alisson pires - 2. Formas e Sistemas de Estado - Flávio Martins

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18 ORGANIZAÇÃO DO ESTADO (A FEDERAÇÃO)

Sumário 18.1. Sistema de governo – 18.2. Formas de governo – 18.3. Formas de Estado – 18.4. Língua oficial e símbolos da República – 18.5. Vedação entre os entes federativos – 18.6. Os entes federativos brasileiros – 18.6.1. Brasília – 18.6.2. Territórios Federais – 18.7. Criação de novos Estados – 18.8. Criação de novos Municípios – 18.9. União – 18.9.1. Bens da União – 18.9.2. Competências da União – 18.10. Estados-Membros – 18.10.1. Bens dos Estados – 18.10.2. Competência dos Estados – 18.10.3. Regiões administrativas ou em desenvolvimento (art. 43, CF) – 18.10.4. Regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões (art. 25, § 3º, CF) – 18.11. Municípios – 18.11.1. Competência dos Municípios – 18.12. Distrito Federal – 18.12.1. Competências do Distrito Federal – 18.13. Modelos de repartição de competências – 18.14. Intervenção – 18.14.1. Intervenção federal – 18.14.2. Intervenção estadual. Uma das funções mais importantes da Constituição de um país, além de limitar o poder do Estado, fixando direitos e garantias fundamentais, é exatamente estruturar o Estado. Aliás, a palavra “constituição” significa o conjunto dos elementos essenciais de um todo. Dessa maneira, a

Constituição de 1988 estabelece tanto a forma de governo como a forma de Estado e o sistema de governo. Enquanto a forma de Estado afeta a estrutura da organização política, a forma de Governo trata dos órgãos de governo, através de sua estrutura fundamental e da maneira como estão relacionados, e o sistema de governo trata das relações entre as instituições políticas187. 18.1. SISTEMA DE GOVERNO Sistemas de governo, nas palavras de José Afonso da Silva, “são técnicas que regem as relações entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo no exercício das funções governamentais”188. Em nosso entendimento, são quatro os tipos de sistemas de governo: a) parlamentarismo; b) presidencialismo; c) semipresidencialismo ou sistema misto; d) sistema diretorial. Analisaremos as quatro espécies, mas saibamos que as duas primeiras (presidencialismo e parlamentarismo) são as predominantes atualmente. Parlamentarismo Sistemas de governo

Presidencialismo Semipresidencialismo (sistema misto) Sistema diretorial

a) Parlamentarismo Há divergência na doutrina sobre o momento exato do nascimento do “parlamento” e, por consequência, do “parlamentarismo”. Embora haja dúvida sobre o momento do nascimento, o local é inequívoco: Inglaterra. Como vimos no capítulo 1 desta obra, no ano de 1215 houve uma grande revolta dos barões ingleses, que exigiram, por meio de um documento (a Magna Carta), que o rei se submetesse a uma série de limitações, algumas das quais se tornaram a fonte de direitos fundamentais por todo o mundo

(como a cláusula do devido processo legal, à época chamada de lei da terra). Como dissemos no início deste livro, não há um consenso sobre o início histórico exato do parlamento inglês. Enquanto alguns entendem ter sido a Assembleia de 1258189 (que elaborou as “provisões de Oxford”), outros alegam que foi o Grande Conselho, convocado por Edward I em 1295190, posição que goza de maior prestígio. Dalmo de Abreu Dallari sugere outra data: “No ano de 1265 um nobre francês, Simon de Montfort, neto de inglesa e grande amigo de barões e eclesiásticos ingleses, chefiou uma revolta contra o rei da Inglaterra, Henrique III, promovendo uma reunião que muitos apontam como a verdadeira criação do Parlamento”191. Todavia, independentemente do momento exato do surgimento do parlamento, o certo é que os conflitos entre o Rei e o Parlamento começaram no reinado de James I, em 1603, e aumentaram no reinado de Charles I, em 1625192. A Inglaterra do século XVII foi marcada pela luta entre o Rei e o Parlamento, culminando com a “Petition of Rights”, de 1628, as revoluções de 1648 e 1688 e o “Bill of Rights”, de 1689. Em 1628, o Parlamento britânico submeteu ao rei Charles (Carlos I) a “Petition of Rights”, com importantes limitações de seu poder 193. Sucedeu-se um período de séria instabilidade política, culminando com a Revolução Gloriosa, em 1688194. Essa Revolução195, ocorrida nos anos de 1688 e 1689, liderada pelos nobres britânicos, insatisfeitos com a postura do rei de reconduzir o país à doutrina católica, resultou na substituição da “dinastia Stuart”, católica, pelo protestante Guilherme (William), príncipe de Orange, da Holanda, e sua mulher, Maria (respectivamente, genro e filha de Jaime II). Ao assumir o trono, Guilherme jurou cumprir a Declaração de Direitos (“Bill of Rights”), em abril de 1689196. Sobre esse período, sintetiza Dalmo de Abreu Dallari: “a Revolução Inglesa, que teve seu ápice nos anos de 1688 e 1689, culminou com a expulsão do rei católico Jaime II, que foi substituído por Guilherme de

Orange e Maria, ambos protestantes, embora ela fosse filha do próprio Jaime II. A partir de 1688 o Parlamento inglês se impõe como a maior força política, e altera, inclusive, a linha de sucessão com a expulsão do ramo católico dos Stuarts”197. Lentamente, em razão de fatos históricos, o parlamentarismo britânico foi ganhando os contornos que hoje possui. São características centrais do parlamentarismo: a) distinção entre Chefe de Estado e Chefe de Governo; b) chefia do governo com responsabilidade política; c) possibilidade de dissolução do parlamento198. Distinção entre Chefe de Estado e Chefe de Governo Principais características do parlamentarismo

Chefia do Governo com responsabilidade política Possibilidade de dissolução do parlamento

Primeiramente, no parlamentarismo, a chefia de Estado e a chefia de Governo são exercidas por pessoas distintas. O Chefe de Estado exerce preponderantemente a função de representante do Estado, colocando-se acima das disputas políticas, que são sempre cíclicas, atuando, muitas vezes, em tempos de crise, como um interlocutor entre os Poderes instituídos. Como lembra Sahid Maluf, “do fato de não exercer o Chefe de Estado funções próprias do governo, originou-se o lema da organização constitucional britânica: o Rei reina mas não governa”199. Por sua vez, Chefe de Governo é a figura política central no parlamentarismo, pois exerce o Poder Executivo. Muitas vezes é indicado pelo Chefe de Estado, e seu nome deve ser aprovado pelo Parlamento. Por isso, é tido como “um delegado do Parlamento, pois ele só pode assumir a chefia do governo e permanecer nela com a aprovação da maioria parlamentar”200. Outra característica importante é a responsabilidade política da chefia do governo. Em outras palavras, o Chefe de Governo não tem um mandato determinado, permanecendo no cargo enquanto tiver a maioria parlamentar. A verificação dessa maioria é feita a cada eleição parlamentar

(facilmente verificada num sistema bipartidário; caso o sistema seja pluripartidário, deve-se verificar, por meio de coligações partidárias, se o atual governo manteve ou não a maioria no parlamento). Outra hipótese que determina a demissão do Primeiro-Ministro é o voto de desconfiança, assim explicado por Dalmo de Abreu Dallari: “Se um parlamentar desaprova, no todo ou num importante aspecto particular, a política desenvolvida pelo Primeiro-Ministro, propõe um voto de desconfiança. Se este for aprovado pela maioria parlamentar, isso revela que o Chefe de Governo está contrariando a vontade da maioria do povo, de quem os parlamentares são representantes. Assim sendo, deve demitir-se”201. Por fim, é característica do parlamentarismo a possibilidade de dissolução do parlamento por parte do Primeiro-Ministro, normalmente quando este percebe que sua maioria parlamentar é tênue e acredita que, com novas eleições parlamentares, essa maioria será ampliada. O parlamentarismo pode ser implantado nas duas formas de governo: República ou Monarquia, com as devidas adaptações. Assim, “como se ajusta à monarquia inglesa, conforma-se com a república francesa”202. b) Presidencialismo Ao contrário do parlamentarismo, cuja noção foi sendo construída ao longo de séculos, na Inglaterra, o presidencialismo tem local e data de nascimento certos: a Constituição norte-americana de 1787. Segundo Dalmo de Abreu Dallari, “pode-se afirmar com toda a segurança que o presidencialismo foi uma criação americana do século XVIII, tendo resultado da aplicação das ideias democráticas, concentradas na liberdade e na igualdade dos indivíduos e na soberania popular, conjugadas com o espírito pragmático dos criadores do Estado norte-americano. A péssima lembrança que tinham da atuação do monarca, enquanto estiveram submetidos à coroa inglesa, mais a influência dos autores que se opunham ao absolutismo, especialmente de Montesquieu, determinou a criação de um

sistema que, consagrando a soberania da vontade popular, adotava ao mesmo tempo um mecanismo de governo que impedia a concentração do poder. O sistema presidencial norte-americano aplicou, com o máximo rigor possível, o princípio dos freios e contrapesos, contido na doutrina da separação dos poderes”203. Sempre foi e continua sendo uma preocupação do constitucionalismo norte-americano ter o chefe do Poder Executivo subordinado à lei. Segundo Laurence Tribe, “o problema mais fundamental do governo é ‘como uma comunidade vem a ser um império de leis, e não de homens’. Nenhum aspecto desse problema aflige tanto os construtores de nação ao longo da história como a questão de como garantir que mesmo o extraordinário poder executivo, seja exercido por um Príncipe ou por um Presidente, seja ele próprio governado e responsável perante a lei – isto é, como assegurar que ‘a espada que executa a Lei está nela, e não acima dela’”204. As características marcantes do presidencialismo são: a) o Presidente da República é Chefe de Estado e Chefe de Governo; b) a chefia do Executivo é unipessoal; c) o Presidente da República é escolhido pelo povo; d) o Presidente é escolhido para um mandato determinado; e) o Presidente da República tem poder de veto; f) o Presidente pode ser responsabilizado politicamente. O Presidente é Chefe de Estado e Chefe de Governo A chefia do Executivo é unipessoal Principais características do Presidencialismo

O Presidente é escolhido pelo povo O Presidente tem um mandato determinado O Presidente pode ser responsabilizado politicamente

Primeiramente, no Presidencialismo, o Presidente da República exerce simultaneamente as funções de Chefe de Estado (representando o país internacionalmente) e de Chefe de Governo (pois exerce funções

autenticamente governativas, ditando o norte da política social, econômica, tributária, de imigração etc.). Por sua vez, embora tenha um corpo de auxiliares por ele nomeados (Ministros ou Secretários, dependendo da denominação), a responsabilidade pela fixação das diretrizes do Poder Executivo cabe exclusivamente ao Presidente da República. Os seus assessores (Ministros ou Secretários) são nomeados e exonerados livremente pelo Presidente, não necessitando da aprovação do Poder Legislativo. Outrossim, o caráter unipessoal da chefia do Executivo se denota no “esvaziamento” das atribuições do VicePresidente da República. Este não possui atribuições autônomas relevantes, só atuando efetivamente nos casos de substituição ou sucessão (na vacância do titular). Ponto nevrálgico do presidencialismo é que o Presidente da República é escolhido pelo povo. Em regra, o Presidente é escolhido diretamente pela população. Curiosamente, no entanto, no sistema presidencialista norteamericano, a eleição se dá por Colégio Eleitoral, impedindo que, por vezes, o candidato presidencial mais votado seja eleito, tendo em vista que não elegeu, na maioria dos Estados, o número de delegados suficientes para sua escolha. Foi o que ocorreu no ano 2000 na eleição norte-americana. O candidato democrata Al Gore teve 51.003.926 votos, enquanto o candidato republicano George W. Bush teve 50.460.110 votos. O segundo, que elegeu 271 delegados no Colégio Eleitoral, foi eleito presidente, enquanto o primeiro elegeu 266 delegados. Mais recentemente, em 2016, a candidata democrata Hillary Clinton teve 62.391.335 votos (48,01% dos votos), enquanto o candidato republicano Donald Trump teve 61.125.956 votos (47,03% dos votos). Mesmo tendo votação menor, o candidato republicano foi eleito presidente, porque conquistou 290 delegados (enquanto a candidata democrata conquistou 270). Outrossim, no sistema de governo presidencialista, o Presidente é escolhido para um prazo determinado. De fato, se o mandato fosse

indeterminado, o sistema seria uma espécie de monarquia eletiva. Além disso, costuma-se limitar (ou impedir) as reeleições, com o intuito de evitar a perpetuação no cargo. Sobre a limitação da reeleição norte-americana, bem esclarece Dalmo de Abreu Dallari: “No sistema norte-americano não se estabeleceu, de início, a proibição de reeleições para períodos imediatos. Contra essa omissão houve expressa manifestação de Jefferson, que observou que a possibilidade imediata de reeleições daria caráter vitalício à investidura, e daí seria fatal que se passasse à hereditariedade. Mantido o silêncio constitucional, criou-se a praxe e um máximo de dois períodos consecutivos para cada presidente, o que foi respeitado até o período de Franklin Roosevelt, que, valendo-se das circunstâncias da guerra, foi eleito para um terceiro período consecutivo. Esse fato despertou reação e fez com que se aprovasse uma emenda constitucional, incorporada à Constituição em 27 de fevereiro de 1951, estabelecendo o limite máximo de dois períodos consecutivos”205. Inspirados no princípio do checks and balances (freios e contrapesos), os constituintes norte-americanos, apesar de atribuírem ao Congresso Nacional a atividade legislativa, atribuíram ao Presidente da República a possibilidade de vetar os projetos de lei. Assim, salvo as raras hipóteses em que o projeto seja de competência exclusiva do Poder Legislativo (como, no Brasil, se dá com os decretos legislativos, resoluções ou emendas constitucionais), o Presidente poderá vetar os projetos de lei que considere inconvenientes ou inconstitucionais. Por fim, o Presidente pode ser responsabilizado politicamente por seus atos, embora de maneira mais traumática que no parlamentarismo. Neste último, basta que o Primeiro-Ministro perca sua maioria junto ao Poder Legislativo para que tenha que pedir demissão. No presidencialismo, existe a figura do impeachment, pelo qual pode ser afastado o Presidente que comete um crime de responsabilidade. Outrossim, não pode o Presidente da República dissolver o Legislativo, como lembra Canotilho: “não existem

controles primários entre o Presidente da República e o Congresso: o Presidente não tem poderes de dissolução das câmaras e nenhuma destas ou ambas tem a possibilidade de aprovar moções de censura contra o presidente. O governo é ‘irresponsável’ e o parlamento ‘indissolúvel’. Daí o afirmar-se que os poderes são poderes separados. De todo o modo, existem alguns elementos de ‘contrapeso’: o Presidente pode ser destituído através do processo de impeachment e o Senado tem de dar o seu assentimento à nomeação dos secretários de Estado e altos funcionários do Executivo. Por sua vez, o Presidente dispõe do direito de veto relativamente aos atos legislativos mas com possibilidade de superação do veto político por cada uma das câmaras através de deliberação”206 por quórum qualificado. c) Diferenças entre o parlamentarismo e o presidencialismo Como se vê, a maior diferença entre esses dois sistemas de governo é a aproximação (maior ou menor) entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo. Enquanto no parlamentarismo há uma grande proximidade entre o Legislativo e o Executivo (já que é o Parlamento que escolhe o Presidente e a qualquer momento pode destituí-lo), no presidencialismo o distanciamento é maior, embora haja pontos de interseção entre ambos (o Presidente pode fazer projetos de lei, pode vetar projetos de lei do Legislativo etc.). Presidencialismo

Parlamentarismo

O Presidente é Chefe de Estado e Chefe de Governo.

O Primeiro-Ministro é apenas chefe de governo (já que outra pessoa – um Rei, por exemplo – exercerá a chefia de Estado).

O Presidente é escolhido pelo povo.

O Primeiro-Ministro é escolhido pelo Parlamento.

O Presidente tem O Primeiro-Ministro não tem mandato determinado.

mandato determinado. O Legislativo não pode tirar o Presidente, salvo por crime de responsabilidade.

O Primeiro-Ministro deve se demitir quando perde a maioria no Parlamento.

O Presidente da República não pode dissolver o Legislativo.

O Primeiro-Ministro pode dissolver o Parlamento e convocar novas eleições.

Cientistas políticos apontam vantagens e desvantagens de ambos os sistemas. A vantagem mais alardeada do presidencialismo é o fato de o chefe de governo ser escolhido diretamente pelo povo e, com a força política que possui, poder agir rapidamente para atender, por uma série de políticas públicas, ao anseio da população que o elegeu. Não obstante, os opositores do presidencialismo o chamam de “uma ditadura por prazo determinado”. De fato, caso o Presidente da República desagrade os anseios da população antes de concluir o seu mandato, o presidencialismo não comportaria sua responsabilização política, exceto no grave caso do crime de responsabilidade (por essa razão, alguns países adotam como ferramenta democrática o recall ou referendo revogatório – como vimos no capítulo dos direitos políticos). Já o parlamentarismo tem como maior vantagem o fato de o mandato do Primeiro-Ministro ser indeterminado. Sendo considerado um bom PrimeiroMinistro, permanecerá no poder por décadas, e, quando desaprovado, não permanecerá no cargo. Critica-se o parlamentarismo pelo fato de ter uma aproximação muito estreita entre Legislativo e Executivo, tornando-se mais moroso que o presidencialismo, além de gerar certa instabilidade, já não se tem certeza da continuidade das políticas públicas do Executivo, pelo fato

de este depender sempre da maioria no Parlamento. d) A insuficiência do modelo dualista Como vimos, o parlamentarismo e o presidencialismo nasceram cada qual de um contexto histórico, sendo o primeiro fruto de séculos de evolução do sistema político britânico, enquanto o segundo nasceu de uma decisão histórica norte-americana (e evoluiu desde então). É natural que cada sistema evolua de forma diferente em cada país, atribuindo mais poderes para um ou outro Poder, criando ferramentas mais ou menos intensas de controle de um sobre o outro207. Como lembra José Joaquim Gomes Canotilho, “dizer-se, por exemplo, que as formas de governo da Inglaterra e da Itália são parlamentares, não quer dizer que funcionem do mesmo modo. Afirmou-se que Portugal e França tem ‘regimes semipresidencialistas’ de modo algum significa similitude de práticas dinâmicas de funcionamento”208. As peculiaridades de cada Estado são tamanhas que surgiram variações dos dois sistemas de governo acima. Surgiram formas atípicas, sistemas não clássicos, sistemas impuros, formas ecléticas ou mistas, como as que veremos a seguir. Como afirma Dalmo de Abreu Dallari, “é preciso aceitar, portanto, que o parlamentarismo e o presidencialismo já não são as opções necessárias para a formação de um governo”209. Outrossim, segundo Canotilho, “a matriz originária (a matriz presidencialista americana) sofre tantos desvios que o melhor será falar de ‘presidencialismos’. O presidencialismo latino-americano é o exemplo mais significativo”210. e) Sistema diretorial Segundo Sahid Maluf, “Sistema diretorial é aquele em que todo o poder de Estado se concentra no parlamento, sendo a função executiva exercida por uma junta governativa por delegação do mesmo parlamento”211. O sistema de governo diretorial é o modelo da Federação Suíça, cujos traços

estruturais são os seguintes: 1) existência de um diretório, ou seja, um poder executivo colegial (Conseil Fédéral) que é eleito pelo parlamento (Assembleia Federal) para um período de quatro anos; 2) inexistência de um chefe de estado autônomo, já que essas funções são exercidas pelo diretório. O “Presidente da Confederação”(de rotatividade anual) é quem preside as sessões daquele órgão. Nesse sistema, o Diretório é irrevogável, já que não existe a possibilidade de votos ou moções de censura do parlamento federal. Da mesma forma, o Diretório não pode dissolver o parlamento (Assembleia Federal, composta por duas Câmaras – Conseil National, eleito diretamente segundo o método proporcional e por um mandato de quatro anos, e Conseil des États, constituído por dois representantes de cada cantão suíço). f) Sistema semipresidencialista Com traços de presidencialismo e parlamentarismo, o semipresidencialismo é adotado na França, na Finlândia e também em Portugal, embora com traços distintos entre eles. No sistema semipresidencialista, há dois órgãos eleitos pelo sufrágio direto: o Presidente e o Parlamento. Da mesma forma, há dupla responsabilidade do governo (do gabinete), perante o Presidente da República e perante o Parlamento. Outrossim, existe a possibilidade de dissolução do Parlamento por decisão e iniciativa autônomas do Presidente da República. O Presidente tem poderes de direção política próprios. A escolha do povo português por esse sistema foi explicada por Canotilho: “parece seguro que a Constituição Portuguesa de 1976 não acolheu uma forma de governo ‘quimicamente pura’ (presidencialismo, parlamentarismo) antes procurou articular dimensões próprias de várias formas de governo”212. O sistema português tem traços do regime parlamentarista (autonomia do governo – liderado pelo Primeiro-Ministro; responsabilidade ministerial,

com a possibilidade de moção de censura pelo Parlamento) e traços do regime presidencialista (Presidente da República eleito pelo voto popular; veto político do Presidente da República). No sistema português, o chefe de governo é o Primeiro-Ministro, enquanto o Presidente é o chefe de Estado. Segundo Canotilho, há uma interdependência que caracteriza as relações entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro (e, através dele, o governo): “o Primeiro-Ministro, embora responsável politicamente perante o Presidente da República, é definidor de uma política governamental autônoma, pode-se dizer que há uma interdependência institucional entre Presidente da República e Primeiro-Ministro com autonomia governamental”213. g) O presidencialismo é cláusula pétrea? O Brasil adotou, tradicionalmente, o presidencialismo em todas as suas Constituições (exceto a Constituição de 1824, em que o chefe do Poder Executivo era o Imperador). Não obstante, houve em nossa história dois momentos parlamentaristas. O primeiro momento em que o Brasil experimentou o parlamentarismo foi no Segundo Reinado (o reinado de Dom Pedro II). O Imperador, que também exercia o Poder Moderador, nomeava o chefe de governo (Presidente do Conselho de Ministros e membro do partido com maioria no Parlamento, atuava como Primeiro-Ministro). Assim, na prática, o Brasil tornou-se uma monarquia parlamentarista durante o reinado de Dom Pedro II. O segundo momento parlamentarista veio no século seguinte. Com a renúncia do Presidente Jânio Quadros (em 25 de agosto de 1961), deveria assumir a Presidência o então Vice-Presidente eleito João Goulart, que se encontrava em viagem oficial à República Popular da China. Acusado pelos militares de ser comunista, sofreu séria resistência para assumir o cargo. Houve um acordo político para solucionar o empasse: criar-se-ia o regime parlamentarista, por meio de uma Emenda Constitucional aprovada

às pressas, no dia 2 de setembro de 1961, sendo Jango apenas chefe de Estado. Foram 17 meses de parlamentarismo no Brasil, tendo como primeiros-ministros Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima. Todavia, em 1963, houve plebiscito popular, optando a população pelo retorno do presidencialismo, quando Jango assumiu a Presidência com plenos poderes. Promulgada a Constituição de 1988, havia previsão no art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) de que “no dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País”. Embora marcado para o dia 7 de setembro de 1993, o plebiscito teve sua data antecipada para 21 de abril de 1993, por força de uma Emenda Constitucional (a Emenda n. 2/92). O Congresso decidiu antecipar a data, para não evitar casuísmos na discussão do plebiscito. Isso porque no final do ano de 1993 já haveria candidatos declarados à Presidência da República para as eleições do ano seguinte. Foi ajuizada uma Ação Declaratória de Constitucionalidade contra a Emenda Constitucional n. 2 (a antecipação do plebiscito) – ADI 829, relatada pelo Min. Moreira Alves –, e o Supremo Tribunal Federal declarou a emenda constitucional (“contendo as normas constitucionais transitórias exceções à parte permanente da Constituição, não tem sentido pretender-se que o ato que as contém seja independente desta, até porque é da natureza mesma das coisas que, para haver exceção, é necessário que haja regra”). Em outras palavras, como o ADCT era composto de normas constitucionais, poderia ser objeto de emenda constitucional. O plebiscito foi decidiu manter a (presidencialista). contra 6.843.196

realizado em 21 de abril de 1993, e o povo brasileiro forma de governo (República) e o sistema de governo A República teve 44.366.608 votos (66% da votação), (10,2% em favor da monarquia). Por sua vez, o

Presidencialismo venceu com 55,4% dos votos (37.156.884), contra 16.518.028 votos (24,6%) em favor do parlamentarismo. Indaga-se: é possível hoje alterar o sistema de governo de presidencialismo para parlamentarismo? O presidencialismo é cláusula pétrea? A Constituição não prevê expressamente que o presidencialismo é cláusula pétrea, não estando no rol do art. 60, § 4º, da Constituição Federal. Por essa razão, há no Congresso Nacional várias Propostas de Emenda Constitucional parlamentaristas. Trata-se de uma tentativa de controle preventivo da constitucionalidade, já que esse remédio constitucional foi impetrado por parlamentares. O Supremo Tribunal Federal chegou a colocar em pauta de julgamento o referido mandado de segurança, no momento em que o Senado Federal sinalizou que votaria essa Proposta de Emenda (quando do ponto culminante da crise política que culminou com o impeachment da Presidente Dilma Rousseff). Não obstante, como o Senado recuou na sua proposta, o STF tirou o Mandado de Segurança de Pauta, não julgando o seu mérito. Em nosso entender, o sistema de governo presidencialista não é cláusula pétrea, podendo ser alterado para parlamentarismo (ou outro sistema que vimos acima – diretorial ou semipresidencialista). Não obstante, à luz de uma interpretação sistemática da Constituição, entendemos que essa mudança dependerá de aprovação popular (seja por plebiscito, seja por referendo). Isso porque o texto originário da Constituição brasileira exigia essa participação popular para eventual mudança. Trinta anos depois da escolha, seria possível a mudança do sistema de governo, mas, em nosso entender, a participação popular seria essencial para a validade da Emenda. 18.2. FORMAS DE GOVERNO Aristóteles concebeu três formas básicas de governo: a Monarquia, governo de um só; a Aristocracia (governo de mais de um) e a República (governo em que o povo governa no interesse do povo). Maquiavel, em O

Príncipe, declarou que todo Estado, todos os domínios que exerceram e exercem poder sobre os homens, foram e são ou Repúblicas ou Principados. Desde então, tem prevalecido a classificação dualista das formas de governo em República e Monarquia (o primeiro caracterizado pela eletividade periódica do chefe de Estado e o segundo, pela hereditariedade e vitaliciedade do respectivo titular da chefia do Estado). Com pequena variação, Montesquieu, em O Espírito das Leis, aponta três espécies de governo: o republicano, o monárquico e o despótico, esclarecendo: “o governo republicano é aquele em que o povo, como um todo, ou somente uma parcela do povo, possui o poder soberano; a monarquia é aquele em que um só governa, mas de acordo com as leis fixas e estabelecidas, enquanto no governo despótico, uma só pessoa, sem obedecer às leis e regras, realiza tudo por sua vontade e seus caprichos”. Como se vê, não houve grandes avanços desde a antiguidade, como ressalta Hans Kelsen: “a teoria política da Antiguidade distinguia três formas de Estado: monarquia, aristocracia e democracia. A teoria moderna não foi além dessa tricotomia. A organização do poder soberano é apresentada como o critério dessa classificação. Quando o poder soberano de uma comunidade pertence a um indivíduo, diz-se que o governo, ou a constituição, é monárquico. Quando o poder pertence a vários indivíduos, a constituição é chamada republicana. Uma república é uma aristocracia ou uma democracia, conforme o poder soberano pertença a uma minoria ou uma maioria do povo”214. a) República Como vimos anteriormente, a República (do latim res publica, coisa pública) configura forma de Governo na qual o governante é um representante do povo, por ele escolhido, para um mandato determinado, podendo ser responsabilizado por seus atos, já que é um gestor da coisa pública. Com origem na Idade Antiga, a República se opõe à Monarquia, na qual o governante, embora se considere um representante do povo, não é por ele escolhido, bem como não tem um mandato determinado, e, em

regra, não pode ser responsabilizado por seus atos215. Por exemplo, o art. 99 da Constituição brasileira de 1824 afirmava: “A pessoa do Imperador é inviolável, e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma”. Nas palavras de Dalmo de Abreu Dallari, “a República, que é a forma de governo que se opõe à monarquia, tem um sentido muito próximo do significado de democracia, uma vez que indica a possibilidade de participação do povo no governo. [...] As características fundamentais da república, mantidas desde o século XVII e que foram a razão de seu prestígio e de sua receptividade, são as seguintes: Temporariedade. O Chefe de Governo recebe um mandato, com o prazo de duração predeterminado. E para evitar que as eleições reiteradas do mesmo indivíduo criassem um paralelo com a monarquia, estabeleceu-se a proibição de reeleições sucessivas. Eletividade. Na república o Chefe de Governo é eleito pelo povo, não se admitindo a sucessão hereditária ou por qualquer forma que impeça o povo de participar da escolha. Responsabilidade. O chefe do Governo é politicamente responsável, o que quer dizer que ele deve prestar contas de sua orientação política, ou ao povo diretamente ou a um órgão de representação popular”216. b) Monarquia A monarquia é uma forma de governo extremamente usada em quase todo o mundo. Com o passar do tempo, essa forma de governo foi sendo abandonada, ou pelo menos relativizada (de uma monarquia absoluta para uma monarquia constitucional). As características fundamentais da monarquia são: 1) vitaliciedade; 2) hereditariedade; 3) irresponsabilidade. Segundo a vitaliciedade, o monarca não exerce o poder por um tempo determinado, mas enquanto viver ou enquanto tiver condições para governar (por exemplo, em 2014, o Rei Juan Carlos I da Espanha decidiu abdicar em favor do seu filho). Quanto à hereditariedade, a escolha do monarca se dá pela sucessão hereditária, e não pelo voto popular. Por fim,

em razão da irresponsabilidade, o monarca não tem responsabilidade política, como no art. 99 da Constituição de 1824: “A pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma”. Se, para os monarquias, a Monarquia tem como vantagem um rei distanciado das disputas políticas cíclicas, podendo dar unidade ao país, sem contar sua formação intelectual, que o capacita para o exercício dessas funções. Para os republicanos, a monarquia é, em regra, antidemocrática e dispendiosa e dependente das características pessoais do monarca, que pode ser uma pessoa ponderada, ou um déspota. c) República é cláusula pétrea? Importante: embora não seja uma cláusula pétrea expressa, segundo a doutrina francamente majoritária e segundo o Supremo Tribunal Federal, a República é uma cláusula pétrea implícita. Até mesmo José Afonso da Silva, único constitucionalista de escol que adotava posição diversa, mudou de opinião em edições mais recentes de seu Curso de Direito Constitucional. Segundo o autor: “Os fundamentos que justificam a inclusão da República entre as cláusulas intangíveis continuam presentes na Constituição, que só os afastou por um momento, a fim de que o povo decidisse sobre ela. Como o povo o fez no sentido de sua preservação, todos aqueles fundamentos readquiriram plena eficácia de cláusulas intocáveis por via de emenda constitucional. Não se trata, no caso, de simples limitação implícita, mas de limitação que encontra no contexto constitucional seus fundamentos, tanto quanto o encontraria se a limitação fosse expressa”. Nesse mesmo sentido posiciona-se Gilmar Ferreira Mendes: “A periodicidade dos mandatos é consequência do voto periódico estabelecido como cláusula pétrea. Uma emenda não está legitimada para transformar cargos políticos que o constituinte originário previu como suscetíveis de eleição em cargos vitalícios ou hereditários. Isso, aliado também à decisão do poder constituinte originário colhida das urnas do plebiscito de 1993 sobre a forma

de governo, gera obstáculo a uma emenda monarquista” (Curso de Direito Constitucional, p. 126). Por fim, como dissemos, também é a posição proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em Mandado de Segurança impetrado por parlamentares, para impedir a votação e o trâmite de uma Proposta de Emenda monarquista: “Mandado de segurança contra ato da Mesa do Congresso que admitiu a deliberação de proposta de emenda constitucional que a impetração alega ser tendente à abolição da república (obs.: na vigência da Constituição anterior, a matéria ‘república’ também era cláusula pétrea). Cabimento do mandado de segurança em hipóteses em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda, vedando sua apresentação (como é o caso previsto no parágrafo único do art. 57) ou a sua deliberação (como na espécie). Nesses casos, a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo, e isso porque a Constituição não quer – em face da gravidade das deliberações, se consumadas – que sequer se chegue à deliberação proibindo-a taxativamente. A inconstitucionalidade, se ocorrente, já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformar em lei ou em emenda constitucional, porque o próprio processamento já desrespeita, frontalmente a Constituição” (RTJ 99/1031). 18.3. FORMAS DE ESTADO Além dos sistemas de governo e das formas de governo, é imperioso verificar as formas de Estado, que afetam diretamente a estrutura da organização política. Atualmente, três são as formas de Estado: a) Estado Unitário: os que têm um poder central, que é a cúpula e o centro do poder político; b) Estado Federal (Federação): vários centros de poder autônomo convivem; c) Estado Regional: menos centralizado que o Estado Unitário, mas sem chegar ao extremo da descentralização federal (como no caso da Itália)217; d) Estado Autonômico.
alisson pires - 2. Formas e Sistemas de Estado - Flávio Martins

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