando colo uma a outra, passei os dedos por seus cabelos e disse: — Não precisa se envergonhar pelo que aconteceu, minha amiga, conheço você e sei que nunca você faria isso propositalmente com a intenção de magoar ou destruir uma família, e se aconteceu é porque ele também quis. Ele deve estar apaixonado por você, Cris. Ricardo é um homem importante, tem uma vida exemplar, nunca ouvi boatos ou nada do tipo que ligue sua imagem a um homem traidor. O amor é um sentimento louco, ele não avisa quando chega ou quando vai, querida, nós que temos que saber conviver com ele quando uma coisa ou outra acontece. Ela soluçou baixinho. — Não gosto de vê-la assim, e ele foi honrado o suficiente para pedir o divórcio, não foi? Então qual o problema? Vocês erraram, mas ele corrigiu as coisas. — Ela não quer assinar o divórcio porque colocou um detetive atrás dele, e tem nossas fotos juntos. — Todo meu corpo tremeu.

Cadela cruel! — Agora ela está sugando tudo dele, todo seu dinheiro, as ações das empresas, tudo. E é tudo culpa minha. A vadia ainda está ameaçando meu trabalho com aquelas fotos. Ricardo pode perder o Samuel por minha causa. E eu posso perder meu emprego por me envolver com um dos visitantes do abrigo. — Que mulher desgraçada! Você e o Ricardo conversaram sobre isso tudo? — Ele quer que assumamos um relacionamento e peçamos a guarda do Samuel juntos. Mas ela está disposta a mostrar as fotos ao juiz no processo. Liz, você sabe o que isso significa. — Que o juiz vai negar a adoção, devido à separação ser por motivo de adultério. Cadela! — xinguei com muita raiva daquela vadia oxigenada. — Liz, me desculpe por não ter contado nada antes, eu não teria como falar isso por telefone. Isso me machuca muito, ele vai perder tudo, por minha causa. E Ricardo ama aquela empresa. Olhei para a minha amiga e não resisti em tomar sua briga para mim. — Não vai não, porque vou ajudá-los!

— Como? — Reassumindo o caso. Esqueceu que sou advogada? Faz tempo que não atuo, mas ainda sou muito boa no que faço e não deixarei aquela vadia racista destruir a felicidade da minha amiga. Vi os olhinhos de Cris se iluminarem em empolgação, ela pulou em cima de mim e caímos na gargalhada. Amigas são para essas coisas, como diria Clarice Lispector: “Um amigo me chamou para cuidar da dor dele, guardei a minha no bolso e fui”. — E você? Aconteceu tanta coisa com você, Liz. — Ei, já chega de assuntos tristes por hoje. Vamos comer brigadeiro! — Levantei para tentar animá-la. E nada melhor que brigadeiro para animar uma mulher. — Mas acabamos de tomar sorvete! Vou ficar com a bunda de uma vaca e a culpa será toda sua, Liz. — Os homens gostam de mulheres com uma boa bunda, não se preocupe. — Gargalhamos juntas e fomos para a cozinha. Depois que as crianças acordaram fomos ao restaurante, já estava toda a turma reunida para assistir à competição do meu marido e comemorar a chegada da minha amiga. Carolina, que desenvolveu uma amizade com Cris

também estava, percebi que essas meninas eram partes do meu coração. — Olá, minha querida! — minha sogra cumprimentou Cris com seu sorriso gentil de sempre. Todo o pessoal estava sentado à mesa nos esperando, a noite era agradável. Guilherme trouxe sua doce namorada mais uma vez e essa atitude animou a todos, na esperança de que dessa vez as coisas durassem para ele. Thiago estava um gentleman como sempre, atencioso, perspicaz nos assuntos e muito bonito em seu terno elegante. Percebi que entre uma conversa e outra, seus olhos se demoraram um pouco mais em mim, o que me deixou um tanto desconfortável, mas devia apenas ser coisa da minha cabeça. Depois que liguei para o meu marido, não consegui tirar o sorriso do rosto. Gostava de provocá-lo e de saber que ele ainda sentia ciúmes de mim. Ter um marido enciumado fazia carinho no ego de qualquer mulher. A ideia de sair para dançar, óbvio que foi da Cris, e a Carol tratou logo de apoiar, tive que concordar em ir. Afinal, não era uma amiga desleal nem nada. Na verdade, também queria sair um pouco de casa, ver gente nova e botar para quebrar na pista de dança. Meus últimos dias não foram nada fáceis, minha vida era como um carrinho de montanha-russa, com subidas e

descidas extremas de uns tempos para cá. Após assistir mais uma corrida aflita de mãos dadas com a minha sogra, que tremia tanto ou mais do que eu, voltamos a respirar aliviadas após Gustavo conseguir intacto a melhor nota entre os competidores dessa fase da competição. O lugar foi tomado por uma gritaria, as crianças pulavam como coelhinhos de felicidade, orgulhosos do pai, meu sogro estava vermelho vibrando de felicidade. Meus cunhados se abraçaram como se parabenizando mutuamente. Meu peito explodia de tanto orgulho e felicidade. Abracei minha família e afastei-me do barulho para mandar uma mensagem para o homem da minha vida.

Eu: Sinto tanto orgulho de você, parece que não cabe dentro do peito. Amo você.

Depois de passado o tumulto e a rotina do restaurante continuar, minha sogra se dispôs em cuidar dos netos essa noite incluindo a Cléo, para que eu e a Carol aproveitássemos a noite das meninas. Mesmo sem estar tão confortável com essa situação, resolvi relaxar. Precisava tomar umas tequilas e dançar como uma adolescente, como não fazia há tempos. Passamos em casa para nos trocar, sentia-me como uma colegial que vai a sua primeira

festa dos meninos mais velhos da escola. Eu, Cris e Carol, e até Esther, que resolveu nos acompanhar na balada, mesmo sob protestos de Guilherme, fizemos a maior bagunça no meu closet entre minhas roupas e as enormes malas da Cris. Ela começou a puxar micropedaços de pano que ela chamava de vestidos, todas nós ficamos boquiabertas para as peças que ela nos mostrava com orgulho. — Cris, você é dançarina de alguma boate nas horas vagas em São Paulo? — Carolina perguntou examinando um tubinho preto de malha, que para mim mais parecia uma blusa. —Vocês são muito cafonas para as suas idades, meu Deus, em que século estamos? — No século que cobrimos as partes importantes? — perguntei e todas riram. — Nem pensem que vamos para a balada com um tailleur cinza e cafona. Podem ir pegando, tenho opção para todas vocês — ela disse com aquele seu sorrisinho de canto de boca, e sabia que ela só sossegaria quando vestíssemos o que ela quisesse. Depois de quase uma hora de trocas de roupas incessantes me olhei no espelho e não me reconheci. Acabei sendo obrigada a vestir um vestido de

couro muito justo, quase como uma segunda pele, o comprimento era no joelho, o que me deixou um pouco mais satisfeita, mas como Cristina não dava ponto sem nó, o vestido tinha um decote enorme, deixando meus seios em destaque, além da surpresa final do vestido, o único fecho era um zíper nas costas que ia até um pouco mais abaixo do fim do meu bumbum, deixando uma sensual e provocante fenda ao andar. Arrematei o look com um delineado gatinho nos olhos e batom vermelho mate, e uma sandália delicada de tiras também em couro preto. — Uau, se meu irmão estivesse aqui ele estaria enfartando — Carol deu um assobio ao me ver. —Você tem razão, vou colocar outra coisa — disse insegura, mas no fundo estava gostando da minha bunda nele. — Não! — As três gritaram juntas. —Você está linda, Liz, supersexy, mas muito elegante. — Esther disse me olhando admirada. Sorri pelo seu elogio e vi em seus olhos que ela estava sendo sincera. Olhei para cada uma e percebi o quanto estavam lindas, Cris sabia o que fazia. Ela estava vestida com um vestido preto de franjas, a roupa era sensual e jovem, como ela gostava. Carol estava fantástica vestindo apenas

um terno preto elegante, seu fecho era apenas um botão na cintura, com nada por baixo além da calcinha, o comprimento era no meio da coxa, deixando-a sensual e dando ideias de como abrir aquele botão, seus cabelos negros caindo como um manto pelas costas. Eu não queria ser seu marido agora. Ela parecia uma celebridade dessas revistas de fofocas. Já Esther estava sexy sem deixar seu jeito romântico e doce de lado, Cris escolheu um vestido de alças finas verde-esmeralda que eu tinha há um tempo no guarda-roupa. Era uma peça de seda delicada com uma camisola, curto o suficiente para eu só ousar usá-lo com um blazer ou um cardigã por cima. Gustavo quase surtou quando me viu vesti-lo para ir ao restaurante uma vez, me amolou por quase uma hora para que eu colocasse algo por cima. Ele caiu perfeitamente nas curvas da ruiva, Cris fez uma trança lateral nela, deixando todo seu pescoço à mostra. Ela estava belíssima. Acho que meu vestido tinha uma nova dona. — Meninas, tenho uma grande ideia! — Cris disse batendo palmas. — O quê? — Carol perguntou. — Quem quer enlouquecer nossos homens? — falou com aquele sorriso do gato de Alice e imediatamente concordamos como meninas sapecas que éramos. Cris pegou seu celular e nos indicou poses sexys, a minha foto, lógico que foi de costas com as mãos estendidas no espelho do

nosso quarto, com a perna levemente aberta, dando para ver todo o detalhe das costas do vestido, além de uma parte do meu rosto em um olhar fatal pelo espelho. Certo, eu fiquei sexy! Ela seguiu tirando as fotos no celular das meninas enquanto eu enviei a foto para o Gustavo. E esperei, com a adrenalina correndo em minhas veias. Isso não podia dar certo.

“Estou medindo meu peso em ouro Me chame de ansioso, me chame de doente Mas eu não posso sustentar isso em mim...” Weight In Gold – Gallant Gustavo

A competição sugou tudo de mim, apesar de estar com a cabeça longe, pensando feito um maníaco em Liz. Como eu podia ficar tranquilo enquanto minha mulher ia para uma balada com as amigas, sem mim. Ainda mais depois do que aconteceu no outro dia com aquele desgraçado bêbado em cima dela. Só de lembrar tinha vontade de quebrar cada osso daquele maldito. Tentei desocupar minha mente e foquei na competição, não foi fácil, o

campeonato era de alto nível, tinha muita gente boa, até o francês metido a besta mostrou a que veio. Mas não me deixei amedrontar e dei meu melhor, fiz os saltos que tenho segurança e que já treinei incansavelmente para não haver brechas para erros. Também contei com a sorte, tudo funcionou como devia. Depois de toda euforia de dar autógrafos, entrevistas, tirar fotos com as pessoas, finalmente cheguei ao hotel. Os meninos foram comemorar em um pub no Brooklyn, já que amanhã teríamos o dia de folga até a próxima prova. Recusei o convite, depois de tudo, não podia me dar ao luxo de dar ao povo o que falar, além de estar cansado, não via a hora de falar com a minha mulher e saber que ela chegou em segurança na nossa casa. Entrei no quarto e fui direto para o banheiro, tomei um banho frio, enrolei-me na toalha e deitei na cama. Alcancei o celular e vi algumas mensagens e ligações perdidas. Abri a primeira mensagem e meu coração foi tomado de alegria. Eu poderia não ter nenhuma única pessoa torcendo por mim, mas bastava que a minha loira estivesse lá gritando meu nome, que me sentiria o maior atleta do mundo.

Liz: Sinto tanto orgulho de você, que não cabe dentro do peito. Amo

você.

Sorri e abri a outra mensagem de Liz. Minha boca caiu aberta quando vi a imagem enviada, apertei o celular com tanta força que vi a hora de partilo ao meio. Como Liz podia ter coragem de fazer uma coisa dessas? Ela era uma mulher casada, a minha mulher, a mãe dos meus filhos. E ia sair com as amigas vestida desse jeito? Mesmo tremendo de raiva e frustração, não resisti em ficar de pau duro. Olhei incessantemente para foto, tentando fazer com que fosse apenas coisa da minha cabeça fodida de marido ciumento. Mas a imagem não se mexia. Liz estava deliciosamente linda e quente como o inferno na foto, de costas olhando sobre o ombro e as mãos contra o espelho do closet, e seu olhar era faminto. Eu conhecia esse olhar, era que ela me dava quando estava com desejo. Desci os olhos pelo resto da imagem, o vestido de couro preto colava ao seu corpo, como se tivesse sido costurado ali mesmo. Entre suas pernas havia uma fenda irresistível de um maldito zíper, que fez minha imaginação pervertida imaginar que qualquer desgraçado que se aproximasse podia deixá-la nua apenas ao abri-lo. E eu quero ser o desgraçado a fazer isso! Gritei de ira, peguei um jarro que estava sobre a mesa de cabeceira e estilhacei contra a parede do quarto com tanta força que um caco de vidro

cortou minha mão. Droga! Fui até o banheiro lavar o corte, enrolei a mão em uma toalha de rosto para estancar o sangue e peguei o celular para proibi-la de sair com aquela roupa. No terceiro toque ela atendeu. — Oi, amor... — ela disse com uma voz rouca. — Liz Maria Albuquerque Salles, tire esse maldito vestido, AGORA! — vociferei e até eu me assustei com meu próprio tom. A desgraçada riu, e ouvi vozes falando com ela e música alta. — Querido, se eu fizer isso ficarei nua. — O que quer dizer com isso? — Andei de um lado para o outro feito um animal enjaulado. — Já estamos na boate, amor. Se eu fizer o que você está pedindo serei presa por atentado ao pudor, tenho dois filhos para criar. — Como assim? Atentado ao pudor, o que você quer dizer, Liz Maria? — indaguei tomado de desespero. — Esse vestido é muito justo, não funciona com calcinha — gargalhou

em atrevimento. O barulho da música aumentou e eu enlouqueci. — Liz, você está sem calcinha? Liz? — Só consegui ouvir muito barulho do outro lado da linha. — Você é uma mulher casada! Comporte-se como tal. Liz? Liz? Liz? Mas que porra! — A linha ficou mudou, ela desligou. Essa mulher vai acabar comigo! Voltei a ligar, mas seu telefone dava fora de área ou desligado. Desgraçada, eu vou matar aquela loira dos infernos, assim que pôr minhas mãos nela. Arrependi-me imediatamente do que pensei, só havia uma forma que eu queria matá-la. Dando prazer a ela, até fazê-la implorar para parar. Agora estava aqui, com uma puta dor de cabeça, um pau duro feito pedra e a ira correndo nas veias, sozinho neste quarto de hotel a milhares de quilômetros da minha mulher. Minha mulher, porra! Só minha.

“A noite está quase acabando Mas eu vejo no seu olhar Você quer ir de novo Garota, eu vou de novo...” Often – The Weeknd Liz Foi bem engraçado provocar o Gustavo com aquela foto, mas depois fiquei me sentindo um pouco mal, meu pai sempre dizia uma frase que não deixo de lembrar agora: “Filha, não faça com os outros o que não quer que façam com você”, e no fundo ele tinha razão, meu pai sempre sabia das coisas, fui má com meu marido. Não ia suportar que ele fizesse o mesmo comigo, eu estaria pirando no lugar dele.

Chegamos à boate por volta das onze da noite, o lugar já estava bombando, a música eletrônica fazia tremer o chão, as luzes estroboscópicas junto com a fumaça deixava o lugar com a sensação de estar ainda mais cheio. Andamos no meio daquelas pessoas ensandecidas e suadas, dançando como se não houvesse amanhã, até uma lateral mais reservada. — Ali tem uma mesa! — Carol gritou por cima da música. Apesar de o lugar estar lotado, não deixei de perceber os olhares que nós quatro estávamos recebendo de homens e mulheres presentes. Realmente as meninas estavam quentes, cada uma com sua personalidade e seu sex appeal. Sentamos em uma das poucas mesas que ainda estavam vazias na área VIP, pedimos uma rodada de margaritas e curtimos o som. Meu celular vibrou dentro da bolsa, atendi Gustavo com um sorriso no rosto ansiosa para saber o que ele achou do vestido, e também por ouvir sua voz. Mas o macho alfa que havia dentro dele não gostou muito da minha escolha de vestuário. E eu não podia fazer nada para ajudá-lo, eu estava me sentindo jovem e sexy e isso que importava. Sem lhe dar minha chance de gritar no meu ouvido, interrompi a ligação ganhando um high five das meninas que escutavam a conversa atentas. Após chegar nossas bebidas, o DJ que animava a festa foi substituído

por um que tocava um estilo de música pop mais sensual, dava até para conversarmos melhor, juro que não me divertia assim há muito tempo. Após a quarta rodada de drinques, não resistimos e começamos a dançar no ritmo da música, que não parava de tocar. Fomos um pouco mais para o meio da pista e dançamos sensuais no ritmo de Haunted, de Beyoncé, sorri para mim ao lembrar que já fiz um striptease para o meu motoqueiro com aquela música, lembrei-me de como ele ficou louco. Fechei os olhos e me levei no ritmo, ainda podia sentir suas mãos em mim. Cantei a letra da música e já no finalzinho, peguei meu celular na minha bolsa e gravei um áudio da música e enviei para ele. Tinha certeza de que lembraria, talvez o acalmasse um pouco saber que eu estava pensando em nós. Depois de já estarmos todas suadas e com os pés cansados de tanto dançar em cima dos saltos, voltamos para a mesa. Outra rodada de bebidas foi servida, só que dessa vez optamos por algo mais forte, o garçom nos entregou uma rodada de shots de tequila. Esther tomou a bebida fazendo careta, o que arrancou risadas de todas nós, nessa altura alguns homens já tinham se aproximado, mas nós os dispensamos. A noite era das meninas, e estávamos fazendo isso direito, rimos, dançamos, bebemos e confesso que me

fez muito bem. Chequei o celular para ver se Gustavo respondeu ao áudio. Estava surtando de ansiedade por uma resposta dele, mas assim que deslizei o dedo na tela, percebi que o aparelho descarregou. Droga! Depois que o estourei na parede no outro dia, ele não foi mais o mesmo. Mesmo frustrada por não poder ter notícias do meu marido, o DJ começou a tocar a música Often, do The Weeknd, e não resisti, deixei para me preocupar depois. Puxei as meninas para o meio da pista e me deixei levar junto com a letra da música, que era sensual e bem provocante, meu vestido estava ainda mais colado no meu corpo devido ao suor, se é que isso era possível, mas estava. Me soltei, fechei os olhos e imaginei que Gustavo estava aqui, estava com tanta saudade do seu corpo, do seu gosto. Meu Deus, aquele homem me viciou e eu estava em crise de abstinência. Meu corpo e meus quadris requebraram conforme as batidas, a dança fazia isso com a gente, nos transportava para um lugar entre o subconsciente e o prazer. Ou quem faz isso é a tequila? Já não sabia. Quando a música chegou à metade senti uma mão muito forte apertar meu cotovelo. Abri os olhos assustada, lembrando do ataque na outra noite e me virei. Mas olhos verdes me fitaram cheios de raiva. Thiago.

— O que você pensa que está fazendo? — ele perguntou próximo ao meu ouvido. — Eu é que te pergunto isso, me solta, eu estou dançando, não está vendo? — gritei com muita raiva, ele estava agindo como um marido ciumento. Puxei meu braço de seu agarre. Os olhos de Thiago estavam como esferas verdes, sua mandíbula apertada e as veias do pescoço saltadas. — O que houve para vocês virem atrapalhar nossa noite? — Carolina perguntou se aproximando e vi seu marido puxando-a pela cintura com cara de poucos amigos, enquanto tentava cobrir seu decote com um casaco. Olhei para o lado e vi Guilherme abraçado possessivamente Esther, que nesse momento parecia estar lhe dizendo umas poucas e boas. — O que vocês estão fazendo aqui? — Estava incrédula pelo que via. — Vocês são loucos, ou o quê? — Cris esbravejou cruzando os braços sobre os seios e batendo o pé em irritação pela intromissão dos meninos. — Vamos embora e eu explico tudo — Thiago disse me puxando pelo braço em direção à saída. — Houve alguma coisa com as crianças? — questionei preocupada. — Não, apenas vamos para um lugar mais calmo — Thiago respondeu com o semblante ainda de quem estava querendo matar alguém.

— Ei, calma aí, você não é o marido dela. — Cris tentou me puxar pelo braço. — Vamos embora, vocês já beberam o suficiente e isso é tudo culpa sua! — Thiago rugiu para Cris, que o encarou de olhos cerrados. — Liz, foi Gustavo que pediu que viéssemos, o que você fez? O homem está louco! — Guilherme informou sorrindo com aquela cara cínica. — O quê? Vocês vieram aqui por causa dele? — gritei muito alterada, realmente a tequila dava coragem a qualquer pessoa. — Quem ele pensa que é? — Vamos, já paguei a conta de vocês. E pelo que paguei de tequila, não sei explicar como estão em pé sobre esses saltos — Murilo disse puxando Carolina em direção à saída. Eu assisti todas as minhas amigas saírem arrastadas por seus homens e senti muita raiva de Gustavo, pena que ele estava a muitos quilômetros de distância, senão ele iria ouvir poucas e boas. Aquele desgraçado, por pura pirraça estragou nossa noite. Suspirei derrotada e acompanhei Thiago, que ainda me olhava com aqueles olhos possessivos, idênticos ao do irmão. Quando chegamos à rua, Esther se despediu de mim com um sorriso sem graça, vestiu a jaqueta de couro de Guilherme e subiu na moto do

namorado, que saiu em disparada pela rua. Carol se despediu compreensiva e entrou no carro do marido. Cris me olhou abismada, como se não acreditasse que nossa noite das meninas acabou assim sem mais nem menos. Thiago limpou a garganta e me trouxe de volta a realidade. — Vamos, vou levar vocês para casa. — Ele apontou para o seu Audi estacionado do outro lado do estacionamento. — Porra nenhuma! — gritei, precisava descontar minha frustração em alguém. — Liz... — Ele tentou se aproximar. — Nós vamos de táxi, do mesmo jeito que viemos. Não precisamos de você. — Meu Deus, Liz, eu só fiz o que meu irmão pediu. Você deixou o homem louco, ele não parava de ligar. Estou apenas fazendo o que me foi pedido. — Gustavo precisa confiar em mim e eu não estava fazendo nada. Não cabia a você se meter. O que você é, algum capacho do meu marido? Eu não fiz nada do que me envergonhar.

— Não? — perguntou com sarcasmo. — Não! — gritei tirando as sandálias e jogando nele. Mas tudo que eu queria era torcer o pescoço de Gustavo. —Você estava feito uma... — Thiago parou de falar se livrando das sandálias que arremessei em sua direção. — Feito uma o quê? — esbravejei apanhando minhas sandálias e arremessando nele novamente. — Uma mulher qualquer! — rebateu gritando e todo meu sangue drenou do meu corpo, fui para cima e comecei a bater nele, mas como ele era muito maior e mais forte, meus golpes nem lhe afetaram. — Você é um idiota, você e aquele seu irmão desgraçado. — E você está bêbada! — Thiago confirmou o óbvio me girando pelos ombros, me deixando com as costas pressionadas sobre seu peito firme. Eu estava ofegante e surpresa por sua reação. Tentei me desvencilhar das suas mãos, mas minhas tentativas fizeram com que ele me segurasse mais forte contra si. Eu queria matá-lo! Minha frustração não tinha alívio, Thiago me girou me fazendo encará-lo, ele me puxou tão próximo do seu corpo enquanto me segurava pela cintura, que podia sentir sua respiração acariciando meu nariz. Não sei o que o levou a agir assim, ele parecia

transtornado. — Você está apaixonado por ela. — Uma voz disse atrás de mim, quando me virei, vi Cristina atrás de nós de olhos arregalados assistindo a cena. — O quê? — indaguei. Eu só podia estar bêbada, ou Cris não estava mais resistente à tequila como antes. — Você está louco por ela. Você está com ciúmes... — Ela se aproximou de nós, só aí me dei conta do corpo paralisado me prendendo. Afastei-me de suas mãos, olhei para o meu cunhado procurando respostas, precisava saber o que Cris estava dizendo. — Thiago? Que idiotice, Cris. — Balancei minha cabeça de um lado para outro, esperando que alguém me dissesse alguma coisa. Ele me olhou com a feição transformada em puro horror, não soube decifrar o que se passava na sua cabeça quando olhei em seus olhos. Ele abriu a boca tentando falar, mas não conseguia dizer nada. Um segurança da boate se aproximou e perguntou-me se estava tudo bem, sinalizei que sim e quando ele se afastou novamente, Thiago apenas pediu em um tom que nunca o vi falar na vida. Um tom frio, que me fez arrepiar:

— Entrem no carro. Subi no banco de trás do carro junto com a Cris e deitei minha cabeça extasiada em seu ombro, minha amiga que sempre tinha a língua afiada e a tirada certa para tudo se manteve calada por todo o caminho, apenas olhando para Thiago, como se procurasse algum indício para as suas suspeitas. Minha cabeça estava confusa, nunca imaginei que essa noite terminaria dessa maneira. Gustavo sempre age sem pensar, o que custa confiar em mim? Eu era sua esposa, a mãe dos seus dois filhos. Ele achava mesmo que o trairia em uma boate com um desconhecido qualquer? E que loucura foi essa que Cris disse? Como ela poderia dizer uma coisa dessa? Ela sabia que Thiago era meu cunhado e também um pai para Gustavo. Tentei não julgar minha amiga, ela só podia estar bêbada. Bebemos muito, eu não deveria ter vindo, deveria ter ouvido meu marido e deixado minhas amigas se divertirem. Uma ova! Gustavo deveria ter confiado em mim, deveria ter segurado seu instinto de macho alfa e ter nos deixado aproveitar nossa noite. Precisava dar um basta nessas suas atitudes impensadas e ensiná-lo a crescer. E como ele tem coragem ainda de meter os irmãos e o cunhado nisso? Essa noite aprendi uma lição: a confiança era uma lâmina de duas faces.

Fechei os olhos e acordei assustada, com Thiago avisando que chegamos. — Obrigada — agradeci muito envergonhada por ter lhe batido e atirado minhas sandálias nele. Cris que também estava cochilando despertou e saímos do carro, uma ajudando a outra, Thiago me ajudou a abrir o portão de casa e ficou nos observando entrar. Depois que fechei a porta atrás de mim, escutei-o arrancar com o carro. Minha amiga me olhou de uma maneira que não estava acostumada a ser olhada e subiu as escadas em silêncio. Por isso, perguntei: — Cris? Você pode dormir comigo? Ela apenas acenou com a cabeça concordando. Joguei a bolsa e as sandálias sobre o sofá e subi cambaleando até o meu quarto, encontrei Cris sentada na cama tirando os sapatos. Fizemos nossa higiene para dormir em completo silêncio, o que era atípico se tratando de Cristina. Mas esse silêncio no momento era tudo que precisava. Deitamos uma de frente para a outra e vi os olhos expressivos da minha amiga me examinando pela luz baixa do quarto. — Cris — chamei quase inaudível. — Você acha mesmo que Thiago

está apaixonado por mim? — Tenho absoluta certeza — confirmou, e essa afirmação me comprovou algo que bem lá no fundo do meu consciente eu já desconfiava. Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, eu sequei e fechei os olhos tentando dormir, para não lembrar nada do que eu não gostava, ou que não podia digerir agora.

“Eu disse que tem sido um longo tempo Desde que alguém me olhou daquele jeito É como se você me conhecesse…” Together – The XX Gustavo Assim que tentei ligar para Liz lá pela décima vez, percebi que seria em vão. Eu precisava dar um jeito de fazê-la ir para casa e tirar aquele maldito vestido que estava me assombrando. Tive uma ideia, idiota, mas seria minha única opção. Na ligação anterior ela disse que a minha irmã e a nova namorada do Guilherme iam também. Provavelmente meu irmão e meu cunhado não estavam satisfeitos com essa saída delas tanto quanto eu. Liguei para Guilherme com as mãos trêmulas de ódio, a mão

machucada ainda sangrava, mas no momento não pensava em outra coisa a não ser tirar minha mulher daquele lugar. Gui atendeu no quarto toque. — E aí, mano? Manda as novas. — As novas é que a minha mulher está numa porra de boate com a sua namorada. — Cara, nem me fale — meu irmão disse chateado. — O que porra elas acham que estão fazendo? — indaguei satisfeito por não ser o único com ciúmes nessa merda. — Gustavo, se você visse a foto que a Esther me mandou, estou me segurando para não invadir aquele lugar e arrastá-la para casa. Estou fodido. — Ela também te mandou uma foto? — Safadas! — Mandou, a Liz também mandou uma foto para você, por isso está surtando, né? — Ele riu. — Guilherme, tire minha mulher de lá. Nunca te pedi nada. — E como você acha que posso arrastar quatro mulheres sozinho de uma boate lotada? — Porra! — xinguei.

— Gustavo, a gente tem que dar o espaço delas. Elas sabem se cuidar. — Espaço porra nenhuma, se fosse a sua mulher que estivesse dentro daquele maldito vestido, caralho! — Tô de pau duro até agora com a foto da ruiva — Guilherme confessou o que me deixou enjoado só de imaginar. — É sério assim com a garota? É pra valer dessa vez? — questionei achando graça em ver meu irmão tão envolvido assim com a moça. — Estou na merda, cara. Aquela mulher está abalando meu mundo. — Porra, pensei que não iria viver para escutar isso — gargalhei, era engraçado ver meu irmão, metido a pegador, de quatro por uma mulher. — Olha só quem fala. — Cala a boca, idiota! — Lembrei-me do motivo da nossa conversa. — Então, o que podemos fazer? — Já sei, Gui, já te ligo. Na sequência liguei para Murilo, meu cunhado precisava me ajudar. Ele atendeu e eu fui jogando a merda no ventilador. — Ei, cara, está em casa? — perguntei.

— Como vai, Gustavo? Estou em casa — respondeu e a voz me disse que ele estava chateado. — Preciso da sua ajuda, quero que vá com Guilherme trazer nossas mulheres para casa. — Você bebeu? Carolina come meu fígado se eu estragar a noite dela. — Cara, você recebeu uma foto? — Sim, estou puto desde que vi a blusa que ela está usando como vestido. Eu não tenho mais idade para isso, cara, vou enfartar a qualquer momento. Sua irmã é foda e vai me matar. Nem Buda resistiria à Carolina Salles. — Por isso mesmo tem que tirá-las de lá, Murilo. Você viu o que aconteceu com a Liz na porta do restaurante. Imagina quatro mulheres sozinhas num lugar como aquele? — E como vou fazer isso? — perguntou curioso. — Guilherme vai com você, e como sei que elas não facilitarão as coisas, vou pedir a Thiago para ir com vocês também, e trazer minha mulher para casa. — Tudo bem.

— Vá para a casa da minha mãe e encontre meus irmãos lá. Quando desliguei, recebi uma mensagem da Liz no aplicativo de mensagens. Era um áudio e quando escutei o trecho de uma música, eu gemi, literalmente. O que porra ela pretendia com isso? Mandar-me o áudio da música que fez striptease para mim era querer me martirizar. Comecei a surtar imaginando Liz dançando daquele jeito que dançou para mim na nossa sala, parecendo um anjo mau, eu enlouqueci. Liguei para o Thiago. — Oi, Guto — atendeu com a voz de sono e só agora me lembrei de que já passava de uma da madrugada no Brasil. — Oi, Thi, preciso da sua ajuda. — O que aconteceu? — Thiago perguntou cheio de preocupação. — Preciso que vá com o Gui e o Murilo até a boate que a minha mulher foi e tire-a de lá. — O quê? Por que eu faria isso? — Porque se não a tirar de lá, estarei pegando o primeiro avião e indo atrás da minha esposa eu mesmo. Liz acabou de ser atacada por um maníaco na porta do restaurante, estou surtando de apenas imaginar o que pode

acontecer. — Eu não estou entendendo, aconteceu alguma coisa com elas? — Não sei, Thiago, estou nos Estados Unidos, porra. Estou pirando aqui, ela não atende a droga do celular, já liguei para todas elas e nenhuma delas me atende. Então, só posso imaginar que tem alguma coisa errada. — Tudo bem, Gustavo, me deixa só vestir uma roupa. Você fica me devendo essa, moleque. — Valeu, mano. Agora com o coração mais tranquilo em saber que vão cuidar delas, fui até o bar do quarto e me servi de uma dose de uísque, tomei a bebida em um só gole. Servi-me de outra dose e sentei na cama para conferir o corte na minha mão. Cacete, essa porra está feia! Lavei a ferida do tamanho de um palito de fósforo na palma da mão, isso não poderia acontecer, iria me prejudicar nas competições, droga! Liguei para a recepção e pedi a recepcionista que me enviasse um kit de primeiros socorros para curativo. Um tempo depois ouvi a campainha e me deparei com Kathy em pé no vão da porta.

— Vim em paz! — Ela estendeu o kit de primeiros socorros. — Você está machucado? — perguntou sem deixar de mandar um olhar desejoso por todo o meu corpo. Aí percebi que ainda estava de toalha. — O que você quer? — indaguei curto e grosso, não estava com clima para conversa. — Vim trazer os curativos que você pediu e checar se precisa de ajuda. — Você também trabalha no hotel agora? — Estendi a mão para pegar a caixa de suas mãos. — Você é um idiota, estava na recepção quando ligou e fiquei preocupada porque sabia que o pessoal tinha saído para comemorar e você podia estar precisando de ajuda. — Ela jogou a caixa em cima de mim e quando foi se afastar eu a segurei pelo braço. Eu estava sendo um ogro, descontando minha raiva na coitada. A Kathy não tinha nada a ver com meu ciúme, não era justo com ela, que só estava tentando ser legal. — Ei, me desculpe. Quer entrar? Só me deixa vestir uma roupa. — Afastei-me da porta para lhe dar passagem. Corri para o banheiro, vesti uma bermuda e camiseta e saí para pedir sua ajuda para fazer o curativo.

— Você pode me ajudar? Não vou conseguir fazer nada decente apenas com uma mão. Kathy olhou assustada o estrago que estava o quarto: cacos de vidro espalhados por todo o carpete e flores mortas caídas por todo lado. — O que houve aqui? — Nada, só quis quebrar alguma coisa e acabei me cortando. — Me deixa ver. — Ela se aproximou, pegou minha mão e fez cara feia. — Nossa, está bem feio, acho que você precisa de um hospital. — Nada de hospital, apenas um antisséptico para não infeccionar e um curativo. E estará tudo bem. Kathy me olhou nos olhos, suspirou concordando com a cabeça e sentou-se na cama. — Vem, me deixa fazer isso. Minha irmã é enfermeira, já a vi fazendo isso nos meus sobrinhos algumas vezes — ela disse batendo no lugar ao seu lado. Um desconforto passou pelo meu peito, não gostei da ideia de uma mulher na minha cama, mesmo que fosse apenas uma amiga tentando limpar meu ferimento.

— Ok. — Estendi a mão para ela. Para minha surpresa, Kathy tinha prática no que estava fazendo, com a ajuda de uma pinça ela retirou um pedaço de vidro que estava preso na minha carne, limpou e fechou o corte com a ajuda de um esparadrapo, que cortou no estilo borboleta, fechando as bordas do ferimento. Depois cobriu com gaze para não infeccionar. — Obrigado, você foi muito boa. Agora, me desculpe, mas preciso ficar sozinho — agradeci ansioso para que ela fosse embora para que eu pudesse voltar a ligar para Liz. — Tudo bem, boa noite — assentiu sem graça. Quando ela finalmente saiu do quarto, deitei-me e tentei ligar para minha mulher. Nada. Soquei o colchão com a mão boa. Esfreguei os olhos em cansaço, eu precisava estar dormindo. Cuidando do meu preparo físico para depois de amanhã, e não aqui, feito um louco desesperado por aquela loira dos infernos. Um zumbido estridente me despertou, era meu celular tocando, mas não era Liz, e sim meu irmão mais velho. — E aí? — Estava desesperado para saber notícias. — Elas já estão em casa — informou com uma voz grave, de puro descontentamento.

— O que houve? O que aconteceu, Thiago? — Nada, Liz só não reagiu bem em ser trazida por mim. — Foi apenas isso? — Sim. — Depois eu me acerto com ela. Obrigado, cara. — Boa noite — ele se despediu e desligou. Não reconheci meu irmão naquela voz, sem gracinhas ou sem ironias e conselhos de irmão mais velho. Meu Deus, o que está acontecendo com todo mundo? Guilherme estava caidinho, meu irmão mais velho parecia que chupou um limão azedo, Liz me provocando... Estava tudo muito estranho.

“Você é prova de que eu estou respirando E que eu ainda preciso Ser amado e te ouvir Sussurrar para mim... Você é o suficiente”. The Pugilist – Keaton Henson Thiago Como se consegue respirar, quando o ar dos seus pulmões é o que te envenena a cada dia? Era isso que ela foi para mim, meu ar, o oxigênio que me mantinha respirando. Esse sentimento louco que se alojou no meu peito como um maldito câncer me corroía de dentro para fora, e eu já nem podia me controlar. Não sei o que estava acontecendo comigo, nem porque isso

surgiu, afinal, minha cunhada nunca me deu qualquer sinal de que retribuísse a atração, esse sentimento apenas existia e estava perdido sobre como lidar com ele. A vida era cheia de injustiças, que tomava como doses diárias de veneno. E não ter o que queria me matava a cada dia. Sempre sonhei em amar alguém, construir uma vida ao lado de uma mulher que quisesse seguir ao meu lado. Mas quando a mágica finalmente aconteceu, meu coração me enganou feio e estava aqui, amando sozinho. Ainda tinha vergonha de confessar que amava loucamente a mulher do meu irmão. Mas a quem quero enganar, quando a verdade está gritando na minha cara que sou um miserável? Desde a primeira vez que a vi, fiquei encantado com a forma doce e casta do seu jeito de olhar, falar, sorrir e amar a todos. Nunca vi mulher mais gentil e dedicada aos outros. Liz era tão fascinante, ela transpirava amor a cada passo e eu apenas adorava admirar seu brilho, aqui do meu canto, como um simples espectador, mas de uns meses para cá já não conseguia lembrar de Liz apenas como mulher do meu irmão e mãe dos meus sobrinhos, mas sim como a mulher linda e incrível, e que seria perfeita para mim. Liz era para ser o motivo de poemas apaixonados, canções de amor e obras de arte. Sua beleza parecia extraída de algum álbum de fotografias

antigas, ou quem sabe a musa de algum pintor famoso do século passado. Ela era digna de ser idolatrada e cada vez que me dava conta disso, meu coração se partia mais uma vez, porque minha mente e corpo ansiavam por uma coisa que nunca poderiam ter. Nunca. Porque a inspiração dos meus sonhos pertencia a uma das pessoas que mais amava no mundo: meu irmão caçula, Gustavo. O garoto que ajudei minha mãe a cuidar quando ele era ainda uma criança perdida sentindo a falta do pai. Assumi esse lugar paterno em sua vida, protegi e guiei seus passos para ser um bom homem. E agora ver sua felicidade me destruía, porque eu queria ter o que ele tinha. E saber que eu era um traidor me esmagava. Mantive-me afastado, usando todo meu tempo para cuidar dos negócios, mas estava ficando insuportável, meu irmão já estava desconfiado e eu não aguentava mais guardar essa verdade, estava explodindo. Não era assim, não sabia fingir, muito menos mentir. Gustavo me pedir para ir buscar Liz na boate foi a gota d’água que faltava para transbordar a dor que estava vazando do meu peito. Quando meus olhos pousaram sobre seu corpo pecaminoso colado ao couro do vestido, parei de enxergar as pessoas ao meu redor, o som insuportável da música eletrônica sumiu, eu só vi a mulher que desejava a cada minuto.

Paralisei por um momento vendo-a dançar, soube que a forma sensual que ela cantava a letra da música e o jeito sexy que balançava seus quadris não eram para mim, mas não me deixou menos desesperado para agarrá-la ali mesmo, na frente de todos e reivindicá-la como minha. Que bruto estúpido me tornei, eu não era assim. O que estava acontecendo comigo? Mas saber que eu nunca poderei tocá-la da maneira que desejava, que nunca poderei sentir o sabor dos seus lábios e nunca, mas nunca, poderei saber como era ser amado por ela, me deixou irado. Tirei-a de lá como meu irmão pediu, mas no fundo eu queria fazer isso por mim mesmo, pelo meu ego ferido. Quando perdi a noção e a agarrei no estacionamento, e Cris viu que havia algo mais ali da minha parte, eu não soube o que fazer. Toda a minha experiência de vida não valeu para que eu pudesse formular uma resposta convincente, porque minhas ações falavam mais do que qualquer palavra. Ver os olhos desacreditados de Liz, foi o que mais me motivou a tomar a decisão que tomei. Eu não nasci para ser ímpar, não tinha vocação para viver nas sombras de outro alguém, ainda mais quando esse alguém era o meu irmão caçula. Talvez o que houvesse de errado em mim, fosse essa minha fantasiosa alma de artista. Amante da música e das artes, o

encantamento pelo proibido podia ser bonito e romantizado nas peças de Shakespeare, mas não funcionava na vida real. Doía, dilacerava. E o que acabava vencendo era o desejo de destruí-lo. Precisava deixá-los serem felizes. E já sabia como fazer isso.

“Aguente firme, isso vai doer mais do que qualquer coisa doeu antes... Eu trouxe isso em nós ...” I Don't Feel It Anymore – William Fitzsimmons Liz Acordei com uma baita dor de cabeça. Pisquei os olhos para a claridade vinda pela brecha da janela, levantei cambaleando e fechei as cortinas. Fui ao banheiro, fiz minha higiene matinal e percebi que Cris ainda dormia um sono pesado e não dava sinais de que ia acordar tão cedo. Olhei o relógio na cabeceira da cama, já eram oito e vinte da manhã. Nunca acordei tão tarde desde que os gêmeos nasceram. Desci para fazer o café e comecei a lembrar da noite de ontem. Meu

Deus, por que Gustavo sempre tem que me tratar como uma criança? Por que uma vez na vida ele não pode confiar em mim? Será que não poderia ter controlado seu ego de macho dominador e ter me deixado me divertir? A festa estava tão boa, eu não parava de desejar tê-lo ali, dançando junto comigo. Estávamos tão bem, aí ele arrumou uma maneira de estragar tudo. A sala estava tomada com o cheiro de flores que ele me mandou. Aquele desgraçado não poderia ser um pouco menos ciumento? E lindo? E o homem da minha vida? E bom de cama? E viciante? E pai dos meus filhos? Mas isso não evitaria que ele ouvisse poucas e boas. Peguei meu celular esquecido na bolsa e coloquei para carregar em uma tomada na cozinha, aproveitei e passei um café, preparei a mesa para que quando Cris acordasse, estivesse tudo pronto, não custava nada agradar minha amiga da língua solta, ela estava com o coração machucado e merecia um carinho. Lembrei-me do que ela disse sobre Thiago na noite passada, ela só poderia estar bêbada. Como Cris pôde sequer dizer uma coisa dessas em voz alta? Mas será que ela está tão errada, assim? Quando liguei o celular, vi as dezenas de mensagens desaforadas e inúmeras ligações de Gustavo, bom, ele estragou minha festa, então, mereceu a preocupação. No mesmo momento afastei o pensamento egoísta, aproveitei

que estava sozinha e liguei para ele. — Lembrou que tem a porra de um marido? — E você esqueceu do seu bom senso. Se não queria que ninguém se aproximasse, deveria ter urinado em mim para marcar território, idiota. Já que você anda agindo como um animal. — Eu tenho todo direito do mundo de ter ciúme de você. — Sim, tem direito, mas isso não significa que você pode agir como se fosse meu dono. Que merda você estava pensando enviando seu irmão lá para me buscar? — Eu posso ter exagerado, mas depois que vi aquele desgraçado te atacando em frente a nossa casa, posso sim ter ficado um pouco mais obsessivo com a sua segurança. Mas porra, Liz, você me provocou a noite inteira. — Eu só estava tentando ser engraçada — resmunguei. — Você falhou feio. Você só fez esfregar na minha cara o quanto sinto falta de casa. — Gustavo... — murmurei, quando estava errado ele sempre jogava o fato de estar longe de casa sobre mim.

— Você nunca pensa. Apenas faz. Vem cá, como de vítima, ele me fez a vilã da história? — Olha aqui, eu posso ter provocado com a coisa da foto, mas eu não fiz uma única coisa errada, além de me divertir com as minhas amigas. Então, você não tinha o direito de intervir. Muito menos envolvendo outras pessoas nas suas paranoias. — Eu sei que exagerei. Mas vocês não atendiam o telefone. O que queria que eu pensasse? Fiquei imaginando mil coisas terríveis que poderiam acontecer. — Motoqueiro, por que você sempre tem que estragar tudo? — grunhi irritada. — Liz, estou longe de você, cansei de ligar para o seu telefone e você não me atendeu, ainda ficou me provocando com aquele pedaço de couro que estava vestindo. Surtei com a possibilidade de alguém te machucar de novo. Eu sou homem, porra, e não tenho sangue de barata. — Não era um pedaço de couro, e sim um vestido que ganhei de presente da Cris. — Liz, eu fiquei louco. Você conhece meu jeito protetor, eu morro só de pensar o que poderia acontecer com você.

— Você passou dos limites, Gustavo, ainda envolveu os meninos nisso e estragou a noite de todas nós. Você não percebe o quanto isso foi errado? — Eu sei que sou um idiota, Liz, mas quem nunca perdeu a cabeça para proteger o amor da sua vida? Se for preciso, reviro o mundo de ponta cabeça para cuidar de você. Meu peito apertou de tanto amor por esse homem cabeça-dura, e por ser tão fraca a ele. Toda a raiva que estava sentindo desapareceu só com essas palavras. — Gustavo, eu te amo. Você sabe disso, eu já sou bem grandinha, sei me cuidar muito bem. Não precisa ficar o tempo todo tentando me proteger. Você precisa aprender a confiar em mim. Eu não estava sozinha na boate, as meninas estavam comigo. — Eu confio em você, mas não é isso que está em jogo. — Então qual é o jogo, Gustavo? — Fiquei irritada com sua teimosia. — Liz, você não imagina como é difícil estar longe de vocês, passei o resto da noite de pau duro feito um adolescente depois que você me enviou aquela foto. Mil merdas passaram pela minha cabeça, de que alguém pudesse fazer alguma coisa com você, e que eu não estaria por perto para te proteger. Isso estava me matando.

— Nós não fomos a qualquer boate, o local estava cheio de seguranças e eu estava tomando cuidado, até seu irmão aparecer e estragar tudo. Ouvi-o suspirar profundamente algumas vezes para se acalmar. — Estou muito brava com você. — Não convenci nem a mim mesma. — Liz, não faz assim — ele pediu daquele jeitinho doce. — Motoqueiro, foi errado o que você fez. Machista e invasivo. — Eu não tenho qualquer razão quando o assunto é você. Me desculpe, isso não vai mais acontecer. Prometo. Engatei um suspiro e tentei me acalmar, não adiantava continuar com a briga. Eu já disse que não gostei e ele prometeu não repetir. — Tudo bem, mas saiba que não irei lhe desculpar se fizer isso de novo, ainda mais se envolver outras pessoas nas suas loucuras. — Prometo, não vai se repetir — Gustavo quase murmurou. — Também estou com saudades de você, ouviu a música. — Porra, mulher! Antes de dormir tive que me masturbar feito um garoto ouvindo aquela música. — Gargalhei pela sua boca suja. — Amo você, mas ainda estou com raiva. Por isso você precisa pedir

desculpa as meninas. — Liz, não vou fazer isso. — Claro que vai. Você agiu como um homem das cavernas, eu não casei com um troglodita, então trate de se retratar e traga uma lembrancinha de Nova Iorque para cada uma delas. — Argh... Mulher difícil! Tudo bem, farei isso — ele cedeu derrotado. — Agora me deixa ir, vou acordar a Cris para ir buscar as crianças na casa dos seus pais. Quando terminei de falar a campainha tocou. Gustavo escutou a cigarra. — Deve ser sua mãe com nossos filhos — avisei. — Tudo bem, amo você, dê um beijo em todos. Mais tarde ligo para falar com as crianças. Cuide-se, querida, por mim. — Tudo bem, te amo. Mesmo nas suas loucuras, cuide-se também. — Gustavo riu. Corri para atender a porta antes que o barulho da cigarra acabasse acordando Cris, quando a peça de madeira pesada abriu suficientemente para que eu visse quem era o visitante, fui pega de surpresa.

Thiago estava encostado no beiral da porta sem meus filhos. Olhei intrigada, o que ele poderia estar fazendo aqui a essa hora, já que não trouxe as crianças? — Oi, Thiago, aconteceu alguma coisa com as crianças? Entra. — Afastei-me da porta lhe dando passagem. Ele caminhou até o meio da sala olhando meticulosamente cada flor disposta pelo lugar, Thiago vestia uma camisa de botão preta e uma calça cáqui, ele virou-se com as mãos nos bolsos deixando em evidência cada músculo bem definido dos braços. Ele parecia tanto com Gustavo, se meu marido ficar tão bem quanto ele com o passar dos anos, estarei muito bem servida. — Não, as crianças estão bem, foram com meus pais ver uma casa de campo que meu pai quer comprar. — Que coisa boa, eles vão adorar, tenho certeza — disse tentando não demonstrar meu desconforto depois de tudo que aconteceu ontem, e depois de tudo que lhe xinguei. — Eu vim até aqui por outro motivo, Liz. — Olha, Thiago, se foi pelo que fiz ontem, quero te pedir desculpas, você só fez o que seu irmão pediu. Ele mesmo me falou isso.

— Não, Liz, eu também quis te tirar dali. — Eu o encarei de boca aberta, sem crer no que ouvi. Será que escutei direito? Ou ainda estou bêbada? Deus, devo estar bêbada. — Liz, eu não sei o que está acontecendo comigo. — Ele virou-se e caminhou de um lado para o outro, seu rosto estava abatido e tomado de tristeza. — Eu não estou entendendo, Thiago. — Lembra-se do que Cris falou ontem? Confirmei com a cabeça ainda muito confusa e em choque. — Eu não queria isso. Mas não posso evitar, Liz, você não sai da minha cabeça. Está impregnada em mim como uma febre, me queimando por dentro. Invadindo meus sonhos, confundindo minha mente e exterminando qualquer razão. E isso está me matando. Olhei atônita, pedindo a Deus em pensamento que isso não passasse de um sonho. Cruzei os braços sobre o peito e observei-o passar as mãos pelos cabelos do mesmo modo que Gustavo costumava fazer, e só de lembrar-me do meu marido meu estômago revirou. — Thiago, eu... eu não sei... — gaguejei.

— Liz, eu sinto muito. Eu te tirei de lá feito um idiota, mas quando te vi dançando daquele jeito eu não resisti; fiquei tomado de ciúmes, porque no fundo eu sabia que você estava pensando no meu irmão e não em mim. — Meu Deus, Thiago! — exclamei limpando o véu de lágrimas que cobriam meu rosto. — Me deixa falar, Liz, pelo amor de Deus. Eu não tenho nem direito de olhar para você, meu Deus, eu não tenho o direito nem de olhar nos olhos do meu irmão, porque eu sonho com a mulher dele toda maldita noite. E você não tem nenhuma culpa nisso, mas eu só preciso desabafar. Estou perdidamente apaixonado por alguém a quem eu devia zelar enquanto meu irmão está fora, mas, no fundo, eu só quero jogá-la sobre esse sofá e descobrir qual é o sabor dos seus lábios. — Agora ele também chorava, eu estava assustada porque nunca vi meu cunhado daquela forma. — Oh... — Engoli as lágrimas. — Eu sou o irmão mais velho, eu fui o pai que ele não teve, por anos cuidei, protegi e pedi a Deus que ele fosse um homem de bem, um pai de família. Gustavo construiu sua vida ao lado da mulher da sua vida e eu me apaixono por ela? Você vê como essa merda é errada? Eu sou padrinho e tio dos seus filhos, isso é tudo uma bagunça. Nunca poderia funcionar. Estou fodido, Liz. Perdoe-me por te contar tudo isso, mas não consegui pregar o

olho, eu enlouqueci com a possibilidade de Gustavo descobrir que o irmão dele é um merda. — Thiago, meu Deus do céu! — Chorei baixinho encolhida no sofá. — Você não tem nenhuma culpa, Liz, você sempre foi íntegra e fiel ao meu irmão. E acho que foi por isso que me encantei. Nunca conheci ninguém como você, mas não precisa se preocupar, Liz. Eu nunca faria nada contra vocês. Vocês são os pais dos meus sobrinhos e são as pessoas que mais amo na vida. Eu não tenho a intenção de destruir sua família. Nunca, calma. — Thiago tentou me tocar, mas se afastou como se evitasse tocar em labaredas de fogo. — Thiago, eu não sei o que dizer. Não posso acreditar que isso esteja acontecendo. Ele passou a mão no rosto secando as lágrimas e voltou à postura controlada de sempre, escutei alguns passos e vi Cris descendo as escadas. — Contou a verdade — ela disse, não perguntando, mas confirmando. Há quanto tempo ela estava ali? Há quanto tempo ela ouviu Thiago, um dos homens que mais admiro chorando por criar um amor impossível, justamente por mim, que sou completamente fissurada no irmão mais novo dele? O irmão que ele criou como um filho. Imaginei o quanto isso devia

estar lhe devastando, e o quanto isso ia destruir meu marido, não só meu marido, mas minha família inteira. Como isso vai funcionar? — Sim. É meu dever como homem falar a verdade — Thiago disse virando-se para ela. — Que bom. — Ela sentou-se no sofá ao meu lado, me abraçando. — Eu sei que não tenho direito algum, mas queria pedir que fingissem que nada disso aconteceu. Não quero magoar mais ninguém com esse sentimento, minha família não merece isso de mim. Eu sou o irmão mais velho e é meu dever protegê-los. — Thiago, eu nunca contarei nada a ninguém. Amo essa família tanto quanto você — Cris tranquilizou-o. — Thiago, me perdoe, eu não sei como fazer para você parar de sentir isso. Meu Deus, eu estou tão confusa! Eu prometo que vou me afastar um pouco, ir menos ao restaurante para evitar que você me veja. O que eu fiz para que você se interessasse? Eu te dei algum motivo, ou sugestão? Porque não lembro... — Não tenho o que perdoar. Você é a única que não tem culpa sobre o que estou sentindo. Por favor, não se culpe, vê-la sofrer me mata ainda mais.

Não será necessário evitar o restaurante ou a casa da minha mãe. Eu estou saindo. — Como assim? — Estou viajando hoje para a Itália. Tenho férias vencidas há anos e meu pai está cuidando do restaurante, então será melhor para todo mundo. E você não pode afastar-se da nossa família, eles te amam, Liz, e as crianças adoram aquele lugar. — Não! Eles também são a sua família — enfatizei com a voz embargada, confusa, me sentindo mal por causar tanta dor a alguém a ponto de afastá-lo da sua própria casa, da sua única família. — Liz, eu preciso desse tempo. E isso é mais por mim do que qualquer outra coisa. Preciso tirar você do meu coração. — Duas grossas lágrimas se desprenderam dos seus olhos verdes como esmeraldas. Sem conseguir disfarçar, Thiago desfez as lágrimas com o dorso da mão. — Não é justo. — Levantei-me. — Liz, eu sou o elo fraco e preciso ser cortado. É simples assim. — Thiago me lançou um sorriso fraco, caminhou de volta a sua postura dominante e controlada, pegou uma rosa amarela entre as flores que estavam sob o móvel da sala e saiu batendo a porta.

Eu me abracei a Cris e chorei, agora era eu que precisava do seu cuidado. Como não enxerguei isso para me afastar o quanto antes? Eu poderia ter evitado tanta dor para ele. Logo Thiago, um homem tão lindo e justo, inteligente e gentil sofrendo por um amor impossível. Eu senti na carne como era ficar longe da pessoa amada. Imagina se essa pessoa é a mãe dos seus sobrinhos e esposa do seu irmão mais novo? Meu Deus, meu peito estava um emaranhado de sentimentos e culpa. Muita culpa. — Cris, ele está sofrendo, amiga, e a culpa é minha. Thiago estava desesperado... — Amiga, ninguém escolhe por quem se apaixonar, você mesma me disse isso. — A culpa é minha, eu devo ter dado algum sinal de que estava a fim dele. Isso não pode estar acontecendo. Não pode. — Não, amiga, a culpa não é sua. Nada disso é culpa de ninguém. — Ela secou minhas lágrimas. — Gustavo vai ficar destruído quando souber sobre isso. E eu serei a culpada de destruir a relação deles, e toda a família Salles.

— Ninguém vai destruir a família de ninguém. Liz, olhe para mim — ela pediu me fazendo olhar dentro dos seus olhos. — Ele não escolheu amar você, então, como o homem sensato que nós sabemos que ele é, Thiago está tomando a atitude correta em dar um tempo. Quem sabe ele não reflete um pouco e percebe que no fundo estava apenas encantado e não te amando pra valer, como ele acha que está. Ou então arruma uma italiana por lá? Agora você precisa se acalmar, minha amiga, e nós não precisamos contar nada para o Gustavo, seu marido já é ciumento demais, não vamos atiçar a onça com vara curta e causar o motivo da Terceira Guerra Mundial. — Cris, não brinca — Suspirei. — Você acha que é melhor não falarmos nada? — Claro que eu acho. — Oh, meu Deus, por que minha vida tem que ser sempre um drama mexicano? — Pelo menos o seu é mexicano, e o meu que é da Record? Eu não resisti e abracei minha amiga rindo da sua língua afiada. — Agora, tem comida nessa casa? Estou morta de fome. No fim da manhã, enquanto Cris foi buscar as crianças com a desculpa de que eu estava com dor de cabeça, deitei-me na cama e fiquei olhando para

uma foto de Gustavo no dia do nosso casamento. Fitei seus olhos cor de mogno, que tanto amava, cheios de lágrima ao me ver entrar na igreja no dia mais importante de nossas vidas, ele estava lindo, como um verdadeiro príncipe, os cabelos cortados um pouco mais baixos e penteados impecavelmente com um pouco de gel, o terno cinza grafite de corte perfeito realçando a cor dos seus olhos. Seu sorriso bobo de homem apaixonado ao me ver caminhar para ser sua mulher. Beijei a foto e tentei medir o quanto eu o amava, e era impossível, não havia nada que fosse capaz disso. Lembrei-me de cada momento que vivemos desde que lhe conheci naquele elevador, a sua risada ao achar minha calcinha no carro quando lhe dei uma carona, do seu rosto experimentando o jantar que preparei para ele, nosso primeiro Natal com as crianças, nossas manhãs juntos e tantos momentos bobos que fomos felizes, como em me ajudar a dar banho nas crianças, vê-lo pentear o cabelo da nossa filha. Tudo isso encheu meu peito de muita alegria e saudosismo, mas também de algo que não soube explicar... acabei descobrindo porque amo tanto os dias de chuva. Amar alguém era como ouvir a chuva ricocheteando no telhado. Era como um dia chuvoso embaixo das cobertas quentinhas. Amar alguém era mesmo estando aquecida e confortável, correr para a rua descalça vestindo apenas um pijama de algodão e dançar nas poças de água, saboreando os pingos de chuva. Era querer ser parte daquele espetáculo singular da

natureza, sentir que seu coração tinha sua própria tempestade e seu cérebro um imenso furacão. Porque era algo inexplicável e incontrolável. Isso era amar, sentir-se pertencente a alguém. E ser capaz de sentir tudo isso, de voltar a me sentir viva eu devia a Gustavo, que entrou na minha vida e desde o primeiro dia me desafiou a sair do casulo, a viver plenamente e nem que eu vivesse mil anos ainda não poderia agradecer o suficientemente. Deslizei os dedos sobre a foto e sorri por ter esse homem lindo na minha vida, lembrei-me do meu cunhado, ele não merecia não poder usufruir de algo tão extraordinário na vida de alguém, como era o amor. Thiago sempre foi um homem tão maravilhoso, merecia ter sua própria família, uma esposa amorosa e filhos que lhe dessem ânimo para levantar da cama a cada dia, como eu levantava, querendo mais da vida. Nem podia imaginar o que Gustavo faria quando soubesse disso, mentir para ele era horrível, eu nunca fiz isso, abominava mentiras, mas se tivesse que fazer isso para proteger a relação dele e do irmão, eu faria. Senti uma necessidade imensa de mandar uma mensagem para meu marido.

Eu: Eu te amo, obrigada por me amar e por ser meu.
Azul tormenta (cores Livro 2)

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