Manual de Urgências em Pronto-Socorro, Erazo, 6ª Ed.

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ERAZO - Manual de Urgências em Pronto-Socorro 6ª Edição

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ÍNDICE Capítulo 01 - Anestesia Local e Regional Capítulo 02 - Feridas Capítulo 03 - Pequenos Procedimentos em Cirurgia Capítulo 04 - Queimaduras — Fase Aguda Capítulo 05 - Atendimento Clínico-Hospitalar ao Paciente Queimado Capítulo 06 - Tratamento Inicial do Politraumatizado Capítulo 07 - Choque Capítulo 08 - Insuficiência Respiratória Pós-Traumática Capítulo 09 - Traumatismos Torácicos Capítulo 10 - Hemotórax e Pneumotórax Capítulo 11 - Traumatismos Cardíacos Capítulo 12 - Traumatismo Toracoabdominal Capítulo 13 - Traumatismo Abdominal Capítulo 14 - Traumatismo Hepático Capítulo 15 - Traumatismos Esplênicos Capítulo 16 - Traumatismo Pancreático Capítulo 17 - Traumatismos do Esôfago Capítulo 18 - Traumatismo Duodenal Capítulo 19 - Traumatismo do Intestino Delgado Capítulo 20 - Traumatismo do Intestino Grosso Capítulo 21 - Traumatismo do Rim e Ureter Capítulo 22 - Traumatismo da Bexiga Capítulo 23 - Traumatismo da Uretra Capítulo 24 - Traumatismos da Genitália Externa Capítulo 25 - Traumatismos Arteriais Periféricos Capítulo 26 - Traumatismos Venosos Periféricos Capítulo 27 - Traumatismo Cranioencefálico no Adulto Capítulo 28 - Traumatismo Cranioencefálico na Criança Capítulo 29 - Traumatismos Raquimedulares Capítulo 30 - Abdômen Agudo Capítulo 31 - Apendicite Aguda Capítulo 32 - Úlceras Gastroduodenais Pépticas Perfuradas Capítulo 33 - Obstrução Intestinal Capítulo 34 - Gravidez Ectópica/Gravidez Ectópica Rota Capítulo 35 - Doença Inflamatória Pélvica Capítulo 36 - Laparoscopia na Emergência Capítulo 37 - Traumatismos da Mão Capítulo 38 - Fraturas Expostas Princípios de Tratamento Capítulo 39 - Urgências Otorrinolaringológicas Capítulo 40 - Asma Capítulo 41 - Infecções Agudas do Trato Respiratório Capítulo 42 - Trombose Venosa dos Membros Inferiores Capítulo 43 - Tromboembolismo Pulmonar Capítulo 44 - Derrame Pleural Capítulo 45 - Arritmias Cardíacas 2

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Capítulo 46 - Edema Pulmonar Agudo Capítulo 47 - Crise Hipertensiva Capítulo 48 - Infarto Agudo do Miocárdio Capítulo 49 - Insuficiência Cardíaca Congestiva Capítulo 50 - Reanimação Cardiopulmonar Capítulo 51 - Litíase Biliar Capítulo 52 - Intoxicação Alcoólica Aguda Capítulo 53 - Pancreatite Aguda e Crônica Agutizada Capítulo 54 - Cetoacidose Diabética Capítulo 55 - Infecções do Trato Urinário Capítulo 56 - Cólica Nefrética Capítulo 57 - Comas Capítulo 58 - Hipertensão Intracraniana Capítulo 59 - Crise Convulsiva Capítulo 60 - Meningites Capítulo 61 - Acidentes por Animais Peçonhentos Capítulo 62 - Distúrbios Hidroeletrolíticos e Ácidos-Básicos Capítulo 63 - Agentes Antimicrobianos Capítulo 64 - Urgências Psiquiátricas Capítulo 65 - A Relação Médico-Paciente no Atendimento de Urgência

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Capítulo 01 - Anestesia Local e Regional Marco Tulio Baccarini Pires Luiz Verçosa I. Introdução Os pacientes portadores de ferimentos atendidos nos serviços de urgência dos grandes centros urbanos são, na sua quase totalidade, vítimas de agressões ou de acidentes, que ocasionam feridas caracterizadas como traumáticas. É de grande interesse que esses ferimentos sejam classificados do melhor modo possível, quanto ao seu tipo, extensão e complicações. Não raro, existem conotações médico-legais, por se tratarem de casos que envolvem processos criminais, acidentes de trânsito, acidentes de trabalho etc. Feridas traumáticas são todas aquelas infligidas, geralmente de modo súbito, por algum agente físico aos tecidos vivos. Elas poderão ser superficiais ou profundas, dependendo da intensidade da lesão. Conceitualmente, considera-se como superficial um trauma que atinja pele e tecido subcutâneo, respeitando o plano aponeurótico; considera-se profundo o traumatismo que atinja planos vasculares, viscerais, neurais, tendinosos etc. Os ferimentos conseqüentes ao trauma são causadores de três problemas principais: hemorragia, destruição tissular mecânica e infecção. O tratamento das feridas traumáticas tem evoluído desde o ano 3000 a.C.; já naquela época, pequenas hemorragias eram controladas por cauterização. O uso de torniquetes é descrito desde 400 a.C. Celsus, no início da era cristã, descreveu a primeira ligadura e divisão de um vaso sangüíneo. Já a sutura dos tecidos é documentada desde os terceiro e quarto séculos a.C. Na Idade Média, com o advento da pólvora, os ferimentos se tornaram muito mais graves, com maior sangramento e destruição tissular; assim, métodos drásticos passaram a ser utilizados para estancar as hemorragias, como a utilização de óleo fervente, ferros em brasa, incenso, goma-arábica; logicamente, estes métodos em muito aumentaram as infecções nas feridas pela necrose tissular que provocam. A presença de secreção purulenta em um ferimento era indicativa de “bom prognóstico”. Os métodos “delicados’” para tratamento das feridas foram redescobertos pelo cirurgião francês Ambroise Paré, em 1585 — passouse, então, a realizar o desbridamento das feridas, a aproximação das bordas, os curativos e, principalmente, baniu-se o uso do óleo fervente. Em 1884, Lister introduziu o tratamento anti-séptico das feridas, o que possibilitou um extremo avanço na cirurgia; no século XX, a introdução das sulfas e da penicilina e, posteriormente, de outros antibióticos determinou uma redução importante nas infecções em feridas traumáticas, facilitando o tratamento e a recuperação dos pacientes. II. Aspectos Biológicos da Cicatrização das Feridas Nos últimos anos, a teoria básica da cicatrização das feridas evoluiu de modo surpreendente. A cicatrização é uma seqüência de respostas e de sinais, na qual células dos 4

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mais variados tipos (epiteliais, inflamatórias, plaquetas e fibroblastos) saem de seu meio natural e interagem, cada qual contribuindo de alguma forma para o processo cicatricial. Os eventos cicatriciais são dinâmicos, de ordem celular, bioquímica e fisiológica. Sabe-se que a resposta inflamatória que se segue a qualquer lesão tissular é vital para o processo de reparo. É correto, pois, afirmar que sem resposta inflamatória não ocorrerá cicatrização. A própria lesão tem um efeito considerável na forma de reparo subseqüente. Assim, por exemplo, uma ferida cirúrgica limpa, que foi suturada de forma anatômica e de imediato, requer síntese mínima de tecido novo, enquanto uma grande queimadura utiliza todos os recursos orgânicos disponíveis para cicatrização e defesa contra uma possível infecção, com uma importante reação inflamatória no local. Deve-se enfatizar que a reação inflamatória normal que acompanha uma lesão tecidual é um fator benéfico, pois sem ela não ocorrerá cicatrização; somente uma reação inflamatória exagerada, com grande edema local, será maléfica, levando a retardo no processo cicatricial. O Quadro 2-1 resume os eventos da cicatrização das feridas. Para facilitar a discussão dos eventos que ocorrem no processo de cicatrização, dividiremos as feridas clínicas, de acordo com o tipo de tratamento realizado, em dois tipos: feridas simples fechadas e feridas abertas (com ou sem perda de substância). A. Feridas fechadas. Por definição, considera-se como ferida fechada aquela que pôde ser suturada quando de seu tratamento. São as feridas que mais nos interessam do ponto de vista prático, pois são as mais comumente observadas nos ambulatórios de pronto-socorro. Na seqüência da cicatrização das feridas fechadas, temos a ocorrência de quatro fases: fase inflamatória, fase de epitelização, fase celular e fase de fibroplasia. 1. Fase inflamatória. Após o trauma e o surgimento da lesão, existe vasoconstrição local, fugaz, que é logo substituída por vasodilatação. Ocorrem aumento da permeabilidade capilar e extravasamento de plasma próximo ao ferimento. A histamina é o mediador inicial que promove esta vasodilatação e o aumento da permeabilidade. Ela é liberada de várias células presentes no local: mastócitos, granulócitos e plaquetas. O efeito da histamina é curto, durando aproximadamente 30 minutos. Pesquisas recentes têm atribuído extraordinária responsabilidade às plaquetas, no início da fase inflamatória da cicatrização. Vários outros fatores têm sido implicados na manutenção do estado de vasodilatação que se segue a esta fase inicial; entretanto, parecem ser as prostaglandinas (liberadas das células locais) as responsáveis pela continuidade da vasodilatação e pelo aumento da permeabilidade. Em alguns outros vasos próximos ao local da lesão tissular, ocorrem fenômenos de coagulação, mediados pelas plaquetas, com formação de trombos. Estes, por sua vez, em uma fase um pouco mais tardia, passam a levar a uma maior formação e proliferação de fibroblastos. Existem diversos fatores plaquetários, entre eles o de número 4 (PF4), que 5

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estimula a migração de células inflamatórias e de fibroblastos; além dele, o fator de crescimento derivado plaquetário (PDGF) é capaz de atrair monócitos, neutrófilos, fibroblastos e células musculares lisas. O PDGF também é capaz de estimular a síntese de colagenase por fibroblastos, uma etapa essencial no processo de cicatrização. O fator de crescimento básico de fibroblastos (bFGF), um fator não-plaquetário, apresenta sua concentração de pico no interior da ferida no primeiro dia após o ferimento, em modelos animais. A migração de leucócitos no interior da ferida é intensa, pelo aumento da permeabilidade capilar. Inicialmente, predominam os granulócitos, que, após algumas horas, são substituídos por linfócitos e monócitos. Os monócitos, ao lisar tecidos lesados, originam macrófagos, que fagocitam detritos e destroem bactérias. Sabe-se que os monócitos e os macrófagos representam papel importante na síntese do colágeno; na ausência destes dois tipos de células, ocorre redução intensa na deposição de colágeno no interior da ferida. Agentes inibidores das prostaglandinas, como a indometacina, diminuem a resposta inflamatória ao evitar a manutenção do estado de vasodilatação; conseqüentemente, podem levar à desaceleração da cicatrização. 2. Fase de epitelização. Enquanto a fase inflamatória ocorre na profundidade da lesão, nas bordas da ferida suturada começam a surgir novas células epiteliais que para lá migram. Desta forma, em 24-48 horas, toda a superfície da lesão estará recoberta por células epiteliais. Finalmente, com o passar dos dias, as células da superfície se queratinizam. O fator de crescimento da epiderme (EGF) é importante nesta fase. 3. Fase celular. Em resposta à lesão, fibroblastos — células com formato de agulha e de núcleos ovalados, derivados de células mesenquimais —, residentes nos tecidos adjacentes, proliferam por três dias e no quarto dia migram para o local do ferimento. No décimo dia os fibroblastos tornam-se as células predominantes no local. Os fibroblastos têm quatro diferentes ações no interior de uma ferida: primeiramente, proliferando; depois, migrando; em seguida, secretando o colágeno, tecido matricial da cicatriz; e, por último, formando feixes espessos de actina como miofibroblastos. A rede de fibrina que se forma no interior da ferida serve como orientação para a migração e o crescimento dos fibroblastos, fornecendo-lhes o suporte necessário. O fibroblasto não tem capacidade de lisar restos celulares; assim, a presença de tecidos macerados, coágulos e corpos estranhos constitui uma barreira física à sua proliferação, com conseqüente retardo da cicatrização. Daí, a necessidade absoluta de se realizar um bom desbridamento de qualquer lesão, removendo-se tecidos necrosados, coágulos etc.

Uma neoformação vascular intensa se segue ao avanço dos fibroblastos. Esta angiogênese tem um papel crítico para o sucesso da cicatrização das feridas. Acredita-se, atualmente, que a angiogênese seja regulada por fatores de crescimento locais, entre eles o fator de crescimento básico de fibroblasto (BFGF) . Os monócitos e os macrófagos também estão associados à produção de fatores estimulantes à neoformação vascular. 6

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A fase celular da cicatrização dura algumas semanas, porém o número de fibroblastos vai diminuindo progressivamente até a quarta ou quinta semana após a lesão. Neste período, a rede de neovascularização já se definiu por completo. O colágeno, secretado pelos fibroblastos, proporciona força e integridade aos tecidos do corpo. Desta forma, quando há necessidade de um reparo tissular, é exatamente na deposição e no entrecruzamento do colágeno que irá basear-se a força da cicatriz. 4. Fase de fibroplasia. É a fase caracterizada pela presença do elemento colágeno, proteína insolúvel, existente em todos os animais vertebrados. O colágeno é secretado pelos fibroblastos numa configuração do tipo “hélice tripla”. Mais da metade da molécula é composta por apenas três aminoácidos: glicina, prolina e hidroxiprolina. Para a síntese das cadeias de colágeno é necessária a hidroxilação da prolina e da lisina. Esta hidroxilação, que ocorre ao nível dos ribossomos, requer enzimas específicas, as quais necessitam de vários co-fatores, tais como oxigênio, ascorbato, ferro e alfacetoglutarato. Desse modo, é fácil entender por que uma deficiência de ácido ascórbico ou a hipoxemia pode levar ao retardo da cicatrização, pela menor produção das moléculas de colágeno. As primeiras fibras de colágeno surgem na profundidade da ferida, cerca de cinco dias após o traumatismo. Com o passar dos dias, feixes de colágeno dispostos ao acaso vão gradativamente ocupando as profundezas do ferimento. Esses feixes originam uma estrutura bastante densa e consistente: a cicatriz. Com o aumento do número de fibras colágenas na cicatriz, esta se vai tornando mais resistente. Feridas cutâneas, por exemplo, continuam a ganhar resistência de forma constante por cerca de quatro meses após a lesão. O controle da síntese do colágeno ainda continua sendo de difícil explicação. Sabe-se que o processo desta síntese é particularmente dependente do oxigênio. As feridas musculares adquirem resistência mais lentamente; os tendões são ainda mais lentos do que os músculos neste ganho de resistência. Apesar desta recuperação da resistência, quase nunca a cicatriz adquire a mesma resistência do tecido original; a cicatriz tem também menor elasticidade que o tecido que veio a substituir. A fase de fibroplasia não tem um final definido — sua duração varia conforme o local da lesão, sua profundidade, o tipo do tecido lesado, e se existem ou não as deficiências já descritas anteriormente (oxigenação, ácido ascórbico etc.). Sabe-se ainda que as cicatrizes continuam remodelando-se com o passar dos meses e anos, sofrendo alterações progressivas em seu volume e forma. Essa remodelação ocorre através da degradação do colágeno, que é mediada pela enzima colagenase. A degradação do colágeno é tão importante quanto a sua síntese no reparo das feridas, para evitar um entrecruzamento desordenado de fibras e levar à formação de uma cicatriz excessiva. Em certas condições patológicas, tais como nos quelóides, na cirrose hepática e nas feridas intra-abdominais, observa-se exatamente uma deposição exagerada de colágeno, não destruído pela colagenase. 7

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Sabe-se que existem sete tipos distintos de colágeno no ser humano: os tipos I e II são os principais existentes nas lesões da pele. B. Feridas abertas. Como mencionado anteriormente, as feridas abertas podem ocorrer com ou sem perda de substância. Clinicamente, um ferimento deixado aberto se comporta de modo completamente diverso de um ferimento que foi suturado. Numa ferida aberta (não suturada), observa-se a formação de um tecido de aspecto granular fino no interior da lesão — o chamado tecido de granulação —, que surge cerca de 12-24 horas após o trauma. Neste tipo de ferimento, um novo componente passa a ter importância — é a contração. O miofibroblasto é a célula responsável por este fenômeno, fazendo com que a pele circunjacente à ferida se contraia, não ocorrendo a produção de uma “pele nova”, para recobrir o defeito. A contração é máxima nas feridas deixadas abertas, podendo inclusive ser patológica (ocasionando deformidades e prejuízos funcionais), dependendo do local do ferimento e da extensão da lesão. Recobrir uma ferida com um curativo ou com um enxerto de pele é uma boa maneira de se evitar a contração patológica. Excisões repetidas das bordas da lesão (“avivarem-se” as bordas) fazem diminuir bastante o fenômeno da contração, fazendo com que a proliferação das células epiteliais seja mais ordenada e que a cicatriz final tenha mais força (normalmente, a cicatriz epitelizada de uma ferida que foi deixada aberta e que cicatrizou por segunda intenção é bastante frágil). Glândulas sudoríparas e sebáceas e folículos pilosos favorecem a formação de uma junção bastante forte entre a epiderme e a derme; como esta estrutura não existe na cicatriz da ferida deixada aberta, sua ausência contribui para a pequena resistência desta epiderme. A enxertia precoce e a técnica de fechamento retardado das feridas (no segundo ou terceiro dia após a lesão, caso não se observe infecção) são também boas formas de se evitar a contração patológica nas feridas deixadas abertas. Não se devem confundir as expressões contração e retração; esta última se refere à retração tardia da cicatriz, que ocorre principalmente em determinadas circunstâncias, como nas queimaduras e nas lesões em regiões de dobras de pele. III. Tipos de Cicatrização das Feridas A. Cicatrização por primeira intenção. É aquela que ocorre quando as bordas de uma ferida são aproximadas — o método mais comum é a sutura. A contração, nesses casos, é mínima, e a epitelização começa a ocorrer dentro de 24 horas, sendo a ferida fechada contra a contaminação bacteriana externa. B. Fechamento primário retardado. Na presença de lesão intensamente contaminada, o fechamento desta deve ser protelado, até que se verifiquem as respostas imunológicas e inflamatórias do paciente. Utilizam-se ainda antibióticos e curativos locais. No segundo ou terceiro dia, ao observarmos que não se apresenta contaminação no ferimento, este poderá ser fechado.

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Um exemplo de fechamento primário retardado seria a utilização deste procedimento após a remoção de um apêndice supurado — uma cirurgia na qual o índice de abscessos de parede pós-operatória é alto, quando o fechamento primário simples (primeira intenção) é utilizado (ver Cap. 31, Apendicite Aguda). Confirmada, em torno do terceiro dia, a ausência de infecção de pele ou de tecido subcutâneo, procede-se à sutura desses planos. C. Fechamento por segunda intenção. É a cicatrização por meio de processos biológicos naturais. Ocorre nas grandes feridas abertas, principalmente naquelas em que há perda de substância tecidual. Neste tipo de ferida, a contração é um fenômeno que ocorre mais intensamente, como já explicado. IV. Fatores Que Influenciam na Cicatrização das Feridas Sabemos que são vários os fatores que podem levar à alteração na cicatrização das feridas, sejam eles ligados ao tipo de traumatismo, ao próprio paciente, a algum tratamento em curso, ou a algum tipo de medicação em uso. A. Nutrição. Ocorre retardo na cicatrização de feridas em doentes extremamente desnutridos (quando a redução do peso do paciente ultrapassa um terço do peso corporal normal). É bem-estabelecida a relação entre cicatrização ideal e um balanço nutricional positivo do paciente. B. Depressão imunológica. A ausência de leucócitos polimorfonucleares pode, pelo retardo da fagocitose e pela lise de restos celulares, prolongar a fase inflamatória e predispor à infecção. Além disso, no caso específico da ausência de monócitos, sabe-se que a formação de fibroblastos estará prejudicada. C. Oxigenação. A síntese do colágeno depende de oxigênio para formação de resíduos hidroxiprolil e hidroxilisil. Uma anoxia, até mesmo temporária, pode levar à síntese de um colágeno pouco estável, com formação de fibras de menor força mecânica. Além disso, feridas em tecidos isquêmicos apresentam-se com infecção mais freqüentemente do que aquelas em tecidos normais. D. Volume circulante. A hipovolemia e a desidratação levam a menor velocidade de cicatrização e a menor força da cicatriz. Entretanto, a anemia não altera, por si só, a cicatrização. E. Diabetes. A síntese do colágeno diminui bastante na deficiência de insulina, como pôde ser comprovado em experimentos em modelo animal. São também menores a proliferação celular e a síntese do DNA, que explica a menor velocidade de cicatrização no diabético. Além disso, existe um componente de microangiopatia cutânea, acarretando menor fluxo tissular, com conseqüentes menor oxigenação e menor pressão de perfusão local. A infecção da ferida é um sério problema nesses pacientes. O componente de arteriosclerose pode ainda se fazer presente no diabético, concomitantemente, agravando ainda mais o quadro.

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F. Arteriosclerose e obstrução arterial. Também levam ao menor fluxo para o local do ferimento, com retardo cicatricial. Em alguns pacientes, como já comentado anteriormente, a arteriosclerose associa-se à microangiopatia diabética, principalmente em pacientes mais idosos, com lesões dos membros inferiores. G. Uso de esteróides. Estes têm um efeito antiinflamatório potente, fazendo com que a cicatrização se proceda de forma mais lenta, sendo a cicatriz final também mais fraca. A contração e a epitelização ficam muito inibidas. H. Quimioterapia. Os agentes quimioterápicos agem em várias áreas, retardando a cicatrização: levam à neutropenia (predispondo à infecção); inibem a fase inflamatória inicial da cicatrização (ciclofosfamida); interferem na replicação do DNA; interferem nas mitoses celulares e na síntese protéica. I. Irradiação. A irradiação leva à arterite obliterante local que, por sua vez, causa hipoxia tecidual. Existem diminuição na população de fibroblastos e, conseqüentemente, menor produção de colágeno. As lesões por irradiação devem ser excisadas em suas bordas avivadas e, em seguida, tratadas. J. Politraumatizados. Um paciente politraumatizado, com inúmeras lesões, em choque, com hipovolemia e hipoxemia tecidual geral, é um bom candidato a ter seus ferimentos superficiais infectados. Se isto ocorrer, haverá retardo cicatricial. Quanto mais grave e prolongado o estado de choque, maior será a dificuldade de cicatrização de lesões múltiplas. L. Tabagismo. A associação entre o uso de cigarros e o retardo na cicatrização é bem reconhecida. Os efeitos já documentados dos constituintes tóxicos do cigarro — particularmente a nicotina, o monóxido de carbono e o cianido de hidrogênio — sugerem vários mecanismos em potencial pelos quais o fumo pode determinar o retardo cicatricial. A nicotina é um vasoconstritor que reduz o fluxo sangüíneo para a pele, resultando em isquemia tissular. A nicotina também aumenta a aderência plaquetária, favorecendo a ocorrência de trombose da microcirculação. Além disso, a proliferação de hemácias, fibroblastos e macrófagos é reduzida pela nicotina. Já o monóxido de carbono diminui o transporte e o metabolismo do oxigênio. O cianido de hidrogênio inibe os sistemas enzimáticos necessários ao metabolismo oxidativo e ao transporte de oxigênio em nível celular. Clinicamente, tem sido observada a cicatrização mais lenta em fumantes com feridas resultantes de trauma, doenças da pele e cirurgia. Os fumantes deveriam ser recomendados a parar de fumar antes de cirurgias eletivas ou quando estivessem se recuperando de ferimentos resultantes de trauma, doenças diversas da pele ou de cirurgia de emergência. V. Classificação As feridas podem ser classificadas de várias maneiras; se as relacionarmos com o tempo de traumatismo, serão chamadas de agudas ou crônicas. Já se as abordarmos de acordo com o meio ou o agente causal das lesões, elas poderão ser classificadas de outras maneiras — ver Quadro 2-2. 10

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As feridas contusas resultam da ação de instrumento contundente; as feridas cortantes ou incisas são resultado da ação de instrumento cortante, e assim sucessivamente. Uma ferida cortocontusa resulta da ação de um instrumento contundente que provoque uma contusão e um corte local. A. Feridas incisas. São provocadas por instrumentos cortantes, tais como navalhas, facas, bisturis, lâminas de metal ou de vidro etc. O trauma é causado pelo deslocamento sobre pressão do instrumento na pele. Suas principais características são: predomínio do comprimento sobre a profundidade; bordas regulares e nítidas, sendo geralmente retilíneas; o tônus tecidual e a sua elasticidade fazem com que ocorra o afastamento das bordas da lesão. Podemos subdividir as feridas incisas em três tipos: (a) simplesmente incisas — nelas, o instrumento penetra na pele de forma perpendicular; (b) incisas com formação de retalhos — o corte é biselado, com formação de um retalho pediculado, e o instrumento penetra de maneira oblíqua à pele; (c) com perda de substância — nelas, uma certa porção do tecido é destacada. Em uma ferida incisa, o corte começa e termina a pique, fazendo com que exista uma profundidade igual de um extremo a outro da lesão (como na ferida cirúrgica); nas chamadas feridas cortantes, as extremidades da lesão são mais superficiais, enquanto a parte mediana do ferimento é mais profunda. B. Feridas cortocontusas. Em um ferimento cortocontuso, o instrumento causador da lesão não tem gume tão acentuado como no caso das feridas incisas; um exemplo seria um corte por enxada no pé — é a força do traumatismo que causa a penetração do instrumento. Uma ferida cortocontusa pode ser ocasionada por um instrumento que não tem nenhum gume, mas que, pela força do impacto, faz com que ocorra a solução de continuidade na pele. C. Feridas perfurantes. São provocadas por instrumentos longos e pontiagudos, tais como agulhas, pregos, alfinetes etc., podendo ser superficiais ou profundas. No caso de uma ferida perfurante adentrar uma cavidade do corpo, como a cavidade peritoneal, ela receberá o nome de cavitária. Uma ferida perfurante pode ainda ser transfixante, ao atravessar um membro ou órgão. A gravidade de um ferimento perfurante varia de acordo com o órgão atingido. Um exemplo caracteristicamente marcante seria a perfuração do coração por um estilete, que pode causar a morte do paciente. Este mesmo estilete, penetrando em outro local, como na face lateral da coxa, pode não vir a trazer qualquer conseqüência maior. D. Feridas perfurocontusas. São causadas principalmente pelos projéteis de arma de fogo. Suas principais características são: 1. O orifício de entrada de uma bala apresenta uma orla de contusão e uma orla de enxugo; se o tiro tiver sido dado à queima-roupa, bem próximo do paciente, ocorrerá também uma zona de chamuscamento ou de tatuagem. O orifício de saída geralmente é maior do que o de entrada; não apresenta orla de contusão e de enxugo; muitas vezes, próximo ao orifício

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de saída, existem fragmentos de tecidos orgânicos e outros materiais (pano, couro etc.), carregados pela bala. 2. Cargas de chumbo (ferimentos por cartucheira) produzem um tipo de ferida perfurocontusa um pouco diferente: neste caso, a lesão também tem um componente de laceração, pois inúmeros projéteis atingem uma área pequena no corpo do paciente. E. Feridas lacerocontusas. Os mecanismos mais freqüentes são: (a) compressão: a pele, sob a ação de uma força externa, é esmagada de encontro ao plano subjacente; (b) tração: por rasgo ou arrancamento tecidual, como em uma mordedura de cão. Como características das feridas lacerocontusas, citamos: bordas irregulares infiltradas de sangue, ângulos em número de dois ou mais e a presença de bridas (“pontes”) de pele ou de vasos sangüíneos unindo os dois lados da lesão. São freqüentes as complicações sépticas, pela ocorrência de necrose tecidual. F. Feridas perfuroincisas. São provocadas por instrumentos perfurocortantes, que possuem ao mesmo tempo gume e ponta, como, por exemplo, um canivete, um punhal etc. As lesões podem ser superficiais ou profundas e, como nas feridas perfurantes, recebem o nome de cavitárias ao atingirem as cavidades serosas do corpo. G. Escoriações. Ocorrem quando a lesão surge de forma tangencial na superfície cutânea, com arrancamento da pele. Um exemplo comum seria o de uma queda com deslizamento sobre uma superfície irregular, como no asfalto. H. Equimoses e hematomas. Nas equimoses não ocorre solução de continuidade da pele, porém os capilares se rompem, proporcionando um extravasamento de sangue para os tecidos. O hematoma é formado quando o sangue que se extravasa pelo processo descrito forma uma cavidade. I. Bossas sangüíneas. São hematomas que vêm a constituir uma saliência na superfície da pele. São freqüentes, por exemplo, no couro cabeludo. VI. Tratamento Uma anamnese sucinta é realizada, procurando-se determinar a causa e as condições nas quais ocorreram as lesões. É importante que seja feito um exame clínico geral objetivo, observando-se as mucosas, a pulsação, a pressão arterial, as auscultas cardíaca e respiratória, para que sejam descartados fatores complicantes em relação ao tratamento que será estabelecido. Os passos no tratamento deverão obedecer à seguinte ordem: A. Classificação da ferida. Verificamos há quanto tempo ocorreu o ferimento, se existe ou não perda de substância, se há penetração em cavidades, se há perda funcional ou se 12

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existem corpos estranhos. A realização de exames complementares, como radiografias ou exames de laboratório, deverá ser feita na medida do necessário, avaliando-se caso a caso. B. Realização da anti-sepsia. Ao redor da ferida, na maior parte dos casos, é suficiente a limpeza com PVP-I a 10% (Povidine®), sendo este removido posteriormente com irrigação por soro fisiológico. O ferimento deve ser meticulosamente limpo, basicamente com soro fisiológico. Compostos como o Soapex®, PVP-I, ou similares podem ser utilizados em casos de ferimentos muito sujos (p. ex., por terra, ou nas moderduras de animais), desde que venham a ser completamente removidos em seguida, por irrigação copiosa de soro fisiológico. A água oxigenada é um bom agente para remoção de coágulos de ferimentos maiores, do tipo laceração. Entretanto, deve ser evitado o seu contato íntimo com a superfície lesada, por ela provocar necrose celular — seu uso deve ser limitado apenas ao redor do ferimento. Caso o contato da água oxigenada com a lesão ocorra, deve-se irrigar novamente o ferimento com soro fisiológico. A irrigação vigorosa de uma ferida, utilizando-se soro fisiológico sob pressão em bolus, injetado através de seringas de 35 a 65 ml de capacidade, e usando-se agulha calibre 19, é um método bastante eficaz para diminuir a contagem bacteriana no interior do ferimento. O volume médio de soro fisiológico injetado em uma lesão é de aproximadamente 150 a 250 ml. Esta técnica se tem mostrado bastante eficaz na prática, e gera pressões de 15 a 40 psi (libras/polegada2). Em contraste, o uso de frascos plásticos de soro fisiológico, sobre os quais é exercida pressão manual, conectados a agulha calibre 19, é capaz de gerar pressão de 2,0 a 5,5 psi. É possível a conclusão de que esta última técnica (uso de frascos plásticos) está desaconselhada quando há necessidade de irrigação de alta pressão. C. Fazer anestesia. Este procedimento varia para cada tipo de ferida, ou seja, desde uma simples infiltração de anestésico local até anestesia geral. O uso de lidocaína tamponada ou de lidocaína aquecida torna o processo de anestesia local menos doloroso, podendo estas técnicas serem usadas em feridas traumáticas sem aumentar os índices de infecção (ver Cap. 1 para informações mais abrangentes acerca dos agentes anestésicos). D. Hemostasia, exploração e desbridamento. Nas hemorragias, a conduta varia de acordo com a gravidade da lesão e o local onde se encontra o paciente (via pública, rodovia, hospital etc.). Fora do ambiente hospitalar, na presença de sangramento externo importante, a primeira medida a ser tomada é a compressão da lesão. No hospital, em hemorragias simples, bastam o pinçamento e a ligadura do vaso. A técnica de garroteamento com um manguito pneumático é boa opção para lesões nos membros. Devemos lembrar, entretanto, que neste caso o manguito não deve permanecer insuflado por mais de 30 minutos. O uso de torniquetes feitos com madeira, cordas, ou tecidos, aplicado na raiz dos membros, é contra-indicado pelo alto número de complicações vasculares que provoca, notadamente a trombose venosa profunda. A exploração da ferida é o passo seguinte após realização da hemostasia. Verifica-se até que ponto houve lesão; a seguir, procede-se ao seu desbridamento, removendo partes necrosadas e corpos estranhos. 13

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E. Sutura da lesão. É iniciada pelos planos mais profundos. Para a musculatura, utilizam-se fios absorvíveis do ácido poliglicólico (Dexon®) ou da poliglactina (Vicryl®), 2-0 ou 3-0. Esta sutura é feita com pontos separados em X ou em U. Geralmente, não há necessidade de se suturar separadamente a aponeurose em ferimentos do tipo encontrado ambulatorialmente, sendo ela englobada na sutura muscular. Caso se faça a sutura da aponeurose separadamente, poderão ser utilizados fios absorvíveis ou inabsorvíveis, indistintamente (Fig. 2-1). Na sutura do tecido celular subcutâneo, utilizam-se fios absorvíveis (categute simples ou a poliglactina), 2-0, 3-0 ou 4-0, com pontos separados. A pele é suturada com fio inabsorvível 3-0 a 6-0, dependendo da região (p. ex., face — utilizar fio 6-0, monofilamentado) (Fig. 2-2). Suturas contínuas ou mesmo intradérmicas devem ser evitadas nos casos de ferimentos traumáticos. A sutura da pele não deve ser feita sob tensão. Um outro cuidado é o de que não devemos deixar os chamados “espaços mortos” durante a rafia dos planos profundos. A Fig. 2-3 mostra um tipo de sutura intradérmica. A Fig. 2-4 mostra uma sutura de pele em chuleio contínuo (esta é uma técnica pouco usada, de uso muito ocasional). A sutura com pontos em U, como descrito acima, é mais usada em planos profundos; seu uso em suturas de pele é restrito a casos em que uma maior hemostasia é necessária. A sutura com pontos Donati é usada em feridas de pele, quando se deseja uma maior aproximação das bordas da lesão (Fig. 2-5). Feridas de pequena extensão e pouco profundas poderão ser apenas aproximadas com uso de adesivo cirúrgico de tipo Micropore®, conforme mostra a Fig. 2-6. A aproximação de espaços subcutâneos com pontos em excesso poderá favorecer a infecção local. Caso a lesão do tecido subcutâneo seja superficial, este não deverá ser suturado. O uso de curativos tem a vantagem de prevenir a desidratação e a morte celular, acelerando a angiogênese, aumentando a lise do tecido necrótico e potencializando a interação dos fatores de crescimento com suas células-alvo; a manutenção de um meio úmido no curativo se tem mostrado um poderoso aliado na cicatrização das feridas, sendo infundadas as preocupações de que a umidade favoreceria a ocorrência de infecção. A manutenção de um meio seco no local do ferimento não apresenta vantagens. Curativos hidrocolóides (Comfeel®; Duoderm®) são usados com vantagens em áreas com grandes perdas de substâncias, propiciando uma melhor cicatrização por segunda intenção. Em relação a pomadas antibióticas tópicas, seu uso é discutido. Ferimentos simples suturados podem ser limpos com água e sabão durante o banho, 24 horas após a sutura da lesão, sem qualquer risco de aumento da taxa de infecção. 14

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VII. Lesões Específicas A. Mordeduras (de cão, humanas etc.). Em princípio, não devem ser suturadas, por serem ferimentos potencialmente contaminados; entretanto, nos casos de grandes lacerações, e dependendo do local acometido, após anti-sepsia e desbridamento rigorosos, podem ser necessários alguns pontos para aproximação das bordas. A cobertura antibiótica é obrigatória em todos os casos de mordeduras. Naquelas lesões muito profundas, atingindo até o plano muscular, com esgarçamento tecidual, a conduta correta é aproximar os planos profundos com fios absorvíveis, os quais, por serem degradados, não mantêm um estado infeccioso local (diferentemente dos fios inabsorvíveis), deixando-se a pele sem sutura. B. Ferimentos por arma de fogo. São comuns os ferimentos à bala que atingem somente partes moles (p. ex., face lateral da coxa). A decisão de se retirar o projétil deve ser avaliada em cada caso, levando-se em consideração, principalmente, sua profundidade, a proximidade de estruturas nobres, o risco de infecção e se sua presença está levando ou não a algum prejuízo funcional. Caso haja apenas um orifício (no caso, o de entrada), este não deve ser suturado, procurando-se lavar bem o interior do ferimento. No caso de dois orifícios (entrada e saída), um deles poderá, se assim o médico desejar, ser suturado após a limpeza. A cobertura antibiótica em ferimentos por arma de fogo é discutível. A bala, em si, é estéril, devido ao seu calor, porém pode levar para o interior da ferida corpos estranhos, como couro, fragmentos de roupas etc., e que podem ser de difícil remoção; nestes casos, indica-se antibioticoterapia. C. Lesões por pregos. São lesões perfurantes encontradas em ambulatórios de urgências com uma certa freqüência, sendo de maior gravidade as produzidas por pregos enferrujados. A importância desse tipo de ferida decorre da possibilidade de, em indivíduos não-imunizados, ou com desbridamento local malfeito, ela levar ao tétano. As lesões por pregos devem ser desbridadas sob anestesia e deixadas abertas. Deve-se enfatizar que uma limpeza superficial, sem desbridamento, expõe o paciente ao risco de contrair tétano. VIII. Complicações. As complicações mais comuns das feridas ambulatoriais são: má exploração ou desbridamento; contaminação do instrumental usado ou do próprio profissional; presença de espaço morto e sua decorrente contaminação; má ligadura de vasos sangüíneos com formação de hematomas e possível contaminação; sutura da pele sob tensão, formando áreas de isquemia com posterior deiscência da sutura; fatores ligados ao próprio tipo de ferimento (lacerações extremas, contaminação grosseira), que, apesar de um tratamento muito bem feito, pode não apresentar o melhor resultado desejável; fatores ligados ao próprio paciente ou ao uso de medicamentos, tais como diabetes, isquemia da região afetada (p. ex., arteriosclerose nos idosos), uso de corticosteróides, deficiência de vitamina

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C e mesmo fatores relacionados a baixas condições de higiene e tratamento inadequado da lesão. Na maioria das complicações, esta é de tipo infeccioso, com formação de abscesso, seguindo-se deiscência da sutura. O tratamento requer drenagem dos abscessos, antibioticoterapia, curativos e acompanhamento médico. Nos curativos de feridas infectadas, deverão ser sempre priorizados o desbridamento e a irrigação copiosa das lesões com soro fisiológico. Curativos específicos deverão ser usados em cada caso, dependendo do tipo da lesão. A utilização de açúcar ou mesmo de mel, em algumas situações específicas, poderá ser útil, uma vez que esses produtos têm propriedades antimicrobianas, inibindo o crescimento de bactérias gram-negativas e gram-positivas. IX. Infecções Cirúrgicas em Pacientes Traumatizados. Qualquer infecção depende fundamentalmente de dois fatores: da natureza do agente invasor e dos mecanismos de defesa do hospedeiro. Podem-se acrescentar dois outros fatores: os ligados ao próprio tipo de ferimento e aqueles ligados ao atendimento médico prestado. De acordo com o grau de contaminação, as feridas podem ser classificadas da seguinte maneira: A. Feridas limpas. São produzidas exclusivamente em ambiente cirúrgico. Verifica-se ausência de trauma acidental, ausência de inflamação, técnica cirúrgica asséptica correta, observando-se que, durante o ato operatório, não foram abertos os sistemas respiratório, alimentar e geniturinário. B. Feridas limpas-contaminadas. São freqüentemente encontradas em ambulatórios de pronto-socorro — um exemplo típico é o de uma ferida incisa produzida por faca de cozinha. Nela não existe contaminação grosseira. C. Feridas contaminadas. São aquelas em que já se observa algum tipo de reação inflamatória mais importante, ou, ainda, em que tenham decorrido mais de seis horas após o trauma. Também entram neste grupo feridas em que tenha havido contato com terra ou com material fecal, as mordeduras e as feridas nas quais um desbridamento completo não foi conseguido. D. Feridas infectadas. São aquelas nas quais se observa a presença de pus no seu interior, macroscopicamente, ou que apresentam demasiados sinais de infecção. A importância desta classificação está na indicação de antibioticoterapia, pois, de rotina, prescrevem-se antibióticos (esquema para tratamento) para as feridas contaminadas e infectadas. Nos casos de feridas limpas e limpas-contaminadas, administram-se antibióticos somente nos seguintes casos: comprometimento circulatório no local do ferimento (p. ex., lesão em membro inferior de portador de microangiopatia diabética); baixa resistência do paciente (por doença debilitante crônica ou por uso de drogas); ferimento em junção mucocutânea; ferimentos da mão em geral; paciente com hipotensão ou choque prolongado; feridas perineais ou em área genital.

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Ao se indicar um antibiótico em caso de ferimento contaminado ou infectado, não se está pensando em profilaxia, e sim em tratamento, já que temos a certeza da presença de bactérias no interior da lesão. Nunca é demais lembrar que um antibiótico, por mais potente e de amplo espectro que seja, não substitui um tratamento malfeito da ferida. X. Profilaxia do Tétano. O tétano é causado pela toxina tetânica, secretada pelo organismo Clostridium tetani. A infecção é geralmente pequena e localizada, sendo a neurotoxina a responsável pelos sintomas da doença. Dois são os mecanismos pelos quais ocorre a disseminação da toxina: o primeiro, através de vasos sangüíneos e linfáticos, e o segundo, através dos espaços perineurais dos troncos nervosos, até o sistema nervoso central. O C. tetani é um anaeróbio que requer um baixo potencial local de oxirredução, a fim de que seus esporos possam germinar. Assim, a mera presença do C. tetani ou de seus esporos em uma ferida não quer dizer que a doença irá ocorrer. Uma infecção bacteriana no ferimento, por exemplo, pode levar a uma baixa do potencial de oxirredução local, surgindo então a doença. Uma vez os organismos iniciem a sua multiplicação, eles produzirão a exotoxina e poderão manter as condições necessárias para a multiplicação continuada. O período de incubação do tétano varia de 48 horas a vários meses, sendo a gravidade da doença inversamente proporcional ao período de incubação. A maioria dos casos tem este período compreendendo a faixa de uma a duas semanas. Os ferimentos onde o tétano surge são dos mais variados tipos possíveis. Por vezes, ferimentos simples são negligenciados, e deles surge a doença. Outras vezes, o foco pode estar em uma simples extração dentária, ou em uma úlcera varicosa crônica de membro inferior. São os seguintes os princípios usados na prevenção do tétano: (a) desbridamento da lesão; (b) uso de toxóide tetânico (imunização ativa); (c) uso de antitoxina (imunização passiva) e (d) antibioticoterapia. O Colégio Americano de Cirurgiões fornece algumas orientações para os ferimentos sujeitos ao tétano: A. Princípios gerais. Cabe ao médico determinar a profilaxia adequada para cada paciente. 1. Cuidados meticulosos com a ferida são indispensáveis, com remoção de tecido desvitalizado e corpos estranhos. 2. Todo paciente com uma ferida deve receber toxóide tetânico adsorvido por via intramuscular no momento da lesão (como uma dose imunizante inicial ou como reforço para imunização prévia), a menos que tenha recebido um reforço ou tenha completado sua série inicial de imunizações nos últimos 12 meses.

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3. Deve-se pensar na necessidade de imunização passiva com imunoglobulina humana (homóloga), levando-se em consideração as características da ferida, as condições sob as quais ela ocorreu e o estado prévio de imunização ativa do paciente. 4. Todo paciente com ferida deve receber um registro por escrito da imunização realizada, deve ser instruído a portá-lo todo o tempo e, quando indicado, completar a imunização ativa. Para uma profilaxia exata do tétano, é necessária uma anamnese precisa e imediatamente disponível em relação à imunização ativa prévia. 5. A imunização básica com toxóide adsorvido exige três injeções. Está indicado um reforço do toxóide adsorvido 10 anos após a terceira injeção ou 10 anos após um reforço de ferida interveniente. B. Medidas específicas para pacientes com feridas 1. Indivíduos previamente imunizados a. Quando o paciente foi ativamente imunizado dentro dos últimos 10 anos: (1) Para a maioria, administrar 0,5 ml de toxóide tetânico adsorvido como reforço, a menos que exista a certeza de que o paciente recebeu um reforço nos últimos 12 meses. (2) Naqueles com feridas graves, negligenciadas ou antigas (mais de 24 horas), propensas ao tétano, administrar 0,5 ml do toxóide adsorvido, a menos que haja certeza de que foi fornecido um reforço nos últimos seis meses. b. Quando o paciente tiver sido ativamente imunizado há mais de 10 anos, não tendo recebido qualquer reforço no período seguinte: (1) Na maioria dos casos, administrar 0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido. (2) Naqueles com feridas graves, negligenciadas ou antigas (mais de 24 horas), propensas ao tétano: (a) Administrar 0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido. (b) Administrar 250-500 unidades de imunoglobulina tetânica (humana), (Tetanobulin®; Tetaglobuline®). Utilizar seringas, agulhas e locais diferentes.

IM

(c) Considerar a administração de oxitetraciclina ou penicilina. 2. Indivíduos não-imunizados anteriormente a. Nas feridas pequenas, limpas, nas quais o tétano é extremamente improvável, administrar 0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido (dose imunizante inicial). b. Para todas as outras feridas: 18

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(1) Administrar 0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido (dose imunizante inicial). (2) Administrar 250-500 U de imunoglobulina tetânica humana. (3) Considerar a administração de oxitetraciclina ou de penicilina. As seguintes considerações podem ser tecidas acerca das condutas acima:

Para crianças, a dose de imunoglobulina humana é de 4-5 U/kg de peso corpóreo, até um total de 100-200 U.

No caso de não estar disponível a imunoglobulina humana, o uso da imunização passiva com antitoxina tetânica eqüina deve ser considerado, caso o paciente não seja sensível a ela, na dose de 5.000-10.000 U IM; somente se a possibilidade de tétano ultrapassar o perigo da reação à antitoxina tetânica heteróloga, ela deve ser utilizada. Caso o paciente seja sensível à antitoxina heteróloga, esta não deverá ser administrada. Não deve ser tentada a dessensibilização, pois esta não tem valor.

A imunização ativa de pacientes com mais de 7 anos é obtida com uma dose inicial de toxóide adsorvido por fosfato de alumínio — 0,5 ml por via intramuscular. Uma segunda dose é administrada 4-6 semanas após a primeira, e uma terceira injeção é feita 6-12 meses depois.

A antibioticoterapia com penicilina é eficaz contra as células vegetativas do C. tetani. Podese empregar a oxitetraciclina quando o paciente é alérgico à penicilina. O antibiótico deve ser administrado nas três primeiras horas após o ferimento. XI. Escolha de Antibióticos em Pacientes Traumatizados. Considerando as indicações expostas anteriormente neste capítulo, passa-se, nos casos indicados, à escolha de um agente antimicrobiano. Sempre ocorre a dúvida do melhor agente a ser prescrito. A não ser nos casos de infecção já instalada, causada por microrganismo específico, a escolha deve ser por um agente de largo espectro, com rápido e eficaz poder de ação, e de custo acessível para o paciente. Desse modo, a escolha recai mais freqüentemente na penicilina ou em um de seus derivados semi-sintéticos. Em relação à penicilina oral, esta é mais comumente usada na forma de penicilina V (Penve-oral®), administrando-se um comprimido de 500.000 UI a cada seis horas, no adulto, por um período de 7-10 dias. Apesar de sua absorção no trato gastrointestinal ser algo 19

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irregular, é uma escolha simples e barata de antibioticoterapia, ideal para casos mais simples. Na opção de se utilizar penicilina parenteral, aplica-se um frasco de penicilina G benzatina de 1.200.000 UI (Benzetacil®), IM, aplicando-se, no outro braço ou glúteo, um frasco de Despacilina® de 400.000 UI (que contém 300.000 UI de penicilina G procaína e 100.000 UI de penicilina G potássica), também IM. Isto é feito para que ocorra nível sangüíneo eficaz nas primeiras horas, necessário principalmente nos casos em que se suspeita de contaminação pelo bacilo do tétano em paciente não-imunizado. Caso o paciente seja alérgico à penicilina ou a seus derivados semi-sintéticos, ficam como opções as cefalosporinas (podem apresentar reação cruzada), a oxitetraciclina, o cloranfenicol, a eritromicina, a lincomicina e a associação sulfametoxazol + trimetoprim (Bactrim®). No Cap. 63, Agentes Antimicrobianos, encontram-se listados os principais antibióticos, suas doses e vias de administração. Referências 1. Adzick NS, Lorenz HP. Cells, matrix, growth factors, and the surgeon. The biology of scarless fetal wound repair. Ann Surg 1994; 220: 10-8. 2. Agre MS, Everland H. Two hydrocolloid dressings evaluated in experimental fullthickness wounds in the skin. Acta Derm Venereol 1997; 77(2): 127-31. 3. American College of Surgeons Committee on Trauma — Advanced Trauma Life Support Course For Physicians — ATLS — Resource Document 6: Tetanus Immunization — 5 th Edition Student Manual, 1993. 4. Bennett NT, Schultz GS. Growth factors and wound healing: biochemical properties of growth factors and their receptors. Am J Surg 1993; 165: 728-37. 5. Breuing K, Andree C, Helo G et al. Growth factor in the repair of partial thickness porcine skin wounds. Plast Reconstr Surg 1997; 100: 657-64. 6. Brogan GX Jr, Giarrusso E, Hollander JE et al. Comparison of plain, warmed, and buffered lidocaine for anesthesia of traumatic wounds. Ann Emerg Med 1995; 26(2): 121-5. 7. Brogan GX Jr, Singer AJ, Valentine, SM et al. Comparison of wound infection rates using plain versus buffered lidocaine for anesthesia of traumatic wounds. Am J Emerg Med 1997; 15(1): 25-8. 8. Caldwell MD. Topical wound therapy — an historical perspective. J Trauma 1990; 30 (S): S116-S122. 9. Carrico TJ et al. Biologia da cicatrização das feridas. In: Clínicas Cirúrgicas da América do Norte — Vol. IV, 763. Rio de Janeiro: Editora Interamericana, 1984.

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10. Clark RA. Regulation of fibroplasia in cutaneous wound repair. Am J Med Sci 1993; 306: 42-8. 11. Cromack DT, Porras-Reyes B, Mustoe TA. Current concepts in wound healing: growth factor and macrophage interaction. J Trauma 1990; 30(S): S129-S133. 12. Deuel TF, Mustoe TA, Pierce GF. Growth factors and wound healing: platelet-derived growth factor as a model cytokine. Ann Rev Med 1991; 42: 567-84. 13. Eisenberg MS, Furukawa C, Ray CG. Manual de Terapêutica Antimicrobiana e Doenças Infecciosas. Livraria Roca, 1982. 14. Field FK, Kerstein MD. Overview of wound healing in a moist environment. Am J Surg 1994; 167(1A): 2S-6S. 15. Goldberg HM. The effect of washing the wounds. Plastic Reconstruc Surg 1988; 82: 205. 16. Herman GG, Bagi P, Christoffersen I. Early secondary suture versus healing by second intention of incisional abscesses. Surg Gynecol Obstet 1988; 167(1): 16. 17. Hunt TK. Basic principles of woung healing. J Trauma 1990; 30(S): S122-S128. 18. Kaye ET, Kaye KM. Topical antibacterial agents. Infect Dis Clin North Am 1995; 9(3): 547-59. 19. Knighton DR, Phillips GD, Fiegel VD. Wound healing angiogenesis: indirect stimulation by basic fibroblast growth factor. J Trauma 1990; 30(S): S134-S144. 20. Lampard R. Surgical wound infections: a 63-month survey in a developmental institution. Canadian J Surg 1989; 33: 447-50. 21. Lazarus GS, Cooper DM, Knighton DR et al. Definitions and guidelines for assessment of wounds and evaluation of healing. Arc Dermatol 1994; 130: 489-93. 22. Lima AS, Henriques PRF et al. Tratamento das feridas traumáticas de superfície. An Fac Med UFMG 1986; 35: 165. 23. Madden JW, Arem AJ. Wound healing: biologic and clinical features. In: Sabiston Jr DC. Textbook of Surgery. 13 ed., W.B. Saunders Company, Igaku-Shoin/Saunders, Tóquio, 1986: 193-213. 24. Ondrey FG, Hom DB. Effects of nutrition on wound healing. Otolaryngol Head Neck Surg 1994; 110: 557-9. 25. Rosen JS, Cleary JE. Surgical management of wounds. Clin Pediatr Med Surg 1991; 8: 891-907. 21

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Capítulo 02 - Feridas Marco Tulio Baccarini Pires Luiz Verçosa I. Introdução Os pacientes portadores de ferimentos atendidos nos serviços de urgência dos grandes centros urbanos são, na sua quase totalidade, vítimas de agressões ou de acidentes, que ocasionam feridas caracterizadas como traumáticas. É de grande interesse que esses ferimentos sejam classificados do melhor modo possível, quanto ao seu tipo, extensão e complicações. Não raro, existem conotações médico-legais, por se tratarem de casos que envolvem processos criminais, acidentes de trânsito, acidentes de trabalho etc. Feridas traumáticas são todas aquelas infligidas, geralmente de modo súbito, por algum agente físico aos tecidos vivos. Elas poderão ser superficiais ou profundas, dependendo da intensidade da lesão. Conceitualmente, considera-se como superficial um trauma que atinja pele e tecido subcutâneo, respeitando o plano aponeurótico; considera-se profundo o traumatismo que atinja planos vasculares, viscerais, neurais, tendinosos etc. Os ferimentos conseqüentes ao trauma são causadores de três problemas principais: hemorragia, destruição tissular mecânica e infecção. O tratamento das feridas traumáticas tem evoluído desde o ano 3000 a.C.; já naquela época, pequenas hemorragias eram controladas por cauterização. O uso de torniquetes é descrito desde 400 a.C. Celsus, no início da era cristã, descreveu a primeira ligadura e divisão de um vaso sangüíneo. Já a sutura dos tecidos é documentada desde os terceiro e quarto séculos a.C. Na Idade Média, com o advento da pólvora, os ferimentos se tornaram muito mais graves, com maior sangramento e destruição tissular; assim, métodos drásticos passaram a ser utilizados para estancar as hemorragias, como a utilização de óleo fervente, ferros em brasa, incenso, goma-arábica; logicamente, estes métodos em muito aumentaram as infecções nas feridas pela necrose tissular que provocam. A presença de secreção purulenta em um ferimento era indicativa de “bom prognóstico”. Os métodos “delicados’” para tratamento das feridas foram redescobertos pelo cirurgião francês Ambroise Paré, em 1585 — passouse, então, a realizar o desbridamento das feridas, a aproximação das bordas, os curativos e, principalmente, baniu-se o uso do óleo fervente. Em 1884, Lister introduziu o tratamento anti-séptico das feridas, o que possibilitou um extremo avanço na cirurgia; no século XX, a introdução das sulfas e da penicilina e, posteriormente, de outros antibióticos determinou uma redução importante nas infecções em feridas traumáticas, facilitando o tratamento e a recuperação dos pacientes. II. Aspectos Biológicos da Cicatrização das Feridas Nos últimos anos, a teoria básica da cicatrização das feridas evoluiu de modo surpreendente. A cicatrização é uma seqüência de respostas e de sinais, na qual células dos mais variados tipos (epiteliais, inflamatórias, plaquetas e fibroblastos) saem de seu meio natural e interagem, cada qual contribuindo de alguma forma para o processo cicatricial. 22

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Os eventos cicatriciais são dinâmicos, de ordem celular, bioquímica e fisiológica. Sabe-se que a resposta inflamatória que se segue a qualquer lesão tissular é vital para o processo de reparo. É correto, pois, afirmar que sem resposta inflamatória não ocorrerá cicatrização. A própria lesão tem um efeito considerável na forma de reparo subseqüente. Assim, por exemplo, uma ferida cirúrgica limpa, que foi suturada de forma anatômica e de imediato, requer síntese mínima de tecido novo, enquanto uma grande queimadura utiliza todos os recursos orgânicos disponíveis para cicatrização e defesa contra uma possível infecção, com uma importante reação inflamatória no local. Deve-se enfatizar que a reação inflamatória normal que acompanha uma lesão tecidual é um fator benéfico, pois sem ela não ocorrerá cicatrização; somente uma reação inflamatória exagerada, com grande edema local, será maléfica, levando a retardo no processo cicatricial. O Quadro 2-1 resume os eventos da cicatrização das feridas. Para facilitar a discussão dos eventos que ocorrem no processo de cicatrização, dividiremos as feridas clínicas, de acordo com o tipo de tratamento realizado, em dois tipos: feridas simples fechadas e feridas abertas (com ou sem perda de substância). A. Feridas fechadas. Por definição, considera-se como ferida fechada aquela que pôde ser suturada quando de seu tratamento. São as feridas que mais nos interessam do ponto de vista prático, pois são as mais comumente observadas nos ambulatórios de pronto-socorro. Na seqüência da cicatrização das feridas fechadas, temos a ocorrência de quatro fases: fase inflamatória, fase de epitelização, fase celular e fase de fibroplasia. 1. Fase inflamatória. Após o trauma e o surgimento da lesão, existe vasoconstrição local, fugaz, que é logo substituída por vasodilatação. Ocorrem aumento da permeabilidade capilar e extravasamento de plasma próximo ao ferimento. A histamina é o mediador inicial que promove esta vasodilatação e o aumento da permeabilidade. Ela é liberada de várias células presentes no local: mastócitos, granulócitos e plaquetas. O efeito da histamina é curto, durando aproximadamente 30 minutos. Pesquisas recentes têm atribuído extraordinária responsabilidade às plaquetas, no início da fase inflamatória da cicatrização. Vários outros fatores têm sido implicados na manutenção do estado de vasodilatação que se segue a esta fase inicial; entretanto, parecem ser as prostaglandinas (liberadas das células locais) as responsáveis pela continuidade da vasodilatação e pelo aumento da permeabilidade. Em alguns outros vasos próximos ao local da lesão tissular, ocorrem fenômenos de coagulação, mediados pelas plaquetas, com formação de trombos. Estes, por sua vez, em uma fase um pouco mais tardia, passam a levar a uma maior formação e proliferação de fibroblastos. Existem diversos fatores plaquetários, entre eles o de número 4 (PF4), que estimula a migração de células inflamatórias e de fibroblastos; além dele, o fator de crescimento derivado plaquetário (PDGF) é capaz de atrair monócitos, neutrófilos, 23

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fibroblastos e células musculares lisas. O PDGF também é capaz de estimular a síntese de colagenase por fibroblastos, uma etapa essencial no processo de cicatrização. O fator de crescimento básico de fibroblastos (bFGF), um fator não-plaquetário, apresenta sua concentração de pico no interior da ferida no primeiro dia após o ferimento, em modelos animais. A migração de leucócitos no interior da ferida é intensa, pelo aumento da permeabilidade capilar. Inicialmente, predominam os granulócitos, que, após algumas horas, são substituídos por linfócitos e monócitos. Os monócitos, ao lisar tecidos lesados, originam macrófagos, que fagocitam detritos e destroem bactérias. Sabe-se que os monócitos e os macrófagos representam papel importante na síntese do colágeno; na ausência destes dois tipos de células, ocorre redução intensa na deposição de colágeno no interior da ferida. Agentes inibidores das prostaglandinas, como a indometacina, diminuem a resposta inflamatória ao evitar a manutenção do estado de vasodilatação; conseqüentemente, podem levar à desaceleração da cicatrização. 2. Fase de epitelização. Enquanto a fase inflamatória ocorre na profundidade da lesão, nas bordas da ferida suturada começam a surgir novas células epiteliais que para lá migram. Desta forma, em 24-48 horas, toda a superfície da lesão estará recoberta por células epiteliais. Finalmente, com o passar dos dias, as células da superfície se queratinizam. O fator de crescimento da epiderme (EGF) é importante nesta fase. 3. Fase celular. Em resposta à lesão, fibroblastos — células com formato de agulha e de núcleos ovalados, derivados de células mesenquimais —, residentes nos tecidos adjacentes, proliferam por três dias e no quarto dia migram para o local do ferimento. No décimo dia os fibroblastos tornam-se as células predominantes no local. Os fibroblastos têm quatro diferentes ações no interior de uma ferida: primeiramente, proliferando; depois, migrando; em seguida, secretando o colágeno, tecido matricial da cicatriz; e, por último, formando feixes espessos de actina como miofibroblastos. A rede de fibrina que se forma no interior da ferida serve como orientação para a migração e o crescimento dos fibroblastos, fornecendo-lhes o suporte necessário. O fibroblasto não tem capacidade de lisar restos celulares; assim, a presença de tecidos macerados, coágulos e corpos estranhos constitui uma barreira física à sua proliferação, com conseqüente retardo da cicatrização. Daí, a necessidade absoluta de se realizar um bom desbridamento de qualquer lesão, removendo-se tecidos necrosados, coágulos etc.

Uma neoformação vascular intensa se segue ao avanço dos fibroblastos. Esta angiogênese tem um papel crítico para o sucesso da cicatrização das feridas. Acredita-se, atualmente, que a angiogênese seja regulada por fatores de crescimento locais, entre eles o fator de crescimento básico de fibroblasto (BFGF) . Os monócitos e os macrófagos também estão associados à produção de fatores estimulantes à neoformação vascular.

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A fase celular da cicatrização dura algumas semanas, porém o número de fibroblastos vai diminuindo progressivamente até a quarta ou quinta semana após a lesão. Neste período, a rede de neovascularização já se definiu por completo. O colágeno, secretado pelos fibroblastos, proporciona força e integridade aos tecidos do corpo. Desta forma, quando há necessidade de um reparo tissular, é exatamente na deposição e no entrecruzamento do colágeno que irá basear-se a força da cicatriz. 4. Fase de fibroplasia. É a fase caracterizada pela presença do elemento colágeno, proteína insolúvel, existente em todos os animais vertebrados. O colágeno é secretado pelos fibroblastos numa configuração do tipo “hélice tripla”. Mais da metade da molécula é composta por apenas três aminoácidos: glicina, prolina e hidroxiprolina. Para a síntese das cadeias de colágeno é necessária a hidroxilação da prolina e da lisina. Esta hidroxilação, que ocorre ao nível dos ribossomos, requer enzimas específicas, as quais necessitam de vários co-fatores, tais como oxigênio, ascorbato, ferro e alfacetoglutarato. Desse modo, é fácil entender por que uma deficiência de ácido ascórbico ou a hipoxemia pode levar ao retardo da cicatrização, pela menor produção das moléculas de colágeno. As primeiras fibras de colágeno surgem na profundidade da ferida, cerca de cinco dias após o traumatismo. Com o passar dos dias, feixes de colágeno dispostos ao acaso vão gradativamente ocupando as profundezas do ferimento. Esses feixes originam uma estrutura bastante densa e consistente: a cicatriz. Com o aumento do número de fibras colágenas na cicatriz, esta se vai tornando mais resistente. Feridas cutâneas, por exemplo, continuam a ganhar resistência de forma constante por cerca de quatro meses após a lesão. O controle da síntese do colágeno ainda continua sendo de difícil explicação. Sabe-se que o processo desta síntese é particularmente dependente do oxigênio. As feridas musculares adquirem resistência mais lentamente; os tendões são ainda mais lentos do que os músculos neste ganho de resistência. Apesar desta recuperação da resistência, quase nunca a cicatriz adquire a mesma resistência do tecido original; a cicatriz tem também menor elasticidade que o tecido que veio a substituir. A fase de fibroplasia não tem um final definido — sua duração varia conforme o local da lesão, sua profundidade, o tipo do tecido lesado, e se existem ou não as deficiências já descritas anteriormente (oxigenação, ácido ascórbico etc.). Sabe-se ainda que as cicatrizes continuam remodelando-se com o passar dos meses e anos, sofrendo alterações progressivas em seu volume e forma. Essa remodelação ocorre através da degradação do colágeno, que é mediada pela enzima colagenase. A degradação do colágeno é tão importante quanto a sua síntese no reparo das feridas, para evitar um entrecruzamento desordenado de fibras e levar à formação de uma cicatriz excessiva. Em certas condições patológicas, tais como nos quelóides, na cirrose hepática e nas feridas intra-abdominais, observa-se exatamente uma deposição exagerada de colágeno, não destruído pela colagenase.

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Sabe-se que existem sete tipos distintos de colágeno no ser humano: os tipos I e II são os principais existentes nas lesões da pele. B. Feridas abertas. Como mencionado anteriormente, as feridas abertas podem ocorrer com ou sem perda de substância. Clinicamente, um ferimento deixado aberto se comporta de modo completamente diverso de um ferimento que foi suturado. Numa ferida aberta (não suturada), observa-se a formação de um tecido de aspecto granular fino no interior da lesão — o chamado tecido de granulação —, que surge cerca de 12-24 horas após o trauma. Neste tipo de ferimento, um novo componente passa a ter importância — é a contração. O miofibroblasto é a célula responsável por este fenômeno, fazendo com que a pele circunjacente à ferida se contraia, não ocorrendo a produção de uma “pele nova”, para recobrir o defeito. A contração é máxima nas feridas deixadas abertas, podendo inclusive ser patológica (ocasionando deformidades e prejuízos funcionais), dependendo do local do ferimento e da extensão da lesão. Recobrir uma ferida com um curativo ou com um enxerto de pele é uma boa maneira de se evitar a contração patológica. Excisões repetidas das bordas da lesão (“avivarem-se” as bordas) fazem diminuir bastante o fenômeno da contração, fazendo com que a proliferação das células epiteliais seja mais ordenada e que a cicatriz final tenha mais força (normalmente, a cicatriz epitelizada de uma ferida que foi deixada aberta e que cicatrizou por segunda intenção é bastante frágil). Glândulas sudoríparas e sebáceas e folículos pilosos favorecem a formação de uma junção bastante forte entre a epiderme e a derme; como esta estrutura não existe na cicatriz da ferida deixada aberta, sua ausência contribui para a pequena resistência desta epiderme. A enxertia precoce e a técnica de fechamento retardado das feridas (no segundo ou terceiro dia após a lesão, caso não se observe infecção) são também boas formas de se evitar a contração patológica nas feridas deixadas abertas. Não se devem confundir as expressões contração e retração; esta última se refere à retração tardia da cicatriz, que ocorre principalmente em determinadas circunstâncias, como nas queimaduras e nas lesões em regiões de dobras de pele. III. Tipos de Cicatrização das Feridas A. Cicatrização por primeira intenção. É aquela que ocorre quando as bordas de uma ferida são aproximadas — o método mais comum é a sutura. A contração, nesses casos, é mínima, e a epitelização começa a ocorrer dentro de 24 horas, sendo a ferida fechada contra a contaminação bacteriana externa. B. Fechamento primário retardado. Na presença de lesão intensamente contaminada, o fechamento desta deve ser protelado, até que se verifiquem as respostas imunológicas e inflamatórias do paciente. Utilizam-se ainda antibióticos e curativos locais. No segundo ou terceiro dia, ao observarmos que não se apresenta contaminação no ferimento, este poderá ser fechado.

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Um exemplo de fechamento primário retardado seria a utilização deste procedimento após a remoção de um apêndice supurado — uma cirurgia na qual o índice de abscessos de parede pós-operatória é alto, quando o fechamento primário simples (primeira intenção) é utilizado (ver Cap. 31, Apendicite Aguda). Confirmada, em torno do terceiro dia, a ausência de infecção de pele ou de tecido subcutâneo, procede-se à sutura desses planos. C. Fechamento por segunda intenção. É a cicatrização por meio de processos biológicos naturais. Ocorre nas grandes feridas abertas, principalmente naquelas em que há perda de substância tecidual. Neste tipo de ferida, a contração é um fenômeno que ocorre mais intensamente, como já explicado. IV. Fatores Que Influenciam na Cicatrização das Feridas Sabemos que são vários os fatores que podem levar à alteração na cicatrização das feridas, sejam eles ligados ao tipo de traumatismo, ao próprio paciente, a algum tratamento em curso, ou a algum tipo de medicação em uso. A. Nutrição. Ocorre retardo na cicatrização de feridas em doentes extremamente desnutridos (quando a redução do peso do paciente ultrapassa um terço do peso corporal normal). É bem-estabelecida a relação entre cicatrização ideal e um balanço nutricional positivo do paciente. B. Depressão imunológica. A ausência de leucócitos polimorfonucleares pode, pelo retardo da fagocitose e pela lise de restos celulares, prolongar a fase inflamatória e predispor à infecção. Além disso, no caso específico da ausência de monócitos, sabe-se que a formação de fibroblastos estará prejudicada. C. Oxigenação. A síntese do colágeno depende de oxigênio para formação de resíduos hidroxiprolil e hidroxilisil. Uma anoxia, até mesmo temporária, pode levar à síntese de um colágeno pouco estável, com formação de fibras de menor força mecânica. Além disso, feridas em tecidos isquêmicos apresentam-se com infecção mais freqüentemente do que aquelas em tecidos normais. D. Volume circulante. A hipovolemia e a desidratação levam a menor velocidade de cicatrização e a menor força da cicatriz. Entretanto, a anemia não altera, por si só, a cicatrização. E. Diabetes. A síntese do colágeno diminui bastante na deficiência de insulina, como pôde ser comprovado em experimentos em modelo animal. São também menores a proliferação celular e a síntese do DNA, que explica a menor velocidade de cicatrização no diabético. Além disso, existe um componente de microangiopatia cutânea, acarretando menor fluxo tissular, com conseqüentes menor oxigenação e menor pressão de perfusão local. A infecção da ferida é um sério problema nesses pacientes. O componente de arteriosclerose pode ainda se fazer presente no diabético, concomitantemente, agravando ainda mais o quadro.

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F. Arteriosclerose e obstrução arterial. Também levam ao menor fluxo para o local do ferimento, com retardo cicatricial. Em alguns pacientes, como já comentado anteriormente, a arteriosclerose associa-se à microangiopatia diabética, principalmente em pacientes mais idosos, com lesões dos membros inferiores. G. Uso de esteróides. Estes têm um efeito antiinflamatório potente, fazendo com que a cicatrização se proceda de forma mais lenta, sendo a cicatriz final também mais fraca. A contração e a epitelização ficam muito inibidas. H. Quimioterapia. Os agentes quimioterápicos agem em várias áreas, retardando a cicatrização: levam à neutropenia (predispondo à infecção); inibem a fase inflamatória inicial da cicatrização (ciclofosfamida); interferem na replicação do DNA; interferem nas mitoses celulares e na síntese protéica. I. Irradiação. A irradiação leva à arterite obliterante local que, por sua vez, causa hipoxia tecidual. Existem diminuição na população de fibroblastos e, conseqüentemente, menor produção de colágeno. As lesões por irradiação devem ser excisadas em suas bordas avivadas e, em seguida, tratadas. J. Politraumatizados. Um paciente politraumatizado, com inúmeras lesões, em choque, com hipovolemia e hipoxemia tecidual geral, é um bom candidato a ter seus ferimentos superficiais infectados. Se isto ocorrer, haverá retardo cicatricial. Quanto mais grave e prolongado o estado de choque, maior será a dificuldade de cicatrização de lesões múltiplas. L. Tabagismo. A associação entre o uso de cigarros e o retardo na cicatrização é bem reconhecida. Os efeitos já documentados dos constituintes tóxicos do cigarro — particularmente a nicotina, o monóxido de carbono e o cianido de hidrogênio — sugerem vários mecanismos em potencial pelos quais o fumo pode determinar o retardo cicatricial. A nicotina é um vasoconstritor que reduz o fluxo sangüíneo para a pele, resultando em isquemia tissular. A nicotina também aumenta a aderência plaquetária, favorecendo a ocorrência de trombose da microcirculação. Além disso, a proliferação de hemácias, fibroblastos e macrófagos é reduzida pela nicotina. Já o monóxido de carbono diminui o transporte e o metabolismo do oxigênio. O cianido de hidrogênio inibe os sistemas enzimáticos necessários ao metabolismo oxidativo e ao transporte de oxigênio em nível celular. Clinicamente, tem sido observada a cicatrização mais lenta em fumantes com feridas resultantes de trauma, doenças da pele e cirurgia. Os fumantes deveriam ser recomendados a parar de fumar antes de cirurgias eletivas ou quando estivessem se recuperando de ferimentos resultantes de trauma, doenças diversas da pele ou de cirurgia de emergência. V. Classificação As feridas podem ser classificadas de várias maneiras; se as relacionarmos com o tempo de traumatismo, serão chamadas de agudas ou crônicas. Já se as abordarmos de acordo com o meio ou o agente causal das lesões, elas poderão ser classificadas de outras maneiras — ver Quadro 2-2. 28

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As feridas contusas resultam da ação de instrumento contundente; as feridas cortantes ou incisas são resultado da ação de instrumento cortante, e assim sucessivamente. Uma ferida cortocontusa resulta da ação de um instrumento contundente que provoque uma contusão e um corte local. A. Feridas incisas. São provocadas por instrumentos cortantes, tais como navalhas, facas, bisturis, lâminas de metal ou de vidro etc. O trauma é causado pelo deslocamento sobre pressão do instrumento na pele. Suas principais características são: predomínio do comprimento sobre a profundidade; bordas regulares e nítidas, sendo geralmente retilíneas; o tônus tecidual e a sua elasticidade fazem com que ocorra o afastamento das bordas da lesão. Podemos subdividir as feridas incisas em três tipos: (a) simplesmente incisas — nelas, o instrumento penetra na pele de forma perpendicular; (b) incisas com formação de retalhos — o corte é biselado, com formação de um retalho pediculado, e o instrumento penetra de maneira oblíqua à pele; (c) com perda de substância — nelas, uma certa porção do tecido é destacada. Em uma ferida incisa, o corte começa e termina a pique, fazendo com que exista uma profundidade igual de um extremo a outro da lesão (como na ferida cirúrgica); nas chamadas feridas cortantes, as extremidades da lesão são mais superficiais, enquanto a parte mediana do ferimento é mais profunda. B. Feridas cortocontusas. Em um ferimento cortocontuso, o instrumento causador da lesão não tem gume tão acentuado como no caso das feridas incisas; um exemplo seria um corte por enxada no pé — é a força do traumatismo que causa a penetração do instrumento. Uma ferida cortocontusa pode ser ocasionada por um instrumento que não tem nenhum gume, mas que, pela força do impacto, faz com que ocorra a solução de continuidade na pele. C. Feridas perfurantes. São provocadas por instrumentos longos e pontiagudos, tais como agulhas, pregos, alfinetes etc., podendo ser superficiais ou profundas. No caso de uma ferida perfurante adentrar uma cavidade do corpo, como a cavidade peritoneal, ela receberá o nome de cavitária. Uma ferida perfurante pode ainda ser transfixante, ao atravessar um membro ou órgão. A gravidade de um ferimento perfurante varia de acordo com o órgão atingido. Um exemplo caracteristicamente marcante seria a perfuração do coração por um estilete, que pode causar a morte do paciente. Este mesmo estilete, penetrando em outro local, como na face lateral da coxa, pode não vir a trazer qualquer conseqüência maior. D. Feridas perfurocontusas. São causadas principalmente pelos projéteis de arma de fogo. Suas principais características são: 1. O orifício de entrada de uma bala apresenta uma orla de contusão e uma orla de enxugo; se o tiro tiver sido dado à queima-roupa, bem próximo do paciente, ocorrerá também uma zona de chamuscamento ou de tatuagem. O orifício de saída geralmente é maior do que o de entrada; não apresenta orla de contusão e de enxugo; muitas vezes, próximo ao orifício

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de saída, existem fragmentos de tecidos orgânicos e outros materiais (pano, couro etc.), carregados pela bala. 2. Cargas de chumbo (ferimentos por cartucheira) produzem um tipo de ferida perfurocontusa um pouco diferente: neste caso, a lesão também tem um componente de laceração, pois inúmeros projéteis atingem uma área pequena no corpo do paciente. E. Feridas lacerocontusas. Os mecanismos mais freqüentes são: (a) compressão: a pele, sob a ação de uma força externa, é esmagada de encontro ao plano subjacente; (b) tração: por rasgo ou arrancamento tecidual, como em uma mordedura de cão. Como características das feridas lacerocontusas, citamos: bordas irregulares infiltradas de sangue, ângulos em número de dois ou mais e a presença de bridas (“pontes”) de pele ou de vasos sangüíneos unindo os dois lados da lesão. São freqüentes as complicações sépticas, pela ocorrência de necrose tecidual. F. Feridas perfuroincisas. São provocadas por instrumentos perfurocortantes, que possuem ao mesmo tempo gume e ponta, como, por exemplo, um canivete, um punhal etc. As lesões podem ser superficiais ou profundas e, como nas feridas perfurantes, recebem o nome de cavitárias ao atingirem as cavidades serosas do corpo. G. Escoriações. Ocorrem quando a lesão surge de forma tangencial na superfície cutânea, com arrancamento da pele. Um exemplo comum seria o de uma queda com deslizamento sobre uma superfície irregular, como no asfalto. H. Equimoses e hematomas. Nas equimoses não ocorre solução de continuidade da pele, porém os capilares se rompem, proporcionando um extravasamento de sangue para os tecidos. O hematoma é formado quando o sangue que se extravasa pelo processo descrito forma uma cavidade. I. Bossas sangüíneas. São hematomas que vêm a constituir uma saliência na superfície da pele. São freqüentes, por exemplo, no couro cabeludo. VI. Tratamento Uma anamnese sucinta é realizada, procurando-se determinar a causa e as condições nas quais ocorreram as lesões. É importante que seja feito um exame clínico geral objetivo, observando-se as mucosas, a pulsação, a pressão arterial, as auscultas cardíaca e respiratória, para que sejam descartados fatores complicantes em relação ao tratamento que será estabelecido. Os passos no tratamento deverão obedecer à seguinte ordem: A. Classificação da ferida. Verificamos há quanto tempo ocorreu o ferimento, se existe ou não perda de substância, se há penetração em cavidades, se há perda funcional ou se 30

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existem corpos estranhos. A realização de exames complementares, como radiografias ou exames de laboratório, deverá ser feita na medida do necessário, avaliando-se caso a caso. B. Realização da anti-sepsia. Ao redor da ferida, na maior parte dos casos, é suficiente a limpeza com PVP-I a 10% (Povidine®), sendo este removido posteriormente com irrigação por soro fisiológico. O ferimento deve ser meticulosamente limpo, basicamente com soro fisiológico. Compostos como o Soapex®, PVP-I, ou similares podem ser utilizados em casos de ferimentos muito sujos (p. ex., por terra, ou nas moderduras de animais), desde que venham a ser completamente removidos em seguida, por irrigação copiosa de soro fisiológico. A água oxigenada é um bom agente para remoção de coágulos de ferimentos maiores, do tipo laceração. Entretanto, deve ser evitado o seu contato íntimo com a superfície lesada, por ela provocar necrose celular — seu uso deve ser limitado apenas ao redor do ferimento. Caso o contato da água oxigenada com a lesão ocorra, deve-se irrigar novamente o ferimento com soro fisiológico. A irrigação vigorosa de uma ferida, utilizando-se soro fisiológico sob pressão em bolus, injetado através de seringas de 35 a 65 ml de capacidade, e usando-se agulha calibre 19, é um método bastante eficaz para diminuir a contagem bacteriana no interior do ferimento. O volume médio de soro fisiológico injetado em uma lesão é de aproximadamente 150 a 250 ml. Esta técnica se tem mostrado bastante eficaz na prática, e gera pressões de 15 a 40 psi (libras/polegada2). Em contraste, o uso de frascos plásticos de soro fisiológico, sobre os quais é exercida pressão manual, conectados a agulha calibre 19, é capaz de gerar pressão de 2,0 a 5,5 psi. É possível a conclusão de que esta última técnica (uso de frascos plásticos) está desaconselhada quando há necessidade de irrigação de alta pressão. C. Fazer anestesia. Este procedimento varia para cada tipo de ferida, ou seja, desde uma simples infiltração de anestésico local até anestesia geral. O uso de lidocaína tamponada ou de lidocaína aquecida torna o processo de anestesia local menos doloroso, podendo estas técnicas serem usadas em feridas traumáticas sem aumentar os índices de infecção (ver Cap. 1 para informações mais abrangentes acerca dos agentes anestésicos). D. Hemostasia, exploração e desbridamento. Nas hemorragias, a conduta varia de acordo com a gravidade da lesão e o local onde se encontra o paciente (via pública, rodovia, hospital etc.). Fora do ambiente hospitalar, na presença de sangramento externo importante, a primeira medida a ser tomada é a compressão da lesão. No hospital, em hemorragias simples, bastam o pinçamento e a ligadura do vaso. A técnica de garroteamento com um manguito pneumático é boa opção para lesões nos membros. Devemos lembrar, entretanto, que neste caso o manguito não deve permanecer insuflado por mais de 30 minutos. O uso de torniquetes feitos com madeira, cordas, ou tecidos, aplicado na raiz dos membros, é contra-indicado pelo alto número de complicações vasculares que provoca, notadamente a trombose venosa profunda. A exploração da ferida é o passo seguinte após realização da hemostasia. Verifica-se até que ponto houve lesão; a seguir, procede-se ao seu desbridamento, removendo partes necrosadas e corpos estranhos. 31

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E. Sutura da lesão. É iniciada pelos planos mais profundos. Para a musculatura, utilizam-se fios absorvíveis do ácido poliglicólico (Dexon®) ou da poliglactina (Vicryl®), 2-0 ou 3-0. Esta sutura é feita com pontos separados em X ou em U. Geralmente, não há necessidade de se suturar separadamente a aponeurose em ferimentos do tipo encontrado ambulatorialmente, sendo ela englobada na sutura muscular. Caso se faça a sutura da aponeurose separadamente, poderão ser utilizados fios absorvíveis ou inabsorvíveis, indistintamente (Fig. 2-1). Na sutura do tecido celular subcutâneo, utilizam-se fios absorvíveis (categute simples ou a poliglactina), 2-0, 3-0 ou 4-0, com pontos separados. A pele é suturada com fio inabsorvível 3-0 a 6-0, dependendo da região (p. ex., face — utilizar fio 6-0, monofilamentado) (Fig. 2-2). Suturas contínuas ou mesmo intradérmicas devem ser evitadas nos casos de ferimentos traumáticos. A sutura da pele não deve ser feita sob tensão. Um outro cuidado é o de que não devemos deixar os chamados “espaços mortos” durante a rafia dos planos profundos. A Fig. 2-3 mostra um tipo de sutura intradérmica. A Fig. 2-4 mostra uma sutura de pele em chuleio contínuo (esta é uma técnica pouco usada, de uso muito ocasional). A sutura com pontos em U, como descrito acima, é mais usada em planos profundos; seu uso em suturas de pele é restrito a casos em que uma maior hemostasia é necessária. A sutura com pontos Donati é usada em feridas de pele, quando se deseja uma maior aproximação das bordas da lesão (Fig. 2-5). Feridas de pequena extensão e pouco profundas poderão ser apenas aproximadas com uso de adesivo cirúrgico de tipo Micropore®, conforme mostra a Fig. 2-6. A aproximação de espaços subcutâneos com pontos em excesso poderá favorecer a infecção local. Caso a lesão do tecido subcutâneo seja superficial, este não deverá ser suturado. O uso de curativos tem a vantagem de prevenir a desidratação e a morte celular, acelerando a angiogênese, aumentando a lise do tecido necrótico e potencializando a interação dos fatores de crescimento com suas células-alvo; a manutenção de um meio úmido no curativo se tem mostrado um poderoso aliado na cicatrização das feridas, sendo infundadas as preocupações de que a umidade favoreceria a ocorrência de infecção. A manutenção de um meio seco no local do ferimento não apresenta vantagens. Curativos hidrocolóides (Comfeel®; Duoderm®) são usados com vantagens em áreas com grandes perdas de substâncias, propiciando uma melhor cicatrização por segunda intenção. Em relação a pomadas antibióticas tópicas, seu uso é discutido. Ferimentos simples suturados podem ser limpos com água e sabão durante o banho, 24 horas após a sutura da lesão, sem qualquer risco de aumento da taxa de infecção. 32

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VII. Lesões Específicas A. Mordeduras (de cão, humanas etc.). Em princípio, não devem ser suturadas, por serem ferimentos potencialmente contaminados; entretanto, nos casos de grandes lacerações, e dependendo do local acometido, após anti-sepsia e desbridamento rigorosos, podem ser necessários alguns pontos para aproximação das bordas. A cobertura antibiótica é obrigatória em todos os casos de mordeduras. Naquelas lesões muito profundas, atingindo até o plano muscular, com esgarçamento tecidual, a conduta correta é aproximar os planos profundos com fios absorvíveis, os quais, por serem degradados, não mantêm um estado infeccioso local (diferentemente dos fios inabsorvíveis), deixando-se a pele sem sutura. B. Ferimentos por arma de fogo. São comuns os ferimentos à bala que atingem somente partes moles (p. ex., face lateral da coxa). A decisão de se retirar o projétil deve ser avaliada em cada caso, levando-se em consideração, principalmente, sua profundidade, a proximidade de estruturas nobres, o risco de infecção e se sua presença está levando ou não a algum prejuízo funcional. Caso haja apenas um orifício (no caso, o de entrada), este não deve ser suturado, procurando-se lavar bem o interior do ferimento. No caso de dois orifícios (entrada e saída), um deles poderá, se assim o médico desejar, ser suturado após a limpeza. A cobertura antibiótica em ferimentos por arma de fogo é discutível. A bala, em si, é estéril, devido ao seu calor, porém pode levar para o interior da ferida corpos estranhos, como couro, fragmentos de roupas etc., e que podem ser de difícil remoção; nestes casos, indica-se antibioticoterapia. C. Lesões por pregos. São lesões perfurantes encontradas em ambulatórios de urgências com uma certa freqüência, sendo de maior gravidade as produzidas por pregos enferrujados. A importância desse tipo de ferida decorre da possibilidade de, em indivíduos não-imunizados, ou com desbridamento local malfeito, ela levar ao tétano. As lesões por pregos devem ser desbridadas sob anestesia e deixadas abertas. Deve-se enfatizar que uma limpeza superficial, sem desbridamento, expõe o paciente ao risco de contrair tétano. VIII. Complicações. As complicações mais comuns das feridas ambulatoriais são: má exploração ou desbridamento; contaminação do instrumental usado ou do próprio profissional; presença de espaço morto e sua decorrente contaminação; má ligadura de vasos sangüíneos com formação de hematomas e possível contaminação; sutura da pele sob tensão, formando áreas de isquemia com posterior deiscência da sutura; fatores ligados ao próprio tipo de ferimento (lacerações extremas, contaminação grosseira), que, apesar de um tratamento muito bem feito, pode não apresentar o melhor resultado desejável; fatores ligados ao próprio paciente ou ao uso de medicamentos, tais como diabetes, isquemia da região afetada (p. ex., arteriosclerose nos idosos), uso de corticosteróides, deficiência de vitamina

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C e mesmo fatores relacionados a baixas condições de higiene e tratamento inadequado da lesão. Na maioria das complicações, esta é de tipo infeccioso, com formação de abscesso, seguindo-se deiscência da sutura. O tratamento requer drenagem dos abscessos, antibioticoterapia, curativos e acompanhamento médico. Nos curativos de feridas infectadas, deverão ser sempre priorizados o desbridamento e a irrigação copiosa das lesões com soro fisiológico. Curativos específicos deverão ser usados em cada caso, dependendo do tipo da lesão. A utilização de açúcar ou mesmo de mel, em algumas situações específicas, poderá ser útil, uma vez que esses produtos têm propriedades antimicrobianas, inibindo o crescimento de bactérias gram-negativas e gram-positivas. IX. Infecções Cirúrgicas em Pacientes Traumatizados. Qualquer infecção depende fundamentalmente de dois fatores: da natureza do agente invasor e dos mecanismos de defesa do hospedeiro. Podem-se acrescentar dois outros fatores: os ligados ao próprio tipo de ferimento e aqueles ligados ao atendimento médico prestado. De acordo com o grau de contaminação, as feridas podem ser classificadas da seguinte maneira: A. Feridas limpas. São produzidas exclusivamente em ambiente cirúrgico. Verifica-se ausência de trauma acidental, ausência de inflamação, técnica cirúrgica asséptica correta, observando-se que, durante o ato operatório, não foram abertos os sistemas respiratório, alimentar e geniturinário. B. Feridas limpas-contaminadas. São freqüentemente encontradas em ambulatórios de pronto-socorro — um exemplo típico é o de uma ferida incisa produzida por faca de cozinha. Nela não existe contaminação grosseira. C. Feridas contaminadas. São aquelas em que já se observa algum tipo de reação inflamatória mais importante, ou, ainda, em que tenham decorrido mais de seis horas após o trauma. Também entram neste grupo feridas em que tenha havido contato com terra ou com material fecal, as mordeduras e as feridas nas quais um desbridamento completo não foi conseguido. D. Feridas infectadas. São aquelas nas quais se observa a presença de pus no seu interior, macroscopicamente, ou que apresentam demasiados sinais de infecção. A importância desta classificação está na indicação de antibioticoterapia, pois, de rotina, prescrevem-se antibióticos (esquema para tratamento) para as feridas contaminadas e infectadas. Nos casos de feridas limpas e limpas-contaminadas, administram-se antibióticos somente nos seguintes casos: comprometimento circulatório no local do ferimento (p. ex., lesão em membro inferior de portador de microangiopatia diabética); baixa resistência do paciente (por doença debilitante crônica ou por uso de drogas); ferimento em junção mucocutânea; ferimentos da mão em geral; paciente com hipotensão ou choque prolongado; feridas perineais ou em área genital.

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Ao se indicar um antibiótico em caso de ferimento contaminado ou infectado, não se está pensando em profilaxia, e sim em tratamento, já que temos a certeza da presença de bactérias no interior da lesão. Nunca é demais lembrar que um antibiótico, por mais potente e de amplo espectro que seja, não substitui um tratamento malfeito da ferida. X. Profilaxia do Tétano. O tétano é causado pela toxina tetânica, secretada pelo organismo Clostridium tetani. A infecção é geralmente pequena e localizada, sendo a neurotoxina a responsável pelos sintomas da doença. Dois são os mecanismos pelos quais ocorre a disseminação da toxina: o primeiro, através de vasos sangüíneos e linfáticos, e o segundo, através dos espaços perineurais dos troncos nervosos, até o sistema nervoso central. O C. tetani é um anaeróbio que requer um baixo potencial local de oxirredução, a fim de que seus esporos possam germinar. Assim, a mera presença do C. tetani ou de seus esporos em uma ferida não quer dizer que a doença irá ocorrer. Uma infecção bacteriana no ferimento, por exemplo, pode levar a uma baixa do potencial de oxirredução local, surgindo então a doença. Uma vez os organismos iniciem a sua multiplicação, eles produzirão a exotoxina e poderão manter as condições necessárias para a multiplicação continuada. O período de incubação do tétano varia de 48 horas a vários meses, sendo a gravidade da doença inversamente proporcional ao período de incubação. A maioria dos casos tem este período compreendendo a faixa de uma a duas semanas. Os ferimentos onde o tétano surge são dos mais variados tipos possíveis. Por vezes, ferimentos simples são negligenciados, e deles surge a doença. Outras vezes, o foco pode estar em uma simples extração dentária, ou em uma úlcera varicosa crônica de membro inferior. São os seguintes os princípios usados na prevenção do tétano: (a) desbridamento da lesão; (b) uso de toxóide tetânico (imunização ativa); (c) uso de antitoxina (imunização passiva) e (d) antibioticoterapia. O Colégio Americano de Cirurgiões fornece algumas orientações para os ferimentos sujeitos ao tétano: A. Princípios gerais. Cabe ao médico determinar a profilaxia adequada para cada paciente. 1. Cuidados meticulosos com a ferida são indispensáveis, com remoção de tecido desvitalizado e corpos estranhos. 2. Todo paciente com uma ferida deve receber toxóide tetânico adsorvido por via intramuscular no momento da lesão (como uma dose imunizante inicial ou como reforço para imunização prévia), a menos que tenha recebido um reforço ou tenha completado sua série inicial de imunizações nos últimos 12 meses.

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3. Deve-se pensar na necessidade de imunização passiva com imunoglobulina humana (homóloga), levando-se em consideração as características da ferida, as condições sob as quais ela ocorreu e o estado prévio de imunização ativa do paciente. 4. Todo paciente com ferida deve receber um registro por escrito da imunização realizada, deve ser instruído a portá-lo todo o tempo e, quando indicado, completar a imunização ativa. Para uma profilaxia exata do tétano, é necessária uma anamnese precisa e imediatamente disponível em relação à imunização ativa prévia. 5. A imunização básica com toxóide adsorvido exige três injeções. Está indicado um reforço do toxóide adsorvido 10 anos após a terceira injeção ou 10 anos após um reforço de ferida interveniente. B. Medidas específicas para pacientes com feridas 1. Indivíduos previamente imunizados a. Quando o paciente foi ativamente imunizado dentro dos últimos 10 anos: (1) Para a maioria, administrar 0,5 ml de toxóide tetânico adsorvido como reforço, a menos que exista a certeza de que o paciente recebeu um reforço nos últimos 12 meses. (2) Naqueles com feridas graves, negligenciadas ou antigas (mais de 24 horas), propensas ao tétano, administrar 0,5 ml do toxóide adsorvido, a menos que haja certeza de que foi fornecido um reforço nos últimos seis meses. b. Quando o paciente tiver sido ativamente imunizado há mais de 10 anos, não tendo recebido qualquer reforço no período seguinte: (1) Na maioria dos casos, administrar 0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido. (2) Naqueles com feridas graves, negligenciadas ou antigas (mais de 24 horas), propensas ao tétano: (a) Administrar 0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido. (b) Administrar 250-500 unidades de imunoglobulina tetânica (humana), (Tetanobulin®; Tetaglobuline®). Utilizar seringas, agulhas e locais diferentes.

IM

(c) Considerar a administração de oxitetraciclina ou penicilina. 2. Indivíduos não-imunizados anteriormente a. Nas feridas pequenas, limpas, nas quais o tétano é extremamente improvável, administrar 0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido (dose imunizante inicial). b. Para todas as outras feridas: 36

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(1) Administrar 0,5 ml do toxóide tetânico adsorvido (dose imunizante inicial). (2) Administrar 250-500 U de imunoglobulina tetânica humana. (3) Considerar a administração de oxitetraciclina ou de penicilina. As seguintes considerações podem ser tecidas acerca das condutas acima:

Para crianças, a dose de imunoglobulina humana é de 4-5 U/kg de peso corpóreo, até um total de 100-200 U.

No caso de não estar disponível a imunoglobulina humana, o uso da imunização passiva com antitoxina tetânica eqüina deve ser considerado, caso o paciente não seja sensível a ela, na dose de 5.000-10.000 U IM; somente se a possibilidade de tétano ultrapassar o perigo da reação à antitoxina tetânica heteróloga, ela deve ser utilizada. Caso o paciente seja sensível à antitoxina heteróloga, esta não deverá ser administrada. Não deve ser tentada a dessensibilização, pois esta não tem valor.

A imunização ativa de pacientes com mais de 7 anos é obtida com uma dose inicial de toxóide adsorvido por fosfato de alumínio — 0,5 ml por via intramuscular. Uma segunda dose é administrada 4-6 semanas após a primeira, e uma terceira injeção é feita 6-12 meses depois.

A antibioticoterapia com penicilina é eficaz contra as células vegetativas do C. tetani. Podese empregar a oxitetraciclina quando o paciente é alérgico à penicilina. O antibiótico deve ser administrado nas três primeiras horas após o ferimento. XI. Escolha de Antibióticos em Pacientes Traumatizados. Considerando as indicações expostas anteriormente neste capítulo, passa-se, nos casos indicados, à escolha de um agente antimicrobiano. Sempre ocorre a dúvida do melhor agente a ser prescrito. A não ser nos casos de infecção já instalada, causada por microrganismo específico, a escolha deve ser por um agente de largo espectro, com rápido e eficaz poder de ação, e de custo acessível para o paciente. Desse modo, a escolha recai mais freqüentemente na penicilina ou em um de seus derivados semi-sintéticos. Em relação à penicilina oral, esta é mais comumente usada na forma de penicilina V (Penve-oral®), administrando-se um comprimido de 500.000 UI a cada seis horas, no adulto, por um período de 7-10 dias. Apesar de sua absorção no trato gastrointestinal ser algo 37

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irregular, é uma escolha simples e barata de antibioticoterapia, ideal para casos mais simples. Na opção de se utilizar penicilina parenteral, aplica-se um frasco de penicilina G benzatina de 1.200.000 UI (Benzetacil®), IM, aplicando-se, no outro braço ou glúteo, um frasco de Despacilina® de 400.000 UI (que contém 300.000 UI de penicilina G procaína e 100.000 UI de penicilina G potássica), também IM. Isto é feito para que ocorra nível sangüíneo eficaz nas primeiras horas, necessário principalmente nos casos em que se suspeita de contaminação pelo bacilo do tétano em paciente não-imunizado. Caso o paciente seja alérgico à penicilina ou a seus derivados semi-sintéticos, ficam como opções as cefalosporinas (podem apresentar reação cruzada), a oxitetraciclina, o cloranfenicol, a eritromicina, a lincomicina e a associação sulfametoxazol + trimetoprim (Bactrim®). No Cap. 63, Agentes Antimicrobianos, encontram-se listados os principais antibióticos, suas doses e vias de administração. Referências 1. Adzick NS, Lorenz HP. Cells, matrix, growth factors, and the surgeon. The biology of scarless fetal wound repair. Ann Surg 1994; 220: 10-8. 2. Agre MS, Everland H. Two hydrocolloid dressings evaluated in experimental fullthickness wounds in the skin. Acta Derm Venereol 1997; 77(2): 127-31. 3. American College of Surgeons Committee on Trauma — Advanced Trauma Life Support Course For Physicians — ATLS — Resource Document 6: Tetanus Immunization — 5 th Edition Student Manual, 1993. 4. Bennett NT, Schultz GS. Growth factors and wound healing: biochemical properties of growth factors and their receptors. Am J Surg 1993; 165: 728-37. 5. Breuing K, Andree C, Helo G et al. Growth factor in the repair of partial thickness porcine skin wounds. Plast Reconstr Surg 1997; 100: 657-64. 6. Brogan GX Jr, Giarrusso E, Hollander JE et al. Comparison of plain, warmed, and buffered lidocaine for anesthesia of traumatic wounds. Ann Emerg Med 1995; 26(2): 121-5. 7. Brogan GX Jr, Singer AJ, Valentine, SM et al. Comparison of wound infection rates using plain versus buffered lidocaine for anesthesia of traumatic wounds. Am J Emerg Med 1997; 15(1): 25-8. 8. Caldwell MD. Topical wound therapy — an historical perspective. J Trauma 1990; 30 (S): S116-S122. 9. Carrico TJ et al. Biologia da cicatrização das feridas. In: Clínicas Cirúrgicas da América do Norte — Vol. IV, 763. Rio de Janeiro: Editora Interamericana, 1984.

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Capítulo 03 - Pequenos Procedimentos em Cirurgia Tula Consuelo Vigil Verástegui I. Traqueostomia A. Anatomia. A traquéia é um tubo musculocartilaginoso, que se inicia à altura da sétima vértebra cervical e termina ao nível da terceira ou quarta vértebra torácica, quando se divide em brônquios. Os anéis traqueais se unem na face posterior por fibras musculares transversas do músculo traqueal. A traquéia é revestida internamente por uma mucosa de células de epitélio cilíndrico ciliar, que facilitam a expulsão de detritos, poeira e germes. A traquéia é nutrida por três ramos arteriais que se originam da artéria tireoidiana inferior, e a sua inervação provém do nervo laríngeo inferior. Na região cervical, os anéis traqueais são recobertos pelo istmo da tireóide. Os pontos de reparo cirúrgico são a cartilagem tireóidea, a cartilagem cricóidea, o istmo da tireóide e o manúbrio esternal. B. Conceito. A traqueostomia é um procedimento cirúrgico que realiza a abertura da traquéia para o exterior com a finalidade de fornecer uma via nova para a respiração. O termo traqueotomia define apenas a abertura da traquéia, por um tempo curto, indicada em cirurgias endotraqueais. C. Indicações. Sua principal indicação encontra-se no alívio de uma obstrução da via áerea superior. As indicações para as traqueostomias estão apresentadas no Quadro 3-1. D. Classificação. Dependendo da necessidade de ventilação do paciente, poderemos ter as traqueostomias de emergência (cricotireotomia), de urgência e eletivas. A cricotireotomia (coniotomia) é uma cirurgia que fornece um acesso rápido e direto à traquéia. Pode ser realizada com qualquer instrumento perfurante disponível. A membrana cricotireóidea conecta a borda inferior da cartilagem tireóidea à cartilagem cricóidea. Esta membrana é relativamente exsangüe e está separada da pele por uma fina camada de gordura. Faz-se uma incisão transversa imediatamente abaixo da iminência da cartilagem tireóidea, onde um oco palpável delimita a fenda entre esta e a cartilagem cricóidea. A membrana cricotireóidea é então exposta e seccionada. Um cabo de bisturi ou um outro objeto perfurante introduzido pela incisão e girado 90º fornecerá uma via aérea permeável de emergência. A cricotireotomia é uma via áerea temporária e deve ser removida dentro de 48 horas, para evitar fibrose laríngea, devendo ser substituída por uma traqueostomia eletiva no terceiro anel traqueal. As traqueostomias também podem ser classificadas em altas (primeiro e segundo anéis traqueais), médias (terceiro e quarto anéis traqueais) e baixas (abaixo do quarto anel traqueal). O local ideal é o terceiro anel traqueal. Quanto à sua permanência, elas podem ser temporárias ou definitivas. 41

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E. Técnica operatória 1. Posição do paciente. Decúbito dorsal horizontal, com hiperextensão do pescoço e coxim sob os ombros. Os pacientes que não tolerarem esta posição deverão ser colocados o mais próximo possível a ela. Em pós-operatório de cirurgias neurológicas, deve ser lembrado que a hiperextensão do pescoço pode comprimir a área operada, ocasionando, assim, lesões cerebrais. 2. Anestesia. Geralmente é utilizada a anestesia por bloqueio de campo. Quando a traqueostomia é realizada como procedimento complementar de outras cirurgias, ou em crianças, é necessária anestesia geral. 3. Incisão. A incisão poderá ser horizontal ou vertical, de aproximadamente 4-6 cm de extensão. Quando horizontal, deverá estar localizada no meio da distância entre a cartilagem cricóidea e a fúrcula esternal. Acredita-se que esta incisão proporcione melhores resultados estéticos. Em caso de pouco treinamento cirúrgico por parte do cirurgião, ou de grande urgência, aconselha-se a incisão vertical, que oferece menor risco de hemorragia, pois não secciona os vasos calibrosos, que, nesta região, têm direção vertical. Esta incisão permite, também, um campo cirúrgico mais amplo. A incisão compreende pele e tecido celular subcutâneo. A seguir, é realizada a abertura da rafe mediana, com afastamento dos músculos prétireoidianos e exposição do istmo da glândula tireóidea, que poderá ser afastado ou seccionado entre duas pinças, com sutura de suas superfícies cruentas, até a exposição da traquéia. 4. Abertura da traquéia. Poderá ser horizontal, vertical, em cruz ou com retirada de um fragmento circular. Este último tipo de abertura deixa menor estenose traqueal pósoperatória. Em crianças, não se resseca o tecido traqueal. 5. Colocação da cânula. Introdução da cânula inicialmente em ângulo de 90º ao maior eixo traqueal e, a seguir, é feita a sua rotação em sentido anti-horário, até que a completa introdução da cânula coincida com o maior eixo traqueal. 6. Fixação da cânula. A cânula é amarrada ao pescoço pelo cadarço (Fig. 3-1). 7. Tipos de cânulas. Na prática cirúrgica diária, temos à disposição dois tipos de cânulas traqueais. A primeira é de metal inoxidável e é formada por: a. Peça externa, introduzida diretamente na luz traqueal; possui na sua extremidade externa um pequeno pavilhão perfurado, por onde é passado cadarço para a sua fixação ao pescoço. b. Peça interna, introduzida na luz da cânula externa, por onde passa o ar e são aspiradas as secreções; por isto, ela deve ser retirada freqüentemente para limpeza. 42

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c. O mandril, introduzido na cânula externa, funciona como um condutor no momento da colocação desta na luz traqueal. Este tipo de cânula é usado nos pacientes que não necessitam de aparelhos de respiração sob pressão positiva, e produz menor estenose traqueal pós-operatória. As cânulas de material plástico consistem de uma única peça, de diversos diâmetros e tamanhos, e possuem um balão pneumático em suas extremidades, para ser insuflado após ser introduzido na traquéia (Fig. 3-2). Foram preconizados dispositivos endotraqueais para pacientes com necessidades de permanência prolongada da traqueostomia. Estes consistem de uma cânula de silicone flexível e macia, não irritante para a pele e para a mucosa endotraqueal. Tubos endobrônquicos de duplo lúmen, para cirurgias torácicas, podem também ser utilizados em traqueostomias (Fig. 3-3). 8. Retirada da cânula. Geralmente a cânula é retirada quando o paciente não necessita mais de assistência ventilatória e é capaz de eliminar suas secreções respiratórias. Aconselha-se, inicialmente, obstruir a cânula por um período de 24 horas; verificada a boa tolerância do paciente, retira-se a cânula. 9. Cuidados no pós-operatório a. O curativo de gaze em volta da traqueostomia deverá ser trocado e lubrificado com glicerina ou outra solução oleosa, quando necessário. A Fig. 3-4 mostra curativo para fixação e manutenção da cânula. b. Cuidado com a fixação da cânula é de extrema importância, para evitar a sua mobilização e expulsão no pós-operatório. c. A aspiração de secreções deverá ser realizada sempre que se julgue necessário. O cateter utilizado na aspiração deve ser mantido em solução anti-séptica, tendo-se o cuidado de lavá-lo com solução fisiológica estéril antes de inseri-lo na traquéia, para evitar lesões da parede traqueal causadas por produtos químicos. O cateter deverá ser trocado diariamente. d. A cânula interna deverá ser retirada para limpeza ou substituída por outra esterilizada quantas vezes se julgar necessário, dependendo do volume de secreção traqueobrônquica eliminado. e. A cânula externa não poderá ser trocada até o quarto ou quinto dia de pós-operatório, até que se forme uma fístula entre a traquéia e a pele. f. Todo o conjunto deverá ser trocado a cada três dias.

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g. A umidificação das secreções deverá ser feita artificialmente, por meio de pequenas “bonecas” de gaze embebidas em solução fisiológica, colocadas na entrada da cânula, e pelo uso de vaporizadores. 10. Complicações da traqueostomia a. As complicações peroperatórias geralmente são decorrentes de hemorragia por lesões de vasos peritraqueais ou estruturas vizinhas, como o istmo tireoidiano, cúpulas pleurais ou parede torácica. Outras lesões são o pneumotórax, as lesões iatrogênicas do esôfago e/ou do nervo laríngeo recorrente. b. Na colocação da cânula poderá ocorrer, acidentalmente, lesão da artéria inominada, quando se coloca a cânula anteriormente à traquéia, devido a erro ou, ainda, lesão tardia de artéria subclávia e mesmo da aorta. c. As traqueostomias altas ou com infecção local persistente levam à estenose traqueal. d. As fístulas traqueoesofágicas são originadas da mesma maneira que as lesões arteriovenosas, já citadas. e. A obstrução da cânula por secreção poderá levar o paciente à asfixia e à morte. f. A infecção da ferida operatória pode ocasionar a contaminação das vias aéreas, originando quadros de traqueobronquite ou pneumonia. II. Punção e Cateterização Venosa. A punção venosa constitui um procedimento de urgência ou eletivo na prática clinicocirúrgica diária. Sua finalidade é ampla, incluindo coleta de amostra sangüínea para análise, administração de drogas e reposição rápida de líquidos, se necessária. A. Punção de veias superficiais. Após assepsia da pele sobre a veia a ser puncionada, coloca-se um garrote ou torniquete de plástico na região proximal ao local da punção, a fim de facilitar a sua visualização e palpação. A agulha é introduzida percutaneamente, através da visualização da veia, com o bisel da agulha virado para cima, mantendo-se um ângulo de 45º tangencialmente à veia. A seguir, faz-se uma ligeira aspiração do êmbolo da seringa até que o sangue flua; retira-se o torniquete e fixa-se a agulha à pele com esparadrapo, após ligá-la a um equipo de soro (Prancha 3-1). Os vasos mais comumente utilizados são as veias cefálica ou basílica, pela facilidade de serem puncionadas, devido à sua localização. O ponto a ser puncionado deve, de preferência, localizar-se na face anterior dos antebraços. Evita-se puncionar veias nas dobras dos cotovelos, devido ao risco de secção pela ponta da agulha ao dobrar-se o cotovelo, já que na grande maioria dos casos os pacientes se encontram agitados e hipercinéticos. Quando não é possível a punção na face anterior dos antebraços, puncionase na face dorsal das mãos ou dos braços (Fig. 3-5).

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No caso de queimaduras graves, fraturas dos membros superiores, fraturas de clavícula ou lesões torácicas, poderão ser utilizadas outras veias, como a jugular externa, as veias dorsais do pé e as veias safenas. Não devem ser injetadas drogas ou soluções em veias superficiais dos membros inferiores, devido ao risco de tromboflebite. A passagem do Intracath® é realizada após assepsia e garroteamento do membro. Anestesiado o local, realiza-se uma incisão puntiforme na pele, punciona-se a veia mediante a introdução da agulha, e o cateter é passado por dentro da agulha. O cateter deverá ser fixado à pele com fio de náilon. Dispositivos de fixação do cateter facilitam a sua imobilização (Fig. 3-6). A punção da veia jugular externa é de simples realização. Deve-se colocar o paciente com a cabeça estendida e virada para o lado oposto a ser puncionado. Não se utiliza o garrote. O paciente pode também ser colocado em posição de Trendelenburg. Uma compressão da veia com o indicador, em sua parte proximal junto à clavícula, pode ser executada, facilitando a visualização da veia. B. Punção de veias profundas. Na impossibilidade de puncionar as veias superficiais, outros vasos poderão também ser utilizados para punções venosas, tais como a veia subclávia, a femoral e a jugular interna. 1. Punção da veia subclávia. A sua utilização tem diminuído, devido ao risco de pneumotórax por perfuração da cúpula pleural e lesão da artéria subclávia, que podem resultar em sangramento para o interior do tórax, levando a um hemotórax. A veia subclávia está localizada anterior e inferiormente à artéria subclávia; entre as duas situa-se o músculo escaleno anterior. A pleura está situada posteriormente, a apenas 5 mm dessa veia, na área em que o plexo braquial cruza a primeira costela, encontrando-se lateralmente a 2 cm da artéria subclávia. Coloca-se o paciente em posição de Trendelenburg a 15º, com os braços estirados ao longo do corpo. Evita-se, quando possível, a punção do lado esquerdo, devido à possibilidade de lesão do duto torácico (Fig. 3-7). A experiência inicial, em Unidade de Terapia Intensiva, na realização de punção da veia subclávia guiada por ultra-sonografia tem sido bem-sucedida no que se refere a um número menor de complicações e a um maior sucesso na obtenção do cateterismo desta veia. A aplicação prática deste procedimento guiado por ultra-sonografia, entretanto, é duvidosa, devido à grande demora gerada. O cateter de Swan-Ganz é passado também através de punção venosa. A agulha é revestida em teflon. Após a punção, retira-se a agulha e, através da luz do cateter, é introduzido o fioguia. Retira-se o cateter, mantendo-se o fio. O cateter de Swan-Ganz é introduzido até o átrio direito, retirando-se o fio-guia. Insufla-se o balão do cateter e inicia-se seu movimento até a posição final em cunha, sendo a introdução orientada pela curva de pressão obtida ao monitor (ver Cap. 6). Cateteres de duas ou três vias facilitam o tratamento dos pacientes, permitindo infusão de diferentes medicamentos e líquidos simultaneamente (Fig. 3-8). 45

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a. Técnica de punção (1) Assepsia da região. (2) Infiltração do periósteo do lado inferior da clavícula, no seu terço médio, com solução anestésica de xilocaína a 1 ou 2%. (3) Punção no ponto de encontro da linha mamária com a clavícula, na margem lateral do ligamento costoclavicular, com cateter tipo Bardic Intracath® de 20 cm com agulha nº 14, conectado a uma seringa. (4) Avançar a extremidade da agulha passando pela borda do periósteo inferior e, simultaneamente, realizar uma aspiração negativa na seringa. Quando há saída de sangue pela seringa, a agulha é introduzida mais alguns milímetros, sendo mantida nesta posição. (5) Desconectar a seringa da agulha, obstruir o seu canhão com a polpa digital e introduzir o cateter pelo interior da agulha, conectado ao equipo de soro. (6) Colocar o frasco de soro abaixo do nível da veia, a fim de verificar o refluxo de sangue pelo equipo, demonstrando a boa posição do cateter. A agulha é então retirada lentamente e fixada na pele do tórax. O curativo deve ser oclusivo. Sempre que possível, deve-se logo em seguida comprovar radiologicamente a posição do cateter no interior da veia (Prancha 3-2). b. Cuidados na punção da subclávia (1) Puncionar, sempre que possível, o lado direito. (2) Não deixar a agulha aberta após a punção, porque a pressão negativa no tórax e dentro da veia subclávia pode provocar a entrada de ar na circulação, resultando em embolia gasosa. (3) Evitar puncionar repetidamente o mesmo local, porque o hematoma assim provocado dificultará cada vez mais a realização da punção. (4) Em caso de falha ou erro na punção, nunca puxar o cateter com a agulha fixa; sempre retirá-los juntos, ou a agulha primeiro, pois o bisel poderá cortar o cateter dentro da veia, causando “embolia de cateter”. (5) Fixar o cateter com sutura, sem transfixá-lo ou angustiá-lo. c. Complicações da punção subclávia. Podem ocorrer complicações, tais como: pneumotórax, hemo ou hidrotórax, hemomediastino, hidromediastino, enfisema subcutâneo, lesão da artéria subclávia, lesão da artéria carótida, lesão do nervo frênico, lesão do nervo vago, lesão do nervo laríngeo recorrente, lesão do plexo braquial, lesão do duto torácico, lesão da traquéia, embolia gasosa, embolia por corpo estranho (fragmento de 46

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cateter), arritmia cardíaca, perfuração miocárdica, tamponamento do seio coronariano, trombose da veia cava superior e trombose da veia jugular (por má colocação do cateter). 2. Punção da veia femoral (Prancha 3-3). A veia femoral está localizada medialmente à artéria femoral. Palpa-se a artéria na região inguinal e introduz-se a agulha em ângulo de 45º com a pele, cerca de 1 cm medial ao pulso arterial, atingindo-se assim a luz venosa. Se ocorre a punção inadvertida da artéria, retira-se a agulha e mantém-se uma compressão local durante 10 minutos. 3. Punção da veia jugular interna. O paciente é colocado em posição de Trendelenburg a 15º com o pescoço estendido e virado para o lado contrário ao da punção; faz-se a assepsia da região e punciona-se na borda anterior do músculo esternocleidomastóideo, tomando-se como referência o cruzamento da veia jugular externa (a aproximadamente 3 cm da inserção do músculo no esterno); neste local, introduz-se a agulha num ângulo de 30o, palpando-se o pulso carotídeo e tendo-se o cuidado de colocar a agulha lateralmente à artéria carótida. A fixação e a colocação do cateter são iguais às da punção da subclávia. Sempre é preferida a punção do lado direito, pelo risco de lesão do duto torácico, pela menor incidência de pneumotórax (uma vez que a cúpula pleural direita é mais baixa do que a esquerda), assim como pela maior facilidade de introdução do cateter na veia cava superior, pois as veias jugular interna e subclávia direitas levam diretamente à veia cava superior (Fig. 3-9). III. Dissecção Venosa. A dissecção venosa é um bom procedimento em casos de impossibilidade de punção venosa (pacientes com choque hipovolêmico, politraumatismo grave, pacientes obesos, ou pacientes portadores de fragilidade capilar). Dissecção da veia no membro superior (Prancha 3-4). A. Assepsia da região correspondente ao terço distal do braço e ao terço proximal do antebraço. B. O local ideal a ser dissecado encontra-se num ponto localizado a aproximadamente 3 cm do epicôndilo medial do úmero, na direção da inserção da aponeurose do bíceps, no sulco entre o bíceps e o tríceps. C. Anestesia local com solução anestésica de xilocaína, atingindo planos superficiais e profundos, tendo-se o cuidado de aspirar sempre a seringa para evitar a introdução do anestésico em um vaso. D. Incisão de aproximadamente 2 cm, com dissecção romba até o subcutâneo. E. Identificação das estruturas anteriormente citadas. F. Reparos proximal e distal da veia braquial com a ligadura da extremidade distal. 47

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G. Realização de uma pequena incisão na veia braquial e introdução de um cateter de polietileno ou Sylastic® esterilizado, medindo-se previamente a distância da incisão até a veia cava superior. H. Ligadura do reparo proximal por sobre o cateter, sem angustiá-lo. I. Fechamento dos planos dissecados. J. Fixação do cateter à pele através de sutura (fixação firme, porém sem estenosar ou dobrar o cateter). L. Curativo (Fig. 3-10). A veia cefálica poderá, se necessário, ser dissecada no sulco deltopeitoral, através de uma incisão de aproximadamente 4 cm de prega axilar, entre os músculos deltóide e peitoral maior. A veia safena magna também poderá ser cateterizada no membro inferior, ao nível do maléolo medial (Fig. 3-11), em caso de impossibilidade de uso de veias nos membros superiores, ou em situações emergenciais. Excepcionalmente, poderá ser necessária a dissecção da veia safena magna ao nível da croça, na região inguinal — este procedimento é pouco adotado devido às complicações observadas, principalmente trombóticas (Prancha 3-5). IV. Punção Abdominal. A punção abdominal é realizada com finalidades diagnóstica e terapêutica. Ela é de grande relevância no diagnóstico das lesões intra-abdominais, em casos de traumatismo ou de patologias não-relacionadas a trauma. O líquido retirado é submetido a análise, e os resultados orientam o diagnóstico da patologia em questão. A presença de sangue na cavidade abdominal, após o trauma, indica lesão de órgãos intra-abdominais. A sua indicação terapêutica reside no alívio sintomático de volumosas ascites, que causam desconforto e dificuldade respiratória ao paciente. O paciente é colocado em decúbito dorsal, realizando-se rigorosa assepsia da região abdominal. O local indicado para a punção está situado no terço médio entre a crista ilíaca ântero-superior e a cicatriz umbilical à esquerda e fora da área do músculo reto do abdômen. Infiltram-se a pele e os planos profundos com solução anestésica de xilocaína a 1% e introduz-se uma agulha de grosso calibre (Intracath® 14), perpendicularmente à pele, até que seja atingida a cavidade abdominal (ao ultrapassar o peritônio, verifica-se se há uma sensação de papel rasgado). Se a quantidade de líquido intraperitoneal for grande, este sairá pela agulha sem dificuldade, fornecendo, assim, o diagnóstico de certeza; porém, em alguns casos, a simples punção não oferece o diagnóstico de certeza, sendo necessário realizar o lavado peritoneal. Para isto, introduzem-se duas agulhas grossas tipo Intracath® 14, nos dois quadrantes inferiores, no ponto ideal descrito anteriormente, ligando um equipo de soro fisiológico em 48

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uma delas e deixando que ele corra livre até que saia pela outra agulha, o que geralmente ocorre após 1.000 ml no adulto e 500 ml nas crianças. Se colocarmos o paciente em decúbito lateral do lado da agulha que está livre, o líquido sairá mais rapidamente. Se a solução fisiológica apresentar-se límpida, sem coloração diferente, a punção será considerada negativa; se apresentar coloração rósea ou vermelha, será positiva para sangue. Se estiver de outra cor, como amarelo ou verde, por exemplo, pensar em urina, bile ou fezes (Fig. 3-12). Saída de líquido róseo é discutível, porque, se a solução fisiológica não estiver nitidamente sanguinolenta, poderemos estar diante de uma pequena laceração de vísceras, sem indicação de laparotomia; porém, deve ser sempre lembrado que um líquido róseo pode indicar pequeno sangramento peritoneal, com um grande sangramento retroperitoneal. A indicação cirúrgica após uma punção rósea deverá estar associada a outros sinais clinicorradiológicos, tais como presença de equimoses, hematomas e escoriação da parede abdominal; sinais e sintomas de hipovolemia; achados laboratoriais sugestivos de perda sangüínea e sinais radiológicos sugestivos. As complicações das punções abdominais estão relacionadas com hemorragias e lesões de órgãos abdominais, perfuração de alças intestinais e infecção. Um cuidado a ser observado é o de se esvaziar a bexiga antes da punção, para evitar que ela seja lesada. O lavado peritoneal pode ser também realizado através de uma pequena incisão de aproximadamente 2 cm abaixo do umbigo (sob anestesia local). Após penetração na cavidade peritoneal, infunde-se aproximadamente 1 litro de Ringer lactato. O paciente é virado para ambos os lados, e a bolsa de infusão é abaixada até o nível do chão. O volume final do líquido de lavado peritoneal retornado é enviado ao laboratório para quantificação de células vermelhas. Os resultados serão considerados negativos quando a contagem for inferior a 100.000 células/mm3 (trauma fechado) e menor do que 50.000 células/mm3 (trauma penetrante). V. Punção Torácica. Na presença de uma coleção líquida ou gasosa na pleura, a punção torácica está indicada. O lado e o local a serem puncionados dependerão da realização prévia de uma radiografia de tórax em duas incidências. Realiza-se a assepsia do tórax com o paciente sentado e, após infiltração de solução anestésica, introduz-se a agulha de grosso calibre no sexto ou sétimo espaço intercostal, na linha axilar posterior ou infra-escapular, em caso de derrame, tendo-se o cuidado de não introduzir a agulha em posição mais baixa, para não perfurar o diafragma. A agulha deve distanciar-se do feixe vasculonervoso que passa na borda inferior da costela. A agulha é conectada a uma torneira de três vias (three way) e a uma seringa de 20 ou 50 ml, dependendo da extensão do derrame. Um dispositivo three way impede a entrada de ar na cavidade pleural, durante as manobras para aspiração de líquido. Não devemos realizar a aspiração rápida de grandes volumes de líquido intrapleural, já que, além do desconforto que proporciona ao paciente, ela pode ocasionar tosse espasmódica e até edema pulmonar agudo. Assim, realizaremos a punção mais lentamente e em vários dias 49

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seguidos. Na presença de hemotórax clínica e radiologicamente estabilizado, a punção evacuadora deverá ser obtida após 72 horas, porque neste período o sangue apresenta-se liquefeito, podendo, assim, ser facilmente retirado, o que não acontece no hemotórax recente, no qual os coágulos obstruem a agulha, não permitindo a evacuação do derrame (Fig. 3-13). Nos casos de pneumotórax, podemos fazer a punção com o paciente semi-sentado, no segundo espaço intercostal, na linha mamária, ou mesmo no quarto espaço intercostal, na linha axilar média ou anterior, com a agulha acoplada a um equipo de soro, colocando-se a ponta deste dentro de um selo d’água, sendo a agulha fixada com esparadrapo na parede torácica. Em pneumotórax pequenos, a punção pode ser curativa. Nos grandes pneumotórax ou nos pneumotórax hipertensivos, a punção é um procedimento inicial, com a necessidade da colocação de um dreno torácico para aspiração ou mesmo uma toracotomia, dependendo da gravidade do caso. Após a punção, coloca-se um curativo compressivo por um período de 48 horas. As principais complicações da punção torácica consistem em lesão dos vasos intercostais, lesão pulmonar e lesão diafragmática. VI. Drenagem Torácica. Os ferimentos torácicos que levam à presença de coleções líquidas na cavidade pleural podem requerer a colocação de um ou mais drenos torácicos para o seu tratamento. Utilizam-se tubos de silicone calibrosos (nos 32-40). Devem-se utilizar drenos torácicos retos, pois os angulados são tecnicamente de difícil introdução. Os locais de colocação são o segundo espaço intercostal, na linha mamária, no caso de coleções gasosas, e no sétimo espaço intercostal, na linha axilar anterior, nos casos de coleção líquida. Realizam-se a assepsia do local escolhido, a colocação de campos e a incisão de aproximadamente 3 cm, longitudinalmente ao espaço intercostal, com dissecção romba até a pleura. Introduz-se um dedo enluvado no espaço pleural para assegurar que o espaço pleural esteja livre de aderências para a introdução do dreno torácico, sem o risco de penetração no parênquima pulmonar. O dreno é então pinçado na extremidade e introduzido através de um orifício, nos sentidos posterior e superior. O dreno é introduzido até que o orifício proximal esteja bem no interior do tórax, e fixado na posição escolhida. O dreno é conectado a um tubo de borracha através de uma conexão de metal ou plástico, e ligado a um vidro em selo d’água. Faz-se uma sutura “em bolsa” ao redor do dreno para fixá-lo à parede torácica; comprova-se a sua colocação solicitando-se ao paciente que tussa e, caso saiam bolhas de ar ou líquido pelo selo d’água, considera-se que o dreno está bem posicionado.

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Nos casos de pneumotórax ou hemotórax desaparecidos clínica ou radiologicamente após 24 horas, solicita-se ao paciente que respire profundamente e prenda a respiração; o dreno será puxado e o orifício por ele deixado será tampado com gaze e esparadrapo (Figs. 3-14 , 3-15 e 3-16). VII. Punção Pericárdica. A punção pericárdica (pericardiocentese), realizada em ambulatório, é um procedimento de emergência em casos de tamponamento cardíaco. Estes tamponamentos são devidos ao hemopericárdio, decorrentes de traumatismo torácico fechado, ferimentos perfurantes do coração ou por arma de fogo, com extravasamento de sangue para a cavidade pericárdica. Na presença de tamponamento cardíaco, a pericardiocentese deve ser realizada o mais rapidamente possível, pois, quando não tratado, o paciente pode desenvolver parada cardíaca e choque irreversíveis. O paciente que sofre um ferimento cardíaco pode apresentar-se desfalecido, comatoso, com confusão mental, sinais de choque e pulso paradoxal. O diagnóstico é relativamente fácil e apresenta a tríade: ingurgitamento jugular, hipotensão e hipofonese de bulhas. Uma vez obtido o diagnóstico clínico, deve-se proceder imediatamente à punção pericárdica (técnica de Marfan), que consiste na introdução de uma agulha grossa e comprida conectada a uma seringa, na região esquerda do apêndice xifóide, em ângulo de aproximadamente 45º e orientada para cima e para a esquerda, na direção da escápula do mesmo lado. Após ultrapassar a pele, diminui-se o ângulo de inclinação da agulha, mantendo-se a sua ponta mais próxima da parede torácica, em direção à ponta do coração. Após atingida a cavidade pericárdica, a aspiração de 30-40 ml de sangue intrapericárdico leva à melhora clínica do paciente. O sangue aspirado não coagula na seringa, devendo-se retirar o máximo de sangue possível e deixar a agulha na posição, até submeter o paciente a tratamento cirúrgico. A oscilação da agulha é indicativa de punção do miocárdio, devendo a mesma ser imediatamente recuada (Fig. 3-17). O tratamento de choque hipovolêmico deverá ser realizado juntamente com a punção, através da transfusão de sangue e de outras medidas que se julgarem necessárias. A utilização da punção pericárdica, entretanto, deve ser exclusiva de profissionais treinados neste procedimento, uma vez que é grande o risco de perfuração do coração, com graves conseqüências. Por isso, tem sido muitas vezes substituída por um acesso cirúrgico para realização de uma janela pericárdica por via subxifoideana. A punção pericárdica como procedimento eletivo é realizada em casos de processos infecciosos intrapericárdicos, como, por exemplo, pericardites, e com o paciente sob monitoração eletrocardiográfica, de preferência na sala de radioscopia, a fim de se verificar a posição exata da agulha e orientar o seu trajeto. VIII. Punção Suprapúbica. 51

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As distensões agudas da bexiga por patologias obstrutivas, com impossibilidade de cateterização por via uretral, indicam a necessidade de uma punção suprapúbica de emergência. O local indicado para a punção está situado entre 1 e 3 cm acima da sínfise púbica, com agulha introduzida e direcionada para dentro e para baixo. Recomenda-se colocar o paciente na posição de Trendelenburg, a fim de evitar a perfuração de órgãos intraabdominais, especialmente das alças intestinais (Fig. 3-18). Referências 1. Alves JB. Cirurgia Geral Especializada. Vol. 6. Editora Vega. Belo Horizonte, 1974. 2. American College of Surgeons Committee on Trauma. Chapter 1: Initial Assessment and Management. In: Advanced Trauma Life Support Course for Physicians — ATLS. 5 ed., Student Manual, 1993. 3. American College of Surgeons Committee on Trauma. Chapter 2: Airway and Ventilatory Management. In: Advanced Trauma Life Support Course For Physicians — ATLS. 5 ed., Student Manual, 1993. 4. Brodsky JB, Toblert HG. A double endobronquial tube for tracheostomies. Anesthesiology 1991; 74: 387-8. 5. Critical Care Medicine. 1995-96. 6. Cook Critical Care. Cook Incorporated 1996. 7. Dale Medical Products. 8. Eliachar I, McDonnel M. New stoma stent applicable in long-term tracheostomy. Otolaryngology — Head and Neck Surgery 1990; 103: 913-7. 9. Erazo GA. Manual de Urgência em Pronto-Socorro: Rio de Janeiro: MEDSI, 1985: 3354. 10. Filho IJ, Andrade JI, Junior AZ. Cirurgia geral — pré e pós operatório. Rio de Janeiro: Atheneu, 1995. 11. Fonseca FP, Savassi Rocha PR. Cirurgia Ambulatorial. Editora Guanabara Koogan. 1987: 182-95. 12. Goffi FS. Técnica Cirúrgica. vol. 1. 1980: 361-5, 407-8.

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13. Gualtieri E, Deppe SA, Sipperly ME, Thompson DR. Subclavian venous catheterization: greater success rate for less experienced operators using ultrasound guidance. Crit Care Med 1995; 23(4): 692-7. 14. Hawkins ML, Shapiro MB, Cue JI, Wiggins SS. Emergency cricothyrotomy: a reassessment. Am Surg 1995; 61(1): 52-5. 15. Lewis FR. Traumatismo torácico. Clínicas Cirúrgicas da América do Norte 1982: 11322. 16. Pareja JC et al. O cateterismo percutâneo da veia subclávia. Revista da Associação Médica Brasileira 1974; 20(3): 114-6. 17. Scalea TM, Sinert R, Duncan AO et al. Percutaneous central venous access for resuscitation in trauma. Acad Emerg Med 1994; 1(6): 525-31. 18. Silva AL. Cirurgia de Urgência. Vol. 1. Rio de Janeiro: MEDSI, 1977. 19. Sweeney JF, Albrink MH, Bischof F et al. Diagnostic peritoneal lavage: volume of lavage effluent needed for accurate determination of a negative lavage. Injury 1994; 25(10): 659-61. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 04 - Queimaduras — Fase Aguda Armando Chiari Jr. Sinval Lins Silva I. Introdução. No Brasil, a inexistência de estatísticas fidedignas não nos deve impedir de perceber a gravidade deste problema médico-social que são as queimaduras. Nos Estados Unidos, a cada ano, entre 2 e 2,5 milhões de indivíduos procuram tratamento médico para queimaduras. Entre 100 mil e 130 mil pacientes são hospitalizados, e de 10 mil a 12 mil pessoas morrem em conseqüência de queimaduras. Antes da Segunda Guerra Mundial, a média de extensão de queimaduras, associada a uma taxa de mortalidade de 50%, correspondia a menos de 30% da superfície corporal. Atualmente, esta mesma taxa de mortalidade de 50% estaria associada a extensões de 6575% de superfície corporal queimada, na maioria dos Centros de Queimados do mundo. Este maior índice de sobrevivência está ligado a numerosos fatores, dentre os quais destacamos uma melhor compreensão da fisiopatologia das queimaduras, o que possibilitou uma melhoria em todos os aspectos do tratamento do queimado. O objetivo deste capítulo é apenas descrever a fase aguda das queimaduras, que compreende as primeiras 48-72 horas após a injúria inicial. II. Definição. A lesão térmica ocorre como resultado de uma transferência de energia de uma fonte de calor para o corpo, através de condução direta ou de radiação eletromagnética. Histologicamente, a lesão térmica resulta em necrose de coagulação da epiderme e, em profundidade variável, da derme. III. Avaliação do Paciente Queimado. Objetivamente, o tratamento inicial do paciente queimado vai depender da avaliação das lesões térmicas quanto à profundidade, localização anatômica e extensão da superfície corporal queimada (SCQ). Quanto ao paciente em si, a idade, a presença de patologias preexistentes e de lesões associadas são de fundamental importância. A. Avaliação da profundidade das queimaduras. Podem-se classificar as queimaduras em lesões de espessura parcial (primeiro e segundo graus) e de espessura total (terceiro e quarto graus) (Quadro 4-1). Nas queimaduras de espessura parcial, restam ainda elementos dérmicos que podem regenerar o epitélio. Nas queimaduras de espessura total foram destruídos todos os elementos dérmicos, e são necessários enxertos de pele para fechamento da ferida.

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B. Avaliação da extensão das queimaduras. A extensão de uma queimadura é definida pela porcentagem de superfície corporal queimada (SCQ). Para a avaliação urgente do paciente queimado, uma estimativa da extensão das queimaduras é fundamental para a determinação da necessidade de hospitalização e para o planejamento da reposição hídrica. Um dos métodos mais comumente utilizados para o cálculo da área atingida é a regra dos nove, que divide a superfície do corpo em áreas de aproximadamente 9%, ou múltiplos. Esta regra é modificada para crianças até o primeiro ano de vida, com a cabeça e o pescoço representando 19% e cada membro inferior representando 13% da superfície corporal. Um por cento é subtraído da cabeça e do pescoço, e 0,5% é adicionado a cada membro inferior, correspondendo a cada ano de vida, entre as idades de 1 e 10 anos (Fig. 4-1). C. Localização anatômica. Pacientes com queimaduras de face, mãos, pés, períneo e com injúrias respiratórias apresentam maior morbidade, maior índice de mortalidade e maior incidência de seqüelas limitantes na fase crônica. D. Particularidades do paciente. Os pacientes nos extremos de idade (abaixo de 1 e acima de 60 anos), portadores de patologias preexistentes (p. ex., doenças cardíacas, renais, hepáticas, metabólicas) e com traumas associados (fraturas, lesões abdominais, politraumatismos) apresentam também maior morbidade e maior índice de mortalidade. E. Etiologia das queimaduras. Os pacientes que apresentam queimaduras elétricas e/ou químicas geralmente necessitam de cuidados especiais. F. Avaliação da gravidade das queimaduras. As queimaduras leves podem, em geral, ser tratadas ambulatorialmente. As queimaduras de moderadas a graves geralmente requerem hospitalização e reposição hídrica endovenosa (Quadro 4-2) (Prancha 4-1). IV. Tratamento Inicial do Paciente Queimado. Pesquisa-se a permeabilidade das vias áreas do paciente e, se necessário, realiza-se a intubação orotraqueal; inicia-se oxigenação suplementar pelo tubo ou por cateter nasal. Introduzem-se dois cateteres venosos de grosso calibre (Jelco® nº 14 ou 16) em veias periféricas ou, nos casos mais graves, um cateter em veia periférica e um cateter em posição central (para medida de PVC). Introduz-se um cateter vesical de demora (para medida do fluxo urinário horário). Introduz-se um cateter nasogástrico nos queimados graves e especialmente naqueles com suspeita de lesão das vias aéreas. Colhe-se sangue para a realização de exames laboratoriais. Realiza-se a sedação do paciente com meperidina injetável, na dose de 50-75 mg EV para adultos e de 0,5 mg/kg de peso corporal para crianças.

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Inicia-se a reposição hídrica. Infelizmente, a reposição volêmica inicial inadequada, realizada por profissionais com conhecimentos insuficientes na área, continua sendo uma causa importante de mortalidade precoce. Até os anos 40, o choque hipovolêmico e a insuficiência renal aguda, derivada dessa hipovolemia, eram a mais importante causa-mortis no queimado grave. Os conhecimentos acumulados ao longo dos anos, especialmente sobre a fisiopatologia das queimaduras, possibilitaram um índice menor do que 5% de falhas na reposição volêmica inicial nos diversos Centros de Queimados do mundo. Este índice é alcançado mesmo em pacientes com queimaduras profundas envolvendo mais de 85% da superfície corporal. Atualmente, a principal causa-mortis do queimado grave é a infecção, com a pulmonar e a de ferida levando à septicemia, falência de órgãos múltiplos e morte, geralmente na fase subaguda. A. Fisiopatologia das queimaduras 1. Fisiopatologia do choque nas queimaduras. A exata fisiopatologia das mudanças vasculares e alterações de volume no queimado são ainda um campo aberto às pesquisas; entretanto, alguns processos estão claramente envolvidos: a. Integridade microvascular. Queimaduras extensas (> 30%) resultam em aumentos locais e sistêmicos da permeabilidade capilar, embora os efeitos sistêmicos pareçam ser mais transitórios e insignificantes do que previamente se suspeitava. Histologicamente, as mudanças na microcirculação são evidentes minutos após as lesões: grandes fendas entre as células endoteliais são formadas e se mantêm pelo prazo de dias ou semanas naqueles microvasos que continuam patentes. O “vazamento” através dessas fendas, nos tecidos não-queimados, envolve moléculas com peso molecular de 40.000 ou menos, enquanto nos tecidos queimados envolvem moléculas de peso molecular maior do que 80.000 e, segundo Baxter, de até 350.000. A etiologia dessas alterações histológicas parece estar relacionada à injúria térmica direta e à liberação de substâncias vasoativas. É sabido que, após a queimadura, existem duas fases de aumento da permeabilidade capilar. A primeira fase, histamino-dependente, é transitória e ocorre quase que imediatamente após a lesão. A segunda fase é muito mais duradoura e parece estar associada a numerosas substâncias vasoativas, como a serotonina, a bradicinina, as prostaglandinas, os leucotrienos e radicais livres de oxigênio. As tentativas de inibição farmacológica desses mediadores têm sido infrutíferas, e um sucesso mais palpável nesta área provavelmente abriria um novo capítulo na história do tratamento do grande queimado. Ocorre, então, um grande aumento no fluxo de fluidos e proteínas do espaço intravascular para o espaço intersticial. O volume perdido é maior nas primeiras horas após a lesão, e as perdas são mais intensas nas áreas queimadas. Aparentemente, também os capilares nas áreas não-queimadas readquirem a capacidade de funcionar como membrana 56

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semipermeável mais precocemente, em torno da oitava hora, ao contrário daqueles das áreas queimadas, que recobrariam esta capacidade em torno da 18ª à 24ª hora. É importante salientar a existência de diversos estudos mais recentes indicando que, na ausência de injúria pulmonar, não existe aumento da permeabilidade microvascular às proteínas nos pulmões, embora o fluxo de fluidos transvasculares nos pulmões esteja aumentado. Demling sugere que este fato e o edema que ocorre nos tecidos não-queimados seriam principalmente devidos à hipoproteinemia grave que ocorre após a queimadura, agravada durante a reposição hídrica. b. Hipoproteinemia. A hipoproteinemia produz edema de duas maneiras. Primeiro, a diminuição do gradiente de pressão oncótica do plasma em relação ao tecido intersticial resulta num desequilíbrio das forças de Starling, favorecendo o fluxo dos fluidos para fora dos vasos. Segundo, a depleção de proteínas intersticiais aumentaria a facilidade de transporte de água (condutibilidade de fluidos) do espaço intravascular para o espaço intersticial. c. Alteração dos potenciais da membrana celular. Nos pacientes com mais de 30% de SCQ ocorre uma diminuição generalizada nos potenciais de membrana celular, resultando num fluxo intracelular de água e sódio e migração extracelular de potássio. Estes fenômenos são secundários à disfunção da bomba de sódio-potássio, que ocorre devido à diminuição de ATPase da membrana celular. d. Aumento da pressão osmótica nos tecidos queimados. Vários autores acreditam que o fluxo inicial de fluidos da microcirculação para o interstício não poderia ser explicado apenas pelo aumento da permeabilidade vascular e pela hipoproteinemia. Leape demonstrou experimentalmente um aumento na concentração de sódio nos tecidos queimados, sugerindo fortemente que o íon sódio, ligando-se ao colágeno lesado, possa ser, em parte, responsável pelo aumento da pressão osmótica nesses tecidos. e. Alterações humorais. O extravasamento do plasma do espaço intravascular resulta na diminuição do volume circulante, que induz a liberação de aldosterona, com excreção renal de potássio e retenção de sódio. Os níveis de hormônio antidiurético também permanecem elevados por vários dias. f. Acidose metabólica. Está quase sempre presente durante os estágios iniciais de uma queimadura grave e pode ser de uma magnitude suficiente para interferir no sucesso da ressuscitação hídrica. g. Depressão miocárdica. Em queimaduras mais extensas do que 40% de SCQ, a depressão do débito cardíaco é freqüentemente observada, com resultante deficiência de resposta à ressuscitação hídrica. Este fenômeno tem sido explicado por Baxter com base em um fator circulante depressor do miocárdio, no que ele tem sido contestado por outros autores, como Goodwin.

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h. Aumento da resistência vascular periférica. Fenômeno freqüentemente observado, pode ocorrer como resultado do aumento de liberação de noradrenalina e do aumento da sensibilidade dos vasos periféricos à noradrenalina e às várias substâncias vasoativas já citadas, liberadas na fase aguda da queimadura. i. Alterações hematológicas. Inicialmente, eleva-se o hematócrito como conseqüência da diminuição do volume plasmático circulante. A conseqüente maior viscosidade sangüínea leva a uma estase microcirculatória, agravada por uma adesividade plaquetária aumentada. A destruição eritrocitária inicial causada pela injúria térmica direta é usualmente menor do que 15% do total circulante. Na fase aguda, estas perdas iniciais são mascaradas pela hemoconcentração, porém uma perda adicional de 10-25% ocorre mais tarde, devido a um encurtamento do tempo de vida médio das hemácias. jj. Perdas de água por evaporação. Com a queimadura, a pele atingida perde a sua função de barreira semipermeável às perdas de água por evaporação. Estas perdas podem ser desprezíveis nas queimaduras menores, porém, em queimaduras graves, podem atingir mais de 200 ml/h. O cálculo dessas perdas pode ser realizado através da fórmula Volume = 25 + (% SCQ ö SC) na qual o volume das perdas, em ml/h, é obtido pela soma da constante 25 com o produto da SCQ multiplicado pela extensão da superfície corporal (que no adulto médio equivale a 1,8). 2. Outras alterações fisiopatológicas a. Perdas de calor. A pele lesada perde a capacidade de retenção de calor e manutenção da temperatura corporal. É importante evitar a hipotermia, aumentando-se a temperatura ambiente no quarto do paciente. b. Metabolismo. Imediatamente após a queimadura, o organismo entra em um estado de hipermetabolismo, com elevado consumo de oxigênio, acentuado gasto de energia e grave catabolismo. O gasto de energia e o catabolismo protéico são maiores e se mantêm por mais tempo do que em qualquer outro estado fisiológico de estresse. O gasto de energia pode exceder mais de duas vezes o gasto usual, para suportar a circulação hiperdinâmica, o fluxo respiratório acelerado, o fluxo protéico, as perdas de calor pela evaporação e pela incapacidade da pele de manter a temperatura corporal. O paciente com uma queimadura grave já alcançou sua reserva fisiológica máxima e não consegue aumentar seus gastos de energia para suportar qualquer estresse adicional. Embora o gasto de energia possa ser diminuído pelo aumento da temperatura ambiente — o cuidado que deve ser sempre tomado no quarto do paciente —, o queimado continua a ter uma temperatura corporal elevada, em torno de 38-39ºC. Esta temperatura elevada indica hipermetabolismo, e não infecção, como muitos profissionais menos experientes podem pensar (Quadros 4-3 e 4-4).

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B. Ressuscitação hídrica. O objetivo da ressuscitação hídrica inicial consiste primeiramente em restaurar e manter a perfusão tissular, evitando isquemia de órgãos vitais e preservando os tecidos moles lesados, porém viáveis. Há alguns anos, o problema da hipovolemia vem sendo agressivamente corrigido com o uso de cristalóides em grande volume (fórmula de Parkland). Esta abordagem apresenta bons resultados na correção do choque e na prevenção da IRA; entretanto, leva também à formação de um edema acentuado e generalizado, nas áreas queimadas e não-queimadas. Um dos objetivos atuais da ressuscitação hídrica inicial é minimizar este grau de edema tissular, que pode comprometer as vias aéreas superiores e a função pulmonar, pela diminuição da complacência da parede torácica. O decréscimo da tensão de oxigênio nos tecidos lesados, devido ao edema excessivo, também pode levar à necrose tissular adicional. 1. Tipos de fluidos de ressuscitação. Em geral, fluidos que contenham sódio mas sejam livres de glicose, em vista da intolerância inicial à glicose no paciente queimado, são apropriados para a ressuscitação inicial, se administrados em quantidades suficientes. A via oral pode ser utilizada em queimaduras menos extensas, porém o íleo paralítico que ocorre em queimaduras profundas acima de 15% de SCQ limita a utilização desta via. a. Cristalóides isotônicos. Cristalóides, particularmente a solução de Ringer lactato com uma concentração de sódio de 130 mEq/l, são os fluidos de ressuscitação mais comumente empregados no Brasil e nos Estados Unidos. Os estudos experimentais originais de Baxter revelaram que a administração de plasma não era mais efetiva do que a de cristalóides até 24 h após a queimadura. Durante este período, não existiria uma membrana semipermeável funcionante no espaço intracelular que mantivesse um gradiente coloidosmótico gerado pelas proteínas. Desta maneira, pelo menos inicialmente, o volume plasmático funcional poderia ser restaurado apenas com a expansão do espaço extracelular como um todo. Entretanto, tem sido demonstrado que os capilares nos tecidos não-queimados e nos pulmões mantêm relativamente inalteradas suas características de permeabilidade às proteínas. O volume de cristalóides requerido seria relacionado primariamente ao déficit calculado de sódio, estimado por Baxter em 0,5-0,6 mEq ö %SCQ ö peso do paciente. A quantidade de cristalóides necessária é também dependente dos parâmetros utilizados na monitoração da ressuscitação; se um fluxo urinário de 0,5 ml/kg de peso corporal por hora é considerado como indicação de perfusão adequada, de 3 a 4 ml ö kg ö %SCQ serão necessários nas primeiras 24 horas. A fórmula de Parkland calcula o fluido requerido nestas primeiras 24 horas em 4 ml x kg x %SCQ. Se um fluxo urinário de 1 ml/kg/h é julgado necessário, como nos casos em que existe mioglobinúria (p. ex., casos de queimaduras elétricas), logicamente mais fluido será necessário e resultará mais edema. A fórmula de Parkland sugere que 50% do fluido estimado sejam infundidos nas primeiras oito horas, pois este é o período em que ocorrem as maiores perdas, devido aos fatores descritos previamente. Uma substancial parte do cristalóide infundido nas 16 horas seguintes (25%, 8 h + 25%, 8 h) termina no tecido não-queimado, aumentando também o edema.

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b. Solução salina hipertônica. O uso destas soluções tem sido defendido por Monafo e por outros autores. Eles sugerem que menores volumes de fluido (com dose total de sódio similar, porém com aproximadamente dois terços da dose de água) são requeridos, quando comparados com a ressuscitação com Ringer lactato. Desta maneira, os autores conseguem uma ressuscitação satisfatória, com uma menor incidência de edema nos tecidos nãoqueimados e suas seqüelas. Entre as desvantagens descritas encontram-se a maior complexidade relativa e a necessidade de maior observação do paciente, com riscos potenciais de hipernatremia, coma hiperosmolar e alcalose. Existe ainda a possibilidade de se agravar uma insuficiência renal instalada previamente. c. Infusões de proteínas. As opiniões dos diversos autores podem ser divididas em três escolas de pensamento: (a) as soluções de proteínas não devem ser infundidas nas primeiras 24 horas; (b) proteína, especificamente a albumina, pode ser infundida desde o início da ressuscitação hídrica, juntamente com cristalóides, e usualmente adicionada a soluções salinas; (c) a infusão de proteína deve ser iniciada de 8 a 12 horas após a queimadura, utilizando-se estritamente cristalóides, ou colóides não-protéicos nas primeiras 8-12 horas, porque a maioria das perdas de fluidos ocorre durante este período. Como os tecidos não-queimados parecem recuperar a permeabilidade normal rapidamente após a queimadura e a hipoproteinemia pode acentuar o edema, a primeira opção parece a menos apropriada. Demling e cols. também demonstraram experimentalmente que a restauração e a manutenção do conteúdo de proteínas plasmáticas não são efetivas até oito horas após a queimadura. Parece-nos então que a terceira opção seria a mais apropriada, pois após a oitava hora os capilares dos tecidos não-queimados teriam a capacidade de reter as proteínas infundidas, contribuindo para a manutenção de uma pressão oncótica efetiva no espaço intravascular. A escolha do tipo de solução de proteínas é também controversa. As soluções de albumina são comprovadamente as mais ativas; entretanto, seu custo é muito elevado. O plasma fresco contém todas as frações protéicas, possui um menor custo, porém tem um risco aumentado de transmissão de doenças. Desta maneira, se possível, devem-se utilizar as soluções de albumina e, chamamos a atenção, na forma de infusões contínuas, não em bolus. Está claro que nem todo paciente queimado grave requer grandes infusões e proteína; porém, queimados acima de 50% de SCQ, pacientes mais velhos e aqueles com injúrias de inalação concomitantes, não apenas desenvolvem menos edema, como parecem conseguir uma melhor estabilidade hemodinâmica com a infusão de proteínas. d. Colóides não-protéicos. A dextrana é um colóide que consiste em moléculas de glicose polimeralizadas em cadeia, para formar um polissacarídeo de alto peso molecular. A dextrana com a média de peso molecular (pm) em torno de 40.000 é conhecida como dextrana de baixo peso molecular, em contraposição à dextrana de pm 70.000, mais utilizada na Inglaterra, e a de pm 150.000, mais utilizada na Suécia. A dextrana é excretada 60

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pelos rins, com 40% sendo removidos em 24 horas e o restante sendo lentamente metabolizado. A dextrana 40 é mais rapidamente eliminada pelos rins. Ela é empregada com o objetivo de aumentar a pressão coloidosmótica do plasma e é bastante eficiente. Um grama de dextrana retém 20-30 ml de água, enquanto 1 g de proteína retém 13 ml. Segundo Demling, o débito cardíaco é significativamente maior, e o hematócrito é menor durante a sua infusão, quando comparada com o débito encontrado com o uso apenas de Ringer lactato, indicando um aumento no volume intravascular. Entretanto, nenhum tipo de dextrana atenua o edema nos tecidos queimados, já que aí o grau de aumento da permeabilidade capilar é muito grande. A dextrana também não previne a hipoproteinemia no período pós-queimadura. Aparentemente, a combinação de proteínas e colóides nãoprotéicos apresenta as melhores vantagens práticas e teóricas em maximizar o volume sangüíneo e minimizar o edema tissular. A dextrana efetivamente mantém a perfusão tissular e o débito cardíaco, evitando a necessidade do uso de infusões de proteínas mais caras no período inicial de perdas rápidas de fluidos e proteínas. Uma taxa de infusão de dextrana de pelo menos 2 ml/kg/h, equivalendo a aproximadamente 35 gotas por minuto, é requerida para manter níveis plasmáticos de dextrana em torno de 2 g/dl, maximizando os seus efeitos coloidosmóticos e de retenção de volume. A dextrana melhora o fluxo na microcirculação pela diminuição da agregação dos eritrócitos; entretanto, pode causar problemas de coagulação relacionados à adesividade plaquetária. 2. A escolha dos fluidos. Seria pouco sensato utilizar um único fluido de ressuscitação para todos os pacientes. Cada uma das soluções apresentadas tem propriedades particulares, tornando-as mais vantajosas em determinadas circunstâncias. A maioria dos pacientes jovens (exceto as crianças muito jovens), com queimaduras abaixo de 50% da SCQ e sem queimadura pulmonar, pode ser ressuscitada com cristalóide isotônico (Ringer lactato), com adição posterior de proteínas. Pacientes jovens com queimaduras acima de 50% de SCQ, para evitar edema generalizado, podem beneficiar-se do uso de soluções salinas hipertônicas, utilizadas cuidadosamente. Pacientes com queimaduras faciais e injúria respiratória também podem beneficiar-se desta abordagem, adicionando-se proteínas posteriormente. Um método alternativo utilizado nesses pacientes com queimaduras de face e injúria respiratória, nos pacientes com queimaduras extensas, em extremos de idade, nos pacientes admitidos em choque ou que foram maltratados nas primeiras horas de queimadura seria o uso de dextrana e cristalóides nas primeiras oito horas, seguidos de infusão de proteínas e cristalóides, conforme necessário, após estas primeiras oito horas. Todas as abordagens, inclusive a própria fórmula de Parkland, prevêem o uso de colóides protéicos e água livre (SGI — soro glicosado isotônico), nas 24 horas seguintes ao primeiro dia, para manutenção de um fluxo urinário de 0,5-1,0 ml/kg/h (Quadros 4-5 e 4-6).

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3. Monitoração. Muitos parâmetros clínicos têm sido utilizados para o acompanhamento da evolução adequada da ressuscitação hídrica (ver Quadro 4-7). Pacientes em que se infunde grande quantidade de líquidos, como nos queimados graves, devem ser acompanhados cuidadosamente, e um limite entre o que é considerado perfusão aceitável e hiperhidratação deve ser constantemente avaliado. O risco maior é o de insuficiência cardíaca congestiva, seguida de edema pulmonar agudo e morte. O fluxo horário de urina é um guia extremamente útil, porque a manutenção de um fluxo sangüíneo renal reflete uma perfusão adequada dos outros órgãos. Um fluxo urinário de 0,5-1,0 ml/kg/h em adultos e de 1,0 ml/kg/h em crianças é considerado adequado. É importante frisar que, nas ressuscitações em que são utilizadas soluções salinas hipertônicas ou dextrana, pode ocorrer aumento do fluxo urinário pela elevação da pressão osmótica intravascular, não refletindo uma perfusão verdadeiramente adequada dos diversos órgãos. Por esta razão, estes fluidos de ressuscitação devem ser utilizados por equipes com maior experiência, em hospitais mais bem-aparelhados. Nestes casos, é útil a introdução do cateter de Swan-Ganz, que nos fornece a pressão venosa central, a pressão capilar pulmonar (que indiretamente nos dá a pressão de enchimento do ventrículo esquerdo) e o débito cardíaco. As injúrias pulmonares potencializam as necessidades totais de fluidos, possivelmente porque os pulmões lesados agiriam como reservatório adicional de fluidos. As queimaduras elétricas também necessitam de maior aporte de fluidos, porque precisam manter um fluxo de urina horário mais intenso, para possibilitar a adequada eliminação de pigmentos depositados nos túbulos renais (mioglobinúria), oriundos do maior dano tissular (inclusive rabdomiólise) provocado por este tipo de queimadura. A alcalinização da urina, obtida pelo uso endovenoso de bicarbonato de sódio, ajuda a impedir a insuficiência renal, que ocorre devido à deposição desses pigmentos nos túbulos renais. De maneira semelhante, as queimaduras envolvendo mais de 80% de SCQ, ou associadas a traumas por esmagamento, geralmente requerem maior volume de líquido, porque podem estar associadas a danos tissulares mais profundos e a uma maior destruição eritrocitária, fatores que favorecem a mioglobinúria. As grandes destruições tissulares também favorecem a hiperpotassemia, algumas vezes requerendo ajustes hidroeletrolíticos. Nestes casos, também, a possível associação de coagulação intravascular disseminada desaconselha a utilização de colóides não-protéicos (dextrana) na fase aguda. As queimaduras associadas a politraumatismos geralmente também necessitam de maior volume de fluidos e, quando associadas à hemorragia, pode ser necessário o uso do sangue total como parte do esquema de ressuscitação hídrica, substituindo os colóides protéicos utilizados usualmente. A administração precoce de sangue total nesses casos pode favorecer uma estabilização mais rápida do paciente. Pacientes com doenças pulmonares e cardíacas preexistentes exigem monitoração rigorosa e cuidados especiais durante a ressuscitação hídrica, para que não seja ultrapassada sua capacidade cardiopulmonar. Se esses pacientes se encontram em uso de diuréticos, não é incomum que os níveis séricos de potássio se

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tornem criticamente baixos na fase aguda, exigindo suplementação de potássio, especialmente se tais pacientes fazem uso concomitante de digitálicos. Lactentes e crianças requerem um fluxo urinário horário de 1 ml/kg/h. Uma diminuição das reservas de glicogênio, com potencial hipoglicemia grave na criança jovem, torna necessária a monitoração seriada dos níveis de glicemia, com a possível necessidade de inclusão de soro glicosado, já na fase inicial de ressuscitação. Os pacientes diabéticos queimados necessitam de cuidados especiais. Nos pacientes diabéticos que faziam uso de insulina antes do acidente, pode ser necessário o uso de soro glicosado nas primeiras fases da ressuscitação. A hiperglicemia com diurese osmótica pode ocorrer, tornando o fluxo urinário horário um parâmetro irreal. O uso de soluções salinas hipertônicas pode favorecer o coma hiperosmolar. Finalmente, os níveis séricos de potássio devem ser acompanhados de perto quando glicose e insulina são administradas conjuntamente. Nos pacientes com insuficiência renal, os fluidos de ressuscitação devem ser titulados cuidadosamente, utilizando-se outros parâmetros que não o fluxo horário de urina. Após o trauma, o paciente com queimadura de moderada a grave apresentará níveis aumentados de glicemia e íleo paralítico. Como habitualmente o paciente encontra-se em estado nutricional adequado antes do trauma, pode-se adiar o início de alimentação enteral para após 72 horas. C. Cuidados iniciais com as feridas. Paralelamente ao tratamento local definitivo das queimaduras, para o qual várias opções técnicas são aceitáveis, os cuidados locais iniciais no paciente queimado são mais padronizados e não trazem muitas controvérsias.

Os objetivos dos cuidados locais iniciais nas queimaduras são: a preservação dos elementos dérmicos poupados para injúria original nas queimaduras de espessura parcial; o controle da infecção nas queimaduras de espessura total; a manutenção da perfusão sangüínea adequada das extremidades; a manutenção da capacidade de expansibilidade torácica adequada. Na fase aguda das queimaduras, para se atingirem os dois primeiros objetivos, a maioria dos autores concorda em que a limpeza das feridas, a tricotomia dos pêlos nas áreas afetadas e próximas, o desbridamento das bolhas e dos tecidos desvitalizados e a realização de curativos, oclusivos ou não, são medidas efetivas e que aumentam o conforto do paciente. Para se atingirem os dois últimos objetivos, também parece não haver controvérsias quanto à necessidade de realização de escaratomias no tórax e nas extremidades afetadas por queimaduras de espessura total circunferenciais. Dependendo da avaliação da gravidade das queimaduras, os cuidados iniciais com as feridas podem ser realizados no ambulatório, no quarto do paciente, na Unidade de 63

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Tratamento Intensivo ou na sala de cirurgia. Nas queimaduras de intensidade leve a moderada, a sedação do paciente é feita com solução diluída de meperidina (uma ampola diluída em 8 cc de água destilada, aplicando-se 22 cc a 4 cc da solução EV e repetindo-se a dose, se necessário, de hora em hora). Nas queimaduras de intensidade moderada a grave, torna-se necessário o uso de sedação mais intensa, ou anestesia geral. As escaratomias (incisões das escaras de queimadura até o tecido subcutâneo) são necessárias porque as queimaduras de espessura total resultam em escaras inelásticas. A constrição causada por escaras circunferenciais inelásticas, agravada pelo acentuado edema dos tecidos subjacentes, inicialmente causa estase venosa, que piora o edema. O processo acaba levando à insuficiência arterial das extremidades. Quando se nota, na avaliação inicial, que um ou mais membros apresentam queimaduras de espessura total circunferenciais, o cirurgião deve antecipar a necessidade de realização de escaratomias e pesquisar a perfusão capilar diminuída, cianose e o resfriamento das extremidades. Se o paciente está consciente, sintomas como dor, parestesias e inabilidade de movimentação dos dedos devem ser levados em consideração. Escaras circunferenciais inelásticas no tórax podem restringir gravemente os movimentos respiratórios e contribuir para a insuficiência respiratória. As incisões das escaratomias no tórax são realizadas ao longo das linhas axilares anteriores, e, se necessário, prolongam-se tais incisões ao longo do epigástrio, até a linha média. As incisões nas extremidades são realizadas na suas faces laterais e mediais. Quando as incisões são completadas, as escaras se separam em placas e a circulação melhora dramaticamente. As queimaduras podem ser tratadas de uma maneira “aberta” ou “fechada”, dependendo de sua localização, gravidade e idade do paciente. Por exemplo; queimaduras na face, no períneo e queimaduras extensas que acometem as porções dorsais e ventrais do organismo são convenientemente tratadas de maneira “aberta”. Queimaduras de mãos ou pés em crianças jovens, em adultos não-cooperativos e em pacientes com queimaduras leves que serão atendidos ambulatorialmente são mais bem tratadas na fase aguda, com curativos oclusivos. Esses curativos são feitos após limpeza, tricotomia e desbridamento das lesões. A limpeza das lesões é realizada com produtos à base de PVP-I (polivinilpirrolidona-iodo a 10%), degermantes ou de uso tópico, e soro fisiológico. Estes procedimentos podem ser realizados na maca do ambulatório, na banheira do quarto do paciente, na mesa operatória da sala de cirurgia ou no leito da UTI, conforme a gravidade das queimaduras e o estado geral do paciente. Após esses cuidados, se a opção escolhida foi o tratamento “aberto”, preferimos utilizar uma pomada oftálmica nas proximidades dos olhos e uma pomada à base de neomicina, em camada fina, nas queimaduras de espessura parcial. Optamos geralmente por esses produtos pela sua capacidade de lubrificar bem as lesões e evitar o seu ressecamento; nova limpeza e

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novas camadas são aplicadas sempre que necessário. Nas queimaduras mais profundas, utilizamos a sulfadiazina de prata. Se a opção é pelo tratamento “fechado”, realiza-se curativo oclusivo. Nas queimaduras de espessura parcial, preferimos utilizar gaze vaselinada, uma camada fina de gaze úmida com soro fisiológico, uma camada mais espessa de gaze seca e enfaixamento. Nas queimaduras mais profundas, utilizamos sulfadiazina de prata, uma camada espessa de gaze seca e enfaixamento. Alguns tipos de queimaduras requerem cuidados iniciais diferenciados. As queimaduras químicas, por exemplo, requerem uma lavagem copiosa o mais rapidamente possível, de preferência com muita água no próprio local do acidente e depois com sabões líquidos e muito soro fisiológico, no hospital. A diluição rápida e eficaz dos agentes químicos é a melhor solução contra o agravamento das lesões iniciais. Nas queimaduras elétricas, as lesões de entrada e saída de corrente geralmente acometem uma pequena porcentagem da superfície corporal e não exprimem a verdadeira gravidade dessas queimaduras. A corrente elétrica atravessa o interior dos tecidos e pode lesá-los, principalmente os sistemas vascular e muscular da área atingida. Se as extremidades forem atingidas, devem ser realizadas fasciotomias, e não escaratomias, pois existem lesões profundas, inicialmente inaparentes, que levarão a um acentuado edema muscular. Os músculos, contidos pelas respectivas fáscias e aponeuroses, podem, então, levar à insuficiência vascular do membro atingido, tornando-se imperiosa a abertura dessas fáscias. O ponto comum de todas as técnicas aceitáveis de tratamento local das queimaduras, de qualquer etiologia, é o cuidado meticuloso e diário das feridas, para prevenção do ressecamento e da infecção, fatores que podem levar à destruição dos elementos dérmicos poupados pela injúria inicial. D. Agentes tópicos. O uso de agentes tópicos efetivos no controle bacteriano das escaras de queimadura provém dos anos 60, quando se popularizou o uso do nitrato de prata, em soluções a 0,5%, da sulfadiazina de prata e do mafenide (Sulfamylon®). Estas drogas são as únicas que comprovadamente têm a capacidade de penetrar nas escaras de queimaduras (citadas na ordem crescente de capacidade de penetração) e controlar de maneira efetiva a proliferação bacteriana, evitando a septicemia pela infecção das feridas em grande número de pacientes. Outros agentes, como o creme de gentamicina e a polimixina B, apresentam uma incidência inaceitável de oto e nefrotoxicidade e possibilitam o rápido surgimento de cepas bacterianas resistentes. As pomadas de PVP-I têm sido comumente utilizadas na Europa, mas não se mostraram tão efetivas quanto os agentes citados, em testes laboratoriais, ou séries clínicas, e incidências de toxicidade têm sido relatadas. Outros agentes, como a nitrofurazona (Furacin®) e a rifampicina (Rifocina®), apresentam alta incidência de resistência bacteriana e de reações alérgicas. O nitrato de prata, em solução a 0,5%, é um agente efetivo, mas pode causar hiponatremia e convulsões em crianças pequenas, e não é efetivo em pacientes que já apresentem escaras infectadas em profundidade. Tem, também, o inconveniente de escurecer as lesões e tudo aquilo com que entra em contato. 65

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O mafenide (Sulfamylon®) apresenta melhor capacidade de penetração na escara e supressão de proliferação bacteriana. Apresenta, entretanto, algumas desvantagens: é muito doloroso a cada aplicação e pode levar a erupções macropapulares em cerca de 5% dos pacientes. É também inibidor da anidrase carbônica, podendo levar a acidose metabólica e alcalose respiratória compensatória. Seu uso em pacientes com injúrias e doenças pulmonares deve ser questionado. A sulfadiazina de prata permanece como a droga de escolha na maioria dos Centros de Queimados. Ela apresenta uma boa capacidade de penetração nas escaras, controla a proliferação bacteriana, é eficaz contra um amplo espectro de microrganismos, é pouco dolorosa e de fácil aplicação. Pode ser utilizada com técnica “aberta”, ou com curativos oclusivos, trocados uma ou duas vezes ao dia. Apresenta uma pequena incidência de reações de hipersensibilidade, podendo levar à neutropenia. Concluindo, não existem evidências científicas que recomendem a utilização de rotina, nos queimados graves, de quaisquer outros agentes tópicos que não o nitrato de prata, em solução a 0,5%, o mafenide ou a sulfadiazina de prata. Referências 1. Arturson G, Hedlund A. Primary treatment of 50 patients with high-tension electrical injuries: I. Fluid resuscitation. Scand J Plast Reconst Surg 1984; 18: 111-8. 2. Aulick IH, Hander EH, Wilmore DW et al. Significance of thermal and metabolic demands on burn hypermetabolism. J Trauma 1979; 19: 559-66. 3. Baxter CR. Fluid volume and electrolyte changes of the early post-burn period. Clin Plast Surg 1974; 1(4): 693-709. 4. Baxter CR. Problems and complications of burn shock resuscitation. Surg Clin North Am 1978; 58: 1.313-22. 5. Baxter CR, Shires T. Physiological response to crystalloid resuscitation of severe burns. Ann NY Acad Sci 1968; 150: 874-93. 6. Bingham H. Electrical burns. Clinics in Plastic Surgery, 1986; 13(1): 75-86. 7. Burdge JJ, Conkright JM, Ruberg RL. Nutritional and metabolic consequences of thermal injury. Clinics in Plastic Surgery 1986; 13(1): 49-55. 8. Converse JM, Wood-Smith D. Electrical burns. In: Converse JM et al. Reconstructive Plastic Surgery. Philadelphia: W.B. Saunders Co., Vol. 1, 1977: 512-6. 9. Costa SM, Tostes ROG. Queimaduras. In: Savassi, PRR, Fonseca FP. Cirurgia Ambulatorial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1979: 97-106.

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Capítulo 05 - Atendimento Clínico-Hospitalar ao Paciente Queimado Luiz Wellington Pinto I. Generalidades As queimaduras podem ser resultantes de explosões, acidentes com água quente, gás propano, acidentes de trabalho em grandes indústrias e, às vezes, são resultado de injúrias associadas, devido a explosões e mesmo lesões a alguma distância. Fraturas, traumas abdominais, traumatismos torácicos (contusão miocárdica, contusões pulmonares) são freqüentes, assim como queimaduras das vias aéreas, principalmente em ambientes fechados. Ao se admitir um paciente queimado na unidade de internação específica, deve-se pesquisar na história clínica do mesmo a ocorrência de alguma moléstia prévia, incluindo diabetes, hipertensão, patologia cardíaca e pulmonar, ou doença renal. Uma vez que boa parte dos pacientes irá necessitar de terapia tópica ou sistêmica com um certo número de drogas, é crucial que a ocorrência de alergia e sensibilidade seja documentada. É de particular importância a pesquisa de sensibilidade à sulfa — um dos agentes antimicrobianos tópicos mais freqüentemente usados. A significativa suscetibilidade à infecção por tétano deve ser levada em conta, e a imunização deve ser deliberada com profilaxia apropriada. II. Critérios Para Admissão Hospitalar A. Queimadura grande. É encontrada em todos os pacientes com mais de 30% de área corporal queimada (20% em criança). Os pacientes com 10% de área queimada (ou mais) devem ser hospitalizados, caso existam lesões de face, olhos, ouvidos, mãos, pés e períneo. Outras indicações para internação com área queimada de 10% ou mais incluem queimaduras elétricas com alta voltagem e queimaduras complicadas com inalação. B. Queimadura moderada. Inclui injúria parcial de 15 a 25% de superfície corporal queimada (SCQ) em adultos e 10 a 20% em crianças — esta categoria exclui queimaduras por alta voltagem, pacientes queimados complicados por inalação e outras lesões com riscos menores para o paciente. III. Tratamento Inicial de Queimados Internados. Após a internação, vários cuidados são feitos, buscando-se evitar medidas invasivas. As dissecções de veia, as punções de subclávia e o uso de sondas são normalmente feitos apenas quando não se podem evitar tais medidas, pois podem ser vias de infecção. Cuidados e observações clínicas e laboratoriais são importantes; assim, suspeitas de comprometimento pulmonar devem ser pesquisadas, como também possíveis injúrias ao coração, nos casos de queimaduras elétricas — nestes casos, deve-se realizar pelo menos um eletrocardiograma do paciente. 69

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As vias aéreas subglóticas são protegidas de injúrias térmicas diretas pela laringe, mas estas vias são extremamente suscetíveis à obstrução quando expostas ao ar superaquecido e a chamas. Inicialmente, o paciente queimado pode ter somente poucos sinais de distúrbios de vias aéreas, mas queimaduras de face, alterações inflamatórias agudas de orofaringe, escarro carbonificado e mudanças sensoriais alertam para a probabilidade de injúria por inalação. A. Ressuscitação eletrolítica e fluidos iniciais. A reposição hidroeletrolítica e de volemia é abordada no Cap. 4, Queimaduras — Fase Aguda. B. Função cardíaca após queimadura. Concomitantemente à grande redução do plasma e do volume extracelular, há alteração drástica da função cardíaca. Imediatamente após a queimadura, há rápida queda do débito cardíaco. Com terapia de reposição, o débito cardíaco pode ser normalizado rapidamente. Causa ou causas precisas de depressão da função miocárdica não são conhecidas, mas é bastante provável que a presença deste fator seja peça fundamental na explicação da queda ocorrida precocemente no débito cardíaco logo após a ocorrência do acidente. O fator depressor do miocárdio aparentemente não apresenta conseqüências nas queimaduras de 40% ou menos (exceto quando essas queimaduras são todas de espessura total). Nas queimaduras envolvendo entre 40 e 60% da superfície corporal, este fator desempenha papel variado e, nas queimaduras que envolvem mais de 60% da área corporal, ele provavelmente é a causa primária da ineficácia das medidas de ressuscitação. C. Função pulmonar após a queimadura. As alterações na função pulmonar não mostram quaisquer características da queimadura, o que ocorre a qualquer outro tipo de trauma. O aumento generalizado da ventilação é proporcional à magnitude do trauma. A hiperventilação é detectável pelo menos no terceiro dia; atinge o máximo aproximadamente em cinco dias e, a menos que outras complicações sobrevenham, declina gradualmente. O consumo de oxigênio mostra aumento acentuado, mas aparentemente independe do desempenho ventilatório na ausência de qualquer obstáculo significativo às trocas respiratórias. Nenhuma mudança na complacência estática da capacidade vital forçada tem sido demonstrada. A resistência das vias aéreas pode estar elevada em alguns casos de lesão por inalação, mas é geralmente normal nos outros casos. D. Outras complicações das queimaduras. A viscosidade sangüínea aumenta de forma bastante rápida após a queimadura e é proporcional ao aumento do hematócrito. A viscosidade é em muito influenciada pela efetividade da terapia de reposição hídrica. A adesividade plaquetária está aumentada. A queda inicial de fibrinogênio é seguida de recuperação gradual após 36 horas, com súbito aumento, que persiste por três a quatro meses. A elevação das enzimas hepáticas é imediata, com rápido aumento por dois a três dias até um platô no qual ela persiste por várias semanas, sendo seguida por declínio gradual. Acredita-se que estas alterações sejam devidas à obstrução da função hepática. A icterícia 70

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não é rara, mas geralmente está associada à sepse, sendo dela um pródromo. Ácidos graxos livres e triglicerídeos estão elevados proporcionalmente à área queimada, mas essa elevação se dá apenas por breve período. As determinações de renina, angiotensina, assim como ACTH e cortisol, mostram aumentos proporcionais à área queimada e com longa persistência. Proteínas plasmáticas mostram uma queda rápida e persistente, com determinações protéicas totais abaixo de 40 g por 100 ml. A perda é principalmente de albumina, com inversão da taxa albumina/globulina. As imunoglobulinas apresentam queda imediata, seguida por elevação lenta. IV. Tipos de Infecção e Seus Efeitos no Paciente Queimado A. Resposta geral à infecção. Devido à natureza do traumatismo, as feridas por queimaduras são invariavelmente contaminadas por micróbios. Uma vez que a incidência de infecção no paciente varia claramente com o tamanho da queimadura, sendo algumas vezes difícil determinar a presença e o grau de infecção em pacientes com queimaduras extensas, são necessárias vigilância constante e avaliações repetidas. A idade altera a incidência de infecção, e pacientes com mais de 60 anos sofrem muito mais infecções do que os de outras faixas etárias. Finalmente, a incidência e a gravidade de infecções dependem do estado geral e nutricional do paciente e do tipo de organismo infectante. A presença de microrganismo no tecido necrótico das feridas causadas por queimaduras e a elaboração de pirogênios endógenos levam ao surgimento de febre, um achado freqüente em pacientes com queimaduras extensas. Nas complicações sépticas, a temperatura pode subir, permanecer constante ou até mesmo cair, sendo a hipotermia profunda uma indicação de septicemia. A contagem de glóbulos brancos é importante para o acompanhamento clínico, sendo que o desvio da contagem para formas mais imaturas da série neutrofílica sugere fortemente o desenvolvimento de infecção séria. Na infecção avançada pode haver hipotensão, íleo paralítico, diminuição da perfusão das extremidades, taquicardia, hiperpnéia e perda do nível de consciência. É bom lembrar que, muito embora sinais e sintomas específicos possam estar ausentes, quase sempre há um aumento das necessidades metabólicas do paciente, devido ao hipercatabolismo. B. Infecções locais das queimaduras. Quando as queimaduras são disseminadas, as lesões diferem consideravelmente em extensão, profundidade e exposição às bactérias. As lesões queimadas podem apresentar-se extremamente infectadas em algumas áreas, enquanto em outras não são e não permanecem infectadas. Assim, infecções das feridas causadas por queimaduras são classificadas como não-invasivas ou invasivas. 1. Infecção não-invasiva. As lesões por queimadura nunca são estéreis, apesar de relatos afirmarem o contrário. A escara, sendo um material morto e desnaturado, permite o crescimento de grande variedade de microrganismos. No início, crescem poucos organismos, sendo a colonização progressiva. Durante a segunda e a terceira semanas após a queimadura, o desenvolvimento de um tecido de granulação entre tecido viável e não71

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viável está associado com resistência aumentada à invasão. O número de bactérias no exsudato ou na escara pode variar de 10 (raramente) a 10 bilhões por grama de tecido, sem evidência de invasão do tecido adjacente normal. Entre as manifestações sistêmicas temos picos febris leves ou moderados, leucocitose sem desvio para a esquerda, tecido sadio biopsiado, e geralmente há menos de 100.000 organismos por grama de tecido. 2. Infecção invasiva. O tecido de granulação invadido torna-se edemaciado e pálido, e não sangra vivamente quando desbridado por gaze ou bisturi. À medida que a infecção progride, a superfície torna-se seca, e formam-se crostas ou até mesmo tecido francamente necrosado. Se a escara não se separou, a invasão, mais difícil de ser detectada clinicamente, e as biópsias podem ser úteis, uma vez que culturas quantitativas do tecido normal caracteristicamente mostram mais de 100.000 bactérias por grama de tecido. O início da invasão pode ser súbito, mas a infecção ocorre freqüentemente no paciente que já tenha drenagem purulenta, leucocitose e febre. No início pode haver aumento de neutrófilos, maior elevação da contagem de glóbulos brancos, febre crescente e calafrios. À medida que o processo avança, o paciente torna-se hipotérmico, e com leucometria global diminuída, embora ainda haja desvio para a esquerda. Para que a recuperação seja alcançada, este tipo de infecção requer detecção imediata e terapia vigorosa. C. Infecção por microrganismos específicos 1. Streptococcus do grupo A. Patógeno altamente transmissível que pode causar deterioração abrupta na ferida com rápida progressão para a morte. A infecção está associada a aumento da dor local, eritema, endurecimento e edema. O sinal mais característico é o eritema, estendendo-se a partir das margens das lesões. Os pacientes podem apresentar picos febris, eritema de face e taquicardia, e choque tardiamente. As infecções por Streptococcus são vistas na primeira semana após traumatismos pela queimadura. Os Streptococci respondem prontamente à terapia penicilínica. Entre drogas alternativas, temos a eritromicina, a cefalosporina e a clindamicina. 2. Staphylococcus aureus. Infecções invasivas das lesões por queimaduras pelo Staphylococcus aureus têm evolução mais insidiosa, decorrendo freqüentemente dois a cinco dias do início dos sintomas até a infecção estar inteiramente estabelecida. Os pacientes tornam-se desorientados, hiperpiréticos com leucocitose, íleo adinâmico, choque e insuficiência renal. As infecções causadas por Staphylococcus aureus geralmente respondem a um derivado da penicilina resistente à penicilinase (nafcilina e meticilina), a cefalosporinas, eritromicina e vancomicina. Não é infreqüente ocorrer superinfecção após antibioticoterapia sistêmica. 3. Pseudomonas aeruginosa. Este microrganismo pode tornar-se altamente virulento em um paciente queimado imunodeprimido. Ele cresce em muitos meios, até mesmo em feridas causadas por queimadura. A invasão pode ser abrupta ou lenta. Tipicamente, as feridas começam apresentando uma secreção esverdeada e fétida por um período de dois a três dias e, nos casos avançados, a escara torna-se seca com exsudato esverdeado e áspero, freqüentemente progredindo para áreas esparsas de necrose. O ecthyma gangrenosum é

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uma lesão necrótica que ocorre em tecido não-queimado, associado com envolvimento metastático. As drogas normalmente usadas são a carbenecilina e a ticarcilina, associadas com aminoglicosídeos. As cefalosporinas de terceira geração têm sido usadas, sendo algumas delas reservadas para infecções graves. A ceftazidima mostra eficácia comparável à associação gentamicina-carbenecilina-cefalotina. As quinolonas e o imipenem têm sido descritos como possuidores de ação contra algumas cepas de Pseudomonas. 4. Outras bactérias aeróbicas gram-negativas. No passado foi registrado um número crescente de infecções por Escherichia, Klebsiella, Proteus e Providencia. Estes microrganismos colonizam a ferida por autocontaminação e provêm do ambiente. A droga inicial de escolha para tratamento de feridas por bactérias gram-negativas são os aminoglicosídeos, podendo também ser usadas as cefalosporinas (principalmente de terceira geração em quadros graves). 5. Anaeróbios. Bacilos do tétano e espécies de clostrídios capazes de causar gangrena gasosa com freqüência contaminam, inicialmente, feridas causadas pelas queimaduras; entretanto, eles são relativamente incomuns. Outras infecções anaeróbias são raras. 6. Candida albicans. A Candida albicans e outras espécies são freqüentemente encontradas em culturas de ferida por queimadura, mas a infecção invasiva é extremamente rara. Quando ocorre tecido de granulação, pode tornar-se seco e liso, com uma cor amarelada ou alaranjada. O diagnóstico pode ser feito por biópsia incisional. A candidíase sistêmica é muito mais comum e está freqüentemente associada a medidas terapêuticas invasivas. O cetoconazol e a anfotericina B são drogas usadas para tratamento da infecção fúngica. V. Tratamento de Infecções em Queimaduras A. Tratamento local das lesões infectadas. O desbridamento agressivo dos tecidos infectados e desvitalizados pode diminuir significativamente a quantidade de bactérias. Quando ocorre infecção da ferida da queimadura, é prudente a mudança do agente tópico. Baxter e cols. descreveram uma técnica de injeção de agentes antibióticos sob a escara quando a infecção da ferida da queimadura é diagnosticada por biópsia incisional e culturas quantitativas. Embora a técnica não seja largamente aplicada, ela parece ser eficaz e deve ser considerada. B. Terapia antibiótica sistêmica. A monitoração cuidadosa seqüencial da flora da ferida da queimadura geralmente fornecerá informação precisa a respeito do organismo predominante que esteja causando lesão invasiva. Pela determinação dos padrões de sensibilidade aos antibióticos do microrganismo predominante, o agente correto para o uso poderá ser utilizado quando houver evidência de invasão sistêmica. Devemos enfatizar que os padrões de sensibilidade dos antibióticos mudam não somente entre hospitais, mas de tempos em tempos dentro de um mesmo hospital, e o conhecimento preciso do antibiótico que mais provavelmente será efetivo contra determinado 73

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microrganismo deverá ser determinado periodicamente dentro de cada ambiente hospitalar. Antibióticos múltiplos devem ser evitados, quando possível. Em pacientes queimados, há uma tendência à manutenção do mesmo esquema antibiótico por longos períodos de tempo. Reavaliações rigorosas para indicação de se continuar a terapia antibiótica devem ser feitas após cinco dias de tratamento e, a seguir, a cada cinco dias. C. Medidas de suporte 1. Nutrição. As relações entre infecção e nutrição são profundas, mas pouco apreciadas. É freqüente, no trauma térmico, não somente a diminuição da ingestão dos nutrientes, como também um aumento das necessidades metabólicas e perdas aumentadas pela ferida da queimadura. Após a queimadura, a perda de 40% ou mais de peso geralmente reflete um estado de má nutrição. A má nutrição pode influenciar marcadamente em vários parâmetros a defesa do hospedeiro, entre eles a habilidade de neutrófilos para ingerirem e destruírem bactérias, síntese de anticorpos específicos contra antígenos específicos, resposta de hipersensibilidade retardada e reatividade vascular. Assim, a nutrição inadequada pode afetar virtualmente cada aspecto da defesa do hospedeiro à infecção. A diminuição da taxa de mortalidade por sepse, após trauma pela queimadura, resulta diretamente da melhora do mecanismo de resistência do hospedeiro contra a infecção, através da prevenção das anormalidades sérias da função dos neutrófilos e melhora da síntese de opsoninas. 2. Sangue e plasma. É geralmente recomendado que se administrem eritrócitos suficientes para impedir o desenvolvimento de anemia, mas há consideráveis divergências de opiniões relacionadas à quantidade ideal total. Sangue total e plasma também contêm quantidades normais de opsonina e, para pacientes que têm deficiências destes componentes, a administração de sangue total ou plasma pode ser benéfica através de reposição passiva. Isto pode ser bom em pacientes com infecções sérias, mas infelizmente a quantidade ótima de plasma para este propósito ainda não foi determinada. Referências 1. American Burn Association. Guidelines for service standards and severity classification in the treatment of burn injury. Bull Am Coll Surg 1984; 69: 24. 2. Bacha EA, Sheridan RL, Donohue GA, Tompkins RG. Staphylococcal toxic shock syndrome in a paediatric burn unit. Burns 1994; 20(6): 499-502. 3. Baxter CR. Fluid volume and electrolyte changes of the early post-burn period. Clin Plast Surg 1974; 1(4): 693-709. 4. Baxter CR, Shires T. Physiological response to crystalloid resuscitation of severe burns. Ann NY Acad Sci 1968; 150: 874-93. 5. Bernad F, Gueugniaud PY, Bertin-Maghit M et al. Prognostic significance of early cardiac index measurements in severely burned patients. Burns 1994; 20(6): 529-31. 74

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Capítulo 06 - Tratamento Inicial do Politraumatizado Marco Tulio Baccarini Pires I. Introdução O paciente politraumatizado é diferente de qualquer outro tipo de doente, pelas próprias circunstâncias que originaram o seu estado; de um modo geral, era uma pessoa hígida e com saúde, até que, subitamente, devido a algum tipo de acidente, passou a se encontrar em estado grave, necessitando de assistência médica imediata, sem que se encontrasse preparado de maneira alguma para tal situação. Para que o êxito no socorro seja obtido, é fundamental que o paciente e suas lesões sejam manuseados corretamente desde o local do acidente, a fim de se evitar o agravamento ainda maior de seu estado (p. ex., avaliar a possibilidade de lesão da coluna cervical, mantendo, neste caso, a cabeça alinhada com o restante do corpo [Fig. 6-1]). II. Escala de Pacientes Críticos. Escalonar as patologias tem-se tornado um método comum de avaliação de pacientes, no sentido de possibilitar um tipo mais rígido de observação e terapia. Estas escalas, entretanto, só deverão ser utilizadas se soubermos compreender totalmente as suas limitações. Elas são de muita utilidade para a comparação dos resultados de diferentes instituições médicas no atendimento dos pacientes politraumatizados. Algumas das escalas, especificamente as mais utilizadas, são descritas a seguir. A. Escala de coma de Glasgow (ver Cap. 57, Comas). A escala de coma de Glasgow verifica a extensão dos comas em pacientes com trauma cranioencefálico e baseia-se em abertura ocular, resposta verbal e resposta motora. O total é a soma de cada resposta, variando de 3 a 15 pontos. Ela é extremamente fácil de ser usada e se incorpora a várias outras escalas. B. Escala de gravidade da lesão (Injury Severity Score — ISS). Esta escala tenta quantificar a extensão de lesões múltiplas; são dadas notas às diferentes regiões e sistemas do corpo. Para a pior lesão em cada região é dado um valor numérico, que é elevado ao quadrado. O ISS é a soma dos quadrados de cada uma das três lesões mais graves. Os valores variam de 0 a 75; quanto maior a nota, maior a mortalidade. Um dos maiores problemas do ISS é considerar apenas a nota mais alta de qualquer região do corpo e considerar lesões de notas iguais como sendo de igual importância, independentemente da região do corpo onde elas ocorram (Quadro 6-1). C. Escala politrauma-Schlussel (PTS). Esta escala foi introduzida em 1985 e se compara, em termos de prognóstico do paciente, ao Injury Severity Score (ISS). Como sua aplicabilidade e seus resultados são bastante similares aos do ISS, ela não será descrita em detalhes.

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D. Escala de Trauma (Trauma Score) e Escala de Trauma Revisada (Revised Trauma Score). A escala de trauma baseia-se na escala de coma de Glasgow e no estado dos aparelhos cardiovascular e respiratório. São dados valores com pesos diferentes a cada parâmetro. Os valores da escala de trauma variam de 1 a 16 (Quadro 6-2). Avaliações posteriores demonstraram que a escala de trauma subestimava a importância dos traumas cranianos, sendo então desenvolvida a escala de trauma revisada (RTS) (Quadro 6-3). Ela se baseia na escala de coma de Glasgow, na pressão arterial sistólica e na freqüência respiratória. Valores com pesos diferentes são atribuídos a estes parâmetros, que então devem ser somados; os valores mais altos obtidos associam-se a um melhor prognóstico. E. Escala CRAMS (Circulation, Respiration, Abdomen, Motor, Speech). Esta escala, que se baseia em dados da circulação, respiração, de abdômen, motricidade e fala, conseguiu alguma aceitação regional nos Estados Unidos. Quanto menor a pontuação CRAMS, maior a necessidade de terapia intensiva. Ela pode ser usada para uma avaliação rápida (p. ex., por paramédicos atendendo no local de um acidente) (Quadro 6-4). F. Escala Apache III (Acute Physiology, Age, Chronic Health Evaluation). Esta escala de pacientes críticos é muito utilizada, permitindo comparações entre grupos de pacientes de uma mesma ou de diferentes instituições. O sistema Apache III tem por objetivo estimar o risco de um paciente vir a falecer, e consiste de duas opções: (1) uma escala e (2) uma série de equações preditivas, que podem ser usadas para estimar a mortalidade hospitalar de um dado paciente em momentos diferentes de sua permanência em um Centro de Tratamento Intensivo. São 17 as variáveis fisiológicas utilizadas; o Apache III utiliza ainda uma escala de coma, a idade e a presença de outras condições de morbidade. Por ser principalmente utilizada em terapia intensiva, com menor aplicação na fase aguda do trauma, e também de grande complexidade (devido ao número de variáveis usadas), não descreveremos a Escala Apache em detalhes. III. Preparo Para o Atendimento ao Paciente Traumatizado. O esquema de atendimento ao paciente politraumatizado deve incluir duas diferentes situações — o atendimento pré-hospitalar e o atendimento hospitalar. A. Fase pré-hospitalar. Deve existir uma coordenação central na comunidade (no Brasil, em muitos estados, realizada pelo Corpo de Bombeiros) que receba o pedido de socorro e que envie a unidade móvel mais próxima (e/ou a mais bem equipada para cada tipo específico de atendimento), para realizar o socorro emergencial. Uma central deve receber todas as informações da unidade móvel a respeito das condições clínicas do doente e repassá-las ao hospital que irá receber o paciente, antes de sua chegada ao hospital. A ênfase deve ser centrada na manutenção das vias aéreas, controle dos sangramentros externos, imobilização do paciente e transporte imediato. Além de procurar diminuir o tempo de permanência no local do acidente e agilizar o transporte, os socorristas devem obter dados referentes à hora do trauma, eventos relacionados ao acidente e história pregressa do paciente. 77

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B. Fase Hospitalar. Na sala de emergência, de posse das informações recebidas da Central de Atendimento, deve ser feito um preparo para a chegada do doente (material de intubação, soluções salinas aquecidas, preparo dos monitores, comunicar à radiologia para que esta se prepare etc.). O pessoal que recebe este tipo de paciente deve encontrar-se paramentado, para proteção individual contra hepatite, AIDS etc. IV. Prioridades na Avaliação e Ressuscitação do Paciente Politraumatizado. O processo de identificação e abordagem do politraumatizado constitui o ABC do trauma preconizado pelo ATLS (Advanced Trauma Life Support, do American College of Surgeons), sendo capaz de identificar condições de risco de vida: A Via aéreas (com imobilização cervical) (A — airway) B Respiração e ventilação (B — breathing) C Circulação e controle da hemorragia (C — circulation) D Incapacidade: estado neurológico (D — disability) E Exposição/controle ambiental: despir completamente o paciente, mas prevenir a hipotermia (E — exposure) A seguir, iremos rever as condições que são rapidamente fatais nos politraumatizados. A. Condições rapidamente fatais 1. Ventilação inadequada. Em condições normais, a não-oxigenação cerebral por mais de quatro minutos irá produzir lesões cerebrais irreversíveis. A diminuição do débito cardíaco devido a situações de hipovolemia, com instabilidade hemodinâmica, poderá tornar ainda mais sérios os efeitos da hipoxemia. Assim, é indispensável, no politraumatizado, a manutenção de vias aéreas permeáveis e ventilação adequada. Para tal, a limpeza da cavidade oral e a retirada de corpos estranhos e próteses dentárias do indivíduo inconsciente deverão ser o procedimento inicial. Secreções como sangue, vômitos e muco são aspiradas ou limpas com um pano, desobstruindo-se a orofaringe. A mandíbula deve ser retificada, e/ou a língua tracionada, nos casos de queda posterior da língua, com obstrução traqueal (Fig. 6-2); caso uma cânula orofaríngea esteja disponível, ela será bastante útil para impedir a queda da língua em indivíduos inconscientes (Fig. 6-3), permitindo inclusive a ventilação com Ambu e máscara. Se ocorrer a melhora do quadro respiratório com essas manobras, e o paciente voltar a respirar espontaneamente, a ventilação poderá ser mantida simplesmente com oxigenoterapia pela cânula. Nos casos, entretanto, em que for necessária a manutenção da ventilação por mais tempo, deverá ser realizada a intubação endotraqueal. A técnica para 78

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exposição da orofaringe com laringoscópio é mostrada nas Figs. 6-4 e 6-5. O material usado consiste em: laringoscópio (lâmina reta ou curva), tubos endotraqueais com balonete (diversos tamanhos), aspirador e sondas para aspiração, luvas, seringa para insuflar o balonete, fonte de oxigênio e Ambu. Para que seja realizada a intubação, o paciente deve estar em decúbito dorsal, com hiperextensão cervical e com a mandíbula retificada. Aberta a boca do paciente, a lâmina do laringoscópio é introduzida com a mão esquerda, enquanto a mão direita mantém a hiperextensão. Se estiver sendo utilizado um instrumento de lâmina curva (Macintosh), este empurrará a língua para a esquerda, até que seja visualizada a base da epiglote; em seguida, a epiglote deverá ser levantada com a ponta da lâmina, expondo-se a glote, numa manobra de báscula. As cordas vocais são visualizadas, sendo o tubo colocado por entre elas, com a mão direita. Em alguns casos, para melhor visualização, pede-se a um auxiliar que pressione o pomo-de-Adão, o que melhorará a exposição da glote (Figs. 6-5 e 6-6). Depois de ter sido introduzido o tubo, insufla-se o seu balonete, ventila-se o paciente com Ambu e auscultam-se os dois pulmões (para verificar a posição adequada do tubo na traquéia, e não no esôfago, ou se o tubo foi por demais introduzido, chegando seletivamente ao brônquio principal direito). O tórax também poderá ser pressionado externamente com as mãos, para se verificar a presença de ar saindo pelo orifício do tubo — esta é outra maneira de se avaliar a presença do tubo na traquéia, e não no esôfago. A intubação errônea do esôfago, além de levar a uma distensão gástrica, provocará também hipoxemia. O tubo deve sempre ser bem-fixado com esparadrapo, para que sejam evitados problemas de deslocamento, que podem ocorrer durante transporte ou manipulação do doente. A insuflação do balonete impedirá a passagem de secreções, vômitos ou sangue porventura existentes na cavidade oral para dentro dos pulmões, o que sem dúvida aumentaria a morbidade e a mortalidade (hipoxemia, pneumonia de aspiração etc.). De um modo geral, usa-se tubo de 6,5 a 7 mm na mulher e de 7,5 a 8 mm no homem. Nas crianças, quando possível, a intubação nasotraqueal é a mais indicada. Ao ser usado um laringoscópio de lâmina reta, coloca-se a ponta da lâmina sobre a epiglote, para expor as cordas vocais. A passagem prévia de uma sonda nasogástrica, antes da intubação, diminui os riscos de refluxo gástrico e de aspiração, porém nem sempre isso é possível, devido à urgência das situações. As técnicas de intubação endotraqueal devem ser de conhecimento de médicos e de enfermeiros, principalmente daqueles que trabalham em áreas de atendimento de urgência (Pronto-Socorro, Centro Cirúrgico, Unidade de Terapia Intensiva etc.). Em alguns países, que dispõem de sistemas de atendimento emergencial por ambulâncias a domicílio, com equipes de paramédicos socorristas, estes próprios técnicos são treinados para executar a intubação endotraqueal. Nos casos de traumas graves de face (inclusive queimaduras), quando o paciente está preso no local do acidente, impossibilitando a intubação, e/ou no caso de lesões de traquéia, poderá ser necessária a realização da cricotomia; posteriormente, já no hospital e com o paciente estabilizado, ela será substituída por traqueostomia eletiva, 79

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realizada ao nível do terceiro anel traqueal (ver Cap. 3, Pequenos Procedimentos em Cirurgia). Outras possíveis causas de dificuldade respiratória a serem pesquisadas incluem pneumotórax, hemotórax, hemopneumotórax, corpos estranhos intrabrônquicos e queimaduras de vias aéreas superiores. Em presença de quadro de insuficiência respiratória aguda, com timpanismo à percussão torácica, ausência de murmúrio vesicular à ausculta, expansibilidade assimétrica, secundários a pneumotórax hipertensivo, a conduta imediata é a realização de punção torácica com agulha de grosso calibre, ainda na sala de reanimação. Em pacientes nos quais exista pneumotórax aberto, com ferida torácica aspirante, a prioridade é a transformação do pneumotórax aberto em fechado, por vedação do ferimento com qualquer material que esteja disponível no momento (pano, esparadrapo etc.) para que, logo em seguida, seja realizada drenagem torácica em selo d’água. A drenagem é feita em local diferente daquele onde se encontra o ferimento torácico. 2. Circulação inadequada. Este estado pode ser provocado fundamentalmente por hipovolemia aguda ou por restrição diastólica aguda ao coração (tamponamento cardíaco). a. Hipovolemia aguda. Um paciente que esteja apresentando sangramento externo visível, com possibilidade de compressão, deverá ser atendido sem perda de tempo, para que sejam evitados problemas com o agravamento da perda sangüínea. Nestes casos de sangramento externo, o controle do sangramento e a reposição volêmica deverão ser simultâneos. Em presença de sangramento interno, como na hemorragia intra-abdominal, a reposição precede a hemostasia. Na ocorrência de rápida perda sangüínea, os principais parâmetros que deverão guiar a reposição volêmica encontram-se expostos a seguir: (1) Pulso. Esta é uma maneira simples de controle da volemia do paciente, porém pouco exata e confiável, já que a perda sangüínea pode ser volumosa antes que ocorra taquicardia acentuada; por outro lado, a própria ansiedade e o estresse do trauma podem causar taquicardia, sem que tenha havido perda sangüínea correspondente. (2) Pressão arterial. Assim como o pulso, ela pode não ser representativa da perda sangüínea, quando a hemorragia não é significativa. Um quadro de hipotensão poderá estar presente no chamado choque neurogênico, em que, devido à descarga vagal, se tem bradicardia inicial e hipotensão. De uma maneira geral, entretanto, após trauma, uma pressão arterial baixa indicará hipovolemia ou mesmo choque hipovolêmico; uma pressão arterial alta geralmente indica hipertensão arterial já existente anteriormente, ou lesão do Sistema Nervoso Central (Prancha 6-1). (3) Diurese. A diurese mínima aceitável em paciente traumatizado é de 40 ml/hora. Valores menores do que este, ou mesmo anúria, podem indicar a ocorrência de lesão de uretra, de

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bexiga ou mesmo de artéria renal, ou podem ser compatíveis com um quadro de choque hipovolêmico instalado. (4) Palidez cutaneomucosa. Esta pode existir tanto por perda volêmica (choque hemorrágico) quanto no choque neurogênico. A diferença é que, no choque neurogênico, a palidez cutânea desaparece rapidamente com a infusão de solução salina, enquanto na hipovolemia severa a palidez é bastante mais persistente. (5) Sudorese. O quadro de sudorese fria e profusa aparece em todos os pacientes chocados, de qualquer etiologia. (6) Pressão venosa central (PVC). A medida da PVC fornece dados importantes no que se refere ao estado volêmico do paciente. Para que sua medida seja fidedigna, alguns pontos importantes devem ser considerados: a ponta do cateter deverá ser posicionada na junção da veia cava superior com o átrio direito (um cateter malposicionado [p. ex., em ventrículo direito] irá falsear totalmente a medida); utilização de um mesmo ponto de leitura da PVC no paciente (p. ex., linha axilar média). A leitura da PVC exige um equipo especial, em ipsilon, sendo a medida feita através de princípio de vasos comunicantes, onde a pressão da veia cava superior é igualada à de um dos ramos do equipo, colocado por sobre uma régua graduada de 0 a 40 cm. Geralmente, o ponto zero corresponde ao nível da junção da cava superior com o átrio direito, onde se encontra a ponta do cateter. Uma PVC elevada, superior a 15 cm de água (medida no nível da linha axilar média), pode ser causada por hiper-hidratação, por falência de bomba cardíaca ou tamponamento cardíaco; uma PVC baixa, inferior a 5 cm de água, é indicativa de hipovolemia severa. Durante a fase de reposição volêmica, a PVC deverá ser monitorada constantemente, para se averiguar a resposta ao tratamento. O uso da pressão venosa central para determinação da pré-carga do coração esquerdo causa dificuldade, pois a PVC apenas secundariamente mostraria as mudanças na pressão venosa pulmonar e nas pressões do lado esquerdo do coração. A PVC pode ser medida em centímetros de água ou em milímetros de mercúrio. Como o mercúrio é mais denso do que a água, a pressão registrada em medida de água deverá ser dividida por 1,36 para que seja obtido o número de medida da pressão em milímetros de mercúrio. A variação normal da pressão em mmHg vai de - 4 a +15 mmHg. (7) Pressão da artéria pulmonar. O cateterismo da artéria pulmonar é um instrumento valioso no manuseio de pacientes politraumatizados, gerando informações sobre as pressões de enchimento do coração esquerdo e permitindo a medida do débito cardíaco. O cateter de Swan-Ganz, que permite a medida da pressão em cunha da artéria pulmonar, é passado à beira do leito, sem radioscopia, a partir de punção da veia subclávia ou da veia jugular interna (Pranchas 6-2 e 6-3).

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Para confirmar que a posição final do cateter tenha sido atingida, observam-se ao monitor as ondas de pressão, que são características de cada local (Fig. 6-7). A introdução do cateter de Swan-Ganz, apesar de relativamente simples, não é feita rotineiramente em situações de emergência, devido ao tempo gasto para realizá-la; entretanto, ela é um instrumento valioso se o paciente já se estabilizou e está indo para uma cirurgia, ou no pós-operatório imediato em Unidade de Terapia Intensiva. A medida da pressão em cunha da pulmonar (pulmonary capilary wedge pressure — PCWP) é um indicador preciso da pressão diastólica final do ventrículo esquerdo. A melhor relação da PCWP se faz com a pressão do átrio esquerdo, quando esta é inferior a 25 mmHg. Entretanto, a PCWP será menor do que a pressão do átrio esquerdo se o paciente estiver hipovolêmico. O Quadro 6-5 resume as principais alterações clínicas observadas na hipovolemia. Após o paciente dar entrada na sala de traumatizados, realiza-se a punção venosa de imediato, para infusão de solução eletrolítica e outros medicamentos. Assim, de uma a quatro veias periféricas são puncionadas, utilizando-se cateter plástico (Jelco®) calibroso, preferencialmente em membros superiores. (A punção de veia para infusão em membros inferiores não está totalmente contra-indicada, mesmo em presença de lesão vascular intraabdominal; o que ocorre é que a incidência de flebite pós-punção ou dissecção venosa em membros inferiores é maior do que em membros superiores.) Se possível, um cateter deverá ser colocado em posição central, seja por dissecção (de preferência veia basílica ou cefálica), seja por punção de veia subclávia ou jugular. Uma técnica para abordagem venosa rápida também usada inclui a punção e o cateterismo das veias femorais, na região inguinal — por elas, um volume muito grande poderá ser infundido rapidamente. Deve-se estar atento para não puncionar uma veia central caso exista traumatismo torácico próximo (p. ex., não puncionar a veia subclávia direita em caso de trauma no hemitórax direito). Estrita observância de preceitos de anti-sepsia, com preparo adequado da área de punção venosa central, deve ser realizada, devido ao alto risco de infecção — os índices de colonização bacteriana de cateter central variam de 6 a 12,7%, com septicemia causada por cateter tendo um índice médio de 3%. Mais detalhes sobre as punções e dissecções venosas são abordados no Cap. 3, Pequenos Procedimentos em Cirurgia. Nos casos de crianças com menos de 6 anos, nas quais punções ou dissecções venosas podem ser mais difíceis, dependendo do caso, uma opção é a punção intra-óssea percutânea da tíbia (Fig. 6-8). Esta é, entretanto, uma técnica de uso excepcional, não sendo de utilização rotineira e usada por tempo nunca superior a 24 horas. A punção é feita na superfície ântero-medial da região proximal da tíbia. É usada uma agulha de número 18 (p. ex., do tipo usado em raquianestesia). Com movimentos de rotação, a agulha é introduzida até a medula óssea, onde é feita a infusão de solução salina. Logo após a punção venosa, retira-se sangue para exames e tipagem, sendo feita a solicitação de concentrado de hemácias ou de sangue total para reposição. Enquanto se aguarda o seu envio, inicia-se de imediato infusão de Ringer lactato, em quantidades suficientes para ressuscitação do paciente (podendo-se chegar até mesmo à infusão de 2.000 ml em 20 minutos por meio de métodos convencionais de infusão). O Ringer lactato é a solução mais utilizada, devido ao seu componente mais balanceado em eletrólitos, além 82

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do que, mais tarde, o lactato é convertido em bicarbonato, melhorando o quadro de acidose dos pacientes chocados. Caso venha a ser utilizado sangue total, deve-se ter em mente a necessidade de reposição de cálcio e de bicarbonato de sódio. O uso de equipamentos de infusão, que administram grandes quantidades de solução hidroeletrolítica aquecida ou concentrado de hemácias aquecido, sob pressão, já vem sendo realizado nos EUA. Esse tipo de equipamento permite a infusão de até 1,5 litro por minuto de solução em pacientes politraumatizados. Atualmente, tem-se pesquisado muito a utilização de soluções hipertônicas de cloreto de sódio (NaCl a 7,5%), utilizadas por paramédicos no local do acidente, que permitem uma rápida elevação da pressão arterial com pouco volume administrado. Tem sido descrito o uso de soluções coloidais de dextrana 70 a 6%, adicionada ao NaCl hipertônico, com a finalidade de manter o paciente com níveis pressóricos mais elevados até a chegada ao hospital, onde se inicia a infusão habitual de Ringer lactato. O inconveniente dessas soluções está na impossibilidade de seu uso por tempo prolongado ou em grandes quantidades, devido à hipernatremia provocada, com desidratação celular subseqüente; além disso, em modelo experimental (cão), elas aumentaram as hemorragias de origem vascular intra-abdominais presentes. O uso de elementos substitutos do sangue para oxigenação celular rápida ainda não se encontra bem-estabelecido. No Cap. 7, Choque, são descritos mais detalhes quanto à reposição da volemia e às três fases de ressuscitação do paciente politraumatizado em choque. b. Tamponamento cardíaco (ver Cap. 3, Pequenos Procedimentos em Cirurgia, e Cap. 11, Traumatismos Cardíacos). O quadro de circulação inadequada que surge no tamponamento cardíaco é explicado pela rapidez com que o espaço virtual normalmente existente entre o pericárdio visceral e o parietal se enche de sangue, impedindo a máxima expansão cardíaca ocorrida na diástole. O volume de sangue no saco pericárdico aumenta progressivamente, até levar à restrição completa e à parada cardíaca. O diagnóstico é basicamente clínico, devendo ser rápido, assim como o tratamento. Na emergência, o tratamento consiste em punção pericárdica, preferencialmente subxifoideana. A aspiração de volumes pequenos (20 a 30 ml) poderá ser suficiente para aliviar o tamponamento, permitindo o encaminhamento do paciente ao Centro Cirúrgico para toracotomia. V. Outras Lesões em Pacientes Politraumatizados. Existem outras lesões freqüentemente presentes nos politraumatizados que, apesar de sua gravidade, não apresentam um risco imediato, mas que poderão levar à morte se não tratadas adequadamente ou se passarem despercebidas. Neste grupo, poderíamos considerar: traumatismos cranioencefálicos; fraturas de ossos longos; trauma fechado 83

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torácico e/ou abdominal; lesões das artérias e veias; lesões do trato urinário; lesões da pelve; lesões dos ossos da face; lesões medulares; contusão miocárdica; traumatismo de aorta torácica (sem ruptura imediata). Isto implica que, após a estabilização de um paciente politraumatizado, este deverá ser minuciosamente examinado em busca de lesões associadas, sendo instituído o tratamento específico de cada uma delas. Orifícios de entrada e de saída de projéteis, escoriações, hematomas, presença de otorragia, de hematúria, de sangramento de aspecto arterial e outros mais são sinais que deverão ser valorizados. Nos capítulos que se seguem, serão abordados os principais traumatismos encontrados em nível hospitalar. VI. Exames Complementares. A radiologia é o método mais utilizado nas emergências traumatológicas. Todo paciente politraumatizado deverá ser submetido a exames radiológicos na admissão, desde que apresente estabilidade hemodinâmica mínima que permita o seu deslocamento ao setor de radiologia, ou se houver tempo para realizá-los. As radiografias básicas, realizadas obrigatoriamente, consistem de: raios X de crânio em AP e lateral; raios X de coluna cervical, torácica e lombar; raios X de tórax em PA (se possível, em ortostatismo); raios X de bacia; raios X de abdômen em ortostatismo (quando possível), decúbito dorsal e decúbito lateral esquerdo (dentre estas radiografias, a radiografia de abdômen é a que menos nos ajuda no traumatismo agudo). A punção abdominal com lavado peritoneal é outro exame muito realizado, sendo obrigatório nos pacientes politraumatizados inconscientes. Outros exames muito úteis são a ultra-sonografia abdominal, a tomografia computadorizada (de crânio e de outros segmentos do corpo), as arteriografias seletivas, a urografia excretora, a ecocardiografia, os exames contrastados do tubo digestivo, a ecocardiografia, a videolaparoscopia e as cintilografias das vísceras maciças. Estes exames serão descritos, em relação a traumatismos específicos de órgãos e sistemas, nos próximos capítulos. Referências 1. American College of Surgeons Committee on Trauma — Advanced Trauma Life Support ATLS. Chapter 3: Shock, in 5 th Edition Student Manual, 1993. 2. Battistella FD, Wisner DH. Combined hemorragic shock and head injury: effects of hypertonic saline (7,5%) resuscitation. J Trauma 1991; 31: 182-8. 3. Bevan DR, Dudley AF. Shock. In: Dudley HAF. Emergency Surgery. 10 ed. London: A John Wright and Sons Ltd. Publication, 1977.

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Capítulo 07 - Choque Marco Tulio Baccarini Pires Edmundo Clarindo Oliveira Luisane Maria Falci Vieira Renato Camargos Couto I. Generalidades A. Conceito. Muitas tentativas foram feitas para se definir o termo “choque”. Entretanto, todas foram incapazes de caracterizá-lo por completo, ou ainda eram muito complexas para ter uma aceitação adequada. Assim, um conceito mais simples e atual seria o de um estado generalizado de inadequação circulatória grave. Com este conceito, valoriza-se o fenômeno de perfusão tissular inadequada, que é o essencial no choque. Deve-se observar que as maiores alterações que ocorrem no choque se dão principalmente em níveis celular e subcelular. A definição clínica do termo “choque” só foi feita no século XIX, por John Collins Warren, em 1895, que o descreveu como “uma pausa momentânea no ato da morte”, sendo o conceito do estado de choque “uma resposta a uma lesão ameaçadora à vida”. Verifica-se que o conceito do choque se desenvolveu primariamente ao redor do choque hipovolêmico (hemorrágico), para depois se expandir para outras situações (falência cardíaca, sepse etc.). Na Primeira Guerra Mundial, a transfusão de sangue tornou-se uma experiência segura e bem-sucedida. Em 1930, Keith conseguiu correlacionar a perda sangüínea com a gravidade do choque. Durante a Segunda Guerra Mundial, Belcher conseguiu demonstrar que a principal causa do choque era a perda de líquidos, e que a gravidade da acidose metabólica que acompanhava o choque se correlacionava com a sua gravidade. Nos anos 90, com a aceitação cada vez maior da normatização proposta pelo curso do ATLS (Advanced Trauma Life Support), do Colégio Americano de Cirurgiões, tem sido possível a um número cada vez maior de cirurgiões e socorristas correlacionar a magnitude da perda sangüínea com a sintomatologia apresentada, estabelecendo esquemas de tratamento proporcionais e adequados à magnitude da perda volêmica ocorrida. Neste capítulo, iremos abordar os diversos tipos de choque existentes; obviamente, no trauma, a ênfase é dada ao choque hipovolêmico. B. Classificação. Existem muitos tipos de classificação para as diversas formas de choque. Uma das mais aceitas é a de Blalock (1934), que sugeriu quatro categorias: hematogênico, neurogênico, vasogênico e cardiogênico. Uma classificação mais prática é a que sintetiza a classificação inicial de Blalock, a saber: 1. Choque hipovolêmico. Causado por perda do volume intravascular. 87

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2. Choque cardiogênico. Causado por falha da bomba cardíaca ou por qualquer causa que leve à diminuição do débito cardíaco. 3. Choque distributivo. É assim chamado devido à redistribuição de fluxo nas vísceras. Os três tipos de choque distributivo mais comuns são o choque séptico, o choque anafilático e o choque neurogênico. É sempre bom lembrar que mais de uma destas três condições — hipovolêmico, cardiogênico ou distributivo — pode estar presente em um mesmo paciente: é o chamado choque misto, de alguns autores. Um outro tipo de choque é ainda considerado por alguns: é o chamado choque indeterminado, que seria aquele onde qualquer dos outros fatores foi reconhecido como sua causa. Seria o tipo encontrado em pacientes extremamente graves, em que vários sistemas ou órgãos fossem acometidos simultaneamente. O diagnóstico de choque indeterminado pode ser feito também em certas ocasiões em que se revele uma impossibilidade de reconhecer a causa básica do estado do paciente. Diversas outras formas de choque são ainda descritas na literatura. No Quadro 7-1 listamos alguns destes tipos relatados. C. Efeitos do choque nos diversos sistemas. O estado de choque afeta todo o organismo; mecanismos seletivos compensatórios fazem com que alguns órgãos e sistemas sejam mais afetados do que outros. Estes efeitos são mais bem estudados atualmente devido às melhores condições de atendimento médico, o que faz com que doentes que antes viriam a falecer sobrevivam, tendo, entretanto, comprometimento de outros órgãos ou sistemas (p. ex., insuficiência renal, insuficiência respiratória pós-traumática, hemorragia digestiva etc.). Os efeitos específicos do estado de choque em cada sistema serão discutidos neste capítulo. II. Choque Hipovolêmico A. Conceito. O choque hipovolêmico é aquele causado por perda de volume intravascular. Os sintomas e sinais do choque hipovolêmico são bem-estabelecidos, pois são clássicos e geralmente de fácil reconhecimento. Alguns órgãos ou sistemas podem apresentar um maior grau de exanguinação do que outros; o Quadro 7-2 mostra aqueles com maior exanguinação ao serem vítimas por traumas penetrantes. A exanguinação é a forma mais extrema de uma hemorragia. A velocidade de perda sangüínea capaz de causar a exanguinação geralmente é superior a 250 ml/minuto. A esta velocidade de perda, uma pessoa poderá perder metade de sua volemia em cerca de 10 minutos. O manual do ATLS define a exanguinação como a manifestação clínica do choque hemorrágico nos pacientes que perderam 40% ou mais de seu volume sangüíneo.

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Os sinais e sintomas do choque, de acordo com seu grau de severidade, podem levar-nos a caracterizar o choque como leve, moderado ou grave. O Quadro 7-3 resume estas três gradações, de acordo com a perda volêmica. A principal causa do choque hipovolêmico é o trauma, com a perda sangüínea sendo tanto externa como interna. Outra importante causa é o seqüestro de volume para as vísceras abdominais ou cavidades (p. ex., obstrução intestinal). Sabemos também que os principais parâmetros para se avaliar a situação clínica de um paciente com choque hipovolêmico são: pulso, pressão arterial, diurese, mucosas, sudorese e pressão venosa central. (Estes parâmetros clínicos encontram-se descritos no Cap. 6, Tratamento Inicial do Politraumatizado.) É importante lembrar que todos estes seis parâmetros são de fácil obtenção em ambulatório de atendimento a pacientes politraumatizados. Um sétimo parâmetro, o débito cardíaco, pode também ser obtido com alguma facilidade, mas devem-se usar técnicas invasivas e de monitoração especiais. B. Alterações fisiopatológicas no choque hipovolêmico. 1. Pressão arterial. A pressão arterial é mantida pelo débito cardíaco e pela resistência vascular periférica. Quando o volume intravascular diminui, causando a diminuição do débito cardíaco, a pressão arterial pode manter-se em níveis normais, devido ao aumento da resistência vascular periférica, para compensar a redução do débito cardíaco. Diferentes órgãos e partes do organismo respondem de maneira também diversa a essas alterações, pois a resistência vascular periférica varia em cada local. Essas condições locais determinam o estado de vasoconstrição ou de vasodilatação em cada setor ou órgão, no momento da perda do componente intravascular. Por exemplo, no choque hemorrágico ocorre fluxo preferencial de sangue para o coração e o cérebro, enquanto há uma diminuição de fluxo para a maioria dos outros órgãos que não são tão essenciais para a sobrevida imediata. No choque hemorrágico, o coração pode receber até 25% do débito sangüíneo cardíaco, em contraste com os 5-8% que recebe em condições normais. Observa-se uma grande redução de fluxo em locais como os rins, a pele e o tecido muscular esquelético (por aumento da resistência vascular nesses locais). Por conseqüência, pode ser que a pressão arterial não caia até que a redução no débito cardíaco ou a perda de volume seja tão grande que os mecanismos de homeostase não mais compensem a hipovolemia. Assim, podemos considerar como sendo dois os fatores que determinam a resposta do sistema cardiovascular à hipovolemia: o volume do líquido intravascular perdido e a velocidade desta perda. Deve-se sempre diferenciar a hemorragia rápida, maciça (p. ex., sangramento arterial grave), da hemorragia lenta, insidiosa (p. ex., lesão venosa periférica). Quando a perda sangüínea é muito rápida, não ocorre resposta adequada do organismo, havendo hipotensão grave, não compensada; isto independe da idade do paciente — por exemplo, uma perda crônica de sangue no idoso pode ser bem tolerada. A perda sangüínea lenta pode ser totalmente compensada pela retenção de líquido pelos rins e pela reorganização dos fluidos corporais. Neste caso, poderão não ocorrer distúrbios hemodinâmicos de importância.

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2. Freqüência de pulso. A taquicardia é uma resposta característica à redução do volume intravascular. O mecanismo causal da taquicardia é a excitação da parte simpaticoadrenal do sistema nervoso autônomo (causada pela hipotensão), e inibição simultânea do centro vagal medular. Vários fatores, entretanto, podem alterar este mecanismo. Por exemplo, se a perda de sangue for lenta, gradual, e se o paciente estiver deitado, praticamente nenhuma alteração da freqüência cardíaca ocorrerá antes da perda de pelo menos 1.000 ml (no adulto). Ainda outros fatores, como a redução do retorno venoso e a qualidade da função ventricular esquerda, podem alterar este tipo de mecanismo compensatório. A ansiedade e o medo, que são comuns em pacientes politraumatizados, podem também alterar a resposta da freqüência cardíaca. Assim sendo, em presença de um paciente com hipovolemia, alterações na freqüência cardíaca somente têm valor quando o paciente é mantido em observação um pouco mais prolongada. 3. Vasoconstrição. O aumento da resistência vascular periférica, que ocorre após a rápida perda de volume intravascular, vai até um pico máximo muito rapidamente, tentando compensar a diminuição do débito cardíaco (que, por sua vez, se deve tanto à hipovolemia como à presença de um fator depressor miocárdico). Esta resistência vascular periférica só pode ser medida indiretamente, tanto em seres humanos como em animais. Subseqüentemente, a vasoconstrição máxima ocorre na pele; em seguida, nos rins, no fígado e, finalmente, no cérebro. Ao mesmo tempo, observa-se vasoconstrição generalizada no sistema venoso. Essa venoconstrição é um mecanismo importante para a manutenção da pressão arterial no paciente com hipovolemia aguda, pois cerca de 50 a 60% do volume total de sangue se encontram no sistema venoso do paciente. As respostas vasculares à hemorragia são imediatas, ocorrendo segundos apenas após o início da perda sangüínea. São imediatas também as ativações do sistema simpático e ao nível das supra-renais. Os níveis séricos de catecolaminas aumentam, o que indica ação da camada medular da supra-renal. Também aumentam imediatamente os hormônios secretados pelo córtex da supra-renal e pela hipófise. As alterações que ocorrem no músculo esquelético, ao nível da microcirculação, nos estados de choque, são de importância fundamental não só porque o tecido muscular esquelético é a maior massa celular de tecido do corpo, mas também um dos principais locais-alvo para os ajustes compensatórios vasculares neuroumorais. Estudos microscópicos mostram que o fluxo na rede microvascular no músculo esquelético é intermitente no início do período póshemorragia. Isto provavelmente reflete uma interação entre as atividades vasoconstritoras alfa-adrenérgicas e as atividades vasodilatadoras beta-adrenérgicas; esta interação (vasoconstrição-vasodilatação) provavelmente serve para aumentar a mobilização compensatória do líquido intersticial para dentro do compartimento intravascular, como uma autotransfusão. Um período de completa parada microcirculatória é observado em seqüência, seguido pela reperfusão de apenas 30-50% dos capilares que eram perfundidos anteriormente. Nestes capilares observa-se ainda a presença de agregados de leucócitos, tornando lento o fluxo sangüíneo. De um modo geral, no tecido esquelético não se observam grumos de hemácias no interior dos capilares.

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4. Hemodiluição. O líquido do compartimento extravascular tem os mesmos componentes do plasma, exceto pelo menor conteúdo protéico. Ao ocorrer o extravasamento de líquido extravascular para o intravascular, quando da hemorragia, uma hemodiluição é observada. Assim, ocorre hemodiluição progressiva no choque hemorrágico, que aumenta com o agravamento do quadro. Deve-se observar que aqui existe uma diferença com os quadros de choque em que, primariamente, há uma perda do componente plasmático intravascular (p. ex., queimaduras graves). Nestes casos teremos não hemodiluição, e sim hemoconcentração, com alto hematócrito. Outras causas deste tipo de choque com hemoconcentração são as peritonites, as infecções extensas de partes moles e as síndromes de esmagamento. 5. Alterações bioquímicas. As alterações bioquímicas mensuráveis que ocorrem em resposta ao estresse ocasionado pelo choque resumem-se em três categorias bem definidas, que veremos a seguir. a. Alterações no sistema hipófise-supra-renal. Aqui, os efeitos imediatos observados são aqueles associados com altos níveis circulantes de adrenalina. Há aumento de toda a atividade simpática e também da liberação de renina, angiotensina, hormônio antidiurético, aldosterona, hormônio adrenocorticotrófico, betaendorfinas e glicocorticóides. (Aumentam ainda a eritropoetina, o glucagon, o 2-3-difosfoglicerato, as prostaglandinas e o complemento, fora do eixo hipófise-supra-renal.) Caracteristicamente, há eosinopenia e linfocitopenia, juntamente com trombocitopenia (são representações laboratoriais do aumento de adrenalina circulante). Essas alterações são bastante inespecíficas e são encontradas precocemente no paciente traumatizado em choque. Ocorre retenção de sódio e água, assim como um aumento importante na excreção de potássio e um balanço negativo de nitrogênio. b. Alterações relacionadas com o estado de fluxo lento. O metabolismo tissular requer a presença de ATP como fonte de energia. O ATP é produzido normalmente através do ciclo de Krebs, no metabolismo aeróbico da glicose. Nos estados em que o fluxo se torna lento, existe uma redução na oxigenação nos órgãos vitais, e, conseqüentemente, o metabolismo muda de aeróbio para anaeróbio. Quando falta o oxigênio, o ATP é produzido através da glicólise anaeróbia, o que resulta na produção de ácido láctico. Este metabolismo anaeróbio é refletido por uma acidose metabólica, com uma redução do poder de combinação do CO2 com o sangue. A compensação respiratória que ocorre no início do choque hemorrágico freqüentemente é insuficiente; à medida que o quadro evolui, há uma diminuição contínua do pH, com acidose progressiva. A falta do metabolismo aeróbico paralisa a bomba de sódio-potássio — a célula se torna tumefeita e, eventualmente, evolui para a morte celular.

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Nota-se um aumento nos níveis da glicose sérica, diretamente relacionado com a gravidade do estado de hipovolemia e choque. Acredita-se que este aumento da glicemia represente um aumento da glicólise hepática (por mudança para anaerobiose); entretanto, outros autores acreditam que este aumento da glicose seja conseqüência da diminuição da secreção de insulina e da diminuição da utilização periférica da glicose. De qualquer forma, talvez estes dois mecanismos ocorram em conjunto, explicando o aumento da glicemia. Os parâmetros a que nos referimos (gases arteriais e pH, alterações no lactato sérico) apresentam mudanças cerca de 50 minutos antes que as alterações hemodinâmicas se estabeleçam. (Obviamente, isto só pode ser observado nos casos de hemorragia lenta e progressiva.) Sabe-se que os parâmetros bioquímicos, por outro lado, voltam ao normal 50 minutos antes dos parâmetros hemodinâmicos, na fase de recuperação. O hipofluxo tissular leva, em nível celular, ao estado de choque irreversível, ou que não responde ao tratamento. Existem propostas recentes com referência ao uso de drogas bloqueadoras dos canais de cálcio, associadas ou não a compostos de fosfato de alta energia, que poderiam evitar ou retardar as alterações celulares do choque hipovolêmico e, conseqüentemente, impedir o quadro de choque irreversível. c. Alterações por falhas de funcionamento de órgãos específicos. Na hipovolemia, o sangue é desviado para o coração e para o cérebro, em detrimento do restante do organismo. As alterações observadas em órgãos específicos são dependentes, em sua maior parte, da duração e da gravidade do estado de choque. Por exemplo, as alterações renais podem variar de simples oligúria à insuficiência renal de alto débito (com urina de baixa gravidade específica e pH básico), ou mesmo insuficiência renal aguda franca, com anúria. Se a função renal está diminuída, as concentrações de potássio e magnésio e os níveis de creatinina sérica estão aumentados. As lesões renais básicas se devem tanto diretamente à má perfusão renal no paciente chocado, como indiretamente à ocorrência de shunts intrarenais, sendo o sangue desviado no interior dos rins para os néfrons corticais externos. Alterações em outros órgãos, como os pulmões, podem ocorrer — neste caso, ocorre o chamado pulmão de choque ou síndrome da angústia respiratória do adulto (ver Cap. 8, Insuficiência Respiratória Pós-Traumática). Efeitos do choque no fígado e no tubo gastrointestinal são também observados, com a ocorrência de lesões específicas — a hipotensão causa uma redução no fluxo sangüíneo esplâncnico. O hepatócito perde a sua capacidade de gerar ATP em um estado anaeróbico, o que leva a dano das organelas intracelulares e das membranas celulares, com conseqüente perda da função hepática. É bom lembrar que muitas das proteínas envolvidas nos sistemas de coagulação são sintetizadas no fígado; no fígado do paciente chocado, estas proteínas deixam de ser produzidas, ocasionando distúrbios de coagulação e hemorragias persistentes. Ainda referente às alterações bioquímicas no choque hipovolêmico, mas sem relação alguma com os tipos já citados de alterações básicas, verificam-se interação entre substâncias opióides endógenas e a ocorrência da dor e do choque circulatório. Existem evidências indicando que sistemas opióides endógenos ativados contribuem para a 92

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fisiopatologia do choque circulatório, visto em causas diversas, como endotoxemia, hemorragia e traumas medulares. O antagonista de opiáceos, naloxona (Narcan®), agindo em oposição aos opióides endógenos, reverte as alterações hemodinâmicas, metabólicas e bioquímicas, e seqüelas de choque, em modelos experimentais de animais; entretanto, o seu uso clínico em seres humanos é ainda controverso, não sendo indicado. C. Tratamento do choque hipovolêmico. Nos últimos anos, devido ao surgimento de um grande número de novos conceitos, as melhorias no atendimento inicial de pacientes politraumatizados, de equipamentos médicos disponíveis e do próprio padrão de atendimento médico, com a sistematização preconizada pelo ATLS, levaram a um ganho geral no atendimento inicial de pacientes politraumatizados. Alguns desses pacientes, com traumas gravíssimos, antes irrecuperáveis, passaram a sobreviver, permitindo o tratamento de graves complicações pós-choque, tais como as insuficiências respiratória e renal. O próprio transporte dos pacientes até hospitais de referência, sendo feito por equipes treinadas e de forma mais rápida, assegura que pacientes que antes viriam a falecer no local possam vir a receber tratamento médico. Outro fator que também muito contribui para o aumento da sobrevida é que determinados tipos de problemas cirúrgicos complexos (p. ex., lesões combinadas de duodeno e pâncreas) passaram a ter soluções bem mais definidas, abrindo novas perspectivas de tratamento. Determinadas condições, bastante comuns nos pacientes traumatizados (p. ex., alcoolismo), podem vir a alterar a resposta orgânica e o tratamento nos casos de choque hemorrágico. Assim é que, experimentalmente, a ingestão de álcool leva a uma queda significativa da pressão arterial sistólica em animais não anestesiados, quando submetidos a uma perda sangüínea, quando comparados com animais que não ingeriram álcool. A hipovolemia é, de longe, a causa mais comum de choque no paciente traumatizado. A perda sangüínea pode ocorrer para o interior de cavidades serosas, como o peritônio, sendo difícil a avaliação do volume perdido no exame inicial. Por outro lado, a perda sangüínea ocorrida quando de fraturas ósseas em membros é de estimativa mais fácil, mesmo quando não há sangramento externo (leva-se em consideração o aumento do diâmetro no membro afetado). Outras causas de choque podem estar presentes no paciente politraumatizado: tamponamento cardíaco, pneumotórax hipertensivo e choque de origem vasogênica. Estas condições devem ser diagnosticadas e tratadas juntamente com o quadro de choque hemorrágico. Como efeito de referencial, lembramos que o choque no paciente politraumatizado deve ter tratamento preferencial sobre qualquer outra condição, com exceção da insuficiência respiratória. O diagnóstico e o tratamento devem ser feitos de forma simultânea. As medidas gerais iniciais a serem tomadas estão descritas no Cap. 6, Tratamento Inicial do Politraumatizado. Para a ressuscitação de um paciente em estado de choque hemorrágico, é importante o conhecimento da fisiologia normal e das respostas à perda sangüínea. O corpo de uma pessoa de 70 kg contém 60% de água, sendo 28 litros de líquido intracelular (hemácias: 2 l; líquido muscular e orgânico: 26 l) e 14 litros de líquido extracelular (plasma: 3 l; 93

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interstício: 11 l). A soma da massa de plasma e de hemácias totaliza 5 litros que, na presença de débito cardíaco normal, circulam pelo corpo a cada minuto. Do ponto de vista prático, podemos dividir o tratamento do choque hipovolêmico em três fases. A fase I representa o período de sangramento ativo e se inicia no momento da lesão, terminando ao final da cirurgia (com o controle do sangramento obtido). A fase II é a de seqüestro de líquido extravascular — começa ao término da cirurgia e se conclui no momento de ganho máximo de peso. A fase III representa o período de mobilização de líquido extravascular — começa no momento de ganho máximo de peso e termina quando da perda máxima de peso; após esta terceira fase, o paciente entra em anabolismo. A seguir, examinaremos separadamente cada uma destas três fases. 1. Fase I — sangramento ativo. Quanto maiores o volume e a rapidez da perda sangüínea, maiores serão também as respostas fisiológicas desencadeadas, como visto anteriormente. Um paciente com uma perda sangüínea aguda, em choque hemorrágico, com uma pressão sistólica de 70 mmHg, terá uma queda aguda de 40-50% no seu volume sangüíneo. As respostas homeostáticas conseqüentes levam a uma queda no débito cardíaco, hipotensão e a um aumento na resistência vascular periférica, com má perfusão tissular. Na fase I, os objetivos principais do tratamento são: bloquear sangramentos externos existentes; identificar sangramentos internos; restaurar o volume (conforme indicado por PA, freqüência cardíaca, amplitude dos pulsos periféricos e volume urinário); e preparar para cirurgia para corrigir lesões internas. O tratamento deve restaurar não somente a massa perdida de hemácias, mas também o grande déficit de eletrólitos. A infusão de eletrólitos recomendada em relação à perda de sangue deve seguir um índice de 3:1 (assim, um paciente com perda aguda de 2.000 ml de sangue irá necessitar de 6.000 ml de solução eletrolítica balanceada para restaurar o volume plasmático e os déficits de fluido intersticial). As soluções usadas para ressuscitação não devem conter glicose, devido à hiperglicemia endógena existente no choque hemorrágico. O volume de solução eletrolítica balanceada a ser infundido é guiado pela resposta da pressão arterial, amplitude e freqüência de pulso e débito urinário. A solução mais usada para infusão é o Ringer lactato; na prática, em paciente com choque hipovolêmico grave, infundem-se 2.000 ml de solução em um período de cerca de 20 minutos, até que o sangue ou o concentrado de hemácias esteja disponível; a infusão a seguir é feita de acordo com os parâmetros descritos anteriormente. O paciente com hipovolemia muito grave ou com sangramento persistente não terá resposta efetiva a esta infusão. O Ringer lactato é mais vantajoso do que a solução fisiológica de cloreto de sódio, pela conversão hepática do lactato em bicarbonato, extremamente útil no politraumatizado; já o soro fisiológico a 0,9% tem contra si o seu alto conteúdo de cloro (154 mEq/l), bem mais elevado do que o do plasma — em grandes quantidades, os pacientes ressuscitados com SF a 0,9% desenvolvem uma acidose metabólica hiperclorêmica. A utilização de soluções hipertônicas de cloreto de sódio (NaCl) a 7,5%, isoladamente ou associadas a uma solução de dextrana, parece ser de utilidade na ressuscitação do choque hipovolêmico. Seu uso tem sido feito principalmente por paramédicos que atendem o politraumatizado no local do acidente e, em alguns Serviços de Urgência, exclusivamente em pacientes em choque profundo, com risco iminente de parada cardíaca, no momento da admissão hospitalar. Entretanto, seu uso ainda não está bem padronizado e aceito — alguns 94

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estudos em modelos animais têm indicado que as soluções hipertônicas estão associadas a uma maior incidência de sangramento, o que se torna extremamente danoso no paciente politraumatizado. As soluções cristalóides possibilitam uma ressuscitação efetiva de pacientes em estado de choque. As maiores complicações decorrentes de seu uso se referem ao tratamento com infusão insuficiente ou exagerada. A infusão insuficiente está relacionada a uma recuperação incompleta do paciente, enquanto o seu uso em quantidade exagerada se relaciona à ocorrência de edema generalizado. Quando não ocorre resposta à infusão salina, associa-se a administração de sangue total ou de concentrado de hemácias, procurando-se restaurar a taxa de hemoglobina para um ideal teórico de 12 g%. Os cristalóides infundidos devem estar, preferencialmente, aquecidos a 37oC, para se evitar a hipotermia. Nos últimos anos, verificou-se que a infusão de concentrado de hemácias juntamente com solução eletrolítica substitui bem a administração de sangue total no choque hipovolêmico, com considerável economia de elementos, tais como o plasma e as plaquetas, que são separados previamente e utilizados apenas quando necessários. Pacientes com perda sangüínea acima de 30%, e que continuam sangrando, não devem esperar até que a prova cruzada seja realizada para que se faça a transfusão — deve ser feita a tipagem simples e, a seguir, proceder-se à administração imediata do sangue total ou do concentrado de hemácias. Pacientes que chegam ao hospital em estado agônico, com hipovolemia gravíssima, necessitam de imediata transfusão de sangue total ou de concentrado de hemácias — neste caso, eles devem receber transfusão do tipo O, com título baixo de anticorpos, antes mesmo de se proceder à tipagem. Devem ser obtidas, no mínimo, duas vias de infusão, para administração de líquidos e sangue. A primeira via venosa deve ser conseguida por punção percutânea em veia do membro superior com um cateter Jelco®. A outra via venosa pode ser tanto uma veia subclávia ou jugular puncionada por via percutânea, como uma veia dissecada (a preferida em muitas das situações de politraumatismo). Ao se cateterizar a veia (punção ou dissecção), é oportuno avaliar o tamanho do cateter em relação ao tamanho do paciente, para que a ponta do cateter esteja em posição central para medida da PVC (junção da veia cava superior com o átrio direito). Em relação à dissecção venosa, lembrar que a dissecção das veias safenas na região maleolar em membros inferiores, anteriormente proscrita, pode ser salvadora para muitos pacientes, nos quais outras vias de infusão venosa não estejam disponíveis. A utilização de cateteres calibrosos inseridos na veia femoral, associados a bombas especiais de infusão, para reposição de solução salina aquecida em grandes quantidades e com rapidez (1,5 litro/minuto), foi proposta recentemente. Uma sonda vesical deve ser colocada tão logo seja possível, para controle rigoroso do débito urinário; o ideal é que se mantenha um fluxo urinário de pelo menos 40-50 ml/hora. Entretanto, diuréticos não devem ser administrados, pois a oligúria que se observa no doente é conseqüência de hipovolemia. Para cada quatro unidades de concentrado de hemácias ou de sangue total infundidas, devese administrar uma ampola EV de gluconato de cálcio a 10% (ampola de 10 ml), além de 95

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40 mEq de bicarbonato de sódio (= 40 ml de bicarbonato de sódio a 8,4%). A monitoração da pressão intra-arterial (PIA) deve ser rigorosa; a introdução de um Jelco® na artéria radial do paciente (por punção percutânea ou por dissecção) ligado a um transdutor e monitor de pressão nos dá um indicativo passo a passo do estado dinâmico do paciente (pode-se inclusive avaliar a tendência da curva de pressão obtida). Caso não se disponha de um transdutor e monitor de pressão, um simples pedaço de equipo de soro comum, conectando-se este a um manômetro também comum de aparelho de pressão (ou a uma coluna de mercúrio líquido), nos dará a medida da pressão intra-arterial. Este é um procedimento simples que pode ser feito pelo anestesista ou pelo cirurgião e que permite a monitoração constante da PIA, além de facilitar, sobremodo, a coleta de sangue para exames durante a cirurgia (pH e gases arteriais, taxa de hemoglobina, ionograma etc.). Caso não se introduza o cateter para mensuração da PIA, a medida da PA, mesmo com aparelhos de pressão comuns, deve ser uma preocupação constante. Existem ainda aparelhos eletrônicos que permitem a leitura não-invasiva das pressões arteriais sistólica e diastólica com um grau bastante aceitável de precisão e que podem vir a ser usados. Em determinadas condições, pode-se proceder à recuperação do sangue perdido pelo próprio paciente e reinfundi-lo. Atualmente já existem disponíveis no Brasil várias marcas de aparelhos simples para reaproveitamento do sangue (p. ex., Transfusan®) que permitem a aspiração do sangue perdido e a sua reinfusão, após dupla filtragem e acréscimo de anticoagulante. Este é um procedimento especialmente indicado nas hemorragias intratorácicas e nos traumas cranianos e ortopédicos. A recuperação e a reinfusão do sangue intra-abdominal só devem ser feitas caso não haja ruptura hepática ou de alça intestinal. Colóides, tais como albumina, dextranas e amido, não devem ser administrados na fase I, pois agravam a insuficiência respiratória pós-traumática no pós-operatório, podem acarretar insuficiência renal, além de, no caso das dextranas, terem o risco de produzir reação anafilactóide (a não ser, talvez, nos casos de administração de dextrana 70 a uma diluição de 6%, associada ao uso de NaCl a 7,5%, como já comentado). Pacientes que recebem albumina na fase I têm uma maior retenção de sódio e de água, requerendo a administração de diuréticos, maior incidência de insuficiência renal aguda, piora da função pulmonar, aumento da pressão venosa central, aumento dos níveis de shunts fisiológicos pulmonares e maior necessidade para suporte ventilatório, além de uma maior mortalidade global (Fig. 71). O algoritmo para tratamento da exanguinação é visto na Fig. 7-2. 2. Fase II — Seqüestro de líquido extravascular. A partir do final da cirurgia, que é o momento em que se obtém o controle do sangramento, a fase II se estende por um período aproximado de 40 horas. O que caracteriza esta fase é a movimentação de líquido extracelular para dentro do compartimento intracelular, junto com sódio e cloro. Este movimento é conseqüência da falha de funcionamento da bomba de sódio-potássio, causada pela isquemia tecidual do choque. Do ponto de vista prático, este tipo de fluxo é refletido por um aumento do peso corporal do paciente, que pode chegar a 10 kg. No início da fase II, verifica-se grande instabilidade do paciente quanto à infusão de líquidos; se a infusão é feita apenas em velocidade de manutenção (40-50 gotas/min), o paciente terá PA ou PIA baixa, taquicardia, pulso fino, oligúria, estando a pele fria e úmida; se a infusão é feita 96

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rapidamente, o paciente ganha peso, aumenta a pressão venosa central (PVC), aumenta a pressão da artéria pulmonar e ocorre insuficiência respiratória. Como se vê, a manutenção do paciente durante a fase II pode ser algo difícil — o paciente que se encontra nesta fase deve ser acompanhado muito de perto, em UTI, e o aporte líquido deve ser oferecido de acordo com os vários parâmetros disponíveis; a reavaliação do paciente deve ser um procedimento contínuo. Se ainda ocorre algum grau de insuficiência renal nesta fase, pode agravar-se a insuficiência respiratória. Consideram-se como objetivos principais do tratamento na fase II a manutenção do débito cardíaco, a manutenção da função renal (avaliar o débito urinário; dosar repetidas vezes uréia e creatinina) e evitar a insuficiência respiratória conseqüente à sobrecarga de líquidos. Para manutenção do débito cardíaco, o uso de digital (de preferência de ação rápida, como o lanatosídeo C — Cedilanide®) e de gluconato de cálcio a 10%, ambos EV, em doses clássicas, pode ser suficiente para manter a função cardíaca (ver Cap. 49, Insuficiência Cardíaca Congestiva, para doses de digital). Entretanto, em casos mais sérios, o uso de drogas como a dopamina (Revivan® — dose de 5-15 mg/kg/min) ou a dobutamina (Dobutrex®), em infusão endovenosa contínua, pode ser necessário. Para que seja mantida a função renal, não se devem utilizar diuréticos em pacientes que nesta fase mantenham pressão arterial normal ou elevada — a adequada reposição da volemia é suficiente para manter a função renal. Quanto à síndrome da insuficiência respiratória pós-traumática, vários agentes têm sido implicados em sua etiologia mas, devido à complexidade deste quadro, ele é descrito em outro capítulo deste livro. 3. Fase III — mobilização do líquido extravascular. Esta fase se inicia quando do ganho ponderal máximo, prolongando-se até a perda ponderal máxima, quando a bomba de sódiopotássio volta a funcionar. É uma fase caracterizada pela expansão líquida rápida dos espaços intravascular e intersticial, havendo abundantes diurese e natriurese. Com duração de 24-48 horas, termina com a volta ao normal dos volumes plasmático e intersticial. É uma fase de hipervolemia; portanto, aumenta a amplitude do pulso e ocorre aumento da pressão arterial. O débito cardíaco também aumenta; ocorre melhora das funções renal e respiratória. Alguns pacientes podem não tolerar este rápido aumento do volume intravascular, surgindo hipertensão arterial, piora da insuficiência respiratória, edema cerebral e, às vezes, insuficiência renal de alto fluxo. O principal objetivo do tratamento nesta fase é a manutenção da pressão arterial e da volemia tão próximas do normal quanto possível. Em relação ao exame clínico, observa-se que, ao final da fase II e no início da fase III, a pressão arterial do paciente apresenta estabilização; é um nível estável, sempre alguns milímetros de mercúrio superior ao nível da fase II, tanto na pressão sistólica quanto na diastólica. Este novo nível estável da pressão arterial é o sinal clínico de que se está iniciando o período de fluxo volumoso em direção ao interior dos vasos. Assim, deve-se realizar a restrição hídrica, e devem ser usados diuréticos, principalmente a furosemida 97

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(Lasix®), para evitar hipertensão arterial. A dose poderá ser de 40 mg EV a cada 30 minutos, até que se obtenha a estabilidade da PA no nível inicial da fase III (quando for verificada a nova PA equilibrada). Nos casos mais sérios, podem ser utilizados vasodilatadores periféricos, no sentido de se realizar um aumento da capacitância do sistema vascular — usa-se o nitroprussiato de sódio (Nipride®) em gotejamento contínuo (dose de 0,5-8,0 mg/kg/min), ou mesmo a clorpromazina (sendo o nitroprussiato de sódio a melhor opção). A função renal volta ao normal após terminado o quadro de hipervolemia. Ao final da fase III, o paciente entra em estado de anabolismo. A insuficiência cardíaca, ocasionada pela hipervolemia, pode ocorrer na fase III; ela é tratada como descrito na fase II. III. Choque Cardiogênico A. Conceito. Apesar das melhores condições de tratamento atuais e de novos medicamentos e aparelhagem, o choque cardiogênico permanece com mortalidade aumentada, estando acima de 80% nos melhores centros. Ele pode ser definido como insuficiência aguda da perfusão tissular, causada pelo funcionamento cardíaco inadequado ou por qualquer causa que leve à diminuição do débito cardíaco. B. Etiologia. A causa mais freqüente é a insuficiência coronariana aguda, com infarto agudo do miocárdio. No IAM, o choque cardiogênico ocorre mais freqüentemente após: (1) infarto ou isquemia extensa do ventrículo direito e/ou esquerdo; (2) ruptura aguda do septo interventricular; (3) ruptura de papilares ou de cordoalhas tendíneas com insuficiência mitral grave; (4) tamponamento cardíaco, com ou sem a ruptura da parede livre ventricular. Entretanto, alterações funcionais do miocárdio (miocardites, miocardiopatias — como na doença de Chagas etc.), nas miocardiopatias hipertróficas obstrutivas, do pericárdio (pericardite, tamponamento cardíaco), do ritmo (bradicardias, bloqueios, taquicardias), das valvas (disfunções de origem reumática ou de qualquer outra etiologia) podem levar ao choque cardiogênico, caso alterem severamente o débito cardíaco. C. Fisiopatologia. Basicamente, o choque cardiogênico é semelhante aos outros tipos de choque, visto ter como ponto em comum a insuficiência de perfusão tissular com suas conseqüências em diversos órgãos, como rins, fígado, cérebro e o próprio coração, entre outros. A causa mais freqüente, o infarto agudo do miocárdio, leva a uma perda funcional importante do músculo cardíaco por necrose ou isquemia, levando à hipotensão e à conseqüente diminuição da perfusão tissular, dando início a um ciclo vicioso. Devido à distribuição anatômica de seu fluxo, a maior parte de casos de choque cardiogênico ocorre nas obstruções da artéria descendente anterior. As outras etiologias menos freqüentes têm como ponto em comum o débito cardíaco inadequado e podem apresentar sinais de hipertensão venosa sistêmica (ingurgitamento jugular, edema dos membros inferiores, ascite, hepatomegalia); hipertensão venocapilar pulmonar (dispnéia, ortopnéia); ou ambas. D. Diagnóstico 98

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1. Sindrômico. O diagnóstico do choque cardiogênico pode ser feito pelo exame clínico e pela monitoração hemodinâmica. A ecocardiografia transtorácica e/ou transesofágica, associada ao Doppler, pode também ser útil. O diagnóstico é baseado nos seguintes dados: (a) volume urinário inferior a 20 ml/h; (b) pele fria e enchimento capilar diminuído; (c) PA sistólica menor do que 90 mmHg; (d) acidose metabólica (acidose láctica); (e) alterações do estado de consciência (agitação, sonolência, confusão, coma); (f) pressão capilar pulmonar superior a 18 mmHg; (g) índice cardíaco menor do que 2,2 l/min/m2 de superfície corpórea. 2. Etiológico. Principalmente, por uma das patologias a seguir: (a) infarto agudo do miocárdio (clínica, ECG, enzimas); (b) tamponamento cardíaco (ver Cap. 11, Traumatismos Cardíacos); (c) arritmias primárias; (d) alterações valvulares. E. Terapêutica. O paciente deve ter seus dados vitais monitorados de modo a permitir um controle rigoroso de sua evolução, visto ser o quadro de natureza dinâmica, em que os parâmetros podem variar em períodos curtos de tempo. Devem ser monitorados: (a) ritmo e freqüência cardíacos (monitoração elétrica contínua); (b) volume urinário horário (por sonda vesical); (c) pressão venosa central (PVC) — de hora em hora; (d) freqüência respiratória, perfusão tissular, PA a cada 15 minutos. Pode ainda ser instalada pressão intra-arterial, como já explicado neste capítulo, o que torna mais fácil o controle do doente. Quando possível, o cateter de Swan-Ganz deve ser utilizado para medir a pressão em cunha da artéria pulmonar e o débito cardíaco. (O cateter de Swan-Ganz pode ser instalado facilmente à beira do leito, assim como a PIA; no caso do cateter, este pode ser introduzido por punção da veia jugular ou da subclávia.) São princípios básicos de tratamento do choque cardiogênico: (a) manter PA (ou PIA, quando disponível) suficiente para assegurar um volume urinário maior do que 50 ml/h e impedir acidose metabólica; (b) manter uma volemia suficiente para permitir uma contratilidade máxima do miocárdio (ou seja, com uma pré-carga ideal), sem sinais de congestão pulmonar. Quando o paciente apresentar congestão pulmonar, procurar diminuí-la. A linha axilar média é utilizada como referência (ponto zero), tanto para medida da PVC como da PIA. Entretanto, não é errado o uso da linha axilar posterior para medida da PVC — em alguns hospitais, inclusive, faz-se a anotação da PVC dorsal e na linha axilar média —; o que importa é que se tenha um referencial e que este seja seguido. Quando se mede a pressão capilar pulmonar com cateter de Swan-Ganz, usa-se como base a linha axilar média — a pressão é medida com um transdutor em mmHg. De uma maneira grosseira, podemos considerar que a PVC é igual à espessura torácica; desse modo, um paciente com 15 cm de espessura torácica pode ter PVC de 15 mmHg usando-se a linha axilar posterior; PVC de 0 usando-se a linha axilar anterior, e também pelo uso da distância entre a linha axilar média e o ângulo de Louis. Para fins de padronização, procuram-se transformar as medidas de pressão obtidas em cmH2O em 99

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mmHg. A PVC normal tem valores normais de 1-8 mmHg. A pressão capilar pulmonar normal medida com Swan-Ganz é de 2-12 mmHg (medida direta com transdutor). Quando houver necessidade de transformar valores encontrados em cmH2O para mmHg, deverá ser lembrado que a densidade do mercúrio é 13,6 vezes maior do que a da água. A fórmula usada é X (mmHg) = cmH2O ö 0,72. A seguir, algumas situações clínicas no choque cardiogênico, e os procedimentos que devem ser adotados: (a) pressão em cunha pulmonar abaixo de 22 mmHg: infundir volume (soro fisiológico ou soro glicosado isotônico com albumina ou plasma) até a pressão capilar pulmonar atingir este valor; (b) pressão em cunha pulmonar acima de 22 mmHg, ou quando se atinge este nível e o doente permanece em choque: inicia-se dopamina (Revivan®) na dose de 5 mg/kg/min, até se conseguir manter PA e débito urinário adequados; (c) casos em que se necessita de doses maiores de dopamina, superiores a 15 mg/kg/min, mantendo o paciente boa PA, mas com vasoconstrição periférica acentuada e sem diurese (devido à alta dose de dopamina administrada para manter PA): associar nitroprussiato de sódio (Nipride®), na dose de 0,5 a 8 mg/kg/min, controlando a PA sistólica (manter acima de 90 mmHg); se necessário, associar furosemida (Lasix®) por via endovenosa; (d) alguns pacientes desenvolvem grande taquicardia em resposta à infusão de dopamina (acima de 130 bpm); outros, com doses de dopamina superiores a 15 mg/kg/min, não conseguem manter boa PA: nestes casos, associa-se noradrenalina (dose de 0,5-4 mg/min) e infunde-se nitroprussiato de sódio nas doses do item anterior. Deve-se lembrar que a dopamina em altas doses tem como efeito secundário o aumento da pós-carga pela vasoconstrição que provoca, através de seu efeito predominante nos receptores alfa-1. Como opção, pode-se usar a dobutamina em substituição à dopamina, ou em associação à mesma, em pacientes que não respondem à medicação padronizada descrita acima. A dobutamina tem um efeito inotrópico positivo com ação predominante ao nível dos receptores beta-1. Ela tem como característica o aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdio, o que pode levar a estender uma área de infarto. Os efeitos benéficos de agentes como a amrinona (Inocor®) e a milrinona ainda não se encontram bem-estabelecidos; numa avaliação inicial, a amrinona parece ter um efeito no débito cardíaco no máximo semelhante ao da dobutamina; alguns trabalhos citam a associação da amrinona à dobutamina como sendo benéfica em casos de choque cardiogênico com má resposta à terapêutica convencional. A instalação de balão intra-aórtico pode ser de ajuda em pacientes com choque cardiogênico, a fim de se obter a estabilização hemodinâmica temporária; ele é colocado através da artéria femoral (por via percutânea) e levado até a aorta torácica — por um mecanismo de deslocamento de volume em contrapulsão, pode contribuir com o aumento do débito cardíaco de maneira importante. Recentemente, um grande entusiasmo com o balão intra-aórtico tem tornado o seu uso mais amplo; observa-se que, em um paciente com choque cardiogênico sem resposta à terapêutica farmacológica, quanto mais precoce for a instalação do balão, melhor o resultado obtido. As contra-indicações para o uso do balão intra-aórtico incluem a insuficiência aórtica, a dissecção aórtica e arritmias importantes que impeçam a sincronização do ritmo do paciente com a insuflação e a desinsuflação do balão. 100

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Agentes inotrópicos positivos (especialmente a dobutamina) podem ser usados juntamente com a contrapulsão aórtica, com melhores resultados e com um risco menor de estender um infarto do miocárdio, causador do choque cardiogênico. A utilização de aparelhos de assistência ventricular ainda não é um procedimento rotineiro, estando extremamente restrita, tendo estes aparelhos sido implantados em poucos casos no mundo. A trombólise medicamentosa, que se tornou rotineira no tratamento dos casos do infarto do miocárdio, acabou por determinar um melhor prognóstico para os pacientes ao evitar e/ou diminuir a área de músculo cardíaco lesado no IAM. O uso de métodos invasivos no diagnóstico e tratamento do choque cardiogênico, como a angioplastia de resgate e a colocação de stents intracoronários, na fase aguda do infarto do miocárdio, tem mudado a perspectiva do tratamento desta síndrome. As intervenções incluem: medida da pressão da artéria pulmonar, cateterismo cardíaco, agentes inotrópicos positivos, suporte ventilatório, uso de balão intra-aórtico, angioplastia coronária (associada ou não a uso de stent coronário) e cirurgia de revascularização miocárdica. Os Quadros 7-4 e 7-5 resumem o tratamento do choque cardiogênico. O Quadro 7-6 resume as principais drogas utilizadas no seu tratamento. F. Prognóstico. Os índices de mortalidade associados ao choque cardiogênico têm-se mantido consistentemente em níveis superiores a 50%. Os dados obtidos com grandes estudos (como o estudo GUSTO) não têm demonstrado uma melhora dos resultados com o passar do tempo, apesar da melhora da terapêutica. A mortalidade após 30 dias e 1 ano após o episódio tem, entretanto, sido diminuída ao se utilizarem procedimentos invasivos. Os fatores de um mau prognóstico incluem o baixo débito cardíaco, a pressão em cunha da artéria pulmonar elevada, a idade elevada, a oligúria, a pressão arterial média elevada, a taquicardia e a história de infarto do miocárdio. IV. Choque Distributivo. O grupo do choque distributivo inclui síndromes de hipoperfusão tissular devidas a distúrbios do tônus e/ou da permeabilidade vascular, com redistribuição do fluxo sangüíneo visceral. A. Choque séptico. Síndrome clínica ocasionada pela presença na corrente sangüínea de microrganismos ou seus produtos e que envolve insuficiência circulatória e perfusão tissular inadequada. Geralmente se manifesta em presença de um foco infeccioso, porém existe a possibilidade de predomínio do componente endotóxico. Considera-se como sendo sepse a resposta sistêmica à infecção. Considera-se como sendo sepse grave aquela que produza disfunção de órgãos ou sistemas; no choque séptico, há

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ocorrência do quadro de sepse grave associada a quadro de hipoperfusão tissular, na presença de invasão tissular por um patógeno. 1. Etiologia. Vários são os fatores de risco para a ocorrência de sepse e choque séptico (Quadro 7-7); praticamente todos os pacientes internados em uma UTI apresentam um ou mais destes fatores de risco. No quadro de sepse é desencadeado um quadro inflamatório em todo o organismo, conhecido como síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS). A inflamação pode acometer qualquer órgão, podendo levar à sua falência funcional. No pulmão, produz a síndrome de angústia respiratória e, nos rins, a insuficiência renal aguda, e isto pode ocorrer com o sistema nervoso, fígado e intestino, culminando com a disfunção orgânica múltipla. A SIRS pode surgir com qualquer insulto (trauma, hemorragia etc.) e, quando a origem é infecciosa (sepse), pode evoluir com destruição orgânica múltipla apesar da eliminação do agente infeccioso. Esta doença inflamatória auto-imune é de alta letalidade e não possui terapêutica específica. A grande intervenção localiza-se na prevenção constituída de diagnóstico e terapêutica precoce dos quadros clínicos que podem desencadeá-la. Quando se faz o diagnóstico precoce e se instituem medidas de suporte circulatório (volume, aminas) que otimizem a oferta de oxigênio ao tecido, é possível evitar a evolução para a disfunção orgânica de múltiplos órgãos. As infecções que mais freqüentemente conduzem ao choque séptico são as produzidas por gram-negativos; entre eles se destacam as Enterobacteriaceae (em primeiro lugar, Escherichia coli, seguida de Klebsiella-Enterobacter-Serratia e de Proteus sp.), Pseudomonas, Neisseria, Haemophilus e outros aeróbios, bem como anaeróbios (incluindo Bacteroides). Em segundo lugar, em importância, encontram-se os grampositivos, principalmente Staphylococcus aureus. Fungos, vírus, protozoários e rickéttsias podem também ser causadores do quadro. 2. Fisiopatologia. As principais características hemodinâmicas do choque séptico são a elevação do débito cardíaco, a diminuição da resistência vascular periférica e a diminuição da pressão arterial. A taquicardia existente é um dos mecanismos responsáveis pela manutenção da pressão arterial. O débito cardíaco permanece elevado até a fase préterminal, quando ocorre a sua queda. A dilatação do ventrículo esquerdo aparece um ou dois dias após o início do choque. A dilatação ventricular funciona como um mecanismo compensatório, permitindo um volume diastólico final aumentado, o que leva a um volume ejetado maior, em presença de uma fração de ejeção diminuída; esta dilatação regride à medida que o paciente se recupera do quadro. Ocorre uma alteração no balanço entre oferta e consumo de oxigênio e na extração de oxigênio pelos diversos órgãos; assim, alguns dos órgãos vêm a receber uma oferta de oxigênio acima do normal, enquanto outros apresentam-se isquêmicos. Estas alterações têm importância fundamental na área esplâncnica, principalmente ao nível da circulação hepática. 102

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Um fator depressor do miocárdio foi caracterizado, nos estados sépticos, como sendo uma proteína de baixo peso molecular, possivelmente originada da parede do tubo intestinal. Uma outra importante alteração hemodinâmica observada na sepse é a diminuição no volume plasmático circulante, devido à permeabilidade capilar aumentada, favorecendo a saída de líquido para o interstício. Esta alteração, juntamente com o seqüestro líquido que ocorre para o terceiro espaço, é uma das principais causas de redução na pré-carga. A decorrente diminuição da volemia proporciona maior queda do débito cardíaco e da perfusão. O fator de Hageman é estimulado pela endotoxina e pode desencadear um processo de coagulação intravascular disseminada com formação de múltiplos microtrombos capilares e agravamento da anoxia. Esta deficiência de oxigênio aumenta a produção de ácido láctico e determina acidose metabólica, conduzindo ao relaxamento das arteríolas e ingurgitamento capilar com aumento das perdas de plasma e células. Nesse ciclo vicioso hemodinâmico e metabólico, ocorrem continuamente intensificação da anoxia e redução do débito cardíaco. Como evento final, ocorrem autólise celular e liberação de lisozimas que potencializam a destruição celular. O mecanismo de ação da endotoxina, liberada com a morte das bactérias, envolve a ativação do complemento e a liberação pelas plaquetas e pelos leucócitos de substâncias vasoativas (histamina, serotonina, adrenalina, noradrenalina e cininas). O choque séptico afeta virtualmente todos os órgãos e sistemas. Apesar de o mecanismo responsável não estar claro, ele pode decorrer da lesão microvascular e de respostas inflamatórias localizadas. A progressão da falência de múltiplos órgãos e sistemas segue esta ordem: pulmonar, hepática e renal, sendo o índice de mortalidade proporcional ao número de órgãos e sistemas acometidos (chega a 80 a 100% quando três ou mais sistemas se encontram envolvidos). A síndrome de angústia respiratória do adulto é freqüente, com hipoxemia refratária a níveis cada vez mais elevados de suporte ventilatório. 3. Fatores predisponentes. No caso das infecções por gram-negativos, 70% delas são hospitalares, com maior incidência em recém-nascidos e em idosos, bem como em mulheres no puerpério ou após aborto séptico. A incidência de sepse por gram-negativos aumenta após manipulações urológicas e cirurgias do trato gastrointestinal. Cerca de 10% dos pacientes são portadores de neoplasias malignas, e 10% sofrem de diabetes melito (nos quais a fonte de infecção geralmente é geniturinária). Cerca de 5% são portadores de hepatopatias graves, e 15% têm doenças hematológicas. Este perfil se aplica a um hospital geral; num hospital predominantemente traumatológico, muitos casos ocorrerão após cirurgias ortopédicas, abdominais e em grandes queimados, principalmente, bem como após cateterismo vesical, vascular e outros procedimentos invasivos. A síndrome do choque tóxico foi inicialmente relacionada ao uso de absorventes intravaginais em mulheres menstruadas, porém, com o passar do tempo, evidenciou-se que ela pode ocorrer em pacientes de várias idades e de ambos os sexos, associada a diversos tipos de infecção por estafilococos produtores de toxina. Essa

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síndrome pode ser responsável por parte substancial dos choques que ocorrem fora do ambiente hospitalar. 4. Manifestações clínicas. Os estágios precoces são caracterizados por sintomas e sinais infecciosos. O paciente está consciente e alerta, com a pele quente e ruborizada, pulsos amplos, hipotensão moderada (ou níveis pressóricos menores do que o normal), débito urinário moderadamente reduzido e febre. A febre pode ser intermitente, remitente, contínua ou variável, e está presente em 98% dos casos. O início da bacteremia é assinalado por febre e calafrios em 60% dos pacientes, com febre elevada e súbita em cerca de 25%, e por mal-estar e febre graduais em 15%. Alguns sintomas gerais e inespecíficos podem ser referidos (cefaléia, prostração, mialgia, apreensão, agitação e anorexia). Delírio, estupor e coma são raros. Vômitos, diarréia e distensão abdominal geralmente se devem a uma doença subjacente. Contudo, 20-30% dos pacientes manifestam pela primeira vez o estado infeccioso pela instalação abrupta de falência circulatória. Os distúrbios hemodinâmicos que caracterizam o choque séptico em seres humanos são reconhecidos por pelo menos duas fases distintas. Na fase inicial, hiperdinâmica (ou choque quente), as extremidades estão aquecidas, existem baixa resistência periférica, débito cardíaco normal ou elevado, pressão arterial normal e amplitude de pulso aumentada. Contudo, com a estase do sangue nos níveis das circulações esplâncnica e periférica, pode ocorrer redução do retorno venoso e do débito cardíaco. Clinicamente, encontram-se hiperventilação, alcalose respiratória, confusão mental, débito urinário normal e febre (raramente, pode-se encontrar hipotermia). Caso o tratamento seja instituído nesta fase, as chances de recuperação do paciente serão maiores. A fase avançada, hipodinâmica (ou choque frio), é caracterizada por extremidades frias, resistência periférica elevada, débito cardíaco reduzido, hipotensão, pequena pressão de pulso e intensa vasoconstrição arterial. À medida que diminuem a perfusão tissular e sua oxigenação, intensificam-se o metabolismo anaeróbico e a acidose láctica. Insuficiência respiratória, obnubilação progressiva e queda da função renal podem ocorrer, à medida que se agravam as alterações hemodinâmicas. Nesta fase o prognóstico de reversão do choque é bem pior. A mortalidade do paciente relaciona-se mais com a gravidade do seu quadro clínico básico. Achados laboratoriais freqüentes na bacteremia por gram-negativos incluem elevação da uréia, hiperpotassemia e diminuição de sódio, cloro e bicarbonato. A leucocitose é a regra, porém há casos em que a uma leucopenia inicial segue-se a leucocitose. Na bacteremia por Pseudomonas, ao contrário, é comum haver leucopenia acentuada e persistente. No início do choque séptico, quando se manifesta hiperventilação, pode predominar uma alcalose respiratória. Com o agravamento do quadro, sobrevém um aumento na produção de ácido láctico, com acidose metabólica. O equilíbrio ácido-básico e os gases arteriais podem alterar-se também em função de lesões de órgãos como os pulmões e os rins, ocasionadas pelo choque. 5. Tratamento. Estabelecido o diagnóstico e tomadas as medidas iniciais para reconhecimento do agente etiológico, deve-se proceder à monitoração hemodinâmica, para que os ajustes terapêuticos se façam eficientemente. Clinicamente, devem ser observados e anotados a intervalos curtos os seguintes parâmetros: nível de consciência, respiração, 104

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pulso, cor da pele, enchimento capilar e estado de hidratação. Objetivamente, devem-se medir a PVC, a pressão arterial, a temperatura, a diurese e o balanço hídrico. Idealmente, o paciente também deve ser pesado todos os dias e deve estar sob monitoração eletrocardiográfica contínua. Se possível, monitorar a pressão em cunha pulmonar por cateter de Swan-Ganz, que possibilita medir o débito cardíaco. Algumas das medidas gerais recomendadas são manter o paciente normotérmico e com os membros inferiores elevados em 30o em relação ao tronco. Caso tenha sido identificado um foco de infecção passível de tratamento cirúrgico, este deve ser realizado logo após a estabilização inicial do paciente. Não devem ser esquecidos como prováveis focos de infecção cateteres venosos e vesicais. A negligência na erradicação do foco pode gerar refratariedade ao tratamento e morte. A pressão de enchimento do átrio deve ser mantida num nível adequado à produção de um débito cardíaco eficaz. Todos os outros métodos de tratamento falharão se não for administrado o volume de líquidos adequado. A preferência quanto à sua composição recai sobre as soluções cristalóides: soro fisiológico a 0,9% ou solução glicossalina 1:1 até 3:1. Em casos excepcionais, pode ser necessária a elevação da pressão coloidosmótica do plasma por meio de albumina ou plasma. A restauração da volemia é a primeira e mais importante medida a ser tomada no tratamento do choque séptico. A hipovolemia pode ocorrer por extravasamento capilar, fístulas, diarréia ou vômitos. O volume adequado de líquidos a ser administrado raramente pode ser calculado com precisão no início do tratamento, pois deve ser aquele capaz de restaurar eficazmente a perfusão tecidual e a diurese sem ocasionar sobrecarga circulatória. As soluções preferidas para reposição são as cristalóides. Em pacientes com PVC normal ou reduzida, devem-se infundir cerca de 20 ml/min durante 10-20 min, monitorando-se, durante a infusão, a elevação da pressão venosa, o padrão respiratório e a ausculta pulmonar. Elevação da PVC acima de 3,0 cmH2O (= 2,16 mmHg) exige a suspensão da infusão até seu retorno ao nível anterior. A resposta favorável da pressão arterial com pouca alteração da PVC é sugestiva de componente hipovolêmico importante no estado de choque. O uso da PVC está sujeito a freqüentes erros, não refletindo adequadamente a précarga de ventrículo esquerdo. O mais adequado é a monitoração da pressão capilar pulmonar, devendo-se tentar ajustá-la inicialmente para um valor entre 10 e 15 mmHg. Na ocorrência de hemodiluição, a reposição com sangue total ou concentrado de hemácias será necessária. O ácido láctico se eleva mais acentuadamente no choque séptico do que em outros estados de choque, devido à gravidade da hipoxia tissular. A correção fundamental baseia-se na reversão das alterações hemodinâmicas. Pode-se apressar a sua correção com a administração de bicarbonato em doses calculadas, utilizando-se a análise dos gases arteriais. Uma das fórmulas mais utilizadas indica a quantidade de miliequivalentes de bicarbonato necessária para normalização do pH, multiplicando-se o peso do paciente pelo excesso de base e por 0,3: bicarbonato (mEq) = 0,3 ) peso ) BE. *Modificado de Bruno da Silveira JC, Lopez ML. In: Lopez ML. Tratamento do Estado de Choque, 1979.

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Administra-se parte da dose calculada (1/3-1/2) nos pacientes que não apresentam melhora com a reposição de volume e com a boa oxigenação. A antibioticoterapia correta constitui um dos passos fundamentais no tratamento do choque séptico, não sendo exagero afirmar que uma falha nesse aspecto levará ao fracasso. A escolha deve ser baseada na flora prevalente do hospital e em sua suscetibilidade aos antibacterianos, na localização da infecção e no estado clínico global do paciente. Constitui grande ajuda a existência de culturas anteriores provenientes de material colhido no foco suspeito. Os locais que mais comumente propiciam a invasão da corrente sangüínea são os sistemas geniturinário, gastrointestinal, pulmonar, a pele e o útero. Em 10-20% dos casos, nenhum foco é determinado. No Quadro 7-8 temos os agentes mais comumente implicados em diversas infecções. Após a obtenção das culturas (não se deve esquecer a importância dos anaeróbios, que requerem técnicas de coleta e isolamento especiais), deve-se iniciar imediatamente o uso de antibióticos de amplo espectro, preferencialmente bactericidas, e por via parenteral. Um aminoglicosídeo associado a uma cefalosporina ou a uma penicilina penicilinase-resistente é suficiente na grande maioria dos casos, e essa associação constitui a escolha inicial nos casos de foco desconhecido. Caso se suspeite de infecção por Pseudomonas ou em pacientes leucopênicos, adiciona-se carbenicilina ao esquema terapêutico. Infecções anaeróbicas, especialmente por Bacteroides fragilis, podem requerer cloranfenicol, clindamicina ou cefoxitina. Infecções por S. aureus devem ser tratadas por uma penicilina penicilinase-resistente, uma cefalosporina, vancomicina ou clindamicina. No Quadro 7-9 vemos algumas associações iniciais úteis na prática. Uma vez observada resposta desfavorável, ou isolado o patógeno, o esquema terapêutico deve ser reavaliado e modificado, se necessário, empregando-se drogas mais específicas. O choque séptico pode comportar-se como um quadro complexo do ponto de vista hemodinâmico, e o suporte deve ser baseado na medição desses parâmetros. Pode ser necessário o uso de substâncias vasoconstritoras, inotrópicas e vasodilatadoras. As drogas habitualmente usadas são a dopamina, a dobutamina, o isoproterenol, a noradrenalina e os agentes vasodilatadores (principalmente o nitroprussiato). Um bom parâmetro clínico para seu uso parece ser a observação da circulação cutânea e da diurese. As doses são as mesmas descritas anteriormente neste capítulo. A tensão arterial de PO2 deve ser mantida acima de 70 mmHg. Se a hipoxemia não for corrigida com o uso de oxigênio administrado por máscara, será necessário intubar o paciente e estabelecer ventilação mecânica. Se a SARA ocorrer, esta deverá ser tratada conforme recomendações específicas (ver Cap. 8, Insuficiência Respiratória Pós-Traumática). A oligúria e a lesão renal no choque séptico geralmente se devem à hipovolemia e à hipotensão. Caso a oligúria persista ao ser restaurado o volume sangüíneo eficaz, inicia-se restrição de líquidos. Pode-se também testar, com furosemida endovenosa, o retorno de diurese. Elementos sugestivos de insuficiência renal aguda e que devem ser pesquisados incluem isotenúria, sódio urinário menor do que 60 mEq/l, urina alcalina, elevação de uréia e creatinina, cilindros tubulares. A hiperpotassemia, freqüente nesses casos, deve ser tratada prontamente. 106

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B. Choque Anafilático 1. Introdução. O choque anafilático faz parte de um espectro de reações conhecidas como anafilaxia sistêmica, determinadas por hipersensibilidade imediata. Estas reações incomuns ocorrem em indivíduos previamente sensibilizados após reexposição a antígenos ou a haptenos de baixo peso molecular. Elas são mediadas por anticorpos do tipo IgE e começam alguns minutos após a exposição. Os antígenos combinam-se com anticorpos IgE aderidos à superfície dos basófilos e mastócitos, deflagrando a liberação de mediadores primários (histamina, leucotrienos, fatores quimiotáticos) e secundários (prostaglandinas, cininas) da anafilaxia. Os efeitos dessas substâncias mediadoras incluem constrição de músculo liso, aumento da permeabilidade vascular, alteração do tônus vascular (sistêmico e pulmonar), indução à degranulação de plaquetas, atração de células inflamatórias. Outras reações, conhecidas como anafilactóides, provavelmente envolvem liberação nãoimunologicamente mediada dessas substâncias, podendo ocorrer em indivíduos nãosensibilizados previamente. Os principais agentes causadores de anafilaxia são: a. Proteínas: venenos de insetos, himenópteros, pólen, alimentos (ovos, frutos do mar, nozes, grãos, amendoim, algodão, chocolate), soros heterólogos, hormônios (insulina), enzimas (tripsina), outras proteínas humanas (p. ex., fluido seminal). b. Haptenos: antibióticos (penicilinas, cefalosporinas, tetraciclinas, anfotericina B, nitrofurantoína, aminoglicosídeos), anestésicos locais (lidocaína, procaína), vitaminas (tiamina, ácido fólico), dextranas. Já os agentes implicados na gênese das reações anafilactóides são: curare, soluções hipertônicas (manitol), agentes antiinflamatórios nãoesteróides (ácido acetilsalicílico, aminopirina, indometacina) e materiais de contraste radiopaco. Apesar de haver poucos dados conclusivos a respeito dos testes cutâneos, parece provável que os indivíduos atópicos e com este tipo de teste positivo apresentem maior incidência dessas reações. 2. Manifestações clínicas. As manifestações mais comuns de anafilaxia sistêmica são cutâneas — eritema, prurido, urticária, angioedema — que podem ou não ser acompanhadas de repercussões em outros sistemas. Há dois padrões de insuficiência respiratória. O primeiro ocorre por asfixia devido à obstrução das vias aéreas superiores por edema (laringe, glote). O segundo decorre de broncoespasmo intenso e difuso das vias aéreas inferiores. Talvez a manifestação mais grave seja o choque hipotensivo com ou sem manifestações pulmonares concomitantes. O mecanismo causal seria a perda súbita de volume circulatório efetivo, devido a uma vasodilatação generalizada e a um aumento da permeabilidade capilar com estagnação do sangue.

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Ocasionalmente, ocorrem alterações eletrocardiográficas no choque anafilático que sugerem alguma ação sobre o miocárdio. As alterações mais freqüentes são distúrbios da condução, arritmias, padrões de isquemia e necrose. Estes efeitos poderiam ser diretos ou conseqüentes a uma redução da perfusão coronariana. Raramente, ocorrem sintomas gastrointestinais (vômitos, náuseas, diarréia), do sistema nervoso central e distúrbios da coagulação. 3. Diagnóstico diferencial. Geralmente há uma história de exposição imediatamente precedente a um antígeno. Pode ser necessária a distinção entre reações anafiláticas e manifestações de asma, síncope vasovagal, intoxicação exógena, angioedema hereditário e urticária angiopática. Devido à extrema rapidez de instalação do quadro, dificilmente o laboratório fornece subsídios para o diagnóstico. 4. Tratamento. Nas reações anafiláticas sistêmicas com manifestações gastrointestinais, respiratórias e cardiovasculares, medidas de suporte são tão essenciais para o sucesso do tratamento quanto as medidas específicas, e não devem ser negligenciadas. Manter as vias aéreas permeáveis, suplementar oxigênio, estabelecer um acesso endovenoso para drogas e líquidos e monitorar o paciente hemodinâmica e eletrocardiograficamente são algumas das medidas que se fazem necessárias. Lembrar que a administração rápida de soluções cristalóides é prioritária no tratamento do choque, visando a expandir o volume sangüíneo eficaz. A adrenalina é a droga de primeira linha no tratamento das reações anafiláticas sistêmicas. Ela possui potentes efeitos a, b 1 e b 2 adrenérgicos que contrabalançam os efeitos deletérios dos mediadores da anafilaxia. Os efeitos a aumentam a pressão arterial e revertem tanto a vasodilatação quanto a hipotensão sistêmicas, e a vasoconstrição periférica diminui o angioedema e a urticária. As ações b-agonistas facilitam a broncodilatação, têm efeitos cardíacos inotrópico e cronotrópico positivos e aumentam a produção de AMP cíclico. A via de administração e a dose de adrenalina dependem basicamente da gravidade da reação anafilática inicial. Nas reações localizadas (urticária ou angioedema ao redor do sítio de inoculação do antígeno), recomenda-se a injeção de adrenalina por via subcutânea, em dose de 0,3-0,5 mg de uma solução 1:1.000 (0,3-0,5 ml), repetida até de 15/15 ou 20/20 minutos, se necessário. Alguns autores sugerem que uma fração desta dose ou uma dose adicional de cerca de 0,5 mg de solução 1:1.000 seja injetada na porta de entrada para retardar a absorção do antígeno. Nas reações de anafilaxia sistêmica, a dose inicial também vai de 0,3 a 0,5 mg de solução 1:1.000 subcutaneamente, repetida conforme a necessidade. Para os pacientes inicialmente atendidos já em choque e colapso cardiocirculatório, a administração de adrenalina endovenosa é recomendada. Esta via não é isenta de riscos, e o paciente deve ser cuidadosamente monitorado durante o uso. A dose inicial compreende 0,1 mg (0,1 ml de solução 1:1.000) de adrenalina aquosa em 10 ml de soro fisiológico (resultando em uma diluição final de 1:100.000), infundida durante 10-15 minutos. Uma vez iniciada essa terapia, segue-se uma infusão contínua nos pacientes que não apresentam melhora: 1 mg (1 ml) de solução 1:1.000 é adicionado a 250 ml de soro glicosado isotônico, obtendo-se uma concentração final de 4 mg/ml. O ritmo de administração deve ser ajustado para 1 mg/min (ou 15 microgotas/min), aumentando-se para 4 mg/min se nenhum efeito benéfico for observado. As ações farmacológicas da adrenalina podem ser 108

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usadas para monitorar sua administração e reduzir a possibilidade de efeitos tóxicos. Em particular, os sítios receptores b respondem a doses menores de adrenalina do que os a. E mais, durante uma infusão lenta, predomina a saturação dos receptores b, e o contrário ocorre durante uma infusão rápida. Portanto, uma dose baixa e lenta de adrenalina EV deve produzir broncodilatação e aumentos moderados da pressão sistólica sem ocasionar efeitos adversos. A toxicidade da adrenalina decorre diretamente do excesso dos efeitos farmacológicos. A atividade a-adrenérgica excessiva pode aumentar a pressão sistólica, bem como a diastólica, e ocasionar uma crise hipertensiva ou uma hemorragia intracraniana. O excesso de estimulação b pode resultar em aumento do consumo de oxigênio do miocárdio tanto por taquicardia como por aumento da contratilidade, induzindo sintomas anginosos e isquemia do miocárdio. Esse efeito também pode ocasionar arritmias, principalmente extra-sístoles atriais e ventriculares. Clinicamente relacionadas ao uso de adrenalina EV, já foram observadas arritmias, isquemia miocárdica e até infartos, em raras ocasiões. Apesar do papel preponderante da adrenalina no tratamento da anafilaxia sistêmica, algumas drogas desempenham um papel auxiliar, sujeito a algumas críticas. Os antihistamínicos são empregados para evitar nova ligação de adrenalina aos receptores. Deste modo, conclui-se que estes não possuem ação sobre o processo já desencadeado. Além do mais, sabe-se hoje que os mediadores mais potentes são os leucotrienos (antigamente chamados SRS-A) e que sua ação não é inibida pelos anti-histamínicos. Apesar dessas limitações, ainda é preconizada a administração de difenidramina, 50 mg IM, logo no início do tratamento. Já os corticosteróides não possuem a rapidez de ação necessária para reverter o quadro inicial e agudo. Contudo, casos de anafilaxia prolongada ou hipotensão e broncoespasmo persistentes poderiam beneficiar-se da administração de succinato de hidrocortisona (Solu-Cortef®) 100-500 mg EV a cada seis horas ou de doses correspondentes de dexametasona. A administração de corticóides em altas doses por tempo curto (p. ex., até 72 horas) não foi conclusivamente relacionada a efeitos adversos importantes. C. Choque neurogênico. Nesta forma de choque vasogênico, ocorre um desequilíbrio do tônus vasomotor, com predomínio de vasodilatação e, conseqüentemente, hipotensão. As causas mais comuns são as lesões da medula espinhal, as anestesias peridurais ou raquidianas e as drogas bloqueadoras autônomas. Na fase aguda do traumatismo raquimedular, a hipotensão geralmente se acompanha de bradicardia. O choque neurogênico é observado algumas vezes após acidentes, devendo ser diferenciado do choque hipovolêmico pela bradicardia. No exame clínico, observa-se uma pressão arterial muito baixa, com taquicardia; caso se trate de lesão medular, observam-se as extremidades quentes acima do nível da lesão, e as frias, abaixo. É importante a realização de radiografias da coluna, para se certificar da ocorrência de fraturas. A primeira medida a ser tomada é a infusão rápida de soluções cristalóides, para restaurar o volume sangüíneo eficaz (soro fisiológico ou Ringer lactato). Excepcionalmente, hipotensão refratária a essa medida constitui indicação para o uso de agonistas a109

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adrenérgicos como o metaraminol, a metoxamina e a fenilefrina. De um modo geral, o choque neurogênico é facilmente reversível, sendo bastante fugaz. Referências 1. Asensio JA. Exsanguination from penetrating injuries. Trauma 1990; Q 6: 1-25. 2. Asensio JA. Evolving issues in emergency medical services and trauma. Exsanguination Emergency Care Quarterly 1991; 7(3): 59-75. 3. Barriot P et al. Prehospital autotransfusion in life-threatening hemothorax. Chest 1988; 93: 522-6. 4. Beecher HK et al. The internal state of the severely wounded man on entry to the most forward hospital. Surgery 1947; 22: 672. 5. Bongard FS. Shock & resuscitation. In: Bongard FS, Sue DY. Current Critical Care Diagnosis and Treatment. 1 ed, London: Prentice-Hall International Inc. 1994: 14-36. 6. Capone AC, Safar P, Stezoski W et al. Improved outcome with fluid restriction in treatment of uncontrolled hemorrhagic shock. J Am Coll Surg 1995; 180(1): 49-56. 7. Carroll RG et al. Prevention of irreversible hemorragic shock by the preservation of cellular integrity. Med Hypotheses 1987; 24: 69-75. 8. Chen HL. Naloxone in shock and toxic coma. Am J Emerg Med 1984; 215: 444. 9. Cohn JN. Recognition and management of shock and acute pump failure. In: Hurst JW. The Heart 1982: 463. 10. Copeland JD. Perioperative uses of inotropic drugs. In: Cardiothoracic Surgery Series — Perioperative Cardiac Disfunction. Vol. III, 1985: 230. 11. Domaniecki J et al. Gunshot wounds caused by modern firearms in the light of our investigations. J Trauma 1988; 28(1 Suppl.): S163-5. 12. Haljamae H. Microcirculation and hemorragic shock. Am J Emerg Med 1984; 2: 100-7. 13. Henriques PRF. Politraumatizado: abordagem inicial. In: Lázaro da Silva A. Cirurgia de Urgência, Rio de Janeiro: MEDSI, 1985: 528. 14. Holaday JW. Opiate antagonists in shock and trauma. Am J Emerg Med 1984; 2:8. 15. Holmes DR Jr, Califf RM, Van de Werf F et al. Difference in countries’ use of resources and clinical outcome for patients with cardiogenic shock after myocardial infarction: Results from the GUSTO Trial. Lancet 1997; 349(9.045): 75-8.

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Capítulo 08 - Insuficiência Respiratória Pós-Traumática Marco Tulio Baccarini Pires I. Introdução. O paciente politraumatizado pode, por diversos motivos, desenvolver um quadro de insuficiência respiratória. A contusão pulmonar direta, as atelectasias, a aspiração de sangue e de conteúdo gástrico, a embolia pulmonar, o pneumotórax e o hemotórax são fatores causais bem conhecidos, que acometem o politraumatizado. A síndrome de angústia respiratória do adulto (SARA), por outro lado, é uma entidade isolada, diferente das anteriores, que já vinha sendo observada desde 1880 por Laennec, mas que somente em 1967 foi descrita, por Ashbaug e cols. Durante a Guerra do Vietnã, esta síndrome pôde ser adequadamente estudada, e sabe-se hoje que ela ocorre em cerca de 16% dos pacientes portadores de traumatismos graves (politraumatizados, pacientes com lesões por arma de fogo ou branca). A SARA pode ser definida como a insuficiência respiratória conseqüente à alteração da permeabilidade da membrana capilar pulmonar, que aumenta, resultando no acúmulo de edema intersticial. No quadro, observam-se hipoxemia arterial aguda, presença de shunt intrapulmonar aumentado, diminuição da complacência pulmonar, presença de infiltrados nos raios X de tórax e pressão em cunha pulmonar normal. Sua mortalidade é alta, variando de 10 a 90%, dependendo da idade do paciente e do grau de insuficiência de múltiplos órgãos. Nos Estados Unidos, a SARA apresenta uma incidência anual de 150.000 casos. As principais causas de SARA são as seguintes: abuso de drogas, carcinomatose, circulação extracorpórea, doença vascular periférica, eclâmpsia, edema pulmonar das grandes altitudes, embolia arterial, embolia gordurosa, embolia por líquido amniótico, embolia por agregados plaquetários, feto morto, fraturas, grandes cirurgias, hipotermia, infarto intestinal, infusão hídrica em excesso, internação prolongada, lesão pulmonar isquêmica, malária, microatelectasia, pneumonias, queimaduras, reação transfusional, ruptura de aneurisma, septicemia por Clostridium, septicemia por bacilos gram-negativos, toxicidade por oxigênio, transfusões sangüíneas múltiplas, transplantes de órgãos, traumatismos cranianos e traumatismos pulmonares diretos. De acordo com Morel e cols., a falência respiratória pode ser classificada em quatro gradações, descritas no Quadro 8-1. A ocorrência de barotrauma depende da gravidade da SARA, da duração da ventilação artificial, do nível de pressão expiratória final positiva (PEEP) e da pressão de pico na via aérea (PAP — Peak Airway Pressure). II. Quadro Clínico. As manifestações clínicas mais comuns da insuficiência respiratória são a taquipnéia e a hipoxemia. Estas manifestações, entretanto, podem variar desde uma pequena insuficiência respiratória até um quadro letal de falha pulmonar. A gravidade de cada caso depende,

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inclusive, da grande variedade de circunstâncias que podem causar a síndrome. São mais freqüentes os casos mais brandos de SARA. Apenas para fins descritivos, podemos dividir o quadro clínico dos pacientes em quatro estágios: A. Lesão, ressuscitação e alcalose seguem-se imediatamente à lesão inicial e são caracterizadas por hiperventilação espontânea, com hipocarbia, complacência pulmonar diminuída, alcalose mista e raios X de tórax normais. B. Caracteriza-se pelo paciente que alcançou a estabilidade circulatória ao término da primeira fase e pelo início da dificuldade respiratória. Este estágio dura de várias horas a dias. Persistem a hiperventilação, a hipocarbia progressiva, o aumento do débito cardíaco, a diminuição progressiva da complacência pulmonar, a queda da PO2 e o aumento dos shunts pulmonares. C. Caracteriza-se por uma insuficiência respiratória franca e progressiva. D. É um estágio terminal, com hipoxemia final e assistolia. A hipoxemia na SARA responde pouco às elevações da concentração de O2 inspirado, o que indica alteração no balanço ventilação-perfusão e presença de shunts. A diminuição da complacência pulmonar leva à necessidade de aumento progressivo na pressão ventilatória, para que seja alcançado um volume tidal adequado. Os critérios diagnósticos na SARA são vistos no Quadro 8-2. A sepse está presente em cerca de 50% dos pacientes com SARA. Nos pacientes traumatizados, a sepse surge após as primeiras 48 horas. No diagnóstico diferencial, o edema pulmonar cardiogênico é o quadro mais comumente confundido com a SARA, devendo ser afastado. Esta diferenciação pode ser mais difícil quando a SARA é vista juntamente com sobrecarga hídrica ou com a insuficiência cardíaca congestiva. Em situações normais, não se observa, na SARA, o aumento da pressão da artéria pulmonar, o que a diferencia de um edema pulmonar cardiogênico. III. Alterações Patológicas. As alterações patológicas pulmonares são semelhantes em todos os casos de SARA, independentemente de sua etiologia. Nos estágios iniciais, os pulmões podem estar normais ou mostrar hemorragias petequiais e edema. Com a progressão do quadro, os pulmões se tornam congestos e hemorrágicos. Podem surgir exsudatos fibrinosos na superfície pleural. Um quadro de broncopneumonia sobrejacente pode surgir. Microscopicamente, há congestão na microcirculação, com agregados de neutrófilos, fibrina e plaquetas (após 4-6 horas). Nas próximas 12-48 horas surgem a hemorragia e o edema intersticial. Neste momento, à ausculta, os pulmões estão costumeiramente limpos. A pressão da artéria pulmonar e a PVC também estão normais. A radiografia de tórax também pode ser normal. 114

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Ao final desta fase, entretanto, as radiografias do tórax já mostram um padrão reticular difuso e simétrico. Quanto maior a gravidade do quadro de SARA, mais precoces serão as alterações radiológicas (Pranchas 8-1 e 8-2). Após 48-72 horas, têm-se o aumento do edema intersticial, microatelectasias, hipertrofia das células alveolares e, finalmente, hemorragia e edema intra-alveolares. Na radiografia, esta fase mostra consolidação radiográfica em todo o campo pulmonar. Depois de 48-72 horas, podem eventualmente surgir membranas hialinas, e estas podem tornar-se as lesões predominantes, diminuindo a hemorragia e a congestão. Aos raios X, observa-se uma densa consolidação dos segmentos e dos lobos pulmonares. Nos casos mais graves, apesar da administração de oxigênio a 100% e PEEP (Positive End Expiratory Pressure) elevada, a PO2 cai a níveis críticos, com o surgimento de hipotensão e arritmias, e o paciente morre. Uma semana após o início do quadro, nos pacientes que continuam vivos, porém nos quais o quadro da SARA permanece, uma broncopneumonia geralmente surge como superposição. Se a infecção não ocorre, a proliferação de fibroblastos, a deposição de colágeno e a formação de pneumatoceles podem ocorrer, a médio prazo. A própria utilização de oxigenoterapia a 100%, sob altas pressões, favorece o surgimento de barotrauma, levando, inclusive, a algumas situações que exijam tratamento cirúrgico, como a drenagem torácica, caso ocorra pneumotórax. IV. Tratamento. O tratamento, com base no que se conhece da fisiopatologia e das alterações da SARA, deve ser dirigido para: manter a circulação sangüínea e a pressão arterial adequadas; manipular o fluxo sangüíneo pulmonar, aumentar a perfusão dos locais pulmonares bemventilados e diminuir a perfusão nos locais malventilados; reverter diretamente a lesão capilar por correção da membrana; reduzir indiretamente o edema intersticial; melhorar a ventilação de alvéolos parcialmente colapsados e prevenir o colapso de outros, e realizar a remoção extracorpórea de dióxido de carbono, através de implantação de bypass venovenoso (método pouco empregado). Na prática, o tratamento da SARA é muito controvertido, em relação a como atingir os objetivos expostos, e, levando-se em consideração que são inúmeras as possíveis causas da síndrome, o tratamento deve englobar, sempre que possível, a causa-base. Deve-se enfatizar que, apesar da melhoria das técnicas de terapia intensiva disponíveis, a mortalidade global da SARA não se alterou nos últimos 20 anos, permanecendo muito alta. É, pois, sempre preferível evitar a SARA, identificando-se os pacientes mais propensos a apresentá-la e iniciando-se o tratamento de prevenção (Quadro 8-3). A monitoração da função pulmonar é de extrema importância para a identificação precoce do paciente que esteja evoluindo para a SARA. A terapia para a SARA deverá ter início se a tensão de O2 (PO2) arterial cair abaixo de 90 mmHg com uma concentração de oxigênio (FIO2) de 40%, estando o paciente em respirador; se a freqüência respiratória passar de 25 ir/min; se a saturação da hemoglobina cair abaixo de 90% no oxímetro de pulso (no 115

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respirador, com O2 a 40%); e se a relação PO2/FIO2 cair abaixo de 300. Evidentemente, outras causas de problemas respiratórios devem ser afastadas antes, tais como problemas com o tubo endotraqueal, atelectasias, embolia pulmonar, problemas com o respirador artificial, pneumotórax e hemotórax, edema pulmonar agudo, ou quaisquer outros de natureza semelhante. As seguintes medidas podem ser tomadas em um paciente que apresente a síndrome: A. Suporte ventilatório. Está indicado principalmente de acordo com os níveis de saturação de O2 arterial. O nível crítico para a intubação endotraqueal em pacientes com maior possibilidade de SARA é de uma PO2 inferior a 60 mmHg, em um paciente que esteja recebendo O2 por máscara ou cateter nasal a 100%; em determinadas situações, o paciente deverá ser intubado com níveis de PO2 até mesmo um pouco maiores (casos nos quais a possibilidade de SARA seja muito aumentada). A acidose respiratória com uma PO2 maior do que 60 mmHg, em um paciente com taquipnéia (acima de 35 ir/min), e com uma capacidade vital menor do que 10-12 ml/kg de peso, também indica a intubação. Para a obtenção de uma ventilação adequada, usa-se respirador de volume, com fluxo relativamente alto: de 10-12 ml/kg de peso. A fim de aumentar a capacidade residual funcional, usa-se, ainda no respirador, a PEEP, que possibilita maior expansão alveolar e usa também um maior número de alvéolos, diminuindo, deste modo, o grau de shunt existente, melhorando tanto a PO2 como a complacência pulmonar. A indicação de PEEP na SARA é a de um paciente ventilado com FIO2 de 60% em que a PO2 arterial não alcance 60 mmHg. Habitualmente, iniciamos com uma PEEP de 5-8 cmH2O, chegando a até 10-14 cmH2O, com respirador programado com volume tidal normal e freqüência respiratória normal. Níveis máximos de PEEP podem chegar a 25-35 cmH2O, caso se utilizem mecanismos extracorpóreos para remoção do CO2 (ver adiante). Quanto maior a PEEP, maior a queda no débito cardíaco, ocasionada pela diminuição do retorno venoso para o ventrículo direito (como cuidado, nesses pacientes, é aconselhável a passagem de cateter de Swan-Ganz para a medida das pressões pulmonares e adequação do débito cardíaco). Deve ser lembrado que a PEEP não atua diretamente no edema intersticial já formado — ela apenas melhora a oxigenação do sangue. As complicações da terapêutica com ventilação prolongada, já citadas, incluem barotrauma, pneumatoceles, pneumotórax, pneumomediastino, queda no débito cardíaco e infecção tardia. Os pacientes deverão ser traqueostomizados precocemente (tão mais precocemente quanto maior for a gravidade do caso), para diminuição do espaço morto e para facilitar a aspiração de secreções (que normalmente não são muito aumentadas, mas que, mesmo em quantidades menores, poderão influir no quadro respiratório, devido à instabilidade do paciente). B. Capacidade de carreamento de O2 pelo sangue. A fim de ser alcançado um completo aproveitamento do oxigênio pelos tecidos, é necessário que os níveis de hemoglobina sejam mantidos entre 12 e 14%. Deve-se evitar tanto a acidose quanto a alcalose, pois ambas alteram a curva de dissociação Hb-O2 — o estado ideal, portanto, é o do equilíbrio metabólico.

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C. Diuréticos. O uso de diuréticos foi proposto anteriormente como forma de reduzir o edema intersticial. Entretanto, não existe qualquer comprovação da ocorrência deste tipo de efeito. Assim, é possível a administração de furosemida, de acordo com as necessidades, naqueles pacientes nos quais se nota sobrecarga hídrica. Não se trata de “secar” o paciente, o que não teria utilidade. Vasopressores, plasma e papas de hemácias são administrados quando o emprego de diuréticos produz hipotensão. D. Aporte hídrico. Usam-se esquemas de infusão hídrica normais. Um aporte aumentado causaria problemas de congestão, com PVC e pressão arterial pulmonar altas. Por outro lado, um menor aporte hídrico levaria à hipovolemia e à queda no débito cardíaco, o que seria muito prejudicial em um paciente com insuficiência respiratória grave. O ideal é que a administração de volume seja feita com base na pressão em cunha da artéria pulmonar, devendo esta ser mantida entre os níveis mínimos de 5-8 mmHg e máximos de 12-15 mmHg. O uso de colóides é discutível. Antigamente, presumia-se que, com o uso de colóides em maior quantidade, poder-se-ia diminuir o edema intersticial, o que, na realidade, não ocorria. Além do mais, na presença de infecção secundária em pacientes com SARA, o uso de albumina pode até mesmo aumentar o edema. A administração de plasma é adequada apenas nos casos em que a pressão venosa central e a pressão arterial pulmonar estejam baixas, podendo ser associada à infusão de concentrado de hemácias, para que se mantenham níveis hematínicos mais elevados, favorecendo o aporte mais adequado de O2 aos tecidos. E. Corticosteróides. Foram muito utilizados no passado, no tratamento da SARA. Não há qualquer prova conclusiva de que tenham valor benéfico no tratamento da síndrome e, na realidade, podem determinar um aumento na mortalidade, por propiciarem a maior ocorrência de infecção. F. Heparina. É uma droga que apresenta efeitos colaterais de sangramento, principalmente se administrada em paciente politraumatizado ou recém-operado. Só deverá ser administrada caso o paciente seja portador de coagulação intravascular disseminada. G. Antibióticos. São freqüentes os casos de SARA com infecção. Entretanto, o uso indiscriminado de antibióticos pode levar ao surgimento de cepas resistentes, de alta virulência. Deste modo, deve-se evitar a administração de drogas profilaticamente, prescrevendo-se sua utilização específica para cada tipo de infecção, caso esta surja. H. Antiinflamatórios não-esteróides. Estão sendo investigados atualmente; não existem registros que demonstrem, até o momento, sua eficácia em seres humanos. I. Vasodilatadores. Podem ser úteis simplesmente por provocarem diminuição na pressão microvascular pulmonar em nível capilar, com redução do edema. O emprego da prostaglandina E1 (PGE1) em doses progressivas de 1-30 mg/min reduz de modo acentuado as pressões pulmonares (arterial e venosa), aumentando o débito cardíaco e o transporte de O2. Esta ainda não é uma terapêutica padronizada, porém poderá vir a ser de utilidade no futuro.

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J. Óxido nitroso. O óxido nitroso, administrado por via inalatória, tem demonstrado um aumento na sobrevida dos pacientes portadores de SARA. É uma técnica segura, efetiva e de fácil utilização. Associada à instituição de posição prona, tem sido ainda mais eficaz. H. Posição prona. Mudanças freqüentes de posição podem levar à melhora significativa da oxigenação do paciente. O posicionamento de pacientes, sedados e em ventilação mecânica, na posição prona, é capaz de melhorar sensivelmente a oxigenação em pacientes portadores de SARA. Os estudos, iniciados em modelo animal, mostraram-se bastante semelhantes em seres humanos. A associação da posição prona ao óxido nitroso demonstrou ser ainda mais benéfica, com melhora adicional da oxigenação. I. Cuidados respiratórios auxiliares. Outros cuidados respiratórios envolvem a aspiração de secreções, a tapotagem, as vibrações torácicas e os cuidados de assepsia ao se manusear o tubo traqueal ou a cânula de traqueostomia. Deve-se fazer o possível para evitar uma infecção pulmonar, que pode piorar ainda mais o quadro respiratório. J. Traqueostomia. Quase sempre obrigatória, deve ser realizada tanto mais precocemente quanto maior for a gravidade do quadro. Eletivamente, deveria estar indicada em torno do 14º dia de intubação orotraqueal. L. Sedação. Muitos pacientes poderão apresentar-se agitados com o quadro de hipoxemia. A sedação tem as vantagens de diminuir o consumo de O2 por um paciente muito agitado e permitir uma ciclagem mais adequada do respirador, sem competição. Ainda possibilita posicionar o paciente no leito, a fim de se tentar uma melhor oxigenação (posição prona). M. Remoção extracorpórea de CO2. Baseia-se na remoção do CO2 através de membrana pulmonar artificial, possibilitando que o espaço alveolar pulmonar seja aproveitado somente para oxigenação. Realiza-se bypass venovenoso entre a veia femoral e a veia cava inferior, para inserção do dispositivo de membrana artificial. Ao mesmo tempo, procura-se manter a pressão inspiratória de pico entre 35 e 40 cmH2O, e a PEEP máxima entre 25 e 35 mmH2O, no ventilador. O uso desta técnica é extremamente oneroso, havendo ainda possibilidade de complicações (hepáticas, renais, trombóticas, sépticas); assim, a sua utilização ainda é restrita, apesar de alguns resultados iniciais promissores. N. Ventilação líquida parcial. Inicialmente, o uso do Perflubron, estabelecendo-se ventilação líquida parcial, foi feito simultaneamente com circulação extracorpórea prolongada de suporte; no momento, alguns estudos, aprovados pelo FDA, estão sendo realizados nos Estados Unidos. Esta técnica parece ser promissora, mas o seu uso se encontra restrito, no momento, ao campo experimental. O. Prevenção de complicações. Devem ser tomados todos os cuidados possíveis no sentido de que sejam evitadas as infecções, além de se procurar estabelecer um aporte nutricional

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adequado (sonda nasoentérica ou nutrição parenteral), pois o paciente permanecerá por muito tempo na UTI. V. Prognóstico. Existem poucos dados disponíveis a respeito da evolução tardia dos pacientes que sobrevivem à SARA. Provas de função pulmonar verificaram, em alguns grupos de pacientes que haviam sofrido SARA e permanecido ventilados artificialmente, que apenas o fluxo expiratório forçado havia sido reduzido a níveis abaixo de 80%, sendo esta diminuição reversível em função do tempo. Referências 1. Ashbaugh DG et al. Acute respiratory distress in adults. Lancet 1967; 2: 319. 2. Basile Filho A, Paschoal IA, Diniz M et al. Avaliação da função respiratória tardia em pacientes sobreviventes da síndrome de angústia respiratória do adulto. Arq Bras Med 1989; 63: 461-3. 3. Bernard GR, Artigas A et al. Report of the American-European consensus conference on ARDS: definitions, mechanisms, relevant outcomes and clinical trial coordination. Intensive Care Med 1994; 20: 225-32. 4. Bone RC. A new therapy for the adult respiratory distress syndrome. N Engl J Med 1993; 328: 431. 5. Carvalho CRR, Amato MBP. Tratamento da síndrome do desconforto respiratório do adulto. J Pneumol 1990; 16: 212-28. 6. Cuthbertson BH, Dellinger P, Dyar OJ et al. UK guidelines for the use of inhaled nitric oxide therapy in adult ICUs. American-European Consensus Conference on ALI/ARDS. Intensive Care Med 1997 Dec; 23(12): 1.212-8. 7. Deslauriers J, Awad JA. Is extracorporeal CO2 removal an option in the treatment of adult respiratory distress syndrome? Ann Thorac Surg 1997 Dec; 64(6): 1.581-2 8. Gasche Y, Romand JA, Pretre R et al. ARDS; respiratory effects and serious complications. Eur Respirar J 1994; 7: 821-3. 9. Hirschl RB, Pranikoff T, Wise C et al. Initial experience with partial liquid ventilation in adult patients with the acute respiratory distress syndrome. JAMA 1996; 275: 383-9. 10. Lee J, Turner JS, Morgan GJ et al. Adult respiratory distress syndrome: has there been a change in outcome predictive measures? Thorax 1994; 49: 596-7.

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Capítulo 09 - Traumatismos Torácicos Evilázio Teubner Ferreira Sizenando Vieira Starling Carlos Faria Santos Amaral A cavidade torácica contém órgãos vitais dos sistemas respiratório e circulatório, desempenhando papel importante na fisiologia desses sistemas. Daí a importância e a gravidade dos traumatismos torácicos, comprovadas pela análise das estatísticas referentes ao trauma: cerca de 25% dos casos de morte de pacientes politraumatizados são causados diretamente pelos traumatismos torácicos, enquanto estes estão presentes como fator agravante em 25-50% das mortes devidas a traumatismos de outros sistemas. Um número significativo de vítimas de traumatismo torácico morre antes de conseguir assistência médica adequada. Entretanto, os grandes progressos conseguidos no transporte rápido do paciente traumatizado, na utilização de pessoal paramédico com treinamento adequado (RESGATE) e uma padronização no atendimento médico inicial do politraumatizado (ATLS — Advanced Trauma Life Support) resultaram numa sobrevida maior dos pacientes com traumas mais graves. O diagnóstico e o tratamento dos traumatismos torácicos envolvem procedimentos relativamente simples, na maioria dos casos. Assim, o exame clínico e uma radiografia simples do tórax são, geralmente, os métodos empregados para diagnosticar estes traumatismos. Em raros casos, é necessário recorrer-se a exames de imagem ou à endoscopia. Com relação ao tratamento, a maioria dos casos pode ser resolvida com procedimentos cirúrgicos menores, sendo o índice de toracotomia de urgência inferior a 10%. Esta é restrita aos grandes hemotórax, às lesões cardíacas e dos vasos da base, às rupturas diafragmáticas, às lesões esofágicas, da traquéia e dos grandes brônquios e às grandes lacerações pulmonares. Estes fatos devem ser conhecidos pelos médicos que atuam fora dos grandes centros urbanos, porque muitos traumatismos torácicos ocorrem em lugares distantes desses centros, e serão eles os primeiros a atender esses pacientes. Vários aspectos relacionados ao atendimento médico inicial ao paciente com traumatismo torácico já foram discutidos em outros capítulos. Neste, abordaremos as diversas lesões ocasionadas especificamente pelo traumatismo torácico. É importante lembrar que todo traumatismo torácico está acompanhado por um grau variado de dor. Essa dor, dependendo de sua intensidade, produz respiração superficial, taquipnéia e hipoventilação; isto leva a um aumento do espaço morto, a uma menor eficácia da tosse e provoca retenção de secreções. Portanto, um controle eficaz da dor de todo paciente com trauma torácico é muito importante; caso contrário, poderão ocorrer hipercapnia, hipoxia, infecção pulmonar e até mesmo SARA. I. Lesões Que Exigem Tratamento Imediato. Manifestam-se através de insuficiências respiratória e/ou circulatória agudas que, se não tratadas rápida e adequadamente, levam à morte em um curto período de tempo. 122

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As principais condições são representadas por tórax instável, pneumotórax aberto, pneumotórax hipertensivo, hemotórax volumoso e tamponamento cardíaco. Estas últimas condições serão abordadas com maiores detalhes em outros capítulos. Neste, abordaremos apenas o tórax instável. A. Tórax instável. É uma condição decorrente da fratura de vários arcos costais consecutivos, em mais de um local, ocasionando descontinuidade da área acometida com o restante da parede torácica, de modo que ela passa a se movimentar paradoxalmente durante a respiração. Os segmentos instáveis localizam-se principalmente nas porções anteriores e laterais do tórax, a parede posterior sendo poupada por ser mais protegida e estabilizada pela musculatura paravertebral e pela escápula. Quando a área envolvida é extensa, a insuficiência respiratória geralmente está presente. 1. Fisiopatologia. As alterações respiratórias decorrentes de tórax instável foram inicialmente explicadas pela teoria do movimento “em pêndulo” do ar nos pulmões. De acordo com esta teoria, durante a inspiração, em decorrência da retração do segmento instável, há passagem de ar do pulmão contido no hemitórax lesado para o pulmão do hemitórax íntegro. Na expiração, em vez de ser exalado, o ar retorna ao pulmão no hemitórax instável, devido ao abaulamento expiratório. Deste modo, o volume do ar permutado entre os dois pulmões, em decorrência da respiração paradoxal, não contribui para a ventilação, aumentando o espaço morto. Entretanto, existem controvérsias clínicas e experimentais em relação a esta teoria. Outros mecanismos são propostos para explicar os distúrbios ventilatórios no tórax instável. O movimento paradoxal do segmento instável ocasiona redução do gradiente pressórico gerado pelo fole torácico, diminuindo a mobilização do ar pelos pulmões, podendo produzir hipoventilação alveolar. A dor reduz a eficiência dos movimentos respiratórios e a eficiência da tosse, ocasionando retenção de secreções e atelectasias. A presença de outros fatores restritivos, como o hemotórax e o pneumotórax, pode produzir hipoventilação e também contribuir para a instalação da insuficiência respiratória aguda. A contusão pulmonar geralmente está associada ao tórax instável, sendo importante fator contribuinte na patogênese da insuficiência respiratória, por meio das alterações na relação ventilação-perfusão que ocasiona no pulmão. Desse modo, a insuficiência respiratória aguda no tórax instável tem origem multifatorial, com componentes ventilatórios (movimento paradoxal, dor e outros fatores restritivos) e alveolares (contusão pulmonar) (Figs. 9-1 e 9-2). 2. Diagnóstico. É essencialmente clínico, sendo confirmado pela observação de movimentos paradoxais durante a respiração, isto é, durante a inspiração o segmento acometido move-se para dentro e, na expiração, para fora. Entretanto, logo após o traumatismo, devido ao espasmo muscular, o movimento paradoxal pode passar despercebido à inspeção. Nesta eventualidade, bem como nos pacientes obesos e nas mulheres com mamas volumosas, ele pode ser detectado por meio de palpação.

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A visualização de fraturas múltiplas de costelas na radiografia do tórax sugere, mas não confirma, o diagnóstico de tórax instável. Entretanto, o estudo radiológico do tórax deve ser realizado com vistas à detecção de lesões associadas. 3. Tratamento. O tratamento é dirigido para manutenção de uma boa ventilação, para redução do dano pulmonar subjacente e para prevenção de complicações. É primordial a realização de gasometria na admissão desses pacientes, devendo ser repetida sempre que necessário. A terapia é dividida em três níveis: (1) imobilização esquelética; (2) controle da dor e infecção e (3) imobilização interna com ventilação com pressão positiva através de tubo endotraqueal. A estabilização do segmento instável, de imediato, pode ser alcançada pela compressão do segmento torácico comprometido até que o paciente seja transportado para um hospital. Usamos para isto um apoio externo, como uma pressão manual firme ou a colocação de objetos pesados (sacos de areia) na área acometida. Uma abordagem útil, no local do acidente, é posicionar o paciente com o lado lesado para baixo. Lesões associadas, como pneumotórax, hemotórax e contusão pulmonar, devem ser sempre pesquisadas e adequadamente tratadas. Pacientes sem evidência clínica e laboratorial de insuficiência respiratória com graus menores de instabilidade torácica e contusão pulmonar são tratados com o controle da dor por meio de analgésicos (bloqueios intercostais e analgesia peridural) e a remoção de secreções, empregando-se fisioterapia respiratória e broncoaspiração com broncoscópio flexível. Esse pacientes devem ser mantidos em observação rigorosa pela possibilidade de evoluírem para insuficiência respiratória aguda em decorrência da exaustão muscular ou da instalação de edema pulmonar secundário à contusão pulmonar, o que pode surgir até 72 horas após o trauma. A estabilização do tórax foi inicialmente realizada por meio da fixação dos fragmentos costais e do esterno com fios de aço, seguida de tração. As desvantagens desse método são a persistência da dor secundária à tração e a possibilidade de infecção nos locais de fixação. A ventilação artificial mecânica, empregando ventiladores ciclados por volume, constitui o método mais adequado de tratamento do tórax instável. A indicação desse método depende da análise de vários fatores, como o grau de instabilidade da parede torácica e a presença de contusão pulmonar grave e de lesões neurológicas associadas, ocasionando depressão respiratória. Em geral, a ventilação mecânica está indicada, de imediato, nos pacientes mais graves, com evidências clínicas e laboratoriais de insuficiência respiratória aguda. Para ser eficaz, o paciente deve receber ventilação controlada, o que muitas vezes exige a administração de depressores de respiração ou, até mesmo, a curarização. A ventilação artificial oferece controle adequado do volume corrente, diminui a dor e permite uma consolidação anatômica mais fisiológica, devendo ser mantida por um período de 7 a 14 dias. A traqueostomia é geralmente realizada devido ao período prolongado de respiração artificial. Ela deve ser sempre um procedimento eletivo, precedido por intubação endotraqueal, a não ser que o paciente apresente lesões associadas que contra-indiquem a intubação, como traumatismo bucomaxilofacial extenso e possibilidade de trauma 124

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raquimedular cervical. A traqueostomia é mais bem-tolerada nos pacientes conscientes do que a intubação e facilita a remoção de secreções. Entretanto, não é isenta de complicações, destacando-se entre elas as infecções pulmonares. A presença de pneumotórax, mesmo laminar, justifica a drenagem torácica se o paciente passa a ser ventilado artificialmente pelo risco de evolução para pneumotórax hipertensivo. Esta é uma complicação potencial da ventilação artificial nos pacientes com tórax instável, pela possibilidade de haver laceração pleural por um fragmento costal. A ventilação artificial não é um método isento de riscos, e os pacientes que dela necessitam devem ser mantidos em observação contínua de enfermagem e ser examinados freqüentemente pelo médico, mesmo quando o ventilador é dotado de alarmes sonoros que indiquem anormalidades em seu funcionamento. O balanço hídrico deve ser rigoroso, e a reposição de líquidos, realizada com cautela, objetivando prevenir o agravamento do edema pulmonar, decorrente da contusão. Apesar dos progressos verificados no tratamento do tórax instável, a mortalidade associada a esta condição permanece elevada, oscilando entre 30 e 50%. Entretanto, a morte em muitos pacientes pode não ocorrer diretamente por causa da lesão torácica, mas por lesões associadas graves com menor possibilidade de êxito no tratamento. II. Outras Lesões Causadas por Traumatismos Torácicos. Os traumatismos torácicos podem produzir outros tipos de lesões que repercutem com menos intensidade sobre a fisiologia cardiorrespiratória. O pneumotórax, o hemotórax e as lesões cardíacas e dos vasos da base, devido às suas particularidades, são abordados com maiores detalhes em seus capítulos específicos. A. Fraturas. Resultam de traumatismos nos quais forças de grande intensidade atuam diretamente sobre a caixa torácica. As fraturas de clavícula são relativamente comuns e usualmente de fácil tratamento. O médico deve estar alerta à possibilidade de lesão dos vasos subclávios ocasionada por fragmentos ósseos. As luxações envolvendo a clavícula ocorrem, na maioria das vezes, em sua junção com o acrômio. Entretanto, quando a luxação envolve a junção esternoclavicular com desvio posterior da cabeça da clavícula, esta pode comprimir a traquéia a ponto de causar insuficiência respiratória aguda. A redução imediata da luxação pode ser conseguida tracionando-se ambos os ombros do paciente para trás, uma manobra capaz de lhe salvar a vida. As fraturas costais costumam ocorrer na vida adulta, durante a terceira e a quarta décadas de vida. Os primeiros arcos costais estão protegidos anteriormente pelas clavículas, posteriormente pelas escápulas e lateralmente pelos braços. Por isso, quando fraturados, indicam traumatismos de grande intensidade. A fratura do primeiro arco costal é encontrada geralmente em associação a lesões graves intratorácicas, abdominais e cranianas, podendo ocasionar lesão da artéria subclávia e do plexo braquial e complicações tardias, como 125

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síndrome de compressão do desfiladeiro torácico. Como as fraturas de primeira costela, as fraturas de escápula denotam traumatismos graves. As costelas inferiores, pela sua mobilidade, raramente são fraturadas por forças que atuam indiretamente. Quando o impacto é direto e dirigido posteriormente, pode fraturar essas costelas e ocasionar laceração renal, esplênica ou hepática. Portanto, principalmente em crianças e jovens com fraturas da 10ª, 11ª ou 12ª costela, devemos pesquisar lesões dessas vísceras; atualmente, o ultra-som abdominal, realizado com critério e por profissional experiente, constitui o método de escolha. As fraturas costais ocorrem, assim, com maior freqüência, da quinta à nona costelas. Quando isoladas, elas raramente constituem problema grave. Entretanto, por provocarem dor intensa, são capazes de limitar os movimentos respiratórios e diminuir a eficácia da tosse, ocasionando retenção de secreções, atelectasia e infecção respiratória. Podem, também, lesar o parênquima pulmonar subjacente. As fraturas do esterno são raras e resultam de traumatismos de grande intensidade, envolvendo forças dirigidas para a porção anterior do tórax. Geralmente estão associadas às fraturas costais ou à disjunção costocondral, bem como a contusões cardíacas. 1. Diagnóstico. A presença de fraturas costais deve ser suspeitada nos pacientes que apresentam dor torácica localizada, agravada por tosse, inspiração profunda ou mudança de posição. A mobilidade da área onde se localiza a fratura pode estar diminuída. A compressão do tórax, no sentido tanto ântero-posterior quanto látero-lateral, em um local afastado da fratura, produz dor e, com freqüência, crepitação da área fraturada. As fraturas de cartilagens costais ou as luxações costocondrais não são visualizadas à radiografia. Nas fraturas esternais, geralmente se observa anormalidade da movimentação do esterno ou se constatam crepitações sobre o mesmo. A radiografia de tórax deve ser feita em todo paciente com suspeita de fraturas costais, não só para confirmá-las, como também para avaliar a presença de outras lesões intratorácicas. Entretanto, muitas vezes ela falha em demonstrar a fratura, mesmo quando se utilizam várias incidências. As radiografias em incidências oblíquas são geralmente necessárias para evidenciar as fraturas esternais. 2. Tratamento. Aconselha-se internar o paciente nas primeiras 24-48 horas, para observação cirúrgica e radiológica. É iniciado o tratamento com analgésicos do tipo aspirina, propoxifeno ou mesmo meperidina, diluída e administrada por via endovenosa. Nas fraturas costais, a imobilização da parede torácica pode ser realizada com esparadrapo, colocado após limpeza da pele com éter e benjoim, estando o paciente em expiração. Ela deve abranger um arco costal acima e abaixo das costelas fraturadas e ultrapassar o esterno, anteriormente, e a coluna, posteriormente. Existem controvérsias em relação a este método, isto porque ele é capaz de limitar a expansão do tórax e predispor ao aparecimento de atelectasias e infecção pulmonar secundárias, ocasionar lesões dermatológicas e dificultar o exame do tórax. Não usamos de rotina este método. Em nenhuma hipótese se deve fazer o enfaixamento circunferencial do tórax. Quando a dor é intensa a ponto de exigir doses excessivas de analgésicos capazes de deprimir a respiração, seu controle pode ser obtido pelo bloqueio intercostal com 126

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anestésicos locais de ação prolongada. O bloqueio intercostal em vários arcos costais pode, por somação, atuar como uma paralisia intercostal capaz de interferir de maneira importante na respiração. A maior parte das fraturas costais se consolida bem após três a seis semanas. O tratamento das fraturas esternais é sintomático, consistindo na supressão da dor com administração de analgésicos. A fixação cirúrgica está indicada quando existe superposição dos fragmentos fraturados e não se obtém um alinhamento satisfatório com a hiperextensão do tórax. B. Lesões traqueobrônquicas. Inicialmente tidas como raras, elas têm sido relatadas com freqüência cada vez maior na literatura. Podem resultar de traumatismos abertos ou fechados do tórax. Nestes últimos, vários mecanismos têm sido propostos para explicar a gênese das lesões. Quando o traumatismo é intenso, a traquéia e os grandes brônquios podem ser comprimidos entre o esterno e a coluna vertebral. Se a glote estiver fechada no momento do acidente, as rupturas na árvore traqueobrônquica poderão ser conseqüentes à elevação brusca da pressão em seu interior. Por outro lado, supõe-se que a maioria das lesões seja indireta, produzida por aceleração e/ou desaceleração dos pulmões, que são órgãos elásticos e com boa mobilidade, não sendo acompanhados nestes movimentos pela traquéia e pelos grandes brônquios, que são estruturas relativamente rígidas e bem-fixadas. Talvez este mecanismo explique por que as rupturas, totais ou parciais, ocorrem com maior freqüência nas proximidades da carina. 1. Diagnóstico. As rupturas da árvore traqueobrônquica devem ser suspeitadas nos pacientes que, após trauma, apresentam grande enfisema mediastinal, de pescoço ou de parede anterior do tórax, com pneumotórax hipertensivo ou não, nos quais o pulmão não se expande com drenagem adequada, persistindo grande borbulhamento de ar no frasco de drenagem, e naqueles pacientes com atelectasia total do pulmão ou de um lobo pulmonar que não responde ao tratamento. Nesta última situação há grande possibilidade de lesão brônquica tamponada. Esta pode cicatrizar-se com estenose parcial ou total do brônquio. A infecção do pulmão atelectasiado pode ocorrer, e é mais freqüente quando a obstrução brônquica não é total. Geralmente estão presentes dispnéia, tosse, hemoptise e cianose, e pode haver piora progressiva do quadro clínico do paciente, desproporcional à intensidade das lesões previamente constatadas. A radiologia pode fornecer subsídios para o diagnóstico. Sinais particularmente sugestivos são o enfisema mediastinal e, quando há ruptura completa do brônquio, pneumotórax, onde o pulmão colapsado, por perder o brônquio de suporte, está posicionado no fundo da cavidade pleural, em vez de situar-se no mediastino. O meio mais fidedigno para estabelecer o local, a natureza e a extensão da lesão é a broncoscopia. Ela pode ser dispensada naqueles casos em que o diagnóstico de lesão brônquica é evidente. 2. Tratamento. As pequenas lesões de traquéia podem ser tratadas pela traqueostomia. Desse modo, reduz-se a pressão na via aérea e impede-se a progressão do enfisema. As

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lesões maiores devem ser imediatamente reparadas por cirurgia. Faz-se ao mesmo tempo uma traqueostomia, podendo a cânula ser retirada após duas semanas. As rupturas brônquicas devem ser tratadas cirurgicamente, de preferência logo após a realização do diagnóstico, consistindo na rafia do brônquio lesado ou em ressecção pulmonar, dependendo das condições gerais do paciente e das condições anatômicas locais. A traqueostomia também está indicada, podendo a cânula ser retirada após duas semanas. C. Hematomas pulmonares. Podem ser conseqüentes a contusões ou feridas torácicas. O paciente geralmente apresenta febre, dor torácica, dispnéia e hemoptise, sintomas que desaparecem com uma semana de evolução. Raramente os hematomas ocasionam hemoptises importantes que requeiram tratamento cirúrgico. Muito raramente eles se infectam, resultando em abscesso pulmonar. Às vezes, evoluem para hemopneumotórax, que são tratados com drenagem. Após esse período, o diagnóstico é feito por meio da radiografia do tórax. Os hematomas podem ser volumosos, ocupando até um lobo pulmonar inteiro, mas comumente se apresentam como opacificações arredondadas, às vezes com aspecto numular, com diâmetro que oscila entre 2 e 5 cm, podendo depois assumir aspecto cístico. Eles se localizam preferencialmente nos lobos inferiores. Em geral, desaparecem após um período de duas a quatro semanas, mas podem persistir por tempo prolongado. Nessa eventualidade, costumam provocar dúvida em relação ao diagnóstico, principalmente quando se ignora a sua origem traumática. Muitas vezes torna-se necessária a sua remoção cirúrgica, para se estabelecer o diagnóstico. O tratamento dos hematomas pulmonares é conservador. Preconiza-se a administração de antibióticos e de antiinflamatórios. D. Corpos estranhos. A conduta a ser adotada com relação aos corpos estranhos depende de sua natureza, localização e do tamanho. Os projéteis só deverão ser retirados se localizados junto a estruturas nobres ou se forem facilmente identificados durante a toracotomia. Os ferimentos por tiro de cartucheira, a pequena distância, devem ter sempre indicação cirúrgica para desbridamento e limpeza, pois, com freqüência, produzem infecções com seqüelas importantes. Nos ferimentos causados por arma branca em que esta permanece encravada no tórax, principalmente quando na região esternal, supraclavicular e nas porções basais e posteriores do tórax, a sua remoção deve ser realizada sob visualização direta por meio de toracotomia, pois, quando realizada às cegas, pode ocasionar lesões graves de estruturas vitais. Hoje, a toracoscopia assistida por vídeo vem sendo usada com grande freqüência para a retirada dos corpos estranhos intratorácicos, desde que estes não estejam encravados em estruturas nobres. Referências 1. Alberty RE, Egan JM. Blunt trauma to the chest. Am Surg 1976; 42: 511.

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Capítulo 10 - Hemotórax e Pneumotórax Evilázio Teubner Ferreira Sizenando Vieira Starling I. Hemotórax. Os hemotórax são geralmente traumáticos. Quadros de hemotórax espontâneos são raros e podem ser secundários à ruptura de aderências vascularizadas nos pneumotórax espontâneos, ou conseqüentes à ruptura de aneurismas ou hemangiomas. Os chamados hemotórax encontrados no infarto pulmonar, na tuberculose pleural, nos tumores malignos primários ou secundários da pleura, na quase-totalidade dos casos, são, na realidade, derrames seroemorrágicos, e como tal devem ser tratados. A. Etiologia. Os hemotórax traumáticos podem ocorrer por lesão do parênquima pulmonar, por lesão dos vasos da parede torácica, do mediastino, ou do pedículo pulmonar em conseqüência de traumatismo aberto ou fechado. Os hemotórax secundários à lesão do parênquima pulmonar, que são a grande maioria, apresentam sangramento moderado, geralmente em torno de 700 ml de sangue. São os chamados hemotórax médios. Na quase-totalidade dos casos, o sangramento cessa espontaneamente, em virtude da baixa pressão hidrostática dos vasos pulmonares e da grande atividade local dos fatores da coagulação, não havendo, por isso, necessidade de reposição sangüínea. Somente nas grandes lacerações pulmonares e nas lesões próximas do pedículo pulmonar podem ocorrer grandes sangramentos. Os hemotórax secundários às lesões dos vasos do mediastino e do pedículo pulmonar são volumosos, levando o paciente, rapidamente, ao choque hipovolêmico e à dispnéia por colapso pulmonar. Poucos sobrevivem o tempo suficiente para permitir um atendimento eficaz. Os hemotórax secundários às lesões das artérias intercostais e da mamária interna são progressivos e, após drenagem torácica, mantêm um débito superior a 150 ml/h através do dreno. Algumas vezes, essas lesões dão origem ao que chamamos de hemotórax recidivante. É importante salientar que o movimento do diafragma e das estruturas torácicas causa uma desfibrilação parcial do sangue que é derramado dentro da cavidade pleural; portanto, a coagulação do hemotórax é incompleta. Conseqüentemente, as enzimas pleurais começam a produzir a lise do coágulo, poucas horas após o sangramento ter cessado. B. Classificação e aspectos gerais. Classificam-se os hemotórax, quanto ao seu volume, em pequeno, médio e grande. Quanto ao seu estado, podemos classificá-los em contínuo, recidivante, coagulado, infectado e organizado. 1. Hemotórax pequenos. São aqueles com menos de 300 ml de sangue e sintomatologia discreta. A radiografia de tórax demonstra pouco mais do que um velamento do seio costofrênico. Na maioria das vezes, são secundários à lesão do parênquima pulmonar.

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2. Hemotórax médios. São aqueles com 300-800 ml de sangue na cavidade torácica. No estudo radiológico do tórax, nota-se velamento de um terço do hemitórax. Os pacientes portadores desses hemotórax apresentam discreta ou nenhuma dispnéia e uma hipovolemia compensada. São geralmente secundários a lesões do parênquima pulmonar e se constituem na maioria absoluta dos hemotórax. 3. Hemotórax grandes. São aqueles com sangramento superior a 1.000 ml. Nos hemotórax com sangramento superior a 1.500 ml, os pacientes se apresentam dispnéicos e hipotensos. Na radiografia do tórax ocorre velamento de mais da metade do hemitórax. São secundários às grandes lacerações pulmonares, às lesões próximas do pedículo, às lesões de vasos importantes da parede torácica, do mediastino e do próprio pedículo pulmonar. Nestas duas últimas eventualidades, o sangramento intratorácico pode ser extremamente grave e, na maioria das vezes, não permite que o paciente receba tratamento adequado. 4. Hemotórax contínuos. São hemotórax que, se colocados em observação, crescem progressivamente. Se drenados, mantêm uma drenagem maior do que 150 ml/h. Geralmente são secundários a lesões das artérias intercostais ou da mamária. 5. Hemotórax recidivantes. São hemotórax que, dois ou três dias após uma estabilização, voltam a sangrar e aumentam seu volume. Se forem esvaziados, voltam a se formar, devido a novo sangramento. São, geralmente, originados de lesões de artérias intercostais. Esses vasos, devido ao sangramento e à hipotensão, trombosam e param de sangrar. Alguns dias após, ocorre a lise desses coágulos, levando a um novo sangramento e recidiva do hemotórax. 6. Hemotórax coagulados. São hemotórax nos quais, apesar dos quadros clínico e radiológico, a toracocentese é negativa ou ineficaz. 7. Hemotórax infectados. Geralmente os hemotórax são infectados através de punção ou drenagem executadas sem os devidos cuidados ou pela manutenção de uma drenagem por um período superior a 72 horas, principalmente nos hemotórax coagulados. Esta é uma situação de alta morbidade e de difícil manuseio. É muito importante que os procedimentos cirúrgicos, toracocentese ou drenagem, realizados nos casos de hemotórax, sejam feitos com o máximo de cuidado quanto à anti-sepsia. Apesar de serem procedimentos de pequeno porte, dado o seu potencial de complicação infecciosa, devem ser realizados em bloco cirúrgico, rigorosamente. 8. Hemotórax organizados. São os hemotórax que, se não tratados ou bem-cuidados, levam ao encarceramento pulmonar três semanas após o trauma. C. Diagnóstico. O diagnóstico de hemotórax, na maioria das vezes, não é difícil. O paciente, vítima de um traumatismo torácico aberto ou fechado, geralmente queixa-se de dor torácica de intensidade variável e de dispnéia. O exame físico pode ser normal ou apresentar sinais clássicos de derrame pleural: murmúrio vesicular diminuído e macicez à percussão do hemitórax acometido, e também sinais sistêmicos de perda sangüínea, se o hemotórax for volumoso.

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Portanto, em todo paciente traumatizado, torna-se imprescindível uma radiografia de tórax em PA, para não passar despercebida qualquer lesão torácica, por mais discreta que ela seja. De preferência, este exame deve ser feito com o paciente em ortostatismo, a não ser em casos de traumatismo raquimedular associado ou choque grave. A radiografia realizada em decúbito dorsal não traduz uma situação real e é de difícil interpretação, podendo, nos casos de hemopneumotórax, causar certa confusão no diagnóstico (Fig. 10-1). Nos casos de hemotórax, o estudo radiológico mostra um velamento homogêneo de proporções variáveis no hemitórax atingido; além disso, orienta sua classificação e evolução. D. Conduta e tratamento 1. Hemotórax pequeno. O paciente deve ser colocado em observação cirúrgica com controle radiológico a cada seis horas nas primeiras 24 horas. O tratamento é conservador e consiste de exercícios respiratórios e do uso criterioso de antiinflamatórios. 2. Hemotórax médio. O paciente também deve ser colocado em observação cirúrgica e radiológica rigorosa nas primeiras horas. A perda sangüínea nos hemotórax médios cessa espontaneamente e, via de regra, não há necessidade de hemotransfusão. O problema se restringe à remoção do sangue da cavidade pleural, que pode ser realizada por toracocentese ou drenagem torácica. A drenagem torácica é realizada, de preferência, no sétimo espaço intercostal, na linha medioaxilar, com todo o rigor de anti-sepsia, usando-se drenos calibrosos de Silastic. Durante a realização da drenagem torácica o sangue drenado pode e deve ser coletado em recipientes adequados e administrado ao paciente (auto-hemotransfusão). O período de drenagem não deve exceder 72 horas. A toracocentese evacuadora oferece melhores resultados quando realizada 48 horas após o trauma. É indicada naqueles pacientes com hemotórax médio que evoluíram bem com observação clínica e radiológica nas primeiras horas. A punção deve ser feita, de preferência, com o paciente assentado, no nono espaço intercostal, posteriormente (abaixo da ponta da escápula). Usa-se agulha calibrosa de bisel curto ou Jelco 14G. Nos pacientes com dispnéia e hemotórax progressivo, a drenagem torácica é obrigatória. 3. Hemotórax grandes. Os grandes hemotórax com anemia, hipovolemia e dispnéia devem ser tratados com toracotomia de urgência. Os pacientes hemodinamicamente estáveis devem ser submetidos à drenagem torácica. Os pacientes que apresentam uma drenagem imediata superior a 1.500 ml, ou aqueles que mantêm uma drenagem horária, por várias horas, superior a 200 ml de sangue, devem ser submetidos à toracotomia. 4. Hemotórax recidivantes e contínuos. São tratados com toracotomia e hemostasia do vaso lesado.

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5. Hemotórax coagulados. Hemotórax coagulados, freqüentemente residuais após drenagem de urgência, devem ser tratados com remoção dos coágulos, de preferência até o sétimo dia. Este objetivo pode ser atingido por meio de videotoracoscopia, pleuroscopia ou minitoracotomia, dependendo dos recursos disponíveis. A videotoracoscopia geralmente é exeqüível nos primeiros cinco dias. A remoção dos coágulos por pleuroscopia e minitoracotomia geralmente é possível até o 15º dia. A partir de então torna-se indicada a decorticação pulmonar. Na primeira semana podem ser tentadas toracocenteses repetidas, na expectativa da liquefação dos coágulos. 6. Hemotórax infectados. Em sua grande maioria, eles são iatrogênicos, em conseqüência da falta de rigor na anti-sepsia da drenagem torácica ou devido à persistência desta por mais de 72 horas. A drenagem pode ser realizada, inicialmente, para controle da toxemia do paciente. Por conter coágulos e fibrina, os hemotórax infectados raramente evoluem para a cura com este procedimento. Atualmente, a conduta mais utilizada é a realização de uma toracotomia pequena para remoção dos coágulos, fibrina e limpeza da cavidade pleural. A drenagem torácica deve sempre acompanhar esse método. A tomografia computadorizada do tórax tem oferecido maior precisão no diagnóstico e na avaliação dos hemotórax coagulados e infectados, proporcionando uma atuação terapêutica mais precoce e precisa. 7. Hemotórax organizados. Estes hemotórax com mais de três semanas são hoje raramente encontrados, sendo inicialmente tratados com punção ou drenagem. Caso não haja expansão pulmonar, realiza-se toracotomia com decorticação pulmonar. II. Pneumotórax. O pneumotórax é definido como a presença de ar na cavidade pleural, que se torna real, com conseqüente colapso do pulmão. O ar tem acesso à cavidade pleural através de lesões do parênquima pulmonar, das vias aéreas ou da parede torácica. É uma condição bastante freqüente. Os pneumotórax dividem-se, quanto à sua etiologia, em dois grandes grupos: espontâneos e traumáticos. Eles serão estudados separadamente, ainda que apresentem muitos aspectos em comum. A. Pneumotórax traumáticos. Resultam de traumatismos torácicos abertos ou fechados, com comprometimento do parênquima pulmonar, das vias aéreas ou da parede torácica (Fig. 10-2). 1. Classificação. Quanto à integridade da parede torácica, os pneumotórax traumáticos dividem-se em dois grandes grupos: abertos ou fechados. Os classificados como abertos são aqueles que têm uma solução de continuidade entre a cavidade pleural e o meio externo. Quanto ao volume e à intensidade, os pneumotórax fechados se classificam em: (a) pneumotórax pequeno: colapso de até 10% do pulmão; (b) pneumotórax médio: colapso de 10-30% do pulmão; (c) pneumotórax grande: colapso de mais de 30% do pulmão; (d) pneumotórax hipertensivo ou valvular: aqueles que, além de grandes, com colapso total do 133

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pulmão, apresentam hipertensão intrapleural com desvio e compressão do mediastino e, através deste, compressão do pulmão contralateral. 2. Etiologia a. Pneumotórax pequeno. Ocorre devido a lesões superficiais do parênquima pulmonar. b. Pneumotórax médio e grande. São ocasionados por feridas penetrantes do parênquima pulmonar ou lacerações profundas. Nesses casos, freqüentemente ocorrem hemopneumotórax. c. Pneumotórax hipertensivo. Ocorre, principalmente, em conseqüência de: (a) lesões de vias aéreas importantes; (b) grandes lacerações pulmonares que produzem, junto com o acometimento do parênquima, lesões de brônquios periféricos; (c) ruptura traumática de cistos; (d) abertura traumática da parede torácica, esta de ocorrência mais rara. d. Pneumotórax aberto. Forma-se devido a uma abertura traumática da parede torácica, comunicando, assim, a cavidade pleural com o exterior. A pressão intrapleural se iguala à atmosférica, com conseqüente formação de grande pneumotórax e colapso pulmonar. 3. Fisiopatologia. Os pneumotórax levam a alterações respiratórias mais ou menos intensas, dependendo de sua extensão, do mecanismo e da reserva respiratória do paciente. Os pneumotórax pequeno, médio e grande levam a uma diminuição da ventilação, proporcional ao grau de colapso pulmonar. O transtorno é leve nos pequenos pneumotórax, e a dispnéia é importante nos grandes. Em virtude da irritação das terminações nervosas pleurais, dor e tosse estão sempre presentes. Nos pneumotórax hipertensivos, forma-se um mecanismo valvular. O ar entra na cavidade pleural durante a inspiração e não sai durante a expiração, devido à elasticidade da parede da lesão. Em virtude desse mecanismo, o ar vai-se acumulando e tornando hipertensiva a cavidade pleural, com colapso do pulmão, desvio e compressão do mediastino e, através deste, do pulmão contralateral. Instala-se uma insuficiência respiratória grave e, em decorrência da compressão do mediastino, se estabelece um bloqueio ao retorno venoso que, nos casos mais graves, pode levar à hipotensão arterial e ao choque. Esta é uma situação muito grave, que deve ser diagnosticada e tratada com urgência, pois pode levar à morte por asfixia e choque. No pneumotórax aberto, a comunicação da cavidade pleural com a pressão atmosférica produz colapso importante do pulmão ipsilateral; por outro lado, devido à abertura da parede torácica, estabelece-se um mecanismo de competição com a ventilação normal. Assim é que, na inspiração, com a pressão negativa intratorácica, entra ar pela traquéia e pela abertura da parede torácica, e na expiração elimina-se o ar pelas vias aéreas e pela abertura na parede, o que leva, evidentemente, a uma diminuição do ar corrente. É um mecanismo semelhante a um fole que tivesse sua parede lesada; ele perderia, assim, sua eficiência. Além disso, ocorre um balanço do mediastino com torção e compressão das

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veias cavas e uma diminuição da eficiência da tosse, em virtude do impedimento de formação de pressão positiva, pela presença de abertura da parede torácica. Todos esses fatores levam à insuficiência respiratória, que é proporcional ao calibre da lesão da parede torácica, e à morte, se não corrigida a tempo. 4. Diagnóstico. É feito através dos achados do exame clínico e do estudo radiológico, o qual deve ser realizado em todo paciente traumatizado. Nos casos em que se suspeita de lesão brônquica, pode-se recorrer à broncoscopia. Nos pneumotórax pequenos, os discretos dados no exame clínico podem passar despercebidos. O exame radiológico em expiração mostra com maior nitidez o pneumotórax. Nos pneumotórax grandes, encontram-se dispnéia moderada, um murmúrio vesicular diminuído e um timpanismo à percussão do hemitórax acometido. A radiografia do tórax evidencia um colapso pulmonar. Os pneumotórax médios revelam alterações intermediárias. Os pacientes com pneumotórax hipertensivos apresentam um quadro característico, que permite o diagnóstico clínico. As medidas terapêuticas devem ser tomadas imediatamente, não havendo tempo, na maioria das vezes, para exame radiológico. Esses pacientes apresentam dispnéia intensa, cianose, desvio da traquéia constatado na região cervical, desvio do ictus cordis, murmúrio vesicular praticamente abolido, hipersonoridade à percussão, veias jugulares ingurgitadas, hipotensão arterial e, às vezes, enfisema subcutâneo. Os achados radiológicos mostram, além do grande pneumotórax e do colapso total do pulmão, desvio do mediastino e abaixamento da cúpula frênica. Quando a lesão que produziu o pneumotórax hipertensivo é uma grande laceração pulmonar, há hemotórax associado. No pneumotórax aberto, o diagnóstico é evidente pela presença de ferida soprante na parede torácica. 5. Conduta e tratamento. O tratamento do pneumotórax tem por objetivo corrigir a insuficiência respiratória e promover a expansão pulmonar e o fechamento da lesão. Tal objetivo é corrigido com medidas conservadoras e drenagem torácica. Somente naqueles casos de grandes lacerações pulmonares e lesões de vias aéreas importantes, que são pouco freqüentes, há indicação de toracotomia. A drenagem torácica deve ser realizada no sétimo espaço intercostal, na linha medioaxilar, ou no segundo espaço intercostal, na linha hemiclavicular do hemitórax acometido. Vale lembrar que, embora seja um procedimento de pequeno porte, a drenagem torácica deve ser realizada no bloco cirúrgico, com toda anti-sepsia possível. Ela deve ser mantida até a expansão total do pulmão e a paralisação da drenagem de ar. Podem-se, assim, sintetizar as condutas nos vários tipos de pneumotórax. a. Pneumotórax pequeno. Deve ser colocado em observação, com o paciente hospitalizado nas primeiras 24 horas. Deve-se sedar a tosse, empregar analgésicos, se necessário, e os exercícios respiratórios são iniciados a partir do sétimo dia. Se eles não aumentam de 135

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volume, o tratamento é conservador, não sendo necessário procedimento cirúrgico. Em politraumatizados, os pneumotórax podem não ser diagnosticados clinicamente. Nesses casos, se o paciente for submetido à anestesia geral com intubação traqueal para cirurgias corretivas de outras lesões, um pneumotórax hipertensivo poderá ocorrer, com conseqüências drásticas se o cirurgião e o anestesista não estiverem atentos. Daí a necessidade de uma radiografia de tórax em todo paciente politraumatizado. Todos os pacientes com pneumotórax pequeno devem ser drenados previamente, se forem submetidos à anestesia geral. b. Pneumotórax médio. Os pacientes que apresentam dispnéia devem ser submetidos à drenagem torácica e colocados em observação cuidadosa. Se estiverem assintomáticos, a conduta adotada será semelhante à dos pneumotórax pequenos. Nos casos tratados conservadoramente, cerca de 1,25% do ar contido na cavidade pleural é reabsorvido por dia, esperando-se expansão total do pulmão em três a seis semanas, dependendo do tamanho do pneumotórax. c. Pneumotórax grande. Como a maioria dos pacientes apresenta dispnéia, eles devem ser submetidos à drenagem torácica e observados minuciosamente. d. Pneumotórax hipertensivo. Os pacientes portadores de pneumotórax hipertensivo devem ser submetidos à toracocentese imediata, que, nos casos graves, antecede o exame radiológico. A seguir, eles devem ser drenados. Os pneumotórax grandes e hipertensivos que não respondem bem ao tratamento com drenagem, permanecendo com fístula de alto débito, dispnéia e com má expansão pulmonar, e aqueles que evoluem com atelectasia lobar ou segmentar são candidatos à toracotomia exploradora, em virtude da possibilidade de haver lesões brônquicas importantes ou grandes lacerações pulmonares. Deve-se proceder à broncoscopia para confirmação da lesão nos casos duvidosos. Também o pneumotórax em que a fístula persiste por mais de cinco dias após drenagem tem indicação de toracotomia, mesmo sem lesão brônquica à broncoscopia. e. Pneumotórax abertos. Devem ser tratados de imediato com oclusão da lesão, seguida de exame radiológico para avaliação. Após isto, praticam-se o desbridamento e a sutura da ferida da parede torácica com drenagem concomitante, objetivando tratar o pneumotórax residual, bem como prevenir e tratar um possível pneumotórax hipertensivo. Os pneumotórax abertos atendidos fora do ambiente hospitalar devem ser ocluídos com os recursos disponíveis no local. Considerando a possibilidade de existência de lesões associadas que possam levar a um pneumotórax hipertensivo, recomenda-se que a oclusão seja sempre valvular, permitindo a saída de ar na expiração e impedindo a entrada de ar na inspiração. Uma das maneiras para se atingir este objetivo consiste em se fazer um curativo oclusivo quadriculado com esparadrapo, deixando livre uma de suas bordas. O curativo assim realizado funcionaria como uma válvula. Nunca se deve drenar o tórax, quando for necessário, pelo local da ferida.

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B. Pneumotórax espontâneo. Os pneumotórax espontâneos são produzidos em sua quasetotalidade por ruptura de bolhas subpleurais. Surgem após um esforço físico, tosse ou até sem causa desencadeadora. Podem, quanto ao volume, ser pequenos, médios, grandes e hipertensivos. Às vezes, podem gerar rupturas de aderências vascularizadas, produzindo hemopneumotórax. O quadro clínico é dominado por uma dor torácica ventilatório-dependente e por dispnéia, que apresenta graus variados, podendo até mesmo estar ausente. O exame físico varia de acordo com o grau de colapso pulmonar, sendo os achados clássicos murmúrio vesicular diminuído ou mesmo abolido e o timpanismo à percussão. A radiografia simples do tórax confirma o diagnóstico. A conduta é a mesma dos casos de pneumotórax traumáticos. A drenagem de ar por mais de sete dias ou recidiva do pneumotórax, dependendo das condições do paciente, é indicação de toracotomia para ressecção das bolhas, escarificação da pleura ou pleurectomia. Abscessos subpleurais, lesões escavadas tuberculosas, cistos pulmonares e carcinoma broncogênico podem produzir pneumotórax. Nestes casos, quase sempre, existe empiema. Após a drenagem, necessitam de estudo propedêutico mais detalhado para a conclusão do diagnóstico. Todos os casos de pneumotórax cujo exame radiológico revela suspeita de patologia pulmonar diferente de bolhas subpleurais, que normalmente não são visualizadas na radiografia simples de tórax, exigem propedêutica para esclarecimentos. Referências 1. Beall AC, Crowford HW, DeBakey ME. Considerations in the management of acute traumatic hemothorax. J Thor Cardiovasc Surg 1966; 52: 351-60. 2. Brow WT. Atlas of Video Assisted Thoracic Surgery. Nova York: W.B. Saunders Company, 1994. 3. Cordice JWV, Cabezon J. Chest trauma with pneumothorax and hemothorax. J Thor Cardiovasc Surg 1965; 50: 316-33. 4. De Vries WC, Wolf WG. Tratamento do pneumotórax espontâneo e do enfisema bolhoso. Clin Cir Am Norte 1980; 60: 849-64. 5. Ferreira ET, Amaral CFS. Traumatismo torácico. In: Lopez M. Emergências Médicas. 3 ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982. 6. Gay WA, McCabe JC. Trauma of the chest. In: Shires GT. Care of the Trauma Patient. 2 ed., Nova York: McGraw-Hill Book Company, 1979. 7. Griffith GL et al. Acute traumatic hemothorax. Ann Thorac Surg 1978; 26: 204. 8. Jones KW. Traumatismo torácico. Clin Cir Am Norte 1980; 60: 957-82. 137

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Capítulo 11 - Traumatismos Cardíacos Marco Tulio Baccarini Pires I. Introdução. No passado, as feridas do coração e dos grandes vasos eram sempre consideradas fatais e intratáveis. No século XVIII, Billroth, um dos pioneiros da cirurgia, escreveu: “O cirurgião que tentar suturar uma ferida no coração perderá o respeito de seus colegas.” Entretanto, em 1896, Rehn, na Alemanha, realizou com sucesso a primeira rafia de uma lesão miocárdica, produzida por arma branca. Atualmente, com o desenvolvimento e o aprimoramento dos materiais e das técnicas de cirurgia cardíaca, tornou-se possível prestar um melhor atendimento aos portadores de lesões traumáticas do coração, com queda acentuada na mortalidade e na morbidade. II. Classificação. As lesões do coração podem ser penetrantes, não-penetrantes ou iatrogênicas. A. Lesões penetrantes. São as lesões mais freqüentemente observadas na prática clínica. Os ferimentos estão presentes numa ampla área, que compreende todo o precórdio, a região cervical, a região axilar e o abdômen (Fig. 11-1). Qualquer ferimento penetrante nestes locais deve ser considerado como suspeito de lesão cardíaca. Nos casos de ferimentos penetrantes do coração, apenas 40% dos pacientes chegam com vida ao hospital; destes, 80-95% apresentam possibilidade de recuperação. No meio urbano brasileiro a arma branca predomina como principal agente causador de lesão (aproximadamente 65%) (Prancha 11-1), vindo em segundo lugar os ferimentos por arma de fogo. A câmara cardíaca mais atingida nos traumas penetrantes do coração é o ventrículo direito, por sua posição mais anterior. B. Lesões não-penetrantes. Tem havido grande aumento nos casos de traumas cardíacos fechados (contusos) devido ao crescimento no número de acidentes automobilísticos. As lesões podem variar de uma simples contusão ventricular (com formação de hematoma intramuscular), passando pelos casos de rupturas valvares e dos septos interatrial e interventricular, até a ruptura completa da parede ventricular (nestes casos, a mortalidade pode chegar a 100%). Tardiamente, poderá surgir, como conseqüência da contusão ou da formação de falso aneurisma ventricular, a insuficiência cardíaca pós-traumática. Também tardiamente é relatada oclusão de artéria coronária, secundária à contusão, com infarto agudo do miocárdio. A ruptura apenas do saco pericárdico poderá fazer-se presente, mas é de ocorrência rara; neste caso é descrita, ocasionalmente, a herniação do coração para a cavidade pleural. Seis mecanismos de lesão cardíaca no trauma fechado foram descritos: dano precordial direto; efeito hidráulico (ocorre quando um grande impacto se faz sobre o abdômen e as extremidades inferiores, com aumento da pressão no sistema da veia cava inferior, levando, principalmente, à ruptura atrial direita); compressão entre o esterno e a coluna vertebral; 139

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lesões de aceleração ou desaceleração; concussão (leva à ruptura retardada); e penetração (fragmento do esterno ou da costela). O air-bag, cada vez mais usado nos automóveis modernos, tem sido implicado em casos de lesão traumática do coração, em traumas fechados. C. Lesões iatrogênicas. As lesões iatrogênicas do coração podem estar presentes tanto em procedimentos terapêuticos (p. ex., implante de eletrodo de marcapasso; angioplastia coronariana; valvoplastia mitral com balão; pós-massagem cardíaca externa; implantes de cateteres centrais), como diagnósticos (p. ex., cateterismos cardíacos; biópsia de endocárdio; passagem de cateter de Swan-Ganz). Durante o implante de eletrodo de marcapasso, pode ocorrer a perfuração da parede ventricular ou mesmo da válvula tricúspide. Já nos procedimentos de cateterismo cardíaco, a perfuração miocárdica é menos freqüente. Entretanto, uma complicação possível é a injeção intramural do contraste, durante angiografia cardíaca. A biópsia endocárdica, rotineira no pós-operatório dos transplantes de coração, tem como complicação a perfuração da parede ventricular livre, com tamponamento cardíaco fatal. Felizmente, a ocorrência dessa complicação é de 0,13% durante os procedimentos de biópsia. O procedimento de trombólise medicamentosa, usado no tratamento do infarto agudo do miocárdio, é capaz de desencadear um tamponamento cardíaco, que também pode ser considerado como iatrogênico na origem. III. Fisiopatologia. O paciente vítima de lesão cardíaca (penetrante ou não-penetrante) pode apresentar hipovolemia (sangramento), tamponamento cardíaco, ou ambos. Quando o sangramento se faz para o meio externo ou para as cavidades pleurais, ocorre rápida perda sangüínea, seguindo-se choque e, comumente, morte. Nestes casos, existem extensas lesões no pericárdio por onde o sangue é drenado, não havendo o tamponamento. Predominam as grandes lesões de ventrículo, que levam ao rápido choque hemorrágico, com todas as suas conseqüências. Quando o sangramento não se faz para o meio externo ou para a cavidade pleural, ocorre o tamponamento cardíaco. O pericárdio normal é uma membrana de tecido serofibroso, pouco distensível, de tal sorte que pequenos aumentos (desde que ocorridos de forma abrupta) na sua pressão levam a uma situação de baixo débito cardíaco, devido à restrição na diástole ventricular. O volume necessário para a produção de tamponamento pode ser tão pequeno quanto 60 a 100 ml. Assim, o tamponamento pode ocorrer como conseqüência de pequenas lesões atriais ou ventriculares, mesmo com mínima perda de sangue para o paciente. O aumento da pressão intrapericárdica leva à diminuição do retorno venoso ao coração, que ocorre mais predominantemente na fase de diástole ventricular. Devido a esta restrição diastólica, elevam-se a pressão venosa central (PVC) e a pressão diastólica final do ventrículo direito. Clinicamente, surgem o ingurgitamento venoso cervical, o abafamento das bulhas cardíacas, a queda da pressão arterial (que se torna convergente), taquicardia, pulso paradoxal, hipoxia e choque. 140

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Deve ser lembrado que, cronicamente, o saco pericárdico pode acomodar grandes volumes (p. ex., no derrame urêmico da insuficiência renal crônica). Nestes casos, ele irá se distendendo lenta e progressivamente, podendo não levar ao tamponamento cardíaco. Esta é uma situação que difere bastante do derrame agudo. Arritmias cardíacas podem ocorrer como conseqüência do trauma, não havendo, muitas vezes, correlação entre o tamanho da lesão e a malignidade da arritmia. Projéteis retidos na massa miocárdica e hematomas ventriculares (secundários a contusões) são potenciais focos arritmogênicos. Os projéteis de arma de fogo no interior das câmaras atriais ou ventriculares poderão ainda funcionar como áreas de formação de trombos, ou, ainda, se infectar, causando endocardite. A migração de um projétil intracavitário (êmbolo balístico) é descrita tanto no setor arterial como no venoso, porém é rara. A ocorrência de neurose cardíaca naqueles pacientes que apresentam projéteis retidos no miocárdio ou no saco pericárdico é considerada complicação importante, chegando a ser indicação para a retirada da bala, mesmo que ela esteja em localização não perigosa. Lacerações das artérias coronárias principais, quando existem, devem ser tratadas com circulação extracorpórea e revascularização do miocárdio; caso contrário, a área irrigada pela artéria que foi lesada apresenta infarto do miocárdio em três a seis horas. A principal causa de morte nos casos de lesão coronariana é, entretanto, o tamponamento, devido a hemopericárdio agudo. Nos casos de lesões contusas, o mecanismo mais freqüente da lesão é a compressão entre o esterno e a coluna vertebral. Caso se forme hematoma na parede ventricular, este poderá ser subepicárdico, subendocárdico ou transmural (este, o mais grave, pode causar ruptura ventricular ou levar à formação crônica de falso aneurisma). A insuficiência cardíaca pós-traumática tem várias causas, entre elas a própria contusão, as lacerações valvulares ou de aparelhos subvalvulares, as rupturas septais e a formação crônica de falso aneurisma ventricular. Este, inclusive, poderá romper-se tardiamente, levando a uma forma retardada de tamponamento. IV. Quadro Clínico. O diagnóstico de pacientes com tamponamento cardíaco agudo deve ser feito clinicamente, pois apenas em raras ocasiões haverá tempo para exames complementares. É fundamental o papel do socorrista no momento inicial, uma vez que será ele quem realizará o diagnóstico e o primeiro atendimento. É clássica a tríade de Beck, que compreende o ingurgitamento venoso cervical, o choque e o abafamento das bulhas cardíacas. O orifício de uma lesão externa (no caso de trauma penetrante), estando em área suspeita, deverá sempre ser considerado. Ao ser colocado um cateter venoso central, verificamos se a PVC está elevada. Geralmente, o paciente apresenta-se com respiração pré-agônica, cianótico, sugerindo morte iminente. 141

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Caso haja tempo ou dúvida diagnóstica, o paciente poderá ser submetido a outros exames: os raios X de tórax em PA revelam o coração globoso, em forma de “moringa” ou “bilha”. O eletrocardiograma mostra dois tipos de alterações principais: a baixa voltagem do complexo QRS e, ocasionalmente, alterações da repolarização ventricular conseqüentes ao trauma. Extra-sístoles podem estar presentes. O surgimento de bloqueios cardíacos póstrauma é raro, mas é relatado. Um ecocardiograma, caso esteja disponível e haja tempo para sua realização, nos mostrará derrame pericárdico, no tamponamento, e a existência de outras lesões intracavitárias (lesões valvulares, CIV etc.). Este é um exame simples e de extrema utilidade (Prancha 112). Um estudo hemodinâmico será valioso em casos mais crônicos, como, por exemplo, se estão presentes projéteis intramurais, ou se houve lesão coronariana (Prancha 11-3). Nos traumas fechados do coração, entre os pacientes que sobrevivem ao acidente e chegam vivos ao hospital, o diagnóstico por vezes é mais difícil de ser feito. Tal é a situação nas contusões ventriculares, onde uma arritmia cardíaca, até então inexistente, poderá manifestar-se. Outra manifestação possível é a dor de caráter anginoso, que não cede com a administração de vasodilatadores coronarianos. ICC aguda pode ser resultante da contusão, de lesão valvular ou do septo interventricular. Exsudação para o saco pericárdico e tamponamento secundário poderão surgir (raramente), assim como pericardite. Na propedêutica dos traumas contusos do coração, além dos métodos acima descritos, se necessário, utiliza-se estudo radioisotópico para mapeamento de áreas não-captantes. A dosagem de enzimas está prejudicada nos casos de traumatismo, mas a fração miocárdica da CPK tem algum valor nos casos de contusão. As feridas pericárdicas normalmente ocorrem associadas com as feridas do coração. Se presentes isoladamente, não revelam sintomas na maior parte dos casos — a ocorrência de hérnia do coração para as cavidades pleurais no caso de extensa lesão do saco pericárdico é possível, porém bastante rara. Uma ferida pericárdica pode evoluir com atrito à ausculta, que varia de intensidade com a respiração e com a mudança de decúbito. Nos raios X de tórax, observa-se pneumopericárdio. Como seqüela deste tipo de lesão poderão surgir hemopericárdio, pericardite constritiva ou piopericárdio (pericardite purulenta). A pericardite pós-trauma não apresenta etiologia bem definida, embora sugira resposta inflamatória ao traumatismo e reação ao sangue intrapericárdico, causando a síndrome póspericardiotomia (que geralmente responde bem ao tratamento clínico com aspirina). Vírus e bactérias têm sido responsabilizados pelas reações de hipersensibilidade na presença de lesões miocárdicas e pericárdicas. As manifestações clínicas incluem: febre, dor torácica, exsudato pleural e alterações do eletro e ecocardiograma, e, na radiografia de tórax, observam-se pneumopericárdio e aumento da silhueta cardíaca. 142

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A ocorrência de tamponamento tardio, dias após o trauma, foi descrita em casos que não foram tratados cirurgicamente no momento inicial. V. Tratamento. Deverá ser instituído mesmo antes de o diagnóstico ser definido e visa principalmente à manutenção da vida do paciente. Este tratamento pode ser dividido em duas fases: Imediato. Visa à manutenção da vida e compreende: tratamento do choque, tratamento do tamponamento e toracotomia com tratamento da lesão no coração. Tardio. Impõe-se à medida que se esclarecem as lesões. A. Tratamento do choque. O paciente deve ser colocado na posição horizontal ou na de Trendelenburg; providenciam-se um acesso venoso central e a punção de uma ou mais veias periféricas, de acordo com a necessidade. Inicia-se infusão rápida de Ringer lactato e, em seguida, de sangue. Deve-se prover uma via aérea, realizando-se intubação orotraqueal, se necessário, e instituindo-se respiração artificial. Nos casos de parada cardíaca, instituir prontamente a massagem externa, ou mesmo a interna, se houver condição técnica para isto. Drogas como o bicarbonato de sódio, a xilocaína, o gluconato de cálcio e a adrenalina serão usadas, se necessário. A partir da melhora da volemia e do melhor enchimento cardíaco, obtém-se uma sístole ventricular mais efetiva. B. Tamponamento cardíaco. O tamponamento cardíaco é a compressão do coração devido a uma quantidade anormal de líquido no pericárdio. A pressão pericárdica aumentada impede a expansão cardíaca normal da diástole, e, como conseqüência, caem o volume ejetado, a pressão arterial e o débito cardíaco. O tamponamento é uma emergência cardíaca. Se o líquido presente (sangue, no caso de trauma) não for removido rapidamente, o paciente irá morrer em choque cardiogênico. A pericardiocentese e a toracotomia são às vezes empregadas, uma em seguida à outra, ou isoladamente, de acordo com as necessidades do paciente. Geralmente, um paciente que esteja em estado grave devido ao tamponamento cardíaco apresentará grande melhora após uma pericardiocentese de alívio, mesmo que seja pequena a quantidade retirada de sangue, como 30-50 ml. Esta melhora possibilita levar o paciente ao bloco cirúrgico e operá-lo em melhores condições hemodinâmicas. A pericardiocentese pode ser realizada ao nível do quinto espaço intercostal esquerdo, ou por via subxifoidiana (preferencial). Para que seja evitada lesão do miocárdio, além de técnica de punção cuidadosa, acopla-se à agulha o cabo da derivação precordial do ECG, obtendo-se registro eletrocardiográfico contínuo. Quando a agulha tocar o miocárdio, surgirá uma corrente de lesão (alteração no segmento S-T). A queda da pressão venosa central, após aspiração, sugere ter havido uma punção adequada. O fato de haver uma punção negativa não exclui a possibilidade de tamponamento, já que o sangue intrapericárdico pode estar parcialmente coagulado.

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A toracotomia (ou esternotomia) é um procedimento que necessita ser bem programado, sendo feita com maior sucesso de forma semi-eletiva, após já ter sido alcançada pelo menos uma estabilização hemodinâmica inicial do paciente. Lesões associadas às do coração e aos grandes vasos, como abdominais, cranianas, ósseas e outras, podem e devem ser corrigidas no mesmo ato cirúrgico. O conceito de toracotomia na própria sala de emergência vem ganhando cada vez mais adeptos, pois os pacientes agonizantes ou em parada cardíaca (que antes faleciam no local do acidente) têm chegado cada vez mais às salas de emergência dos hospitais, graças ao transporte rápido. Os melhores resultados dessas toracotomias “heróicas” são obtidos em pacientes vítimas de traumas cardíacos penetrantes, que chegam ainda vivos ao hospital, e que apresentam parada cardíaca na própria sala de emergência. As feridas cardíacas podem ser abordadas por toracotomia esquerda ou direita, ao nível do quarto ou quinto espaço intercostal, por toracotomia anterior bilateral, ou por esternotomia mediana (incisão de escolha). No momento da pericardiotomia, quando se desfaz a pressão intrapericárdica, pode ocorrer hemorragia volumosa, e até mesmo incontrolável. Alguns detalhes da técnica operatória devem ser observados: (a) a incisão deve ser ampla; quando possível, fazer esternotomia mediana; (b) todo material vascular e de ressuscitação, incluindo o desfibrilador, deve estar à mão; (c) grandes quantidades de sangue e de plasma devem estar disponíveis; (d) monitoração eletrocardiográfica; (e) sondas vesical e nasogástrica (se houver tempo). As suturas do coração e dos vasos são efetuadas com fios inabsorvíveis: náilon, seda, Prolene®, Mercilene® etc. O músculo cardíaco é muito friável, podendo lacerar-se ao ser suturado. Neste caso, um fragmento de pericárdio (do próprio paciente, ou ainda pericárdio heterólogo bovino fixado em glutaraldeído) pode servir de base para se ancorar um ponto (devem-se evitar materiais sintéticos em cirurgias de urgência, tais como o Dacron®). Os pontos devem abranger todas as camadas do músculo cardíaco. Damos preferência à sutura com pontos em “U” ou em “X” separados. O auxiliar comprime o local lesado, enquanto a sutura é feita sob o seu dedo (Prancha 11-4). No caso das lesões atriais, existe a possibilidade de se colocar um clampe lateral tipo Satinsky; estancar a hemorragia e realizar a sutura tranqüilamente. Lesões proximais em coronárias de maior importância não são comuns e, se ocorrerem, poderão ser reparadas até seis horas após o trauma, interpondo-se um segmento de veia safena autóloga entre a coronária (distalmente à lesão) e a aorta ascendente, geralmente com o uso de circulação extracorpórea. Coronárias mais distais lesadas poderão ser ligadas, ocasionando pequeno infarto do miocárdio, que normalmente não causa repercussão, uma vez que a maior parte das vítimas é jovem e não-portadora de cardiopatia prévia. As suturas realizadas são apenas feitas externamente no coração: caso persistam defeitos intracavitários (comunicações interventriculares, lesões valvulares, fístulas

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coronariocavitárias etc.), a sua correção será feita posteriormente, com o uso de circulação extracorpórea. Finalmente, deve ser lembrado que o pericárdio é fechado apenas parcialmente, para facilitar a drenagem pós-operatória e evitar o tamponamento. A drenagem, quer em posição mediastinal, quer em posição pleural, é sempre em selo d’água. Antibioticoterapia é essencial, iniciando-se o mais cedo possível (geralmente usa-se cefalosporina). A ocorrência de infecção em uma incisão torácica, com surgimento de empiema e/ou mediastinite, deve tentar ser evitada a todo custo. Referências 1. Aaland MO, Sherman RT. Delayed pericardial tamponade in penetrating chest trauma: case report. J Trauma 1991; 31: 1.563-5. 2. Asensio JA, Stewart BM, Murray et al. Penetrating cardiac injuries. Surg Clin North Am 1996 Aug; 76(4): 685-724. 3. Cassel P, Cullum P. The management of cardiac tamponade. Drainage of pericardial effusion. Brit J Surg 1967; 54: 620. 4. Cachencho R, Grindlinger GA, Lee VW. The clinical significance of myocardial contusion. J Trauma 1992; 33: 68-73. 5. Cheitlin MD. The internist’s role in the management of the patient with traumatic heart disease. Cardiol Clin 1991; 9: 675-88. 6. Chirillo F, Totis O, Cavarzerani A et al. Usefulness of transthoracic and transoesophageal echocardiography in recognition and management of cardiovascular injuries after blunt chest trauma. Heart 1996 Mar; 75(3): 301-6. 7. Craven CM, Allred T et al. Three cases of fatal cardiac tamponade following ventricular endocardial biopsy. Arch Pathol Lab Med 1990; 114: 836-9. 8. Farin M, Moskowitz WB. Traumatic heart block as a presentation of myocardial injury in two young children. Clin Pediatr Phila 1996 Jan; 35(1): 47-50. 9. Fasol R, Lowka K, Noldge G, Schlosser V. Traumatic herniation of the heart into the right pleura. Thoracic Cardiovasc Surg 1990; 38: 379-80. 10. Fulda G, Brathwaite CEM et al. Blunt traumatic rupture of the heart and pericardium: a ten year experience (1979-1989). J Trauma 1991; 31: 167-72. 11. Genoni M, Jenni R, Turina M. Traumatic ventricular septal defect. Heart 1997 Sep; 78(3): 316-8.

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Capítulo 12 - Traumatismo Toracoabdominal Otaviano Augusto de Paula Freitas João Batista Monteiro I. Introdução. Ao descrever um caso de hérnia diafragmática secundária a um ferimento provocado por arma de fogo, Ambroise Paré, no século XVI, fez o primeiro registro conhecido de traumatismo toracoabdominal na literatura médica do Ocidente, apenas para fazer posteriormente o primeiro registro de óbito devido a esta causa. Desde então, as condições de diagnóstico e tratamento destas lesões melhoraram significativamente, mas ainda é muito freqüente seu diagnóstico puramente acidental, com tratamento retardado e complicações graves. As particularidades desse tipo de traumatismo estão ligadas ao fato de estarem envolvidos órgãos situados na porção intratorácica do abdômen, uma região clinicamente silenciosa. Além disso, a atenção do médico está quase sempre voltada para traumatismo torácico ou abdominal, fazendo desta dicotomia um risco para o paciente. O raciocínio clínico deve considerar sempre que o tórax e o abdômen são partes interpenetradas e inseparáveis do tronco, uma interação vantajosa do ponto de vista orgânico, mas muito fácil de ser esquecida no corre-corre das salas de emergência. A rigor — e até que se prove o contrário — deve ser considerado como toracoabdominal o traumatismo que acomete a parte do tronco situada entre a quarta costela de cada lado e uma linha imaginária que passa pelos limites inferiores dos hipocôndrios. A investigação subseqüente revela que os casos toracoabdominais propriamente ditos apresentam lesão do diafragma. Os ferimentos mais inferiormente situados dentro desses limites costumam ser encarados como de natureza apenas abdominal sem grandes conseqüências, porque a laparotomia permite a descoberta e o tratamento das lesões diafragmáticas e torácicas. Entretanto, considerar-se um ferimento mais alto como puramente torácico e, o que é pior, tratá-lo conservadoramente constitui uma verdadeira catástrofe, principalmente quando está presente lesão de víscera oca. II. Classificação. Classificam-se os traumatismos toracoabdominais em penetrantes, não-penetrantes e iatrogênicos. Entre os primeiros, destacam-se os provocados pelas agressões civis (arma branca e arma de fogo). Os acidentes de veículos a motor são a maior causa de traumas não-penetrantes, e, entre os iatrogênicos, despontam os causados por punção e drenagem torácicas (Quadro 12-1) (Pranchas 12-1 e 12-2). III.Diagnóstico A. Anamnese. Na maioria dos traumatismos penetrantes, e sempre após terem sido controladas as lesões que colocam em risco imediato a vida do paciente, é possível obter uma história sucinta da agressão e do tempo transcorrido; em alguns casos, a queixa de dor abdominal e dispnéia concomitantes pode chamar a atenção do médico para a real extensão 148

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do problema. Entretanto, nos casos de traumas contusos — e mesmo em uma parte dos penetrantes — o mais comum é ver-se um paciente com grave politraumatismo, inconsciente, em confusão mental ou emocionalmente perturbado, incapaz de prestar esclarecimentos úteis. Quando possível, é importante obter-se alguma informação a respeito de doença respiratória e traumas prévios; isto facilita a interpretação dos achados clínicos e radiológicos. Já na apresentação do paciente na sala de emergência, principalmente levando-se em consideração o mecanismo do trauma, o médico assistente deverá voltar seu raciocínio para a possibilidade da lesão do diafragma. Portanto, o diagnóstico requer alto índice de suspeição. B. Exame físico. O ferimento toracoabdominal por si só não constitui causa muito comum de falência aguda da função cardiopulmonar. A repercussão da perda sangüínea varia, em geral, com a magnitude das lesões do baço (53% dos casos) e do fígado (35% dos casos), que são os órgãos mais comumente atingidos. Nas lesões pequenas, o paciente pode apresentar-se sem sinais de hipovolemia. Contudo, não é raro que ele já apresente choque hipovolêmico grave ao chegar ao hospital, devido a fraturas graves do baço e do fígado, em geral associadas a lesões de múltiplos órgãos, entre os quais sobressai freqüentemente fratura dos ossos da bacia (26% dos casos). O choque e o traumatismo cranioencefálico constituem importantes causas de diagnóstico retardado, monopolizando a atenção médica já no início do tratamento. A seqüência clássica determinada pelo Advanced Trauma Life Support (ATLS), de serem avaliados e resolvidos os problemas de vias aéreas, com controle da coluna cervical, respiração, choque com controle da hemorragia e avaliação do estado neurológico, deve ser rigorosamente obedecida. A maioria das feridas toracoabdominais por arma branca localiza-se no lado esquerdo, já que a maioria dos agressores é destra. Contudo, têm valor diagnóstico quaisquer ferimentos, equimoses, hematomas ou escoriações situados dentro dos limites anteriormente citados; não é demais lembrar que ali estão incluídos o epigástrio e parte do flanco e da região lombar de cada lado. A ferida pode sangrar, soprar ou ser sede de evisceração de parte do omento maior ou até mesmo de alças do intestino delgado. O trajeto de um projétil de arma de fogo é imprevisível, e o trauma toracoabdominal pode estar presente sempre que o tronco é atingido. Um quarto de todas as feridas penetrantes no abdômen apresenta envolvimento torácico. C. Ausculta e percussão. A presença de alças intestinais no interior do tórax pode ser evidenciada pela ausculta de ruídos peristálticos. A diminuição ou abolição dos sons pulmonares e o achado de submacicez ou macicez torácicas sugerem a ocorrência de hemotórax ou de grande herniação do fígado. A diminuição dos sons de hiper-ressonância sugere a presença de pneumotórax. A associação de ambos é comum. Quando pequenos, podem passar despercebidos ao exame físico. Na ausculta do abdômen, é de importância diagnóstica a ausência de ruídos peristálticos, mas sua presença não deve tranqüilizar o médico que investiga a lesão intra-abdominal, porque é freqüente sua normalidade em presença de sangue, de urina e mesmo de secreções digestivas irritantes derramadas na cavidade peritoneal se o tempo de exposição não tiver sido longo.

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D. Palpação. O sinal que evidencia a presença de fraturas costais é a crepitação, que deve ser delicadamente pesquisada no trajeto de cada arco costal. Fraturas dos arcos inferiores tornam mais provável a lesão combinada de vísceras de ambas as cavidades. Enfisema subcutâneo indica lesões intratorácicas ou mediastinais, mesmo na ausência de fraturas costais. O enfisema encontrado no flanco direito pode ser devido a uma ruptura duodenal. Nas herniações maciças das vísceras abdominais para a cavidade torácica, podem eventualmente ser observados flacidez aumentada e esvaziamento do quadrante abdominal superior correspondente. E. Dor. Nos casos de lesão do estômago ou grandes coleções sangüíneas na cavidade peritoneal, a dor abdominal espontânea ou provocada pode constituir importante pista na orientação do médico. Entretanto, a ausência de dor abdominal não tem valor de exclusão; as secreções irritantes de um estômago perfurado podem estar dentro do tórax. F. Defesa e rigidez abdominais. Como a dor, elas têm grande importância quando presentes, mas sua ausência carece de valor propedêutico. Constituem sempre armadilhas caprichosas os casos em que o trauma contuso da parede é o único responsável pela acentuada defesa abdominal. Outros achados físicos e o exame repetido permitem a opção correta por tratamento conservador. O bloqueio anestésico de algumas raízes intercostais pode estar indicado para se conseguir o alívio da dor de determinada área e maior colaboração do paciente no exame. G. Dor referida. Alguns pacientes podem queixar-se de dor no ombro ipsilateral, mediada pelo nervo frênico, principalmente nos casos com maior tempo de lesão. Quando ausente, a queixa pode ser eventualmente provocada pela colocação do paciente na posição de Trendelenburg. Outro achado físico que sugere a natureza toracoabdominal do traumatismo são as fraturas das últimas vértebras torácicas, ou das primeiras lombares. IV. Lesão do Diafragma. Apesar de constituir o componente-chave do trauma toracoabdominal, a lesão do diafragma é freqüentemente negligenciada, e seu diagnóstico pré-operatório é feito apenas em uma minoria de casos. A causa mais comum no nosso meio são as agressões por arma branca; seguem-se as por arma de fogo e os acidentes automobilísticos. Nas laparotomias por trauma contuso, a lesão do diafragma está presente em 4,5-5,6% dos casos. O fígado protege de alguma maneira a cúpula direita; por isso, a ruptura da cúpula esquerda é muito mais comum, em uma proporção de 20:1. Acreditamos que esta diferença seja bem maior nas mesas de necropsia, para onde deve ir a quase-totalidade dos casos de ruptura do diafragma direito, que não sobrevivem às graves lesões do fígado e das veias cava, porta e supra-hepática, quase sempre presentes. As grandes hérnias diafragmáticas costumam trazer importante repercussão respiratória. A perda unilateral da função diafragmática acarreta déficit de 25% da função respiratória. Além disso, as vísceras herniadas ocupam espaço na cavidade torácica e comprimem o pulmão, diminuindo o volume respiratório útil e ocasionando atelectasias segmentares, com formação de shunts e queda conseqüente da pO2. O volume respiratório pode ser ainda 150

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afetado pelo movimento paradoxal das vísceras para dentro do tórax a cada inspiração. A lesão bilateral é muito rara nos traumas contusos, mas costuma ser mais encontrada nas feridas por arma de fogo. As grandes hérnias podem deslocar o mediastino e provocar decréscimo no débito cardíaco por dificuldade de enchimento do coração. A contusão miocárdica associada contribui para a piora da função cardíaca e costuma estar por trás de uma morte inesperada. A herniação do coração para a cavidade abdominal tem sido descrita nas lesões à esquerda que se estendem ao pericárdio. Pela situação estratégica do diafragma e pelas proporções da força exigida para sua ruptura, existem outras lesões associadas em praticamente todos os casos; em 90% deles existem lesões intra-abdominais; em 25%, lesões torácicas (da parede ou da cavidade); em 8%, ruptura da aorta torácica; em outros 8%, avulsão do pedículo renal. A taxa de mortalidade pode chegar aos 37%. Se a lesão do diafragma não for tratada e o paciente sobreviver, começará a haver restrição respiratória progressiva. Além disso, poderá haver ampliação da área atelectasiada, com ocorrência de pneumonia, abscesso pulmonar e bronquiectasias. A ruptura do diafragma freqüentemente não é reconhecida no momento do trauma. O diagnóstico precoce tem sido feito em menos de 50% dos casos. A maioria dos pacientes sem o diagnóstico precoce vai apresentar manifestações de estrangulamento de órgão abdominal herniado para o tórax nos próximos três anos após o trauma e apresentará uma mortalidade alta, de 30 e 50%, de acordo com várias séries publicadas. Estas cifras apontam para a necessidade de estudos complementares imediatos sempre que houver a suspeita diagnóstica (Pranchas 12-3 e 12-4). V. Investigação Complementar A. Estudo radiológico. É particularmente importante a radiografia do tórax em PA, com o paciente em posição ortostática, quando possível. Uma radiografia tomada em decúbito de um paciente com impossibilidade de ser colocado sentado (como, por exemplo, com fratura da coluna vertebral) pode servir como triagem. Se o velamento de um hemitórax ou qualquer imagem suspeita é encontrada, deve ser feito um estudo em ortostatismo, se possível, ou com o tronco elevado. Não existe, entretanto, um padrão definido para o diagnóstico de uma ruptura diafragmática. Apagamento ou falta de nitidez do contorno diafragmático, níveis hidroaéreos no interior do tórax, opacificação parcial e irregular da parte inferior do campo pleuropulmonar, elevação permanente da cúpula frênica, pneumotórax de base ou loculado, desvio do mediastino, fratura das costelas inferiores e modificação no padrão radiológico em estudos consecutivos são os alertas que o médico deve interpretar corretamente como indicadores de lesão diafragmática; mas não se pode esquecer que a radiografia de tórax é absolutamente normal em até 25% dos casos (a presença de laceração incompleta, com superfície peritoneal íntegra na face inferior da cúpula diafragmática, explica parte destes

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casos). Além de apresentar tantos falso-negativos, ainda apresenta baixa especificidade; e o diagnóstico de ruptura traumática do diafragma é sugerido em 17 a 40% dos casos. A herniação do estômago pode ser reconhecida em uma radiografia simples, quando uma sonda nasogástrica, que é radiopaca, é vista com sua extremidade no tórax. Grande parte dos pacientes apresenta outras indicações de exploração cirúrgica e dispensa estudos diagnósticos subseqüentes. Quando isto não acontece, a investigação deve prosseguir. Se há suspeita de lesão à esquerda, a introdução de contraste no estômago herniado pode permitir a confirmação diagnóstica (Prancha 12-5); o enema baritado pode ter valor semelhante, para visualização de alças intestinais na cavidade torácica. Outro método que também pode ser lembrado é o pneumoperitônio. Ele é realizado com a injeção de 250 a 500 ml de CO2 ou ar ambiente filtrado na cavidade peritoneal, através de agulha introduzida sob anestesia local no quadrante inferior esquerdo do abdômen, lateralmente ao músculo reto do abdômen. Uma cúpula lesada abre comunicação entre as cavidades abdominal e torácica e permite a passagem de gás e o surgimento de pneumotórax ipsilateral. Entretanto, não é método de positividade absoluta, já que a ferida diafragmática pode estar tamponada por conteúdo herniário. Em uma série de 50 pacientes com ruptura diafragmática por trauma fechado, atendidos no Hospital João XXIII, oito foram submetidos ao pneumoperitônio, seis tiveram o diagnóstico feito pelo método, havendo dois falso-negativos. Além disso, trata-se de um método invasivo e com alguma morbidade; dos oito pacientes referidos, um deles necessitou de drenagem torácica imediata para alívio do pneumotórax formado. O médico deve, no entanto, conhecer a técnica que poderá ser utilizada em locais de poucos recursos. B. Lavado peritoneal diagnóstico. Tem sido reafirmado que este não é um bom método para a confirmação de lesão diafragmática. Quando existem outras lesões intra-abdominais associadas, o lavado peritoneal pode ser negativo em até 24% dos casos, por estar o sangue no interior do tórax ou por estarem as lesões tamponadas na área subfrênica. Na ausência de outras lesões, a negatividade do lavado aproxima-se de 100% dos casos. No entanto, quando positiva, já define o paciente como cirúrgico, e a identificação da lesão diafragmática poderá ser feita sem dificuldade no peroperatório. C. Ultra-som. Os pacientes que se encontrarem estáveis hemodinamicamente e sem uma indicação inequívoca de laparotomia deverão ser estudados. A ultra-sonografia tem sido largamente utilizada, principalmente na Europa e no Japão. De maneira geral, ela apresenta um alto grau de positividade para a detecção de líquido livre na cavidade peritoneal e permite o diagnóstico etiológico no caso de rupturas de órgãos maciços, sendo esta especificidade superior a 90%. As principais características do método são: ele não é invasivo, pode ser feito na sala de emergência (com um aparelho portátil), pode ser repetido quantas vezes forem necessárias, é rápido (de 2 a 20 minutos), é de baixo custo, não requer administração de contraste e, em alguns centros, é realizado pelo próprio cirurgião que atende o caso. Mas, no paciente politraumatizado, freqüentemente com distensão gasosa do intestino ou com enfisema de subcutâneo na parede abdominal, o método pode ser de pouco 152

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valor. Os gases no intestino ou no subcutâneo dificultarão a passagem dos ecos, impossibilitando a correta interpretação do exame. A integridade do diafragma nem sempre poderá ser confirmada pelo método, e os achados negativos não excluem a possibilidade diagnóstica, devendo ser interpretados de maneira crítica e em comparação com outros achados. Outra limitação considerável deve-se ao fato de ser um exame examinadordependente. Quanto mais experiente for o e médico que realiza o exame, maior será a sensibilidade do método. D. Tomografia computadorizada. A tomografia computadorizada (TC) do abdômen fornecerá o diagnóstico da maioria das rupturas traumáticas do diafragma. O método deve ser usado de maneira ainda mais seletiva do que a ultra-sonografia, já que demanda um longo tempo de estudo e a remoção do paciente da sala de emergência para o centro radiológico. Além disso, a TC é consideravelmente mais cara e requer a administração de contrastes. Os sinais tomográficos mais encontrados são a descontinuidade abrupta da imagem do diafragma; herniação intratorácica de conteúdo abdominal, vísceras ou gordura omental; ausência da imagem do diafragma. O estômago ou intestino herniado pode apresentar uma constrição anular da herniação (sinal do colarinho), e podem ser encontrados sinais associados, como a ruptura do fígado ou do baço, para o que a tomografia computadorizada apresenta um alto grau de positividade e especificidade. Quando a ruptura ocorrer na cúpula diafragmática, esta poderá não ser identificada, já que os cortes tomográficos passarão tangencialmente à mesma. A ressonância nuclear magnética apresenta características e resultados semelhantes aos da tomografia computadorizada. E. Toracoscopia. Este é o método ideal para o estudo do diafragma. Para os pacientes estáveis, com alto grau de suspeita do diagnóstico e com acometimento torácico conhecido, é o método diagnóstico de escolha, sobretudo nas primeiras 24 horas após o trauma. Depois, a formação de aderências intratorácicas pode acarretar uma laceração pulmonar na hora da passagem do trocarte. É realizada com o paciente sob anestesia geral, de preferência com intubação seletiva dos brônquios, e em decúbito lateral, com o lado acometido para cima. O toracoscópio é introduzido, e toda a cúpula frênica pode ser vista. Apresenta ainda a vantagem de possibilitar o diagnóstico de uma perfuração no saco pericárdico. Alguns consideram este método superior à laparoscopia, que apresentaria limitações quanto ao diagnóstico de pequenas rupturas no diafragma direito, devido à presença limitante do fígado. Outra vantagem seria a de preservar a cavidade abdominal virgem de manipulação, no caso da constatação da integridade do diafragma. O dreno torácico pode ser passado sob visão direta ou pelo orifício por onde foi passado o toracoscópio. Entretanto, nos traumas contusos não fornecerá qualquer informação sobre a integridade dos órgãos abdominais. Quando o exame é realizado precocemente, o achado de lesão do diafragma obriga o cirurgião a realizar uma laparotomia, pois existirá uma possibilidade considerável de lesão de vísceras intra- abdominais. O diafragma será, então, tratado durante a laparotomia. Quando houver segurança da integridade das vísceras do

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abdômen, a lesão diafragmática poderá ser tratada pela toracoscopia, como tem sido provado em numerosos relatos. F. Laparoscopia. A avaliação do diafragma, sobretudo do lado esquerdo, é provavelmente a área onde a laparoscopia diagnóstica está sendo empregada com maior benefício em traumatologia. O trauma toracoabdominal é, portanto, a principal indicação de laparoscopia no pronto-socorro. Assim como os outros métodos, deverá ser indicada para o paciente estável. Em alguns centros, é realizada sob anestesia local, na sala de emergência e com um laparoscópio propedêutico pouco mais calibroso do que uma agulha de lavado peritoneal diagnóstico. Em nosso meio ela é realizada em centro cirúrgico, sob anestesia geral. A laparoscopia permite uma ótima visão do diafragma esquerdo e de grande parte do direito, assim como um inventário acurado da cavidade abdominal, o reconhecimento de líquidos, sangue e secreções, o achado de lesões de órgãos e a localização de orifícios de entrada de arma branca e de projéteis de arma de fogo. O paciente deverá ser posicionado em decúbito dorsal horizontal, e o laparoscópio será passado pela cicatriz umbilical após insuflação de CO2. Esta insuflação poderá produzir um pneumotórax, se houver ruptura do diafragma, e o anestesista deverá ser avisado da possibilidade. O tórax deverá estar preparado para receber um dreno durante o exame, caso ainda não tenha sido drenado na sala de emergência. A possibilidade de um pneumotórax poderá ser minimizada com o uso de baixa pressão de insuflação (menor do que 12 mmHg). Assim como na toracoscopia, várias lesões diafragmáticas têm sido tratadas pela laparoscopia. A laparoscopia na urgência é tema do Cap. 36, Laparoscopia de emergência. VI. Tratamento. As medidas gerais do tratamento inicial do paciente traumatizado foram consideradas em outros capítulos deste livro. Também no caso de portador de traumatismo toracoabdominal, o tratamento começa na abordagem inicial do paciente e prossegue enquanto se completa o diagnóstico. A introdução de sonda nasogástrica para descompressão do estômago melhora a dispnéia associada às grandes hérnias; além disso, pode ser usada para a introdução de contraste no estômago, quando necessário. A própria sonda muitas vezes funciona como contraste radiológico quando existe herniação do estômago. A punção torácica na sala de emergência seguida da drenagem torácica está indicada para alívio de um pneumotórax hipertensivo antes mesmo de ser realizada uma radiografia do tórax. A drenagem torácica sob anestesia local pode estar indicada antes da indução anestésica, para aliviar um grande pneumotórax ou hemotórax e assegurar a ventilação do paciente pelo anestesista. A introdução de um dedo pelo orifício de drenagem permite muitas vezes o diagnóstico de herniação de conteúdo abdominal para o tórax e induz o médico assistente a uma drenagem cuidadosa com o objetivo de se evitar a desagradável complicação da ruptura iatrogênica de víscera oca intratorácica. No centro cirúrgico, o tórax e o abdômen do paciente devem ser preparados de rotina, e seu posicionamento na mesa operatória deve ser feito de forma a permitir extensão da incisão para o tórax, se necessário.

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Nos casos de suspeita de lesão da cúpula frênica esquerda, a via de acesso indicada é uma laparotomia mediana, que permite a correção das outras lesões intra-abdominais e uma fácil exposição do diafragma lesado. A associação de lesão frênica e perfuração de víscera oca abdominal constitui um dilema terapêutico para o cirurgião. O conteúdo da víscera oca é facilmente aspirado para o tórax, devido à pressão negativa do espaço pleural, e determina uma contaminação maciça. A necessidade de uma limpeza rigorosa é indiscutível, podendo ser usada para tal fim a própria brecha diafragmática ampliada, ou toracotomia formal. Ainda não está suficientemente estabelecido com qual delas serão conseguidos os melhores resultados e a menor morbidade. Quando há suspeita de lesão da cúpula frênica direita, a via de acesso também é uma laparotomia mediana, muito embora, na maioria dos casos, a reparação do diafragma exija a associação de toracotomia independente. Nas lesões extensas do lobo hepático direito, pode haver necessidade de uma toracolaparotomia. Se o diagnóstico é obtido já com alguns dias de evolução, as lesões intra-abdominais estão descartadas, e a via de acesso indicada em qualquer dos lados é uma toracotomia, podendo a laparotomia ser usada em caso de necessidade. Após duas semanas de evolução, as aderências entre as vísceras herniadas e o pulmão tornam mandatória a via de acesso torácica. O tratamento correto das várias lesões intra-abdominais é exposto em diversos capítulos deste livro. A sutura da lesão diafragmática é realizada sempre com pontos separados de fio inabsorvível. VII. Complicações. Entre as complicações precoces, destacam-se aquelas respiratórias, já citadas, como atelectasia, pneumonia, abscesso pulmonar e empiema pleural, este quase sempre devido à contaminação da cavidade pleural pelo conteúdo das vísceras ocas abdominais. A deiscência da sutura diafragmática representa um problema de difícil solução. Tardiamente, a restrição respiratória pode tornar-se incapacitante. A associação de bronquiectasias contribui para a piora da função respiratória. A retração e a atrofia do diafragma podem exigir o emprego de telas sintéticas para sua reconstituição. Na criança, a hérnia diafragmática volumosa e de longa duração pode apresentar como conseqüência o desenvolvimento insuficiente da cavidade abdominal, ocasionando problemas mecânicos praticamente insolúveis, como a perda de domicílio das vísceras abdominais. Como já foi citado, os casos não diagnosticados na ocasião do trauma evoluem para um quadro de hérnia diafragmática estrangulada com importante taxa de morbimortalidade. Referências 1. Abrantes WL, Drumond DAF. Trauma toracoabdominal (trauma do diafragma). In: Lázaro da Silva A. Cirurgia de Urgência. 2 ed., Rio de Janeiro: MEDSI, 1994: 629.

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Capítulo 13 - Traumatismo Abdominal Paulo Roberto Ferreira Henriques I. Classificação A. Aberto. Traumatismo abdominal aberto é aquele no qual houve penetração do agente agressor na cavidade peritoneal do paciente, e este agente exerce seus efeitos diretamente sobre as vísceras. B. Fechado. Traumatismo abdominal fechado é aquele no qual não há penetração do agente agressor na cavidade peritoneal. Os efeitos do agente agressor são transmitidos pela parede abdominal, ou se dão por contragolpe ou desaceleração. II. Medidas Gerais. Algumas medidas gerais devem ser instituídas diante de um paciente com traumatismo abdominal, antes de se iniciar o tratamento das lesões específicas. Esta divisão a ser apresentada é meramente didática, sendo a abordagem inicial ao paciente um processo dinâmico, com as medidas gerais sendo tomadas simultaneamente. A. Exame físico geral. A realização do exame físico geral é importante por três motivos: (a) permite a avaliação geral do paciente em função da lesão abdominal isolada, isto é, possibilita determinar se a lesão abdominal leva a comprometimento do estado hemodinâmico; (b) permite a avaliação de lesões associadas — o paciente com trauma abdominal deve ser avaliado como um todo, para se evitar que outras lesões importantes, como, por exemplo, os traumatismos raquimedulares, passem despercebidas; (c) permite o estabelecimento de prioridades; a drenagem torácica, por exemplo, pode ser prioritária a uma laparotomia exploradora. A sistematização de abordagem é a mesma de outros pacientes traumatizados, seguindo as recomendações de sistematização do ATLS (Advanced Trauma Life Support), do Colégio Americano de Cirurgiões. B. Cateterismo da veia periférica. O paciente deve ter uma porta de entrada satisfatória para infusão de soluções, sangue e medicamentos. Esta via de entrada é obtida pela punção de veia periférica com agulha grossa, ou dissecção venosa. A punção de veia jugular interna ou de veia subclávia pode ser também executada, quando não se conseguir obter uma via de infusão pelos métodos anteriores, desde que não haja lesão vascular torácica associada. A dissecção venosa e a punção de veia subclávia permitem a medida da pressão venosa central (PVC), que é um bom parâmetro para acompanhamento da reposição volêmica e para identificação da hipertensão venosa, dado este de importância no caso de haver lesão torácica associada. C. Sonda vesical de demora. A colocação de sonda vesical de demora permite obter duas informações valiosas: a diurese é um ótimo reflexo do fluxo sangüíneo esplâncnico; a existência de lesões do trato geniturinário é indicada pela hematúria ou pela ausência de urina na bexiga. 158

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A colocação de sonda vesical de demora deve ser evitada se existem indicações de lesão uretral, como uretrorragia, retenção urinária e hematomas perineal e escrotal. D. Assistência ventilatória. O paciente deve receber as seguintes medidas, ao dar entrada na Unidade de Emergência: retirada de próteses e corpos estranhos das vias aéreas superiores; aspiração de sangue, secreções e vômitos das vias aéreas superiores; oxigênio por cateter nasal. Outras medidas, como intubação endotraqueal, traqueostomia e drenagem torácica, são executadas conforme a resposta do paciente às três medidas iniciais de assistência ventilatória e conforme a existência de outras lesões associadas, como TCE, pneumotórax, hemotórax etc. E. Tratamento de choque (ver Cap. 6, Tratamento Inicial do Politraumatizado, e Cap. 7, Choque). O choque inicial em um paciente com trauma abdominal isolado é quase sempre de origem hipovolêmica; portanto, os comentários que se seguem se restringem a este tipo de choque. Inicialmente, deve-se repor qualquer solução eletrolítica que se tenha à mão, até a seleção do agente adequado. O agente eletrolítico mais indicado é o Ringer lactato, por possuir constituição eletrolítica semelhante à do líquido extracelular e seu conteúdo em sódio ser útil na expansão deste espaço. O lactato é convertido em bicarbonato, exceto se o paciente tem acidose metabólica grave. Neste caso, indicam-se dextrose e água, associadas a bicarbonato de sódio. O exame de hematócrito determina a necessidade de sangue ou de concentrado de hemácias. A pressão venosa central e o fluxo urinário (mínimo de 30-40 ml/h) são bons indícios da reposição volêmica. Os vasopressores não devem ser utilizados no choque hipovolêmico puro, pois, experimentalmente, levaram a um aumento significativo da mortalidade. O uso destes agentes fica restrito ao choque séptico isolado ou associado ao hipovolêmico. Nos casos de intensa vasoconstrição periférica mantendo má-perfusão tissular, independentemente do volume e do tipo de líquido infundido, vasodilatadores como a clorpromazina ou o nitroprussiato de sódio podem, ocasionalmente, ser úteis (situações em que não exista resposta à infusão adequada). F. Antibióticos. O paciente traumatizado que se encontra em imunossupressão apresenta várias portas de entrada à infecção, através de sondas e veias dissecadas, e geralmente tem rompida a defesa primária do corpo, que é a barreira cutaneomucosa. Os antibióticos, quando administrados no pré-operatório (até duas horas antes da cirurgia), diminuem a incidência e a gravidade das infecções após o trauma abdominal penetrante. 159

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Três tipos de bactérias são importantes na biologia das infecções após o trauma abdominal: enterococos, gram-negativos e anaeróbios. Portanto, qualquer esquema de antibióticos a ser executado deve levar em conta este fato. O esquema deverá ser iniciado na sala de emergência e suspenso após 72 horas, se não ocorrerem complicações infecciosas. Como exemplos citam-se três associações: penicilina cristalina + aminoglicosídeo + clindamicina ou metronidazol; penicilina cristalina + cloranfenicol; cefalosporina + aminoglicosídeo + clindamicina ou metronidazol. III. Propedêutica A. Exame clínico. No trauma abdominal é fundamental o exame clínico seqüencial, e são as pequenas alterações de um exame para outro que fornecem o diagnóstico e a indicação cirúrgica. Não se deve satisfazer apenas com o primeiro exame, se este for normal. O paciente não deve ser liberado; deve ser mantido em observação hospitalar por, no mínimo, seis horas, sendo examinado a cada meia hora, de preferência pelo mesmo cirurgião. Com este método pode-se fazer o diagnóstico precoce e indicar a cirurgia em tempo hábil. B. Exame geral. As alterações do pulso, da pressão arterial, temperatura axilar e das mucosas podem levar à suspeita precoce de lesões das vísceras ocas com extravasamento progressivo de secreções digestivas e de lesões de vísceras maciças com sangramento, mesmo que moderado. Deste modo, a freqüência aumentada do pulso, associada a descoramento progressivo de mucosas e a hipotensão postural, pode significar uma lesão de víscera maciça, com sangramento discreto, porém contínuo. A aceleração gradativa do pulso, associada a mucosas que se ressecam e temperatura axilar em ascensão, pode significar pequena perfuração do tubo digestivo. C. Exame do tórax. Basicamente, devem ser procurados: hemopneumotórax, ruídos peristálticos no tórax (hérnia diafragmática), fraturas de costelas, enfisema subcutâneo, abafamento de bulhas cardíacas, desvio de icto e dos focos de ausculta e contusão pulmonar. D. Exame neurológico. Deve-se avaliar a existência de TCE, pois pacientes com lesões neurológicas centrais podem apresentar manifestações de lesões intra-abdominais tênues ou retardadas. E. Fraturas de membros. A fratura de fêmur pode seqüestrar grande quantidade de sangue, sem evidência externa de sangramento. Por este motivo, uma fratura bilateral pode ocasionar um quadro de hipovolemia importante; o cirurgião desatento, não encontrando explicação para este quadro, pode ser levado a realizar uma laparotomia exploradora intempestiva e branca. F. Fraturas da pelve. Estas lesões devem ser identificadas por dois motivos principais: (a) presença de lesões associadas, principalmente de reto, bexiga e uretra; (b) presença de

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hematoma retroperitoneal secundário às lesões ósseas, que podem seqüestrar até quatro litros de sangue e são de tratamento eminentemente conservador. G. Exame do abdômen. Após o exame físico geral, que deve ser rápido e objetivo, e após as medidas gerais, deve-se concentrar a atenção sobre o abdômen. O exame físico do abdômen traumatizado segue a rotina da propedêutica abdominal e pode ser esquematizado da seguinte forma: 1. Inspeção. A presença de escoriações e contusões sugere a gravidade do trauma e a possibilidade de lesões internas. Lesões da parede abdominal localizadas nos hipocôndrios ou nas regiões lombares podem ter, subjacentes a elas, lesões do fígado, do baço ou do rim. Uma contusão epigástrica causada pelo volante, em um acidente automobilístico, sugere a possibilidade de lesões pancreaticoduodenais. Contusões no hipogástrio sugerem lesões do íleo terminal, por compressão deste sobre a coluna lombar. A presença de distensão abdominal generalizada no trauma geralmente indica uma fase mais avançada de evolução, com peritonite. A distensão localizada no epigástrio é muito comum em crianças traumatizadas e sugere distensão gástrica aguda. A colocação de sonda nasogástrica é um meio diagnóstico e terapêutico para esta situação. 2. Percussão. Investiga-se a presença de distensão gasosa ou macicez. A presença de macicez pode significar a existência de grande hematoma ou líquido na cavidade peritoneal. Um dado de grande valor para a existência de líquido é a presença de macicez móvel. 3. Palpação. A palpação deve ser necessariamente seqüencial, e as alterações encontradas devem ser sistemáticas e perfeitamente anotadas, pois a evolução destas alterações é altamente significativa. Na palpação, devem-se procurar: a. Ruptura de músculos da parede abdominal: é altamente sugestiva de lesão de víscera intra-abdominal, pela intensidade do agente traumático. b. Massas palpadas e em crescimento progressivo: podem significar hematomas subcapsulares ou retroperitoneais. c. Dor: deve-se delimitar muito bem a localização da dor no primeiro exame e sua evolução nos exames subseqüentes, pois esta evolução pode sugerir várias circunstâncias importantes. Os seguintes exemplos são ilustrativos: (a) dor bem localizada no exame inicial e que posteriormente se difunde centrifugamente ou em direção a regiões anatômicas, nas quais pode haver acúmulo de líquido (goteiras parietocólicas, fossas ilíacas e pelve) — sugere secreção líquida livre na cavidade peritoneal; (b) dor presente logo após o traumatismo, diminuindo uma ou duas horas depois e voltando a piorar após seis horas, aproximadamente — sugere lesão pancreática ou duodenal; (c) dor presente e localizada por mais de 12 horas (excluído processo de parede) — sugere lesão intra-abdominal, mesmo que não haja sinais locais de peritonite; (d) dor localizada em um hemiabdômen e 161

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que se interrompe bruscamente ao nível da linha mediana: sugere traumatismo da parede, com hematoma na bainha do músculo reto do abdômen. Chama-se a atenção para o paciente alcoolizado ou drogado, no qual o processo doloroso pode estar muito mascarado, e para o paciente com TCE associado, que pode ter manifestações abdominais mínimas. d. Defesa, contratura, sinal de Blumberg: quando estão presentes, indicam irritação do peritônio parietal e peritonite química ou bacteriana. 4. Ausculta. A ausculta abdominal deve ser executada pelo mesmo cirurgião, pois o julgamento da intensidade dos ruídos peristálticos pode apresentar variações de um médico para outro. Quando os ruídos peristálticos apresentam franca diminuição de sua intensidade à medida que o paciente evolui, tem-se a indicação de íleo paralítico. Este íleo pode ser secundário ao efeito dos líquidos que, extravasando para a cavidade peritoneal, irritam a serosa (lei de Stokes), ou a um hematoma retroperitoneal. 5. Toque retal. Tanto o desaparecimento da próstata como a palpação de massa amolecida e dolorosa são sugestivos de hematoma retroperitoneal. A presença de sangue durante o toque retal sugere lesão cólica ou retal. O enfisema perirretal sugere perfuração de víscera oca retroperitoneal (p. ex., duodeno). IV. Exame Radiológico. O paciente com traumatismo abdominal deve, no momento de seu atendimento inicial, ser submetido a, no mínimo, três exames radiológicos. A. Raios X simples de tórax. Sempre que possível, este exame deve ser realizado em posição ortostática. Nesta incidência, devem-se procurar lesões torácicas associadas, ruptura diafragmática, pneumoperitônio, espontâneo ou provocado, e projéteis no tórax.

B. Raios X simples de abdômen em ortostatismo e decúbito dorsal. Nas fases iniciais do trauma abdominal, os sinais de peritonite não são muito evidentes, e o exame radiológico não é muito útil para o diagnóstico de lesões inflamatórias. Existem, contudo, alguns sinais radiológicos freqüentemente esquecidos, que são de grande importância, e que devem ser minuciosamente investigados: (a) fratura da nona e da 12ª costelas: freqüente associação com lesões hepáticas, esplênicas ou renais; (b) retropneumoperitônio: bolhas de ar no retroperitônio ou lâmina de ar dissecando a sombra renal e o músculo psoa sugerem lesão do duodeno retroperitoneal; (c) escoliose e apagamento da sombra do músculo psoas sugerem lesões duodenopancreáticas; (d) os sinais radiológicos da lesão esplênica surgem com muito pouca freqüência, mas não podem ser esquecidos — estes sinais são muito mais freqüentes no hematoma subcapsular e no hematoma periesplênico e correspondem a uma lesão expansiva no hipocôndrio esquerdo (p. ex., elevação da hemicúpula frênica esquerda, derrame pleural à esquerda, aumento da densidade radiológica no hipocôndrio esquerdo, rechaçamento da câmara de ar gástrica para a direita e do ângulo esplênico do cólon para baixo); (e) raios X da pelve: este exame é útil para o diagnóstico de lesões da bacia — estas lesões são importantes porque podem originar hematomas retroperitoneais e lesões da uretra, da bexiga e do reto. 162

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C. Estudo radiológico contrastado. Os estudos radiológicos contrastados são úteis em algumas situações decorrentes do trauma abdominal. 1. REED. Deverá ser realizado sempre que houver suspeita de hérnia diafragmática, de lesão digestiva alta ou hiperamilasemia. Utiliza-se contraste hidrossolúvel. 2. Urografia excretora. Deverá ser realizada quando houver suspeita de lesão do trato geniturinário. 3. Uretrocistografia. Deve ser realizada quando se suspeita de lesão uretral (uretrorragia e retenção urinária) ou de lesão vesical (ausência de urina na bexiga ou hematúria). 4. Enema opaco. Deve ser realizado quando houver evidências de hérnia diafragmática e o REED não esclareceu a suspeita. 5. Arteriografias. São úteis para o diagnóstico de lesões de vísceras maciças, como fígado, baço e rim. Devem ser feitas sistematicamente, nos casos em que a urografia excretora tenha demonstrado a existência de um rim excluído. V. Métodos Complementares A. Punção abdominal. A punção abdominal procura, basicamente, a presença de sangue na cavidade peritoneal, mas podemos investigar também a presença de amilase e de coliformes no líquido aspirado. A punção deve ser realizada nas seguintes situações: paciente hipovolêmico sem evidências de sangramento externo, intratorácico ou em fraturas; paciente com abdômen doloroso e com hipotensão postural; paciente que apresenta franca hemodiluição; paciente com TCE grave associado; paciente que será submetido a anestesia grave ou bloqueios (raque ou peridural) para outros procedimentos, como correção de fratura exposta, neurocirurgia etc. A punção abdominal é realizada em ambas as fossas ilíacas, evitando-se a bainha do músculo reto do abdômen (possibilidade de punção dos vasos epigástricos, levando a resultado falso-positivo) e cicatrizes de laparotomias prévias (possibilidades de puncionar alças intestinais aderidas). A agulha é imobilizada assim que penetra a cavidade peritoneal, e não se deve aspirá-la com a seringa, pois esta medida pode ocasionar um resultado falso-negativo, caso a ponta da agulha seja bloqueada por uma alça intestinal. Caso a punção seja negativa, deve-se proceder ao lavado peritoneal, injetando-se 500-1.000 ml de solução fisiológica e procurando-se recuperar este líquido. Este lavado ocasiona um aumento significativo no índice de positividade da punção abdominal. B. Hematócrito seriado. O hematócrito realizado a cada meia hora após quatro medidas indica a existência de duas situações: (a) hemodiluição, que indica hemorragia recente ou em evolução; (b) hemoconcentração, que indica seqüestro de líquido. 163

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C. Amilase. A dosagem da amilase sérica é útil porque, quando elevada, sugere perfuração de víscera oca digestiva alta ou traumatismo pancreático. D. Ultra-sonografia. De extrema utilidade na detecção de massas expansivas abdominais, ou de líquido livre na cavidade, está atualmente disponível em grande parte dos hospitais brasileiros, inclusive para exames de urgência. Sua grande vantagem está na rapidez de execução, podendo ser realizada à beira do leito do paciente. Sua desvantagem está em ser um exame examinador-dependente, o que pode comprometer o seu resultado. Sua utilização tem aumentado mundialmente, principalmente no trauma abdominal fechado. E. Tomografia computadorizada. Capaz de mostrar com detalhes os órgãos abdominais, está disponível nos centros médicos mais completos existentes no Brasil, tornando-se um exame cada vez mais rotineiro. Possibilita demonstrar pequenas lesões em órgãos intraabdominais (p. ex., baço, fígado), orientando uma decisão cirúrgica (pode ser especialmente útil em crianças). F. Laparoscopia. Exame que exige equipamento especializado e médico treinado, é capaz de fornecer dados importantes para o diagnóstico em grande parte dos casos (ver Cap. 36, Laparoscopia na Emergência). Referências 1. Anderson CB, Ballinger WF. Abdominal injuries. In: Zuidema GD, Rutherford RB, Ballinger WF. The Management of Trauma. Philadelphia: Londres, Toronto, W.B. Saunders Co., 1979. 2. Cushing RD. Antibióticos nos traumatismos. Clin Cir Am Nort 1977; 165: 78. 3. Hirshberg A, Walden R. Damage control for abdominal trauma. Surg Clin North Am 1997 Aug; 77(4): 813-20. 4. Lucas CE. Diagnóstico e tratamento das lesões pancreáticas e duodenais. Clin Cir Am Norte 1977; 49: 65. 5. Meyer AA, Crass RA. Traumatismo abdominal. Clin Cir Am Norte 1982; 123: 30. 6. Philipart AI. Contusões abdominais na infância. Clin Cir Am Norte 1977; 151-2. 7. Richardson MC, Hollman AS, Davis CF. Comparison of computed tomography and ultrasonographic imaging in the assessment of blunt abdominal trauma in children. Br J Surg 1997 Aug; 84(8): 1.144-6.

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Capítulo 14 - Traumatismo Hepático Walter Antonio Pereira Ronan Coelho Caldeira I. Traumatismo Hepático A. Generalidades. Os traumatismos hepáticos estão presentes em grande parte das lesões intra-abdominais, sejam elas abertas ou fechadas, em decorrência da posição e do tamanho da víscera. Entre os traumatismos hepáticos abertos, as lesões conseqüentes a projéteis de arma de fogo são as mais freqüentes e, usualmente, as mais graves. A seguir, vêm as lesões por arma branca. Entre os traumatismos hepáticos fechados, os acidentes automobilísticos são, de longe, a causa mais freqüente, e com uma incidência progressivamente maior em função do maior número e gravidade desses acidentes. As quedas e contusões por motivos diversos também contribuem significativamente para o aumento do número de lesões hepáticas. As lesões de outras estruturas estão quase sempre associadas aos traumatismos hepáticos e contribuem significativamente para o aumento das taxas de morbidade e mortalidade. Entre as lesões encontradas em associação a lesões hepáticas, as mais freqüentes são: do trato gastrointestinal, da parede torácica e dos órgãos intratorácicos, renais, do baço e crânio. O fígado ocupa o hipocôndrio direito e ultrapassa a linha média, relacionando-se com o estômago, cólon transverso e baço. Os vários ligamentos são reflexões do peritônio sobre a superfície hepática. A divisão em lobos direito e esquerdo, os ligamentos hepáticos, e a distribuição segmentar dos canais biliares e das veias hepáticas são vistos nas Figs. 14-1 a 14-4. B. Diagnóstico e tratamento pré-operatório. A imediata avaliação do estado geral do paciente, com as medidas usuais de suporte terapêutico do politraumatizado, é regra geral. O exame clínico, a punção abdominal, a videolaparoscopia e os estudos de imagem constituem os meios pelos quais podemos estabelecer o diagnóstico de lesão hepática. Deve-se suspeitar de lesão hepática na presença de sinais de contusão de parede na região toracoabdominal direita, traumatismos penetrantes na parede inferior do tórax e fraturas de arcos costais da caixa torácica inferior direita. No exame clínico, os sinais encontrados variam em função da magnitude da perda sangüínea. Se a perda sangüínea é de 10-20% do volume sangüíneo total, o organismo tolera bem, e sinais de irritação peritoneal são evidenciados ao longo da observação do paciente. Nesses casos, mantida a estabilidade hemodinâmica, pode-se optar por um tratamento conservador não-cirúrgico. 166

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Se a perda sangüínea é de 20 a 30%, hipovolemia moderada, o débito cardíaco cai para 50% do valor normal. Como resultado, o paciente apresenta taquicardia e queda da pressão arterial média; não se observam seqüelas de isquemia celular. A administração rápida de dois litros de solução eletrolítica balanceada (Ringer lactato) é suficiente para corrigir o déficit do volume sangüíneo, se o sangramento tiver cessado. Se a perda sangüínea é de mais de 30%, instalam-se hipotensão e perfusão celular inadequada. A hipotensão, portanto, reflete um choque hipovolêmico grave. Deve-se administrar, além da solução eletrolítica balanceada, sangue fresco total após tipagem e prova cruzada. A administração de antibióticos, preferencialmente de amplo espectro, deve ser iniciada no pré-operatório. A ultra-sonografia e a tomografia computadorizada são os exames de escolha, por não serem invasivos e poderem estabelecer o caráter das lesões, descobrindo uma lesão posterior ou delimitando os setores. A tomografia computadorizada, ao detectar com eficácia as lesões, deve ser usada como método auxiliar na observação de pacientes estáveis. A angiografia é um exame que pode estabelecer o local e a magnitude da lesão, bem como levar ao controle da hemorragia através de embolização da artéria hepática. A embolização da artéria hepática é recomendada nos casos de lesões segmentares e lesões contusas transfixantes. A videolaparoscopia é indicada em caso de suspeita de lesão intra-abdominal, principalmente por arma branca, em que o paciente apresenta estabilidade hemodinâmica. A punção abdominal é suficiente para evidenciar a presença de quantidades moderadas e grandes de sangue na cavidade, e a punção com lavado peritoneal leva à detecção de pequenas quantidades de sangue. Sempre que as condições do paciente permitirem, deverá ser realizada a punção abdominal após os estudos radiológicos, já que a presença de ar ou líquido na cavidade abdominal pode seguir-se ao procedimento acima, podendo ser confundido com lesão de víscera oca. Estudos radiológicos pouco ajudam nos casos de pacientes portadores de lesão de víscera maciça. Eles devem ser realizados nos pacientes com sinais vitais estabilizados e diagnóstico questionável quanto à lesão intra-abdominal. As incidências para estudo radiológico do abdômen devem ser o decúbito dorsal, ortostatismo e, ocasionalmente, decúbito lateral. O estudo radiológico do tórax deve ser feito, já que pode mostrar sinais indiretos de lesões intra-abdominais.

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Podem ser observadas fraturas ou deslocamentos de partes ósseas, densidade aumentada nas proximidades do fígado e acúmulo de líquidos entre as sombras gasosas das alças intestinais, evidenciando indiretamente a presença de sangue na cavidade abdominal. A cintilografia hepática deve ser limitada àqueles pacientes com diagnóstico incerto e cujas condições permanecem estáveis. Ela pode evidenciar a presença de hematomas no parênquima. Exames hematológicos são de pouca utilidade diagnóstica. As perdas sangüíneas agudas não levam a alterações precoces do hemograma. C. Classificação e tratamento cirúrgico. A maioria das lesões hepáticas por traumatismo abdominal fechado passa despercebida, quando não existem outras lesões intra-abdominais associadas, em função da grande capacidade hemostática do órgão e da pequena irritação peritoneal que o extravasamento de sangue provoca. As pequenas lesões são quase sempre encontradas em laparotomias provocadas por lesões de outras vísceras simultaneamente. O tratamento cirúrgico das lesões hepáticas depende da extensão dessas lesões e, nos casos graves, a ressecção hepática deve ser anatômica (Fig. 14-5). 1. Lacerações capsulares. Geralmente não sangram. Quando sangram, é suficiente uma pequena compressão direta feita com “bonecas” de gaze montadas em pinças hemostáticas longas. Suturas são dispensáveis. Dreno de borracha macia (Penrose) deve ser colocado nas proximidades da área lesada. 2. Lacerações parenquimais a. Realizar um tamponamento temporário, identificar e ligar vasos e canais biliares. b. Desbridar tecidos desvitalizados. c. Suturar as lesões com fio absorvível cromado número 1-0 ou 2-0, com pontos em “X” ou “U”, evitando apertar em demasia na amarração e tomando o cuidado de evitar pontos profundos no centro, o que poderá lesar vasos e canais biliares subjacentes e impedir uma drenagem adequada. d. Colocar drenos de borracha macia (Penrose) nas proximidades da lesão com saída póstero-lateral na parede abdominal. 3. Feridas penetrantes a. Realizar tamponamento temporário. b. Identificar e ligar vasos e canais biliares.

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c. Desbridar tecidos desvitalizados. d. Quando a ferida for transfixante, suturar, no máximo, um dos orifícios, deixando aberto aquele que favorece uma boa drenagem. e. A drenagem (hepatostomia) pode ser feita através de um cateter de Foley a ser colocado no interior da ferida. Este mesmo procedimento de drenagem poderá ser adotado quando o orifício for único. f. Quando o trajeto da ferida passar centralmente por ambos os lobos, pode-se fazer um tamponamento por balão dentro desse orifício transfixante, mantendo-o inflado por, pelo menos, 48 horas. 4. Destruição lobar ou hematoma central a. Realizar uma incisão ampla, com esternotomia ou toracofrenolaparotomia ou toracotomia e laparotomia. b. Realizar uma compressão firme com compressas e ocluir o hilo hepático com os dedos ou pinça vascular. c. Identificar e ligar ramos expostos intra-hepáticos arteriais e venosos-porta. d. Testar o controle da hemostasia, afrouxando, intermitentemente, a pinça colocada no hilo hepático. Se o controle se revelar ineficaz, tentar a oclusão seletiva da artéria hepática com remoção do tecido desvitalizado. e. A colecistectomia deve ser realizada na maioria das ressecções hepáticas, e a dissecção cuidadosa do hilo hepático acima do duto cístico deve preceder os procedimentos cirúrgicos (ressecções), após controle do sangramento. f. Drenagem abundante da região, com drenos de borracha macia e drenos tubulares revestidos com drenos de borracha macia (Penrose). Tubos de aspiração podem ser utilizados. g. Compressão temporária com compressas e fechamento abdominal podem ser utilizados em casos de hemorragia retroperitoneal ou abdominal difusa, associados a coagulopatia, hipotermia e acidose. 5. Lesão venosa hepática ou da veia cava retro-hepática (Fig. 14-6) a. Se o sangramento persistir após os procedimentos adotados anteriormente, deve-se suspeitar da lesão de uma grande veia hepática ou da veia cava retro-hepática. b. Sangramento persistente e abundante é indicado para se realizar o pinçamento da aorta ao nível do diafragma, com o objetivo de manter uma pressão arterial adequada.

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c. Após controle parcial do sangramento, introduzir um shunt na veia cava inferior para conseguir o isolamento vascular do fígado. Pode-se realizar o shunt utilizando-se um dos seguintes métodos: (1) Introduzir um cateter de Foley nº 26 na veia cava inferior, através de uma sutura em bolsa, imediatamente acima das veias renais. O cateter é introduzido e o balão, inflado, logo acima do diafragma. É colocado um torniquete na veia cava logo acima das veias renais, e o hilo hepático é clampado no nível do omento menor, para completar o isolamento do segmento lesado da veia cava e a drenagem das veias hepáticas. A desvantagem dessa técnica é o coração ficar privado da metade do retorno venoso. É indispensável a monitoração cuidadosa por pressão venosa central e transfusão rápida. (2) O shunt interno da cava elimina o problema do retorno venoso. Um dreno de tórax Portex nº 36 é inserido através de uma sutura em bolsa, no átrio direito, e introduzido na veia cava até abaixo das veias renais. Torniquetes são colocados na veia cava inferior, acima do diafragma e logo acima das veias renais, mas orifícios no tubo, acima e abaixo dos torniquetes, permitem o retorno para o coração. Se necessário, a extremidade superior do cateter pode ser desclampada para transfusão rápida. A oclusão do hilo hepático é necessária. (3) Uma outra técnica, a instalação de um bypass venovenoso extracorpóreo, utilizado em hepatectomia total para transplante de fígado, tem a vantagem de preservar o retorno venoso para o coração. D. Complicações. As complicações das lesões hepáticas surgem, quase sempre, em decorrência das lesões associadas. Outras causas menos comuns variam em função do tipo de lesão, do instrumento que a causou e das iatrogenias. O índice de complicações de lesões hepáticas é de, aproximadamente, 12,5%, e as complicações mais comuns são: 1. Abscessos subfrênicos. Juntamente com as fístulas biliares, constituem as complicações mais freqüentes, principalmente quando há lesão associada, e exigem drenagem cirúrgica para o tratamento. As drenagens, sempre que possível, devem ser extraperitoneais. 2.Fístulas biliares. Freqüentes, surgem em decorrência da perda de solução de continuidade da superfície hepática e da presença de edema em toda ou em parte da víscera traumatizada, dificultando a drenagem biliar pelas vias usuais. São geralmente benignas, se a drenagem é adequada, e o tempo de resolução varia em função da redução do edema. Se a drenagem de bile persistir após as duas primeiras semanas, será conveniente proceder a estudos colangiográficos, com a finalidade de verificar a presença de outras possíveis causas obstrutivas. 170

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3. Icterícia. Pode ser conseqüente à hemólise pós-traumática ou obstrução por edema hepático e à presença de coágulos na árvore biliar. O tratamento é geralmente conservador, desaparecendo após duas semanas. Se persistir, proceder a exames hematológicos e estudos colangiográficos. 4. Abscessos intra-hepáticos. São relativamente raros e têm como causa principal a presença de massa necrótica e hematomas intra-hepáticos. Apresentam alta taxa de mortalidade e manifestam-se por febre e mal-estar. Podem apresentar sudorese noturna e dor abdominal ao nível do fígado. A cintilografia hepática por tomografia computadorizada e a ultra-sonografia são os métodos diagnósticos mais eficientes. A essência do tratamento dos abscessos intra-hepáticos são a drenagem cirúrgica com colocação de drenos calibrosos e a drenagem percutânea com acompanhamento radiológico. 5. Hemobilia. É relativamente rara; pode ser definida como conexão anormal entre vasos sangüíneos e canais biliares, conseqüentes à laceração direta das estruturas afetadas, ou pode representar o resultado de dano na parede arterial, com subseqüentes necrose e ruptura para dentro da árvore biliar. Manifesta-se com quadro de dor recidivante em cólica no abdômen superior, acompanhada por sangramento gastrointestinal e icterícia obstrutiva. O sangramento pode variar de maciço a microscópico. Além da história de traumatismo prévio, o diagnóstico é feito por meio da endoscopia e da arteriografia seletiva. O tratamento é essencialmente cirúrgico, e a conduta mais adequada inclui a exploração direta com ligadura do vaso sangrante e o desbridamento e a drenagem do fígado. Quando o hematoma ou a destruição hepática são extensos, o isolamento e a ligadura da artéria lobar correspondente são tratamentos eficazes. Pelo fato de não corrigirem as lesões hepáticas associadas à embolização do ponto sangrante intra-hepático, as técnicas angiográficas não são as formas preferidas de tratamento. Podem ser necessárias a exploração e a drenagem do colédoco com um tubo em T, já que coágulos sangüíneos podem levar à obstrução e à manutenção do quadro. II. Traumatismo das Vias Biliares Extra-Hepáticas.

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A lesão das vias biliares extra-hepáticas é rara, estando em torno de 2-5% dos traumatismos abdominais, sendo, em geral, associada ao trauma abdominal penetrante (por arma de fogo ou arma branca) e, às vezes, por contusão abdominal. Nos adultos, predominam as lesões penetrantes e, nas crianças, as contusões (geralmente no quadrante superior direito do abdômen). A apresentação clínica é decorrente da lesão associada de outras vísceras intra-abdominais, que levam ao choque hipovolêmico e ao peritonismo. A lesão isolada das vias biliares pode passar despercebida, por ser a bile estéril pouco irritativa, cursando o quadro com dor abdominal leve e sinais hipovolêmicos de pouca gravidade, que regridem espontaneamente, levando o paciente a receber alta hospitalar para, dentro de alguns dias ou semanas, retornar com icterícia, inanição, náuseas, vômitos, distensão abdominal, ascite, fezes acólicas, dor e elevação moderada da temperatura corporal. O diagnóstico pode necessitar de exames complementares, como tomografia, ultra-sonografia e colangiografia transepática percutânea; a angiografia seletiva pode ser indicada para descartar hemobilia em casos de sangramento. Mesmo durante laparotomias exploradoras, o reconhecimento da lesão pode passar despercebido, necessitando de alto índice de suspeita. No caso de hematomas e coleções de bile no hilo hepático ou retroperitônio, deve-se empregar a manobra de Kocher para pesquisa adequada da árvore biliar, podendo a colangiografia intra-operatória ajudar na identificação da lesão. Os procedimentos reparadores são os preferidos, evitando-se a colangite e estenoses. A. Vesícula biliar. Corresponde ao segmento das vias biliares extra-hepáticas mais atingido nos traumas. Tem como fatores predisponentes à lesão a fina parede da vesícula normal, as distensões pós-prandiais e a ingestão alcoólica, que, ao levar à secreção de gastrina e secretina, aumenta o fluxo e a produção de bile e o tônus do esfíncter de Oddi, com conseqüente aumento da pressão intravesicular, além de estar associada ao relaxamento da parede abdominal pela intoxicação alcoólica aguda. A vesícula pode sofrer laceração ou perfuração, avulsão ou contusão, podendo, ainda, ser sede de colecistite traumática devido a sangramento intravesicular. O tratamento de escolha é a colecistectomia, por ser um processo simples e seguro, com mínimas seqüelas, podendo ser realizada em pacientes instáveis no momento da cirurgia. A colecistorrafia, apesar de descrita na literatura com sucesso, não deve ser realizada, devido ao risco de formação de cálculos e colecistite subseqüente. O tratamento conservador é reservado a pequenas contusões e avulsões parciais. A mortalidade associada à lesão de vesícula biliar isolada está em torno de 0%. Os casos de morte, em geral, são devidos ao traumatismo de outros órgãos intra-abdominais. B. Dutos biliares. De acometimento menos comum ainda, as lesões de dutos biliares podem atingir o colédoco, os hepáticos comum, direito ou esquerdo. Os traumas penetrantes podem estar associados à lesão de outras estruturas do hilo hepático, como veia porta e artéria hepática. Os traumas contusos lesam os dutos biliares, 172

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mas poupam os elementos vasculares, devido ao fato de a artéria hepática ser tortuosa e sem pontos de fixação, e porque a veia porta, não possuindo válvulas, esvazia-se e descomprime-se rapidamente em direção à circulação esplâncnica. Ao contrário, o duto biliar comum tem dois pontos de fixação (junção pancreoduodenal e bifurcação dos canais hepáticos), ocorrendo secção contusa, usualmente no ponto em que o canal penetra no pâncreas e, menos comumente, no local de bifurcação dos hepáticos. O tratamento das lesões dutais extra-hepáticas é ditado pela extensão do dano tecidual e pelo quadro clínico geral do paciente no momento da cirurgia. As opções terapêuticas nos pacientes estáveis são: 1. Lesões tangenciais. Sutura da lesão com material absorvível e drenagem com tubo em T, não estando a permanência deste claramente definida, variando de duas semanas a até seis meses. 2. Secção completa do trato biliar extra-hepático. Associa-se ao alto índice de estenose, quando tratado com anastomose término-terminal com drenagem com tubo em T; a anastomose dutoentérica em Y-de-Roux associa-se à menor taxa de estenose e, mesmo no caso de vazamento, não dá saída à secreção entérica; a coledocoduodenostomia é de difícil realização, pois o duto é de pequeno calibre, podendo levar ao risco de fístula duodenal lateral em caso de vazamento; a anastomose colecistojejunal pode ser empregada em destruições extensas do colédoco ou quando, por qualquer motivo, este não se prestar para a anastomose. 3. Secção completa do duto hepático. A ressecção hepática é indicada quando há lesão extensa associada ao fígado, tendo morbidade e mortalidade maiores; a ligadura do ramo hepático direito ou esquerdo pode ser realizada quando não se consegue fazer anastomose, e leva à atrofia do lobo ao qual foi ligado o canal e à hipertrofia do lobo contralateral, podendo formar-se abscessos hepáticos e surgir sepse. A anastomose êntero-hepática em Yde-Roux é preferível à anastomose primária e, como esta, pode ser de difícil execução técnica, pelo calibre do duto e por sua posição anatômica. Em pacientes instáveis, quando a tentativa de um tratamento definitivo torna-se impossível, usa-se a drenagem externa, que previne a ascite biliar, até que seja possível a reoperação. Pode ser usada drenagem com tubo em T, colecistostomia ou drenagem terminal do colédoco com tubo. A cirurgia de Whipple pode ser necessária em lesões do duto biliar associadas a lesões pancreatoduodenais complexas ou da ampola de Vater; reimplantes de ampola de Vater foram realizados com sucesso. A mortalidade das lesões dos dutos está associada às lesões de outras vísceras intra-abdominais. A morbidade pode ser alta em decorrência de fístulas e estenoses. Referências

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Capítulo 15 - Traumatismos Esplênicos Guilherme Durães Rabelo I. Introdução. As lesões esplênicas consistem em achados freqüentes no trauma abdominal — particularmente no traumatismo contuso — e são comumente encontradas nas crianças. Os traumas esplênicos, com propedêutica adequada e eficiente, como a ultra-sonografia e a tomografia computadorizada, apresentam como maior desafio, às vezes diante de quadro clínico fugaz, a valorização por parte do cirurgião do trauma de lesões abdominais e extraabdominais que se associam às lesões esplênicas. No decorrer deste capítulo, apresentaremos alguns dados numéricos obtidos em nossa série de lesões esplênicas, observadas no Hospital João XXIII, em Belo Horizonte, Minas Gerais. II. Anatomia. O baço é localizado no quadrante superior esquerdo do abdômen, mantido na posição pelos ligamentos gastroesplênico, frenoesplênico, lienorrenal e lienocólico, recoberto por peritônio, exceto no hilo. É envolvido por uma cápsula de tecido conjuntivo que contém poucas células musculares e que se estende para dentro do parênquima esplênico na forma de trabéculas que compartimentalizam o baço. O suprimento sangüíneo é realizado pela artéria esplênica, que compreende um dos ramos do tronco celíaco. Este se divide em ramos segmentares no hilo que seguem o trajeto das trabéculas esplênicas. Esta distribuição segmentar das artérias é responsável pelas fraturas transversais observadas freqüentemente e pelo padrão segmentar dos traumatismos esplênicos. O parênquima esplênico é formado por uma polpa vermelha — constituída por tecido vermelho-escuro, devido a inúmeras hemácias, e por tecido reticular, apresentando macrófagos responsáveis pela fagocitose — e por uma polpa branca — as manchas brancas na polpa vermelha —, constituída por tecido linfático. III. Funções. O baço é o maior órgão linfóide do organismo, diferindo de outros tecidos linfóides por agir como filtro na circulação vascular. Atua na remoção das hemácias envelhecidas da circulação (após 120 dias); na remoção dos corpúsculos intranucleares de inclusão; na depuração de partículas e antígenos estranhos; na depuração bacteriana (pneumococos), onde o baço é um filtro mais eficiente do que o fígado (mais bactérias por grama de tecido); na produção de proteína imunologicamente ativa, um tetrapeptídeo que estimula a fagocitose por ativação direta dos leucócitos. IV. Etiologia. As lesões esplênicas podem ter vários mecanismos: (a) contusões (traumatismo fechado [TF] — 75%) são as mais freqüentes, e também responsáveis pelas maiores e mais graves lesões associadas, sendo causadas por atropelamentos, agressões, abalroamento, capotamentos, quedas etc.; (b) ferimentos penetrantes (traumatismo aberto — 24%) — por 177

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arma de fogo (AF — 10%) e por arma branca (AB — 14%), causados por faca, canivete, estilete etc.; (c) iatrogênicos (1%) — lesões causadas em decorrência de manuseio de órgãos vizinhos, como nas pancreatectomias, gastrectomias, colectomias etc. A. Sexo. A relação entre homens e mulheres acometidos por essas lesões é muito constante, com o sexo masculino sendo encontrado em 81% dos casos. B. Idade. Todas as faixas etárias são passíveis de trauma esplênico; entretanto, predominam na faixa do adulto jovem (20-30 anos). V. Quadro Clínico. As principais manifestações clínicas no trauma esplênico são decorrentes da hemorragia intraperitoneal. São achados importantes para a suspeita de lesão esplênica: (a) choque hipovolêmico, sudorese fria, hipotermia, palidez cutânea, mucosas descoradas, agitação, taquicardia e hipotensão arterial; (b) dor abdominal, hipersensibilidade abdominal, ausência de ruídos intestinais; (c) escoriações ou equimoses nas regiões torácica inferior esquerda, dorsal esquerda, abdominal superior e lateral esquerda; (d) fraturas costais inferiores esquerdas, na bacia e nos membros inferiores. VI. Medidas Terapêuticas Iniciais. Antes da realização de métodos propedêuticos, devemos proceder a: (a) cateterização de veia periférica de bom calibre para infusão de líquido e/ou sangue, que permite ter a pressão venosa central (PVC); (b) reposições hidroletrolítica e sangüínea; (c) monitoração das freqüências cardíaca, respiratória e da pressão arterial; (d) obtenção do controle do débito urinário (sonda vesical de demora); (e) jejum absoluto (sonda nasogástrica). VII. Medidas Diagnósticas. O diagnóstico apropriado, avaliado particularmente para cada paciente, depende: (a) do mecanismo da lesão; (b) da estabilidade hemodinâmica do paciente; (c) da necessidade de realizar testes diagnósticos adicionais; (d) da disponabilidade da perícia com determinada técnica; (e) do custo da técnica. VIII. Exames Laboratoriais. Para o paciente com hemoperitônio, utiliza-se o hemograma, particularmente hemoglobina (Hb) e hematócrito (HT). IX. Exames Radiológicos A. Raios X não-contrastados. As radiografias simples podem ter grande valor na detecção das lesões esplênicas. São exames de obtenção relativamente fácil e, quando bem interpretados, a presença de qualquer um dos seguintes achados deve fazer-nos suspeitar de dano esplênico:

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1. Raios X de tórax em PA, em perfil e em oblíqua esquerda: fraturas de costelas esquerdas inferiores (especialmente as 9ª, 10ª e 11ª); elevação da cúpula diafragmática esquerda; derrame plural esquerdo. 2. Raios X de abdômen em decúbito dorsal e em ortostatismo: a. Hemoperitônio: alças sentinelas de intestino delgado; apagamento da sombra do músculo psoas do lado esquerdo; opacificação (densidade aumentada) na pelve. b. Hematoma periesplênico: sombra esplênica que aumenta progressivamente; aumento da distância entre diafragma e fundo gástrico; estômago (câmara de ar gástrica) deslocado para a direita e para baixo; ângulo esplênico do cólon para baixo; pregas gástricas dentilhadas ou irregulares, especialmente ao longo da grande curvatura do estômago. B. Raios X contrastados 1. Arteriografia esplênica. O exame consiste na cateterização da artéria femoral até a artéria esplênica. É um método sensível de detecção de uma lesão esplênica e pode revelar: massa invasiva, defeitos de enchimento (hematoma subcapsular), amputações segmentares e extravasamento de contraste. Entretanto, é um exame que exige pessoal e equipamento especializados, tempo necessário para complementar o exame prolongado e custo elevado, além de se tratar de um exame invasivo. C. Ultra-sonografia (US). A ultra-sonografia consiste em um método propedêutico cujo emprego tem aumentado muito recentemente para avaliação dos pacientes com traumatismo abdominal, essencialmente para traumas contusos. As indicações para US são principalmente para os casos suspeitos de hemoperitônio, para pacientes com lesões extra-abdominais que sugerem trauma abdominal (fraturas dos arcos costais, da bacia etc.) e também pacientes com trauma cranioencefálico (TCE) grave. Está contra-indicada para pacientes com prévia indicação cirúrgica e obesidade significativa. As vantagens de US são: ser método incruento; exame com resultados mais rápidos; permitir exame do tórax e retroperitônio; custo moderado. As desvantagens da US são: exigir pessoal e equipamento especializados; ter incidência de 20-25% de insucesso para estudo das lesões esplênicas. Atualmente, defende-se, pela sua praticabilidade, a presença de um equipamento de ultrasonografia na sala de Politraumatizado e que o exame seja feito inicialmente pelo cirurgião geral do trauma (Fig. 15-1). D. Tomografia computadorizada (TC). No adolescente e no adulto, a TC é um método preciso, não-invasivo, que rapidamente diagnostica trauma esplênico e lesões associadas. Para crianças é necessária mais experiência para avaliar lesões esplênicas. A TC deve detectar e classificar (TC-escore [Quadro 15-1]; classificação de Buntain [Quadro 15-2]) as anormalidades primárias do parênquima esplênico e também demonstrar a importância 179

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clínica dos achados secundários, como hemoperitônio (Quadro 15-3). Há várias armadilhas em potencial na TC que determinam os falso-negativos (“rupturas retardadas”) e falsopositivos: os movimentos e artefatos com sérios degraus na resolução de imagem. Para minimizá-los, usam-se: (1) sonda nasogástrica com aspiração; (2) sedação para pacientes adultos não-cooperativos e rotineiramente em crianças; (3) contraste oral e venoso; (4) cuidado com as variações anatômicas (lobulações, fissuras congênitas etc.); (5) experiência do operador da TC e na interpretação do exame. São indicações da TC abdominal de emergência (paciente estável hemodinamicamente): (1) exame clínico abdominal equivocado; (2) trauma craniano e medular; (3) hematúria; (4) fratura pélvica. A especificidade da TC é de 96,8%, sua precisão é de 97,6%, enquanto sua sensibilidade alcança 100% (Fig. 15-2) X. Lavado Peritoneal. O lavado peritoneal diagnóstico continua sendo uma técnica primária para avaliação de hemoperitônio no paciente com possíveis lesões intra-abdominais traumáticas. Poderá ser utilizado tanto para os casos de trauma contuso como penetrante (arma branca). As indicações para o lavado peritoneal são: (1) hipotensão ou instabilidade hemodinâmica; (2) lesões extra-abdominais graves — TCE, fratura de bacia, lesão renal; (3) pacientes encaminhados para outras cirurgias (craniotomia, toracotomia etc). O lavado peritoneal induz a laparatomia não-terapêutica em 6 a 25% dos casos, sendo os falso-negativos para: lesões retroperitoneais; lesões do diafragma e lesões pequenas e precoces de intestino delgado. XI. Tratamento das Lesões Traumáticas do Baço. O tratamento a ser instituído nas lesões esplênicas dependerá do quadro clínico, da presença ou não de lesões associadas abdominais ou lesões extra-abdominais e da gravidade do trauma do baço, sendo determinado pela propedêutica (US e TC) e podendo ser: (a) tratamento não-operatório; (b) tratamento cirúrgico. A. Tratamento não-operatório. Os pacientes que se encontram hemodinamicamente estáveis, que não apresentam lesões abdominais associadas ou que apresentam lesões extraabdominais de pouca gravidade e que permitam propedêutica (US e TC) têm como opção o tratamento não-operatório, desde que: (1) TC determinando lesão isolada do baço; (2) classificação de Buntain (Quadro 15-2) para as classes I e II e classe III (exceção); (3) TCescore (Quadro 15-1) quando o total na soma dos índices for < 2,5; (4) ISS (injury severity score) 9,4 a 26,5; (5) quando a unidade de tratamento dispõe de equipe cirúrgica homogênea e inteirada do assunto, em hospital habilitado (Unidade de Tratamento Intensivo, Banco de Sangue etc.).

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O tratamento consiste em: internação hospitalar (média de dias de internação = 9); repouso ao leito; hemoglobina e hematócrito seriado; manter estabilidade hemodinâmica: PA sistólica > 100 mmHg; TC seriada: internação no terceiro ou quarto dia antes da alta hospitalar. A eficácia e a segurança da terapêutica não-operatória para lesões esplênicas em pacientes pediátricos estão bem documentadas. Por outro lado, tratamento não-operatório no trauma esplênico no adulto tem sido sujeito a críticas consideráveis. B. Tratamento cirúrgico. Para as situações de trauma abdominal, quando a cirurgia é imperativa: sangramento maciço por ocasião da apresentação (choque hipovolêmico), transfusão de mais de 3 unidades de imediato ou mais de 40 ml/kg de sangue nas primeiras 24 horas, lesões intra-abdominais associadas, TC-escore > 2,5, TC-Buntain: classes III e IV-B. A terapia a ser instituída dependerá do tipo de lesão esplênica: tipo I — ruptura capsular sem lesão parenquimatosa; tipo II — ruptura parenquimatosa sem lesão do hilo esplênico; tipo III — fragmentação do parênquima sem lesão vascular do hilo; tipo IV — ruptura do parênquima com comprometimento hilar; tipo V — ruptura parenquimatosa sem lesão da cápsula (hematoma subcapsular). 1. Esplenectomia total. Está indicada para os casos de lesão do tipo IV, algumas situações do tipo V e para ruptura esplênica em dois tempos. Diante de sangramento esplênico que ameaça a vida, procede-se da seguinte maneira: laparotomia mediana ampla, higiene da cavidade abdominal, investigação dos órgãos abdominais, identificação e ligação da artéria esplênica, dessecção do hilo esplênico e realização de ligaduras individualizadas. Cuidado deve ser tomado com a cauda do pâncreas e ao liberar o baço da loja esplênica. 2. Esplenorrafia e esplenectomia parcial. A preservação esplênica deve constituir objetivo na maioria das situações (tipos I, II, III e V), diante da possibilidade de infecção fulminante (sepse pós-esplenectomia — 0,5% dos casos). Procede-se com: laparotomia, liberação esplênica da loja, ligadura temporária ou definitiva da artéria esplênica, avaliação abdominal — lesões associadas, desbridamento da lesão esplênica (hematomas, tecidos desvitalizados), rafia da lesão com fio absorvível (categute 2-0 cromado), ponto em U ou X. Para a esplenectomia parcial, é fundamental identificar e ligar artéria específica da área lesada, delimitando a ressecção. A epiploonplastia é rotina para regiões lesadas de maior extensão (Figs. 15-3 e 15-4). XII. Autotransplante Esplênico (Esplenose). Quando a esplenectomia constitui a única opção cirúrgica para a fragmentação extensa do baço, ou quando este sofreu avulsão completa do pedículo vascular, o implante autólogo heterotópico de tecido esplênico remanescente torna-se viável e necessário. A técnica descrita é a de implantar aproximadamente 30 gramas de fatias delgadas de tecido esplênico em bolsa de epíploon. Pode ser observado, por meio de um estudo cintilográfico com tecnécio 99, que inicialmente ocorre uma redução no tamanho, devido à isquemia (fase necrótica) até a neovascularização (fase regenerativa), quando o implante aumenta em 50% 181

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o peso do tecido originalmente implantado. Foi demonstrado, também, aumento progressivo da função fagocítica do tecido implantado. Referências: 1. Buntain WL, Gouda HR, Maull KI. Predictability of splenic salvage by computed tomography. J Trauma 1988; 28: 24-34. 2. Campos Christo M. Esplenectomias parciais regradas (nota prévia sobre os três primeiros casos operados). O Hospital 1959; 56: 646. 3. —. Segmental resections of the spleen. Report of the first light cases operated up. O Hospital 1962; 62: 575. 4. Federle MP, Jeffrey RB. Hemoperitoneum studied by computed tomography. Radiology 1983; 148: 187-92. 5. Feliciano DV, Bitondo CG, Mattox KL et al. A four year experience with splenectomy versus splenorrhaphy. Am Surg 1984; 201: 568-75. 6. Jeffrey RB, Laing FC, Federle MP. Computed tomography of splenic trauma. Radiology 1981; 141: 729-32. 7. Mirvis SE, Whitley NO, Gens DR. Blunt splenic trauma in adults: CT-based classification and correlation with prognosis and treatment. Radiology 1989; 171: 33-9. 8. Peitzman AB, Makaroun MS et al. Prospective study of computed tomography in initial management of blunt abdominal trauma. J Trauma 1986; 26: 585-92. 9. Rabelo GD, Abrantes WL, Drumond DAF. Esplenectomia versus cirurgia conservadora do trauma esplênico. Rev Col Bras Cirurg 1991; 80: 86. 10. Resciniti A, Fink MP et al. Nonoperative treatment of adult splenic trauma: development of a computed tomographic scoring system that detects appropriate candidates for expectant management. J Trauma 1988; 828-31. 11. Shafi S, Gilbert JC et al. Risk of hemorrhage and appropriate use of blood transfusions in pediatric blunt splenic injuries. J Trauma 1997; 42: 1.029-32. 12. Toombs BD, Lestes RG, Ben-Menachem Y, Sandler CM. Computed tomography in blunt trauma. Rad Cli North Am 1981; 19: 17-35. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 16 - Traumatismo Pancreático Carlos Rubens Maciel Walter Antonio Pereira I. Generalidades. O trauma pancreático é importante quando se sabe de sua incidência crescente, das dificuldades para o diagnóstico precoce e dos altos índices de morbidade e mortalidade que ele envolve. O pâncreas possui localização anatômica até certo ponto protegida dos impactos — por cima, pelo fígado; lateral e posteriormente, pela parte inferior da caixa torácica, musculatura lombar e coluna vertebral; e, anteriormente, pelo estômago e cólon transverso. Mesmo assim, cada vez mais freqüentemente esse órgão é lesado nos traumatismos abdominais fechados, principalmente em acidentes com veículos em alta velocidade e nos traumatismos abertos por projéteis de arma de fogo. Quando, porém, ocorre lesão, a mesma localização retroperitoneal que o protege minimiza e, por isto, retarda as manifestações clínicas, dificultando o diagnóstico precoce. Isto permite o desenvolvimento incipiente tanto de inflamação local, que dificulta o reparo técnico, quanto de infecção sistêmica, que aumenta acentuadamente a morbidade e a mortalidade pós-operatórias, conseqüentes à falência de múltiplos órgãos e sistemas. Esse retardo no diagnóstico e as lesões associadas, principalmente as duodenais e vasculares, são os principais fatores na determinação da morbidade e da mortalidade. II. Mecanismos de Lesão. Nas feridas penetrantes, o órgão é lesado diretamente pelo agente lesivo. Nos traumas fechados, o mecanismo da lesão pancreática é facilmente compreendido pela relação do órgão com a coluna vertebral, que atuaria como anteparo à força traumatizante. Dependendo da magnitude dessa força, ocorrerá apenas contusão ou então ruptura do tecido, com extravasamento de suco pancreático. A região a ser lesada dependerá do sentido da força: se ântero-posterior, possivelmente a lesão se dará ao nível do corpo pancreático, junto aos vasos mesentéricos superiores e anteriormente aos corpos vertebrais; se da direita para a esquerda, possivelmente a cabeça pancreática será esmagada contra a face ântero-lateral dos mesmos corpos vertebrais, juntamente com o duodeno. É importante assinalar que praticamente todos os casos de lesão pancreática por trauma penetrante apresentam lesões em outros órgãos abdominais. Já nos traumas fechados, é comum a lesão isolada do pâncreas. III. Diagnóstico. A abordagem diagnóstica difere nos traumas abdominais penetrantes e nos fechados. Nos traumas penetrantes, faz diferença, ainda, o fato de eles terem sido produzidos por arma de fogo ou arma branca. Quanto às lesões por arma de fogo, está indicada a laparotomia exploradora sempre que houver penetração peritoneal, pois esta está associada à lesão visceral em 98% dos casos. Se existir dúvida quanto à penetração, ela poderá ser esclarecida pelo lavado peritoneal, e confirmada se houver qualquer retorno de sangue. 183

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Com relação às lesões por arma branca, existem duas correntes principais: exploração de rotina quando há penetração peritoneal, ou observação seletiva apesar da penetração, que se associa com lesão visceral em cerca de 30-40% dos casos. Neste tipo de trauma, a regra é uma grande dificuldade para a realização do diagnóstico precoce, por motivos já expostos. A demora de até 24 horas para o tratamento cirúrgico não parece afetar tanto o resultado final do tratamento, mas a partir desse período há um aumento acentuado da morbidade e da mortalidade, o que é especialmente verdadeiro nos pacientes com grave lesão pancreatoduodenal. A realização do diagnóstico precoce no trauma pancreático depende de: A. Antecipação. Estar voltado para a possibilidade de lesão em todos os casos de contusão do abdômen superior. História de alcoolismo de longa duração deve tornar ainda maior a suspeita, pois o pâncreas enfermo e edemaciado tem menor complacência e, conseqüentemente, menor resistência ao trauma. B. Identificação dos sintomas e sinais críticos físicos iniciais do abdômen. Os sinais e sintomas mais comuns são dor abdominal leve e defesa abdominal, presentes logo após o traumatismo, podendo melhorar dentro de uma a duas horas, para novamente piorarem dentro de aproximadamente seis horas. É difícil ou impossível notá-los nos pacientes alcoolizados ou comatosos. No paciente alcoolizado, o surgimento de defesa abdominal, quando ele se torna sóbrio, deve ser valorizado. Em um grande número de casos, o retardo no diagnóstico decorre da incapacidade de o médico interpretar esses sinais abdominais discretos, porém significativos, especialmente a defesa abdominal. C. Exames laboratoriais. Os pacientes com trauma abdominal fechado deverão ter sua amilase sérica determinada no momento da admissão, e essa determinação será repetida seis horas depois, caso haja desenvolvimento de dor e/ou defesa abdominais, mesmo mínimas ou moderadas. Uma elevação dos níveis da amilase sérica seis horas depois, associada a esses sinais abdominais, é muito significativa e indica a laparotomia exploradora. Deve-se, porém, observar o paciente com elevação da amilase, se o exame do abdômen apresentar-se normal. A amilasemia se eleva em 90% dos casos de contusão pancreática importante, podendo estar elevada também em lesões de outros órgãos, notadamente do duodeno e do intestino delgado. D. Estudos radiológicos. Tanto os achados radiográficos abdominais quanto os torácicos são mínimos e em geral não colaboram para o diagnóstico precoce. As alterações tardias incluem um aspecto de vidro fosco na parte média do abdômen, devido à infecção da retrocavidade, e outros sinais decorrentes da peritonite. Nesta fase, o melhor momento para a intervenção cirúrgica com maior probabilidade de sucesso já terá passado. E. Punção abdominal. Tem valor especialmente no indivíduo comatoso, podendo evidenciar a presença de sangue ou, ainda, de amilase em valores altos no lavado peritoneal. 184

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F. Ultra-sonografia e tomografia computadorizada. Podem ser úteis, especialmente se existem coleções líquidas no, ou ao redor do, pâncreas. A US é empregada por sua simplicidade de realização, e a TC, devido a sua melhor resolução, principalmente nos pacientes obesos ou com distensão abdominal. Atualmente, a TC tem sido considerada a modalidade de escolha na avaliação do traumatismo pancreático que não requer exploração cirúrgica — estudos recentes, entretanto, mostram que a TC será ineficaz em diagnosticar ou, muitas vezes, subestimará, o trauma pancreático. G. Estudos angiográficos. Podem delinear lesões vasculares do pâncreas, sendo usados em hospitais que dispõem de equipamento adequado. H. Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada. Tem sido usada em hospitais avançados, em pacientes com hiperamilasemia significativa após traumatismo. Entretanto, se há lesão canalicular, provavelmente existem sinais clínicos que definem a indicação da cirurgia. Na realidade, no trauma abdominal fechado não existe um critério clínico absoluto para o diagnóstico pré-operatório seguro de lesão pancreática. Dor no abdômen superior, contratura muscular, diminuição do peristaltismo com distensão abdominal, assim como elevação da amilase sérica, podem resultar de uma variedade de outras lesões intraperitoneais. O importante, então, é a seleção do paciente com trauma abdominal que deve ser levado à cirurgia. Indicam a intervenção cirúrgica: sinais evidentes de peritonite (nessa fase já terá passado o melhor período para a instituição do tratamento com maior possibilidade de sucesso) e, ainda, dor e defesa abdominais, mesmo mínimas ou moderadas, acompanhadas de níveis de amilase sérica persistentemente elevados, sugestivos de lesão pancreática ainda em uma fase precoce, ideal para o tratamento cirúrgico. IV. Classificação. A morbidade e a mortalidade no trauma pancreático estão diretamente relacionadas à localização e à extensão da lesão pancreática e à presença de lesão duodenal associada. Classificou-se então o trauma pancreático de acordo com estes critérios: Classe I — Contusão, laceração periférica, sistema canalicular intacto. Classe II — Laceração grave distal (penetração ou secção do corpo e da cauda), com provável lesão do canal pancreático principal. Nenhuma lesão duodenal. Classe III — Secção, grandes lacerações, esmagamento da cabeça do pâncreas. Nenhuma lesão duodenal. Classe IV — Ruptura pancreatoduodenal combinada grave. V. Tratamento. 185

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A lesão pancreática sem tratamento precoce e adequado pode ser rapidamente fatal ou levar à formação de pseudocistos, fístulas ou estenose dutal cicatricial, com conseqüente pancreatite persistente. A incisão cirúrgica deve ser a mediana ampla, e a exploração da loja pancreática na retrocavidade dos epíploons está indicada pela presença, na região pancreatoduodenal, de infiltração gasosa, biliosa ou hemorrágica, ou ainda pela proximidade do trajeto de arma branca ou de projétil de arma de fogo. Hematoma sobre o pâncreas deve ser sempre explorado, pois ele pode ocultar, com freqüência, uma laceração ou ruptura do órgão. A. Técnica operatória. Depende da localização e da magnitude da lesão e, ainda, das lesões associadas. Nas contusões, lacerações superficiais, com sistema canalicular intacto (Classe I), estão indicadas hemostasia e drenagem (Prancha 16-1). Nas lesões distais graves, profundas, com provável lesão dutal (Classe II), o tratamento mais seguro é a pancreatectomia distal. O coto proximal pode ser fechado primariamente, ou tratado com pancreatojejunostomia em Y-de-Roux, o que está indicado quando há suspeita de obstrução canalicular proximal, por contusão e edema da cabeça pancreática residual. A cirurgia é complementada por drenagem generosa da região. Nas lesões graves e profundas da cabeça do pâncreas, sem lesão duodenal (Classe III), existem duas possibilidades. Se há lesão dutal, faz-se a complementação da secção pancreática, se esta já não é total, seguida de fechamento primário do coto proximal após ligadura do duto pancreático, e pancreatectomia distal ou, de preferência, pancreatojejunostomia em Y-de-Roux com o coto pancreático distal preservando a maior parte da glândula. Drenagem regional complementa a cirurgia. Se, ao contrário, não há lesão dutal, a conduta se restringe à drenagem generosa da região. Com freqüência, é difícil confirmar ou excluir a lesão dutal. Tanto a abertura do duodeno, para a obtenção de uma pancreatografia, como a pancreatectomia distal, com o mesmo fim, estão associadas com possíveis complicações e aumento da morbidade. Se a lesão dutal não pode ser evidenciada por manobras mais conservadoras e o pâncreas não está obviamente seccionado, é mais prudente drenar apenas o leito pancreático, aceitando a possibilidade do surgimento de uma fístula ou pseudocisto, que podem ser tratados posteriormente. Outro tipo de lesão é a ruptura pancreatoduodenal combinada grave (Classe IV). Também neste caso o tratamento varia, na dependência da presença ou não de lesão do canal pancreático. Se este último tiver sido lesado, indica-se a duodenopancreatectomia; se intacto, optamos preferencialmente pela sutura da lesão duodenal, complementada por gastrostomia e duodenostomia descompressivas e jejunostomia para posterior nutrição enteral, se possível (ver Cap. 18, Traumatismo Duodenal). A outra opção para esse caso seria a diverticulização duodenal, técnica mais agressiva, podendo ocasionar seqüelas digestivas funcionais importantes. A drenagem generosa da região deve complementar

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todos os tipos de tratamento, pois é essencial que qualquer suco pancreático extravasado seja desviado para o exterior. As técnicas citadas poderão ser complementadas ainda por gastrostomia, jejunostomia, colecistostomia, coledocostomia e pancreatostomia, se as circunstâncias o exigirem. Os cuidados pós-operatórios incluem assistência ventilatória, reposição volêmica, manutenção das funções hemodinâmica e renal, descompressão nasogástrica e antibioticoterapia. Suporte nutricional, através da nutrição enteral ou parenteral total, é freqüentemente necessário. VI. Complicações. As complicações no decorrer do tratamento das lesões pancreáticas surgem, principalmente, em função do retardo no diagnóstico, do tipo de trauma, do agente etiológico e das lesões associadas. As mais freqüentes e específicas são: A. Fístulas pancreáticas. Surgem em decorrência de solução de continuidade da glândula, com lesão dos dutos pancreáticos. Sua morbidade varia com o calibre dos canais lesados, e é tanto mais grave quanto mais proximal é a lesão. Geralmente evoluem bem, se a região é convenientemente drenada e quando se institui o tratamento apropriado (nutrição parenteral total ou enteral, descompressão com sondas etc.) precocemente. B. Pancreatite. Surge em pacientes com lesões pancreáticas extensas. Deve ser tratada com descompressão nasogástrica, reposição volêmica, suporte nutricional etc. C. Pseudocistos. São menos freqüentes. Devem ser tratados cirurgicamente quando não sofrem regressão espontânea e, de preferência, quando já apresentam paredes espessadas, propícias à realização de anastomoses com o trato gastrointestinal (técnica de “marsupialização”, em Y-de-Roux). D. Diabetes. Representa a seqüela de ampla ressecção do pâncreas em lesões muito extensas. E. Hemorragia e septicemia. Representam as principais causas de morte no pós-operatório de pacientes com traumatismo pancreático. Referências 1. Akhrass R, Kim K, Brandt C. Computed tomography: an unreliable indicator of pancreatic trauma. Am Surg 1996 Aug; 62(8): 647-51. 2. Berne C, Donovan A, White E et al. Duodenal diverticulization for duodenal and pancreatic injuries. Am J Surg 1974; 127: 503. 3. Craig MH, Talton DS, Hauser CJ, Poole GV. Pancreatic injuries from blunt trauma. Am Surg 1995 Feb; 61(2): 125-8. 187

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4. Dickerman RM, Dunn EL. Traumatismos esplênicos, pancreáticos e hepáticos. Clin Cir Am N 1981; 61: 11. 5. Lucas CE. Diagnóstico e tratamento das lesões pancreáticas e duodenais. Clin Cir Am N 1977; 57: 3. 6. Madiba TE, Mokoena TR. Favourable prognosis after surgical drainage of gunshot, stab or blunt trauma of the pancreas. Br J Surg 1995 Sep; 82(9): 1.236-9. 7. Moretez J, Campbell P, Parker D et al. Significance of serum amylase in evaluating pancreatic trauma. Am J Surg 1975; 130: 739. 8. Silva NC. Traumas do estômago, duodeno, e pâncreas. In: Lázaro da Silva A. Cirurgia de Urgência. 2 ed., Rio de Janeiro: MEDSI, 1994: 637. 9. Takishima T, Sugimoto K, Hirata M et al. Serum amylase level on admission in the diagnosis of blunt injury to the pancreas: its significance and limitations. Ann Surg 1997; 226(1): 70-6. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 17 - Traumatismos do Esôfago Dyonísio Saad José Bichara I. Introdução. A lesão traumática do esôfago é pouco freqüente, decorrendo de agressões por arma branca (mais raro) ou por projétil de arma de fogo (mais comum), atingindo e perfurando o esôfago cervical, torácico ou abdominal. O trajeto percorrido pelo agente traumático em regiões combinadas, como cervicotóracica, toracoabdominal ou transfixante ao nível do pescoço ou tórax, é acompanhado de alta incidência de lesão esofágica. A lesão esofágica ocorrida por um traumatismo torácico contuso é rara. A gravidade do trauma cardíaco e dos grandes vasos, quando associados, mascara a sintomatologia da lesão esofágica, a qual passará despercebida. A perfuração espontânea é relatada na presença de vômitos incoercíveis ou em pacientes com patologia esofágica prévia. A perfuração instrumental iatrogênica durante dilatações endoscópicas, realizadas em um esôfago enfermo ou para a retirada de corpos estranhos, é significativa. A ingestão de líquidos corrosivos poderá ocasionar queimadura química, necrose tecidual e perfuração tardia. A perfuração esofágica é uma situação clínica grave e responsável por altos índices de mortalidade. Pensar na possibilidade de lesão e estabelecer normas de conduta para o diagnóstico precoce são fundamentais para se iniciar o tratamento indicado, também precocemente. II. Fisiopatologia. A evolução clínica da lesão esofágica e as suas complicações se relacionam com o local atingido do esôfago e com o tempo decorrido entre o traumatismo, o diagnóstico e a abordagem terapêutica. O conteúdo esofágico, constituído de saliva, detritos alimentares e líquido gaseificado, é considerado altamente contaminado, sendo rica a flora bacteriana, formada por microrganismos aeróbicos e anaeróbicos. A. Esôfago cervical. Na presença de perfuração cervical, ocorrerão extravasamento do conteúdo esofágico para os tecidos vizinhos, proliferação bacteriana precoce, formação de enfisema tecidual e infecção local. Ocasionalmente, a infecção poderá disseminar-se através dos espaços anatômicos contornados pelas fáscias cervicais em direção ao mediastino, determinando um quadro clínico grave de mediastinite. B. Esôfago torácico (Fig. 17-1). Na perfuração torácica, o conteúdo esofágico é prontamente aspirado pela pressão intratorácica negativa para o mediastino, com rápidas disseminação e proliferação bacteriana mediastinal. A repercussão sobre o estado geral do paciente é precoce e se manifesta por hipertermia, dispnéia, taquicardia, sinais clínicos de desidratação, distúrbio hidroeletrolítico e choque séptico, podendo ocorrer a morte. O 189

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tempo de duração para a instalação clínica deste quadro é rápido, variando em cerca de 1224 horas. Agravando o quadro mediastinal, poderá ocorrer o refluxo de secreção gástrica e biliar, com extravasamento para o mediastino através da fístula esofágica constituída, causando irritação química e necrose tecidual. A loja mediastínica poderá romper-se para o espaço pleural, surgindo contaminação bacteriana, extravasamento de restos alimentares e penetração de ar do esôfago para a cavidade pleural, com formação de derrame, pneumotórax e empiema. C. Esôfago abdominal. Ocorrendo perfuração do esôfago abdominal, haverá extravasamento do seu conteúdo — associado ao refluxo gástrico — na cavidade abdominal, determinando um quadro clínico de irritação e contaminação peritoneal, caracterizado por dor, parada do peristaltismo, vômitos e defesa abdominal, enfim, sintomas e sinais da síndrome de perfuração visceral. III. Diagnóstico. É importante confirmar precocemente a presença da perfuração esofágica ou a sua ausência, principalmente naqueles casos com altos índices de suspeita. A perfuração esofágica cervical associa-se à presença de um ferimento cervical. Ocorrerá dor local ou durante a deglutição, salivação pelo orifício do ferimento, infiltração de ar, determinando a formação de enfisema subcutâneo, mudanças na tonalidade da voz e sangue na cavidade oral, proveniente do esôfago. Lesões vasculares associadas levam ao aumento de volume e à formação de hematoma cervical. Os exames complementares poderão sugerir o diagnóstico, mas não excluirão a presença de lesão esofágica quando forem negativos. Radiografias simples da região cervical, em duas incidências, poderão evidenciar sinais radiológicos indiretos que induzam a suspeita de lesão esofágica, como a presença de enfisema subcutâneo cervical ou retroesofágico. Radiografias com ingestão oral de contraste, de preferência hidrossolúvel, poderão confirmar a perfuração por meio do extravasamento do mesmo, concluindo definitivamente o diagnóstico. A endoscopia esofágica alta, sob anestesia geral, poderá mostrar lesões de mucosa ou sangramento no local da perfuração ou o orifício da própria lesão. Na perfuração do esôfago torácico, as manifestações clínicas são mais evidentes, principalmente após algumas horas de evolução, devido à contaminação mediastinal. Os pacientes relatam dor torácica retroesternal, vômitos, disfagia e dispnéia. A queda do estado geral, a hipertermia, a hipotensão arterial e a toxemia se instalam concomitantemente. O exame radiológico simples do tórax evidenciará uma série de sinais que poderão levar ao diagnóstico de perfuração do esôfago, sendo descritos os seguintes:

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Sinais radiológicos decorrentes da passagem de ar através da lesão esofágica: enfisema mediastinal, delimitando o arco aórtico, pneumomediastino, pneumopericárdio e pneumotórax. Sinais radiológicos decorrentes do extravasamento de líquido no mediastino: alargamento do mediastino, derrame pericárdico e derrame pleural. O esofagograma, realizado com a ingestão de contraste hidrossolúvel, poderá confirmar, radiologicamente, a perfuração esofágica. A imagem radiológica obtida é de menor densidade quando comparada àquela obtida com o uso de bário. Com o contraste hidrossolúvel, evita-se o extravasamento desnecessário de bário no mediastino e no espaço pleural. Apesar deste inconveniente, no nosso meio o bário é usado com freqüência por ser mais denso e espesso, provocando maior distensão do esôfago e saída de contraste pela lesão. Ainda assim, é alto o índice de resultados falso-negativos. A endoscopia esofágica complementa a propedêutica. Através dela, visualizam-se mais sinais indiretos de lesão do que propriamente a lesão esofágica, como presença de hematomas na mucosa esofágica, áreas de hiperemia e presença de pequenos coágulos próximos à lesão. A endoscopia esofágica deverá ser realizada, de preferência, com endoscópios rígidos. Na perfuração do esôfago abdominal, a sintomatologia é predominantemente abdominal. A irritação da cavidade abdominal pelo conteúdo esofágico é evidente ao exame físico. O exame radiológico simples do tórax poderá evidenciar a presença de pneumoperitônio ou derrames pleurais, quando houver ferimento toracoabdominal associado. O exame radiológico simples do abdômen, além do pneumoperitônio, poderá evidenciar sinais de íleo paralítico, níveis hidroaéreos e líquido extravasado na cavidade. IV. Tratamento. O tratamento das perfurações esofágicas cervicais e abdominais encontra bases definidas na literatura. A perfuração localizada no esôfago torácico com a presença de mediastinite torna a conduta cirúrgica controversa, constituindo um desafio para o cirurgião. Aliada à técnica cirúrgica, será importante a utilização precoce de medidas de suporte nutricional, antibioticoterapia e cuidados pós-operatórios em unidades de terapia intensiva. O diagnóstico precoce permite o tratamento cirúrgico imediato da lesão esofágica. O retardo na realização do reparo cirúrgico aumenta os índices de mortalidade e morbidade. Considera-se o tempo entre 12-18 horas de evolução como favorável para uma abordagem cirúrgica. Após este tempo, a contaminação bacteriana e o comprometimento do estado geral do paciente influem significativamente nos resultados pós-operatórios, sendo prudente a realização de técnicas cirúrgicas que excluam o trânsito esofágico e promovam drenagem eficiente dos focos de contaminação mediastinal, evitando-se a abordagem direta da lesão.

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O tratamento da lesão esofágica cervical consiste na exploração cirúrgica, com exposição e reparo primário da lesão, seguida de drenagem do espaço retroesofágico, sendo o dreno exteriorizado por contra-abertura. Uma sonda nasogástrica será mantida por 48 horas. Após 72 horas de jejum, inicia-se uma dieta líquida, com liberação gradual da mesma. O tratamento conservador poderá ser empregado nos casos de lesão esofágica bem definida e livre de lesões associadas, consistindo o mesmo de curativo local, jejum por 72 horas e observação do paciente. Nos casos de lesões graves ou extensas do esôfago cervical, em que a ingesta precoce de alimentos por via oral está contra-indicada, ou então o reparo da lesão não foi satisfatório ou ainda existe a presença de uma fístula cervical de alto débito, indica-se a realização de uma gastrostomia para alimentação por um período aproximado de três semanas, tempo suficiente para a cicatrização por segunda intenção da lesão esofágica (Fig. 17-2). A freqüência de lesões cervicais associadas, de laringe, traquéia e vasos sangüíneos, reforça a conduta de exploração cirúrgica da região cervical diante da suspeita de lesão esofágica. O tratamento da lesão esofágica torácica diagnosticada em tempo hábil deverá ser realizado através da abordagem cirúrgica direta da lesão e de sua sutura primária. A toracotomia póstero-lateral direita, ao nível do quarto ou quinto espaço intercostal, será a via de acesso para a exposição e o reparo das lesões localizadas no esôfago torácico superior e médio (Fig. 17-3). A toracotomia esquerda, ao nível do sexto ou sétimo espaço intercostal, permite a exposição e o reparo de lesões que ocorrem no esôfago torácico inferior (Fig. 17-4). Complementa-se o tratamento cirúrgico, se necessário, envolvendo-se a sutura esofágica com um retalho pleural pediculado. A sonda nasogástrica deverá ser mantida por um período de 72 horas. A drenagem da cavidade torácica, em selo d’água, deverá ser instituída após a síntese da toracotomia. A abordagem e a sutura primária da lesão esofágica estarão contra-indicadas naqueles casos de diagnóstico tardio, realizado depois de 2-3 dias ou mais, quando as bordas da lesão encontram-se friáveis e desvitalizadas, impedindo uma síntese adequada, estando ainda presente uma contaminação mediastinal e pleural. Como medida salvadora estará indicada uma abordagem cirúrgica que exclua o esôfago lesado do trânsito alimentar, realizando-se uma esofagostomia cervical com exposição do esôfago proximal e oclusão do segmento distal remanescente. O esôfago abdominal será ocluído ao nível da cárdia, através de uma cerclagem gástrica. Realizam-se uma gastrostomia, para aspiração da secreção gástrica, e uma jejunostomia, para alimentação enteral (Urschel, 1974) (Fig. 17-5). Devido à contaminação mediastinal e da cavidade pleural, será necessária uma drenagem ampla dos mediastinos anterior e posterior por via cervical, assim como a drenagem fechada da cavidade pleural acometida, em selo d’água. Posteriormente, a reconstituição do 192

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trânsito esofágico deverá ser realizada através da interposição do estômago ou segmento do cólon, por via retroesternal e anastomose cervical. Abbot (1970) relatou resultados satisfatórios com o emprego de técnica cirúrgica, que consiste na abordagem direta da lesão, através de toracotomia, colocação de um tubo em T no orifício da perfuração esofágica, com o ramo mais longo do bulbo exteriorizado pela parede torácica, aproximação das bordas da lesão em volta do tubo, sonda nasogástrica para aspiração, gastrostomia para drenagem e jejunostomia para alimentação. O tratamento cirúrgico radical, visando à retirada da lesão esofágica e do foco infeccioso, com ampla drenagem do mediastino, poderá ser realizado por meio de esofagectomia subtotal transmediastinal, sem toracotomia. Complementa-se o tratamento cirúrgico com a realização de esofagostomia cervical, gastrostomia com piloroplastia e drenagem mediastinal cervical (Akaishi — HC-FMUSP). O tratamento conservador com sonda nasogástrica, antibioticoterapia e nutrição parenteral não apresenta bons resultados e deve ser evitado nas lesões traumáticas do esôfago. O tratamento da lesão esofágica intra-abdominal é realizado por meio de uma laparotomia com identificação da lesão, desbridamento e sutura primária. O comprometimento da junção esofagocárdica propiciará o refluxo gastroesofágico, devendo ser feita a prevenção deste com operações anti-refluxo. Na presença de desvitalização do esôfago abdominal, será necessária a esofagectomia distal com reconstrução do trânsito alimentar, interpondose um segmento intestinal entre o esôfago remanescente e o estômago. Indica-se, nesta eventualidade, como via de acesso, a toracofrenolaparotomia. V. Prognóstico. A abordagem cirúrgica precoce da lesão esofágica possibilitará obter melhores resultados, utilizando-se técnicas cirúrgicas mais conservadoras. Na presença de complicações mediastinais e da cavidade pleural decorrentes de um diagnóstico tardio ou na conduta inadequada por ocasião do primeiro atendimento, o índice de mortalidade é alto e encontrase em torno de 45%. O tratamento cirúrgico radical deverá ser tentado em todos os pacientes, mesmo naqueles gravemente comprometidos, pois esta conduta, associada a medidas de suporte nutricional e ao combate à infecção sistêmica, será a única possibilidade de recuperação do paciente. Referências 1. Abbott OA, Mansour KA, Logan WD et al. Atraumatic so called “spontaneous” rupture of the esophagus. J Thoracic Cardiovasc Surg 1970; 59: 67. 2. Akaishi E. Esofagectomia nas perfurações do esôfago doente. Jornal do Trauma, HCFMUSP, 9, 1991. 3. Bogossian L. Traumatismo Torácico. São Paulo: Livraria Atheneu, 1986. 193

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Capítulo 18 - Traumatismo Duodenal Paulo Roberto Ferreira Henriques Marcos Campos W. Reis I. Introdução. Os traumatismos duodenais são incomuns, correspondendo de 1 a 4% das lesões intraabdominais, mas representam um verdadeiro desafio para o cirurgião que trabalha em uma Unidade de Emergência. Estas lesões freqüentemente são acompanhadas de dois fatores principais que dificultam seu diagnóstico e tratamento adequado. Em primeiro lugar, as lesões duodenais podem apresentar um quadro clínico pouco exuberante e com manifestações mais tardias, principalmente quando o agente etiológico determina um trauma abdominal fechado e as lesões se localizam em porções extraperitoneais do duodeno. Em segundo lugar, as lesões duodenais se acompanham, com relativa freqüência (37%), de lesões pancreáticas, fato este que é um dos principais agravantes para o tratamento e para o aparecimento de complicações. O cirurgião, ao avaliar pacientes vítimas de traumatismo abdominal fechado, principalmente do abdômen superior e da região toracoabdominal, deve sempre ter um alto índice de suspeita de lesões duodenais, procurando por seus sinais mais precoces. Este cuidado pode levar a um diagnóstico mais rápido e favorecer o tratamento cirúrgico em um duodeno em melhores condições de receber uma sutura e com chances menores de deiscência e fistulização. II. Etiopatogenia. O duodeno é uma estrutura que se encontra, na maior parte de sua extensão, localizada no retroperitônio, profundamente na cavidade abdominal e razoavelmente bem protegido dos traumatismos abdominais mais superficiais. As causas mais freqüentes de lesões duodenais são as feridas penetrantes por arma de fogo (57%) e por arma branca (28%). Outras causas de perfuração duodenal, embora raras, são os corpos estranhos intraluminais deglutidos, como palitos, ossos e agulhas. O duodeno é uma víscera que apresenta certa mobilidade apenas ao nível da região pilórica e do ângulo duodenojejunal. Por este motivo, no traumatismo abdominal fechado, ao ser atingido por uma força no sentido ântero-posterior, o duodeno pode ter sua porção fixa comprimida e esmagada contra a coluna lombar e se romper. Outro mecanismo de lesão duodenal no trauma abdominal contuso é o aumento súbito da pressão intraluminal, podendo levar a explosão duodenal com graves lesões em sua parede; esta situação geralmente acontece quando, no momento do trauma, o duodeno se encontra distendido por gás, o piloro está fechado e o ângulo duodenojejunal está tracionado pela ação do ligamento fibromuscular de Treitz. O trauma abdominal fechado corresponde a aproximadamente 20% dos casos de lesão duodenal, sendo os acidentes automobilísticos a causa mais freqüente (11%). É clássica a situação do paciente vítima de abalroamento ter seu epigástrio comprimido pelo volante do

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automóvel e chegar ao pronto-socorro com a marca deste volante (equimose) impressa em seu abdômen superior. No nosso meio, em crianças, as causas mais freqüentes de lesão duodenal por trauma fechado são a queda de bicicleta e a “síndrome do tanque de lavar roupa”. Esta “síndrome” é ocasionada por tanques de lavar roupa de cimento que são apenas apoiados no chão, sem a fixação adequada, geralmente em residências mais humildes (população de baixa renda). A criança, movida por sua inocência e curiosidade naturais, quando se apóia na borda inclinada do tanque para ver seu interior, derruba o mesmo sobre seu epigástrio. Este tipo de trauma pode determinar outras lesões abdominais graves, como lesão hepática, lesão de veias supra-hepáticas e lesão de veia cava inferior, com índices de mortalidade significativos. Outros traumas contusos, como as agressões (socos e pontapés), também podem levar a lesão duodenal. Os hematomas da parede duodenal (submucosos) podem ser de origem traumática, mas são encontrados também em situações nas quais ocorrem alterações de coagulação, como, por exemplo, hemofilia e uso de anticoagulantes. Estes hematomas podem, além de determinar um quadro obstrutivo, evoluir para infecção e formação de abscesso. A incidência de lesão duodenal em relação à sua localização é a seguinte: primeira porção: 17%; segunda porção: 36%; terceira porção: 19%; quarta porção: 13%; combinadas: 15%. Verifica-se, pela análise destes dados, que as lesões de duodeno em sua porção extraperitoneal correspondem a 68% do total, o que reforça a necessidade do alto índice de suspeita e muita atenção para o diagnóstico, pois as lesões retroperitoneais apresentam quadro clínico pouco exuberante. A proporção das lesões duodenais entre o sexo masculino e o feminino é de 5:1, e a faixa etária mais comprometida se localiza entre os 16 e os 30 anos (70%). III. Diagnóstico. Em traumatismos abdominais penetrantes ou abertos, o diagnóstico e a indicação cirúrgica são precoces, pois geralmente ocorrem lesões de vísceras ocas ou maciças intraperitoneais, e a exploração cirúrgica é definida sem muitas dificuldades. Nestes casos, durante a laparotomia exploradora, o inventário sistemático da cavidade abdominal é mandatório, e constata-se a lesão duodenal em fase precoce e sem processo inflamatório local. Este fato permite que o tratamento cirúrgico possa ser realizado em estruturas viáveis, com melhores possibilidades de sucesso. No Hospital João XXIII, em Belo Horizonte (MG), o tempo médio entre o traumatismo abdominal penetrante e o tratamento cirúrgico das lesões duodenais foi de 90 minutos. As lesões das porções duodenais intraperitoneais se manifestam clinicamente como uma perfuração livre de víscera oca para a cavidade peritoneal, onde o extravasamento rápido de um grande volume de líquido bastante irritativo para o peritônio (suco gástrico, pancreático e bile) ocasiona um quadro clínico exuberante (irritação peritoneal), com a indicação cirúrgica sendo definida também precocemente. 196

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A grande dificuldade diagnóstica ocorre em casos de lesão duodenal decorrente de trauma abdominal fechado, com a ruptura do duodeno ocorrendo em sua porção retroperitoneal. Nesta situação, o cirurgião que atende o paciente deve ter perspicácia e atenção redobradas na procura de alguns sinais precoces e sugestivos de lesão duodenal: o alto índice de suspeita associado ao mecanismo de trauma é a chave do diagnóstico. A. Localização e mecanismo do trauma. Pacientes que apresentam traumatismos toracoabdominais ou nas regiões superiores do abdômen, principalmente vítimas de abalroamentos, ou pacientes alcoolizados traumatizados que se encontram sem defesa abdominal no momento do trauma (parede abdominal relaxada), devem ser submetidos a propedêutica extensa, além de acompanhamento clínico intensivo com reavaliações repetidas e observação hospitalar por um período mínimo de 24 horas. É importante também dar atenção especial às crianças com trauma abdominal fechado por queda de bicicleta ou pela “síndrome do tanque de lavar roupa”, principalmente se apresentarem contusões, escoriações e equimoses no epigástrio. B. História e exame clínico. A história de dor abdominal leve logo após o trauma, que apresenta melhora espontânea nas primeiras duas horas e retorna com maior intensidade dentro de seis horas, é bastante sugestiva de lesão duodenal. Um paciente com estes sintomas e mecanismo de trauma compatível deve ser submetido a propedêutica imaginológica do duodeno. O exame físico do abdômen na fase inicial do trauma duodenal é pobre em achados; portanto, a observação deve ser atenta e repetida, e qualquer sinal ou modificação, por menor que seja, deve ser valorizado. A história do trauma e a existência de contusão ou equimose no epigástrio nunca devem ser menosprezados. A ruptura do músculo reto do abdômen sugere fortemente lesão intra-abdominal. A evolução do extravasamento do conteúdo duodenal para o retroperitônio determina a extensão da dor para a região lombar e flancos e também sinais de íleo paralítico e de processo inflamatório retroperitoneal, como vômitos, febre, leucocitose e taquicardia. Sinais clínicos de sepse podem surgir em fases mais avançadas da lesão. O hematoma de parede duodenal é sugerido por vômitos intensos, geralmente 24 a 48 horas após o trauma, causados por obstrução da luz do órgão. A palpação do abdômen na fase inicial do trauma duodenal também fornece poucos achados, porque não existe irritação do peritônio parietal e, portanto, a dor é difusa, incaracterística e mal definida, do tipo visceral. A presença de massa palpável no epigástrio ou no hipocôndrio direito pode representar um hematoma da parede duodenal. O ar que extravasa da luz do órgão disseca o espaço retroperitoneal e pode, raramente, ser palpado como enfisema na região lombar ou através do toque retal. A ausculta abdominal pode demonstrar íleo paralítico à medida que aumentam a coleção líquida e o processo inflamatório retroperitoneal. C. Métodos diagnósticos complementares. Não existem exames laboratoriais específicos para o diagnóstico de lesões duodenais. A amilase sérica está elevada em aproximadamente 50% dos pacientes com lesão duodenal; na presença de hiperamilasemia, devemos dirigir 197

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os métodos propedêuticos e clínicos para o diagnóstico de ruptura duodenal, mas uma amilasemia normal não exclui a lesão. Leucocitose pode estar presente e sugere, principalmente se associada a desvio para esquerda, infecção retroperitoneal. A dosagem de amilase e o hemograma devem ser solicitados rotineiramente em todo politraumatizado. Exames radiológicos podem ser úteis no diagnóstico. Cerca de 90% dos pacientes têm algum sinal de lesão duodenal na radiografia simples do abdômen; entretanto, a maioria dos sinais é inespecífica, como apagamento da sombra do músculo psoas direito e escoliose antálgica lombar. A presença de bolhas de ar distribuídas ao longo da margem do músculo psoas direito (Fig. 18-1), delineando o rim direito, ou no mediastino superior é altamente sugestiva de trauma duodenal, estando presente em 56% dos pacientes seis horas após o trauma. É importante muita atenção na análise dessas radiografias para que o retropneumoperitônio não seja confundido com gases e fezes dentro do cólon direito. Pneumoperitônio também pode estar presente ao estudo radiológico, mas raramente. O melhor momento para a realização da radiografia de abdômen é após a avaliação inicial e estabilização do paciente, e este exame deve ser repetido após seis horas de observação do paciente, de acordo com o exame clínico do mesmo. Os sinais radiológicos em fases mais avançadas da evolução das lesões duodenais são níveis hidroaéreos, distensão de alças de delgado (aspecto de “pilhas de moeda” ou “espinha de peixe”), edema da parede das alças, distensão do intestino grosso e aumento da densidade radiológica na região central do abdômen (líquido livre). O estudo radiológico contrastado do duodeno (REED) pode evidenciar extravasamento de contraste na região do duodeno. O meio de contraste a ser usado deve ser preferencialmente o hidrossolúvel (iodado). Um exame negativo pode ser repetido com a utilização do bário. O hematoma da parede duodenal também leva a uma deformidade clássica durante o estudo contrastado com imagem em “mola em espiral” ou “bico de pássaro”. A tomografia computadorizada do abdômen, com o uso de contrastes oral e venoso, é o método diagnóstico de escolha em pacientes estáveis com suspeita de lesão retroperitoneal por trauma abdominal contuso, sendo um exame muito sensível na detecção de pequenas quantidades de ar retroperitoneal (Fig. 18-2), sangue ou contraste extravasado do duodeno lesado. A laparotomia exploradora ainda tem seu lugar como último método diagnóstico, sempre que persistir um alto índice de suspeita, mesmo diante de achados imaginológicos normais. IV. Tratamento A. Avaliação peroperatória. Os pacientes que apresentarem as seguintes condições devem, após o controle da hemorragia, ter seu espaço retroperitoneal explorado: 1. Bolhas de ar nos tecidos periduodenais e mesocólon transverso. 2. Coloração biliar esverdeada em qualquer parte do retroperitônio — a compressão delicada da vesícula biliar pode ajudar na detecção de extravasamento biliar.

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3. Hematoma sobre o duodeno, ao longo da base do mesentério, adjacente à grande curvatura gástrica ou no mesocólon transverso. 4. Trajeto de arma branca ou projétil de arma de fogo nas proximidades do duodeno. 5. Qualquer achado pré-operatório (métodos complementares) sugestivo de lesão duodenal. A complexa exposição do duodeno requer a realização de duas manobras cirúrgicas associadas: manobra de Kocher e de Cattel-Braasch. A manobra de Kocher consiste em se descolar a segunda porção do duodeno juntamente com a cabeça do pâncreas da parede abdominal posterior, por meio de uma incisão no peritônio posterior, à direita do arco duodenal. Esta dissecção é realizada em plano avascular, e o bloco duodenopancreático é descolado em direção à esquerda até a exposição completa da veia cava inferior, permitindo a exploração da primeira e segunda porções duodenais. A manobra de Cattel-Braasch, por sua vez, consiste na liberação e dissecção do ceco, cólon ascendente e intestino delgado para cima e para a esquerda, permitindo a exposição do espaço retroperitoneal, grandes vasos e da terceira e quarta porções duodenais. Esta dissecção é obtida por uma incisão no peritônio posterior ao nível da goteira parietocólica direita. A liberação do ligamento de Treitz auxilia a avaliação da quarta porção duodenal. Outra manobra cirúrgica útil na detecção de lesões associadas é o cateterismo da papila através da lesão duodenal, para a realização de colangiopancreatografia retrógrada peroperatória. A classificação das lesões duodenais, descrita por Moore, em 1990, é útil para delinearmos o tratamento adequado: Grau I — Hematoma em uma porção duodenal. Laceração parcial da parede (sem perfuração). Grau II — Hematoma em mais de uma porção. Laceração menor do que 50% da circunferência. Grau III — Laceração de 50 a 75% da circunferência em D2. Laceração de 50 a 100% da circunferência em D1,3,4. Grau IV — Laceração de 75 a 100% da circunferência em D2. Lesões envolvendo colédoco ou papila duodenal. Grau V — Laceração duodenopancreática maciça. Desvascularização do duodeno. Observações: D1,2,3,4: primeira, segunda, terceira e quarta porções do duodeno. • Lesões grau III a V são consideradas lesões duodenais complexas. 199

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• Lesões tratadas tardiamente, apresentando tecidos edemaciados e inflamados, devem também ser consideradas como complexas. B. Procedimento cirúrgico 1. Lesões grau I — O hematoma da parede duodenal deve merecer, na maioria das vezes, tratamento conservador por meio de descompressão por sonda nasogástrica e reposição hidroeletrolítica, com o paciente permanecendo em observação em regime hospitalar nos primeiros dias. Caso não haja melhora clínica dentro de aproximadamente duas semanas, o paciente deverá submeter-se a tratamento cirúrgico, com abertura da parede duodenal sem abrir a mucosa, evacuação do hematoma e reconstituição por planos. Uma outra alternativa cirúrgica é a anastomose gastrojejunal látero-lateral. As lesões parciais da parede duodenal (sem abertura da luz) merecem apenas reconstrução com sutura seromuscular simples. 2. Lesões grau II — Estas lesões são adequadamente tratadas por meio de desbridamento das bordas da lesão e sutura em dois planos ou ressecção e anastomose término-terminal, associadas a drenagem adequada periduodenal. 3. Lesões complexas (graus III, IV, V ou com processo inflamatório) — Existem várias condutas propostas para estas lesões graves, dentre elas ressaltamos: a. Técnica das três sondas: (1) Mobilização e exposição adequadas com desbridamento e rafia da lesão duodenal. Se há perda de substância, pode-se usar o patch de alça jejunal para recobrir a falha na parede do duodeno. (2) Duodenostomia lateral com dreno de Kehr (dreno em “T”) exteriorizado pela própria lesão ou por contra-abertura na borda duodenal contrapancreática. O dreno deve ser envolto por epíploon quando possível. (3) Gastrostomia à Stamm. (4) Jejunostomia à Witzel. (5) Drenagem periduodenal. Esta técnica, que vem sendo empregada no Hospital João XXIII desde 1968, com excelentes resultados, tem a vantagem de promover formação de fístula superdirigida, removendo todo o suco gastrobiliopancreático da luz duodenal, descomprimindo o órgão e mantendo-o em repouso, evitando tensão sobre a linha de sutura, o que facilita a cicatrização da lesão. A gastrostomia ajuda na descompressão do duodeno e na derivação do suco gástrico. Além das vantagens já citadas, o método permite a manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico e nutricional do paciente, pois permite aporte nutricional enteral, além da reinfusão dos sucos gástrico e biliopancreático colhidos na gastrostomia e duodenostomia, respectivamente, através da jejunostomia. Quinze dias após o tratamento cirúrgico, pode-se 200

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fazer estudo radiológico contrastado pela duodenostomia e, na ausência de extravasamento de contraste ou processo obstrutivo distal, o dreno pode ser retirado como uma coledocostomia (tração simples). b. Cirurgia de exclusão pilórica (1) Sutura primária da lesão duodenal. (2) Gastrotomia na grande curvatura ao nível do antro. (3) Eversão do piloro através da gastrotomia e fechamento do mesmo utilizando-se sutura contínua com fio inabsorvível (Polipropilene). (4) Gastrojejunostomia no local da gastrotomia. (5) Drenagem periduodenal. A cirurgia de exclusão pilórica foi utilizada pela primeira vez por Jordan, no início da década de 70, e apresenta uma taxa de fístula duodenal pós-operatória semelhante à técnica das três sondas, em torno de 5%. A reabertura do piloro acontece espontaneamente no pósoperatório tardio. c. Duodenopancreatectomia. A ressecção do bloco duodenopancreático no trauma tem sua indicação restrita aos pacientes com desvascularização da região pancreatoduodenal ou apresentando lesões graves de duto pancreático e papila duodenal sem possibilidade de reconstrução. Deve sempre ser tentada a preservação do piloro durante o procedimento. d. Outros procedimentos. A diverticulização duodenal — sutura duodenal, duodenostomia, antrectomia e gastrojejunostomia — tem sido pouco utilizada atualmente devido a sua agressividade e ao tempo operatório elevado para sua execução. Em pacientes hemodinamicamentes instáveis, o tratamento preconizado é o controle do dano. Nestes pacientes, a laparotomia deve ser abreviada com controle rápido da hemorragia, fechamento rápido das lesões do tubo gastrointestinal, fechamento provisório da pele e encaminhamento do paciente para a Unidade de Tratamento Intensivo no intuito de corrigir a acidose, hipotermia, os distúrbios de coagulação e as alterações hemodinâmicas para o tratamento definitivo posterior em melhores condições. É importante enfatizar que a drenagem generosa da região periduodenal é essencial no tratamento das lesões, especialmente nos casos complexos e de diagnóstico tardio, pois a fístula duodenal tem na drenagem adequada a base de seu tratamento, que se deve associar, também, a um suporte nutricional e antibioticoterapia efetivos. V. Morbidade e mortalidade.

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A morbimortalidade do trauma duodenal está diretamente relacionada com a gravidade da lesão, o tempo entre o traumatismo e o atendimento (tempo de evolução) e a presença de lesões associadas. A pior complicação do trauma duodenal é a deiscência de sutura com o aparecimento de fístula duodenal, o que ocorre numa incidência média de 6,6%, e está relacionada à friabilidade dos tecidos (tratamento tardio na vigência de retroperitonite) e à ação do suco pancreático sobre a linha de sutura (lesão pancreática associada); a mortalidade relacionada a estas fístulas duodenais varia de 0 a 4%. Outras complicações encontradas são abscesso intraperitoneal, pancreatite, obstrução duodenal e fístula biliar. A mortalidade geral no traumatismo duodenal ainda é significativa, variando de 5 a 30%, com uma média de 17%; entretanto, está freqüentemente associada a lesões pancreáticas e vasculares associadas. Referências 1. Abrantes WL, Henriques PRF, Bichara D, Ferreira ET. Duodenostomia lateral com sonda em T nos traumatismos duodenais. Ver Assoc Med Minas Gerais 1981; 32(1/4): 489. 2. Costa e Silva N. Trauma do estômago, duodeno e pâncreas. In: Lázaro da Silva A. Cirurgia de Urgência. Rio de Janeiro: MEDSI, 1985. 3. Lucas CE. Diagnóstico e tratamento das lesões pancreáticas e duodenais. Clin Cir Am Norte 1987: 49-65. 4. Ivatury RR, Nassoura ZE, Simon RJ, Rodriguez A. Complex duodenal injuries. Surg Clin North Am 1996; 76(4): 797-812. 5. Ballard RB, Badellino MM, Eynon CA et al. Blunt duodenal rupture: a 6 year statewide experience. J Trauma 1997; 43(2): 229-32; Discussion 233. 6. American College of Surgeons — Committee on Trauma. Advanced Trauma Life Support Manual. 5 ed., 1993. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 19 - Traumatismo do Intestino Delgado Sizenando Vieira Starling Evilázio Teubner Ferreira I. Introdução. As vísceras ocas intra-abdominais são freqüentemente lesadas nos mais diversos tipos de trauma, principalmente nos traumatismos penetrantes. Iremos abordar, neste capítulo, apenas os traumatismos do jejuno e do íleo, pois o duodeno, embora seja anatomicamente integrante do intestino delgado, é estudado em capítulo à parte. O intestino delgado pode ser lesado nos traumatismos penetrantes (trauma aberto) e nos contusos (trauma fechado). No trauma fechado o diagnóstico é difícil, e o paciente é tratado tardiamente, em grande número de casos. Os traumas abertos podem ser causados por arma de fogo e por arma branca. Nas lesões por arma branca, a ação lesiva ocorre diretamente sobre a parede da víscera e geralmente está limitada ao trajeto de ação do instrumento agressor. Nos traumas causados por arma de fogo, o efeito lesivo é maior e depende, basicamente, da energia cinética transmitida ao órgão atingido pelo projétil, da sua velocidade e do efeito de revolver os tecidos. Algumas características anatômicas nos ajudam a entender o mecanismo de lesão dessas vísceras. O jejuno inicial, logo após a quarta porção duodenal, é fixo e se situa à frente da coluna vertebral. O íleo terminal também é considerado segmento fixo, devido ao seu mesentério curto e por estar o ceco fixo na goteira parietocólica direita. Estas condições proporcionam menor mobilidade desses segmentos, ocasionando uma maior predisposição da ocorrência de lesões. As demais porções do intestino delgado, intercaladas entre esses dois segmentos, são móveis e têm fácil deslocamento, o que permite que escapem dos agentes agressores com certa facilidade. O estado de repleção da alça é um outro fator importante; as alças, quando cheias, são mais suscetíveis às lesões. Os traumas fechados podem ter várias causas: agressões, atropelamentos, abalroamentos, quedas etc. O mecanismo pelo qual ocorre a lesão da alça pode ser explicado por uma das três hipóteses: aumento súbito da pressão intraluminal de uma alça cheia; compressão da alça contra a coluna vertebral; ou devido à desaceleração brusca. Um exemplo típico são as lesões de íleo terminal ocorridas em abalroamentos, nos indivíduos usando cinto de segurança subabdominal (de 2 pontos). Devido à obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, bem como seu posicionamento de maneira incorreta, este tipo de lesão vem ocorrendo com maior freqüência. Não podemos deixar de citar as lesões por esgarçamento de mesentério. Elas ocorrem quando um indivíduo é vítima de um trauma abdominal com deslocamento do intestino delgado da região de maior pressão, determinando distensão súbita e ruptura do mesentério, devido à sua baixa elasticidade. Os vasos sangüíneos que nutrem a alça se rompem, ocasionando um hemoperitônio e, às vezes, isquemia e necrose da alça intestinal.

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II. Diagnóstico. Nos pacientes vítimas de um traumatismo abdominal aberto, a indicação cirúrgica, na maioria das vezes, é precoce, e a lesão do intestino delgado encontrada durante o ato cirúrgico permite um tratamento adequado, garantindo, assim, o seu sucesso. Nos pacientes vítimas de um trauma abdominal fechado, o diagnóstico é mais difícil e, por isso, o médico deve manter uma atenção especial ao exame clínico do paciente, para não tratar tardiamente a lesão. Assim, todo paciente com trauma abdominal fechado deve permanecer hospitalizado e em observação cirúrgica, sendo submetido a um exame clínico a intervalos regulares, por período mínimo de 24 horas. Dessa maneira, consegue-se um diagnóstico precoce, na maioria das vezes, das lesões intra-abdominais. As lesões por contusão abdominal se manifestam clinicamente por um quadro de perfuração de uma víscera oca para o peritônio livre. A dor abdominal é o sintoma mais característico e está presente em todos os casos, com intensidade variável, dependendo do nível da lesão e do grau de contaminação da cavidade abdominal. Normalmente, nas lesões mais altas, a dor é mais forte e, à medida que o tempo vai passando, aumenta de intensidade e se difunde para todo o abdômen. Ao exame físico, chamam a atenção a desidratação progressiva, a taquicardia e, às vezes, a febre de graus variáveis. No exame do abdômen, são achados importantes: a dor à palpação com defesa muscular e, às vezes, a contratura da parede abdominal; a percussão dolorosa; um grau variado de distensão abdominal; e o peristaltismo diminuído ou abolido. Estes achados caracterizam um quadro de peritonite. Nos casos em que o diagnóstico é realizado tardiamente, o quadro geral e abdominal é mais grave. O paciente encontra-se séptico, hipovolêmico e oligúrico. Ele necessita de um tratamento de suporte intensivo antes de ser encaminhado à cirurgia. O diagnóstico da lesão do intestino delgado é essencialmente clínico. Os exames laboratoriais são inespecíficos. Os exames radiológicos são de grande valor, principalmente quando feitos sucessivamente e analisados comparativamente durante a evolução do paciente. O estudo radiológico do tórax pode revelar pneumoperitônio e deve ser rotineiramente realizado. A radiografia simples de abdômen, realizada em decúbito dorsal e ortostastismo, deve ser feita durante a evolução do quadro, quantas vezes forem necessárias. As alterações neste exame são progressivas e variam desde uma alça sentinela, em um dos quadrantes do abdômen, até um quadro de íleo paralítico típico. Os métodos modernos de diagnóstico por imagem, como o ultra-som abdominal e a tomografia computadorizada do abdômen, trouxeram algum auxílio para o diagnóstico das lesões do intestino delgado. Atualmente, considera-se que a tomografia computadorizada do abdômen, executada por profissional experiente, pode ser útil no diagnóstico dessas lesões ao demonstrar mínimas quantidades de ar na cavidade abdominal, espessamento da parede das alças, líquido livre intra-abdominal e extravasamento de contraste hidrossolúvel (administrado por via oral) para a cavidade peritoneal. Quando ocorre lesão do mesentério sem lesão da luz visceral, a clínica observada é um pouco diferente e caracteriza-se por uma perda sangüínea de intensidade variável. Ao 204

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exame clínico, notamos instalação progressiva de um quadro de hipovolemia: queda da pressão arterial, aumento da freqüência do pulso, mucosas hipocoradas e palidez cutânea. A dor abdominal, nestes casos, é de menor intensidade, mas está presente. A palpação e a percussão do abdômen são dolorosas, e o peristaltismo está diminuído. Nesta situação, a punção abdominal está indicada e, se ela for negativa, dever-se-á proceder ao lavado peritoneal. Atualmente, entretanto, com o progresso dos meios de imagem, a realização de ultra-som e/ou tomografia computadorizada do abdômen, revelando a presença de líquido livre na cavidade, a sua localização e o seu volume estimado, nos permite fazer um diagnóstico mais precoce. III. Tratamento. O tratamento das lesões traumáticas do intestino delgado é sempre cirúrgico e envolve procedimentos simples e seguros, desde que realizado precocemente (em torno de seis horas) e com técnica adequada. Antes do início do ato cirúrgico, o paciente deve ser convenientemente preparado, incluindo: punção de veia periférica calibrosa para hidratação e administração de antibiótico pré-operatório, tricotomia abdominal e pubiana ampla e cateterismo vesical de demora. Nos pacientes politraumatizados, deve-se dedicar maior atenção ao tratamento das lesões associadas e de maior gravidade, que colocam a vida do paciente em risco. A laparotomia deve ser realizada por meio de incisão vertical mediana ampla, pois esta é feita com rapidez e permite exploração de toda a cavidade abdominal. As lesões encontradas devem ser classificadas de acordo com os critérios propostos pela Associação Americana de Cirurgia do Trauma (Quadro 19-1). Nos casos operados precocemente, as lesões do jejuno e do íleo são passíveis de sutura primária, não precisando ser complementadas por nenhum outro procedimento. Em algumas situações, a ressecção do segmento de alça lesado, seguida de anastomose términoterminal, torna-se necessária (Quadro 19-2). Tanto a enterorrafia quanto a enterectomia devem ser realizadas segundo os princípios básicos da cirurgia intestinal do trauma (Quadro 19-3). Nos pacientes diagnosticados e tratados tardiamente, com freqüência vítimas de traumas fechados, a situação muda de aspecto, tornando-se mais grave e complexa. O paciente, nestes casos, está séptico e com um quadro já instalado de peritonite bacteriana. Portanto, antes da cirurgia, devem-se melhorar as suas condições gerais, para que ele suporte o trauma cirúrgico. Durante o ato cirúrgico encontramos uma lesão com bordas friáveis e inflamadas, não permitindo a execução segura da sutura primária, pois o risco de deiscência da sutura com formação de fístula no pós-operatório é muito elevado. Nesta situação, a opção adotada é realizar uma sutura parcial da lesão e colocar, dentro da luz intestinal, um dreno em “T” de calibre grosso (dreno de Kerr). Em seguida, exteriorizamos o seu ramo vertical por contra-abertura na parede abdominal e fixamos este segmento de alça no peritônio parietal (como se faz em uma jejunostomia). Essa enterostomia com sonda “T” traz as seguintes vantagens: (a) promove a formação de uma fístula superdirigida, 205

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impedindo que o conteúdo da alça caia dentro da cavidade abdominal; (b) remove o líquido entérico de dentro da luz da alça; (c) mantém a alça em repouso e descomprimida, evitando tensão na linha de sutura e propiciando que a cicatrização da lesão evolua de maneira favorável. Assim, proporcionamos uma proteção maior ao paciente, evitando que uma fístula entérica, com suas repercussões, se instale. Após duas semanas de tratamento, se o paciente estiver bem e sem sinais de infecção abdominal, o dreno será retirado, e a fístula se fechará espontaneamente. Trabalhos importantes, realizados nos serviços com maior experiência em trauma, estão sendo feitos com o intuito de demonstrar o uso mais adequado da videolaparoscopia no trauma. A utilização correta deste novo método nos possibilitará maior precocidade no diagnóstico e tratamento das lesões intra-abdominais, inclusive as do intestino delgado. IV. Complicações. Desde que tratadas precocemente, as lesões do intestino delgado evoluem bem, sem complicações. O paciente inicia alimentação oral a partir do terceiro dia de pós-operatório, e a alta é precoce. As complicações de ordem geral, como atelectasias, infecções urinárias e abscesso de parede, podem ocorrer. As complicações intra-abdominais são mais comuns em pacientes tratados com peritonite purulenta já instalada. As complicações que trazem mais riscos ao paciente são os abscessos intra-abdominais (pélvico, subfrênico e interalças) e as deiscências de sutura, originando as fístulas entéricas. Referências 1. Bosworth BM. Perforation of the small intestine from non-penetrating abdominal trauma. Am J Surg 1948; 76: 472-9. 2. Burney RE, Mueller GL, Coon WW et al. Diagnosis of isolated small bowel injury following blunt abdominal trauma. Am Emerg Med 1983; 22: 71-4. 3. Cerise EJ, Scully JH. Blunt trauma to the small intestine. J Trauma 1970; 10: 46-50. 4. Chambers WL, Card RY, Rupture of the jejunum due to nonpenetrating trauma as an isolated injury. Am Surg 1961; 27: 556-60. 5. Chandler CF, Lane JS, Waxman KS. Seatbelt sign following blunt trauma is associated with increased incidence of abdominal injury. Am Surg 1997; 63: 885-8. 6. Counseller US, McCormack CJ. Subcutaneous perforation of the jejunum. Ann Surg 1935; 102: 365-74.

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Capítulo 20 - Traumatismo do Intestino Grosso Sizenando Vieira Starling Evilázio Teubner Ferreira I. Introdução. As lesões do intestino grosso são relativamente freqüentes, e em 95% dos casos são causadas por trauma penetrante. Os 5% restantes são constituídos por contusões ou lesões iatrogênicas. Em virtude do tipo de flora e das características anatômicas e fisiológicas dos intestinos, as lesões colônicas ainda hoje são acompanhadas de consideráveis graus de morbidade e mortalidade. A não ser nas lesões extraperitoneais isoladas, o diagnóstico não apresenta dificuldades em ser obtido. Existe, contudo, grande controvérsia quanto ao melhor tratamento a ser empregado nos diversos tipos de lesões existentes. II. Diagnóstico. Nos pacientes vítimas de agressões por arma de fogo, a indicação cirúrgica é imediata, e o diagnóstico da lesão colônica é realizado durante o exame minucioso das lesões da cavidade abdominal. Nos pacientes vítimas de agressão por arma branca com evidência de lesão visceral, a cirurgia também é indicada precocemente. O diagnóstico é mais difícil nos casos de trauma fechado e nos de agressão por arma branca sem apresentar, à admissão, sinais de lesão visceral. Nesta situação, deve-se examinar cuidadosamente o paciente a intervalos de tempo regulares, pois o surgimento de sinais de irritação peritoneal é útil para orientar o médico quanto à necessidade de exploração cirúrgica. Os exames laboratoriais e radiológicos não são específicos. Deve-se dedicar especial atenção às prováveis lesões extraperitoneais do cólon e do reto, onde não estarão presentes sinais de irritação peritoneal. Nas lesões do cólon extraperitoneal (ascendente e descendente), além das manifestações sistêmicas e da leucocitose com desvio à esquerda, podemos constatar presença de ar no retroperitônio através da palpação e/ou pela radiografia simples de abdômen (retropneumoperitônio). Nas lesões localizadas no reto extraperitoneal, freqüentes nos casos de empalamento, fraturas graves de bacia e traumas por arma branca ou de fogo, abaixo da cicatriz umbilical ou nas nádegas, o toque retal é imprescindível, e a retossigmoidoscopia deve ser realizada sempre que possível. Estes cuidados garantem o diagnóstico precoce dessas lesões, permitindo um tratamento em tempo hábil, apresentando morbidade e mortalidade reduzidas. Por outro lado, também atentamos para os pacientes submetidos à 209

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retossigmoidoscopia, à colonoscopia ou ao enema opaco e que desenvolvem dor abdominal com sinais de irritação peritoneal. Neles, a possibilidade de lesão colônica é grande, e a cirurgia deve ser indicada para todos os casos. III. Tratamento. O tratamento de lesões traumáticas do intestino grosso, apesar dos progressos inequívocos obtidos, ainda gera polêmica e controvérsia. A taxa de mortalidade devida às lesões colônicas diminuiu progressivamente com o avanço da tecnologia, com o uso da colostomia e com o aprimoramento da ressuscitação e do transporte de pacientes (evacuação precoce), permitindo um tratamento mais eficaz e rápido. Um breve relato histórico nos possibilita vislumbrar este fato. A mortalidade devida às lesões de cólon durante a Guerra Civil Americana estava próxima de 100%, e durante a Primeira Guerra Mundial ficou em torno de 60%. Durante a Segunda Guerra Mundial, Ogilvie, um cirurgião do Exército americano, determinou que todas as lesões colônicas ocorridas em combate deveriam ser tratadas através de colostomia; isto resultou em uma taxa de mortalidade em torno de 30%. Houve ainda uma redução desta taxa para 10 a 15% durante as guerras da Coréia e do Vietnã. As lesões causadas por acidentes civis provavelmente são menos graves do que as causadas durante uma guerra. Baseados nesta constatação e no progresso da assistência médica, alguns cirurgiões têm recomendado, cada vez mais, o emprego da sutura primária do cólon e menos da colostomia. Esta proposta foi inicialmente preconizada por Ochsner e Woodwall, em 1951. Independentemente do tipo de tratamento a ser empregado, essas lesões devem ser abordadas por meio de laparotomia mediana ampla, para permitir uma exposição adequada e o exame das vísceras intra-abdominais. Antes de iniciado o ato cirúrgico, devem ser administradas doses terapêuticas de antibióticos, porque existem evidências na literatura que demonstram que, quanto mais precoce for administrado o antibiótico sistêmico aos pacientes com traumatismos abdominais, tanto mais baixa será a incidência global de complicações infecciosas. Existem trabalhos demonstrando que a infecção da ferida cirúrgica pode ser prevenida quando se consegue um alto nível sangüíneo de antibiótico no momento em que a incisão é feita. Alguns fatores de risco são reconhecidamente capazes de contribuir para aumentar o índice de complicações pós-operatórias (Quadro 20-1). O choque tem sido considerado como uma contra-indicação relativa para a sutura primária da lesão colônica, porque durante a hipotensão o fluxo sangüíneo do intestino é reduzido, podendo contribuir para a ocorrência de deiscência da anastomose. Este conceito, no entanto, tem sido questionado por alguns autores. Consideramos que a hipotensão prolongada contribui para o aumento da mortalidade, enquanto uma hipotensão transitória e rapidamente corrigida, não.

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A intensidade da contaminação fecal, embora de difícil avaliação, é considerada um elemento de risco no tratamento das lesões colônicas, principalmente quando associada à presença de outros fatores. George e cols. classificam a contaminação fecal como ligeira, quando a disseminação das fezes se confina à área imediata ao redor da lesão; como moderada, quando esta disseminação se localiza em apenas um quadrante do abdômen; e como grande, quando um expressivo volume fecal é encontrado em mais de um quadrante do abdômen. A presença de sangue na cavidade dificulta, em muito, a avaliação do grau de contaminação. A presença de lesões associadas, tanto em número quanto em complexidade, evidencia a intensidade do trauma e a gravidade do paciente, influenciando na terapêutica a ser realizada. Qualquer lesão intra-abdominal deve ser vista como fator agravante, na tentativa de uma sutura primária do cólon, principalmente se for de duodeno, pâncreas ou ureter. O intervalo de tempo compreendido entre o trauma e o reparo da lesão exerce influência considerável sobre a opção do tratamento. O período considerado ideal para a realização de uma sutura primária oscila entre seis e oito horas após o trauma. Achamos importante avaliar, além do tempo transcorrido, o aspecto da lesão e o tipo de secreção encontrado na cavidade. O número de transfusões sangüíneas reflete a gravidade da lesão. Problemas sépticos ocorrem com maior freqüência nos pacientes que requerem quatro ou mais unidades de sangue; logo, nesses casos, a colostomia é a opção de tratamento mais segura. O mecanismo da lesão que ocasionou o trauma também influencia na escolha do tratamento; os traumas por arma de fogo são considerados mais graves do que os causados por arma branca. O tamanho e o número de lesões são considerados por alguns autores como fatores que aumentam o risco de complicações das lesões do intestino grosso. As lesões com diâmetro maior do que a metade da circunferência da alça são consideradas mais suscetíveis de complicações. Quanto à localização anatômica da lesão, admite-se que as lesões do lado direito evoluem bem com sutura primária, enquanto nas lesões do lado esquerdo o tratamento mais seguro consiste em colostomia. Atualmente, embora existam diferenças anatômicas e fisiológicas entre os cólons direito e esquerdo, a maioria dos autores recomenda que as lesões sejam tratadas de modo semelhante, não considerando a sua localização anatômica. Para avaliar e comparar o tipo de tratamento e as conseqüências do mesmo foram propostas várias classificações das lesões colônicas. A mais recomendada é a proposta pela Associação Americana de Cirurgia do Trauma (Quadro 20-2). Após observados os fatores de risco e a classificação da lesão, a escolha da técnica empregada no tratamento desta recairá em uma das seguintes opções: (a) sutura primária; (b) exteriorização da lesão como colostomia; (c) exteriorização da lesão suturada; (d) sutura da lesão e colostomia proximal; (e) ressecção e anastomose primária; (f) ressecção com anastomose e colostomia proximal; (g) ressecção com exteriorização de ambas as extremidades; e (h) ressecção com colostomia proximal e sutura do coto distal (Quadro 203). 211

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A sutura primária das lesões colônicas está sendo empregada com maior freqüência. Ela deve ser realizada com habilidade adequada; normalmente, empregamos dois planos de sutura. O emprego de drenos é controverso. Apesar das evidências de que a sutura primária parece ser cada vez mais segura, ainda é necessário cautela no seu uso (Quadro 20-4). Na prática, poderá ser difícil determinar se todos esses fatores estão presentes ao selecionar um paciente para o fechamento primário da lesão de cólon. Entretanto, esta poderá ser realizada levando-se em consideração a experiência do cirurgião que está operando. A exteriorização da lesão como colostomia consiste em um tratamento rápido e seguro, desde que a localização anatômica do ferimento permita este tipo de tratamento, isto é, desde que a lesão esteja localizada em uma parte móvel do cólon que possa ser mobilizada com segurança até a pele sem provocar tensão. A técnica empregada é a colostomia em alça tipo maturação precoce. Nos casos de lesões que se encontrem na parte fixa do cólon, ou quando existirem múltiplas lesões, a melhor opção será a rafia da(s) lesão(ões) e colostomia em alça da lesão proximal. Esta colostomia deve ser construída sob uma haste de apoio, para criar um bom desvio fecal em relação ao conteúdo distal. O fechamento desta colostomia deverá ser realizado dois meses após o trauma, sempre realizando-se um enema opaco para verificar se as lesões cicatrizaram. O risco de complicações deste procedimento antes de dois meses é maior, além de ser tecnicamente mais difícil. Nos pacientes em que a lesão colônica se encontra em condições limítrofes entre uma colostomia e uma rafia primária, existe a opção de se exteriorizar a lesão suturada no subcutâneo. É necessário, entretanto, realizar este procedimento com técnica adequada. Para um procedimento bem-sucedido são fundamentais uma boa mobilização do segmento de cólon suturado e a manutenção do intestino sempre úmido. Em torno do 10º dia de pósoperatório, se ocorrer cicatrização adequada da ferida, o cólon suturado será recolocado na cavidade abdominal. Nos casos em que a cicatrização não ocorre, a sutura pode facilmente ser transformada em uma colostomia. Esta conduta, que de início despertou grande entusiasmo, tem sofrido muitas críticas e, gradativamente, vem sendo menos empregada. Quando existem várias lesões em um segmento pequeno do cólon ou quando este se encontra lesado e/ou desvitalizado, a ressecção deste segmento é o tratamento mais adequado. A reconstrução do trânsito poderá ser feita por meio de uma anastomose primária, quando a lesão localizar-se no cólon direito, ou por anastomose protegida por uma colostomia proximal, quando a lesão encontrar-se no cólon esquerdo. Nos pacientes graves, hemodinamicamente instáveis, ou quando o cólon sigmóide for ressecado, as opções recairão na colostomia das duas extremidades, ou em uma colostomia proximal, e no conseqüente fechamento do coto distal (cirurgia de Hartmann). Neste caso, a reconstrução do trânsito intestinal é realizada posteriormente, por meio de uma nova intervenção cirúrgica. A principal área de controvérsia no tratamento do traumatismo do intestino grosso consiste em decidir se o cólon lesado pode ser suturado em primeira intenção ou se deve ser exteriorizado como colostomia. As duas condutas são válidas e corretas. Quando não se tem grande experiência em cirurgia do trauma pode ser difícil a avaliação de todos os fatores de risco envolvidos, e uma atitude conservadora pode ser a mais sensata (“A 212

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anastomose cólica que não é feita não pode dar deiscência”). Entretanto, um cirurgião experiente tem condição de avaliar adequadamente os fatores de risco e fazer a melhor opção de qual tratamento é o mais seguro para o paciente. Após tratadas as lesões associadas, caso estas existam, deverão ser realizadas uma revisão da hemostasia, uma limpeza da cavidade abdominal, empregando-se soro fisiológico morno, e se procederá ao fechamento, por planos, da incisão cirúrgica. Os antibióticos deverão ser empregados em doses terapêuticas. As lesões localizadas no reto extraperitoneal devem ser sempre consideradas como lesões graves. O seu tratamento é baseado nos seguintes princípios: desvio, drenagem, reparo e lavagem distal. A sutura da lesão deve ser sempre tentada, não sendo, entretanto, prioritária. Sem dúvida, a construção de um desvio para a massa fecal é a etapa mais importante. A colostomia em alça é adequada, embora alguns autores recomendem a colostomia terminal. A drenagem, realizada no períneo, deve ser pré-sacra e ampla, habitualmente com Penrose. A lavagem distal, realizada através da extremidade distal na colostomia, é um procedimento que nunca deve ser esquecido. Ela é considerada satisfatória quando o líquido eliminado através do ânus, previamente dilatado, apresenta-se claro. IV. Complicações. As complicações mais temíveis no tratamento das lesões do intestino grosso são as de origem infecciosa. A sua freqüência varia de acordo com o tipo de tratamento realizado, o tempo transcorrido entre o trauma e o tratamento, a presença de choque e o número de lesões associadas. Normalmente, a sua freqüência é maior nos pacientes mais graves. Os abscessos intra-abdominais (pélvicos, interalças e subfrênicos) constituem complicações das mais temidas e exigem do médico diagnóstico precoce e tratamento agressivo com drenagem ampla e imediata. A febre no pós-operatório é um dos sinais mais sugestivos da sua ocorrência. Com o uso do ultra-som, o diagnóstico desses abscessos tornou-se mais seguro. Sem dúvida, a deiscência de sutura, originando uma fístula intestinal, é a complicação mais grave e desagradável nesses pacientes. O seu surgimento geralmente ocorre em torno do quinto dia de pós-operatório. O fechamento dessas fístulas pode ocorrer de maneira espontânea ou requerer tratamento cirúrgico. A ocorrência de contaminação do espaço retrorretal com infecção do tecido gorduroso aí localizado é a complicação mais grave nos pacientes com lesão do reto extraperitoneal. A infecção se propaga para o espaço retroperitoneal com grande rapidez e facilidade, acometendo toda a parede abdominal, o períneo e até mesmo a raiz das coxas, mesmo com tratamento adequado. Esses pacientes tornam-se sépticos rapidamente e, na maioria das vezes, não conseguem sobreviver. A osteomielite da bacia também pode ocorrer nesses pacientes, principalmente naqueles vítimas de agressão por arma de fogo, aumentando muito a sua morbidade.

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As complicações devidas ao trauma cirúrgico consistem em abscessos de parede que, nos pacientes com lesões colônicas, são encontrados mais freqüentemente. Alguns autores chegam a sugerir que, nesses pacientes, a pele e o tecido subcutâneo não sejam suturados. Referências 1. Abcarian H, Lowe R. Traumatismo do cólon e reto. Clin Cir Amer Norte 1978; 58: 51937. 2. Barwick WJ. Schoffstall RO. Routine exteriorization in the treatment of civilian colon injuries: a reppraisal. Am Surg 1978; 44: 716-22. 3. Dauterive AH, Flancbaun L, Cox EF. Blunt intestinal trauma. Am Surg 1985; 201: 198203. 4. Falcone RE, Carey LC. Traumatismo colorretal. Clin Cir Amer Norte 1988; 68: 1.37790. 5. Fullen WD, Hunt J, Altemeier WA . Prophylactic Antibiotics in penetrating wounds of the abdomen. J Trauma 1972; 12: 282. 6. George Jr SM, Fabian TC, Voeller GR. Primary repair for colon wounds. Am Surg 1989; 209: 728-34. 7. Huber Jr PJ, Thal ER. Tratamento das lesões colônicas. Clin Cir Am Norte 1990; 70: 579. 8. Kirkpatrick JR. Lesões do colo. Clin Cir Am Norte 1977; 57: 67-75. 9. Okies JE, Bricker DL, Jordan GL et al. Exteriorized primary repair of colon injuries. Am J Surg 1972; 124: 807-10. 10. Pedersen S, Jansen U. Intestinal lesions caused by incorrectly placed seat belt. Acta Cir Scan 1979; 145: 15-8. 11. Snyder CJ, Bowel injuries from automobile seat belts. Am J Surg 1972; 123: 312-16. 12. Thompson JS, Moore EE. Factors affecting the outcome of exteriorized colon repairs. J Trauma 1982; 22: 403-6. 13. Tuggle D, Huber Jr PJ. Management of retal trauma. Am J Surg 1984; 148: 806-8. 14. Witte CL. Mesentery and bowel injury from automobile seat belts. Ann Surg 1968; 167: 486-92. 15. Woodwall JP, Ochsner A. The management of perforative injuries of the colon and rectum in civilian practice. Surg 1951; 29: 305. 214

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Capítulo 21 - Traumatismo do Rim e Ureter Francisco Viriato Rocha Sobrinho I. Introdução. Os rins e os ureteres compõem o trato urinário superior. No adulto, estas estruturas encontram-se bem protegidas dos traumatismos externos, porém, nas crianças, pelo fato de os elementos anatômicos protetores estarem pouco desenvolvidos, e também pela maior prevalência de anomalias congênitas (que tornam os rins e ureteres mais fragéis e propensos a rompimento), aumenta a possibilidade de lesão após um trauma. As lesões iatrogênicas são raras, exceto as lesões do ureter em cirurgias pélvicas comuns; com o desenvolvimento da endourologia, as lesões iatrogênicas tendem a aumentar devido à manipulação instrumental. Os meios propedêuticos melhoraram, e a tomografia computadorizada praticamente substituiu a arteriografia renal na urgência. No tratamento cirúrgico das lesões renais, o acesso transperitoneal e o cuidado de controlar o pedículo vascular renal antes da abertura do hematoma na área renal reduziram muito a taxa de nefrectomia (de 56-75% para 13-30%). O prognóstico das lesões renoureterais é bom, embora deva melhorar, especialmente nas lesões do ureter que requeiram muita suspeição e exame específico para seu diagnóstico precoce. Com o cateterismo ureteral prévio, naqueles procedimentos de maior risco, como colectomias, muitas lesões ureterais deixariam de ocorrer. II. Etiopatogenia. Os traumatismos renoureterais podem ser acidentais por violência externa, iatrogênicos ou espontâneos. Os traumatismos por violência externa podem ser abertos (20%) ou fechados (80%). As agressões com arma branca e arma de fogo produzem a maioria dos traumatismos abertos, enquanto os traumatismos fechados devem-se principalmente aos acidentes automobilísticos (75%), quedas (bicicleta, animais, altura) e agressões com socos e chutes. O agente traumático pode atuar diretamente sobre o órgão, perfurando-o, comprimindo-o contra a coluna ou costela, ou indiretamente, como nos acidentes por aceleração/desaceleração (p. ex., caso de queda, atropelamento, pela inércia). Nos traumatismos por violência externa, as lesões podem situar-se no parênquima renal, no sistema coletor, no pedículo vascular ou acometer todo o órgão, assim como qualquer segmento do ureter, sendo de vários tipos: no rim, contusão, laceração e lesões do pedículo vascular; no ureter, avulsão, transecção e perfuração. As lesões iatrogênicas renais são raras e geralmente não têm importância. As ureterais são freqüentes, principalmente em cirurgias pélvicas e nos procedimentos endoscópicos propedêuticos ou terapêuticos, sendo de vários tipos: ligadura, transecção, avulsão, perfuração e desvitalização. 215

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As lesões espontâneas, rupturas, ocorrem em órgãos patológicos como rim com doença cística, rim com neoplasia e com rejeição aguda após transplante etc. III. Diagnóstico. A maioria dos pacientes com traumatismo renoureteral apresenta-se hemodinamicamente estável e, portanto, tolera uma propedêutica adequada. Raros são os pacientes que vão diretamente para a sala de cirurgia, onde o urologista é chamado a opinar. A história de traumatismo abdominal, em pacientes com dor lombar e no flanco, e hematúria, sugere traumatismo do trato urinário superior. Os acidentes, como queda ou atropelamento (aceleração/desaceleração), podem causar lesões do pedículo vascular, muitas vezes sem hematúria. A dor está sempre presente, localizada na região lombar ou irradiando-se para o testículo homolateral, contínua ou em cólica, e, neste caso, deve-se à eliminação de coágulos. Na lesão ureteral, a dor é não-característica. A hematúria é o sinal mais importante, mas pode estar ausente mesmo na presença de lesão renoureteral grave; quando presente, sua intensidade não guarda relação com a gravidade da lesão. Porém, raramente um paciente bem clinicamente e com hematúria microscópica apresentará lesão renoureteral importante. A história pregressa pode revelar patologias prévias. Ao exame físico, o achado de escoliose antálgica, lesões lombares, nos hipocôndrios e flancos, é valioso. Abdômen assimétrico por massa no flanco denuncia uma coleção retroperitoneal de sangue e/ou urina, e esses pacientes sempre preferem o decúbito sobre o lado lesado. Essa massa pode e deve ser bem-delimitada por palpação e percussão, e sua evolução, controlada. Essa coleção retroperitoneal pode fazer diminuir o peristaltismo. Caso não haja lesões intraperitoneais associadas, não surgem sinais de peritonite, a menos que exista solução de continuidade de peritônio posterior e que sangue e/ou urina infectada caiam na cavidade peritoneal. A lesão renal grave, isolada, é rara. Freqüentemente ela se associa a lesões hepáticas, esplênicas, gástricas, pancreáticas etc. O laboratório é útil ao revelar hematúria microscópica. Também é útil para os exames seriados dos pacientes em observação (hemácias, hemoglobina, hematócrito). O estudo radiológico inicia-se com a radiografia simples do abdômen. A presença de escoliose, fraturas nas quatro últimas costelas ou de processos transversos aumenta a probabilidade de lesão renal e/ou ureteral. O apagamento da sombra do psoas e o deslocamento de alças intestinais são sinais de coleção retroperitoneal. O diagnóstico da lesão renal é confirmado, em 90% dos casos, por meio da urografia excretora e da nefrotomografia, que também nos dará informações acerca da função do outro rim, 216

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encontrando-se indicada desde que a pressão arterial sistólica esteja acima de 90 mmHg. A urografia excretora convencional é obtida injetando-se 60 cc de contraste iodado a 50 ou 75% na veia e batendo-se radiografias com 1, 2, 3, 15 e 20 minutos após o término da injeção. A urografia excretora com infusão contínua apresenta maior eficiência diagnóstica. Usam-se 2 cc de contraste por quilograma de peso do paciente, diluídas em igual volume de soro fisiológico. Esta solução flui livremente em veia puncionada com agulha calibrosa nº 12. As radiografias são obtidas na mesma seqüência dada anteriormente. Pacientes com suspeita de lesões associadas do ureter terminal e da bexiga devem submeter-se à urografia excretora com cateter vesical em drenagem contínua. Assim, evitase que o contraste acumulado na bexiga flua através da lesão vesical e mascare a lesão ureteral. Posteriormente, para estudo da bexiga, o paciente se submeterá à cistografia retrógrada. A urografia excretora é um exame sensível; raramente subestima uma lesão renal, mas é pouco específica, muitas vezes não permitindo concluir sobre o tipo e a extensão das lesões. Lesões menores podem produzir a exclusão funcional, e lesões graves podem mostrar-se com urografia excretora pouco alterada. As alterações mostradas pela urografia excretora podem incluir retardo na eliminação do contraste, defeito de enchimento, distorções de cálices, extravasamento de contraste, nefrograma parcial, exclusão renal etc. A lesão ureteral raramente (30%) é diagnosticada com a urografia excretora. Por isso, seu diagnóstico geralmente é tardio, devido às suas complicações. A pielografia retrógrada é o exame de escolha para diagnóstico das lesões ureterais. A tomografia computadorizada é um exame mais sensível e mais específico do que a urografia excretora para o diagnóstico das lesões renais, inclusive lesões do pedículo vascular. A tomografia computadorizada pode dispensar a arteriografia seletiva renal. O ultra-som também é útil, porém menos sensível do que a tomografia computadorizada, assim como a cintilografia renal e a ressonância magnética, que nada acrescentam aos exames já citados. IV. Classificação e Freqüência das Lesões Renais Fechadas contusões renais Lesões Menores (85%) lacerações superficiais lacerações profundas atingindo o sistema coletor Lesões Maiores (10%) lacerações da pelve renal lacerações desvitalizando o pólo renal fratura renal desinserção de bacinete

Lesões Graves (5%)

lacerações profundas e múltiplas esmagamento renal lesões do pedículo vascular

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V. Tratamento. Os pacientes com traumatismo renal podem ser tratados clinicamente ou com cirurgia, e a esta pode ser de urgência ou não. Todos os pacientes com lesões menores responderão bem ao tratamento clínico. Todos os pacientes com traumatismo renoureteral aberto devem ser operados, pois 90% deles têm lesões associadas. Quase todos os pacientes com lesões renais graves vão requerer a cirurgia de urgência; uns porque apresentarão hemorragia severa e ativa, e outros, embora estáveis hemodinamicamente, terão lesão de artéria renal devido, principalmente, aos traumatismos por aceleração/desaceleração (queda, atropelamento). Pacientes com lesões espontâneas maiores e graves devem sempre ser tratados cirurgicamente. O tratamento das lacerações renais é controvertido. A decisão baseia-se no quadro clínico. Pacientes que estão bem, hemodinamicamente estáveis, podem ser observados. A piora da dor, a necessidade de transfusão sangüínea superior a 1.000-2.000 ml/24 horas, para manter a PA, sinais de infecção da coleção retroperitoneal (sangue e/ou urina) ou íleo são indicações para o tratamento cirúrgico. O tratamento clínico pode diminuir o número de cirurgias e a taxa de nefrectomia, mas aumenta muito a morbidade e o período de hospitalização. Ele consiste em repouso no leito, até cessar a hematúria macroscópica, avaliação clínica periódica, avaliação laboratorial e reavaliação com urografia excretora ou tomografia computadorizada, se se fizerem necessárias, antimicrobianos, hidratação e transfusões de sangue total, se necessários. O tratamento clínico justifica-se porque sabemos que a gordura perirrenal promove um bom tamponamento, o parênquima renal cicatriza-se bem e a coleção retroperitoneal (sangue e/ou urina) normalmente é absorvida. O tratamento cirúrgico bem conduzido — acesso transperitoneal, exploração das vísceras intraperitoneais, inclusive do rim contralateral, e controle prévio do pedículo renal, ao se explorar o hematoma retroperitoneal na área do rim — diminui a morbidade e o período de internação e não contribui para nefrectomias desnecessárias. O acesso ao pedículo renal pode ser feito pela abertura vertical do peritônio posterior, sobre a aorta, entre o ângulo de Treitz e a veia mesentérica inferior. Às vezes, hematomas grandes dificultam este acesso; nestes casos, a opção é pela abertura ampla da goteira parietocólica do lado comprometido e o rebatimento medial do colo, com identificação dos vasos renais, clampagem ou reparo desses vasos, abertura da fáscia de Gerota, evacuação dos coágulos, identificação e avaliação das lesões renais. O tratamento da lesão renal pode consistir apenas em drenagem perirrenal ou desbridamento e sutura nas lacerações, ou nefrectomia polar em lesões que desvitalizam o pólo renal e, por último, a nefrectomia total na explosão renal, avulsão do pedículo vascular etc. A sutura do parênquima ou do sistema coletor é feita com sertix 3-0 cromado e pontos simples. Usa-se também sertix 3-0 cromado para a sutura-ligadura dos vasos do parênquima renal. As lesões vasculares à direita geralmente são tratadas com nefrectomia. À esquerda, às vezes se consegue o reparo. As lesões na veia renal após a desembocadura da veia gonadal podem ser tratadas com ligadura da veia renal, e a drenagem sangüínea se fará pela veia 218

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gonadal. As lesões arteriais podem requerer desbridamento e enxerto. Lembrar que a liberação do rim, com sua aproximação da aorta, pode permitir um reparo sem enxerto e sem tensão. Sempre drenar extraperitonealmente o espaço retroperitoneal. A transecção do ureter terminal deve ser tratada com o reimplante ureteral, isto em pacientes sem patologias ureterais ou vesicais que o impeçam, e sem contaminação grosseira da área. Nestas condições desfavoráveis, o tratamento indicado é uma nefrostomia percutânea ou a céu aberto. As lesões ureterais altas são tratadas com desbridamento, se necessário, e anastomose término-terminal, após espatular os cotos ureterais. Em ureteres normais, após a anastomose com fios absorvíveis e sem tensão, não há necessidade de deixar cateter ureteral. As ligaduras do ureter terminal, lacerações, perfurações podem ser tratadas conservadoramente com os recursos da endourologia. Com o ureteroscópio rígido ou com cateter de balão dilatador, podemos desfazer a ligadura do ureter. A colocação de um cateter Duplo J é uma derivação interna e pode ser um tratamento adequado. O importante para o tratamento endoscópico da lesão ureteral é seu diagnóstico precoce, o que é raro. As lesões extensas do ureter ou associadas a lesões vesicais, lesões do intestino grosso, como pode ocorrer em casos de empalamento, podem requerer apenas uma derivação urinária a montante, nefrostomia percutânea uni ou bilateral, como tratamento inicial, ficando o tratamento definitivo para um segundo tempo. O ureter não tolera próteses biológicas ou sintéticas, mas a liberação do rim e sua fixação em posição mais baixa podem permitir uma reanastomose ureteral sem tensão. O cateter ureteral só é deixado em pacientes com ureteres previamente patológicos ou irradiados, com lesões produzidas por arma de fogo, ou quando a anastomose ureteral ficar um pouco tensa. A área operada sempre é drenada, e o dreno é extraperitoneal. Os fios usados em cirurgias do trato urinário são fios absorvíveis. VI. Complicações. Pacientes com lesões renais, tratados clinicamente, podem apresentar de imediato hemorragia ou infecção. Mais tarde, as complicações podem ser hidronefroses, hipertensão etc. As lesões ureterais podem apresentar estenoses. Ureteres reimplantados podem tornarse obstruídos ou apresentar refluxo vesicoureteral. Contudo, as lesões renais isoladas raramente levam ao óbito — 0,8-4% —, e a taxa de nefrectomia tem-se reduzido (13%), principalmente usando-se a manobra de controle do pedículo renal antes da exploração do hematoma retroperitoneal. VII. Prognóstico. O prognóstico é bom, e o paciente deve ser controlado clinicamente por um período de dois anos, a intervalos de seis meses, e, se possível, submeter-se a uma urografia excretora. 219

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Referências 1. Carlton CE. Injuries of the kidney and ureter. In: Harrison JH, Gittes RF, Perlmulter AD et al. Urology, 4 ed., Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1978: 881-905. 2. Cass AS. Immediate radiologic and surgical management of renal injuries. J Trauma 1982; 22(5): 361-3. 3. Cass AS. Preliminary vascular control before renal exploration for trauma. Br J Urol 1993; 71: 493. 4. Cormio L, Battaglia M, Traficante A, Selvage, FP. Endourological treatment of ureteric injuries. Br J Urol 1993; 72: 165. 5. Federle MP et al. The role of computed tomograph in renal trauma. Radiology 1981; 141(2): 455-60. 6. Herschorn S et al. Evaluation and treatment of blunt renal trauma. J Urol 1991; 146: 274. 7. Leppaniemi AK, Kivissaari AO, Haapiainew RK, Leltonen TA. Role of magnetic resonance/imaging in blunt renal parenchymal trauma. Br J Urol 1991; 68: 355. 8. Levy JB et al. Nonperative management of blunt pediatric major renal trauma. Urology 1993; 42: 418. 9. Mogensen P et al. A conservative approach to the management of blunt renal trauma. Results of a follow-up study. Brit J Urol 1980; 52(5): 338-41. 10. Nash PA, Bruce JE, McSmich JW. Nephrectomy for traumatic renal injuries. J Urol 1995; 153: 609. 11. Sargent JC, Marquardt CR. Renal injuries. J Urol 1950; 63: 1-8. 12. Silva de Assis A, Pereira JL, Rocha Sobrinho FV. Traumatismo do sistema urinário. In: Lopez M. Emergências Médicas. 4 ed., Rio de Janeiro, Brasil: Guanabara Koogan, 1984: 743-59. 13. Spain DA et al. Nonperative management of bilateral shattered kidneys from blunt trauma. Urology 1993; 41: 579. 14.Toporoff B et al. Percutaneous anterograde ureteral stenting as an adjunct for treatment of complicated ureteral injuries. J Trauma 1992; 32: 534. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 22 - Traumatismo da Bexiga Francisco Viriato Rocha Sobrinho I. Introdução. A bexiga, no adulto, é um órgão pélvico e, portanto, bem-protegido dos traumatismos externos pelos ossos da bacia; é pouco freqüente sua lesão. Nas crianças, a bexiga se situa mais alta no abdômen, sendo assim mais exposta a um trauma. A incidência de lesões vesicais nas crianças, entretanto, é baixa, por ser menor a ocorrência geral de trauma em crianças. A bexiga pode ser lesada em decorrência de traumatismos externos (abertos ou fechados) ou internos, iatrogênicos ou acidentais; suas lesões são com ou sem solução de continuidade da própria parede, e são dos seguintes tipos: contusão, laceração, ruptura, ferida e perfuração, baseando-se na patogênese das mesmas. Anatomicamente, as lesões com solução de continuidade da parede vesical podem ser intra ou extraperitoneais, e combinadas. Somente a contusão não se apresenta com solução de continuidade da parede vesical e, conseqüentemente, não permite o extravasamento de urina, e apenas as feridas da bexiga se acompanham de solução de continuidade da parede corporal. Bexigas patológicas ou irradiadas são mais suscetíveis aos traumas e podem apresentar até ruptura espontânea, que também ocorre em alcoolistas e deficientes mentais. A vulnerabilidade da bexiga aos traumatismos externos é tanto maior quanto maior é o seu grau de distensão no momento do acidente, que, se contundente sobre o hipogástrio e a pelve, pode produzir ruptura intraperitoneal; a cúpula é o seu ponto mais frágil. Traumatismos penetrantes nas nádegas não raramente conduzem à lesão da bexiga e/ou do reto. Os traumatismos com fratura da bacia, que freqüentemente se acompanham de lesões da uretra posterior e/ou da bexiga, também determinam a ruptura do diafragma em um expressivo número de casos. II. Etiologia. As causas mais comuns de lesões da bexiga são os traumatismos internos iatrogênicos, conseqüentes a manipulações instrumentais intravesicais, como litotrícia, ressecção transuretral da próstata ou de tumores vesicais etc. São também causas freqüentes os traumatismos externos fechados, devidos a acidentes automobilísticos, soterramentos e quedas que levam à fratura da bacia. A seguir estão os traumatismos externos iatrogênicos, decorrentes de partos cirúrgicos (cesariana e fórceps). Lesões vesicais produzidas por arma de fogo são menos comuns, e aquelas causadas pela introdução de corpos estranhos através da uretra são raras. III. Diagnóstico. O diagnóstico clínico baseia-se na anamnese, na história pregressa e no exame físico. A história de traumatismo hipogástrico em pacientes com dor suprapúbica, hematúria e distúrbios miccionais sugere fortemente lesão vesical. A. Dor suprapúbica. É constante e pode tornar-se intensa quando ocorre também fratura de ossos da bacia e são feitas as manobras para pesquisá-la (compressão do pube, compressão medial de ambas as cristas ilíacas). Nos pacientes com ruptura extraperitoneal, o

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extravasamento de urina, com sua infiltração súbita nos tecidos da parede abdominal, pode despertar dor suprapúbica intensa, quando eles se esforçam, inutilmente, para urinar. B. Hematúria. Ocorre hematúria macro ou microscópica em 94% dos pacientes com lesões vesicais. Se a hematúria associa-se à presença de fratura de bacia, há a possibilidade de lesão vesical e/ou da uretra posterior em até 50% dos casos. C. Distúrbios miccionais. Polaciúria, algúria, disúria e até mesmo retenção urinária são comuns no traumatismo vesical. Não se notam sinais de irritação peritoneal (dor abdominal e contratura muscular difusa, náuseas e vômitos, parada de peristaltismo), a menos que haja lesões associadas de vísceras intraperitoneais, ruptura vesical intraperitoneal com extravasamento de urina infectada e/ou razoável volume de sangue, pois a urina estéril e/ou pequena quantidade de sangue não irritam o peritônio. Daí a dificuldade de se fazer o diagnóstico clínico de ruptura espontânea da bexiga. O choque hemorrágico é raro nas lesões vesicais isoladas (3%). Quando presente, ele sugere lesões associadas — hepáticas, esplênicas e renais, principalmente. A fratura da bacia, que está freqüentemente associada às lesões da bexiga (72%), provoca hemorragia, conduzindo 10% dos pacientes ao choque. As lesões iatrogênicas da bexiga são diagnosticadas pela observação de urina no campo operatório em cirurgia de órgãos próximos à mesma, ou suspeitadas nos pacientes sob manipulação instrumental intravesical e raquianestesia, devido à modificação dos tecidos (procedimentos endoscópicos), hemorragia, aparecimento de dor abdominal, geralmente periumbilical, náuseas e vômitos. O laboratório é útil na detecção de hematúria microscópica e para controles com hemogramas e leucogramas em pacientes sob observação. A propedêutica radiológica, que confirma o diagnóstico, inicia-se com a radiografia simples de abdômen, e a presença de fratura de ossos da bacia aumenta muito a possibilidade de lesão vesical. Em pacientes já com peritonite, a radiografia simples em AP, em ortostatismo ou em decúbito lateral com raios horizontais, mostra níveis hidroaéreos e até mesmo edema de alças, nos casos já adiantados. Caso as condições do paciente permitam, faz-se uma urografia excretora, que fornece informações importantes a respeito do trato urinário superior, e seu cistograma permite a análise da bexiga. Pacientes nos quais há forte suspeita de lesão do ureter terminal e da bexiga devem submeter-se à urografia excretora com cateter vesical aberto, para evitar que o contraste se acumule na bexiga, extravase pela lesão vesical e mascare a lesão ureteral. A lesão vesical é diagnosticada pela cistografia retrógrada feita a seguir. Nos pacientes com lesões associadas da uretra posterior e da bexiga, a urografia excretora, através de seu cistograma, é o único exame que pode mostrar a lesão vesical. Nesses casos, a cistografia retrógrada está contra-indicada, devido ao risco de o cateterismo uretral agravar a lesão dessa estrutura. Tenta-se, então, uma cistografia, injetando-se a solução de contraste diretamente através da uretra, na tentativa de atingir e distender a bexiga, mas a solução pode fluir através da lesão uretral, impedindo a obtenção do cistograma. Nos casos em que a urografia excretora não 222

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está indicada, não pode ser feita ou tem seu cistograma inconclusivo, indica-se a cistografia retrógrada (a cistografia convencional). Esta é obtida injetando-se a solução de contraste através de um cateter uretral nº 14 Ch., passado após anti-sepsia rigorosa da genitália externa. A concentração da solução de contraste varia de 10 a 20%, e o volume a ser injetado deve ser de 400 cc, mas há pacientes que só toleram 200 ou 300 cc. A injeção de 400 cc não acarreta riscos de ruptura iatrogênica da bexiga (p. ex., em paciente inconsciente) e aumenta a eficiência diagnóstica do exame. São realizadas radiografias em AP e oblíquas direita e esquerda. Radiografias posteriores, 10 minutos após, aumentam ainda mais a precisão do exame, diminuindo, então, o número de exames inconclusivos ou falso-negativos. Finalmente, evacua-se a solução de contraste e faz-se uma radiografia em que se pode revelar algum contraste extravasado. A cistoscopia não é o exame de rotina nos pacientes com traumatismo vesical, mas torna-se útil naqueles em que a suspeita dessa lesão é forte, como nos casos de traumatismos penetrantes no hipogástrio e com cistografias normais; a incidência de cistogramas falsonegativos é alta. IV.Tratamento. A contusão vesical não requer tratamento específico. Nas demais lesões, todas com solução de continuidade da parede vesical, o tratamento clássico é cirúrgico e visa a suturar a lesão, quando possível, e derivar a urina por cistostomia e estabelecer drenagem perivesical adequada, sempre. Nos pacientes com ruptura espontânea da bexiga fazem-se também biópsias da borda da lesão. A derivação da urina pode ser feita por cateter uretral, e não por cistostomia, somente em casos benignos, jamais em pacientes com a bexiga já patológica, com rupturas múltiplas e/ou extensas que já tenham sido submetidos à radioterapia pélvica, ou cujas lesões tenham sido produzidas por projéteis de arma de fogo ou estejam grosseiramente contaminadas, pois em todos esses casos a cicatrização pode retardar-se ou não ocorrer, e o cateter uretral por período prolongado pode conduzir à estenose uretral. Quando persiste suspeita clínica de lesão do ureter terminal, ela é pesquisada, observandose a urina ejaculada pelos meatos ureterais, naturalmente, ou após injeção endovenosa de 3,0 cc de índigo carmim, que tinge a urina e é eliminado 3-8 minutos depois. Caso persista dúvida, faz-se a exploração cirúrgica dos ureteres. As lesões vesicais são tratadas com sutura (cistorrafia) com fios absorvíveis e em dois planos: um plano com sutura contínua de categute 3-0 cromado ou de fios sintéticos absorvíveis de ácido poliglicólico, e um plano englobando a adventícia e a muscular com sutura contínua de categute nº 0 cromado ou com fio, também nº 0, sintético absorvível. As lesões próximas aos ureteres serão mais seguramente tratadas caso seja feito o cateterismo prévio dos mesmos. As rupturas intraperitoneais são tratadas após liberação do peritônio, isto é, extraperitonização da bexiga. A ferida cirúrgica da bexiga (cistostomia) é suturada de maneira idêntica à das demais lesões. A urina da cavidade peritoneal é aspirada e, caso seja urina infectada, a cavidade é lavada exaustivamente com soro fisiológico morno, mas em nenhum dos casos é drenada. Os drenos são todos perivesicais e extraperitoneais. 223

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No pós-operatório, o paciente recebe líquidos, antibióticos de largo espectro (cloranfenicol ou penicilina) e sangue, se necessário. A cistostomia ou o cateter uretral permanece em drenagem contínua por um período de 10 dias, quando é feita uma cistografia retrógrada de controle, que define a conduta a ser seguida. O tratamento conservador, com cateter uretral nº 20 Ch., por um período de 10 dias e com antibioticoterapia, pode ser instituído em pacientes com rupturas extraperitoneais e que não requeiram laparotomia para tratamento de lesões associadas, não apresentem infecção urinária ou outras patologias do trato urinário, inclusive as que possam contra-indicar ou impedir o cateterismo vesical, e que tenham sido diagnosticados precocemente, no máximo em 12 horas. O paciente fica internado e sob controle rigoroso. Sinais de piora clínica, como aumento da dor suprapúbica, febre alta ou a dificuldade de se manter drenagem vesical eficiente, autorizam a suspensão do tratamento clínico e a instituição do tratamento cirúrgico. As lesões intraperitoneais devem ser tratadas cirurgicamente, embora tenham sido descritos casos de tratamento conservador bem-sucedidos. Pacientes em condições precárias, que não suportam a cirurgia, podem beneficiar-se deste tratamento. Algumas lesões iatrogênicas intraperitoneais podem ser tratadas por via laparoscópica. V. Técnica de Cistostomia. A via de acesso é uma laparotomia, quando necessária a exploração da cavidade abdominal. Caso contrário, faz-se uma incisão mediana infra-umbilical da pele, do subcutâneo e da linha alba e penetra-se no espaço perivesical. Nos casos com fratura da bacia, pode ocorrer hematoma extenso nessa área, o que dificulta a identificação da bexiga. Recomenda-se descolar os tecidos do pube e, com uma seringa com agulha calibrosa, fazer punções e aspirações, até se identificar a bexiga. Após identificada, faz-se a cistostosmia, isto é, a abertura da parede vesical, entre reparos com pinças de Allis. Quando não se identifica a bexiga com as punções e aspirações, pois pode não haver urina dentro da bexiga, a cistostomia deve ser baixa, evitando-se assim abertura do peritônio, com possível lesão visceral. Aberta a bexiga, pode-se ampliar a incisão para permitir uma boa exploração e um correto tratamento de lesões não diagnosticadas clinicamente. Com uma pinça em ângulo reto, perfura-se a parede vesical próximo à cúpula, por onde passa o cateter de Foley (p. ex., nº 24 Ch). Faz-se aí uma sutura em bolsa com categute nº 2-0 cromado, fixando-se o cateter. A cistorrafia é feita em dois planos, uma sutura contínua submucosa com categute nº 3-0 cromado, e outra também contínua, englobando a adventícia e a muscular, com categute nº 0 cromado. Após a cistorrafia, distende-se o balão do cateter com 10-20 cc de soro fisiológico. A bexiga é ancorada na parede abdominal, alta, o que impede sua descida para a pelve, com a conseqüente aderência do peritônio nesta área, o que dificultaria futuras cirurgias sobre a bexiga ou a próstata desse paciente. O cateter de cistostomia pode sair pela incisão cirúrgica ou por contra-abertura. Fecha-se a aponeurose com categute nº 1 cromado, o subcutâneo com categute 3-0 cromado e a pele

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com seda 4-0. Deixa-se o cateter em drenagem contínua e, de preferência, em um sistema fechado. VI. Complicações. A infecção é uma complicação precoce e comum. Nas lesões intraperitoneais, a peritonite não é rara, e nas lesões extraperitoneais é freqüente a celulite pélvica com formação de abscessos e septicemia, osteomielite dos ossos da bacia, em especial quando fraturados. As complicações tardias são a litíase vesical, devido ao uso de fios inabsorvíveis, o cateterismo vesical prolongado ou a não-retirada de corpos estranhos da bexiga. Quando o colo vesical é sede da lesão, pode ocorrer a estenose cicatricial do mesmo. VII. Prognóstico. As lesões com solução de continuidade da parede vesical são graves, especialmente nos casos com lesões associadas de outras vísceras, quando a taxa de mortalidade atinge 44%. O diagnóstico e/ou tratamento tardios também agravam muito o prognóstico; eles apresentam taxa de mortalidade mínima de 11%. Referências 1. Antoci PJ, Shiff M. Bladder and uretral injuries in patients with pelvic fractures. J Urol 1982; 128(1): 25-6. 2. Bourdeau GV, Jindal SL, Gilles RR, Berry JV. Urinary ascites secondary to ureteroperitoneal fistula. Urology 1974; 6: 209-11. 3. Bright III, FC, Peters PC. Injuries to the blandder and urethra. In: Harrison JM, Gittes RF, Perlmutter AD et al. Urology. 4 ed., Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1978: 906-30. 4. Cass AS. Bladder trauma in the multiple injurical patient. J Urol 1976; 115: 667-9. 5. Hochberg E, Stone NN. Bladder rupture associated with pelvic fracture due to blunt trauma. Urology 1993; 41: 531. 6. Parra RO. Laparoscopic repair of intraperitoneal bladder perforations. J Urol 1994; 151: 1.003. 7. Richardson Jr JR, Leadbetter Jr GW. Non-operative treatment of the ruptured bladder. J Urol 1975; 114: 213-6. 8. Rieser C, Nicholas E. Rupture of the bladder: unusual features. J Urol 1963; 90: 53-7. 9. Silva de Assis A, Pereira JL, Rocha Sobrinho FV. Traumatismo do sistema urinário. In: Emergências Médicas. 4 ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1984: 743-59.

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Capítulo 23 - Traumatismo da Uretra Francisco Viriato Rocha Sobrinho I. Introdução. Didaticamente, a uretra compõe-se de três partes: a prostática, a membranosa e a esponjosa. As partes prostática e membranosa constituem a uretra posterior, que se estende do colo vesical ao diafragma urogenital. A parte esponjosa, portanto distal ao diafragma urogenital, é a uretra anterior, que pode ser subdividida em duas porções: bulbar e peniana. O traumatismo da uretra não é muito freqüente, e pode ser externo (aberto ou fechado) ou interno. Do ponto de vista de sua origem, pode ser acidental ou iatrogênico. Quanto à sua localização e apresentação, a lesão pode ser encontrada na região anterior ou posterior, acometendo parte (parcial) ou todas (total) as camadas da parede e um segmento (incompleta) ou toda a circunferência (completa) do órgão. As lesões são de vários tipos: contusão, ferida, ruptura, laceração e perfuração. Somente a contusão da uretra não apresenta solução de continuidade na parede uretral. A lesão uretral, de início, não coloca em risco a vida do paciente, mas a estenose da uretra, que é uma complicação comum, pode acarretar intenso sofrimento ao requerer dilatações freqüentes ou uretroplastias de resultados duvidosos, derivação urinária e, às vezes, levar à hidronefrose e/ou infecção urinária crônica e insuficiência renal. II. Etiologia. Os traumatismos iatrogênicos internos são os que mais freqüentemente acarretam lesão uretral. São devidos a manipulações instrumentais, como dilatação uretral e uretrocistografia. Seguem-se os traumatismos fechados, produzidos por acidentes automobilísticos, soterramentos e quedas, que levam à fratura pélvica e, em 25% dos casos, à lesão da uretra posterior, e por quedas a cavaleiro ou chutes no períneo, que freqüentemente levam à lesão da uretra bulbar. As lesões iatrogênicas produzidas por manobras obstétricas ou cirurgias por via baixa não são raras, como também não o são as lesões uretrais decorrentes de trabalho de parto prolongado. As demais causas são pouco comuns. III. Diagnóstico. A descrição do acidente ou a história de cirurgia, a sintomatologia e os dados do exame físico fornecem o diagnóstico da lesão uretral, inclusive anatômico, isto é, se a lesão situase na uretra anterior ou na posterior. Nas lesões da uretra posterior, por traumatismos externos, chamam atenção a dor, a uretrorragia, a retenção urinária e a distensão vesical.

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Estas lesões estão freqüentemente (93%) associadas à fratura de ossos da bacia que, em repouso ou com manobras para pesquisá-la (compressão do pube e compressão medial de ambas as cristas ilíacas), produz dor suprapúbica, dominando o quadro. A uretrorragia é mínima, às vezes uma gota de sangue no meato uretral, mas sua confirmação é importante. A retenção urinária dependerá muitas vezes da presença de lesões uretrais mais graves, e a bexiga estará distendida, caso não seja sede de lesões associadas, o que não é raro (25%) naqueles casos com fratura de bacia. O toque retal pode mostrar massa cística no local da próstata, que é o uroematoma. Se ocorre a ruptura completa da uretra membranosa, pode-se ter a sensação de próstata flutuante. Nas lesões da uretra anterior, a história de queda a cavaleiro, sobre estruturas rígidas, ou de chutes no períneo, aliada à dor e, às vezes, à tumefação local, à uretrorragia de intensidade variável, à algúria, à disúria e até à retenção urinária, sela o diagnóstico. O paciente em geral consegue urinar, mas ao fazê-lo parte da urina extravasa pela lesão uretral e infiltra os tecidos ao longo do corpo do pênis, caso a fáscia de Buck esteja íntegra. Se esta estiver lesada, a urina se estenderá dentro dos limites da fáscia de Colles, isto é, períneo, escroto, pube e, mais tarde, a parede do abdômen e do tórax. O toque retal não revelará alterações ligadas ao acidente. As lesões iatrogênicas por manipulação instrumental intra-uretral ocorrem em qualquer parte da uretra, ao contrário das lesões provocadas por introdução de corpos estranhos, que geralmente se situam na uretra anterior. Nenhum paciente com suspeita de lesão uretral, em qualquer nível, deve submeter-se a cateterismo uretral propedêutico ou terapêutico sem que antes sejam feitas a confirmação e a avaliação de sua extensão. O diagnóstico radiológico é dado pela uretrografia retrógrada, sempre precedida de uma radiografia simples de abdômen que inclua os ossos da bacia. A fratura dos ossos sempre faz pensar em lesão da uretra posterior. A uretrografia retrógrada é obtida injetando-se a solução de contraste com concentração de 25 a 50%, diretamente através do meato uretral. Fazem-se radiografias em AP e, depois, oblíqua esquerda ou direita, sem interromper a injeção do contraste no momento do disparo dos raios. Somente assim a uretra posterior é contrastada. Tanto o extravasamento do contraste como a interrupção de sua progressão, ao nível da lesão, são achados radiológicos compatíveis com lesões incompletas e completas, respectivamente. Geralmente é difícil a avaliação da extensão correta da lesão. Alguns pacientes são submetidos à urografia excretora para a pesquisa da integridade de trato urinário superior e médio. Outros, por apresentarem lesão uretral e possível lesão vesical associada, se submetem à urografia excretora como único meio não-cirúrgico para o diagnóstico; nesses casos, a cistografia retrógrada está contra-indicada, pelo risco de o cateterismo vesical agravar a lesão uretral. A tentativa de se obter uma uretrocistografia, injetando-se diretamente o contraste através do meato uretral, talvez não tenha êxito, pois o contraste pode fluir através da lesão uretral ou não progredir além dela, não atingindo a bexiga. 227

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IV. Tratamento. A uretra tem grande capacidade de regeneração, podendo reconstituir-se a partir de pequeno segmento que permaneça íntegro, contínuo, na área traumatizada. A cistostomia, quando usada para tratamento das lesões incompletas da uretra, geralmente dispensa tratamento posterior e, caso haja necessidade de uretroplastia, esta pode ser realizada em melhores condições num segundo tempo, três a seis meses após. As rupturas da uretra posterior são tratadas somente com cistostomia. Não há necessidade de se drenar o espaço retropúbico. Às vezes, a intervenção do ortopedista é útil para o tratamento correto da fratura da bacia. O paciente permanece com a cistostomia em drenagem contínua por 30 dias e em uso de antibiótico de largo espectro por uma semana. Posteriormente, ele é mantido com quimioterápicos (sulfas-nitrofuranos). Por volta do 30º dia, o paciente é submetido a uma uretrografia retrógrada, que dita a conduta a ser seguida. As lesões da uretra anterior também podem ser tratadas somente com cistostomia. Entretanto, as rupturas completas da uretra bulbar e as lesões completas produzidas por arma branca podem ser tratadas com cistostomia e uretroplastia em um só tempo, se as condições locais permitirem. Pacientes com feridas contaminadas, uroematomas, sinais de infecção já instalada, com diagnósticos tardios, devem submeter-se apenas à cistostomia e à drenagem da área lesada; jamais, neste primeiro tempo, à uretroplastia. As feridas produzidas por arma de fogo são sempre tratadas com cistostomia, dada a impossibilidade de se determinar a extensão de tecido desvitalizado para o correto desbridamento. As feridas iatrogênicas são tratadas com sutura e cistostomia. Somente as contusões (lesões sem extravasamento de urina e/ou contraste) são tratadas com uretrorragia intensa, e as perfurações uretrais são tratadas com cateterismo uretral. V. Complicações. A infecção é uma complicação comum, e as fístulas uretrocutâneas não são raras. A estenose uretral, a impotência e a incontinência urinária são complicações freqüentes nos pacientes com ruptura da uretra posterior, quando são utilizados outros métodos que não a cistostomia apenas para tratá-los. Com a cistostomia, a incidência de estenose uretral, que com outros métodos varia de 18-100%, cai para 0-5%; a de impotência, que gira em torno de 50%, cai para 12,5%; e a de incontinência urinária, de 16-73%, cai para 0-2%. VI. Prognóstico. O prognóstico vai depender da causa, do tipo e da extensão da lesão uretral, mas depende fundamentalmente do método escolhido para o tratamento inicial. O prognóstico será 228

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melhor sempre que se utilizar a cistostomia para tratar as lesões maiores da uretra e for feita a drenagem do períneo, quando necessária. Tratar com cateter uretral somente as lesões mínimas e, mesmo assim, controlando-se o paciente. VII. Ruptura Espontânea da Uretra. Esta é uma condição que acomete pacientes portadores de estenose da uretra e que não se submetem a tratamento. O quadro é súbito e ocorre durante uma micção, comumente difícil, caracterizada por disúria total, intensa. A ruptura da parede uretral ocorre em áreas enfraquecidas, por inflamação ou necrose, e o extravasamento de sangue e/ou urina se dá dentro dos limites da fáscia de Buck ou da de Colles. No momento da ruptura, o paciente pode notar a dor no períneo, uretrorragia e a sensação de facilidade para urinar, sem contudo eliminar mais urina. Nos casos examinados tardiamente, até mesmo a parede abdominal pode estar infiltrada. Alguns casos apresentam uma fístula uretrocutânea, sem grande infiltração de urina. O tratamento é feito com cistostomia e drenagem dos tecidos infiltrados, como escroto, períneo e parede abdominal, e antibioticoterapia. O tratamento da estenose é feito posterior e oportunamente. Referências 1. Baskin LS, McAninch JW. Childhood urethral injuries: perspectives on outcome and treatment. Br J Urol 1993; 72: 241. 2. Belis JA, Recht KA, Milan DF. Simultaneous traumatic bladder perforation and disruption of the prostatomembranous urethra. J Urol 1979; 122(3): 412-4. 3. Bright FC, Peters PC. Injuries to the bladder and urethra. In: Harrison JH, Gittes RF, Perlmutter AD et al. Urology. 4 ed., Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1978: 906-30. 4. Follis HW, Koch MO, McDougal WS. Immediate management of prostatomembranous urethral disruptions. J Urol 1992; 147: 1.259. 5. Guerreiro WG. Trauma to the kidneys, ureters, bladder and urethra. Surg Clin N Amer 1983; 62(6): 1.047-74. 6. McAninch JW. Traumatic injuries to the urethra. J Trauma 1981; 21(4): 291-7. 7. Mitchell JP. Injuries to the urethra. Brit J Urol 1968; 40: 649-70. 8. Morehouse DD, MacKinnon KJ. Management of prostatomembranous urethral disruption: 13 years experience. J Urol 1980; 123: 173-4. 9. Weaver RG, Schulte JW. Clinical aspects of urethral regeneration. J Urol 1965; 93: 24754.

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10. Webster GD et al. Prostatomembranous urethral injuries: A review of the literature and a rational approach to their management. J Urol 1983; 130: 898. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 24 - Traumatismos da Genitália Externa Francisco Viriato Rocha Sobrinho I. Introdução. O pênis e o escroto compõem a genitália externa masculina. Ambos são raramente lesados em conseqüência de traumas por violência externa, em razão da posição e da mobilidade que apresentam. As lesões que comumente aparecem são as feridas incisas e perfurantes, as contusões, lacerações e, especificamente no pênis, a ruptura (fratura) e a constrição. Alguns pacientes com traumatismo da genitália externa, especialmente os que requerem tratamento prolongado, podem necessitar também de um apoio psicológico adequado para que sua potência sexual não seja afetada. II. Etiologia. A maioria das lesões é secundária a acidentes com arma de fogo e arma branca. Não é incomum a isquemia do pênis devida à constrição provocada por anéis ou fitas colocadas ou amarradas em sua base, para produzir ou prolongar uma ereção. A necrose do pênis, nestas condições, é excepcional. A ruptura do pênis deve-se a acidentes durante o coito ou ao envergamento do membro realizado com a intenção de inibir a ereção, e é pouco comum. III. Diagnóstico. O diagnóstico é fácil e baseia-se na anamnese e, principalmente, no exame físico. É importante definir o tipo e a extensão da lesão. A dor está sempre presente, sendo discreta nas contusões e intensa nos casos com ruptura do pênis. A hemorragia também é freqüente. Contusões leves podem levar a hematomas extensos, por causa da frouxidão dos tecidos do escroto e do pênis. Nas lesões dos corpos cavernosos, o sangramento pode ser intenso e infiltrar os tecidos nos limites da fáscia de Buck ou de Colles e, neste caso, estender-se ao escroto, pube, abdômen e até mesmo ao tórax. Os casos com suspeita de lesão de corpos cavernosos ou de penetração na cavidade da vagina requerem uma exploração cirúrgica para confirmação. A via de acesso pode ser a própria ferida traumática, que é inclusive ampliada, se necessário. Nos traumatismos do pênis faz-se uma incisão na pele, circulando o membro próximo ao sulco balanoprepucial, e rebatem-se a pele e as demais camadas até sua base, o que permite um bom acesso para o diagnóstico e o tratamento das lesões encontradas. As lesões do escroto são, então, exploradas, quando se suspeita da abertura da túnica vaginal. Deve-se sempre pensar em uma lesão de uretra, nos casos com traumatismos de genitália externa, e pesquisá-la. 231

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IV. Tratamento. As contusões são de tratamento conservador. De início, antiinflamatório, repouso e bolsa de gelo. Posteriormente, compressas mornas favorecem a absorção do hematoma. São cirúrgicos os pacientes com hematoma expansivo ou que se infectam. A constrição do pênis é tratada com a remoção da peça constritora. O paciente é observado, pois pode ser requerida a amputação, em caso de necrose. A ruptura do pênis e as lesões que atingem os corpos cavernosos, com abertura da albugínea, são de tratamento cirúrgico. A via de acesso já foi descrita. As lesões da albugínea são suturadas com seda ou mononáilon nº 2-0 ou 3-0. Deve ser deixado um dreno na área. A pele é suturada com categute ou sértix 3-0 cromado, com pontos separados. As lesões do escroto, quando atingem a membrana vaginal, são exploradas. Após limpeza da cavidade vaginal, deixa-se dreno, e as camadas da bolsa são fechadas com pontos separados de categute ou sértix nº 2-0 ou 3-0 cromado. As lesões da uretra associadas são tratadas conforme já exposto em capítulo específico. Pacientes que sofrem amputação traumática do pênis podem às vezes se beneficiar do reparo. Fazem-se as anastomoses vasculares com fios 7-0, anastomose uretral com sértix 40 cromado e pontos separados; a sutura dos corpos cavernosos é feita com seda ou mononáilon nº 2-0 ou 3-0, e da pele, com categute 3-0 cromado. A derivação urinária, por cistostomia suprapúbica, é indispensável. As queimaduras profundas e extensas e as lesões com grandes perdas de substância requerem tratamento especializado. V. Priapismo. O priapismo consiste na ereção dolorosa e não relacionada com o estímulo sexual. Ele afeta somente os corpos cavernosos, e, portanto, o corpo esponjoso e a glande permanecem flácidos. Em 48% dos casos a causa primária é desconhecida. Como fatores conhecidos têm-se anemia falciforme, leucemia, neoplasias disseminadas, prostatites e, ocasionalmente, traumatismos. O priapismo secundário ao trauma pode ser devido à trombose local ou a reflexos neurogênicos anormais. Deve-se sempre tentar o tratamento conservador, como massagem prostática, enemas mornos, raquianestesia, mas sem esquecer de que, quanto mais rapidamente for instituído um tratamento eficaz, menor será o risco de complicações, como a impotência. Os melhores resultados são obtidos com os pacientes sendo tratados nas seis primeiras horas. Como tratamento cruento, pode-se valer da lavagem dos corpos cavernosos com soro fisiológico. Faz-se punção de um corpo cavernoso com agulha 14-16 distalmente, próximo à glande, e do outro corpo cavernoso, na base do pênis, com agulha também calibrosa, e realizam-se

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várias irrigações e aspirações com soro. Se o tratamento for ineficaz, o paciente será levado à cirurgia. Há várias técnicas de drenagem das estruturas cavernosas do pênis. Para se estabelecer a anastomose cavernoesponjosa com agulha de Coppe, o paciente é cateterizado com cateter uretral nº 16 Ch., para diminuir o risco de lesão ureteral. Posteriormente, faz-se a anestesia local em dois pontos laterais na glande, onde se introduz a agulha no sentido longitudinal, até penetrar em um corpo cavernoso, e, depois, pelo outro ponto, penetra-se no outro corpo cavernoso. Evacua-se o sangue com manobras de ordenha, lavam-se os corpos cavernosos com soro fisiológico e depois enfaixa-se o pênis após serem suturados, com pontos em X de sértix 4-0, os dois orifícios na glande. Para a anastomose cavernoesponjosa de Quackles, o paciente é colocado em posição de litotomia, e faz-se uma incisão perineal na rafe mediana. Com dissecção romba, expõem-se os corpos cavernosos e o corpo esponjoso. Com bisturi, faz-se uma incisão de mais ou menos 2,0 cm em cada corpo cavernoso, na parte medial e em níveis diferentes. Após se comprimirem repetidas vezes os corpos cavernosos, com evacuação do sangue aí retido, faz-se a incisão do corpo esponjoso, lateral e simetricamente a cada uma das incisões dos corpos cavernosos. A sutura é realizada com fio inabsorvível nº 4-0 ou 5-0, contínua e impermeável. Coloca-se um dreno por contra-abertura e procede-se ao fechamento por planos. O prognóstico com relação à potência sexual é reservado, e o bom resultado depende mais da duração do priapismo do que da terapêutica instituída. Referências 1. Bright III TC, Peters PC. Injuries of the external genitalia. In: Harrison JH, Gittes RF, Perlmutter AD et al. Urology, 4 ed., Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1978: 931-45. 2. Frederico SB, Sampaio RF, Chaves EL, Marques E. Fístula esponjocavernosa, por agulha, como tratamento de priapismo. J Urol 1980; 6(3): 226-30. 3. Jolly BB et al. Gunshot wounds of the male external genitalia. Urol Int 1994; 53: 92. 4. Quackels R. Cure d’un cas de priapisme par anastomose cavernospongieuse. Acta Urol Bel 1964; 32: 5-13. 5. Schneider RE. Genitourinary trauma. Emerg Med Clin North A 1994; 11: 137. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 25 - Traumatismos Arteriais Periféricos Marco Tulio Baccarini Pires I. Introdução. Desde os primórdios da Medicina, as lesões arteriais periféricas traumáticas sempre se constituíram em um problema grave, devido tanto à sua morbidade (alto risco de seqüelas e perdas de membros) quanto à sua mortalidade, quando não tratadas a tempo e adequadamente. Assim é que, na Idade Média, a ausência de técnicas e instrumental adequados fazia com que a tentativa de tratamento de um ferimento traumático, com sangramento arterial, se constituísse em estancar o sangramento a qualquer preço, no sentido de preservar a vida do paciente. Para isto, instrumentos primitivos, como o ferro em brasa e óleo fervente eram utilizados sobre as lesões sangrantes. Entretanto, além de parar o sangramento, estas técnicas terminavam por provocar extensas áreas de necrose, favorecendo as infecções e a gangrena. No século XVI, Ambroise Paré, cirurgião do exército francês na Guerra dos Cem Anos, passou a utilizar um método menos traumático para controlar as hemorragias, com melhor resultado — a ligadura dos vasos. Os grandes progressos observados no atendimento das lesões arteriais agudas sempre foram alcançados em períodos de guerra: até a Primeira Guerra Mundial, o método preferencial para o tratamento do trauma arterial continuava sendo a ligadura da artéria; evidentemente, este método era seguido de um grande número de cirurgias de amputação, pois a necrose isquêmica se estabelecia, ocorrendo a gangrena da extremidade. Durante a Segunda Guerra Mundial, entretanto, maiores facilidades cirúrgicas e a rapidez no transporte de soldados feridos, juntamente com a melhora dos recursos cirúrgicos nos hospitais de campanha, fizeram com que o método de tratamento mais utilizado passasse a ser o reparo da lesão. Em seguida, nas guerras da Coréia e do Vietnã, o atendimento das lesões arteriais chegou a ser padronizado nos hospitais de campanha norte-americanos, diminuindo ainda mais a sua morbidade. O rápido transporte dos soldados feridos, da área de combate para as unidades hospitalares militares, com o uso de helicópteros, foi fundamental para que a melhoria dos resultados cirúrgicos fosse alcançada no Vietnã, já que após seis horas um quadro isquêmico de um membro é praticamente irreversível. Na prática médica civil, as lesões arteriais agudas se assemelham bastante àquelas encontradas nos períodos de guerra, acrescidas de outras que resultam dos acidentes automobilísticos. No meio urbano, os ferimentos arteriais das extremidades são mais comumente causados por traumatismos penetrantes. O desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas, a utilização de material cada vez mais apropriado e o treinamento das equipes que prestam o primeiro atendimento ao paciente (aqui incluindo a sistematização preconizada pelo ATLS — Advanced Trauma Life Support) portador de traumatismo arterial foram fatores contribuintes para a diminuição dos índices de mortalidade e de

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outras complicações, como perda de membros, acidentes vasculares cerebrais e perda de função. Deve-se ressaltar que é grande o número de lesões neurais e venosas que acompanham as lesões arteriais, pelas próprias características da anatomia humana; as lesões ósseas, quando presentes, geralmente se constituem em fator agravante para o paciente e contribuem para uma maior morbidade da lesão arterial. Um outro fator agravante que poderá ainda se fazer presente no trauma arterial é a presença de ateromatose já instalada na artéria lesada; assim, um trauma sobre uma artéria que já tenha placas ou mesmo calcificação geralmente é bem mais grave do que um traumatismo semelhante em artéria previamente sadia, sendo propenso a um maior número de complicações e a um pior resultado operatório. II. Incidência. As artérias mais freqüentemente lesadas no meio urbano são a femoral superficial (por ser longa e pouco protegida, ao cursar na face interna da coxa) e a braquial. Entre os agentes causais da lesão arterial, também na população urbana, predominam as armas de fogo e as armas brancas; com menor freqüência, têm-se ainda as lesões por acidentes automobilísticos e as lesões por esmagamento. O índice de mortalidade nos traumatismos arteriais não é alto em pacientes atendidos em prontos-socorros — 3,6%, em Belo Horizonte, Minas Gerais; a morbidade já é mais elevada, no que se refere à amputação — 9,6% (também em Belo Horizonte). Este índice de amputações é ainda mais elevado quando se trata das lesões da artéria poplítea (cerca de 32,5%, na Guerra do Vietnã); esta é a artéria que apresenta a maior morbidade quando lesada, por se tratar de um vaso terminal, com poucas colaterais, e também por serem freqüentes as lesões venosas e ósseas concomitantes. No meio urbano, não são raras as lesões da artéria poplítea nos casos de fratura do platô tibial, freqüentemente observada em acidentes de motocicleta. Nas crianças com menos de 12 anos de idade, a maior incidência das lesões arteriais se encontra nos traumas fechados (não-penetrantes). III. Tipos de Lesões Arteriais. As lesões das artérias podem ser causadas por traumatismos penetrantes ou nãopenetrantes. Entre as feridas penetrantes, as principais são as causadas por arma de fogo e por arma branca. Nos últimos anos, pelo aumento da violência nas grandes cidades, as lesões arteriais por arma de fogo têm-se tornado as mais freqüentes, tendo inclusive sido observadas lesões provocadas por armas automáticas e semi-automáticas, de alta velocidade, que antes só se encontravam nos ferimentos de guerra. As lesões não-penetrantes acompanham mais freqüentemente as fraturas ósseas, sendo principalmente encontradas nos acidentes automobilísticos. 235

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Do ponto de vista prático, poderíamos descrever os principais tipos de lesões arteriais em (Fig. 25-1). A. Lesões puntiformes. Não são comuns; podem ocorrer após trauma com estilete ou, de modo iatrogênico, após algum tipo de punção arterial, em que sangramento persistente surja em seguida. Isto é um fato mais freqüentemente observado ao serem manuseadas artérias extremamente calcificadas, já com perda de sua elasticidade. O tratamento é feito por meio de exploração cirúrgica da artéria e rafia simples do local sangrante. B. Secção parcial sem perda de substância. É a lesão na qual uma porção da artéria é lacerada, sem perda de substância. É uma lesão bastante simples, como a que ocorre por trauma de uma arma branca. Apesar de grande sangramento, seu reparo cirúrgico geralmente consiste apenas em rafia arterial, e o prognóstico é bom. C. Secção parcial com perda de substância. É a lesão comumente causada por traumatismos por arma de fogo. Neste caso, ocorre solução de continuidade na parede da artéria, mas como uma porção continua íntegra, se realizarmos apenas a rafia da lesão ocorrerá estenose do diâmetro vascular; além disso, nos traumatismos por arma de fogo a bala queima as bordas da lesão e, para seu reparo, há necessidade de excisão das bordas arteriais e rafia término-terminal (quando isto não é possível, é necessária a interposição de enxerto vascular). D. Secção arterial total. Poderá ser encontrada tanto nos vários tipos de trauma penetrante (mais freqüente) como acompanhando fraturas ósseas muito graves (mais raro). Geralmente, observa-se um sangramento arterial vultoso, seguido de um espasmo e de contração dos cotos com parada do sangramento (a camada elástica da artéria se retrai). Isto implica que lesões com secção arterial total sangrem menos do que lesões com secção parcial (com ou sem perda de substância). Poderá ocorrer a trombose da porção distal da artéria. O tratamento consiste no desbridamento dos cotos (em caso de trauma por arma de fogo, deve-se ressecar pelo menos 0,5-1,0 cm, tanto proximal como distalmente) e na tentativa de realizar anastomose término-terminal, ou, quando esta for impossível, realizar a interposição de enxerto vascular com veia autóloga. E. Fístulas arteriovenosas. Ocorrem como conseqüência de lesões concomitantes de artéria e veia. São encontradas em traumas vasculares penetrantes (armas de fogo ou brancas). Acompanham-se de frêmito e de sopro localizados. Pode ou não existir trombose arterial concomitante. F. Pseudo-aneurismas. São achados freqüentemente nos casos não tratados de imediato e não passam de hematomas pulsáteis organizados, sendo sua cápsula formada por fibrose, musculatura e tecidos periarteriais. A manutenção de seu enchimento se dá por uma comunicação entre a artéria no local da lesão e a cavidade pseudo-aneurismática. Podem vir a se infectar, causando grande deterioração no estado geral do paciente (Fig. 25-2). G. Aneurismas verdadeiros. São pouco freqüentes como conseqüência de traumatismos. Diferentemente dos pseudo-aneurismas, têm na composição de sua cápsula as três camadas 236

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da parede arterial, ou seja, adventícia, média e íntima. Relacionam-se principalmente a traumatismos crônicos ou de repetição que provoquem um enfraquecimento das diversas camadas arteriais. H. Espasmo arterial. O espasmo é uma propriedade da musculatura lisa das artérias que faz com que estas apresentem constrição ao serem manipuladas ou sofrerem trauma. O espasmo arterial verdadeiro é fugaz, desaparecendo em não mais do que 40 minutos. Poderá ocorrer ou não a presença de hematomas intramurais associados. Deve ser diferenciado do espasmo seguido de trombose arterial, que exige exploração cirúrgica. I. Espasmo seguido de trombose arterial. Trata-se de caso no qual, geralmente após trauma contuso de artérias muito finas, formando-se hematomas intramurais, com espasmo subseqüente, surja trombose intraluminal. Por ser muito difícil a diferenciação entre os itens H e I, e para se evitar uma tendência muitas vezes demasiado contemplativa por parte do cirurgião em casos nos quais ele deveria ser mais agressivo, é opinião de muitos autores que o diagnóstico de “espasmo arterial” deva ser abandonado, abordando-se o paciente como se se tratasse sempre de uma trombose arterial. Uma outra possibilidade seria a de aguardar cerca de 40 minutos antes da intervenção e reexaminar o paciente; neste período de tempo, o espasmo isolado, verdadeiro, já deverá ter desaparecido. J. Lesão da camada íntima. Trata-se de um tipo de lesão conseqüente à contusão arterial, com “quebra’’ e descolamento do endotélio, acompanhados de trombose arterial distal. É freqüentemente associada às fraturas ósseas: uma força suficiente para causar uma fratura de fêmur é o bastante para romper o endotélio arterial; entretanto, as camadas média e adventícia não se rompem, devido à sua maior elasticidade e espessura. Artérias já comprometidas por processos patológicos de aterosclerose e/ou de calcificação são mais propícias a sofrerem lesões em suas camadas íntimas. O diagnóstico arteriográfico é mandatório nestes casos. A abordagem cirúrgica compreende arteriotomia, avaliação da extensão da lesão, ressecção do segmento arterial lesado, embolectomia distal e proximal com cateter de Fogarty e reconstituição arterial (por anastomose término-terminal ou por enxerto de veia safena autóloga). L. Compressão extrínseca. Tipo de trauma vascular mais freqüente nos traumas contusos, onde grandes hematomas extramurais ou fragmentos ósseos comprimem a luz vascular, sem solução de continuidade na parede da artéria ou trombose. O tratamento consiste tãosomente na remoção do agente causal, uma vez que não existe lesão própria da artéria. IV. Quadro Clínico. Ao ser admitido num Serviço de Urgência, todo paciente deve ser examinado à procura de lesões localizadas no trajeto das artérias. O estado geral do paciente, a presença ou não de choque, a constatação de lesão sangrante vultosa, a presença de hematoma pulsátil, a presença de sopro e de frêmito locais, a ausência ou a diminuição dos pulsos distais à lesão, sinais de má perfusão tissular, a hipotermia e a cianose, devem levar à suspeita de lesão arterial.

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Deve-se ressaltar que, muitas vezes, poderão existir pulsos distais presentes em pacientes portadores de lesão arterial (p. ex., pulsos tibiais presentes em lesão de artéria femoral) — são os casos em que não houve a trombose total da artéria, com lesão parcial e fluxo distal preservado. Assim, nunca é demais relembrar que a presença de pulsos distais não exclui lesão arterial. Os recursos propedêuticos mais empregados nos traumas das artérias são principalmente os de radiologia. Primeiramente, deverão ser feitas radiografias simples dos locais afetados, para verificar a presença de fraturas ósseas concomitantes. Naqueles casos suspeitos de lesão arterial, tanto nos traumas penetrantes como nos fechados, a arteriografia deverá ser realizada o mais precocemente possível; nos casos crônicos, como de fístulas arteriovenosas e de pseudo-aneurismas, a arteriografia é de grande valia para diagnosticar e delimitar a lesão e definir o prognóstico do caso. Quando a lesão externa se localiza sobre o trajeto dos vasos, com sangramento abundante agudo, é desnecessária a arteriografia: a exploração cirúrgica imediata é a medida a ser tomada. A arteriografia femoral é realizada por meio da punção da artéria femoral comum na região inguinal, usando-se um cateter Jelco® 16 ou 18. A bainha de plástico é inserida na artéria, e uma injeção rápida de contraste meglumina diatrizoato (de 20 a 50 ml) é feita. As radiografias são obtidas em série ao término da injeção (se o equipamento usado o permitir) — caso o equipamento de radiologia seja simples, uma ou duas radiografias que compreendam a coxa, o joelho e a perna, até a altura do tornozelo, são realizadas. A técnica de arteriografia em outras artérias periféricas (p. ex., braquial) é similar e bastante simples, fazendo-se as injeções sempre proximalmente ao local onde se suspeita da lesão. O uso de Doppler vascular, com medida das pressões, pode também ser de importante utilidade diagnóstica; ele sempre deverá ser realizado comparativamente, tomando como base o membro não atingido. Uma desigualdade das pressões tibiais posteriores, em indivíduo jovem e previamente hígido, poderá levar ao diagnóstico de lesão arterial a montante. O Doppler vascular é um bom método, e o seu uso criterioso (por equipes experientes no atendimento do trauma vascular) é capaz de reduzir a necessidade de exames arteriográficos. O uso do duplex scan (ultra-sonografia arterial associada ao Doppler vascular) é de grande utilidade em casos mais crônicos de arteriopatias, mas seu uso na urgência ainda não foi estabelecido. Entretanto, em situações mais definidas, como nas fístulas arteriovenosas ou nos pseudo-aneurismas traumáticos, sua utilidade é inquestionável, podendo inclusive substituir a angiografia em alguns casos. Exige, contudo, equipamento especial e examinador treinado. Pelo fato de ser um exame examinador-dependente, deve-se sempre levar em conta a experiência do ultra-sonografista na avaliação de um resultado. Os principais sinais que sugerem a ocorrência de uma lesão arterial são: A. Sinais maiores 1. Déficit circulatório na extremidade: isquemia e pulsos diminuídos ou ausentes.

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2. Sopro. 3. Hematoma pulsátil ou em expansão. 4. Sangramento arterial. B. Sinais menores 1. Hematoma pequeno ou moderado estável. 2. Lesão de nervo adjacente. 3. Choque (não explicado por outras lesões). 4. Proximidade de ferimento penetrante de um trajeto vascular importante. V. Tratamento. Feito o diagnóstico da lesão arterial, o tratamento cirúrgico deve ser instituído o mais rapidamente possível, pois o tempo máximo de isquemia tolerável, caso não exista circulação colateral, é de seis horas. Além disso, o rápido atendimento cirúrgico evita outras complicações, como a infecção e a formação de pseudo-aneurisma. Entretanto, mais recentemente tem ocorrido uma tendência para se evitar o tratamento cirúrgico em um grupo seleto de pacientes, nos quais se acredita que a lesão arterial seja mínima (p. ex., pequenos defeitos da camada íntima e pequenos pseudo-aneurismas). As cirurgias, quando indicadas, deverão seguir rigorosamente os princípios gerais de cirurgia das artérias, que são: via ampla de acesso; técnica atraumática; material vascular apropriado; heparinização peroperatória (local ou sistêmica; neste último caso, utilizar 5.000-10.000 U de heparina, EV, antes da clampagem arterial); uso do cateter de Fogarty, para embolectomias proximais e distais à lesão; desbridamento das bordas arteriais; sutura evertente não-estenosante com fios vasculares inabsorvíveis; cobertura da anastomose com tecido sadio; desbridamento dos tecidos desvitalizados circunjacentes; proibida drenagem local; cobertura antibiótica no per e no pós-operatório; oxigenoterapia hiperbárica associada a lesões com destruição tissular extensa. As técnicas mais utilizadas em traumatismos arteriais são as seguintes: A. Anastomose arterial término-terminal. Feita com fio de polipropileno (Prolene®) arterial 4-0, 5-0 ou 6-0, em chuleio contínuo evertente ou com pontos separados em “U”, dependendo de cada caso. Em crianças, a sutura é feita preferencialmente com pontos separados, pelo menos em metade da circunferência arterial. Em lesões por arma de fogo, deve-se desbridar de 0,5 a 1 cm no coto proximal e o mesmo no coto distal, pois o projétil queima as bordas arteriais, levando à deiscência tardia. B. Sutura simples da lesão. Usada em casos em que não há perda de substância arterial. Deve-se ter o cuidado de não estenosar a luz da artéria quando da sutura. É o método mais simples e de melhor resultado tardio. 239

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C. Interposição de segmento de veia. Técnica empregada nos casos em que há grandes perdas de substância arterial. A veia mais utilizada para enxerto é a veia safena. É sempre importante lembrar que, ao ser colocada em uma artéria, a safena deverá ser posicionada na direção da abertura da suas válvulas, para que não haja impedimento ao fluxo sangüíneo. D. Plastia com veia (patch). Técnica empregada quando ocorre perda de substância arterial, para se alargar a luz vascular e para evitar a estenose, que ocorreria numa sutura simples. Para tal, retira-se um segmento venoso, que é aberto longitudinalmente; a seguir, este segmento é suturado, tal como uma telha ou um remendo, sobre o local onde houve perda de substância. Esta técnica se presta a todas as lesões localizadas com perda de substância, não muito extensas, com exceção de lesões causadas por arma de fogo, pois a borda da lesão poderá estar queimada, surgindo deiscência posterior; neste caso, é sempre preferível ressecar a lesão e fazer anastomose término-terminal. E. Ligadura. É a mais antiga das cirurgias arteriais. Procedimento reservado apenas para aqueles casos de lesões muito distais (p. ex., artéria radial), quando se verifica que outra artéria pulsátil está presente e que é suficiente para manter a vascularização da extremidade. F. Tromboembolectomia. Trata-se de procedimento complementar, sendo feita com cateter de Fogarty. Deve ser rotineira, para retirada de trombos que se encontram tanto distais como proximais à lesão. VI. Lesões Arteriais Específicas. As artérias de médio e grande calibres que mais freqüentemente se apresentam lesadas são a femoral superficial, a braquial e a poplítea. A lesão da artéria poplítea, além de sua incidência, chama a atenção pela extrema gravidade, com alto índice de perda de membros. As artérias ilíaca e carótida se apresentam com alguns problemas próprios. A seguir, tecemos alguns comentários a respeito dos traumatismos de artérias específicas. A. Artéria femoral superficial. Esta artéria se origina da artéria femoral comum, na região inguinal. O ramo profundo também surge na região inguinal e mergulha posteriormente ao músculo adutor longo (superficialmente ao qual a femoral superficial se mantém), originando ramos musculares. A artéria femoral superficial penetra no canal adutor de Hunter, junto da veia femoral e do nervo safeno. O canal corre do ápex do trígono femoral até o hiato tendinoso no músculo adutor magno, através do qual os vasos femorais entram na fossa poplítea. A artéria femoral superficial é ligada por tecido conjuntivo à veia femoral. O ramo superior geniculado surge da artéria femoral superficial próximo de sua terminação. A incisão cirúrgica para acesso à artéria femoral superficial é feita do ponto médio do ligamento inguinal em direção ao tubérculo adutor. Em casos de ligadura dessa artéria, ramos anastomóticos com a artéria femoral profunda passam a funcionar, principalmente através do ramo geniculado superior. Entretanto, o índice de amputação é alto em casos de ligadura da artéria (54,8%, na estatística de DeBakey e Simeone, da Segunda Guerra

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Mundial), pois as colaterais são insuficientes, o que fala a favor do reparo arterial como cirurgia de escolha. B. Artéria braquial. A artéria braquial é a continuação da artéria axilar; na região da fossa cubital ela se bifurca nas artérias radial e ulnar. Pode ser dividida em três porções: proximal, média e distal. Na sua porção proximal, surge o ramo superior profundo (artéria braquial profunda). Este ramo produz anastomose ao nível do cotovelo. Existem outros ramos anastomóticos: a artéria ulnar superior colateral (anastomose desde o terço médio da artéria braquial até a artéria ulnar) e a artéria inferior ulnar colateral. Assim, esta rica circulação colateral propicia que, em casos de ligadura da artéria braquial, quadros isquêmicos da extremidade superior surjam em apenas 10% dos casos; entretanto, como esta isquemia é de surgimento imprevisível, é sempre aconselhável que os procedimentos de reconstituição da artéria braquial sejam utilizados, nos casos de trauma. Devido à grande possibilidade de lesão neural concomitante com as lesões da artéria braquial, a incidência de incapacidade definitiva é grande. C. Artéria poplítea. A artéria poplítea é a continuação da artéria femoral superficial, que entra na fossa poplítea. No seu curso, a artéria se coloca profundamente, permanecendo em contato direto com o ligamento posterior do joelho. Por ser uma artéria terminal, em casos de traumatismo, é muito alta a incidência de gangrena, ao ser ligada a artéria poplítea (72,5%). Mesmo ao ser reparada, a ocorrência de perda do membro ainda é alta (cerca de 30%), porque são freqüentes as lesões venosas associadas, com formação de grandes edemas, e devido à síndrome compartimental que surge (muitas vezes exigindo fasciotomia precoce). Nos casos de fraturas do platô tibial e nas luxações da articulação do joelho, a possibilidade de lesão da artéria poplítea deverá estar sempre na mente do examinador. A incidência de lesões da artéria poplítea é maior nas luxações posteriores do joelho do que nas anteriores, devido à maior intensidade do trauma para produzir a luxação posterior. Se a questão de uma possível lesão surgir, uma arteriografia deverá ser feita antes de qualquer tratamento subseqüente. A via de acesso para a arteriografia da poplítea é através da punção da artéria femoral. A via de acesso cirúrgico à artéria poplítea pode ser medial (face interna da coxa e joelho) ou posterior (em formato de “S”, que dá a melhor exposição, mas que exige um maior conhecimento anatômico, pela presença do feixe neural, que poderá ser lesado por um cirurgião menos experiente). D. Artéria ilíaca. Lesões da artéria ilíaca se devem principalmente a traumas penetrantes, por ela se tratar de artéria bem protegida. Comumente, elas se associam às lesões venosas. Devido ao seu maior calibre, e com exceção dos casos de lesão por arma de fogo, a sutura lateral da artéria é o primeiro procedimento a ser escolhido. Os problemas específicos se devem a lesões intestinais concomitantes, com contaminação da cavidade abdominal. 241

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Nestes casos, a morbidade e a mortalidade global têm um grande aumento. A mortalidade geral nas lesões penetrantes da artéria ilíaca é de 28%. O uso de próteses sintéticas de Dacron®, assim como em outras lesões arteriais, apresenta alto índice de infecção, estando, por isto, contra-indicado (poderia ser utilizado apenas numa situação crítica, em que nenhum outro tratamento fosse possível). Já estudos experimentais recentes em animais infectados com S. aureus, portadores de próteses de politetrafluoroetileno — PTFE® —, têm demonstrado uma maior resistência deste material à infecção; no ser humano, numa grande série de pacientes operados em Houston, Texas, nos quais o PTFE® foi usado como substituto arterial no trauma, os resultados foram bastante animadores. E. Artéria carótida. Suas lesões se associam a um índice aumentado de acidentes vasculares cerebrais isquêmicos, devido à trombose arterial freqüentemente associada. As lesões cervicais penetrantes com sangramento importante são de indicação para abordagem cirúrgica imediata. Já os traumatismos fechados da carótida são pouco freqüentes, podendo apresentar-se como grandes hematomas cervicais ou com quadro neurológico específico. No caso de traumas fechados, a importância de métodos complementares de diagnóstico é fundamental; o trauma não-penetrante da carótida não é comum e freqüentemente passa despercebido numa avaliação inicial. Entre os métodos complementares utilizados para o diagnóstico, citamos a angiografia por cateterismo da artéria braquial, o Doppler-ultra-som das carótidas e o duplex scan. É importante lembrar que, nas lesões da carótida, todo esforço deve ser feito no sentido de se preservar o fluxo cerebral, evitando-se a ligadura arterial. Ao se tornarem crônicas, as lesões da carótida podem evoluir com a formação de pseudoaneurisma, com sangramento tardio, tanto externo como para o interior da nasofaringe, no caso das lesões da carótida interna. F. Artérias tibiais. A maioria das lesões observadas nas artérias tibial anterior e posterior é secundária a traumas contusos, sendo freqüentemente associadas a lesões ósseas. Em presença de uma lesão isolada de uma das artérias tibiais, existindo patência da outra artéria tibial e da artéria fibular, pode-se optar pela ligadura arterial sem muito risco para o paciente. A patência das duas outras artérias, entretanto, deverá ser demonstrada previamente, em geral por arteriografia. Havendo necessidade de abordagem da artéria tibial, esta deverá ser feita imediatamente — retardar a cirurgia tornará o procedimento mais difícil, ficando o resultado cirúrgico comprometido. No reparo das artérias tibiais, na maioria dos casos, será necessário a interposição de um enxerto venoso. VII. Discussão. No atendimento das lesões arteriais periféricas agudas, inúmeros pontos de controvérsia têm sido levantados, como, por exemplo: a realização ou não de arteriografia preliminar; o valor da arteriografia para se estabelecer o prognóstico; o tipo de tratamento instituído, ou seja, a interposição de veia ou anastomose término-terminal, com ou sem ressecção de 242

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segmento arterial; o uso de materiais sintéticos (próteses vasculares), como o Dacron®, o politetrafluoroetileno (PTFE®), ou de material biológico (veia umbilical humana, enxerto vascular de pericárdio bovino, mamária bovina); a necessidade de fasciotomia precoce; a fixação de fraturas concomitantes existentes; o uso da heparina; o uso de vasodilatadores; o tratamento de lesões venosas e neurais associadas; o uso de oxigenoterapia hiperbárica. A experiência dos autores americanos durante a Guerra do Vietnã, onde um enorme contingente de lesões vasculares pôde ser observado, em muito contribuiu para elucidar a resposta a estas questões; transpostas para o meio urbano, as conclusões obtidas no período da guerra têm uma perfeita adaptação e funcionam de modo semelhante. Assim, a posição atual tem sido a seguinte: A. Há necessidade de se ressecar cerca de 0,5 a 1,0 cm tanto proximal quanto distalmente, nos cotos arteriais, em casos de lesão por arma de fogo. Contudo, caso a aproximação das duas extremidades resulte em tensão na linha de sutura, a tentativa de anastomose T-T deverá ser abandonada, e um enxerto venoso deverá ser interposto. Um enxerto de PTFE® é uma opção possível em artérias de calibres médio e grande (enxertos de 4 mm ou menos de diâmetro tendem a ocluir), quando não é possível a colocação de um enxerto venoso. Enxertos biológicos, como a veia umbilical humana, a mamária bovina ou enxerto vascular de pericárdio bovino, têm sido usados de maneira ocasional no trauma, de tal modo que seu comportamento não é de todo conhecido. B. Não se deve utilizar patch em casos de lesão por arma de fogo com perda de substância — quando necessário, deverá ser feita a ressecção do segmento e ser colocado um segmento de veia. C. O reparo das lesões venosas é sempre preferível à ligadura, para que seja evitado o edema das extremidades (ver Cap. 26, Traumatismos Venosos Periféricos). D. Nos casos de fratura em que houver necessidade de fixação interna, o risco de infecção estará sempre aumentado. Nesses pacientes, a abordagem deverá ser feita em conjunto por equipes de ortopedia e de cirurgia vascular. E. O uso de heparina sistêmica por via endovenosa no pós-operatório estará contraindicado, ficando reservado apenas para aqueles casos mais graves com grandes perdas de tecido, em que estejam acometidas as artérias de pequeno calibre, com maior possibilidade de trombose pós-operatória. Se a reconstituição cirúrgica foi bem efetuada, não se justifica o uso da heparina; se a cirurgia foi mal executada, por maior que seja a quantidade de heparina utilizada, a patência do artéria não é mantida. Já o uso de heparina por via subcutânea (principalmente as novas heparinas de baixo peso molecular) pode ser feito com a finalidade de prevenir a trombose intravascular. F. O uso de vasodilatadores convencionais no trauma agudo não tem fundamento clínico; em princípio, eles não devem ser usados. Entretanto, em situações de espasmo persistente em artérias distais de pequeno calibre, o uso de infusão contínua intra-arterial de uma associação de 500 mg de tolazilina, com 1.000 unidades de heparina, diluídas em 1 litro de solução fisiológica, parece ter efeitos benéficos. 243

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Ocasionalmente, a aplicação tópica de solução de sulfato de magnésio a 20% ou de uma solução de papaverina a 2,5% tem sido bem-sucedida em superar episódios de espasmo no trauma. G. As simpatectomias lombar e cervicotorácica, nas lesões arteriais agudas, jamais substituirão uma cirurgia arterial corretiva direta de revascularização, sendo os seus resultados questionáveis. Não são procedimentos de rotina. H. O uso de oxigênio em câmara hiperbárica é capaz de reduzir o índice de amputação que se segue à lesão dos vasos femorais (aréria e veia), associado à cirurgia reconstrutiva e ao uso de antibióticos. Referências 1. Burch JM, Richardson RL, Martin RR, Mattox KL. Penetrating iliac vascular injuries: recent experience with 233 consecutive patients. J Trauma 1990; 30: 1.450. 2. Cargile JS, Hunt JL, Purdue GF. Acute trauma of the femoral artery and vein. J Trauma 1992; 32: 364-71. 3. Davis JW, Holbrook TL, Hoyt DB et al. Blunt carotid artery dissection: incidence, associated injuries, screening, and treatment. J Trauma 1990; 30: 1.514. 4. DeBakey ME, Simeone FA. Battle injuries of the arteries in World War II: an analysis of 2.471 cases. Am Surg 1946; 123: 534. 5. Feliciano DV, Mattox KL, Graham JM et al. Five year experience with PTFE grafts in vascular wounds. J Trauma 1985; 25: 71. 6. Gillespie DL, Cantelmo NL. Traumatic popliteal artery pseudoaneurysms: case report and review of literature. J Trauma 1991; 31: 412. 7. Hammond DC, Gould JS, Hanel DP. Management of acute and cronic vascular injuries to the arm and forearm. Indications and technique. Hand Clin 1992; 8: 453-63. 8. Johansen K, Lynch K, Paun M, Copass M. Journal of Trauma 1991; 31(4): 515-9; discussion 519-22. 9. Laasomen EW. Emergency angiography in extremity trauma: prognostic aspects. Acta Radiol 1978; 19: 42. 10. Lazarides MK, Arvanitis DP, Liatas AC, Dayantas JN. Iatrogenic and noniatrogenic arterial trauma: a comparative study. Eur J Surg 1991; 157: 17. 11. Li MS, Smith BM, Espinosa J et al. Nonpenetrating trauma to the carotid artery:seven cases and literature review. J Trauma 1994; 36: 265-72. 244

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12. Martin LC, McKenney MG, Sosa JL et al. Management of lower extremity arterial trauma. J Trauma 1994; 37(4): 591-8; discussão 598-9. 13. Melton SM, Croce MA, Patton JH Jr et al. Popliteal artery trauma. Systemic anticoagulation and intraoperative thrombolysis improves limb salvage. Ann Surg 1997; 225(5): 518-27; discussion 527-9. 14. Mills RP, Robbs JV. Pediatric arterial injury: management options at the time of injury. J R Col Surg Edinb 1991; 36: 13. 15. Modral JG, Weaver FA, Yellin AE. Vascular considerations in extremity trauma. Orthop Clin North Am 1993; 24: 557-63. 16. Monteiro ELC. Trauma arterial. In: Lázaro da Silva A. Cirurgia de Urgência. 2 ed., Rio de Janeiro: MEDSI, 1994: 794-7. 17. Pires MTB et al. Traumatismos arteriais periféricos: análise de 48 casos. Rev Assoc Med Brasil 1981; 27: 337. 18. Radonic V, Baric D, Petricevic A et al. War injuries of the crural arteries. Br J Surg 1995; 82(6): 777-83. 19. Rich NM, Spencer FC. Vascular Trauma. Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1978. 20. Saim L, Rejab E, Hamzah M et al. Massive epistaxis from traumatic aneurysms of the internal carotid artery. Aust N Z J Surg 1993; 63: 906-10. 21. Shah DM, Corson JD, Karmody AM et al. Journal of Trauma 1988 Feb; 28(2): 228-34. 22. Thal ER, Snyder III WH, Perry MO. Vascular injuries of the extremities. In: Rutherford RB. Vascular Surgery, 41 ed., vol. I, Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1995: 713-3. 23. Turowski GA, Amjadi N, Sterling A, Thomson JG. Aneurysm of the radial artery following blunt trauma to the wrist. Ann Plast Surg 1997 May; 38(5): 527-30. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 26 - Traumatismos Venosos Periféricos Marco Tulio Baccarini Pires I.Introdução. Ao longo dos anos, as lesões arteriais têm sido sempre as mais profundamente estudadas ao se abordar o assunto dos traumatismos vasculares, ocupando uma posição de maior destaque e importância. Isto se deve principalmente ao fato de quase sempre os traumatismos arteriais levarem a um sangramento mais vultoso do que as lesões venosas; além disso, as conseqüências e seqüelas de uma lesão arterial são, na maioria das vezes, mais graves e imediatas. Mesmo após a Segunda Guerra Mundial, quando se iniciou a fase moderna dos reparos arteriais (ver Cap. 25), as cirurgias venosas por trauma têm consistido principalmente de procedimentos de ligadura da veia, e não de sua reconstrução. Este procedimento (a ligadura venosa) tem sido realizado pelos seguintes motivos: pouco prejuízo funcional para o paciente na maior parte dos casos (mesmo em veias de maior calibre); a cirurgia de reconstrução venosa tem eficácia discutível (devido à baixa pressão intravenosa, a trombose pós-operatória é freqüente); crença antiga (e absurda) afirmando que a ligadura venosa diminuiria a possibilidade da ocorrência de gangrena nos casos de lesão arterial concomitante em que fosse necessário ligar a artéria correspondente (baseando-se na restauração do balanço entre aporte de sangue e retorno venoso). Após uma cirurgia de reparo venoso, torna-se difícil verificar se a restauração do fluxo saiu a contento; diferentemente das artérias, não é possível a observação de pulsações em uma veia, para avaliar a patência de uma anastomose. Em rigor, as cirurgias de reparo venoso só começaram a ser realizadas de maneira mais efetiva após a experiência americana na Guerra do Vietnã. O trabalho preliminar preparado pelo Vietnam Vascular Registry, em 1970, encorajou a realização de cirurgias reconstrutoras nas veias de maior calibre dos membros, principalmente nos membros inferiores. A importância do reparo venoso está basicamente ligada à(aos): prevenção da insuficiência venosa crônica nas lesões de veias de grande calibre dos membros inferiores; às lesões da veia poplítea, como preventivo de edema e da ocorrência da síndrome de compartimento (que podem levar à perda do membro nos casos de lesão arterial concomitante); à ocorrência de grandes destruições tissulares com grave comprometimento de partes moles, a tal ponto que esta destruição possa interromper o retorno venoso; aos casos de lesão de todas as principais veias que fazem o retorno venoso de uma extremidade. Em cada um destes casos, se não realizado o reparo venoso, a estase venosa subseqüente poderá levar ao comprometimento do aporte de sangue para o membro, com graus variáveis de isquemia. Mesmo nas situações em que o reparo venoso seja transitório, com oclusão posterior da cirurgia efetuada, a presença de um fluxo, ainda que temporário, poderá permitir que a circulação colateral se forme, minimizando as seqüelas tardias.

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Uma grande preocupação existente até alguns anos atrás dizia respeito à possibilidade de ocorrência de embolia pulmonar por formação de coágulo na área anastomosada. Entretanto, ficou demonstrado que esta complicação é infreqüente após reparo venoso. Não obstante, existem indicações para uso de anticoagulante, tanto parenteral quanto oral, após lesões venosas de determinados tipos tratados por reparo. A incidência real de traumatismos venosos, tanto na população civil como em época de guerra, não é conhecida, pois é comum um cirurgião considerar a lesão venosa como pouco importante, tratar da veia por ligadura simples, e não relatá-la na descrição do ato cirúrgico. Assim sendo, as estatísticas variam muito. Trabalhos diferentes mostram que, em caso de lesão arterial, a lesão venosa está presente em 50-66% dos casos. A determinação da veia lesada também é variável, dada a extrema diversidade anatômica do sistema venoso. Entretanto, foi observado que a veia mais lesada nos diversos tipos de trauma (penetrantes ou não) é a veia femoral, com cerca de 18% das lesões, seguindo-se o segmento venoso axilobraquial (14%). As lesões venosas traumáticas podem ser devidas a múltiplas causas. Em nosso meio, predominam as lesões venosas causadas por arma de fogo, seguindo-se as causadas por arma branca e as causadas por traumas fechados. Outros tipos de lesões que podem ocorrer são as iatrogênicas (p. ex., cirurgias de hérnia inguinal, de varizes dos membros inferiores, procedimentos de punção de subclávia, cateterismos cardíacos etc.). Os acidentes elétricos (p. ex., queimaduras por eletricidade) podem ser os causadores de um outro tipo de lesão venosa, mais rara, com trombose e hemorragia vascular. II. Classificação. Podemos classificar os traumatismos venosos periféricos, de acordo com o seu agente causal, em: traumas penetrantes; traumas contusos (indiretos); traumas iatrogênicos. A. Traumas penetrantes. Os traumatismos venosos penetrantes podem ser de três tipos: lesão parcial — com ruptura parcial da parede, sem penetração na luz (este tipo de traumatismo não tem importância prática, pois não há solução de continuidade na parede da veia); laceração — ocorre penetração na luz do vaso, e é a lesão mais comum, ocasionando hemorragia interna ou externa; transecção completa da veia — lesão de veias de maior calibre, geralmente associada à lesão arterial. Diferentemente das artérias, nas quais a secção completa leva à contração dos cotos, nas veias esta contração não ocorre, pela falta de uma camada elástica mais importante. Deste modo, a perda sangüínea poderá ser vultosa após lesão venosa completa. B. Traumas fechados. A lesão nos traumatismos venosos fechados pode ser de três tipos: lesão da íntima; lesão da íntima e da média, e lesão completa do vaso. Nos casos de lesão completa do vaso com esmagamento, o quadro clínico é bem característico imediatamente após o trauma. A obstrução venosa aguda, principalmente em veia de maior importância, leva a edema, palidez do membro e ingurgitamento das veias do tecido subcutâneo. 247

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Um outro tipo de trauma fechado é observado de maneira indireta durante luxação de grandes articulações — o estiramento (p. ex., o estiramento da veia braquial na luxação da articulação do ombro). Essas lesões de estiramento levam à trombose e, mais raramente, à hemorragia. C. Traumas iatrogênicos. Lesões venosas iatrogênicas podem ocorrer numa série de procedimentos médicos de diversas especialidades. Exemplos seriam lesões ocorridas durante punção da veia subclávia, nos procedimentos de cateterismo cardíaco, nas cirurgias de hérnias inguinais e mesmo nas cirurgias de varizes dos membros inferiores. Nas punções da veia subclávia, podem ocorrer grandes lacerações, com a formação de hematomas locais e mesmo de hemotórax. Apesar de a punção da subclávia ser um procedimento simples, ela só deve ser executada por pessoa habilitada. Nas lesões da veia femoral, que podem ocorrer durante hernioplastia inguinal ou varicectomia dos membros inferiores, hemorragias de vulto são observadas. Usualmente, existe incapacitância crônica, com acometimento do membro por edema e estase venosa acentuada. III. Diagnóstico. A maior parte das lesões venosas ocorre nas extremidades superiores e inferiores, principalmente devido à localização superficial de muitas veias, o que as torna mais vulneráveis ao trauma. O tipo de sangramento observado é caracterizado pelo fato de ser contínuo, não-pulsátil, diferentemente do sangramento arterial. A cor do sangue venoso, mais escura, também nos auxilia no diagnóstico. Numa ferida fechada, um grande hematoma pode desenvolver-se. Nas primeiras 12-24 horas após a lesão, sinais de insuficiência venosa aguda podem surgir. Eles se caracterizam por edema, diminuição da temperatura distal e coloração azulada. Nos casos crônicos, observam-se edema, varizes superficiais, pigmentação marrom na pele e, numa fase mais tardia, úlceras de estase. Um dado importante nos casos agudos é a presença de lesão externa no trajeto de veias calibrosas (mesmo naqueles pacientes em que não se observe sangramento externo vultoso). Há um alto grau de suspeição de lesão venosa (bem como de lesão arterial) nos casos de lesão externa penetrante no trajeto vascular. A pesquisa de lesão arterial concomitante deve ser feita. O Doppler vascular deve ser usado como método complementar no diagnóstico, nos casos de lesões venosas e arteriais. A radiografia simples do local atingido deve sempre ser feita, pois mostrará, também, a presença de outras lesões, como as fraturas ósseas. Nos casos de lesão por arma de fogo, a radiografia poderá nos mostrar o trajeto do projétil, pela presença de fragmentos da bala.

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O uso de exames contrastados (flebografias) é mais indicado nos casos crônicos; raras vezes eles poderão ser de utilidade num caso agudo. Mais recentemente, técnicas de ultra-sonografia associadas ao estudo com Doppler vascular (duplex scan) foram introduzidas, porém seu papel em casos de urgência ainda não foi definido. IV. Tratamento. Deve-se ter em mente, em primeiro lugar, que o paciente precisa ser avaliado como um todo. São comuns graves alterações hemodinâmicas no paciente com traumatismo venoso. Todas as medidas para o tratamento deste quadro de choque devem ser instituídas. Se está presente hemorragia ativa, o seu controle deve ser feito de imediato. Procura-se realizar a compressão da lesão; o garroteamento de membros, nos casos de lesão venosa, é de pouca valia. Se ele vier a ser utilizado em casos de lesões arterial e venosa concomitantes, o procedimento não deve ultrapassar 30-40 minutos. Imobiliza-se o local afetado, principalmente se existe fratura óssea. O uso de antibióticos de largo espectro deve ser instituído nos casos de lesão venosa, pelo risco de desenvolvimento de flebites. Outras lesões devem ser identificadas e tratadas. Se também houver lesão arterial, esta deverá ser tratada em primeiro lugar. Os fatores mais importantes para o sucesso de uma cirurgia de reconstrução venosa são a remoção completa de trombos proximais e distais; o tratamento precoce da lesão (ideal — até quatro horas); o reparo perfeito da lesão, evitando qualquer estenose, por mínima que seja, com coaptação total da camada íntima; e o uso sistemático de heparinização endovenosa peroperatória. A cirurgia venosa segue os princípios básicos das cirurgias arteriais, ou seja, vias amplas de acesso, uso de instrumental adequado, uso de fios próprios (Prolene® 6-0 ou 7-0), técnica atraumática, uso de heparina e desobstrução vascular. Cinco tipos de reparo podem ser considerados para o tratamento das lesões venosas: ligaduras, reparo com sutura lateral, anastomose término-terminal, utilização de telha (patch) e utilização de enxerto venoso. O procedimento mais amplamente utilizado no tratamento das lesões venosas tem sido a ligadura. No entanto, este procedimento só deve ser utilizado em veias de menor calibre e naquelas em que a ligadura não cause um comprometimento maior no fluxo venoso. Naqueles casos de ligadura em veias de maior importância em membro inferior, a elevação no membro no pós-operatório, de maneira rotineira, é obrigatória, assim como o seu enfaixamento. A utilização de faixa de crepom ou de meias elásticas de alta compressão, por períodos que variam até um prazo máximo de três meses, é fundamental nestes casos, para que se impeça a formação de um trombo ao longo da veia acometida. O controle de sangramento venoso deverá ser obtido por meio da compressão com “bonecas” de gaze, montadas em pinças hemostáticas, acima e abaixo da lesão. Deve ser 249

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lembrado que as lesões venosas podem ser aumentadas de forma iatrogênica, pelo mau uso de clampes vasculares; muitas vezes, o cirurgião, ansioso frente a um sangramento venoso intenso, pode tentar clampar o vaso de qualquer modo, de maneira abrupta ou incorreta, aumentando a lesão. Além disso, clampes vasculares menos delicados podem lesar as delicadas paredes venosas, propiciando pequenas lesões na camada íntima e favorecendo tromboses pós-operatórias. Sempre que possível, podem ser utilizados torniquetes e cadarços, colocados proximal e distalmente à lesão, para ajudar no controle do sangramento. A tração com cadarços (Fita Cardíaca®) poderá realizar uma boa hemostasia, sem os riscos de aumento da lesão que um clampe vascular pode provocar. Entre os procedimentos de reparo, o mais utilizado é a sutura venosa lateral. Esta é feita com fios apropriados (Prolene® 6-0 ou 7-0), em sutura contínua, na maioria dos casos. Com esta técnica, a principal preocupação é a de não se estenosar a luz da veia — a estenose deve ser evitada a todo custo. Caso ela venha a ocorrer, pode ser necessária a utilização de um patch venoso, para alargar o diâmetro da veia. A utilização de uma anastomose venosa término-terminal é possível, porém é uma técnica bem mais complexa do que uma anastomose T-T arterial, pois as veias não têm a mesma elasticidade das artérias. Um enxerto venoso com veia safena magna poderá ser utilizado. Nos casos de trauma venoso em membro inferior, a veia deverá ser obtida, sempre, no membro são. Mesmo utilizando-se todas as técnicas descritas, com todos os cuidados necessários, é alto o índice de trombose venosa pós-operatória, chegando a ultrapassar os 30% nas lesões da veia femoral. Entre os enxertos sintéticos existentes comercialmente no Brasil, podemos citar os mesmos usados como substitutos arteriais, ou seja, os inorgânicos (PTFE® e o Dacron®) e os orgânicos (veia umbilical humana preservada, enxerto vascular confeccionado com pericárdio bovino e artéria carótida bovina). O PTFE® tem sido usado ocasionalmente na substituição da veia cava inferior lesada no trauma. O PTFE® foi utilizado como substituto da veia cava inferior, mas o seu uso em traumas venosos periféricos não foi adequadamente estudado. Em princípio, ele não deve ser utilizado, pois a ocorrência de trombose e de infecção é maior nestes casos. Nas lesões específicas da veia femoral e da veia ilíaca, pode-se utilizar a veia safena contralateral, conduzida através de um túnel suprapúbico subcutâneo; é a chamada cirurgia de Palma, pouco difundida no nosso meio, mas que fornece resultados excelentes. Uma opção que se apresenta para substituição venosa em veias de maior diâmetro é o uso da veia safena aberta longitudinalmente e suturada de maneira espiralada, obtendo-se, com isto, um enxerto de bom calibre, adequado para uso em veias maiores, como a femoral. Esta é uma boa técnica para substituição da veia femoral, mas requer um cirurgião vascular bem treinado, para confecção intra-operatória rápida do enxerto espiralado. É uma boa técnica, mas deve ficar reservada para aqueles casos onde não existir outra opção de tratamento cirúrgico. 250

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Após 30 dias, a patência global de uma cirurgia de reconstituição venosa se encontra em cerca de 73%, com os maiores índices de permeabilidade obtidos nos casos de anastomose venosa término-terminal (88% dos casos patentes). A fasciotomia é uma cirurgia complementar a ser utilizada em determinadas situações, como nos casos de lesões vasculares poplíteas. V. Cuidados Pós-Operatórios. Os cuidados no pós-operatório das lesões venosas periféricas dividem-se em imediatos e tardios. Entre os cuidados imediatos, podem-se destacar a elevação e o enfaixamento do membro. O enfaixamento não deve ser feito quando da realização de anastomose venosa, pelo risco de trombose, ficando reservado às ligaduras. A utilização de heparina e/ou anticoagulantes orais no pós-operatório deverá ser reservada para aqueles casos de lesão de veias poplítea, femoral, braquial ou axilar, dependendo da extensão da lesão e do tipo de reparo utilizado. Reparos do tipo enxerto venoso ou remendo devem ser os mais considerados para uso de anticoagulante. No adulto, quando indicada anticoagulação, iniciamos com heparina, 5.000 UI EV, a cada quatro horas, por um período de 5-10 dias, ou, de preferência, em infusão contínua EV na bomba de infusão na dose de 1.000 a 2.000 UI por hora. O uso de heparina subcutânea de baixo peso molecular (Clexane®; Fraxiparina®) no trauma ainda não se encontra bem-estabelecido, mas pode ser uma alternativa de tratamento, pela menor possibilidade de sangramento (fornecendo maior segurança em pacientes mais idosos). Se pretendemos manter o paciente com anticoagulante oral, em torno do terceiro ao sexto dia de pós-operatório, iniciamos com warfarina sódica (Marevan®), na dose ajustada para uma atividade de protrombina de, aproximadamente, 30%. As principais complicações das lesões venosas são tromboembolismo pulmonar, síndrome pós-trombótica e ocorrência de fístulas arteriovenosas (na presença de lesão arterial concomitante). A síndrome pós-trombótica constitui a principal preocupação entre os cuidados pósoperatórios tardios. São inúmeros os pacientes que se apresentam com edemas crônicos, de difícil resolução clínica. O uso de uma meia elástica apropriada em membro inferior pode ser mandatório por longos períodos. Referências 1. Cargile JS, Hunt JL, Purdue GF. Acute trauma of the femoral artery and vein. J Trauma 1992; 32: 364-71.

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2. Bermudez KM, Knudson MM, Nelken NA et al. Long-term results of lower-extremity venous injuries. Arch Surg 1977; 132(9): 963-7; discussion 967-8. 3. Burihan E. Traumatismos vasculares. In: Maffei FHA. Doenças Vasculares Periféricas. 2 ed., Rio de Janeiro: MEDSI, 1995: 1.113. 4. Debakey ME, Simeone FA. Battle injuries of the arteries in World War II: an analysis of 2.471 cases. Ann Surg 1946; 123: 534. 5. Fry WR, Smith RS, Sayers DV et al. The success of duplex ultrasonographic scanning in diagnosis of extremity vascular proximity trauma. Arch Surg 1993; 128(12): 1.368-72. 6. Modrall JG, Weaver FA, Yellin AE. Vascular considerations in extremity trauma. Orthop Clin North Am 1993; 24(3): 557-63. 7. Pappas PJ, Haser PB, Teehan EP et al. Outcome of complex venous reconstructions in patients with trauma. J Vasc Surg 1997 Feb; 25(2): 398-404. 8. Pires MTB. Lesões traumáticas da veia cava inferior. Tese de Doutoramento. Apresentada no Curso de Pós-Graduação em Cirurgia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG. Dezembro de 1993. 9. Pires MTB et al. Traumatismos arteriais periféricos: análise de 48 casos. Rev Assoc Med Brasil 1981; 27: 337. 10. Pires MTB, Lázaro da Silva A. Traumatismos venosos periféricos. In: Lázaro da Silva A. Cirurgia de Urgência. 2 ed., Rio de Janeiro: MEDSI, 1995: 797-800. 11. Rich NM. Management of venous trauma. Surg Clin North Am 1988; 68: 809-21. 12. Rich NM. Venous disease, venous trauma and perspective. Phlebologie 1993; 46(3): 345-8. 13. Rich NM, Spencer FC. Vascular Trauma. Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1978. 14. Thal ER, Snyder III WH, Perry MO. Vascular injuries of the extremities. In: Rutherford RB. Vascular Surgery. Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1995: 713. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 27 - Traumatismo Cranioencefálico no Adulto Odilon Braz Cardoso Márcio Melo Franco Sebastião N. S. Gusmão I. Introdução. O traumatismo cranioencefálico (TCE) é a primeira causa de morte no adulto jovem. A maioria dos acidentes fatais teria chance, se tratada devidamente nos primeiros minutos após o acidente, principalmente quanto à assistência respiratória, ao controle imediato da hemorragia, posicionamento e transporte. Devem-se afastar outras possibilidades traumatológicas, sangramento abdominal, torácico etc. II. Epidemiologia. Quedas, agressões e acidentes com veículos são algumas das inúmeras causas; a mais importante é o acidente de tráfego, principalmente devido à alta velocidade e à falta de atenção. A falha humana é a principal causadora dos acidentes automobilísticos, onde se enumeram: imperícia, imprudência, necessidade de auto-afirmação, imaturidade, fadiga, agressividade, machismo, egocentrismo e o alcoolismo social. Dentre os fatores sociais, têm-se a tendência à desobediência às leis do trânsito (desrespeito à sinalização, falta de uso do cinto de segurança, capacete etc.), por falta de educação nas escolas ou em casa, e o policiamento ineficaz, com multas irrisórias ou inexistentes para as infrações, decorrentes de uma falta de determinação política. A maneira como o caso é conduzido desde os primeiros momentos após o acidente influi sobremaneira no resultado final; nas rodovias, em 82% dos casos, o salvamento é feito por motoristas de caminhão. Quarenta e três por cento dos acidentes fatais teriam chances de sobrevida se fossem atendidos devidamente nos primeiros minutos. O índice de sobrevida e o grau de invalidez são determinados pelo nível de consciência (a mortalidade é de 7%, mesmo nos pacientes lúcidos à admissão, e de 49% nos pacientes irresponsivos) e pelas características da equipe médica que realiza o atendimento. O paciente com TCE tem 32,8% de probabilidade de apresentar outro traumatismo associado que possa contribuir no resultado final. No acidente automobilístico, 53% dos ocupantes têm traumatismo e, destes, 70% têm TCE, sendo que um terço ocorre por impacto no pára-brisa, depois no volante, nos instrumentos do painel etc. III. Fisiopatologia e Anatomia Patológica A. Mecanismo. As forças de impacto e inercial, quando aplicadas ao crânio, vão gerar deformação e aceleração ou desaceleração. Estas determinarão uma compressão, tensão e cisalhamento do tecido vascular ou neural. A força de impacto determina efeitos locais na superfície, como laceração do couro cabeludo, fratura do crânio, hematoma extradural e alguns tipos de contusões. A força inercial determina efeitos difusos, com distribuição centrípeta. Ela é responsável por alguns tipos de contusões (principalmente as localizadas 253

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nas bases dos lobos frontais e temporais e nas bordas da fissura silviana), pelo hematoma subdural e pela lesão axonal difusa. B. Classificação. A lesão cerebral primária ocorre no momento do trauma. É representada pelas contusões, lacerações e pela lesão axonal difusa. A lesão cerebral secundária é determinada por processos complicadores, que se iniciam no momento do trauma, mas que só se evidenciam clinicamente algum tempo depois: são a hemorragia intracraniana, o inchaço cerebral, a hipertensão intracraniana e a lesão cerebral hipóxica. Do ponto de vista anatomopatológico, existe tendência em classificar as lesões em focais e difusas. As lesões focais são: lesões do escalpo, fraturas do crânio, contusões cerebrais, hematomas intracranianos, hemorragia e infarto do tronco encefálico conseqüente à hipertensão intracraniana. As lesões difusas são representadas por: lesão axonal difusa, lesão cerebral hipóxica, inchaço cerebral difuso e hemorragias petequiais múltiplas do encéfalo. Quanto à lesão de continuidade, o TCE pode ser classificado em aberto, no caso de exposição de meninge ou parênquima, quer seja por fraturas expostas da convexidade ou da base, e fechado, nas outras entidades. Quanto à gravidade clínica, classifica-se em leve, quando não altera a Escala de Coma de Glasgow (ECG), moderado, quando a ECG está acima de nove, e grave, quando ela é igual ou inferior a oito. 1. Lesão do couro cabeludo. É freqüente a presença de contusões e lacerações do couro cabeludo no TCE. Essas lesões indicam o local do impacto, além do conceito de TCE em potencial. As lesões observadas são escoriação, contusão, equimose e laceração. a. Escoriação. Consiste na perda superficial de pequenas áreas da pele. b. Contusão. Consiste numa lesão traumática dos tecidos com ruptura de vasos sangüíneos e sem solução de continuidade da pele. c. Equimose. Ocorre extravasamento de sangue de um local para outro. Dois tipos de equimoses são de observação importante no crânio: a periorbital e a da mastóide. d. Laceração. Trata-se de uma ruptura tecidual por golpe. 2. Fratura de crânio. A fratura de crânio é observada em 80% dos pacientes que falecem depois de um TCE. Os casos que não apresentam fraturas são observados principalmente entre as crianças e naqueles pacientes que falecem em conseqüência de uma lesão axonal difusa. As fraturas são classificadas em: a. Fratura linear. Trata-se de uma linha de fratura que tende a originar-se no ponto de impacto e a estender-se para a convexidade ou para a base. A direção da fratura corresponde às linhas de força do impacto e é também afetada pela estrutura irregular do crânio. Ela é uma lesão de contato decorrente da deformação do crânio pelo impacto. Esta deformação pode ocorrer no local do golpe ou a distância do mesmo. A fratura linear é causada por um objeto de consistência dura colidindo contra o crânio; este objeto é 254

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suficientemente grande para que não ocorra penetração no crânio e suficientemente pequeno para que a força de contato não seja distribuída difusamente sobre a superfície da cabeça. Pode ocorrer lesão por aceleração associada à fratura linear quando o impacto determina significativo movimento da cabeça. Uma força estática aplicada à cabeça, como nas lesões por compressão, pode determinar lesão intensa do crânio sem perda primária de consciência. b. Fratura de convexidade ou da base posterior. No caso de fratura de convexidade, o diagnóstico consiste na procura de hematomas no couro cabeludo. Raios X devem ser feitos nas incidências em PA, perfil e Towne. Em caso de fratura múltipla ou em aspecto estrelado, deve-se fazer a incidência tangencial. A conduta nas fraturas lineares da convexidade e na base posterior consiste na observação do paciente. Pacientes com fraturas que cruzam o trajeto das artérias meníngeas, a sutura lambdóide, o plano sagital ou o forame magno são observados por um prazo mínimo de 24 horas no hospital, mesmo com exame neurológico normal, pelo risco de hematoma epidural, e faz-se a tomografia cerebral. A fratura pode ter um aspecto diastático quando as suas bordas estão afastadas; devido ao risco de lesão dural e às complicações que podem advir, como cistos aracnóides e cicatrizes meningocorticais, a conduta pode ser até cirúrgica. Na fratura em afundamento, as suas bordas estão em desnível de, pelo menos, a espessura da tábua óssea; o diagnóstico é confirmado por raios X, e às vezes uma incidência tangencial é necessária. No entanto, o exame fundamental é a TC com janelas especiais para estudo ósseo. A fratura com afundamento pode ser fechada ou exposta, e as indicações cirúrgicas são inerentes a esta classificação. (1) Afundamento fechado. A primeira indicação para o tratamento cirúrgico é a estética. Quando esta não for importante, não haverá indicação. A simples elevação do fragmento afundado não traz benefício comprovado no sentido de aliviar um efeito de massa ou inibir um foco de epilepsia. No entanto, se a fratura é a causa de um déficit neurológico progressivo ou um aumento do distúrbio de consciência, a operação é indicada. (2) Afundamento exposto. A indicação cirúrgica é absoluta, devido às complicações infecciosas inerentes a este tipo de traumatismo. c. Fratura de base média. As fraturas do osso temporal são acompanhadas por equimose retroauricular (sinal de Batle) e otorragia, substituída pela otoliquorréia que, pela anatomia funcional regional, cessa espontaneamente no final de algumas horas ou dias; raramente necessita de correção cirúrgica. Podem vir acompanhadas também pelo acometimento do nervo facial do lado da fratura. d. Fratura de base anterior. A importância do trauma do andar anterior da base do crânio está ligada às altas taxas de morbimortalidade relacionadas, principalmente, à infecção pós255

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traumática do SNC. Isto ocorre quando uma fratura passa despercebida ou é mal-avaliada na ausência de sinais de comunicação craniossinusal, ou uma cessação espontânea de uma rinorréia por vários mecanismos, ou ainda quando os princípios básicos do tratamento não são observados. Na avaliação deste tipo de lesão, um conhecimento aprofundado da anatomia funcional é imperativo. O assoalho da base anterior limita o neurocrânio, constituído pelas estruturas intracranianas, do esplancnocrânio, formado pelas cavidades sépticas da face. Este assoalho é composto de uma fina lâmina óssea pouco vascularizada, cravada por soluções de continuidade no teto do etmóide; de um lado, ela é atapetada pela dura-máter extremamente aderente e com propriedades fibrinolíticas, retardando ou impedindo uma cicatrização neste nível, e, do outro, é revestida pela mucosa sinusal. O assoalho da base recebe ainda as pressões hidrostáticas da coluna liquórica a cada batimento cardíaco e movimento respiratório, sem contar ainda o acolchoado representado pelas cisternas da base. Conhecendo-se a fisiopatologia da comunicação e ainda a patologia da lesão fundamental deste tipo de traumatismo, representada pela “dilaceração meningocerebral traumática localizada”, conclui-se que uma cicatrização espontânea osteodural neste nível não existe, devendo a comunicação ser abordada cirurgicamente. A apresentação do quadro clínico varia de acordo com a classificação do trauma frontobasal e o tempo decorrido do traumatismo: equimose subconjuntival e periorbitária uni ou bilateral, aumento da distância intercantal; a rinorréia, que é o sinal de comunicação mais comum, está ausente em 36,6% dos casos. São comuns nesse tipo de trauma a fratura dos ossos da face e as lesões do globo ocular. Um quadro de hipertensão intracraniana, também causado pela pneumatocele, pode complicar o paciente com fratura de base, principalmente quando é feita uma punção lombar. Por isto, a presença de ar intracraniano é uma prova da perda da integridade meníngea. A anosmia acompanha a maioria dos pacientes com trauma frontobasal, mas uma gama de pacientes às vezes chega ao hospital com um quadro infeccioso expresso por uma meningite ou abscesso cerebral, às vezes muitos anos após o trauma. As expressões anatomoclínicas dessas lesões variam, mas a forma mais grave e mais freqüente é representada pelo traumatismo do complexo frontonasoetmoidal, cuja predisposição à cominuição se acompanha sempre pela lesão dural. A TC, principalmente na incidência coronal, é imprescindível para um estudo completo de todo o andar anterior. A indicacão cirúrgica é colocada sempre que há um sinal de comunicação, independentemente do momento, do modo, da duração e da importância de sua instalação. Ela é indicada mesmo na ausência de um sinal de comunicação, diante de uma anosmia ou um defeito radiológico do andar anterior.

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A técnica cirúrgica tem como objetivos suprimir a comunicação e restabelecer a anatomia regional através do tratamento adequado dos seios lesados, das lesões cerebrais, maxilofaciais e oftalmológicas. A única via que satisfaz esses objetivos é a craniotomia bifrontal bitragal de Cairns-Unterberger o mais cedo possível, quando as condições permitirem. Um inventário completo, intra e extradural, até os limites mais recuados do andar anterior, deve ser feito, utilizando-se o microscópio operatório e o adesivo de fibrina para reforçar a estabilidade dos enxertos. Todo e qualquer material estranho deve ser rejeitado, em favor de um auto-enxerto vascularizado, pediculado através de epicrânio e osso vivo esponjoso. 3. Contusão cerebral. As contusões ocorrem, tipicamente, nas cristas dos giros. Nos estágios iniciais (contusões recentes), elas são caracterizadas por hemorragias perivasculares puntiformes na superfície cortical. Em casos da maior intensidade, a hemorragia pode estender-se para dentro da substância branca. Quando são em grande número e graves, os extravasamentos de sangue podem unir-se, tornando difícil diferenciar a contusão de um hematoma intracerebral. Classicamente, faz-se uma distinção entre contusão e laceração. Na contusão a integridade da pia-máter e da aracnóide é mantida. Na laceração ocorre uma ruptura da pia-máter, da aracnóide e do cérebro subjacente. As contusões, independentemente do local de impacto sobre o crânio, apresentam uma localização típica. Elas estão distribuídas principalmente ao nível do pólo frontal, da superfície orbital dos lobos frontais, dos pólos temporais, das superfícies lateral e inferior dos lobos temporais e do córtex em torno da fissura silviana. Geralmente são múltiplas e bilaterais, porém assimétricas. A contusão é essencialmente uma lesão cerebral focal que acomete áreas não-vitais. Por este motivo, os pacientes que apresentam apenas contusões cerebrais podem apresentar uma boa recuperação. A importância das contusões polares no período imediato após o trauma deve-se à propensão das mesmas para desenvolverem sangramento ou inchaço, podendo agir, portanto, como uma lesão expansiva intracraniana. As contusões subjacentes ao local do impacto (contusões por golpe) são devidas à deformação tecidual provocada pela depressão óssea. A conseqüência dessa deformação tecidual é a lesão da superfície cortical e dos vasos da pia-máter. Quando a elasticidade do crânio é ultrapassada pela força do golpe, pode ocorrer lesão da superfície cortical pela compressão direta do osso fraturado. As contusões distantes do ponto de impacto são chamadas de contusões por contragolpe, mas esta denominação é inadequada porque o mecanismo essencial deste tipo de contusão é a aceleração. Sua patogenia é explicada pelo movimento de deslizamento do cérebro em relação ao crânio durante a aceleração e a desaceleração. Em conseqüência deste movimento diferencial entre o crânio e o encéfalo, ocorrerá um maior atrito onde o deslizamento do encéfalo é retardado. Isto ocorre especialmente na superfície irregular da base do crânio, onde a superfície do cérebro colide com a asa menor do esfenóide e com o teto da órbita. Este fato explica a maior freqüência das contusões ao nível da base do lobo frontal, do pólo temporal anterior e das bordas da cissura de Sylvius. 257

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4. Hemorragia intracraniana. Pode ocorrer sangramento nos espaços extradural, subdural ou subaracnóideo, no cérebro e nos ventrículos. Graus variáveis de hemorragia subaracnóidea ocorrem freqüentemente nos casos de contusão cerebral. É comum a presença de hemorragia intraventricular nos casos de lesão axonal difusa. a. Hematoma extradural (HED). O hematoma extradural ou epidural é uma coleção de sangue coagulado situada entre a dura-máter e o osso. Quando ocorre uma lesão vascular, o sangue se difunde no espaço epidural, descolando progressivamente a dura-máter do osso. A coleção sangüínea agirá como um processo expansivo, cuja gravidade da sintomatologia dependerá do volume e da localização. A incidência clínica do hematoma extradural varia de 1 a 5%. A etiologia mais freqüente é o acidente de trânsito, seguido pelas quedas e pelo trauma direto. A fratura de crânio, diagnosticada por exames radiológicos, é encontrada numa incidência de 85-90% dos HED. Em 60% dos casos, ele ocorre associado à lesão cerebral mínima e sem perda de consciência imediata após o trauma; em 20%, o paciente apresenta apenas discreta alteração da consciência antes do desenvolvimento da compressão cerebral; finalmente, nos 20% restantes, o paciente apresenta inconsciência imediata após o trauma. O efeito patológico do hematoma extradural é conseqüente à compressão cerebral subjacente e, posteriormente, ao desenvolvimento de inchaço do hemisfério cerebral comprometido e à compressão do tronco cerebral por hérnia. b. Hematoma intradural. Os hematomas intradurais podem apresentar-se sob três formas: hematoma subdural puro, hematoma intracerebral puro e explosão lobar. Esta última consiste na combinação das duas formas anteriores, ou seja, presença de sangue no espaço subdural, contusão da superfície do cérebro e hematoma intracerebral adjacente. (1) Hematoma subdural (HSD) do adulto. A causa mais freqüente de HSD é a ruptura traumática das veias pontes (veias corticomeníngeas) que atravessam o espaço subdural; elas ligam a superfície superior dos hemisférios cerebrais ao seio sagital superior. Por este motivo, a localização mais freqüente deste hematoma são as regiões parietal e frontal. Entretanto, o HSD tende a cobrir todo o hemisfério cerebral, porque o sangue espalha-se livremente pelo espaço subdural. Do ponto de vista neurocirúrgico, o HSD é classificado como agudo, subagudo e crônico. Na forma aguda ele é formado apenas por coágulos; na subaguda existe uma mistura de coágulo e sangue líquido; e na crônica ocorre uma coleção líquida. O HSD crônico pode ocorrer semanas ou meses após o traumatismo craniano. A sua patogenia ainda não está devidamente esclarecida. Parece que o seu aumento de volume é devido a pequenas hemorragias originadas de vasos da cápsula. É relativamente freqüente a ocorrência de HSD bilateral. 258

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(2) Coleção subdural do lactente. Trata-se de coleção líquida pericerebral que, segundo o aspecto do líquido, os autores chamam de hematoma (líquido sanguinolento), ou higroma (líquido xantocrômico), ou hidroma (líquido claro, semelhante ao liquor). A tendência atual, em vista da moderna concepção fisiopatológica, é a de se englobarem todas estas entidades com o nome genérico de coleção subdural do lactente, pois as três denominações anteriores representam, apenas, o aspecto evolutivo de um mesmo processo. Embora esta patologia seja conhecida há bastante tempo (a primeira descrição foi feita por Thomas Wilis, em 1668), apenas recentemente ocorreu significativo avanço para a compreensão de sua fisiopatologia. O novo enfoque fisiopatológico alterou significativamente a conduta terapêutica. As teorias clássicas (teoria osmótica, teoria das hemorragias repetidas e teoria vascular), que se propunham a explicar o mecanismo de formação e manutenção das coleções subdurais do lactente, foram abandonadas. Admite-se atualmente que a coleção subdural, em virtude de ruptura de uma veia ponte, acompanhe-se freqüentemente de perfuração aracnóide e alterações da dinâmica do LCR. Estas alterações levariam ao desenvolvimento de uma hidrocefalia, sendo que o LCR insuficientemente reabsorvido passa para o espaço subdural. A importância das perturbações dinâmicas da circulação do LCR foi evidenciada durante as derivações externas das coleções subdurais, que mostram que as características do líquido drenado se aproximam progressivamente daquelas do LCR. Segundo Aicardi, as coleções subdurais do lactente apresentam, no estágio inicial, as características do soro, mas, a partir do décimo dia, ou um pouco mais tarde, elas se aproximam das características do LCR. As constatações eletroforéticas sugerem que as alterações dinâmicas do LCR intervêm na persistência da coleção subdural, e um dado adicional a esta hipótese é a presença freqüente de uma dilatação ventricular evidenciada pela tomografia computadorizada. Assim, a coleção é mantida pela passagem de liquor para o espaço subdural, através das perfurações na aracnóide. O quadro clínico consiste em vômito, anorexia, macrocefalia, tensão da fontanela e hipotonia. Não sendo tratada precocemente, pode ocasionar o aparecimento de crises convulsivas. O diagnóstico é realizado por meio da tomografia computadorizada. Tendo em vista a moderna concepção fisiopatológica, o objetivo do tratamento é drenar a coleção subdural de forma progressiva e prolongada, devido à cronicidade e à tendência de a mesma se reformar. Assim, o tratamento tradicional, por meio de punções subdurais repetidas, drenagem através de trepanação e craniotomia com ressecção das membranas, foi progressivamente abandonado, e atualmente a drenagem interna através de derivação subduroperitoneal é o método terapêutico de escolha. Mais recentemente, a tomografia computadorizada permitiu demonstrar a eficácia desta técnica terapêutica, através de exames de controle que evidenciam progressiva redução da coleção subdural. (3) Hematomas intracerebrais. Os hematomas intracerebrais puros, de origem traumática, são aqueles que não estão em contato com a superfície do cérebro. São mais comuns nos lobos frontal e temporal, podendo também ocorrer profundamente nos hemisférios

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cerebrais. Geralmente, eles são múltiplos. Sua patogenia ainda não foi estabelecida com precisão. (4) Explosão lobar. O termo explosão lobar descreve a coexistência de contusão cerebral, sangue no espaço subdural, devido a hemorragia dos vasos corticais superficiais, e hematoma no interior da substância branca, na profundidade da contusão. É devida à aceleração-desaceleração e ao conseqüente movimento diferencial do encéfalo em relação ao crânio. Ocorre tipicamente nos pólos frontal e temporal. c. Hemorragia subaracnóidea. Graus variáveis de hemorragia subaracnóidea sempre ocorrem nos TCE graves. Ela é conseqüente à lesão dos vasos no espaço subaracnóideo e à contusão do córtex cerebral. Nos casos leves, ela não tem maior significação clínica. Nos casos de acúmulo de sangue nas cisternas da base, pode ocorrer vasoespasmo cerebral com piora do quadro clínico. O tratamento é clínico, devendo-se fazer um acompanhamento por TC seriadas. 5. Lesão cerebral secundária à hipertensão intracraniana (HIC). Nas lesões expansivas unilaterais, as estruturas da linha média são desviadas para o lado oposto. O septo interventricular e o terceiro ventrículo são desviados, e o giro do cíngulo hernia sob a borda livre da foice do cérebro (hérnia supracalosa ou subfalciforme ou do giro do cíngulo). A hérnia tentorial apresenta-se sob duas formas mais importantes: a tentorial lateral ou hérnia do uncus, e a central do tronco encefálico. A hérnia tentorial lateral consiste na passagem parcial do uncus e da porção medial do giro paraipocampal entre a borda da tenda e o mesencéfalo, que é comprimido no sentido lateral, ocorrendo um alongamento no seu diâmetro ântero-posterior. Também poderá ocorrer uma compressão do nervo oculomotor e da artéria cerebral posterior pelo cérebro herniado. Na necropsia, também poderá ser evidenciado infarto do córtex occipital medial homolateral conseqüente à oclusão da artéria cerebral posterior. O quadro clínico manifesta-se por: (1) depressão do estado de consciência devida à possível desaferentação da porção superior do SRAA; (2) hemiparesia contralateral, que pode progredir para rigidez em descerebração; (3) midríase homolateral e paralisia dos músculos oculares extrínsecos inervados pelo oculomotor. O infarto occipital não se manifesta clinicamente, pois o estado de consciência do paciente não permite a avaliação do campo visual. Na hérnia transtentorial central do tronco encefálico, ocorre um deslocamento para baixo de todo o tronco encefálico. Foi demonstrada, durante este processo, a ocorrência de um estiramento das artérias perfurantes do tronco encefálico provenientes da artéria basilar. Isto acontece porque o tronco encefálico desloca-se para baixo, enquanto a artéria basilar mantém-se relativamente fixa. Este estiramento produz isquemia e hemorragia. Quando a compressão supratentorial continua agindo, o quadro de hérnia tentorial é seguido pela hérnia das tonsilas cerebelares. Neste caso, as tonsilas passam através do forame magno, obliterando a cisterna magna e comprimindo o bulbo. A conseqüência fisiopatológica é a apnéia.

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6. Lesão axonal difusa (LAD). Strich (1956) definiu pela primeira vez, com precisão, a degeneração difusa da substância branca cerebral em uma série de pacientes com demência pós-traumática. Ela confirmou que a lesão da substância branca era determinada pela ruptura das fibras nervosas (axônios) no momento da lesão. Os pacientes com quadro de LAD apresentam inconsciência de duração variável no momento do trauma. Nos casos graves, permanecem em coma profundo e estado vegetativo. A LAD é a causa mais comum de estado vegetativo após TCE. As anormalidades estruturais fundamentalmente encontradas nas formas graves de lesão axonal difusa são: (1) lesão focal do corpo caloso; (2) lesão focal do quadrante dorsolateral da face rostral do tronco cerebral, adjacente ao pedúnculo cerebelar superior; (3) lesão difusa dos axônios. As duas primeiras podem ser identificadas macroscopicamente, desde que o encéfalo tenha sido devidamente fixado antes dos cortes. A lesão difusa dos axônios pode ser visualizada apenas através do exame microscópico. Nos casos de lesões menos graves, pode ocorrer apenas uma ou duas das três alterações estruturais descritas. 7. Lesão cerebral hipóxica (LCH). Ela se apresenta fundamentalmente sob três formas: (1) LCH nas zonas de transição de irrigação das grandes artérias cerebrais, principalmente entre os territórios de irrigação da artéria cerebral anterior e da artéria cerebral média; (2) LCH difusa do córtex de ambos os hemisférios cerebrais; (3) LCH nos territórios de irrigação das artérias cerebrais anterior e média. O mecanismo da LCH ainda não está devidamente elucidado, e são muitas as causas que podem determinar uma redução da oxigenação geral e conseqüente LCH. Na série de Graham, Adams e Doyle (1978), essa lesão ocorreu de forma significativamente mais comum nos pacientes que apresentavam um quadro clínico de hipoxemia ou hipotensão. Estas foram definidas como uma pressão sangüínea sistólica abaixo de 80 mmHg por, pelo menos, 15 minutos ou uma PaO2 de 50 mmHg em algum momento após o trauma. Entretanto, a evidência clínica de hipoxemia e hipotensão é sempre incompleta, porque é geralmente desconhecido o que ocorreu antes de o paciente chegar ao hospital. A LCH foi também mais comum nos encéfalos que apresentavam evidências patológicas de hipertensão intracraniana (86%). A alta incidência de LCH nas áreas corticais de transição arterial indica que a redução do FSC é também um fator importante. 8. Inchaço ou tumefação cerebral (IC). O IC congestivo (brain-swelling) é conseqüente ao aumento do volume sangüíneo dos vasos cerebrais, devido a uma paralisia vasomotora traumática. No paciente vítima de TCE, observam-se três tipos de IC: um adjacente a uma contusão, um difuso de um hemisfério cerebral e outro difuso de ambos os hemisférios cerebrais. O IC da substância branca adjacente a uma contusão é de ocorrência comum. A área de contusão é circundada por uma zona com alteração dos vasos e conseqüente aumento da permeabilidade capilar e perda da regulação arteriolar normal.

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O IC de um hemisfério é observado mais freqüentemente em associação com um HSD agudo homolateral; quando o hematoma é evacuado, ocorre uma expansão rápida do cérebro, com ocupação do espaço criado pela sua retirada. O IC de ambos os hemisférios ocorre principalmente em crianças e adolescentes. 9. TCE por agentes penetrantes. Resulta da penetração, no interior do crânio, de projéteis de arma de fogo, resíduos secundários à explosão e armas brancas, sendo muito mais importante a primeira, que é descrita a seguir. O TCE por projétil de arma de fogo difere dos já relatados por ser sempre um TCE chamado de aberto, com as complicações inerentes a este tipo de trauma, principalmente em relação às infecções pós-operatórias, fístulas etc. Difere também na fisiopatologia, pois, à medida que o projétil caminha no tecido cerebral, além de dilacerá-lo, dá origem a dois fenômenos físicos imediatos: o primeiro é a chamada cavitação temporária, que pode ter várias vezes o diâmetro do projétil, originando súbito aumento de pressão intracraniana; o outro fenômeno é o da pressão de impacto, que origina ondas de elevada energia com alta velocidade. Ao redor da cavidade final há um tecido contuso e lacerado que também dependerá do calibre, pela hiperdistensão do tecido vizinho. O quadro clínico é variável, sendo pior o caso do TCE por lesão transfixante. O diagnóstico pode ser feito por meio dos raios X simples de crânio, mas o diagnóstico definitivo é realizado pela TC. O tratamento é sempre cirúrgico, por ser um TCE aberto, com intervenção precoce, desbridamento da ferida, anti-sepsia rigorosa e plástica dural associada à antibioticoterapia. Prognóstico: a maioria dos pacientes falece antes de alcançar um centro neurocirúrgico. A mortalidade na fase aguda deve-se primordialmente à lesão encefálica grave. A transfixação do projétil piora o prognóstico, em virtude de fenômenos hidrodinâmicos sobre a parede ventricular, trauma cerebral etc. 10. Lesões a distância a. Compressão da veia cava superior. Ocorre nos casos de esmagamentos torácicos, onde há uma diminuição da drenagem venosa encefálica com aumento da pressão venosa intracraniana, causando hemorragias, edema por anoxia e dificuldade de reabsorção liquórica. b. Embolia gordurosa. É conseqüente à fratura de ossos longos. Uma teoria que poderia explicar este evento seria a da aspiração, através de vasos lesados, de gotículas de gordura da medula óssea e dos tecidos vizinhos. Segundo outra teoria, a físico-química, seria um distúrbio de emulsão da gordura do sangue, formando gotículas; isto ocorreria independentemente das fraturas.

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Uma vez na circulação, os êmbolos gordurosos podem levar à obstrução no fluxo sangüíneo pulmonar, causando uma hipertensão pulmonar seguida de hipoxia e hipotensão sistêmica. A embolia gordurosa ocorre poucas horas após o acidente ou a manipulação cirúrgica; entre 24 e 72 horas, há reação inflamatória, piorando o quadro. Após a decomposição do êmbolo gorduroso, surge inflamação nos capilares, com conseqüente congestão e hemorragia. O pulmão é o órgão mais atingido, seguido pelo cérebro. O quadro clínico é dado por alteração do estado de consciência, que pode chegar ao coma, e pela presença de petéquias na conjuntiva (20% dos casos). O tratamento consiste nos cuidados respiratórios (ventilação assistida por aparelhos ciclados a volume) e corticosteróides. IV. O Cuidado Imediato A. Emergência. Quando nos defrontamos com pacientes com TCE grave, estamos diante de uma das situações de maior emergência em medicina. As medidas iniciais de assistência a este tipo de paciente subvertem as normas estabelecidas na assistência médica convencional: a atuação da emergência precede qualquer tipo de procedimento propedêutico. A responsabilidade da equipe médica é imensa diante de uma vida gravemente ameaçada; aí não cabem vacilações, nem filigranas de raciocínio ou discussões sobre condutas. Os principais objetivos do tratamento são baseados no atendimento dos chamados fenômenos primário e secundário do trauma cerebral: (1) antecipar e prevenir lesões cerebrais adicionais resultantes de eventos anormais; (b) proporcionar ao paciente com TCE as melhores condições de meio interno, para assegurar a recuperação completa das células parcialmente lesadas. Devem-se então verificar e controlar aquelas situações que representam risco imediato de vida, resumidas em três condições: (1) obstáculo à ventilação e à expansibilidade pulmonar; (2) sangramento abundante (externo ou interno); (3) tamponamento cardíaco ou outras alterações hemodinâmicas graves. Os cuidados respiratórios e hemodinâmicos foram discutidos no Cap. 6, Tratamento Inicial do Politraumatizado. Deve ser lembrado que midríase e arreflexia não autorizam a suspensão das medidas de ressuscitamento e que o TCE nunca é causa de hipovolemia ou choque, devendo-se pensar sempre em hemorragia em outra área do organismo. Aí o TCE não exclui a importância do problema abdominal ou torácico; se há hipovolemia, deve-se corrigi-la para prevenir hipoxia, o que resultaria inexoravelmente em piora neurológica. Às vezes, uma toracotomia ou laparotomia é necessária. Nesses pacientes com distúrbios do estado de consciência, há dificuldade em se estabelecer um diagnóstico, porque eles não respondem bem à dor, diminuindo significativamente a taxa de positividade à palpação. B. Outros cuidados 1. Glicose hipertônica 40-80 ml, EV. 263

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2. Se, apesar da reposição volêmica, afastadas as causas respiratórias, persistir instabilidade hemodinâmica, devem ser lembradas as seguintes situações: sangramento continuado, tamponamento cardíaco, alterações metabólicas graves. 3. Colocação de sonda vesical de demora. 4. Colocação de sonda nasogástrica (para esvaziamento etc.). 5. Após o aparecimento de PA, pulso e fluxo urinário, se não melhorar o estado de consciência, deve-se pensar em lesão cerebral grave; nesse caso, a avaliação neurológica constante é imprescindível. C. Considerações gerais 1. A remoção do paciente, mesmo para a sala de raios X, de observação ou bloco cirúrgico, só pode ser feita após segurança absoluta de uma via aérea livre, evaziamento gástrico e estabilidade hemodinâmica, para que sejam evitadas conseqüências drásticas. 2. O uso de drogas se resume àquelas de emprego comum em caso de reanimação cardiorrespiratória e cerebral. 3. O tratamento de convulsões potenciais deve ser feito, inicialmente, por meio da injeção de difenil-hidantoína (Hidantal® 50 mg/ml 3 ml EV a cada 12 horas). Caso não cesse a crise, pode-se administrar a benzodiazepina (Diazepam® 10 mg EV) diluída, lentamente. Tem o inconveniente de interferir no estado de consciência, prejudicando a observação. 4. Quanto ao problema da agitação, há uma tendência de atribuí-la ao TCE, mas este por si só não leva à agitação. Se o paciente está inquieto, é prudente relacionar tal sinal à hipoxia de origem respiratória ou hipovolêmica, ou à dor por fraturas múltiplas, distensão vesical, ou à cefaléia por hematoma em evolução. Por isto, não se deve sedá-lo, e sim fazer o tratamento da dor usando-se analgésicos comuns, até que a tomografia computadorizada nos autorize uma sedação para não agravar a HIC, principalmente nos pacientes ventilados mecanicamente. 5. O transporte para outro hospital deve ser feito em ambulância apropriadamente equipada, dando ao médico que acompanha o paciente condições de prestar assistência adequada. 6. Com base no chamado politraumatizado em potencial, levando-se em consideração que Gurdjian encontrou um índice de mortalidade de 7% em pacientes lúcidos à admissão, que 29,1% dos pacientes com TCE apresentaram fraturas, e por motivos legais, o paciente deve ficar em observação hospitalar por um período variável de 6 a 24 horas, dependendo da normalidade do exame, da idade do paciente etc. Estando normais as radiografias de crânio, depois de decorrido o período de observação no hospital, o paciente pode ser encaminhado à sua residência, onde a observação deve continuar até que se completem mais 24 horas, e ser acordado de uma em uma hora; diante de qualquer anormalidade, o hospital deve ser imediatamente procurado. 264

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D. Procedimentos contra-indicados nesta etapa do TCE 1. Punção lombar. 2. Transporte sem condições respiratórias, hemodinâmicas, com sinais de hemorragias ou estômago cheio, mesmo para os raios X. 3. Hiperidratação e desidratação. 4. Uso de dilatadores pupilares. 5. Agasalhar excessivamente o paciente. 6. Administração de sedativos ou analgésicos potentes. 7. Manitol na suspeita de hematoma ou distúrbios hemodinâmicos. V. Diagnóstico A. Clínico. Cumpridas as medidas prioritárias contidas nos cuidados imediatos de emergência, o exame neurológico e os procedimentos especiais constituem a etapa seguinte. No paciente alerta, o exame neurológico em nada difere do convencional. O exame inicial de todo paciente com TCE grave deve satisfazer os seguintes objetivos: (1) identificar todas as lesões do couro cabeludo e do crânio; (2) localizar o número, o tamanho e a natureza dos traumatismos; (3) definir o mais rapidamente possível a presença de massa ocupando espaço que requer tratamento cirúrgico antes de uma herniação; e (4) determinar as funções intracranianas anormais, para guiar as operações apropriadas ou o tratamento conservador. A atenção é direcionada ao reconhecimento do dano intracraniano, se primário ou secundário ao efeito compressor de um coágulo, ou decorrente de alterações hemodinâmicas, respiratórias, hidroeletrolíticas etc. São importantes o tempo de reconhecimento e o tratamento adequado, sendo grande a responsabilidade do médico em fazer uma avaliação global em termos de anatomia patológica e fisiopatologia, para que os distúrbios neurológicos permanentes sejam reduzidos ao mínimo. A seguir, a sistematização do exame neurológico do paciente com distúrbios da consciência: 1. Postura. Ao primeiro contato, às vezes mesmo antes de chegar à sala de emergência, já se observa que a postura do paciente pode ser ativa ou passiva. 2. Estado mental 265

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a. Alerta. O paciente consciente tem conhecimento do que se passa com ele e no ambiente. Tal consciência é dada pela interação das estruturas do tronco encefálico, representadas pela substância reticular ativadora ascendente (SRAA) e pelas demais regiões do córtex cerebral. A parte cognitiva é representada pelo conteúdo de consciência; o sistema de despertar, pela SRAA. No conteúdo, estudam-se: orientação quanto a dados pessoais, temporais e espaciais, memórias recente e remota, atenção, estado psíquico (depressão, euforia, agitação, que pode ser um sinal de coma iminente), colaboração com o examinador, capacidade de julgamento, de cálculo, nonímia e comunicação (fala). No sistema de despertar, analisa-se o paciente a partir do momento em que começa a mostrar os primeiros sinais de alteração da vígilia. b. Sonolência ou letargia. O paciente ainda apresenta diálogo, apesar de curto, voltando à sonolência em seguida. Movimentação objetiva. c. Torpor. O paciente não consegue dialogar; alguma movimentação espontânea objetiva relacionada à defesa, às vezes com atitude de “deixe-me-em-paz” (Matzon). d. Coma. Não apresenta diálogo, nem há movimentação espontânea objetiva, apenas reação aos estímulos nociceptivos. Divide-se, quanto ao grau de profundidade, em: coma superficial — reage aos estímulos de média intensidade; coma médio — reage aos estímulos de grande intensidade; coma profundo — não reage aos estímulos dolorosos de grande intensidade; às vezes o paciente tem movimentos vestigiais, sem propósitos, porém os reflexos troncoencefálicos podem estar ativos; começam aí os distúrbios neurovegetativos. 3. Estados especiais a. Coma vigil. É o mutismo acinético (Cairns, 1941). O paciente parece acordado; não responde ao comando, nem aos estímulos dolorosos, apropriadamente. b. Locked-in sindrome (Plum e Posner). Resulta da interrupção das vias motoras na parte anterior da ponte. Neste estado de mutismo tetraplégico, o paciente consegue comunicar-se através de código, usando o piscar de olhos. Geralmente, há distúrbio respiratório devido a problema motor, ou hipoxia, levando à inconsciência. c. Torpor esquizofrênico catatônico d. Trauma raquimedular. Às vezes, o paciente tetraplégico por um TRM pode passar por coma profundo, devido à irresponsividade aos estímulos aplicados em regiões abaixo do nível do forame magno. e. Morte encefálica. É o estado em que se expressa uma completa falência de todas as funções do encéfalo, inclusive do tronco encefálico, num paciente portador de uma doença 266

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estrutural ou metabólica conhecida de caráter indubitavelmente irreversível; devem ser afastadas as possibilidades de intoxicação exógena recente, uso de depressores do SNC, bloqueio neuromuscular e hipotermia primária; este quadro clínico deve persistir de maneira invariável por mais de seis horas, e não se aplica a menores de 2 anos de idade. A importância deste diagnóstico está ligada à possibilidade de um planejamento nas medidas de suporte em UTI e inclusão num esquema de doação de órgãos, onde a morte mais uma vez se engrandece em socorrer a vida. 4. Sinais respiratórios a. Eupnéico. Este padrão não afasta a possibilidade de lesão neurológica. b. Periódica de Cheyne-Stokes. Movimentos respiratórios alternados com apnéia; os ciclos aumentam de amplitude até um máximo, e a partir daí decrescem até a apnéia. Ocorre nas disfunções hemisféricas e diencefálicas bilaterais, correspondendo ao início de herniação transtentorial ou lesão direta dos hemisférios. c. Hiperpnéia neurogênica central. Denota acometimento do terço inferior do mesencéfalo e da parte superior da ponte; pode ser provocada por hérnias transtentoriais ou por lesão direta do tronco encefálico. Apresenta freqüência elevada; pode estar associada à hipertonia, freqüentemente significando síndrome mesencefálica ou mesencéfalo-pontina (hiperpnéia, hipertonia, midríase bilateral, hipertermia, hipertensão arterial, taquicardia, sudorese). Tal síndrome deve ser combatida para não piorar a hipertensão intracraniana. Após afastar uma causa metabólica e/ou estrutural, administra-se clorpromazina (Amplictil® 5 mg/ml, 2-5 ml EV), até cessar a crise. Problemas metabólicos, como hipoglicemia, podem desencadear este quadro; deve-se administrar glicose ao paciente. A hiperpnéia central pode evoluir para apnéia sem significar piora central, e sim por ressecamento de orofaringe, exaustão etc. d. Respiração apnêustica. Acometimento dorsolateral do tegumento pontino. Aparece raramente no trauma; é mais freqüente na hipoglicemia e na anoxia. e. Respiração atáxica. Representa ruptura das inter-relações recíprocas das populações neuronais inspiratórias e expiratórias do bulbo. É um padrão completamente irregular e imprevisível de movimentos respiratórios. Pode ocorrer na compressão bulbar ou no estágio de deterioração cefalocaudal do TCE grave. f. Bradipnéia. Resulta de aumento rápido da pressão intracraniana, como na expansão de hematomas. g. Apnéia. Ocorre em grandes HIC, como hérnia transtentorial ou de amígdala cerebelar, ou pela exaustão. 5. Sinais oculares a. Reação pupilar. As fibras simpáticas com origem em regiões hipotalâmicas se dirigem para o centro ciliospinal da medula cervicotorácica, atravessando o tronco encefálico. Do 267

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centro ciliospinal, elas seguem o trajeto geral das fibras simpáticas cervicais. As fibras parassimpáticas originam-se, provavelmente, no hipotálamo, mas consegue-se traçá-las com precisão apenas a partir do núcleo de Edinger-Westphal, no mesencéfalo, de onde se projetam através do terceiro nervo para os gânglios ciliares. As alterações pupilares são de extrema importância na semiologia dos TCE. Elas contribuem para o diagnóstico diferencial entre os quadros metabólicos e os originados por lesões estruturais do sistema nervoso, pois as vias neurais de controle pupilar são altamente resistentes a alterações metabólicas. Devem ser pesquisados forma, reação à luz e reflexo ciliospinal, que é constituído pela dilatação causada pela estimulação álgica da face e do pescoço. Nas lesões hipotalâmicas ou na herniação central, aparece a síndrome de Horner central com miose ipsilateral, fotorreatividade, semiptose, anidrose; nas lesões mesencefálicas, ocorre midríase variável (hippus). Nas lesões mesencefálicas tegumentares ou nucleares, as pupilas são semifixas, não reagem à luz e são irregulares. Nas lesões envolvendo fibras do terceiro nervo, há completa paralisia ipsilateral da pupila e da motricidade extrínseca. A midríase unilateral é sinal importantíssimo de hérnia transtentorial do uncus, podendo preceder acometimento da consciência; ela sugere a existência de hematoma intracraniano, podendo aparecer na compressão temporal. Tem alto valor localizatório, chegando a 79% ipsilateralmente e 8% contralateralmente. Nas lesões pontinas, as pupilas são puntiformes, devido à interrupção nas vias simpáticas. b. Movimentos extra-oculares. No coma, os olhos permanecem fechados. A queda da pálpebra não pode ser simulada pela histeria. Ausência unilateral de piscamento sugere lesão do quinto ou sétimo nervo. Os desvios conjugados, estrabismos ou as paralisias podem ser conseqüentes à lesão hemisférica ou do tronco; sua diferenciação depende do exame da motricidade ocular, que, no paciente em coma, deve apoiar-se nas seguintes manobras: (1) Reflexo oculocefálico. A rotação súbita da cabeça determina, em caso de integridade do tronco, posição ocular contrária ao movimento (r.o.c. horizontal). Já o r.o.c. vertical é obtido pela flexão-extensão do pescoço. (2) Reflexo oculovestibular. A irrigação labiríntica com água gelada acarreta o movimento tônico em direção ao labirinto estimulado, quando há integridade do tronco (r.o.v. horizontal). Esta manobra no paciente consciente leva a nistagmo; na lesão do tronco, há paralisia desses movimentos nessas duas manobras. Para se obter o r.o.v. vertical, irrigamse os dois ouvidos ao mesmo tempo. 6. Sinais motores. Quando o paciente não apresenta movimentação espontânea, é preciso imprimir-lhe um estímulo nociceptivo e observar a resposta. Ao se fazer isto, duas situações podem ocorrer: o paciente reage ou não aos estímulos. Caso a reação seja positiva, têm-se duas condições: reage de maneira apropriada ou de maneira inapropriada. Reagindo apropriadamente, o paciente localiza os estímulos, tentando retirá-los, ou simplesmente afasta-se num movimento de retirada. Reagindo de forma inapropriada, o paciente pode apresentar reação em decorticação, onde há flexão dos membros superiores e extensão dos inferiores; ou reação em descerebração, com extensão dos quatro membros e pronação dos superiores. Tais reações podem ser uni ou bilaterais. A reação em decorticação significa coma no nível diencefálico, e na descerebração, no nível 268

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mesencefálico. Esta reação acompanha-se freqüentemente de paralisia do terceiro nervo, sinal de Babinski e dos outros sinais da síndrome mesencefálica. Quando o paciente não reage, pode ser por coma profundo, TRM alto, alterações psíquicas, ou síndrome do encarceramento. 7. Restante do exame neurológico a. Fundoscopia. b. Motricidade. Procuram-se dados relativos a tônus, trofismo, força muscular, reflexos tendíneos, movimentos anormais. c. Sensibilidade. Importante no paciente em coma, com risco de TRM. d. Cabeça, pescoço e coluna. Inspeção, palpação e ausculta da cabeça, palpação da coluna e dos vasos do pescoço. Pesquisa dos sinais meníngeos (rigidez de nuca, Lassègue, Brudzinski). 8. Escala de coma de Glasgow-Liège (EGL). A mais consistente característica do dano cerebral é a alteração da consciência. Em 1928, Symonds sugeriu que a duração da inconsciência seria proporcional ao dano cerebral durante o TCE, o que foi confirmado posteriormente. Repetidas medidas do estado de consciência formam a base da monitoração do paciente com TCE. Alterações no grau de distúrbio de consciência são o melhor indicador da função global do cérebro, seja na avaliação do tratamento, ou no desenvolvimento de uma complicação intracraniana. A monitoração contínua para este propósito depende largamente do pessoal de enfermagem e dos médicos, que se alternam freqüentemente em regime de plantões. Por isso, há necessidade de um sistema consistente, mesmo quando usado por diferentes observadores, podendo ficar registrado para estudo da evolução. Uma escala idealizada por Born e Hans, em 1982, em Liège, Bélgica, é abrangente, pois, além dos três parâmetros (abertura ocular, resposta verbal e resposta motora) da Escala de Coma de Glasgow (ECG), acrescenta-se um valor baseado no reflexo do tronco encefálico mais rostral encontrado no indivíduo. Assim estabelecida, a Escala de Coma de GlasgowLiège (EGL) é preferida para avaliação dos pacientes com distúrbios graves da consciência (Quadro 27-1), onde o nível pode ser quantificado de 3 a 20. O reflexo oculocardíaco, último a desaparecer antes de ocorrer a morte encefálica, é pesquisado aplicando-se uma pressão gradativa no globo ocular, havendo diminuição da freqüência cardíaca. B. Procedimentos especiais 1. Tomografia computadorizada do encéfalo (TC). No decurso da última década, a neurotraumatologia tomou um outro rumo a partir do advento da tomografia computadorizada; ela permite, juntamente com os outros meios de investigação — como o registro da PIC, a medida dos débitos sangüíneos cerebrais, os estudos dos potenciais 269

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evocados e das dosagens enzimáticas —, melhor aproximação da fisiopatologia e dos fatores de gravidade, representando uma verdadeira revolução em matéria de diagnóstico, acompanhamento e prognóstico do TCE. Atualmente, não é possível uma abordagem segura do paciente com TCE sem ter à disposição um tomógrafo computadorizado, que deve funcionar dia e noite. A TC permite avaliar as lesões traumáticas de maneira global, nas várias etapas do TCE: a. Na fase aguda. A TC pode mostrar anormalidades nas seguintes condições: inchaço cerebral difuso isolado (brain-swelling); lesões de cisalhamento da substância branca (lesão axonal difusa); lesões encefálicas lobares focais; hemorragia subaracnóidea; hematoma extra ou subdural; presença de ar intracraniano (pneumatocele); outras lesões da fossa posterior; ferimentos craniocerebrais por projéteis de arma de fogo; lesões ósseas da base. Os exames repetidos nesta fase poderão estudar o caráter evolutivo das lesões primárias e secundárias, onde a evolução da imagem pode preceder o agravamento clínico, principalmente nas situações em que a utilização de depressores do SNC impede uma observação correta. b. Na fase subaguda. Uma nova TC nesta fase pode evidenciar um hematoma subdural subagudo, outras coleções, ou uma hidrocefalia, e, quando repetida em coronal, assim que as condições permitirem, será a melhor incidência para um inventário completo de todo o andar anterior da base do crânio. c. Na fase crônica. A TC evidencia as seqüelas que persistirão, com base na intensidade das alterações atróficas nesta fase, estabelecendo assim um prognóstico mais acurado. 2. Raios X de crânio. Ainda é habitual sua utilização para avaliação de uma fratura, principalmente quando não é possível uma TC. 3. Arteriografia cerebral. Só se justifica na impossibilidade de se realizar uma TC, ou na suspeita de uma anormalidade vascular pós-traumática, como um aneurisma ou uma fístula arteriovenosa; mesmo assim, a técnica digitalizada é a preferida. 4. Monitoração da pressão intracraniana (PIC). Consiste na colocação de um cateter intraventricular, subaracnóide ou epidural, sendo valiosa no diagnóstico, no acompanhamento e no prognóstico da TCE. Os pacientes devem ser rotineiramente seguidos por TC periódicas. O problema de sua instituição está na exigência da colocação de um captor por um neurocirurgião num bloco cirúrgico, e qualquer defeito técnico prejudicará a sua confiabilidade. Além da possibilidade de infecção, a monitoração da PIC ainda sofre interferência de algumas condições, como lesão da dura-máter, agitação etc., exigindo freqüentes calibrações. Protocolo de indicações para PIC: (a) ECG menor ou igual a 8, independente do achado tomográfico; (b) pós-operatório de drenagem de contusões cerebrais, hematomas subdurais 270

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agudos, hemorragias intraparenquimatosas cerebrais; (c) pós-operatório de drenagem de hematoma extradural agudo, se nas primeiras 24 horas não for observada melhora neurológica do paciente; (d) ECG maior que 8 se: houver necessidade de anestesia para tratamento de outras lesões do paciente; trauma sistêmico grave; trauma torácico com necessidade de ventilação mecânica, principalmente em se tratando de ventilação mecânica não-convencional; instabilidade hemodinâmica, com PA sistólica menor do que 90 mmHg ou necessidade de droga vasoativa para manter PA. 5. Estudo dos potenciais evocados. É um método propedêutico valioso para o diagnóstico, a avaliação prognóstica e a monitoração da evolução de pacientes em diversos tipos de lesões traumáticas do sistema nervoso. 6. Dosagens bioquímicas. As taxas de determinadas substâncias que são liberadas no liquor após um dano cerebral traumático refletem a importância das lesões, tendo assim um valor prognóstico. A mais importante é a isoenzima BB creatinoquinase (CKBB), que é específica do tecido cerebral, podendo ser considerada como um marcador enzimático ideal. 7. Eletroencefalograma. Importante nas crises epilépticas, na observação durante certos tratamentos com barbitúricos, no seguimento de comas prolongados e no diagnóstico da morte encefálica. 8. Ressonância nuclear magnética (RNM). É o melhor exame para avaliação de acometimentos como embolia gordurosa, lesões infratentoriais, evolução de hematomas subdurais crônicos, osteomielites de crânio e das seqüelas; porém, na fase aguda, por problemas técnicos, tornou-se quase impraticável na atualidade. VI. Tratamento Clínico A. Generalidades. Após a abordagem inicial e afastada uma cirurgia de urgência, passa-se à observação contínua e ao tratamento clínico. Para isto, é necessária a internação numa Unidade de Tratamento Intensivo (UTI); nenhuma estrutura fora desta Unidade é capaz de assegurar uma sobrevida razoável desses pacientes. Isto é essencial, e só assim estaremos alcançando os princípios fundamentais da abordagem do paciente com TCE grave: proporcionar as melhores condições para assegurar a recuperação das células parcialmente lesadas (fenômenos primários) e prevenir as lesões adicionais resultantes de eventos anormais (fenômenos secundários). Cotidianamente, médicos são levados a assumir pacientes fora do “universo confortável” de um centro especializado; é preciso que eles decidam então, a partir unicamente de dados clínicos, se há necessidade do encaminhamento a um centro neurocirúrgico, lembrando as considerações quanto ao transporte medicalizado etc. nos cuidados imediatos referidos anteriormente. Aconselha-se ao médico, nesses casos, informar-se junto a um neurocirurgião de um Centro Regional quanto a medidas suplementares, utilizando-se do telefone.

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A transferência para uma UTI tem como objetivos a prevenção, o reconhecimento e o tratamento precoces das alterações clínicas e ainda a promoção das medidas de controle da PIC, melhorando o prognóstico. B. Cuidados médicos gerais 1. Observação neurológica contínua. Exame periódico do paciente, preenchimento da escala de coma (ECG ou EGL) e descrição das alterações. 2. Cuidados respiratórios. Promovem-se aí as melhores condições para uma respiração adequada, estudando-se as possíveis causas dos distúrbios representados pela hipoxia, devido a problemas centrais, aspiração, pneumonia, pneumo ou hemotórax, embolia pulmonar etc. As medidas vão desde a posição da cabeça (alguns autores advogam a posição horizontal, pelo risco de a elevação da cabeça diminuir a Pressão de Perfusão Cerebral [PPC]), vasodilatação e, conseqüentemente, uma onda de HIC, à colocação de uma cânula orofaríngea e instalação de um cateter com oxigênio e, às vezes, instituição de respiração artificial e hiperventilação, além de uso de anticoagulantes etc. A aspiração de secreções deve ser feita com cuidado, devido ao risco de HIC. Neste caso, a fisioterapia respiratória é imprescindível. 3. Função cardiovascular. Tratar toda alteração que possa repercurtir na hemodinâmica, contribuindo para uma PPC inadequada. A hipotensão arterial, por exemplo, produziria hiperemia cerebral com edema vasogênico, enquanto uma hipotensão provocaria vasodilatação cerebral e ondas de HIC. Medidas preventivas de tromboembolismo devem ser tomadas desde o primeiro dia, através de mobilização, fisioterapia e enfaixamento dos membros inferiores, chegando ao uso de anticoagulantes em alguns casos. 4. Equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-básico (EHAB). Tanto os processos fisiopatológicos como as medidas terapêuticas podem levar a distúrbios do EHAB; logo, o seu controle rigoroso é fundamental. Devem-se fazer regularmente o estudo dos gases arteriais e o ionograma, uma vez ao dia. Os distúrbios de osmolaridade podem provocar piora no quadro, às vezes simulando um hematoma. Em adultos, mantém-se uma hidratação de 30 ml/kg/dia, acrescentando-se as perdas através da solução fisiológica de 3:1, e solução glicosada isotônica. Acrescentar, após o terceiro dia, K+. A hiposmolaridade (Na+ ou secreção inapropriada do hormônio antidiurético) é relativamente comum no TCE. O diagnóstico é feito pelo aumento do Na+ urinário acima de 25 mEq/l/24 h. O tratamento consiste em restrição hídrica e administração de NaCl hipertônico. A hiperosmolaridade (Na+ elevado no plasma) ocorre se há restrição de água ou diabetes insípido ou melito associado. O tratamento consiste na reposição hídrica de hora em hora, e Pitressin, uma ampola IM, quando o volume urinário ultrapassar 200 ml/h, ou o Tanato de 272

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Pitressin, nos casos crônicos, de 3/3 dias, ou a associação de clorpropamida em doses pequenas e/ou diuréticos tiazídicos (efeito paradoxal), ou a desmopressina (dDAVP). 5. Considerações hematológicas. Anemia ou coagulopatia é freqüente no paciente com TCE grave, além de hemorragias em outro local do organismo. Estas alterações devem ser tratadas prontamente, para que seja evitado o agravamento da situação. 6. Complicações gastrointestinais. Sabe-se que, devido às repostas neuroendócrinas causadas pelo trauma, o paciente pode apresentar um estado catabólico, resultando em rápida depleção metabólica de seus estoques de energia na forma de glicogênio e lipídios, catabolizando mais de 2-3 g de proteínas por dia, daí uma hiperglicemia. Além disto, outras complicações, como febre, infecção, postura anormal, agitação e crises convulsivas, exacerbam estas alterações; isto, associado à imobilização que leva à proteólise muscular, causará uma desnutrição no paciente. Outro problema seria a possibilidade de hemorragia digestiva (úlcera de estresse), que às vezes tem um diagnóstico difícil e está relacionada com a gravidade do TCE, sendo encontrada principalmente naqueles com posturas anormais; a sua patogênese é associada a lesões diencefálicas ou do tronco encefálico, causando estimulação vagal. Um suporte nutricional adequado e precoce pode evitar tais complicações. Estudos nesse sentido demonstram que a alimentação precoce e balanceada é uma arma para evitar e resolver esses problemas, beneficiando os resultados dos pacientes, sem afetar os níveis de PIC. No segundo ou terceiro dia, deve-se reiniciar a alimentação. A mais simples, prática e barata é a enteral, mas, se o paciente apresenta um obstáculo ao trato gastrointestinal, há indicação para a alimentação parenteral, até que as condições permitam o início da enteral. Cuidados têm de ser observados para que seja evitada uma hiperglicemia. No caso de profilaxia de hemorragia digestiva, além de alimentação precoce, inicia-se cimetidina 300 mg a cada 8 horas EV. Outro cuidado diz respeito ao funcionamento intestinal, sendo às vezes necessário o uso de laxantes e/ou lavagem intestinal. 7. Epilepsia. A difenil-hidantoína é a droga de escolha, por não interferir no estado de consciência. Devem-se manter 100 mg a cada oito horas pela SNG, e, se a epilepsia persistir, devem-se utilizar outras drogas: diazepam, no status epilepticus, até cessar a crise, e fenobarbital, no tratamento e na prevenção de novas crises. A convulsão é principalmente comum nas primeiras horas que sucedem o TCE e deve ser tratada rigorosamente, para que seja evitada piora da HIC. A profilaxia só deve ser efetuada em casos de alto risco, como exteriorização de massa encefálica e esmagamento. (Ver Cap. 59, Crise Convulsiva.) 8. Infecção. Pacientes com TCE grave apresentam muitos aspectos relativos à resposta póstraumática à fase aguda, representados por uma síntese aumentada de proteína C reativa e diminuída de albumina, leucocitose, febre, balanço negativo de nitrogênio e níveis minerais 273

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alterados (Cu, Fe, Zn), e isto constitui mais um fator de risco, principalmente quando se lhe acrescenta uma infecção em qualquer outro local. O TCE proporciona possibilidades de infecção, tanto no SNC como em qualquer outro local do organismo. No SNC, quando há penetração de microrganismos por uma lesão de continuidade meníngea, como no trauma de base, principalmente anterior, ou por projéteis de arma de fogo, ou ainda por outras fraturas compostas, não há motivo para antibioticoterapia profilática, exceto em situações muito especiais. Embora o uso de antibióticos seja guiado pelas culturas, sabe-se que, nas fraturas de base anterior, em 72% dos casos a infecção é causada por pneumococos, sensíveis à associação de penicilina cristalina (2 milhões de unidades/2 h) + oxacilina (12-16 g/dia); na infecção por estafilococos ou gram-negativos, comuns nas feridas de couro cabeludo infectadas, a utilização de oxacilina (12-16 g/dia) + cefotaxima (12 g/dia) é o esquema preferido. Já nos abscessos cerebrais, geralmente devidos a Staphylococcus aureus ou gram-negativos aeróbios ou anaeróbios, a associação de penicilina cristalina (300.000 U/kg/dia) ao cloranfenicol (100 mg/kg/dia) constitui o esquema de primeira linha; outros autores sugerem o metronidazol (7,5 mg/kg a cada 8 h) associado à cefotaxima (12 g/dia) e penicilina cristalina (2 milhões de unidades/2 h). Um acompanhamento pela TC dará a idéia da evolução do quadro, havendo, em alguns casos, indicação cirúrgica para a retirada do pus. Os antibióticos devem ser mantidos até duas semanas após a resolução tomográfica. Infecções em outro local do organismo (pneumonia, infecção urinária etc.) devem ser tratadas de maneira bastante eficaz, para que sejam evitadas complicações adicionais. 9. Pele, músculos e estruturas osteoarticulares. Devem-se proteger essas estruturas a partir da mudança sistemática de decúbito e pela fisioterapia, que veio modificar significativamente o prognóstico do TCE grave. C. Medidas de controle da PIC 1. Generalidades. A HIC é comum no TCE grave, e as medidas de controle da PIC são essencialmente clínicas. Na PIC com valores entre 20 e 40 mmHg, embora ela já seja associada a um pobre prognóstico, pelo comprometimento da microcirculação, um tratamento precoce e agressivo pode impedir um descontrole maior. Por não se saber qual seria o limite de um nível seguro, qualquer aumento da PIC deve ser controlado. Embora discutível, a sua monitoração auxilia a observação do paciente, conduzindo o tratamento e predizendo o prognóstico. Acima de 50 mmHg praticamente não há perfusão cerebral. 2. Abordagem da HIC a. Medidas iniciais. Elas começam na observância dos cuidados médicos gerais. Quando, mesmo assim, persistem sinais de HIC, medidas agressivas tornam-se necessárias.

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b. Hiperventilação (HV). A HV forma a base do tratamento da HIC, reduzindo a PIC rápida e significativamente pela vasoconstrição cerebral, reduzindo o volume sangüíneo cerebral e levando, assim, a uma diminuição da PIC. A PaCO2 é usualmente reduzida a 25-30 mmHg, devendo uma redução maior ser evitada, por induzir vasoconstrição suficiente para causar isquemia cerebral. O fato de as anormalidades respiratórias serem habituais no TCE grave e a hipoxia e a hipercapnia serem altamente lesivas ao encéfalo não faz questionar nem mesmo submeterse à discussão a necessidade de se aplicar uma ventilação sempre que as determinações tenham demonstrado a presença de anormalidades resistentes a outras medidas. Desta maneira, é melhor intubar e ventilar todos os pacientes inconscientes, em vez de esperar pelo desenvolvimento das anormalidades enquanto se aguarda a constatação da necessidade de instituição de uma HV. Estudos têm confirmado os resultados negativos do uso profilático da HV aleatória; só uma HV cuidadosamente balanceada pode ser um instrumento de poder no tratamento da HIC. Antes de ser indicada uma HV, deve-se estar consciente dos limites das anormalidades que possam ser tolerados sem a necessidade de recorrer-se à ventilação controlada. As vantagens de uma HV estão no controle e na limpeza mais segura das vias aéreas, na facilidade da regulação da concentração de O2, no alívio do esforço respiratório, na redução da atividade motora anormal e no risco de convulsão por estar o paciente sedado, corrigindo-se e impedindo-se a hipoxia e a hipercapnia, melhorando a distribuição do FSC e corrigindo-se a acidose cerebral e do LCR, diminuindo assim a HIC. Antes de ser aplicado o sistema de HV, é preciso conhecer as suas desvantagens. Ele interfere com a avaliação do paciente; as falhas técnicas no controle de HV são freqüentes, havendo o risco de isquemia, devido à vasoconstrição maior e ao possível aumento dos níveis de lactato, com aumento das anormalidades; esgotando o surfactante tensioativo pulmonar, ele favorece o colapso alveolar, causando atelectasias, diminuindo a complacência pulmonar; aumenta o espaço morto respiratório, além das complicações relacionadas à intubação/traqueostomia e ao grande risco de infecção pulmonar, contribuindo negativamente para o prognóstico; os cuidados de assepsia devem ser comparáveis àqueles instituídos aos pacientes imunodeprimidos. A HV apresenta ainda efeitos adversos sobre a função cardiovascular, diminuindo o volume-minuto cardíaco. Antes de ser iniciada uma HV, é preciso saber se o paciente se encontra em uma ou mais das seguintes condições: (a) alta de PaCO2 durante respiração espontânea mesmo com vias aéreas livres; (b) baixa de O2 arterial; (c) lesões associadas que impedem a respiração adequada sem possibilidade de exaustão; (d) inchaço cerebral (brain-swelling). c. Drenagem de LCR. Quando a HIC não responde à HV e se tem em mãos uma ventriculostomia, pode-se fazê-la drenando uma certa quantidade de liquor; o problema torna-se difícil na ausência de ventriculostomia, pela dificuldade técnica da punção ventricular em paciente com HIC, e uma drenagem excessiva deve ser evitada, para impedir colabamento ventricular.

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d. Manitol. Tem a função de estabelecer um gradiente osmótico entre o plasma e o encéfalo, retirando água intersticial para a circulação através de uma barreira hematoencefálica (BHE) intacta. Alguns estudos indicam que ele pode influenciar a PIC, aumentando transitoriamente o fluxo sangüíneo cerebral (FSC), expandindo o volume plasmático e reduzindo a viscosidade do sangue; desta maneira, induz a vasoconstrição, reduzindo o volume sangüíneo intracraniano. A resposta ao manitol é rápida (30-60 min), e o efeito dura no máximo seis horas, o que, de certa forma, é um inconveniente, pois, dissipando-se o gradiente osmótico, há aumento da osmolaridade intracelular, e o cérebro se adapta à hiperosmolaridade plasmática, sendo que, para se conseguir uma diminuição da PIC, quantidades cada vez maiores de manitol são requeridas para aumentar a osmolaridade plasmática, o que pode acarretar graves efeitos secundários (grande acidose sistêmica e insuficiência renal). A osmolaridade deve ser bem acompanhada (310 a 320 moles/l). Os efeitos do manitol dependem da presença de uma BHE intacta, e a água eliminada pode proceder principalmente das partes relativamente normais do encéfalo, o qual faz com que o manitol extravasado na área edematosa só possa aumentar o edema. Pelo exposto, o uso contínuo de doses repetidas de manitol não tem muita utilidade. No entanto, uma ou duas injeções (bolo) podem ser úteis, especialmente com o objetivo de se ganhar tempo para a investigação e para o tratamento definitivo (p. ex., evacuação de um hematoma), ou para minimizar os riscos de uma HIC durante procedimentos como intubação. A dosagem mais aceita é a de 1,0 g/kg, em questão de 10-15 min. Deve-se vigiar a osmolaridade sérica para evitar níveis superiores a 320 moles/l. Durante a utilização de manitol, deve ser feito rigoroso controle do EHAB. e. Barbitúrico. Esta é uma opção terapêutica que pode ser usada em um pequeno grupo selecionado de pacientes com inchaço cerebral pós-traumático e vasoplegia imediata, com HIC refratária a todas e quaisquer outras medidas usuais, inclusive HV e manitol. Parece ser útil a redução da HIC no dano cerebral anóxico, ao atuar sobre o tônus vasomotor cerebral, levando a uma vasoconstrição com estabilização da PPC, redução do metabolismo neuronal e proteção à microcirculação, ao reduzir a peroxidação de ácidos graxos livres. A monitoração deve ser a mais completa possível, devido aos grandes riscos de instabilidade, principalmente hemodinâmica, pela hipotensão arterial que o coma barbitúrico pode causar; a TC periódica é imprescindível. A dosagem de Tiopental sódico é de 5 a 10 mg/kg como dose inicial em 30 min, e depois 1 mg/kg/hora. O paciente em coma barbitúrico está predisposto a todos os riscos da HV. f. Outros agentes. Outras drogas podem ser usadas na intenção de diminuir a PIC, como a furosemida, que tem o efeito de potencializar a ação do manitol, e o propofol que, na dose de 3 mg/kg/h, leva a uma sedação satisfatória sem prejuízo importante da PPC e que tem como vantagem a possibilidade de o exame neurológico ser obtido 14 minutos após suspensão da perfusão.

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VII. Tratamento Cirúrgico A. Fratura do crânio e TCE por agentes penetrantes. Discutidos anteriormente (ver III.B.2 e III.B.9). B. Hematoma intracraniano e explosão lobar. A craniectomia ou craniotomia estaria indicada para o HED, enquanto a craniotomia está indicada para a explosão lobar e o HSD, com exceção do HSD crônico, onde a trepanação seria o melhor método; detalhes quanto a preparo, técnica e pós-operatório fogem ao objetivo deste capítulo. A indicação cirúrgica depende do volume e da localização da lesão; ela será tanto mais precisa e imediata quanto maior e mais próxima a lesão estiver da região temporal. Aqueles pacientes que não preenchem os critérios de indicação operatória devem ser admitidos num protocolo para observação acurada da evolução clínica (EGL, PIC) e imagenológica (TC), enquanto o tratamento clínico é instituído; diante de qualquer piora, nova discussão deve ser feita para reenquadramento da conduta. Num paciente portador de massa ocupando espaço intracraniano com indicação de cirurgia, a intervenção é imperativa antes que essa massa cause um dano encefálico secundário irreversível, devido a uma herniação tentorial; para indicação precisa, utiliza-se:

1. Informação clínica a. Piora progressiva do estado de consciência. b. Deterioração cefalocaudal através de sinais neurológicos focais. c. Aumento da PIC. 2. Informação radiológica (TC) a. Massa extra ou intraparenquimatosa com desvio importante (+ de 4 mm), mesmo sem evidência de coágulo. b. Massa extra ou intraparenquimatosa bilateral, levando a uma diminuição do tamanho dos ventrículos. VIII. Complicações e Seqüelas. As complicações do TCE são ligadas às seguintes situações: A. Complicações referentes ao traumatismo de base de crânio 1. Infecciosas: meningites, abscessos cerebrais. 2. Síndrome de HIC causada pela pneumatocele. 277

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3. Fístula carotidocavernosa: comunicação entre a carótida e o seio cavernoso, devido à fratura do esfenóide; determina exoftalmo pulsátil, congestão ocular, paralisias de III, IV e VI nervos cranianos, frêmito e sopro periorbitário. Pode levar à amaurose, em virtude da estase papilar prolongada (atrofia óptica), e úlcera de córnea. O tratamento é cirúrgico. 4. Lesões oftalmológicas, ORL e endócrinas. B. Hidrocéfalo pós-traumático 1. Hidrocéfalo agudo obstrutivo associado ao trauma pode resultar de desvios cerebrais que causam obstruções do aqueduto cerebral (de Sylvius) e das cisternas subaracnóides ou de uma massa na fossa posterior que obstrui o quarto ventrículo. Hemorragia subaracnóidea ou intraventricular pode causar um bloqueio agudo do fluxo do líquido cefalorraquidiano. Nesta circunstância, pode haver necessidade de uma derivação ventriculoperitoneal (DVP), ou drenagem ventricular externa (DVE). 2. Hidrocéfalo comunicante é mais comum e se manifesta no final do primeiro mês, secundariamente à atrofia cerebral (hidrocéfalo ex-vácuo). Aí não há indicação de DVP. C. Síndrome pós-traumática. Rica em sintomatologia, consiste principalmente em problemas relacionados com o estado psíquico; tal sintomatologia melhora com o uso de ansiolíticos, antidepressivos e psicoterapia. Apenas 18 meses após o trauma poderemos saber se o problema é definitivo ou não. A maioria melhora antes deste prazo. D. Seqüelas. Resultam de lesões dos nervos cranianos por fratura de base, ou do próprio encéfalo: anosmia, paralisia facial, estrabismos, amaurose, labirintopatia, lesões do trigêmeo, hemiparesias, tetraplegias espásticas, afasias, déficits psicológicos, distúrbios comportamentais. IX. Prognóstico. Este é um tema muito importante, tanto para guiar o tratamento como para dar sustentação às palavras de esperança ou resignação à família do paciente. O prognóstico do paciente com TCE tem melhorado muito na última década, e isto é atribuído ao conhecimento mais aprofundado da fisiopatologia e da anatomia patológica. O advento da TC, a concepção da importância do tratamento desses pacientes numa UTI e a utilização da fisioterapia (geral e respiratória) vieram de fato revolucionar a neurotraumatologia. Outros fatores que contribuíram para a melhor apreciação do prognóstico, e para com isto orientar um tratamento mais adequado, foram a medida contínua da PIC, o estudo dos potenciais evocados, as medidas do FSC e as dosagens enzimáticas.

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Tudo isto veio proporcionar uma observação e um tratamento mais adaptados das anormalidades, prevenindo ou limitando a extensão das lesões secundárias. A idade é o fator prognóstico independente que mais afeta os resultados. De fato, as estatísticas mostram que a idade de 9-21 anos ocupa a faixa etária de melhor prognóstico, enquanto o TCE no idoso é um evento bastante sombrio. O exame neurológico à admissão vem em seguida na predição do futuro. Sabe-se que, quanto mais elevado é o índice na ECG (ou na Escala de Coma de Glasgow-Liège), melhor é o resultado. A partir daí, a evolução do paciente nos dá a confiança de um prognóstico mais acurado, pois as primeiras fases da situação são dinâmicas; aparecem novos fatores de hora em hora, ou a cada dia que passa. Referências 1. Andrews BT et al. The effect of intracerebral hematoma location on the risk of brainsistem compression and on clinical outcome. J Neurosurg 1988; 69: 518-22. 2. Cooper PR. Head Injury. 3 ed., Baltimore: Willian & Willkins Company, 1993. 3. Eisenberg HM et al. High-dose barbiturate control of elevated intracranial pressure in patients with severe head injury. J Neurosurg 1988; 69: 15-23. 4. Franco MM. Contribuition a l’Étude des Traumatismes de l’Étage Anterieur de la Base du Crâne — A Propos de 112 Cas: Memoire nº 12, Université Louis Pasteur-Faculté de Medicine de Strasbourg I — France (apresentado para obtenção do título de Assistant Étranger em Neurocirurgia em Strasbourg, França, 1987, e de Mestre em Medicina pela UFMG, 1991). 5. Gusmão SNS. Estudo anatomopatológico do encéfalo de 120 vítimas de acidentes de trânsito, com enfoque na lesão axonal difusa. (Tese-Doutorado — Escola Paulista de Medicina). São Paulo, 1993. 6. Mangez JF et al. Sédation par propofol à débit constant chez le traumatisé crânien. Rèsultats préliminaires. Ann Fr Anesth Réanim 1987; 6(4): 336-7. 7. Meixensberger J et al. CBF dynamics during hyperventilation therapy for intracranial hypertension. In: Bock WJ et al. Advances in Neurosurgery. vol. 19, Springer-Verlag, 1990: 240-4. 8. Picazo AR et al. Tratamiento con tiopental en dosis bajas y oxigenacion precoz en los traumatismos craneoencefalicos graves. Rev Cubana Cir 1987; 26(1): 39-45. 9. Smith HP et al. Comparison of mannitol regimens in patients with severe head injury undergoing intracranial monitoring. J Neurosurg 1986; 65: 820-4. 279

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10. Stávale, MA. Bases da Terapia Intensiva Neurológica. São Paulo: Livraria Santos Editora, 1996. 11. Youmans JR. Neurological Surgery. vol.3, cap.66-77, 4 ed., W.B. Saunders Co., 1996. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 28 - Traumatismo Cranioencefálico na Criança Sebastião N. S. Gusmão Márcio Melo Franco Denise Marques de Assis I. Introdução. O estudo do traumatismo cranioencefálico (TCE) na criança apresenta a mesma importância já referida em relação ao adulto, salientando-se a grande incidência do TCE leve, devido às freqüentes quedas de pequena altura a que as crianças estão sujeitas. O TCE em crianças, especialmente nos lactentes, apresenta características diferentes das observadas no adulto. Estas diferenças são devidas à maior flexibilidade do crânio das crianças, pela fusão incompleta dos ossos, às diferentes reações do encéfalo ao traumatismo e, especialmente, à maior plasticidade do sistema nervoso da criança, que permite maior recuperação da função cerebral em relação ao adulto. Descrevem-se a seguir as lesões mais freqüentes, partindo-se da superfície para a profundidade, procurando apenas salientar as particularidades observadas nesses pacientes. II. Lesões do Couro Cabeludo A. Contusão. É freqüente nas crianças, devido ao TCE leve. Como no adulto, o tratamento é sintomático. B. Laceração. É também bastante freqüente e apresenta como maiores complicações a hemorragia e a infecção. O tratamento consiste na limpeza cuidadosa e sutura da ferida, após retirada de corpos estranhos e desbridamentos dos tecidos contundidos. C. Avulsão do couro cabeludo. É tratada com o emprego de retalhos da vizinhança, quando se trata de avulsão parcial, e com enxertos de pele na avulsão total do couro cabeludo (escalpo). D. Hematoma subgaleal. Ocorre devido ao sangramento do tecido aureolar frouxo que existe entre a gálea (tendão plano entre os dois corpos do músculo occipitofrontal) e o pericrânio (periósteo dos ossos do crânio), por onde passam as veias emissárias e as pequenas artérias que penetram no crânio. É um sangramento que não respeita suturas, o que o difere do cefaloematoma propriamente dito. E. Cefaloematoma subperiostal. Trata-se de uma coleção sangüínea entre o periósteo e a calota craniana, geralmente associada a uma fratura. O cefaloematoma do lactente pode simular, à palpação, um afundamento ósseo, devido ao fato de ser a área depressível em relação à maior resistência nas bordas do hematoma. É comum sua calcificação. O tratamento do cefaloematoma é conservador, e, uma vez presente, devem ser realizadas radiografias para o diagnóstico de fratura e afundamento ósseo. Dependendo do grau de deformidade, o tratamento pode ser cirúrgico.

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III. Lesões Ósseas A. Fratura linear. A fratura linear da convexidade está geralmente associada ao cefaloematoma e, nos lactentes, tem a tendência de atravessar um dos ossos da calota, indo de uma sutura à outra. Nas crianças, são comuns as disjunções traumáticas das suturas e a separação progressiva das bordas da fratura, que pode estar na origem dos cistos leptomeníngeos (fraturas diastáticas). A maioria das fraturas lineares da criança não é acompanhada por lesão do encéfalo, sendo necessária apenas observação clínica, principalmente quando a fratura cruza o trajeto da artéria meníngea média ou dos seios durais, em virtude da possibilidade do desenvolvimento de hematoma extradural. O diagnóstico clínico é bem característico: o hematoma sobre a fratura é muito doloroso — sinal patognomônico —, pois o periósteo é muito inervado e sua distensão provoca dor. B. Afundamento. Define-se como afundamento a fratura cujas bordas estejam em desnível de, pelo menos, a espessura da tábua óssea. Geralmente ele não está associado a graves lesões cerebrais, porque a própria fratura absorve a energia do trauma. O diagnóstico é feito a partir de raios X simples e palpação do crânio. Complementa-se a extensão do afundamento pela tomografia computadorizada cerebral. O afundamento “em bola de pingue-pongue” ocorre em crianças com menos de 2 anos, sendo devido a traumatismo craniano no lactente, ou à compressão da cabeça fetal contra o promontório do sacro materno, ou pelo fórceps. Grande parte dos autores indica o tratamento cirúrgico, que consiste em incisão próxima ao limite da lesão, trepanação e levantamento ósseo com um descolador da dura-máter, até que seja desfeito o desnível. Hoje, a tendência é ser mais conservador. Tais fraturas têm resolução espontânea em cerca de três meses. A posteriori, a correção cirúrgica passa a ser estética, pois este tipo de afundamento não se acompanha de lesão cerebral. IV. Lesões Meníngeas A. Fístula liquórica. É ocasionada por fraturas frontobasais (fístula nasal) e do osso temporal (otoliquorréia), acompanhadas por lesões da dura-máter e aracnóide. O quadro clínico é dominado pela perda liquórica (rinoliquorréia ou otoliquorréia) e cefaléia por hipotensão intracraniana. O tratamento pode ser: (a) clínico: repouso em posição semi-sentada, antibioticoterapia profilática (questionada por alguns autores) e punções lombares diárias; derivação lombar externa por 48 horas; ou (b) cirúrgico: abordagem direta através de craniotomia bifrontal.

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B. Cisto leptomeníngeo. Consiste em uma coleção líquida entre a pia-máter e a aracnóide, sendo uma complicação das fraturas diastáticas (fraturas que aumentam). Ocorre nas crianças com menos de 6 anos. Os fatores fundamentais desta entidade são a fratura com lesão da dura-máter e a conseqüente formação de um cisto de aracnóide, para onde é drenado o líquido cefalorraquidiano. Ao exame físico, observa-se tumoração cística sob o couro cabeludo. O diagnóstico é feito por radiografia simples e tomografia computadorizada. O tratamento é cirúrgico: consiste na abertura do cisto e na correção das falhas dural e óssea. V. Lesões Intracranianas A. Contusão cerebral. É a entidade anatomopatológica mais freqüente entre as decorrentes do TCE, incluindo-se sob este título a concussão cerebral, a contusão cerebral propriamente dita e a laceração cerebral. A concussão cerebral é caracterizada por distúrbio temporário da função cerebral, de instalação súbita, ocorrendo após o traumatismo craniano, não havendo lesão estrutural do sistema nervoso. Esta é a entidade mais freqüentemente observada na criança, a qual normalmente denominamos TCE leve. Ela pode estar associada a uma lesão do couro cabeludo (contusão, laceração e cefaloematoma) e à fratura linear. A presença de vômitos é particularmente freqüente nas crianças, observada mesmo nos traumatismos mínimos. Estes não apresentam gravidade e geralmente estão associados a trauma labiríntico. Essas crianças devem ser observadas. Como não é prático nem possível internar todas as crianças com TCE leve, deve-se realizar observação domiciliar, desde que não existam sinais que indiquem potencial para agravamento. Explicam-se aos familiares as possíveis complicações e solicita-se que a criança seja despertada a períodos regulares, a cada três horas, nas primeiras 24 horas após o traumatismo. A contusão cerebral propriamente dita é definida como um distúrbio da função cerebral associado à alteração estrutural do tecido encefálico. Quando ocorre a perda de continuidade do tecido cerebral, a lesão é classificada como laceração cerebral, que pode ser considerada como uma contusão cerebral em grau máximo. Estas duas entidades anatomopatológicas estão, geralmente, associadas ao que classificamos como TCE grave e que requer cuidados semelhantes aos tomados com os adultos. Os pacientes portadores destas duas entidades são submetidos à radiografia de crânio e à tomografia cerebral computadorizada. B. Hematoma extradural. É mais raro do que no adulto, pela maior elasticidade dos vasos na criança e ausência do sulco ósseo, que aloja a artéria meníngea média, tornando-a, portanto, menos suscetível a lesões. Assim, o hematoma extradural na criança é geralmente

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ocasionado por sangramento venoso. Por este motivo, e também pelo fato de a dura-máter estar aderida à calota, o quadro clínico pode ser mais crônico do que o observado no adulto. O diagnóstico e o tratamento seguem as mesmas normas aplicadas no adulto. C. Hematoma da fossa posterior. É raro nos TCE em geral, mas a maior parte dos hematomas da fossa posterior foi observada em crianças. São, em geral, extra e subdural. O diagnóstico é obtido a partir da tomografia computadorizada. O tratamento cirúrgico consiste em craniectomia occipital; quando há hidrocefalia aguda associada, instala-se uma derivação ventricular externa. D. Hematoma subdural agudo. É raro na criança, acompanhando geralmente as grandes contusões cerebrais. O tratamento, como no adulto, consiste em ampla craniotomia descompressiva. E. Coleção subdural do lactente. Trata-se de coleção líquida pericerebral que, segundo o aspecto do líquido, os autores chamam de hematoma (líquido sanguinolento), ou higroma (líquido xantocrômico), ou hidroma (líquido claro, semelhante ao liquor). A tendência atual, em vista da moderna concepção fisiopatológica, é de se englobarem todas as entidades com o nome genérico de coleção subdural do lactente, pois as três denominações anteriores representavam, apenas, o aspecto evolutivo de um mesmo processo. Embora esta patologia seja conhecida há bastante tempo — a primeira descrição foi feita por Thomas Willis, em 1668 —, só recentemente ocorreu significativo avanço para a compreensão de sua fisiopatologia. O novo enfoque fisiopatológico alterou significativamente a conduta terapêutica. As teorias clássicas (teoria osmótica, teoria das hemorragias repetidas e teoria vascular), que se propunham a explicar o mecanismo de formação e manutenção das coleções subdurais do lactente, foram abandonadas. Admite-se atualmente que a coleção subdural, em virtude de ruptura de uma veia ponte, acompanhe-se freqüentemente de perfuração aracnóidea e alterações da dinâmica do LCR. Estas alterações levariam ao desenvolvimento de uma hidrocefalia, sendo que o LCR insuficientemente reabsorvido passa para o espaço subdural. A importância das perturbações dinâmicas da circulação do LCR foi evidenciada durante as derivações externas das coleções subdurais, que mostraram que as características do líquido drenado se aproximam progressivamente daquelas do LCR. Segundo Aicardi, as coleções subdurais do lactente apresentam, no estágio inicial, as características do soro, mas a partir do décimo dia, ou um pouco mais tarde, elas se aproximam das características do LCR. As constatações eletroforéticas sugerem que as alterações dinâmicas do LCR intervêm na persistência da coleção subdural, e um fato adicional a esta hipótese é a presença freqüente de uma dilatação ventricular evidenciada pela tomografia computadorizada. Assim, a coleção é mantida pela passagem de liquor para o espaço subdural, através das perfurações na aracnóide.

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O quadro clínico compreende vômitos, anorexia, macrocefalia, tensão da fontanela e hipotonia. Não sendo tratada precocemente, a coleção subdural do lactente pode ocasionar o surgimento de crises convulsivas. O diagnóstico é realizado por meio da tomografia computadorizada. Tendo em vista a moderna concepção fisiopatológica, o objetivo do tratamento é drenar a coleção subdural de forma progressiva e prolongada, devido à cronicidade e à tendência de ela se reformar. Assim, o tratamento tradicional, por meio de punções subdurais repetidas, drenagem através de trepanação e craniotomia com ressecção das membranas, foi progressivamente abandonado e, atualmente, a drenagem interna através da derivação subduroperitoneal tornou-se o método terapêutico de escolha. A tomografia computadorizada vem demonstrando a eficácia desta técnica terapêutica a partir de exames de controle que evidenciaram progressiva redução da coleção subdural. F. Lesão Axonal Difusa (LAD). Esta importante entidade clínica é cada vez mais diagnosticada, graças à facilidade de se realizar uma tomografia computadorizada cerebral nos serviços de pronto-socorro. Trata-se de uma lesão cerebral proveniente do mecanismo de aceleração-desaceleração, tão comum nos acidentes automobilísticos. Por definição: perda da consciência imediata ao trauma, seguida de coma por não menos de seis horas e recuperação variável após. Pode ser graduada em: (a) LAD leve — coma de 6 a 24 horas; (b) LAD moderada — coma traumático com mais de 24 horas, sem sinais de disfunção do tronco cerebral; (c) LAD grave — coma com mais de 24 horas, mas com sinais de comprometimento de tronco cerebral. O diagnóstico é baseado na clínica, e a tomografia computadorizada de crânio é fundamental para a sua confirmação, onde encontramos: pequenos pontos hemorrágicos no corpo caloso, no pedúnculo cerebelar superior, gânglios da base ou região periventricular e ausência de massas intracranianas traumáticas. G. Brain Swelling (BS). Trata-se de um fenômeno que pode acompanhar qualquer trauma craniano. Swelling não é sinônimo de edema cerebral: o primeiro se caracteriza pelo aumento de sangue intravascular, ou seja, “hiperemia”; o segundo, pelo aumento de água extravascular no cérebro. Brain swelling é provocado por uma reação vascular induzida pelo trauma, levando a uma vasodilatação dos vasos cerebrais e conseqüente aumento do volume sangüíneo cerebral. Se esta reação persiste, pode levar a um edema cerebral verdadeiro. O BS pode ser agudo ou tardio, focal ou generalizado. Quando em associação com um hematoma subdural agudo, costuma ser hemisférico, e o BS passa a ser mais grave do que o próprio hematoma. O diagnóstico à tomografia cerebral se caracteriza pela ausência de sulcos cerebrais, espaços subaracnóideos e de ventrículos cerebrais. 285

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H. Abuso infantil. Aqui está um assunto difícil de ser exposto em estatísticas, pois, na maioria das vezes, passa despercebido pelos serviços de urgência ou é encoberta pelos familiares a situação real da lesão da criança. Estima-se que cerca de 10% das lesões em crianças abaixo de 5 anos de idade sejam de etiologia não-acidental. A maioria das crianças agredidas com trauma craniano admitidas em hospitais tem menos de 1 ano de idade. Chama-se a isto Shaken Baby Syndrome. As lesões são causadas por mecanismo de aceleração-desaceleração, quando a criança é literalmente “sacudida”. Então, devido ao precário desenvolvimento da musculatura cervical, que não consegue sustentar a cabeça, a criança fica vulnerável a este mecanismo acima descrito. Os sinais encontrados são: hemorragias retinianas e hematoma subdural. A suspeita diagnóstica deve ocorrer principalmente em casos de traumas “banais” com fratura de crânio em crianças de baixa idade. I. Traumas penetrantes do crânio. A violência nas grandes cidades é cada vez mais freqüente. Conseqüentemente, vemos crianças também agredidas pelo meio. Traumas cranianos por projéteis de arma de fogo, agressões por arma branca ou outros instrumentos contundentes e lesões decorrentes de acidentes automobilísticos já não são mais exclusividade dos adultos. O tratamento de tais injúrias vai depender de cada caso. Referências 1. Aicardi J, Gouttieres F. Les épanchement sous-durax du Nourrison. Arch Française Pediatre 1971; 28: 232-47. 2. Almeida GM, Barros NG. Fraturas cranianas em crianças com diástase progressiva das bordas ósseas e herniação de conteúdo intracraniano. Arq Neuropsiquiat (S. Paulo) 1965; 23: 180-6. 3. Gusmão SNS. Étude experimentale sssde l’hidrodinamique des valves e son aplication clinique. Thése Méd Strasbourg, 1979. 4. Houdart R. Traumatismos Crâniens. Paris: J.B. Bailliére et Fils, 1962. 5. Matge G. Contribuition à l’étude des épanchements sousduraux du Nourrisson. These Méd. Strasbourg, 1978. 6. Rambaud P, Joannard A, Borge M et al. Collections sous-durales du Morrison. Considerations étiologigues, diagnostiques thérapeutiques, évolutives, a propos de 60 observations. Pédiatrie 1972: 27-127.

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7. Stroobandt D, Evrard P, Laterre C. Pathogénie des épanchements sousduraux persistants du morrison. Neurochirurgie 1978; 24: 47-57. 8. Cooper PR. Head Injury. ed. Williams & Wilkins, 1987. 9. Raimondi AJ, Choux M, Di Rocco C. Head Injuries in the Newborn and Infant. ed. Springer Verlag, 1986. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 29 - Traumatismos Raquimedulares Odilon Braz Cardoso I. Introdução. Os traumatismos raquimedulares (TRM) consistem em lesões causadas por golpes sobre a coluna vertebral com acometimento da medula espinhal e/ou de seus envoltórios. As causas mais comuns são os acidentes de trânsito (cerca de 50%), seguindo-se as quedas de alturas, os mergulhos em local raso e projéteis de arma de fogo. Os TRM estão entre as causas mais comuns de morte e seqüelas sérias após traumatismo, sendo às vezes agravados por não terem sido reconhecidos ou por conduta inadequada. Os pacientes com paraplegia ou tetraplegia já instalada geralmente têm resultado precário, sendo importantes as medidas preventivas, que devem ser iniciadas com o transporte do paciente do local do acidente para o hospital. O paciente politraumatizado, ou aquele no qual se suspeite de TRM, deve ser transportado em decúbito dorsal retilíneo ou com pequena extensão da coluna. Para isto, sempre que possível, ele deve ser carregado sobre uma tábua ou maca rígida, por várias pessoas, uma ou duas para cada um destes segmentos: membros inferiores, quadril, tórax com membros superiores e cabeça com pescoço, na maior imobilidade possível. Os que sustentam os membros inferiores e a cabeça devem exercer alguma tração, como se estivessem “esticando” o paciente. Os movimentos de flexão são os mais perigosos, devendo ser evitados (Figs. 29-1 e 29-2). As lesões mais comuns são as da coluna cervical, seguindo-se as da coluna lombar, devido à grande mobilidade destas regiões. As lesões da coluna torácica requerem força muito intensa, devido à rigidez das estruturas ósseas deste segmento, e geralmente levam à paralisia completa abaixo do nível da lesão. Nelas, as lesões ósseas são muitas vezes múltiplas e associadas a fraturas de costelas. O grande avanço surgido no tratamento deveu-se ao desenvolvimento de técnicas de tração e fixação cirúrgicas, materiais para sustentação e coletes para imobilização temporária, impedindo a progressão da lesão neural e permitindo a mobilização de um paciente cuja coluna tornou-se instável (deslizamento na articulação) pelo trauma. II. Fisiopatologia. As lesões surgem quando a força que as produz ultrapassa a amplitude máxima de movimento de cada segmento da coluna vertebral, levando a danos ligamentares e/ou ósseos, cuja combinação determina o resultado da lesão. Os mecanismos são os de flexão, extensão, compressão e rotação, que se correlacionam com as estruturas anatômicas e com os vários níveis da coluna vertebral e da medula espinhal. Aproximadamente 80% dos traumas da coluna cervical resultam da colisão do corpo em movimento contra um objeto estacionário, com conseqüentes hiperflexão e hiperextensão da coluna. O traumatismo direto sobre o vértice do crânio pode exercer pressão sobre as massas laterais do atlas, sendo considerado o deslocamento lateral das massas laterais de 288

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mais de 7 mm indicativo de ruptura do ligamento transverso, com conseqüente instabilidade da articulação neste nível. As lesões ao nível da junção atlantoaxial geralmente não causam déficit neurológico, devido à grande largura do canal espinhal neste local, ao contrário do que ocorre no nível torácico, onde a medula ocupa quase todo o canal. Na fratura C2-C3 (“fratura do enforcado”), um distanciamento superior a 3,5 mm entre os lados póstero-inferior da vértebra superior e póstero-superior da vértebra inferior indica ruptura ligamentar. De C3 a T1, o deslocamento de duas vértebras adjacentes acima de 3,5 mm ou uma angulação maior do que 11º indica ruptura ligamentar significativa. Este ângulo é estabelecido estendendo-se as linhas horizontais das superfícies inferiores de quatro corpos vertebrais, com os dois envolvidos no meio. No nível da L2 termina a medula espinhal, com as raízes nervosas lombares e sacrais, que são as referências anatômicas nos traumatismos neste nível. As fraturas sacrais são geralmente estáveis com fixação externa (gesso). Não existe relação direta entre o déficit neurológico e a lesão histopatológica da medula espinhal traumatizada. Às vezes, em pacientes com lesão clínica completa, notam-se sinais incompletos de contusão e hemorragia parenquimatosas, e ocorrem casos de pacientes com síndrome clínica incompleta da porção anterior da medula, revelando medula espinhal microscopicamente normal, o que sugere um mecanismo isquêmico. As arteríolas que irrigam as colunas anteriores da medula (trato corticoespinhal) são terminais. III. Diagnóstico. Todos os pacientes politraumatizados devem ser examinados quanto às movimentações dos membros superiores e inferiores. Caso haja fratura em algum destes, ou outro impedimento, pede-se ao paciente para movimentar apenas os dedos das mãos e dos pés, testando-se também os reflexos tendinosos e cutâneos. Suspeitando-se de algum déficit, esta região deve ser testada quanto à sensibilidade, sendo estimulada com uma agulha, e o mesmo é feito com uma região em nível superior, considerada normal, para comparação. Testam-se também as regiões genital e perianal, cuja preservação (preservação sacral) indica lesão medular incompleta. Os cordões posteriores serão avaliados pelo exame da propriocepção, movimentando-se os dedos do paciente para cima e para baixo, sem que ele veja, perguntando-lhe a direção tomada. A compressão do trato espinotalâmico lateral, acima da região lombar, freqüentemente leva à diminuição da dor e da temperatura nos segmentos sacral e lombar antes do torácico, devido à distribuição das fibras neste trato, e assim pode levar a erro no diagnóstico do nível de acometimento. Examinam-se o abdômen e a pelve, considerando que uma injúria abdominal pode levar o paciente a evitar usar membros inferiores, simulando uma paresia ou paralisia. Examinam-se também os pulsos arteriais periféricos, já que a obstrução de uma artéria pode reduzir, ou praticamente abolir, a movimentação de um membro. 289

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Deve-se colher uma história cronológica do déficit (imediato, progressivo ou tardio). A instalação imediata sugere contusão; as outras, compressão. Deve-se anotar o nível da lesão com a maior precisão possível, para indicar o segmento a ser submetido a exame complementar, e para observação da evolução clínica. A redução do nível de acometimento sensitivo indica melhora correspondente. O nível da fúrcula esternal corresponde às raízes de C4, o dos mamilos, a T4, o umbigo, a T10, e as regiões genital e perianal, às raízes sacras. Para detalhes da inervação, recorre-se aos livros sobre exame neurológico. A dor nas regiões cervical, torácica ou lombar pode ser a única manifestação de lesão importante da coluna vertebral. Nos pacientes cujo trauma não parece justificar o grau do déficit neurológico encontrado, lembrar a possibilidade de doença prévia não reconhecida, associada (mieloma múltiplo, linfoma, tuberculose ou metástase vertebral, hipoplasia do processo odontóide, espondilose, malformação da junção craniocervical etc.). Nos casos de hemissecção medular lateral (síndrome de Brown-Sequard), verificam-se paresia dos membros do lado da lesão (trato corticoespinhal cruzou-se na decussação das pirâmides) e diminuição ou abolição das sensibilidades térmica e dolorosa do lado oposto (cruzam-se na medula, próximo a cada nível). Este quadro é mais comum em lesões penetrantes (projéteis ou faca). IV. Radiologia. Realizam-se radiografias em AP e lateral do segmento suspeito, acrescentando-se a incidência transoral no caso da coluna cervical, para visualização do processo odontóide. Se a lesão não for bem-visualizada, recorre-se ao recurso da tomografia axial computadorizada (TC) ou à ressonância nuclear magnética (RM), para esclarecimento da existência, extensão ou sugestão quanto à natureza da lesão. Quando há lesão da coluna lombar ou torácica, freqüentemente torna-se desnivelado o processo espinhoso correspondente, que pode, assim, ser visto e palpado. Todos os politraumatizados em coma, nos quais não é possível verificar se há ou não déficit neurológico, especialmente motor, devem ter sua coluna cervical radiografada, pelo menos em lateral. A existência ou não de instabilidade (luxação com a movimentação) é verificada pelo estudo dinâmico, que consiste em radiografias laterais com flexão e extensão cuidadosas da coluna. Instabilidade indica lesão de ligamentos e/ou facetas articulares, que são os elementos responsáveis pela estabilidade da coluna vertebral. A TC é indicada especialmente para lesões envolvendo os elementos posteriores: fraturas dos pedículos, lâminas e processos articulares, freqüentemente não visualizados nos exames de rotina, principalmente na região cervical. As fraturas do processo odontóide têm margem irregular, diferenciando-se da ausência congênita de sua fusão, porque nesta as margens são lisas. A compressão da medula pelo processo odontóide fraturado pode ocorrer na posição de flexão e desaparecer na extensão. Portanto, antes do estudo dinâmico, é preciso obter dados da incidência transoral, para excluir tal possibilidade. Para visualização da porção inferior da coluna cervical, a radiografia deve ser feita com um auxiliar puxando os membros superiores em direção aos pés. 290

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Em pacientes musculosos ou obesos, emprega-se a “posição do nadador”, estendendo-se um dos membros superiores abduzido a 180º, elevando-o acima da cabeça, colocando-se o filme deste lado. Dirige-se em seguida o foco perpendicular à porção inferior da coluna cervical do outro lado, puxando-se o membro deste lado para baixo. Às vezes, é necessária a TC ou a RM para visualizar o início da coluna torácica. A TC e a RM podem revelar fragmentos de disco e de cartilagem dentro do canal espinhal, hematoma ou fragmentos ósseos, também visualizados pelo emprego de contraste radiológico intratecal, mielotomografia, injetando-se 10 ml de Iopamirom® 200 mg três horas antes do exame (especialmente indicado nos déficits parciais ou progressivos). As radiografias devem ser iniciadas pela incidência lateral, com o paciente imobilizado, principalmente quanto à coluna. As incidências oblíquas direita e esquerda são importantes nos casos de lesões radiculares, para visualizar os forames de conjugação, as facetas articulares e os pedículos vertebrais. A ampola do aparelho deve ser inclinada, e não o paciente. A presença de síndrome anterior da medula é indicação para TC ou RM (déficit motor com preservação do tato e da propriocepção, que vão pelos cordões posteriores), bem como os TRM com recuperação lenta ou pequena após uma ou duas semanas, principalmente nas lesões dorsolombares. A mielografia pode ser satisfatória para detectar engastamento no forame intervertebral, avaliando a presença e a extensão da compressão radicular. A presença de sangue no liquor torna este procedimento de risco, podendo causar aracnoidite, que é um processo inflamatório reacional, geralmente irreversível, com manifestações equivalentes a uma compressão ou secção da medula. A hérnia de disco pode ocorrer com ou sem fratura. Usam-se 20 ml de IopamironØ 300 mg. Uma piora espontânea do paciente nas primeiras horas ou dias pode ser devida à progressão do edema. A ruptura dos ligamentos posteriores é evidenciada nas radiografias na posição lateral pelo alargamento do espaço entre os processos espinhosos, bem como pela fratura ou pelo deslocamento da vértebra, ou de suas partes. Isto às vezes só é evidenciado quando é aplicada uma tração longitudinal sobre a coluna, tornando a radiografia nesta condição necessária para o diagnóstico seguro do estado do ligamento posterior. Quando a lesão da coluna cervical inclui o deslocamento bilateral ou a subluxação entre os processos articulares, a fratura do corpo vertebral usualmente causa ruptura dos ligamentos posteriores e pode preservar o ligamento longitudinal anterior. V. Tratamento. Inicialmente, deve-se verificar o posicionamento do paciente, como já descrito, e, se necessário, podem-se usar sacos de areia dos lados da cabeça, para imobilizá-la, ou colar

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cervical de Miami J ou Philadelphia, concomitantemente à verificação do estado geral e das demais lesões existentes (arterial, venosa, traquéia, esôfago, faringe etc.). Havendo déficit, inicia-se uso de Solumedrol®, se possível dentro das primeiras oito horas do trauma. Dose de ataque = 30 mg/kg, EV, e manutenção 5,4 mg/kg de 1/1 hora nas próximas 48 horas. Simultaneamente, administra-se uma ampola de cimetidina (Tagamet®), diluída em 20 ml de água destilada, EV, de 8/8 horas. A eficácia clínica desta medida é difícil de ser verificada. Havendo luxação ou instabilidade da coluna cervical, instala-se tração transesquelética biparietal com aparelho de Gardner sob anestesia local (Fig. 29-1). Inicia-se a tração com 10% do peso corporal do paciente, aumentando-se até um máximo de 20%. Diariamente são feitas radiografias na posição lateral, para verificação da evolução do alinhamento da coluna, aumentando-se gradativamente o peso da tração, conforme se fizer necessário. O sentido da cordinha da tração, que sustenta o peso, será dirigido anterior ou posteriormente, conforme a luxação seja posterior ou anterior, tendo por base fixa a porção caudal da coluna. Podem-se usar 5 mg de Diazepam®, VO, de 8/8 horas, como miorrelaxante. Após as cirurgias de fusão da coluna cervical, a tração parietal pode ser mantida com 2 kg por mais uma semana, até a instalação da Halo-Colete de couro de carneiro, que é mantida por três meses (Fig. 29-2). Os pacientes tetraplégicos comumente não toleram o colete Halo-Colete, devido a problemas respiratórios, de hipotensão e necrose de pele anestesiada. Nestes casos, deve-se usar o colar cervical, que é muito inferior quanto à estabilidade que imprime. A cirurgia de descompressão da medula edemaciada, na fase aguda, resulta em herniação desta através da incisão da dura-máter, com aumento do dano, e por isto não é indicada. Nos casos de lesão direta sobre o arco dorsal, com fragmentos ósseos ou discais comprimindo a medula, estes devem ser retirados na admissão do paciente, até 24 horas após o trauma. Quando ocorrer fratura-luxação com lesão medular completa, a cirurgia de fixação será realizada após cerca de quatro semanas, para estabilização do estado geral. Quando a lesão medular cervical for parcial, com ruptura dos ligamentos posteriores e evidência de compressão anterior, após a tração esquelética o paciente deverá ser submetido à artrodese por via posterior, e em seguida à descompressão por via anterior, ou apenas à descompressão via anterior, com artrodese e fixação com placa e parafusos. Havendo preservação dos ligamentos posteriores, fazem-se apenas a descompressão e a artrodese por via anterior. No deslocamento unilateral da faceta articular cervical, geralmente há compressão da raiz no forame intervertebral correspondente. É difícil a redução por tração, sendo requerida foraminotomia seguida de artrodese por via posterior. O deslocamento de facetas articulares, sem lesão óssea significativa, indica rompimento de ligamentos, e é mais bem estabilizado com artrodese por via posterior, após ter sido reduzido pela tração parietal. Atualmente, tem-se preferido apenas imobilização pelo Halo-Colete por três meses. Se a 292

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tração não reduzir o deslocamento em duas semanas, procede-se então à redução aberta, cirúrgica, seguida de artrodese via posterior. Durante o ato cirúrgico, deve-se fazer radiografia para confirmar o nível vertebral, pois o processo espinhoso de C7 pode ser confundido com o de T1, e freqüentemente o processo espinhoso de C3 está completamente sob o de C2. Nos casos de contusão com síndrome central da medula (diminuição maior de força nos membros superiores do que nos membros inferiores) ou fratura do processo laminar ou do espinhoso, sem luxação ou instabilidade, indica-se apenas o uso de colar cervical, durante dois meses. A fratura do arco de C1 (Jefferson) é tratada após alinhamento, com instalação de Halo-Colete por 12 semanas. Até a colocação do halo o paciente será mantido em tração com Gardner ou com a própria coroa do halo, com peso não superior a 2 kg. A fratura do corpo do áxis é tratada da mesma maneira. As fraturas de C2-C3 (“fratura do enforcado”), com fratura bilateral dos pedículos de C2 e subluxação anterior de C2 sobre C3, são tratadas como a anterior, sendo desnecessário e perigoso aumentar a tração para desfazer a luxação, devido à grande largura do canal espinhal e à proximidade do bulbo, neste nível. A luxação C1-C2 sem fratura (lesão do ligamento cruzado) e as fraturas da base do processo odontóide são submetidas à tração parietal por, no mínimo, uma semana, seguida de cirurgia: amarilho entre as lâminas C1-C2 com fios de aço e artrodese interlaminar C1-C2 com fragmentos de osso ilíaco. O fio de aço se parte, após seis meses, aproximadamente, e as pontes ósseas é que promovem a soldadura definitiva da articulação (artrodese). Atualmente, tem-se indicado apenas Halo-Colete, após tração não superior a 2 kg de peso. As fraturas do processo odontóide descobertas tardiamente, com compressão medular, serão submetidas à remoção deste e à do arco da primeira vértebra cervical, por via transoral e, após duas semanas, ou imediatamente, à fusão via posterior da primeira e segunda vértebras cervicais. Nas fraturas da ponta do odontóide, indica-se o colar cervical, e nas de seu corpo, Halo-Colete. Nestas, se o paciente tiver mais de 60 anos, fusão C1-C2 seguida da fixação pelo halo; mas tem sido usado apenas o halo. Nas fraturas cervicais baixas, C3 a T1, sem lesão ou com pequeno dano medular, a cirurgia deverá ser feita o mais brevemente possível, tão logo se obtenha o alinhamento da coluna através da tração, ou, quando esta tentativa falha, nas luxações com imbricação das facetas, redução cirúrgica via posterior com artrodese. Na subluxação sem evidência de fratura após tração e redução, será instalado o Halo-Colete. Nas luxações de C3 a T1, tem-se usado Halo-Colete por três meses, inclusive reposicionando-o até mais duas ou três vezes, se reluxar, e apenas após falharem estas tentativas, fazer fusão cirúrgica via posterior. Quando surge cifose, retira-se o Halo e faz-se artrodese via posterior. As fraturas cominutivas do corpo vertebral maiores do que 50% são indicação para ressecção deste por via anterior e encaixe de um retalho cortical da fíbula ou crista ilíaca, estendendo-se de um nível vertebral acima a um nível vertebral abaixo do corpo vertebral esmagado. Quando um ou mais corpos vertebrais são removidos, o defeito resultante deverá ser preenchido com retalho ósseo ou um suporte de metilmetacrilato. A fíbula é o melhor doador, de fácil acesso e de dimensões ideais. Nas fraturas do corpo menores do que 30%, sem luxação, faz-se a prova funcional em flexão, e, estando estável, coloca-se o colar cervical. Aquelas maiores do que 30% ou com instabilidade à prova funcional serão 293

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submetidas à artrodese anterior com fixação através de placa e parafusos nos corpos vertebrais acima e abaixo da lesão, ou artrodese via posterior. Se houver evidência de compressão da medula por esquírula óssea ou disco herniado, procede-se à discectomia e/ou corpectomia anterior com artrodese pela técnica de Smith Robinson. As artrodeses são feitas por via posterior, quando há rompimento do complexo ligamentar posterior, e por via anterior intercorpo vertebral, quando há preservação desses ligamentos. A fratura torácica por compressão-flexão da porção anterior do corpo vertebral é tratada com órtese (gesso) em hiperextensão por quatro semanas. A fratura das porções anterior e posterior do corpo vertebral leva à compressão medular e é instável, necessitando de descompressão por via anterior e fusão por via posterior. As fraturas com deslocamento lateral são instáveis e submetidas à redução cruenta com estabilização por técnicas de fixação interna, artrodese por via posterior (instrumentação de Harrington Luque). Na subluxação com deslocamento anterior do corpo vertebral, devem ser consideradas a redução cirúrgica e a fixação interna. As descompressões por lesões torácicas ou lombares do corpo vertebral devem ser feitas por via anterior, exceto quando apenas um nível for acometido, quando a descompressão poderá ser possível por costotransversectomia, sendo esta via de acesso muito limitada à porção anterior do corpo vertebral, e sua vantagem é não trazer instabilidade, o que ocorre com a laminectomia. T1 e T2 são abordados por via supraclavicular, e T3 e T4, por via póstero-lateral (costotransversectomia). As fraturas toracolombares envolvendo menos de 50% da porção anterógrada do corpo vertebral são estáveis, exigindo apenas repouso no leito por quatro semanas. Quando acometem também a porção posterior do corpo vertebral, são potencialmente instáveis, necessitando de imobilização em hiperextensão, e, se lesam o arco posterior, são muito instáveis, necessitando de fusão e fixação via posterior. Se a TC mostrar fragmentos no canal espinhal, a descompressão deverá ser precoce, pois, se tardia, o osso estará sólido e esclerótico. A fratura lombar por flexão-distração (ou “do cinto de segurança”) resulta da expansão dos elementos posteriores (processos espinhosos, lâminas, pedículos e porção posterior do corpo vertebral) e é tratada por imobilização em extensão por quatro semanas, mas, se houver maior rompimento de ligamentos (visto maior distanciamento nos raios X em flexão e extensão em lateral), deverá ser feita a fusão posterior com instrumentação. Pacientes com fraturas lateral ou póstero-lateral, com corpo vertebral praticamente preservado, e com fragmentos no canal espinhal, são candidatos à descompressão póstero-lateral, com limitada laminotomia e excisão do pedículo, podendo ser feita uni ou bilateralmente, e, se houver instabilidade, fusão e instrumentação via posterior. A laminectomia é de uso mais restrito, por aumentar a instabilidade da coluna. Está indicada nos casos de hematoma epidural (raríssimo) e para corpo estranho no canal espinhal ou lesão penetrante, se a lesão for incompleta e estiver progredindo a despeito de redução e estabilização, e apenas se estas lesões forem intramedulares ou posteriores. VI. Cuidados.

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Os pacientes tetra ou paraplégicos agudos devem manter sonda vesical de demora fechada, abrindo-a de 4/4 horas por 15 minutos para treinamento do automatismo vesical, trocando-a semanalmente. Não parecem ser auxiliares as medidas de lavagem vesical com solução anti-séptica ou soro fisiológico, que podem inclusive levar à contaminação da bexiga urinária. A paralisia é inicialmente flácida, e posteriormente irá tornando-se espástica, com tendências às posturas fixas em flexão. A atividade reflexa começa a desenvolver-se após um mês, e, a partir daí, tenta-se o esvaziamento da bexiga com manobra de Credê (massagem, compressão suprapúbica). O risco de infecção será diminuído com a acidificação da urina, com uso de 1 g de vitamina C, VO, de 12/12 horas, desde o início. As infecções devem ser tratadas logo que percebidas, com os antibióticos apropriados, conforme a clínica, a urocultura e o antibiograma. O manuseio da sonda deve ser delicado, para evitar lesão da uretra, pois, com as alterações tróficas da região paralítica, a cicatrização fica prejudicada, e as fístulas são de difícil fechamento, para o que será necessário cistostomia temporária. A bexiga infectada, muito flácida (lesão da cauda eqüina) ou muito espástica não desenvolverá o esvaziamento automático. O sistema de drenagem deverá ser sempre estéril. Não se pode lavar e reutilizar a sonda simplesmente. Devem-se proteger (acolchoar) as proeminências ósseas (tornozelos, joelhos, sacro, cristas ilíacas e cotovelos). O paciente deve ser mudado de decúbito, mesmo sob tração, de 2/2 horas. Os lençóis de algodão e claros devem ser mantidos secos e bem estendidos, para não lesarem a pele. O colchão d’água deve ser usado apenas nos casos de escaras já instaladas e de má evolução, já que leva, às vezes, à formação delas, devido à imobilidade à qual os pacientes são submetidos. O paciente deve ser lavado e bem-secado, diariamente, podendose usar talco. Áreas de avermelhamento e de perda de epiderme são protegidas, sendo cobertas com tintura de Benjoim ou similar. Os membros inferiores devem ficar estendidos e, quando em decúbito lateral, com o de baixo fletido e com um travesseiro entre os joelhos. Não deixar plástico em contato direto com a pele. Os pés deverão ser fixados em ângulo reto, para evitar a retração do tendão-de-Aquiles. Pode-se evitar o peso das roupas de cama sobre o paciente, com o uso de arcos. Se houver sudorese excessiva, administra-se 0,5 mg de atropina (Sulfato de Atropina®, tomar o líquido da ampola, VO) ou 15 mg de propantelina (Pro-Banthine®), à noite. A dieta deve ser rica em fibras vegetais, com uma colher de sopa de farelo de trigo (Fibrapur®, sabor neutro, apenas, pois os demais se tornam enjoativos) após o almoço e o jantar, e de 2-4 litros de líquido por dia. Pode ser necessário suplemento vitamínico ou protéico. A quantidade de leite não deve ser muita, devido ao aumento do risco de cálculo urinário. A perda de albumina poderá ser importante quando surgem escaras de decúbito. Quando a perda protéica ou o emagrecimento forem acentuados, pode ser benéfico o uso de anabolisantes. Os pacientes tetraplégicos devem ficar em jejum nos primeiro cinco dias (íleo paralítico temporário). Após cinco dias de constipação intestinal, receita-se um comprimido de Dulcolax® de 12/12 horas e, após 10 dias, lavagem intestinal com 5001.000 ml de solução glicerinada a 12%, morna. Em caso de estase gástrica, instala-se sonda nasogástrica, que é deixada aberta, reiniciando-se a seguir a dieta, progressivamente. Se persistir a estase, aplicar uma ampola de metoclopramida (PlasilØ), IM ou EV, de 8/8 horas. 295

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Freqüentemente, usa-se a retirada regular manual das fezes, com o uso de luvas de borracha. Em caso de dispnéia, eleva-se a cabeceira do paciente. Vaporização por 20 minutos de 3/3 horas, seguida de tapotagem e aspiração de secreções, se necessário. Deve-se evitar a traqueostomia. VII. Prognóstico. Os pacientes cujo déficit neurológico não apresentou melhora alguma (p. ex., abaixamento do nível de acometimento sensitivo) após as primeiras 24 horas não se recuperaram, segundo várias séries publicadas. Apesar disso, é boa norma aguardar cinco semanas nos casos de tetraplégicos e três semanas, nos de paraplégicos. As lesões da cauda eqüina são mais passíveis de recuperação e, quando não divididas, são capazes de regeneração. VIII. Complicações. As mais comuns devem-se às infecções urinárias, pneumonias e às escaras de decúbito. As úlceras já instaladas devem ter o tecido necrótico removido, ser limpas com água e Soapex® ou sabonete comum e depois revestidas com açúcar cristal e pomada de PVPI (Povidine manipulado) ou Iruxol® tópico por alguns dias, trocando-se diariamente o curativo. Só colar esparadrapo a uma certa distância da pele danificada. Eventualmente, pode ser necessário retalho cutâneo. A fisioterapia deve ser iniciada logo após a estabilização do quadro geral do paciente, mesmo no leito, bem como os cuidados de posicionamento, visando à prevenção de retrações tendíneas com fixação das articulações em posições viciosas. As fístulas liquóricas que não estão regredindo devem ser tratadas cirurgicamente. A falha no diagnóstico de uma instabilidade leva à lesão precoce ou tardia, já que os ligamentos rompidos geralmente não se reconstituem. Alguns casos devem ter acompanhamento após o traumatismo, para se diagnosticar uma instabilidade tardia. A paralisia inicialmente flácida é substituída nos meses seguintes por paralisia espástica definitiva, podendo ocorrer o fenômeno de contração involuntária e súbita (“contração em massa”) dos membros inferiores o que incomoda o paciente, podendo despertá-lo durante o sono. O tratamento consiste em fisioterapia por toda a vida; caso isto não seja suficiente, recorre-se ao uso de medicação antiespasmódica de ação medular (Lioresal® ) e/ou diazepam como miorrelaxante. Quando estas medidas não dão resultado satisfatório, recorre-se à mielotomia longitudinal em T (de Bischof), às neurotomias periféricas, ou à DREZtomia, em pacientes com secção medular clinicamente completa, realizando-se avaliação urológica antes. A perda da ereção ou o esvaziamento reflexo da bexiga pode trazer incômodos. A bexiga espástica pode ser melhorada pela secção seletiva das segunda 296

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e terceira raízes sacrais. A esfincterotomia pode melhorar os sintomas, devendo ser realizada antes do procedimento neurocirúrgico. Podem ocorrer cálculo renal ou vesical, hidronefrose e priapismo. Na retenção urinária crônica, usa-se o cateterismo intermitente a cada oito horas, com a técnica mais asséptica possível. O uso contínuo da sonda é mais propenso a infecções. Eventualmente, pode-se necessitar de cistostomia para tratar uma infecção urinária. A manobra de Credê auxilia no esvaziamento vesical. Já foi descrita uma degeneração cística progressiva da medula espinhal pós-trauma (siringomielia traumática). Podem ocorrer meningite, mielite, distúrbio da regulação térmica e hipotensão postural. IX. Psicoterapia. O reajustamento familiar pode ser necessário. O coito pode muitas vezes ser conseguido, estimulando-se o pênis manualmente, com uma companheira cooperativa e instruída. No caso de se desejar um filho, a ejaculação pode ocorrer após a injeção intratecal de pequenas doses de neostigmina; o esperma será colhido, e a mulher, fecundada por inseminação artificial. A terapia ocupacional deverá ser iniciada o mais cedo possível, com o paciente aprendendo a utilizar ao máximo as potencialidades que possuir. X. Técnica da Tração Cervical. Fazem-se botões anestésicos com Xylocaína® e com adrenalina, nas regiões parietais, num plano que passa pelos meatos acústicos externos e pelos processos transversos das vértebras cervicais (plano coronal), eqüidistantes do meato acústico externo, um de cada lado. Aí será fixado (“aparafusado”) o aparelho-pinça de tração. O melhor é o de Gardner, que apresenta uma ponta em cada local de fixação no crânio, devendo apenas ser muito bem aparafusado, dispensando trepanação. Ele não deverá ser usado em crianças novas, pelo risco de perfuração, atingindo a dura-máter e o cérebro. O aparelho de Crutchfield, mais antigo, requer a trepanação da tábua óssea externa até a díploe, com broquinha da espessura dos pinos de fixação do aparelho, o que deve ser precedido de tricotomia de cerca de 4 cm de diâmetro, em volta do botão anestésico, e pequeno corte (aproximadamente 5 mm) com lâmina pequena de bisturi, no ponto marcado. Nestes orifícios será fixado o aparelho-pinça. A queixa do paciente de que o crânio está sendo apertado indica que o pino está fora do orifício, devendo então ser recolocado, imediatamente. Com o pino no orifício, não existirá esta sensação. Em seguida, o paciente será colocado no leito, na horizontal, colocando-se a cordinha, que sai do aparelho-pinça, passa por uma roldana fixa à cama e em cuja porção descendente coloca-se o peso. A roldana dará a direção da tração, devendo ficar na horizontal, ou para cima, ou para baixo, conforme a direção da luxação. Nos pontos de penetração da tábua óssea externa, os pinos deverão ser envolvidos com gaze aberta, feito um cadarço, untada com pomada de antibiótico. Outra gaze-cadarço será amarrada sobre esta, fixando-a.

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Referências 1. Dicson JH, Harrington PR, Erwin WD. Harrington instrumentation in fractured unstable toracic and lumbar spine. Texas Med 1973; 69: 91-3. 2. Michaelis LS. Pronosis of spinal cord injury. In: Vinken PJ, Bruyn GW. Handbook of Neurology. Vol. 26, Part 2, Nova York: American Elsevier Publishing Co., 1976: 307-12. 3. Paul RL, Michael RH, Dunn JE et al. Anterior transthoracic surgical decompression of acute sinal cord injuries. J Neuro Surg 1975; 43: 299-305. 4. Raynor RB. Cervical cord compression secondary to acute disc protrusion in trauma. Spine 1977; 2: 39-43. 5. Rothman RH, Simenone FA. The Spine. Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1992. 6. Seiden MR. Practical Management Neurology Problems. Nova York: AppletonCentury-Crofts, 1981. 7. Ossama Al-Mefty, Origitano TC, Harkey HL (Editors). Controversies in Neurosurgery. New York: Thiene Medical Publishers, Inc., 1996: 294-316. 8. Youmans JR. Neurological Surgery. Vol. 3, Philadelphia: W.B. Saunders Com., 1996: 1.939-2.102. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 30 - Abdômen Agudo Henrique Jacob Sevaybricker Filho I. Conceito. Existem várias maneiras de se definir abdômen agudo. Na maioria das doenças abdominais agudas, a dor é a principal queixa — e o sintoma mais importante. Conclui-se que o quadro é constituído, basicamente, por dor abdominal, que por sua intensidade requer solução urgente. Não existe abdômen agudo sem dor. Pode-se acreditar que a maioria das dores abdominais que acometem um paciente que estava bem anteriormente e que dura mais de seis horas é causada por condições de importância cirúrgica, na maioria das vezes. A dor abdominal apresenta algumas características de sinal de alarme e mecanismo de defesa ou proteção contra certas doenças ou lesões. Para a compreensão dos mecanismos que, por múltiplas causas, provocam quadros dolorosos abdominais, faz-se necessário recordar rapidamente aspectos anatômicos e fisiológicos das vias nervosas do abdômen. Os estímulos ou impulsos dolorosos provenientes da pele, das mucosas, do peritônio parietal e mesentério são levados, através de fibras aferentes cerebroespinhais (calibrosas, mielinizadas, com maior velocidade de condução), para os gânglios da raiz posterior da medula, onde as células de todos os nervos sensitivos estão localizadas (primeiro neurônio). Esses nervos penetram na massa cinzenta da região do corno posterior da medula, onde o impulso alcança o segundo neurônio, que cruza para o lado oposto, subindo geralmente pelo feixe espinotalâmico lateral e alcançando o tálamo, onde o terceiro neurônio o levará para o córtex cerebral. Os impulsos viscerais vão pelas fibras aferentes viscerais (desmielinizadas, menos calibrosas, de menor velocidade de condução) que acompanham as fibras simpáticas dos nervos esplâncnicos até a raiz posterior. Essas fibras viscerais vão juntar-se, no corpo posterior da medula, aos neurônios somáticos, de tal modo que as vias nervosas de condução são comuns aos estímulos somáticos e viscerais. A diferenciação entre as possíveis causas de dor e a determinação exata da patologia dependem de dados anatômicos. É importante o conhecimento anatômico dos músculos e nervos cerebroespinhais localizados no abdômen. II. Tipos de Dor Abdominal A. Dor visceral verdadeira. O intestino é insensível ao toque e também à inflamação que não afeta o peritônio parietal.

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Os estímulos que podem atingir as vísceras ocas são geralmente do tipo distensão ou contração muscular. A transmissão dos impulsos dolorosos é feita pelas fibras viscerais aferentes que acompanham o simpático (nervos esplâncnicos), sem participação de nervos cerebroespinhais. Ela é mal-localizada, sugerindo mal-estar na linha média do abdômen. Não leva à contratura da musculatura da parede abdominal. Este é o tipo de dor que ocorre nos espasmos das vias biliares, do ureter, na oclusão intestinal, na fase da apendicite aguda. Quando se tem irritação do peritônio visceral, sobrevém uma paralisia da musculatura lisa adjacente das alças intestinais (lei de Stokes), levando a um quadro de íleo paralítico. B. Dor somática (parietal). Aqui ocorre envolvimento simultâneo das fibras viscerais e cerebroespinhais. A dor é referida a áreas inervadas pelos nervos somáticos. Os neurônios são mais numerosos, mais calibrosos e mais condicionados à transmissão do que as fibras viscerais. A dor somática é aguda, bem-localizada, sendo que esta localização varia de acordo com o órgão envolvido; pode-se encontrar contratura muscular. Esta dor é devida a um processo inflamatório, e não a um distúrbio funcional. É um exemplo a segunda fase da apendicite e da colecistite aguda. A irritação do peritônio parietal é tanto mais intensa quanto mais ácido é o líquido irritativo, levando à contratura da musculatura abdominal correspondente. Por exemplo, o suco gástrico leva à intensa contratura da parede abdominal (“abdômen em tábua”), imediatamente após entrar em contato com o peritônio, ao contrário do sangue e da bile, que irritam pouco o peritônio parietal. Outro exemplo de dor segmentar de grande importância é a referida no diafragma. Este começa a se desenvolver na região do quarto segmento cervical, do qual obtém a maior parte das suas fibras musculares. Posteriormente, o nervo frênico alonga-se para acomodar a migração do músculo. Suspeita-se então de irrigação diafragmática, quando ocorre hiperestesia na região de distribuição do quarto nervo cervical, por exemplo, no ombro. Nem sempre os órgãos abdominais têm uma representação nos músculos da parede. Isto ocorre com os órgãos pélvicos, as vísceras retroperitoneais e localizadas na parte central do abdômen. Poderemos ter uma peritonite pélvica por doença inflamatória pélvica aguda ou apendicite pélvica sem levar à rigidez da parede abdominal. O mesmo ocorre, por exemplo, em patologias do duodeno retroperitoneal ou na apendicite retroileal. Estas patologias podem levar a erros diagnósticos, assim como retardar o tratamento, levando a um aumento da morbidade e da mortalidade desses pacientes. A localização das lesões inflamatórias é facilitada pelo conhecimento da anatomia da região, ao passo que a fisiologia é mais importante para o diagnóstico das lesões obstrutivas.

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Como sabemos, as alças intestinais, cujas paredes são formadas principalmente por fibras musculares lisas, não apresentam grande sensibilidade. É possível esmagar, cortar ou dilacerar o intestino sem que o paciente experimente dor. Os estímulos para a dor intestinal são o estiramento ou a distensão da alça ou as contrações excessivas. Uma cólica intensa sempre indica obstrução. A cólica do intestino delgado causa dor referida, principalmente, nas regiões epigástricas e umbilical, enquanto as cólicas originadas do intestino grosso são referidas no hipogástrio. Num paciente com paroxismo de dor seguido de agitação, é provável a existência de alguma forma de obstrução, e não de peritonite, pois nesta última condição os movimentos fazem a dor aumentar. Devemos dar atenção especial aos pacientes idosos, debilitados, toxemiados e imunossuprimidos, pois eles podem não apresentar contratura na musculatura da parede abdominal, apesar de existirem patologias, às vezes graves, na cavidade abdominal. III. Drogas e Doença Abdominal Aguda. Em pacientes em uso de antibióticos, deve-se ter muita cautela quanto aos sintomas de uma inflamação no abdômen. Os antibióticos não fecham uma perfuração do apêndice, mas podem diminuir os sintomas de peritonite subseqüente. Também a terapia com corticosteróides mascara os sintomas produzidos pelas inflamações. Assim, a avaliação de dor abdominal em indivíduos sob a ação de corticosteróides é muito difícil, e pode haver a necessidade de indicar-se uma laparotomia nos casos duvidosos. Os pacientes em tratamento com corticosteróides desenvolvem mais facilmente uma úlcera péptica ou complicação em uma úlcera preexistente. Enquanto pelo menos não se faz um diagnóstico provável, não devem ser administrados analgésicos ao paciente, pois eles podem mascarar sintomas por algum tempo. IV. Abdômen Agudo Durante a Gestação. A apendicite é a emergência cirúrgica não-ginecológica mais comumente encontrada durante a gestação. O diagnóstico é dificultado pela posição atípica ocupada pelo apêndice. A presença de leucocitose não ajuda a fazer o diagnóstico, pois constitui um achado laboratorial normal durante a gestação. Várias outras patologias abdominais agudas podem surgir durante a gravidez. Devemos ter certeza absoluta em relação ao diagnóstico, pois uma laparotomia exploradora sempre leva ao risco de aborto, e, por isso, qualquer intervenção cirúrgica deve ter indicação segura.

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A complexidade do abdômen agudo, a não-realização de um exame clínico adequado e a urgência do quadro nem sempre permitem um diagnóstico etiológico preciso. O importante é definir se o caso realmente se trata de um abdômen agudo clínico ou cirúrgico. Existindo dúvidas quanto ao diagnóstico, a paciente deve permanecer em observação e ser examinada periodicamente, se possível pelo mesmo médico, até que o quadro se defina, ou surjam sinais que possibilitem a indicação cirúrgica ou resolução clínica. O diagnóstico no abdômen agudo baseia-se fundamentalmente na anamnese bem-feita e no exame físico completo do paciente. Exames complementares, laboratoriais, radiológicos e eventualmente o ultra-som podem ser de auxílio. O índice de recuperação da doença abdominal aguda aumenta na razão direta da precocidade em que foi feito o diagnóstico e iniciado o tratamento. Durante as últimas décadas, houve uma redução considerável na mortalidade provocada por doença abdominal aguda. Além disso, devemos estar atentos para aquelas patologias clínicas que simulam um abdômen agudo cirúrgico. Certas doenças podem ser agravadas por uma cirurgia desnecessária. Em alguns casos, os sintomas se originam dentro do abdômen; em outros, a dor parte de outro lugar do corpo, como o tórax ou a coluna. V. Abordagem Clínica e Diagnóstico. Como já foi dito, a dor abdominal é a queixa mais comum dos pacientes com doença abdominal aguda. É fundamental a não-administração de analgésicos antes do diagnóstico ou antes de se indicar a cirurgia. Em um grande número de condições abdominais agudas, pode-se chegar a um diagnóstico pela forma como começou a doença. Deve-se analisar cuidadosamente cada sintoma, tentando colocá-lo em uma patologia comum. A agudez do começo da doença pode levar à suspeita do grau de gravidade da lesão. Por exemplo, uma úlcera perfurada ou a pancreatite aguda invariavelmente faz um homem desmaiar. Nas mulheres, a gravidez tubária rota usualmente leva à perda da consciência. Já numa obstrução intestinal, geralmente os sintomas começam de forma gradual, culminando numa crise aguda. Constitui exceção, entretanto, o estrangulamento de uma alça. VI. Análise da Dor Abdominal A. Localização. Certas vísceras fornecem boa localização da dor que produzem, enquanto outras fornecem pouca informação a este respeito. No estômago e no duodeno, a dor encontra-se na região epigástrica, tanto à direita quanto à esquerda da linha média. Na pancreatite aguda, a dor localiza-se também na parte superior do abdômen. Outras regiões, como o intestino delgado, apresentam má localização da dor,

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podendo esta ser percebida em qualquer parte do abdômen, embora ocorra mais comumente na região periumbilical. B. Irradiação. O valor diagnóstico da irradiação da dor pode causar confusão. No trato biliar, ela se irradia para o dorso e ângulo da escápula, enquanto na pancreatite irradia-se para o dorso ou qualquer lado, ou na linha média. Na apendicite aguda, a dor se inicia no epigástrio, migrando para FID, com exceção da apendicite retrocecal, onde a dor pode originar-se diretamente no quadrante inferior direito. A dor na apendicite aguda, iniciada na região epigástrica, é causada por espasmo reflexo do piloro. VII. Características e Duração da Dor. Podemos ter duas formas de dor abdominal aguda: constante ou em cólica. A dor abdominal constante é geralmente causada por lesão infamatória ou neoplásica de uma víscera. Freqüentemente, aumenta e diminui, porém não é em cólica. A dor abdominal em cólica é causada por uma obstrução de víscera oca, como, por exemplo, obstrução intestinal, cálculo ureteral, ou por pressão intraluminar aumentada em víscera oca sem obstrução, como, por exemplo, íleo paralítico pós-cirurgia. VIII. Intensidade da Dor. De modo geral, as patologias cirúrgicas causam dor mais intensa e forte. A úlcera péptica perfurada apresenta dor bastante forte, pela irritação dos sucos duodenal e gástrico no abdômen. Já na pancreatite aguda a dor não apresenta tanta intensidade quanto na úlcera péptica perfurada, e é devida à liberação de enzimas retro e intraperitoneais. IX. Vômitos Associados. Em algumas doenças, os vômitos são freqüentes e persistentes, enquanto podem estar ausentes em outras. São freqüentes na evolução dos sintomas em pacientes com irritação ou inflamação do pâncreas e da via biliar. Tanto na pancreatite quanto na colecistite aguda, é incomum a ausência de vômitos. Raramente, os vômitos coincidem com ou precedem a dor na apendicite aguda. Nas doenças abdominais agudas, com exceção da gastrite aguda, os vômitos são devidos à: irritação dos nervos do peritônio ou mesentério, como, por exemplo, perfuração de uma úlcera péptica; obstrução de um tubo de musculatura lisa, como, por exemplo, o ureter, conduto biliar (cístico, colédoco), intestino; ação e absorção de toxinas sobre as centrais medulares. X. Outros Dados Diagnósticos. A idade do paciente é de grande importância, visto que algumas doenças são limitadas a certos grupos etários. A apendicite aguda é doença de jovem, raramente ocorrendo no

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idoso. A colecistite aguda é pouco comum em pessoas com idade abaixo de 30 anos. Já a obstrução do cólon geralmente ocorre no paciente de uma faixa etária mais elevada. A posição que o paciente assume para ter alívio da dor pode ser útil para o diagnóstico. Na pancreatite, por exemplo, eles fletem o abdômen sobre joelhos e quadris, pois esta posição relaxa o músculo psoas, que se encontra irritado pela liberação de enzimas pancreáticas no retroperitônio. O paciente com peritonite difusa prefere ficar imóvel, resistindo a qualquer movimento, pela forte irritação do peritônio parietal. XI. Exame Físico do Paciente. Um exame físico cuidadoso do paciente com abdômen agudo é essencial para se chegar a um diagnóstico correto. Geralmente, o paciente com abdômen agudo tem um aspecto doentio, às vezes apresentando-se apreensivo e irritável, ansioso pelo alívio da causa de sua dor. A expressão do paciente pode orientar certas patologias e a gravidade de cada caso. Palidez acentuada e sudorese fria podem levantar a suspeita de provável úlcera perfurada, pancreatite ou gravidez tubária rota na mulher. A posição do paciente também é importante, pois é provável que um paciente agitado, com dor abdominal aguda, não tenha peritonite. Os movimentos fazem aumentar a dor; a tendência do paciente, então, é ficar o mais imóvel possível. No entanto, nas fases iniciais de patologias abdominais agudas, a atitude do paciente pouco pode contribuir para o diagnóstico. Os dados vitais, como pulso, pressão arterial e temperatura, devem ser anotados de maneira rotineira no exame físico do paciente com abdômen agudo. A freqüência seriada do pulso tem maior valor do que a sua observação inicial. Nos casos de hemorragias graves, normalmente encontramos pulso acelerado e fino, como ocorre nas rupturas de vísceras maciças, como fígado e baço, nos traumas abdominais. Um pulso filiforme é constatado nas fases tardias de peritonite, denotando mau prognóstico. A temperatura dos pacientes com doença abdominal aguda também é de grande valia e deve ser mensurada pelas vias axilar e retal. Nas fases iniciais da apendicite aguda, colecistite não-complicada, diverticulite e obstrução intestinal, a temperatura inicial raramente passará de 38ºC. Entretanto, quando se tem necrose apendicular e peritonite difusa, a temperatura aumentará para 39ºC, declinando quando surgir o choque.

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No início de uma patologia abdominal aguda, com temperatura axilar acima de 39ºC, devese pensar em doença pélvica aguda ou infecção urinária. Febre elevada é um dado incomum nas fases iniciais do abdômen agudo. XII. Exame do Abdômen. Inicialmente deve ser feita uma inspeção do abdômen, observando-se se o paciente apresenta cicatriz cirúrgica, pois esta poderia levar à formação de bridas e oclusão intestinal. Verificar se há distensão abdominal; observar os orifícios herniários, para poder diagnosticar uma provável hérnia encarcerada. A palpação deve ser iniciada na área distal ao local de dor máxima. É importante examinar ambos os lados do abdômen com as duas mãos. O espasmo unilateral do músculo reto é indicativo de processo inflamatório agudo sob este músculo, pois o paciente é incapaz de contrair voluntariamente um reto em grau maior do que o outro. Contratura muscular (involuntária) intensa é sugestiva de peritonite difusa. A rigidez está ausente nas lesões inflamatórias da pelve, o mesmo ocorrendo na obstrução intestinal nãocomplicada. A ausculta abdominal deve ser feita nos quatro quadrantes do abdômen, por um período mínimo de três minutos, para que se tenha certeza dos ruídos peristálticos normais ou alterados. O peristaltismo poderá estar aumentado nas obstruções intestinais sem necrose de alça, ou diminuído nos casos de peritonite difusa. XIII. Sinal de Blumberg. Ao se comprimir profundamente a parede abdominal e, logo após, retirar subitamente a mão, o paciente poderá acusar uma dor intensa no local. Quando a descompressão é positiva, denotará um foco inflamatório intra-abdominal, adjacente à área comprimida. XIV. Sinal de Rovsing. É realizado palpando-se o lado esquerdo do abdômen; o paciente relatará dor no nível da FID. Geralmente ele está presente na apendicite aguda, porque a onda gasosa é transmitida pelo cólon até o ceco, que já se encontra distendido, edemaciado, com excesso de formação de gases por proliferação bacteriana. Então, o paciente relatará dor neste nível. XV. Sinal de Murphy. A manobra consiste em, por meio da palpação, comprimir o ponto cístico, no hipocôndrio direito, e pedir que o paciente inspire profundamente. Normalmente, a vesícula biliar

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inflamada em contato com o peritônio parietal leva à dor, e a inspiração é entrecortada. Positivo nos casos de colecistite aguda. XVI. Sinal de Jobert. É realizado a partir da percussão ao nível da linha axilar média, sobre a área hepática, surgindo timpanismo no local nos casos positivos. Este sinal sugere ar livre na cavidade abdominal, por perfuração de uma víscera oca. XVII. Exame Retovaginal. A parte inferior do abdômen encontra-se escondida na pelve inferior por estruturas ósseas e tecido mole, podendo ser avaliada pelo examinador por meio de toque retal digital ou vaginal. Este é um exame pouco realizado, sendo a dor do peritônio pélvico de máxima importância para o diagnóstico das patologias abdominais agudas. A saliência de um abscesso pélvico na parede anterior do reto pode ser demonstrada por uma massa dolorosa neste nível. Também se pode evidenciar crepitação, devido à perfuração de víscera oca retroperitoneal, através do toque retal. Na mulher, podem ser palpadas massas dolorosas e indolores no fundo-de-saco de Douglas. A consistência de dor no colo uterino e a presença de secreção purulenta, exteriorizando-se pelos genitais externos, podem ser representativas de doença pélvica aguda.

Completando a propedêutica, o exame bimanual retoabdominal ou abdominal-vaginal deve ser realizado rotineiramente. XVIII. Exame Radiológico do Abdômen Agudo. O exame radiológico do paciente com doença abdominal aguda deve ser considerado uma extensão do exame físico. Para uma interpretação adequada, as radiografias devem ser tecnicamente boas, e o examinador deve estar ciente dos achados clínicos do paciente. Os raios X simples do abdômen devem ser sempre solicitados em duas incidências: decúbito dorsal e ortostatismo. Caso o paciente não consiga ficar de pé, poderão ser realizados os raios X do abdômen em decúbito dorsal com raios horizontais. Normalmente não detectamos a presença de ar no intestino delgado, exceto nos recémnascidos, em pacientes submetidos à lavagem intestinal ou naqueles em uso de antiespasmódicos. Os raios X em ortostatismo servem para demonstrar a presença de níveis hidroaéreos, assim como o desenho e a posição das alças intestinais.

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Sempre, na doença abdominal aguda em que for realizado estudo radiológico simples do abdômen, deverão ser feitos raios X de tórax em PA e perfil, o que possibilitará uma melhor visualização de ambas as cúpulas frênicas e as condições para detectarmos a presença de pneumoperitônio na perfuração de uma víscera oca. Eles também servem para excluir patologias pleuropulmonares basais na criança e para demonstrar uma hérnia diafragmática. Cerca de 90% dos cálculos do trato urinário são radiopacos e serão vistos aos raios X. Inversamente, apenas 10-15% dos cálculos do trato biliar serão vistos. De grande importância diagnóstica é a detecção de ar na via biliar, indicando uma colecistite enfisematosa por bactérias anaeróbicas ou uma fístula biliodigestiva. O apagamento da sombra do psoas ocorre nas patologias retroperitoneais, como hematomas, ou em processo inflamatório adjacente a esse músculo. Na apendicite aguda, podem ser visualizados sinais inespecíficos, como níveis hidroaéreos no ceco e íleo terminal, apagamento da sombra do músculo psoas, escoliose antálgica, fecalito na FID. Pode-se ainda evidenciar um pneumoperitônio por perfuração apendicular, que é incomum (0,5-7%). Na pancreatite aguda, os raios X de tórax podem demonstrar um derrame pleural. Na radiografia de abdômen, encontramos um íleo segmentar (alça sentinela), sinal da amputação do cólon transverso, apagamento da sombra do músculo psoas. Em circunstâncias especiais, podemos realizar estudos radiológicos com uso de contraste, como uma gastrografia, na suspeita de perfuração de uma úlcera péptica, ou uma biligrafia, nos casos de colecistites agudas. XIX. Ultra-som no Abdômen Agudo. Atualmente, a ultra-sonografia tem-se tornado um exame amplamente empregado em patologias abdominais. O exame pode ser realizado rapidamente, é incruento e independe da função do órgão, não precisando de um preparo prévio. Nas colecistites agudas, apresenta maior positividade do que os exames contrastados, podendo, também, identificar um colédoco dilatado, obstruções extra-hepáticas, abscessos subdiafragmáticos e hepáticos. Na pancreatite aguda, todo o pâncreas está aumentado, podendo revelar também a presença de um pseudocisto pancreático. Os abscessos podem desenvolver-se em qualquer local do abdômen, sendo difícil a sua detecção, apesar de exames complementares realizados. Muitos pacientes têm de se submeter a uma laparotomia exploradora como último recurso. O exame ultra-sônico, juntamente com a cintilografia, é o método de escolha para a localização desses abscessos.

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A ultra-sonografia tornou-se um exame importante e deve ser empregada em concomitância com outros métodos tradicionais; o paciente é submetido a desconforto e risco mínimos. XX. Tomografia Computadorizada (TC) no Abdômen Agudo. Nas últimas décadas houve grande avanço tecnológico em relação aos exames complementares, principalmente dos métodos de imagem (tomografia computadorizada, ultra-som e ressonância magnética) que vieram somar-se à radiologia convencional. A TC, apesar de não ser um exame de rotina nos pacientes com abdômen agudo, pode fornecer informações superiores às de outros estudos convencionais. Ela é uma investigação não-invasiva que, em muitos casos, é mais sensível para definir uma doença intra-abdominal e retroperitoneal do que a radiografia convencional. A TC tornou-se um método auxiliar importante na avaliação do paciente com traumatismo abdominal fechado, proporcionando dados quantitativos sobre o hemoperitônio, bem como informação qualitativa sobre a fonte desse hemoperitônio. A ressonância magnética, embora de grande valor em neurologia, ainda não encontrou um papel significativo no diagnóstico do abdômen agudo. No entanto, não deve ser omitido um exame clínico bem-realizado do paciente, em detrimento de exames complementares mais sofisticados. XXI. Laparoscopia de Urgência. De grande utilidade, a videolaparoscopia pode ser usada tanto no diagnóstico como no tratamento de diversas afecções (ver Cap. 36, Laparoscopia na Emergência). A precisão diagnóstica da laparoscopia é a mesma de uma laparotomia. XXII. Exames Laboratoriais. Conforme já salientado, o diagnóstico do abdômen agudo baseia-se fundamentalmente na anamnese e no exame físico. Os exames complementares laboratoriais servem para reforçar este diagnóstico. Em patologias específicas, como na pancreatite aguda, a dosagem de amilase ou lipase poderá ser útil no diagnóstico. O leucograma orienta nos casos de abdômen agudo inflamatório e será analisado posteriormente. Referências 1. Abrantes WL. Abdômen agudo. In: Lopes M. Emergências Médicas. 1 ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1979; 26: 288-306. 2. Bevilacqua. Fisiopatologia clínica. Clínicas Cirúrgicas América do Norte, 1983: 6. 308

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3. Condor Robert; Nyhus. Manual de Terapêutica Cirúrgica, 1976. 4. Cope Z. Diagnóstico Precoce do Abdômen Agudo, 1976. 5. Chung RS, Diaz JJ, Chari V. Efficacy of routine laparoscopy for the acute abdomen. Surg Endosc 1998 Mar; 12(3): 219-22. 6. Dunphy. Exame Físico do Paciente Cirúrgico, 1978. 7. Martin RF, Rossi RL. The acute abdomen. An overview and algorithms. Surg Clin North Am 1997 Dec; 77(6): 1.227-43. 8. Siewert B, Raptopoulos V, Mueller MF et al. Impact of CT on diagnosis and management of acute abdomen in patients initially treated without surgery. AJR Am J Roentgenol 1997 Jan; 168(1): 173-8. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 31 - Apendicite Aguda Silvério Olímpio Couto I. Considerações. A apendicite aguda é a lesão inflamatória mais freqüente da cavidade abdominal. É regra geral que todos os casos de apendicite aguda sejam operados tão rapidamente quanto possível e, de preferência, nas primeiras 24 horas após o início da doença. Comumente, seu diagnóstico é simples, mas existem casos que simulam outras lesões abdominais, dificultando o diagnóstico. É sempre bom lembrar que um quadro de apendicite aguda absolutamente típico, como descrito na literatura, nem sempre é a regra. É importante, porém, que a apendicite aguda seja diagnosticada antes que se instale um quadro de peritonite. Quando tratada em tempo útil, geralmente ela evolui sem problemas. Se tardiamente, pode apresentar complicações sérias. A apendicite aguda merece atenção especial de todo clínico e cirurgião. II. Etiopatogenia. Não se conhece muito a respeito da etiopatogenia da apendicite aguda. Na maioria dos casos, parece haver obstrução da luz apendicular, com infecção bacteriana distal. Fecalitos, concreções, bridas, fibrose, tumores, parasitas e corpos estranhos parecem constituir as causas mais comuns de obstrução. A válvula de Gerlach também pode agir como fator obstrutivo. Alguns autores acreditam que a apendicite aguda se inicia com ulceração da mucosa, provocada por vírus e mantida secundariamente por infecção bacteriana. Os agentes microbianos mais comuns na apendicite aguda são: A. Anaeróbios não-esporulados: bacteróides. B. Gram-negativos: E. coli, Klebsiella, Enterobacter. C. Gram-positivos: Streptococcus faecalis. III. Fisiopatologia. O apêndice comunica-se com o ceco e, não havendo obstrução ou infecção, devolve ao mesmo o conteúdo intestinal que nele penetra. Em caso de obstrução, forma-se uma alça fechada. O apêndice tenta vencer o obstáculo, o que conduz a um aumento do peristaltismo. O paciente sente dor em cólica — é a dor visceral. 310

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O peristaltismo e a obstrução estimulam a secreção de líquido; com isto, a cavidade apendicular se enche, e há proliferação de bactérias. A distensão comprime as terminações nervosas do simpático, e a dor referida à região umbilical torna-se constante. Há obliteração de capilares e vênulas. O sangue arteriolar continua a ser impelido, levando à congestão vascular, ao edema e ao início de diapedese. Surgem náuseas, vômitos reflexos e dor forte ao nível da fossa ilíaca direita. A inflamação aumenta. A anoxia e o aumento de pressão destroem as terminações nervosas viscerais aferentes, e a dor visceral recrudesce. Com a evolução do processo, aparecem a trombose e, posteriormente, zonas de infarto atingindo a camada serosa do órgão. A dor passa a ser de origem peritoneal. Nessa fase, ao exame clínico, encontram-se descompressão dolorosa e defesa muscular ao nível da parede abdominal. O sangue arterial continua a ser impelido para dentro do apêndice, provocando ruptura de pequenos vasos e hemorragia. A parede apendicular, além da obstrução, se torna muito fina e com a mucosa ulcerada, ocorrendo necrose e proliferação de germes. A absorção de tecidos se manifesta por febre, taquicardia e leucocitose. Se a obstrução persiste, pode haver perfuração com conseqüente peritonite, localizada ou generalizada. IV. Diagnóstico. O apêndice ocupa posições diversas na cavidade abdominal, e os sinais e sintomas podem variar em função de cada uma delas. Variam também conforme se trate de caso inicial ou já com perfuração, abscessos ou peritonite. A sintomatologia adquire particularidades especiais na criança, no idoso e na gestante. Contudo, em todos os casos suspeitos de apendicite aguda, o diagnóstico é feito com base em três aspectos muito importantes: história, exame físico e exames complementares. A. História. É comum o relato de sintomas dispépticos, tais como flatulência ou mádigestão, alguns dias antes da crise. Alterações do hábito intestinal, como constipação ou diarréia, são também relatadas (a última é mais comum em crianças). 1. Dor. De início periumbilical ou epigástrica, é em geral de pequena intensidade e pouco definida. Cerca de seis horas após, irradia-se para a fossa ilíaca direita (FID), tornando-se localizada. Caracteriza-se, então, por ser mais acentuada e contínua e por piorar com os movimentos. 2. Náuseas. São freqüentes no início da crise. Vômitos surgem na fase de peritonite, em conseqüência do íleo paralítico (vômitos de estase).

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3. Anorexia. É comum os pacientes relatarem anorexia precedendo o início do quadro doloroso. Segundo Botsford e Wilson, quando pacientes com dor ao nível do abdômen inferior começam a ter apetite novamente, a possibilidade de apendicite torna-se mais remota. 4. Hábito intestinal. As alterações do funcionamento intestinal têm pouco valor diagnóstico. Alguns pacientes se queixam de constipação. Pode ocorrer diarréia, principalmente em crianças. Nos casos de apendicite retroileal, a irritação do íleo terminal estimula o peristaltismo, provocando várias pequenas dejeções. Nos casos mais avançados, com abscesso ou plastrão ao nível da FID, pode instalar-se, inclusive, quadro de obstrução intestinal. B. Exame físico. É bastante significativo para o diagnóstico. Os achados físicos determinam o estágio da doença no momento do exame, assim como a posição do órgão inflamado. Os sinais clássicos são encontrados em apêndice anterior não-perfurado. Quando o paciente se encontra em fase de progressão ativa da doença, ele tem tendência a se imobilizar, pois qualquer movimento pode provocar dor. 1. Aspecto geral a. Febre. Geralmente é discreta, e pode não surgir no início da crise. Manifesta-se, porém, antes de decorridas 24 horas, oscilando em torno de 37,5-38ºC. Temperatura mais alta é rara, na ausência de perfuração. A diferença axilorretal, sugestiva para o diagnóstico, é igual ou superior a 1ºC, nas apendicites pélvicas. As crianças e os idosos podem apresentar oscilações de temperatura para mais ou para menos, respectivamente. b. Pulso. Levemente aumentado. Esperar que surja taquicardia significativa para indicar uma intervenção cirúrgica (apendicectomia) é esperar por complicações. 2. Abdômen a. Inspeção. Geralmente normal. b. Percussão. A percussão superficial pode, sem provocar dor intensa, localizar o processo inflamatório. O ponto mais doloroso à percussão corresponde, em geral, ao ponto de McBurney. Tanto a hiper-ressonância localizada como a distensão abdominal por gases podem ser demonstradas pela percussão. c. Palpação. O grau de irritação peritoneal determina a intensidade do espasmo dos músculos abdominais. Determina também a maior ou menor resposta à descompressão abdominal, bem como sua distribuição.

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d. Hiperestesia cutânea. Localizada na pele da parede abdominal, principalmente ao nível da FID, é um dado freqüente, mas inconstante na apendicite aguda não-perfurada. Segundo Sheren, a hiperestesia depende muito do grau de distensão do apêndice. e. Defesa na fossa ilíaca direita. Ausente no início da crise, quando as manifestações locais são mascaradas por dores abdominais vagas. A defesa se manifesta ao exame clínico, após a localização do processo inflamatório. f. Contratura. Nem sempre presente nas fases iniciais, mas muito freqüente quando o processo inflamatório se localiza. Existem vários graus de contratura muscular. Num grau mínimo, ela é percebida quando o examinador pressiona profundamente a FID. Uma contratura intensa geralmente significa peritonite. De um modo geral, pode-se dizer que, mesmo em caso de contratura leve, mas persistente, há irritação do peritônio parietal. Na apendicite sem peritonite, a contratura, com freqüência, está ausente. g. Descompressão abdominal — sinal de Blumberg. A dor da descompressão abdominal, direta ou referida, é importante para se determinar o grau de irritação peritoneal, bem como a localização do ponto de maior dor. h. Sinais do obturador e do psoas. Quando positivos, podem ser úteis na confirmação do diagnóstico. O sinal do obturador pode estar presente nos casos em que o processo inflamatório atinge a parede pélvica (Fig. 31-1). O sinal do psoas ocorre quando há irritação do músculo psoas pelo apêndice inflamado, sendo mais comum nas apendicites retrocecais (Fig. 31-2). i. Toques retal e vaginal. A sensibilidade de cada um destes exames depende da posição do apêndice comprometido. São também importantes para o diagnóstico diferencial com afecções geniturinárias. j. Ausculta. É praticamente normal na ausência de peritonite. No processo localizado, os sons intestinais estão presentes na porção do abdômen ainda não envolvida. Quando o processo inflamatório se dissemina, os movimentos intestinais diminuem, até chegarem ao silêncio abdominal do íleo paralítico. C. Exames complementares. Sabe-se que no diagnóstico da apendicite aguda o mais importante é o quadro clínico. Os exames laboratoriais são inespecíficos. Em locais onde os resultados dos exames não são obtidos dentro de um tempo útil, é preferível dispensá-los, pois a espera pode levar ao agravamento do processo. Quando possíveis, eles são de grande valia. Os seguintes exames são os mais realizados: 1. Leucograma. Em presença de inflamação do apêndice, encontram-se leucócitos — entre 10.000 e 20.000/mm3; aumento de segmentados acima de 75%; aumento de células jovens (bastonetes) acima de 5%. É bom lembrar que a contagem de leucócitos acima de 20.000/mm3 sugere complicações como perfuração e peritonite; mesmo na presença de 313

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apendicite aguda, existem certos casos em que se pode encontrar leucopenia: infecções graves, uso de barbitúricos (fenobarbital), gravidez, raça negra, uso de corticóides e pacientes idosos. 2. Hemossedimentação. Pode estar alterada em qualquer processo infeccioso e mesmo em cerca de 20% dos casos normais. Tem valor no diagnóstico diferencial com casos de pelviperitonites, onde está bastante aumentada (cerca de duas a três vezes o valor de referência). 3. Urina de rotina. Importante para a exclusão de doenças do trato geniturinário. Importante também nos casos de apendicite pélvica com irritação vesical por contigüidade, podendo ocorrer piúria e hematúria discretas. O achado de mais de 20 hemácias e 20 piócitos por campo leva à suspeita de afecções urinárias. 4. Raios X simples de abdômen. Podem fornecer dados importantes, com sinais diretos ou indiretos de processo irritativo na fossa ilíaca direita. Podem-se encontrar: nível hidroaéreo na região cecal; alça intestinal dilatada no quadrante inferior direito (alça sentinela); apagamento segmentar ou total do músculo psoas direito; desaparecimento da gordura préperitoneal direita; escoliose antálgica; deformidades do ceco; pneumoperitônio (raro); presença de fecalito (30% em crianças e 10% em adultos). As radiografias simples de abdômen são ainda usadas no diagnóstico diferencial dos cálculos ureterais, obstrução intestinal etc. 5. Enema opaco. Usado com mais freqüência nos casos atípicos e, principalmente, em crianças. O procedimento é feito sem preparo do cólon, com pequena instilação de bário e sem pressão externa. Podem-se encontrar: defeito de enchimento no ceco; não-visualização do apêndice; amputação total ou parcial do apêndice; extravasamento de contraste. 6. Raios X de tórax. Empregados principalmente nas crianças, para afastar infecções pleuropulmonares, que, com freqüência, simulam quadro de abdômen agudo. 7. Ultra-sonografia (US). Método indicado sempre que houver dúvida quanto ao diagnóstico. A US é mais valiosa no diagnóstico da dor aguda do que da dor crônica. Na apendicite aguda é preferível, portanto, que ela seja feita na vigência da crise e, de preferência, com a bexiga cheia. Achados comuns: estrutura tubular, de fundo cego, ligada ao ceco e com mais de 6 mm de diâmetro; indeformável com a compressão; parede apendicular com mais de 3 mm. Podem ainda ser encontrados: fecalito (apendicolito), espessamento de gordura periapendicular e formação de abscesso. Causas mais freqüentes de falso-negatividade: na perfuração do apêndice; nas apendicites em que a ponta do órgão ocupa posições anômalas, como, por exemplo, na região subepática; excesso de gases. Diagnóstico diferencial: adenite mesentérica; cálculo ureteral; processos ginecológicos. 314

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A sensibilidade da US na apendicite aguda é de 80 a 90%. A especificidade é de mais de 90%. 8. Tomografia computadorizada. Tem sido indicada quando há distensão intestinal grande e nos casos de obesidade excessiva. O diagnóstico de apendicite aguda tem sido possível com bastante precisão. Contudo, uma limitação importante do método está na necessidade da administração oral e venosa de contraste iodado para melhor delineamento das estruturas. Isto contra-indica seu uso em pacientes alérgicos ao iodo. Atualmente, tem-se usado o contraste não-iônico, que diminui os problemas relacionados à alergia. 9. Laparoscopia. Tem sido empregada em casos de dúvida, bem como em pacientes imunodeprimidos, mulheres grávidas e, principalmente, crianças. Leape e Ramenofsky mostraram em seu trabalho que, na criança, a laparotomia desnecessária pode, com a laparoscopia, ser reduzida a 1%. A cirurgia laparoscópica freqüentemente é, nestes casos, o método terapêutico de escolha. 10. Outros exames. São geralmente pouco utilizados: eritrograma, glicose, uréia, creatinina, sódio, potássio, cloro e gasometria, nos casos de peritonite generalizada ou mau estado geral. V. Apendicite Aguda — Formas Especiais A. Apendicite aguda perfurada. Neste caso, os sintomas e a evolução do processo são os mesmos já descritos para a apendicite aguda, acrescidos dos sinais e sintomas devidos à irritação peritoneal localizada ou generalizada. O quadro, contudo, está muito relacionado com a posição do apêndice e a irritação peritoneal. B. Apendicite ilíaca 1. Dor súbita no abdômen inferior, intensa e difusa. 2. Taquicardia freqüente. 3. Febre alta, em geral de 39-40ºC. 4. Toxemia freqüente. 5. Leucócitos de 15.000-25.000/mm3. 6. Fundo-de-saco bastante sensível. 7. Peristaltismo ausente. 8. Descompressão: positiva em todo o abdômen. 315

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9. Contratura. 10. Pneumoperitônio: raro. 11. Sinais de psoas e do obturador freqüentes. C. Apendicite pélvica. A perfuração pode originar poucos sinais e sintomas, passando, com freqüência, despercebida. 1. Dor mais sentida na fossa ilíaca direita. 2. Contratura da parede abdominal quase não existe. 3. Disúria freqüente. 4. Diarréia ou tenesmo freqüente em virtude de irritação do reto. 5. Toque retal: freqüente o encontro de tumoração dolorosa. 6. Irritação freqüente do músculo obturador. D. Apendicite hiperplástica. Quadro provável de apendicite aguda com evolução prolongada, em torno de 9-10 dias, com tumor palpável na FID. Milloy e Fell fizeram referência ao termo tumor inflamatório do apêndice, podendo evoluir para estágios patológicos diversos. 1. Reação apendicular local menos intensa, com bloqueio do órgão inflamado pelo epíploon e pelas alças intestinais. Constitui uma peritonite fibrinosa e pode responder satisfatoriamente ao tratamento conservador. 2. Reação local mais grave, com presença de pus, sepse, e requerendo tratamento cirúrgico. O diagnóstico diferencial da forma hiperplástica é feito principalmente com: neoplasia da região ileocecal, afecções ginecológicas de natureza inflamatória e abscesso apendicular. Alguns métodos de exames podem ser usados em momento oportuno, ajudando no diagnóstico; como exame ginecológico, ultra-sonografia; tomografia computadorizada, enema opaco e colonoscopia. E. Apendicite na criança. A morbidade e a mortalidade da apendicite aguda no recémnascido e em crianças pequenas são bem maiores do que no adulto. As causas principais são: 1. O diagnóstico é mais difícil. As crianças não descrevem seus sintomas, e o quadro clínico é com freqüência atípico, inclusive com febre alta, vômitos e diarréia.

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2. Perfuração — ocorre em 30-50% das crianças de até 6 anos e em 85% dos recémnascidos. 3. Peritonite grave é freqüente. O grande epíploon, ainda incompleto, não consegue conter a inflamação. F. Apendicite aguda nos idosos. A apendicite aguda nos idosos tem, com freqüência, uma apresentação clínica diferente, tornando o diagnóstico mais difícil. 1. Dor: pode ser pouco pronunciada. 2. Temperatura: pode ser normal ou baixa. 3. Leucócitos: contagem normal ou baixa. 4. Perfuração: ocorre, em média, em 42% dos casos. 5. Índice elevado de complicações sépticas. Em suma, nos idosos os sintomas são menos pronunciados, de modo que os achados não são proporcionais à severidade da doença. G. Apendicite aguda na gravidez. É a emergência cirúrgica mais comum na gravidez. Contudo, é fato comprovado que a gravidez não aumenta a incidência de apendicite. Às vezes, o diagnóstico é difícil, por vários motivos: 1. Dor abdominal, náuseas e vômitos são comuns durante a gravidez. 2. O apêndice é deslocado pelo útero grávido e, assim, aos cinco meses de gestação ele está ao nível da crista ilíaca; aos oito, ao nível da parte média da linha que vai da crista ilíaca às últimas costelas. A dor, conseqüentemente, altera-se em relação à parede abdominal. 3. Leucocitose em torno de 15.000/mm3 já é um dado comum na grávida. 4. A laparoscopia tem sido usada com freqüência. A mortalidade fetal na apendicite é de cerca de 8,5%. Contudo, na presença de peritonite generalizada, ela pode subir para 35%. VI. Diagnóstico Diferencial. Inclui numerosas doenças. Citam-se apenas as mais importantes e mais freqüentes. A. Apendicite ascendente: colecistite; úlcera duodenal em atividade; abscesso perirrenal; hidronefrose — pionefrose; infecção urinária; litíase renal. B. Apendicite ilíaca: úlcera duodenal perfurada; doença de Crohn; carcinoma de ceco ou íleo; tuberculose ileocecal; litíase ureteral; diverticulite de Meckel; abscesso do psoas; tuberculose coxofemoral; ruptura do músculo reto do abdômen; tiflite. 317

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C. Apendicite pélvica: obstrução intestinal; diverticulite com abscesso. D. Em mulheres: gravidez ectópica; torção de pedículo de cisto de ovário; salpingite; abortamento; colite. E. Em países tropicais: hepatite; ruptura de abscesso; tiflite; malária. F. Em crianças: infecção intestinal; linfadenite mesentérica; pneumonia da base direita; infecção urinária. VII. Tratamento. Há somente um tratamento efetivo para a apendicite aguda: apendicectomia. Tratar apendicite aguda com antibióticos é, antes de tudo, ignorar a etiopatogenia obstrutiva do processo. Nos casos iniciais e com o paciente em bom estado geral, a cirurgia é imediata. Naqueles casos em que o estado geral está comprometido, devem-se corrigir as alterações hemodinâmicas, ácido-básicas e hidroeletrolíticas, antes da cirurgia. Na forma hiperplástica, com plastrão no quadrante inferior direito, o tratamento é feito, de início, com antibiótico, analgésico e terapia de suporte. Existem duas opções para o tratamento definitivo: Tratamento cirúrgico com apendicectomia. Tão logo o paciente venha a apresentar condições gerais satisfatórias, a cirurgia será indicada. Os partidários da exérese do órgão justificam a conduta principalmente por ela requerer um menor tempo de permanência hospitalar (Fig. 31-3). Tratamento conservador. Mantêm-se o uso de antibióticos e a cobertura do estado geral, a fim de se esfriar o processo e operar eletivamente. Não havendo melhora, ou no caso de dúvida diagnóstica em relação ao tumor inflamatório, é indicada a cirurgia. Os adeptos do tratamento conservador argumentam que ele evita a ocorrência de lesões intestinais, fístulas, além de prevenir a disseminação do processo infeccioso para a cavidade peritoneal restante. A. Tática cirúrgica 1. Incisão de Babcock, usada com freqüência nos casos iniciais. 2. Laparotomia paramediana, pararretal interna direita, médio e infra-umbilical, deverá ser indicada quando houver: 318

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a. Presença de abscesso-plastrão. b. Peritonite generalizada. c. Dúvida diagnóstica. d. Paciente obeso. 3. Ao se abrir o peritônio, qualquer fluido deve ser colhido para cultura e antibiograma. Se possível, devem-se pesquisar também anaeróbios. 4. Apendicectomia. 5. Ligadura e invaginação do coto apendicular através de uma sutura em bolsa. 6. Em caso de edema inflamatório do ceco, pode-se usar um método alternativo para tratamento do coto apendicular: técnica de Parker-Kerr. 7. Em caso de peritonite generalizada, a cavidade deve ser lavada copiosamente com soro fisiológico. B. Drenos 1. Não usar drenos em apendicite aguda simples. 2. Colocar dreno apenas nas coleções (lojas) de pus localizadas. Usa-se o Penrose por contra-abertura. 3. O maior problema da drenagem está nos casos de peritonite generalizada. Alguns cirurgiões preconizam o uso de drenos (fossa apendicular, pelve, goteiras parietocólicas) como sendo capazes de evitar a formação de abscessos. Outros são contrários à drenagem da cavidade nas peritonites generalizadas, com as seguintes justificativas: a. Os drenos, em geral, ficam praticamente obstruídos após 24 horas. b. Não evitam a formação de abscessos. c. Potencialmente perigosos, por favorecerem a formação de aderências ao seu redor. d. Os drenos podem atuar nos dois sentidos, permitindo a penetração de bactérias na cavidade abdominal. Assim, desaconselhamos o uso de drenos nas peritonites generalizadas. C. Fechamento da parede

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1. Se o apêndice não estiver gangrenado ou perfurado, a incisão é fechada primariamente. 2. Se o apêndice estiver gangrenado ou perfurado, a gordura subcutânea e a pele podem ser deixadas abertas, apenas com curativo. É o fechamento retardado. Depende das condições da ferida e da decisão do cirurgião. Optando-se pelo fechamento retardado, aconselham-se os seguintes cuidados: a. No terceiro dia de pós-operatório, trocar o curativo. Caso não haja sinais de infecção (hiperemia, secreção purulenta, necrose do tecido gorduroso), fazer o fechamento. b. Existindo infecção, deixar a ferida aberta, protegida por curativo, que deve ser trocado pelo menos uma vez ao dia. Quando a ferida estiver limpa, sem sinais de infecção, será submetida ao fechamento. D. Antibióticos. Ainda não há consenso em relação ao uso de antibióticos na apendicite aguda. De modo geral, eles são indicados quando ocorre a formação do abscesso ou a perfuração livre. Como as condições do apêndice e de suas estruturas circundantes não podem ser corretamente avaliadas até o início da operação, é prudente o uso de antibióticos (uma dose) no pré-operatório. A continuação da terapêutica vai depender dos achados operatórios, ou seja: 1. Inflamação restrita ao apêndice: antibiótico somente no pré-operatório. 2. Inflamação com periapendicite, sem pus: antibiótico somente no pré-operatório. 3. Perfuração do apêndice, com abscesso localizado: recomendado o uso de antibióticos. 4. Apendicite aguda com peritonite generalizada: antibióticos, com esquema tríplice. Vimos, em II, que a bacteriologia da apendicite aguda é representada por uma associação de bactérias aeróbicas e anaeróbicas. Assim, a terapêutica com antibióticos deve ser baseada no uso de medicamentos para aeróbios e anaeróbios. As combinações podem ser variáveis entre as drogas: ampicilina, gentamicina, cefalotina, cefaloridina, cefamandol, clindamicina, metronidazol, cloranfenicol, cefaxitina e imipenem. Temos usado a associação de clindamicina com aminoglicosídeo. E. Apendicectomia por cirurgia videolaparoscópica. Hoje é bastante empregada. Isto se deve ao melhor treinamento com a conseqüente experiência adquirida pela equipe cirúrgica; várias técnicas têm sido descritas e empregadas. VIII. Complicações Pós-Operatórias.

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As complicações mais freqüentes após apendicectomia estão principalmente relacionadas com o grau de inflamação apendicular. É importante levar em conta o tempo decorrido entre o início do quadro e o momento da cirurgia. As complicações mais freqüentes são: abscessos de parede, abscessos residuais, obstrução intestinal, fístula fecal, evisceração, eventração, peritonites e hemorragia. Referências 1. Botsford TW, Wilson RE. Apendicite aguda. In: Botsford TW. Abdome — Diagnóstico e Tratamento. 1 ed., Rio de Janeiro: Interamericana, 1979: 121-8. 2. Cançado JR. Apendicite aguda. In: Dani R, Castro LP. Gastroenterologia. Vol 2. 3 ed., Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 1993: 962-70. 3. Cope Z. Apendicite. In: Cope Z. Diagnóstico Precoce do Abdome Agudo. 14 ed., Rio de Janeiro: Atheneo, 1976: 51-64. 4. Gorbach SL, Bartlett JG, Nichols RL. Manual of Surgical Infections. Apendicitis, 1984: 28. 5. Maingot R. Apendicite vermiforme. In: Maingot R. Operaciones Abdominales. 4 ed., Argentina: Editorial Médica Panamericana, 1966: 885-67. 6. De Manzini N, Rohr S, Adami A, Meyr C. In: N. Meinero G. Menotti Ph Mouret. Cirurgia Laparoscópica. Buenos Aires: Editorial Médica Panamericana, 1996: 339-45. 7. Puilaert JBCM. Ultrasound of Apendicitis and its Differential Diagnosis. Springer Verlag, 1990. 8. Rasshan S. Afecções cirúrgicas de urgência. In: Apendicite Aguda Hiperplástica, Guanabara Koogan, 1985: 74. 9. Rocha PRS, Souza C. Apendicite aguda. In: Abdome Agudo, parte 3. Ed. Guanabara Koogan, 1987. 10. Storer EH. In: Simmons RL, Howard RJ. Appendicitis. In: Surgical Infections Diseases. 1 ed., Nova York: Apleton Century Crofts, 1982: 975-84. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 32 - Úlceras Gastroduodenais Pépticas Perfuradas Ronan Coelho Caldeira Walter Antônio Pereira I. Generalidades. Cerca de 25 milhões de pessoas nos Estados Unidos da América apresentaram um quadro de doença ulcerosa péptica em um determinado período de suas vidas. Uma alta proporção dos quadros (pelo menos 90%) é causada pela infecção pelo Helicobacter pylori. Entre as causas de abdômen agudo não-traumático, as perfurações gastroduodenais, comumente conseqüentes a uma úlcera péptica perfurada, estão entre as mais freqüentes, seguindo-se as apendicites e obstruções intestinais. Elas são observadas predominantemente nos jovens, metade dos casos ocorrendo em pacientes de 20 a 40 anos. Apenas 20% dos pacientes têm mais de 60 anos de idade. As úlceras duodenais perfuram, de um modo geral, a parede anterior e a curvatura, sendo que as da parede posterior penetram órgãos adjacentes. As úlceras gástricas perfuram, usualmente, a parede anterior da região pré-pilórica, tendo diâmetro inferior a 1 cm; as da parede posterior geralmente penetram órgãos vizinhos (o abscesso hepático é uma complicação rara da perfuração), mas podem perfurar a retrocavidade dos epíploons, quando ocasionam pequena sintomatologia, dificultando o diagnóstico. A área mais acometida é a do duodeno, em proporção de 14:1 em relação ao estômago. A mortalidade, porém, é proporcionalmente maior nas perfurações gástricas, em torno de 20%, talvez porque elas acometam pacientes mais idosos. A mortalidade por úlcera duodenal perfurada é de 12%. Quando a perfuração está associada à hemorragia, há um aumento de 10-15% no índice de mortalidade. Pacientes com mais de 70 anos de idade apresentam mortalidade acima do dobro em relação aos pacientes com menos idade. Outros fatores de risco nos portadores de perfuração são a presença de choque (pressão sistólica menor do que 100 mmHg), doença clínica concomitante grave e evolução prolongada da perfuração (maior do que 24 horas). Os pacientes acometidos de úlcera perfurada podem ou não apresentar sintomas dispépticos pregressos, sendo considerados como crônicos os que apresentam dispepsia há mais de três meses e agudos os que a apresentam há menos de três meses ou que não a apresentam. O uso de medicamentos ulcerogênicos é o único fator de risco bem-documentado para a perfuração de uma úlcera péptica, mas representa apenas um quarto destes eventos. O tabagismo também tem uma associação com a perfuração. Cerca de 7% dos portadores de úlceras gástricas perfuradas têm, na verdade, carcinomas perfurados. O diagnóstico das úlceras perfuradas é fácil, porém o erro ou retardo na identificação da doença implica prognóstico bastante sombrio, pois atrasa a instituição do tratamento adequado. 322

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II. Diagnóstico. O diagnóstico da perfuração gastroduodenal não é difícil, caso o paciente seja adequadamente avaliado. Devido ao grande desconforto relatado pelo paciente, este procura o Serviço de Urgência rapidamente, sendo possíveis o diagnóstico e o tratamento precoces. A. Dor. É o sintoma mais importante e decorre da estimulação de terminações nervosas peritoneais pelo suco gástrico, que inunda a cavidade peritoneal e persiste durante toda a evolução da doença. É de início súbito, de localização epigástrica e rápida expansão para o flanco e a fossa ilíaca direita e, posteriormente, para todo o abdômen. Pode ocorrer dor em um ou em ambos os ombros, em decorrência da irritação frênica. O peritônio pélvico é doloroso, o que pode ser evidenciado pelo toque retal ou vaginal. Devido à piora da dor com a movimentação, o paciente procura manter-se imóvel e adota posição antálgica, com pernas fletidas sobre o tronco. A respiração torna-se superficial, pois a inspiração e a tosse ou o espirro fazem piorar a dor. Pode haver uma melhora parcial da dor abdominal independentemente do uso de analgésicos, mas esta melhora raramente é significativa; o paciente cursa com dor todo o tempo, a menos que seja imediatamente tratado. B. Contratura abdominal. É um sinal que persiste até a fase de toxemia, sendo indicativo de grave doença intra-abdominal. Ao exame, encontramos músculos abdominais rígidos à palpação e à respiração, sendo isto conhecido como abdômen em tábua. A tentativa de se pressionar a musculatura abdominal exacerba a dor e pode provocar vômitos. C. Vômitos. Nas fases iniciais da perfuração, os vômitos surgem devido à dor abdominal intensa e à estimulação da inervação do peritônio. À medida que o processo evolui, eles desaparecem, para voltarem mais freqüentemente quando se instala a toxemia, caso o paciente não seja tratado adequadamente. D. Timpanismo hepático. Deve ser pesquisado com percussão sobre a linha axilar média, sendo a evidência de timpanismo até 4 cm ou mais da reborda costal indicativa de gás livre na cavidade peritoneal. E. Outros sinais. O paciente portador de perfuração gastroduodenal pode, ainda nas fases iniciais, apresentar quadro sincopal, extremidades frias e hipotermia. Nas fases finais, quando não tratado, ele apresenta quadro toxêmico grave. F. Estudo radiológico. Sessenta a 75% dos pacientes apresentam pneumoperitônio ao estudo radiológico convencional, ou seja, incidências de tórax em ortostatismo, abdômen simples em ortostatismo ou decúbito lateral esquerdo com raios horizontais naqueles pacientes que não conseguem sentar-se ou ficar de pé. É importante que, para as incidências em ortostatismo, o paciente permaneça de pé ou sentado durante 10 minutos antes de submeter-se ao exame. O pneumoperitônio ocorre cedo na evolução da perfuração; assim, 323

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caso ele não surja nas primeiras horas de evolução, proavelmente não aparecerá em radiografias seqüenciais. A imagem radiográfica de pneumoperitônio é mais comum nos pacientes mais idosos e não tem relação com a localização da perfuração no trato gastrointestinal no que diz respeito à maior ou menor freqüência. O exame contrastado do estômago e do duodeno, em geral, não é necessário para o diagnóstico. Quando indicado, ele deve ser realizado com contraste hidrossolúvel, mostrando o local da perfuração em torno de 60% dos casos. Quando não há vazamento de contraste, isto significa que a lesão está tamponada por epíploon ou estruturas adjacentes, ou que a causa da dor abdominal ou do pneumoperitônio não é decorrente da perfuração do estômago ou do duodeno. A tomografia computadorizada parece poder detectar ar livre na cavidade peritoneal quando a radiografia simples falhou em mostrá-lo, podendo ser importante nos casos de perfurações confinadas ou nas perfurações para a retrocavidade dos epíploons. III. Tratamento. O tratamento inicial é constituído pela avaliação clínica minuciosa com monitoração freqüente de pressão arterial, pulso e diurese, através de cateter vesical de demora. Nos pacientes com idade avançada, cardiopatas ou que necessitam de grande reposição hídrica, o cateterismo de uma veia central para a medida da PVC é imperativo. Deve-se procurar melhorar as condições gerais do paciente através da reposição hidroeletrolítica, aspiração do conteúdo gástrico por sonda nasogástrica e antibioticoterapia de largo espectro de ação, lembrando que as infecções mais encontradas são as associadas por estreptococos e E. coli. O uso de analgésicos só deve ser instituído após estabelecido o diagnóstico correto ou, se este não for possível, quando estiver formalmente indicada a cirurgia exploradora. Não existe consenso quanto ao melhor tratamento após a melhoria das condições do estado geral do paciente. A maioria dos Centros Médicos indica exploração cirúrgica, mas alguns autores têm publicado séries de estudos de pacientes tratados de modo conservador com resultados comparáveis aos da cirurgia, em relação à mortalidade. Mesmo entre os que advogam a abordagem cirúrgica, não há consenso quanto à melhor técnica a ser empregada. A. Tratamento conservador. Apesar de instituído por Taylor desde 1946, quando ele obteve índice de mortalidade menor do que aqueles obtidos por exploração cirúrgica na época, ainda é considerado como tratamento de exceção. Constitui-se em aspiração do conteúdo gástrico, reposição hidroeletrolítica, antibioticoterapia sistêmica e analgésicos; deve ser acompanhado por cirurgiões experientes, para que cirurgia não seja indicada tardiamente em caso de insucesso no tratamento. De preferência, deve-se evidenciar tamponamento da perfuração por exame contrastado com oposição hidrossolúvel e, após cinco a seis horas de tratamento, pesquisar se houve melhora dos achados abdominais, se não ocorreu aumento do pneumoperitônio e se os sinais vitais encontram-se estáveis. Caso o exame clínico indique piora nestes parâmetros, a indicação da exploração cirúrgica será formalizada.

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O tratamento conservador está indicado em pacientes com grande risco cirúrgico, nos pacientes idosos e em portadores de doenças graves; está contra-indicado em pacientes com mais de 70 anos, pois o índice de insucesso é muito grande, e em úlceras gástricas perfuradas, pelo risco de tratar-se de carcinoma perfurado. B. Tratamento cirúrgico. É considerado como o tratamento de escolha. Apesar da discussão acerca da melhor técnica cirúrgica a ser empregada, é absolutamente necessário o achado da perfuração e a sua sutura. Basicamente, dispomos de duas formas de tratamento, que são: (1) fechamento cirúrgico da perfuração; (2) fechamento cirúrgico da perfuração associado a um procedimento operatório para redução da secreção ácida. A técnica de maior uso nas perfurações é a sutura simples, colocando-se alguns pontos separados através da abertura, reforçados por uma mecha de epíploon (epiploplastia ou remendo de Graham). Este é considerado um procedimento simples e seguro. Em caso de perfurações de grandes dimensões ou em que a sutura não é possível devido a fatores locais, pode-se fazer uma gastrostomia com sonda de Foley ou uma duodenostomia com tubo em T de grosso calibre, levado até a parede abdominal em um túnel de epíploon. Sempre que houver perfuração no estômago, deve-se efetuar biópsia das bordas da úlcera ou ressecção cuneiforme para exame anatomopatológico e pesquisa de neoplasia. O uso de procedimento redutor de ácido combinado com a sutura da lesão vem sendo cada vez mais citado na abordagem dos portadores de úlceras duodenais perfuradas. Acredita-se que a recorrência da doença ulcerosa diminua e que uma segunda cirurgia por qualquer motivo relacionado à doença péptica também diminua em relação aos pacientes tratados apenas com sutura. Sabe-se, no entanto, que 50% dos pacientes tidos como sintomáticos crônicos de úlcera duodenal (dispepsia há mais de três meses) e 70% dos sintomáticos agudos (dispepsia ausente ou há menos de três meses) permanecem livres de úlcera péptica mesmo na ausência de procedimento redutor de ácido. As técnicas empregadas para redução ácida combinada com a sutura são a vagotomia troncular com piloroplastia, vagotomia troncular com antrectomia, vagotomia troncular com hemigastrectomia e vagotomia super-seletiva ou proximal. Destas, a vagotomia superseletiva é tida como a mais vantajosa, pois aumenta o índice de cura em relação à sutura simples e acarreta menores índices de complicações pós-operatórias (diarréia e dumping) e mortalidade, quando comparada à gastrectomia e à vagotomia com drenagem. No Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, de Belo Horizonte, mais de 90% dos casos operados de úlcera perfurada gástrica ou duodenal são tratados com sutura simples e limpeza exaustiva da cavidade peritoneal com solução fisiológica morna. A drenagem peritoneal pode ser necessária nos pacientes com evolução tardia da perfuração, quando a sutura não oferece segurança total, e naqueles que, por qualquer motivo, possam evoluir para fístulas ou abscessos. O papel da cirurgia videolaparoscópica para o reparo da úlcera péptica perfurada já foi estabelecido. Entretanto, avaliar se o reparo videolaparoscópico é melhor do que o reparo 325

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cirúrgico direto ainda não se encontra bem-determinado. O reparo videolaparoscópico é mais demorado do que a cirurgia direta, mas em geral, o pós-operatório é menos doloroso, e o tempo de hospitalização parece ser menor. A técnica usada por videolaparoscopia, na qual, em vez de se realizar uma sutura laparoscópica da perfuração, introduz-se através dela uma porção do grande omento, tem, aparentemente, vários benefícios (comprovados em modelo experimental animal): é mais rápida, favorece a cicatrização da úlcera e inibe a sua recorrência. Referências 1. Boey J et al. Proximal gastric vagotomy. The perferred operation to perforations in acute duodenal ulcers. Am Surg 1988; 208: 169. 2. Bormann PC et al. Simple closure of perforated duodenal ulcer: a prospective evaluation of a conservative management policy. Br J Surg 1990; 77: 73. 3. Campos JVM et al. Urgências nas úlceras pépticas gástrica e duodenal. Arq Gastroenterol 1988; 23: 169. 4. Christensen A et al. Incidence of perforated and bleeding peptic ulcers before and after the introduction of H2-receptor antagonist. Am Surg 1988; 207: 4. 5. Conservative management of perforated peptic ulcer. Lancet 1989; 2(8.677): 1.429. 6. Crofts TJ et al. A randomized trial of nonperative treatment for perforated peptic ulcer. N Engl J Med 1989; 320: 970. 7. Delaitre B et al. Ulcères gatroduodénaux perforés. Traitement par dialyse peritonéale. Presse Med 1988; 17: 1.297. 8. Falk GL et al. Highly selective vagotomy in the treatment of complicated duodenal ulcer. Med J Aust 1990; 152: 574. 9. Hodnett RM et al. The need for management of perforated gastric ulcer. Review of 202 cases. Am Surg 1989; 209: 36. 10. Irvin TT. Mortality and perforated ulcer: a case for risk stratification in elderly patients. Br J Surg 1989; 76: 215. 11. Jacobs JM et al. Peptic ulcer disease: CT evaluation. Radiology 1989; 178: 745. 12. Keane TE et al. Conservative management of perforated duodenal ulcer. Br J Surg 1988; 76: 583. 13. Lanng C et al. Perforated gastric ulcer. Br J Surg 1988; 75: 758.

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Capítulo 33 - Obstrução Intestinal Norton Costa e Silva Ronan Coelho Caldeira I. Introdução. As diversas formas de abdômen agudo conhecidas podem ser agrupadas em cinco grandes grupos ou síndromes: síndrome inflamatória, síndrome perfurativa, síndrome hemorrágica, síndrome isquêmica e síndrome obstrutiva. A síndrome obstrutiva, objeto de nosso estudo, engloba, na verdade, todos aqueles pacientes que apresentam, por um motivo ou outro, interrupção ou retardo no funcionamento normal do tubo intestinal. Diferentemente das demais, esta síndrome não cursa com irritação peritoneal. Quando se instala o quadro de irritação peritoneal, seguramente o nosso diagnóstico está sendo feito tardiamente, com prognóstico reservado. Muitas vezes é o paciente quem deixa para procurar o médico somente quando sua doença está complicada. O que não é admissível é retardarmos o diagnóstico e o tratamento daquele que nos procura em tempo hábil. É evidente que, quanto mais rapidamente o paciente for tratado, menores serão as chances de que se instalem e desenvolvam as principais complicações. A. Estado catabólico. O paciente obstruído não se alimenta adequadamente e seus estoques de glicogênio e gordura são depletados para fornecer calorias. B. Distúrbio hidreletrolítico. Ocorrerá, além de perdas externas através de vômito e/ou drenagem gástrica, seqüestração de líquidos e eletrólitos na luz intestinal e na cavidade peritoneal. C. Sofrimento de alças. O pedículo vascular do intestino pode ser de tal modo comprimido, que o seu suprimento sangüíneo fica comprometido. Às vezes, a própria distensão da alça comprime os vasos, isquemiando-a, favorecendo assim a instalação de perfuração. Isto é particularmente verdadeiro nas obstruções de cólon, onde a vascularização é mais pobre do que no intestino delgado. II. Etiopatogenia. A obstrução intestinal pode ser causada por um obstáculo mecânico, qundo é denominada obstrução mecânica, ou por paralisia do músculo intestinal, chamado íleo paralítico. Na abordagem inicial do paciente obstruído, é importante diferenciarmos estas duas entidades, já que elas possuem causas e tratamentos distintos. A. Íleo paralítico. Este é um transtorno comum, podendo ser causado por diversos fatores neurogênicos, humorais e metabólicos. Ocorre em graus variáveis após toda cirurgia abdominal. As principais causas de íleo paralítico são: 1. Reflexo 328

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a. Litíases biliar e urinária. Na distensão da via biliar ou do ureter surgem reflexos que inibem a motilidade intestinal. b. Pneumonia de base. c. Fratura de costelas, coluna e hematoma retroperitoneal. d. Infarto do miocárdio (região diafragmática). e. Abscesso de parede. f. Nas peritonites. 2. Vasculite. Pode ocorrer íleo paralítico no curso de algumas enfermidades, como na panarterite nodosa, na esquistossomose (provocada pelo verme vivo), na sífilis, crise drepanocítica, embolia e trombose venosa e/ou arterial. 3. Na carcinomatose 4. Na esclerodermia 5. Nos distúrbios hidroeletrolíticos, particularmente a hipopotassemia, porque interfere nos movimentos iônicos normais durante a contração do músculo liso. 6. Comprometimento ganglionar. Pode ocorrer na doença de Chagas, no diabetes descompensado, devido a algumas toxinas (botulismo, aracnidismo, influenza, difteria, febre tifóide, lepra), no uso de algumas drogas anticolinérgicas (atropina, escopolamina), bloqueadores ganglionares etc. 7. Comprometimento nervoso. Ocorre nas chamadas polineuropatias, que podem ser infecciosas (tifo, parotidite, difteria, herpes zoster), degenerativas (amiloidose, LES, artrite reumatóide, sarcoidose, panarterite nodosa) e metabólicas (intoxicação pelo tálio, chumbo, arsênio e fosfato) e ainda no diabetes, no etilismo, na porfiria e uremia. 8. Histerismo B. Obstrução mecânica. A obstrução mecânica do tubo digestivo pode ser causada por obstáculos que se situam em três sítios: extraluminal, na parede da alça e intraluminal. 1. Causas extraluminais. Formam o grupo mais importante. Incluem as aderências, hérnias, o vólvulo, as neoplasias etc. As principais causas de obstrução intestinal do adulto são as bridas e aderências, seguidas de hérnias. As aderências pós-operatórias ocorrem após quase todas as cirurgias abdominais e são a principal causa de obstrução intestinal, representando mais de 40% de todos os casos, e de 60 a 70% dos casos que acometem o intestino delgado. As aderências podem ser 329

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também de origem inflamatória. O tipo de cirurgia que mais freqüentemente leva à obstrução é a cirurgia colorretal (especialmente a retal), a apendicectomia e os procedimentos ginecológicos. Cerca de 1% dos pacientes desenvolve obstrução por bridas no primeiro ano após cirurgia abdominal, sendo que metade dos casos ocorre no primeiro mês pós-operatório. Entretanto, a obstrução pode ocorrer a qualquer momento, e cerca de 20% dos casos surgem mais de 10 anos após a cirurgia original. Os índices de mortalidade vão de 3%, para obstruções simples, até 30%, nos casos de perfuração ou necrose intestinal. A obstrução intestinal por hérnia, que até pouco tempo ocupava o primeiro lugar em importância, atualmente está em segundo, exatamente pelo grande número de cirurgias abdominais realizadas, e que propiciam a ocorrência de quadros obstrutivos. As hérnias podem ser externas ou internas. As hérnias externas constituem o grupo mais numeroso. Elas podem ser inguinais (diretas ou indiretas), femorais, incisionais, umbilicais, lombares etc. As hérnias internas, como aquelas que se fazem através do ligamento de Treitz, hérnias do assoalho pélvico etc., formam um grupo menos numeroso, porém muito importante, devido à dificuldade que existe em se firmar o diagnóstico. O vólvulo é a torção de um segmento do tubo digestivo em torno de seu pedículo. Ele pode ser devido à malformação ou à presença de meso longo ou anormalmente fixado. Constitui importante causa de obstrução intestinal, mormente o vólvulo do sigmóide, devido à alta incidência de doença de Chagas em nosso meio. O vólvulo do intestino delgado pode ser causado por aderências, tumores, divertículos etc. O do intestino médio ocorre quando o mesentério do intestino delgado é anormalmente longo e aderente aos seus ligamentos, de modo que existe a possibilidade de ele rodar em torno de si mesmo. Forma-se então obstrução em alça fechada, impossível de ser descomprimida. Se ocorre infarto, a lesão é incompatível com a vida, dada a sua extensão. O vólvulo do intestino grosso pode situar-se no ceco, no cólon transverso e no sigmóide. O do ceco, pouco freqüente, ocorre quando existe grande mobilidade em decorrência de fixação inadequada à parede abdominal. O vólvulo do cólon transverso pode decorrer de um obstáculo distal, como neoplasia, fecaloma etc.; é raro. O do sigmóide, de importância singular em nosso meio, devido à doença de Chagas, é o mais freqüente. Ele se deve basicamente ao dolicomegacólon. Tumores metastáticos podem comprimir o intestino, provocando obstrução. O local preferencial desta ocorrência situa-se ao nível da região peritoneal ou fundo-de-saco de Douglas. Os tumores que determinam obstrução com mais freqüência são o ovariano, o gástrico e o do colo uterino. 2. Obstrução devida à alteração da parede da alça intestinal. Esta é provocada por tumor benigno, estenose inflamatória e tumor maligno. A obstrução intestinal mecânica ocorre, em mais ou menos 80% dos casos, no intestino delgado e, em 20%, no grosso. As neoplasias malignas que obstruem são muito mais freqüentes no cólon, principalmente o esquerdo. Os tumores do intestino delgado, malignos ou benignos, podem provocar obstrução intestinal, inclusive funcionar como cabeça de invaginação. Leiomiomas, lipomas, adenomas, leiomiossarcomas, carcinomas e carcinóides são exemplos. No cólon, os tumores malignos podem provocar obstrução mecânica, quando já circundam quase que totalmente o intestino. O carcinoma do cólon direito raramente causa obstrução, 330

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pois esta região é mais distensível, e as fezes aí são mais líquidas. O que se observa normalmente é sangramento, que pode levar à anemia. Das obstruções do cólon causadas por câncer, 90% se localizam abaixo do ângulo esplênico. As estenoses inflamatórias, tipo granulomatosas, podem provocar obstrução da luz intestinal. Como exemplo, podem ser citadas a doença de Crohn, a tuberculose intestinal, a forma pseudotumoral de esquistossomose, a sarcoidose e a sífilis. 3. Obstrução por fator luminal. Neste grupo estão incluídos intussuscepção, íleo biliar, obstrução por vermes volumosos, fecalomas etc. A invaginação é uma causa importante de obstrução nas crianças até os 2 anos de idade. Pode também ocorrer no adulto, embora raramente. Existem três tipos: ileoileal ou enteroentérica, ileocecal e colocólica. A forma ileocecal é a mais freqüente. Aqui, a válvula ileocecal funciona como a cabeça da invaginação. O íleo biliar é a obstrução intestinal que surge quando um grande cálculo biliar chega ao duodeno através de uma fístula biliodigestiva, mais precisamente entre a vesícula e o duodeno. Os pontos onde normalmente ocorre a impactação estão localizados ao nível do ligamento de Treitz ou na válvula ileocecal. Algumas vezes, o intestino delgado pode ser obstruído por uma massa de alimentos não digeridos, como bagaço de laranja, couve, frutas secas, caqui etc. É o chamado fitobezoar. Ele ocorre normalmente em pacientes já operados de doença cloridropéptica, onde a vagotomia fez parte do tratamento. Nos pacientes psiquiátricos, a ingestão de cabelo pode provocar obstrução. É o chamado tricobezoar. A criança pode ter seu intestino delgado obstruído por um bolo de vermes volumosos, como a Ascaris lumbricoides. Esta impactação também ocorre preferencialmente ao nível da válvula ileocecal. A obstrução intestinal secundária à ascaridíase resulta de uma infestação maciça pelo verme. Convém ressaltar, porém, que o fato de uma criança obstruída vomitar um destes vermes não conclui o diagnóstico de obstrução por Ascaris. O fecaloma em nosso meio, devido à alta incidência de doença de Chagas, é causa freqüente de obstrução do intestino grosso. Geralmente há constipação intestinal crônica, abdômen globoso e história de contato com triatomíneos. III. Diagnóstico A. Diagnóstico clínico. São cinco as indagações que o cirurgião deve ter em mente perante um paciente suspeito de apresentar obstrução intestinal: (1) Existe obstrução mecânica? (2) Qual o nível da obstrução? (3) Qual é a etiologia? (4) Há estrangulamento? (5) Qual é o estado atual do paciente? 331

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1. É importante descartar o íleo paralítico logo na avaliação inicial do paciente. No íleo paralítico, independentemente da causa básica, a cólica está ausente, há interrupção na eliminação de gases e fezes, distensão abdominal e vômitos, sendo estes últimos menos freqüentes do que na obstrução mecânica. Na ausculta abdominal inicial, não se evidenciam ruídos peristálticos em pesquisa por 3-5 minutos. A obstrução mecânica apresenta distensão a montante do local obstruído, a dor é em paroxismos de cólicas a cada 4-5 minutos na obstrução mais proximal e menos freqüente nas distais, mas podendo desaparecer após a distensão intestinal ter-se instalado. Quando surge dor contínua, deve-se pensar em estrangulamento. Há interrupção na eliminação de gazes e fezes, mas, nas obstruções altas, o paciente pode evacuar o conteúdo distal. Os vômitos serão tanto mais intensos quanto mais alta for a obstrução; o vômito fecalóide é devido à obstrução mecânica e não é patognomônico de obstrução baixa, podendo, também, ocorrer nas obstruções altas, em decorrência da proliferação bacteriana. Ao exame físico, o abdômen apresenta-se mais ou menos distendido, dependendo do nível da obstrução, mas sem defesa abdominal. Se surgir irritação peritoneal, esta será um sinal de sofrimento de alça. O peristaltismo na obstrução mecânica é aumentado, podendo ser audível a intervalos maiores ou menores, dependendo de o processo ser alto ou baixo, respectivamente. A intussuscepção é a única situação em que pode haver necrose de alças e não surgir irritação peritoneal típica, já que o segmento necrosado está protegido pela alça sã. Na invaginação, a massa mole, em forma de salsicha, que é normalmente palpável no abdômen, se torna dura logo antes de a criança relatar dor, podendo haver evacuação de muco e sangue. Na invaginação enterocólica, a massa abdominal caminha em direção ao hipocôndrio direito, e ocorre o esvaziamento da fossa ilíaca direita (sinal de Dance), devido à penetração do ceco no cólon ascendente. O paciente deve ser examinado cuidadosamente para a pesquisa de hérnias encarceradas. 2. Os sintomas variam, dependendo do segmento ocluído. A obstrução pode ser classificada como: do segmento delgado alto (duodeno ou jejuno proximal), do segmento delgado baixo (jejuno distal e íleo) e do intestino grosso. Para efeito prático, consideramos a obstrução como sendo alta (delgado) ou baixa (grosso). A obstrução alta apresenta início súbito e curso rápido. O paciente relata dor tipo cólica a pequenos intervalos e vômitos abundantes. Conseqüentemente, surgem precocemente desidratação e choque hipovolêmico. A inspeção do abdômen evidencia pouca ou nenhuma distensão. O que chama a atenção é o grande comprometimento do estado geral do paciente, diferentemente da obstrução baixa, onde o estado geral é mantido, não obstante haja acentuado comprometimento local, ou seja, da alça obstruída. O início da obstrução baixa é geralmente insidioso e cursa lentamente. Os paroxismos dolorosos são espaçados, e os vômitos, infreqüentes. Em contrapartida, a distensão é acentuada. Precisar o nível da obstrução pode contribuir na elucidação da provável causa etiológica. Sabe-se que o intestino delgado obstrui-se quatro vezes mais do que o grosso e que geralmente o faz por 332

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aderências e hérnias. No intestino grosso, devemos sempre considerar a possibilidade de neoplasia maligna, principalmente se o paciente é idoso. 3. Estabelecer a etiologia da obstrução mecânica é muitas vezes desnecessário, porém torna-se útil em algumas situações, já que a cirurgia pode ser evitada. Assim ocorre na obstrução por Ascaris, em que o paciente pode apresentar uma massa comprimida ao nível da fossa ilíaca direita. A radiografia simples de abdômen evidenciará uma área de aspecto mosqueado, às vezes o próprio verme em contraste com o ar. A idade do paciente ajuda na avaliação etiológica, pois, em geral, na maturidade predominam as lesões malignas do intestino grosso, enquanto na primeira infância predomina a intussuscepção e, na adolescência, as bridas e aderências, sendo que em nosso meio os bolos de Ascaris estão presentes na infância. 4. O paciente com obstrução mecânica que passa a apresentar dor abdominal contínua, defesa abdominal, febre e diminuição do peristaltismo está certamente desenvolvendo sofrimento de alça; surge leucocitose com desvio para a esquerda, e a amilase pode elevarse. Instala-se, pois, íleo paralítico por peritonite sobre o quadro de obstrução mecânica. Esta é uma situação de urgência, e a cirurgia não pode ser protelada. 5. Estado do paciente. O paciente obstruído deve ter seu estado geral minuciosamente avaliado. É necessário detectar e corrigir os distúrbios hidroeletrolíticos que tão freqüentemente estão presentes, além de rastrear possíveis comprometimentos cardíaco, pulmonar e renal, principalmente no paciente idoso. Naqueles casos em que o diagnóstico foi obtido precocemente, a cirurgia também pode ser logo realizada. Porém, quando o diagnóstico é obtido tardiamente, deve-se retardar a cirurgia em algumas horas, para que estes distúrbios sejam corrigidos. Exceção à regra, os pacientes com sinais de sofrimento de alça não devem ter a cirurgia retardada. B. Exames complementares. Devem-se avaliar os pacientes, em geral aqueles com comprometimento local e sistêmico, laboratorialmente, quanto à presença de anemia, septicemia e distúrbio hidroeletrolítico. Na ausência de causa inflamatória, a leucocitose com desvio para a esquerda indica estrangulamento. O aumento da amilase também acompanha o quadro. O hematócrito elevado indica perda de água extracelular. O estudo radiológico é de grande importância. As radiografias não-contrastadas de abdômen devem ser feitas com o paciente em decúbito dorsal, posição ótima para o estudo da morfologia das alças, e em ortostatismo, que demonstra possíveis níveis hidroaéreos. Quando o paciente não consegue permanecer de pé, podem-se visualizar os níveis colocando-o em decúbito dorsal ou lateral e realizando o exame com raios horizontais. O exame contrastado poderá ser realizado em algumas situações especiais, como na elucidação de vólvulo de sigmóide, obstrução mecânica baixa de um modo geral e na invaginação intestinal, sendo que, nesta última, a pressão hidrostática da coluna de bário poderá reduzir a invaginação e, portanto, a obstrução. O enema baritado, porém, poderá ser perigoso, como na diverticulite do cólon e na apendicite, em que ele poderá precipitar perfurações, e na obstrução parcial do cólon, em que levaria à obstrução completa, em decorrência da viscosidade do bário.

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A propedêutica radiológica contribui no diagnóstico diferencial entre íleo paralítico e obstrução mecânica, caracteriza o nível obstruído, detecta algumas causas etiológicas e evidencia sinais de sofrimento de alça. Sabe-se que o intestino delgado normalmente não contém ar. Portanto, a presença de ar no intestino delgado é patológica, até que se prove o contrário. Obstruído o tubo digestivo, haverá acúmulo de ar, que é proveniente de três fontes, a saber: 1. CO2 resultante de reação química (ácido clorídrico e bicarbonato de sódio). Porém, este gás é quase que totalmente absorvido pela mucosa intestinal. 2. Gases resultantes da ação bacteriana. 3. Ar deglutido. Esta é a fonte principal, pois o nitrogênio é o principal componente e é pouco absorvido pelo intestino. O ar é um bom meio de contraste. Por meio de quatro parâmetros, podemos estabelecer se uma alça é do intestino delgado ou do grosso. Os parâmetros radiológicos são os seguintes: (a) diâmetro, (b) marcas transversais, (c) localização e (d) disposição. No íleo paralítico, há ar em todo o tubo intestinal de uma maneira mais ou menos uniforme. Na obstrução mecânica, o ar está presente apenas no ponto obstruído. Falta, portanto, a bolha na ampola retal, a não ser que tenha sido realizado exame proctológico prévio. Na obstrução do intestino delgado evidencia-se uma alça de menor diâmetro, com marcas transversais que vão de uma parede à outra, denominadas válvulas coniventes, que lembram uma imagem de espinha de peixe, de localização central e disposição transversal. Na obstrução do intestino grosso com válvula ileocecal competente, teremos uma alça de grande diâmetro, com marca transversal que não chega a ir de uma parede à outra, denominada haustração, localizada lateralmente e em posição vertical ou adotando a forma de uma moldura. Quando a válvula ileocecal torna-se incompetente, o ar flui para o intestino delgado, e radiologicamente o padrão é semelhante ao do íleo paralítico. Nesta situação, o enema opaco, realizado delicadamente, é de grande utilidade, pois pode, além de confirmar o diagnóstico de obstrução mecânica, estabelecer sua provável etiologia. No íleo biliar, o exame radiológico simples demonstra ar na via biliar, além de poder, em certas ocasiões, localizar o cálculo impactado. São considerados sinais sugestivos de sofrimento da alça a presença de edema de parede, o desaparecimento das marcas transversais, a presença de digitações e ar na parede da alça. Observa-se ainda que a alça necrosada tende a adotar, à radiologia, uma posição fixa, quer o exame seja feito com o paciente deitado ou de pé. A retossigmoidoscopia é útil na propedêutica das obstruções mecânicas distais do intestino grosso, além de propiciar a redução do vólvulo do sigmóide. O vólvulo de ceco, entidade incomum, apresenta-se, classicamente, nas radiografias simples de abdômen como uma alça de intestino grosso repleta de ar e em forma de feijão. 334

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A ultra-sonografia pode complementar um diagnóstico de obstrução intestinal — assim é que, na obstrução por Ascaris pode ser observada uma imagem característica de “trilho de estrada de ferro”. A tomografia computadorizada é um indicador pré-operatório de sensibilidade (mas não é completamente específico) da ocorrência de isquemia intestinal em pacientes com obstrução do intestino delgado secundária a hérnias ou aderências. IV. Tratamento. Podemos dividir o tratamento da obstrução intestinal em três itens: a reposição hidroeletrolítica, a descompressão intestinal e a remoção da causa da obstrução. Uma avaliação clínica cuidadosa deve ser feita para que sejam detectadas outras doenças que possam complicar o quadro clínico do paciente, como doenças renais, cardíacas e pulmonares. A reposição hídrica começa logo após a instituição do jejum absoluto. Quanto maior for o tempo de duração da obstrução, maiores poderão ser a desidratação e as alterações dos eletrólitos, necessitando, assim, de um maior tempo de reposição, caso seja necessário um procedimento cirúrgico intra-abdominal. Inicia-se uma reposição com soluções glicofisiológicas, enquanto são feitos os exames laboratoriais necessários para estimar as perdas e calcular o volume a ser infundido. O volume urinário deve ser medido, devendo-se instituir infusão de potássio somente após se conseguir um débito adequado. A medida da pressão venosa central é importante nos casos de desidratação intensa, nos cardiopatas e pneumopatas e nos pacientes chocados e com hemorragia concomitante. O eletrocardiograma para a observação da onda T e do segmento S-T auxilia na avaliação da eficácia da reposição, assim como a determinação do hematócrito estima a perda do líquido extracelular. Estudos laboratoriais seriados indicam a melhora do paciente e o momento de operá-lo. Não se deve, porém, aguardar a normalidade completa dos eletrólitos nos casos de estrangulamento, pois esta é uma situação que exige emergência na sua resolução. Enquanto o paciente é reanimado, adicionam-se antibióticos ao tratamento, principalmente em casos de estrangulamento, dirigidos contra microrganismos anaeróbios e gramnegativos. Na obstrução por Ascaris, utiliza-se óleo mineral, sendo que, tão logo este seja eliminado pelo ânus, utiliza-se a piperazina, que atua sobre a placa motora do verme, paralisando-o e evitando que haja perfuração intestinal. Nos casos de obstrução por Ascaris em que não exista resposta ao tratamento clínico e haja necessidade de cirurgia, observa-se uma mortalidade alta (podendo chegar a 50% nos casos operados com perfuração intestinal). A descompressão intestinal é realizada com o uso de sonda nasogástrica, que melhora a distensão e os vômitos, além de diminuir o risco de aspiração de conteúdo intestinal na indução anestésica. Este é o tratamento definitivo apenas nos casos de íleo paralítico em condições que respondem a tratamento medicamentoso. O método cirúrgico empregado na remoção da causa da obstrução será ditado pela condição patológica encontrada durante a laparotomia. A secção de aderências e bridas, a 335

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manipulação e redução de invaginações intestinais e vólvulos e a redução de hérnias encarceradas com tratamento adequado não necessitam de abertura das alças. A enterotomia será necessária no tratamento do íleo biliar e do bezoar. A excisão de uma lesão obstrutiva com anastomose primária é utilizada com freqüência nos casos de estrangulamento de alças e nos casos de tumores do ceco, praticando-se, nesta situação, uma ileotransversostomia. O bypass ou curto-circuito intestinal pode ser necessário na manipulação de obstrução tumoral do ceco em pacientes gravemente enfermos que suportariam uma colectomia e nas obstruções ileais da doença de Crohn, como, por exemplo, situações tratadas com ileotransversostomia. A confecção de uma fístula enterocutânea é um método comumente utilizado no tratamento de obstruções do intestino grosso, quando são realizadas colostomias devido às lesões obstrutivas. Caso as alças intestinais precisem ser abertas para o tratamento da obstrução, pode-se fazer a descompressão das mesmas retirando-se os líquidos de estase, tomando-se o cuidado para não contaminar a cavidade peritoneal com conteúdo entérico. No entanto, não se devem fazer descompressões de alças íntegras por punções ou enterotomias, pois estas aumentam o risco de infecção pós-operatória e de fístulas intestinais. A viabilidade das alças estranguladas deve ser pesquisada após liberação da obstrução. Para isto, deixa-se a alça envolta em compressa úmida com soro fisiológico morno por 10-20 minutos e observa-se a presença de cor normal vermelha ou rósea, a presença de peristalse e pulso nas artérias que irrigam o segmento intestinal. Métodos especiais de estudo da viabilidade intestinal, como uso de fluoresceína, termometria da alça e pesquisa de fluxo com fluxômetro a Doppler, não são empregados comumente em nosso meio. Pacientes com vólvulo de sigmóide podem ser tratados com sigmoidoscopia e preparo adequado para uma cirurgia corretiva definitiva; crianças com invaginação podem ser controladas com enema baritado; obstrução intestinal pós-operatória imediata é tratada com descompressão e hidratação adequada; pacientes com doença de Crohn e obstrução aguda podem ser controlados com descompressão por sonda e hidratação, que poderá levar à resolução do processo obstrutivo. Referências 1. Baker RJ. Surg Clin North Am 1977; 57: 1.139. 2. Bockus HL. Gastroenterology. 3 ed., vol. II, Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1976. 3. Botsford TW, Wilson RE. The Acute Abdomen. Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1970. 4. Cope Z. Diagnóstico Precoce do Abdômen Agudo. Rio de Janeiro: Livraria Atheneu, 1976. 5. Ellis H. The clinical significance of adhesions: focus on intestinal obstruction. Eur J Surg 1997; Suppl (577): 5-9.

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6. Gaus H, Matsoumoto K. Surg Gynec Obst 1974; 139: 395. 7. Frager D, Baer JW, Medwid SW et al. Detection of intestinal ischemia in patients with acute small-bowel obstruction due to adhesions or hernia: efficacy of CT. AJR Am J Roentgenol 1996 Jan; 166(1): 67-71. 8. Sabiston DC. Tratado de Cirurgia. 1 ed., Interamericana, 1977. 9. Salman AB. Management of intestinal obstruction caused by ascariasis. J Pediatr Surg 1997 Apr; 32(4): 585-7. 10. Schwartz SI et al. Princípios de Cirurgia. 4 ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1984. 11. Tang E, Davis J, Silberman H. Bowel obstruction in cancer patients. Arch Surg 1995 Aug; 130(8): 832-6; discussion 836-7. 12. Wasadikar PP, Kulkarni AB. Intestinal obstruction due to ascariasis. Br J Surg 1997 Mar; 84(3): 410-2. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 34 - Gravidez Ectópica/Gravidez Ectópica Rota Cláudia Machado Corradi Sander Frederico Haueisen Sander Ronan Coelho Caldeira I. Introdução A. Definição. Entende-se por gravidez ectópica toda gravidez localizada fora da cavidade endometrial, ou seja, é a implantação do ovo fecundado fora da membrana que reveste a cavidade uterina. B. Locais de implantação ectópica do ovo fecundado. Tuba uterina (96% no lúmen, principalmente na região ampular, seguida da localização ístmica, das fímbrias e 1,2% na porção intersticial), ovário (0,9%), intraligamentar (0,5%), abdominal (0,5%), cervical (0,2%) e outras localizações (0,7%). Ocorrem casos de gravidez ectópica associada à gestação tópica e, muito raramente, gravidez ectópica bilateral simultânea (Fig. 34-1). C. Generalidades. A gravidez ectópica (GE) está se tornando cada vez mais comum. Sua incidência dobrou ou mesmo triplicou durante as duas últimas décadas em várias partes do mundo, permanecendo como significativa causa de morbidade em mulheres jovens. Ocorre em aproximadamente 1,6% de todas as gravidezes nos Estados Unidos, representando mais de 100.000 mulheres afetadas anualmente naquele país. Isto se deve à incidência progressivamente maior dos fatores de risco (principalmente a doença inflamatória pélvica — DIP), assim como aos avanços tecnológicos nos métodos complementares, possibilitando diagnósticos mais precoces e precisos (em 60-90% dos casos, antes da ruptura tubária). Ademais, apesar de a taxa de mortalidade por gravidez ectópica ter declinado dramaticamente durante os últimos 20 anos (até 90% em países desenvolvidos), a GE ainda é a principal causa de óbito materno durante o primeiro trimestre da gravidez e a segunda causa geral de morte materna nos Estados Unidos. D. Etiopatogenia. Múltiplos fatores têm sido implicados no desenvolvimento da GE; no entanto, os fatores conhecidos explicam apenas 60-65% dos casos. Podemos dividir as causas da GE em ovulares e extra-ovulares. As ovulares, de difícil comprovação, seriam de ordem genética, imunológica e/ou em decorrência do amadurecimento precoce do ovo, com implantação do mesmo antes de atingir o local normal de nidação, ou amadurecimento tardio, como ocorre nos casos raros e graves de gravidez cervical. As causas extra-ovulares podem ser hormonais ou mecânicas, as quais dificultam a movimentação normal do ovo, levando à implantação ectópica. Entre elas, temos as inflamações sépticas (por clamídias, gonococos, tuberculose etc.) ou assépticas (curativos ou tamponamentos intra-uterinos, anticoncepcionais), alterações morfológicas das tubas uterinas, alterações estruturais destas em decorrência de tumores, cicatrizes, aderências, endometriose e cirurgias pélvicas ou tubárias anteriores. Mais de 50% dos casos de GE são atribuíveis aos fatores infecciosos e ao tabagismo, sugerindo que efeitos dramáticos na diminuição da incidência seriam conseguidos com programas de prevenção apropriados.

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A oclusão tubária por cicatrizes pós-salpingites é a condição mais comumente relacionada à GE. A infecção pode causar sinéquias intraluminais e/ou das fímbrias, levando à obstrução parcial da tuba uterina. As salpingotripsias, quando falhas, e as tentativas de recanalização cirúrgica tubária nos tratamentos de infertilidade também são associadas à probabilidade (20 a 50%) de GE subseqüentes. O dispositivo intra-uterino (DIU), como método anticoncepcional, está também associado à ocorrência de GE em aproximadamente 4% dos casos de falha do método. O uso do DIU está relacionado a um maior número de implantações ovarianas (sugerindo proteção contra implantação intra-uterina, mas não contra implantação extra-uterina). O uso das progesteronas como anticoncepcionais está relacionado a um maior índice de gravidez eutópica e ectópica, quando comparado aos preparados estrógeno-progesteronas. O abortamento eletivo aumenta o risco de GE, provavelmente por causar endometrite subclínica e posterior obstrução tubária. Na gravidez tubária o trofoblasto desenvolve-se rapidamente, com crescimento dentro da luz na maioria dos casos e, menos freqüentemente, o trofoblasto infiltra a mucosa e a lâmina própria, invadindo a muscular e atingindo a região subserosa, onde se desenvolve. O sangramento ocorre quando há erosão dos vasos, e a dor, quando a membrana serosa é distendida. No ovário, a nidação pode ocorrer na superfície da glândula (periovariana ou epiovariana) ou na profundidade, sendo cercada completamente pelo tecido glandular. Durante a cirurgia pode ser diagnosticada como corpo amarelo hemorrágico, devido às suas características macroscópicas. Na gravidez abdominal, a placenta está em geral aderida às estruturas pélvicas, mas pode estar em locais distantes, como baço, fígado, cólon transverso etc. A gravidez intraligamentar ocorre quando o blastocisto se implanta entre os folhetos do ligamento largo. O sangramento pode ser tamponado pelo peritônio, com sobrevivência da gravidez. A gravidez cervical (implantação no canal endocervical) é a forma mais rara. Nela, a placenta encontra-se implantada abaixo da reflexão peritoneal anterior ou posterior, ou abaixo da crossa dos vasos uterinos, em íntima relação com as glândulas cervicais. O sangramento é tardio, devido à excelente irrigação, vindo a ocorrer quando há alargamento do canal cervical. Devido à esta irrigação, a tentativa de extração do saco gestacional pode levar à hemorragia intensa. A ocorrência de uma gravidez ectópica predispõe, em 10-20% dos casos, à nova GE subseqüente, quando comparada à ocorrência da mesma em mulheres que nunca tiveram GE, e a possibilidade de gerar uma criança viva é menor do que 30%. Caso a ocorrência seja na primeira gravidez, as possibilidades de reprodução são ainda piores. A incidência da coexistência de GE e GIU é tradicionalmente calculada em 1:30.000 gestações. Mais recentemente, existem estimativas de que gestações heterotópicas (ectópicas e eutópicas simultâneas) ocorrem em torno de 1:2.600 a 1:15.000. Em mulheres submetidas à indução de ovulação, o risco sobe para 1:35 (2,9%). II. Diagnóstico da Gravidez Ectópica.

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Apesar do aprimoramento dos métodos de diagnóstico, a realização do mesmo em fases mais precoces ainda tem sido um problema, estimando-se que apenas 50% dos diagnósticos são dados numa primeira visita ao médico. O diagnóstico precoce é importante para a preservação da fertilidade materna. Para um diagnóstico correto de GE, lançamos mão da avaliação do quadro clínico, testes laboratoriais (hematológicos e urinários), métodos de diagnóstico por imagens e métodos invasivos (videolaparoscopia, laparotomia exploradora). A seqüência apropriada na avaliação requer experiência do profissional na suposição da entidade em questão. O uso do sensível teste hematológico b-HCG, associado à avaliação ultra-sonográfica, na maioria dos casos é suficiente para um diagnóstico correto, embora dependa das circunstâncias clínicas da paciente. A. Diagnóstico clínico. A GE é uma condição mórbida que ocorre primariamente no primeiro trimestre da gravidez. As manifestações clínicas ocorrem principalmente no decorrer das primeiras oito semanas da gestação. A ruptura com hemoperitônio pode manifestar-se clinicamente por dor no ombro (resultante da irritação diafragmática), lipotímia em ortostatismo, taquicardia, palidez cutânea e choque hipovolêmico. Anteriormente à ruptura, surgem manifestações clínicas que, quando avaliadas corretamente, tornam a GE uma entidade mais benigna, embora a distinção clínica entre GE e gravidezes intra-uterinas normais ou anormais seja difícil nas fases iniciais das mesmas. 1. História. a. Fatores de risco: história pregressa de infertilidade, DIP, DIU, cirurgia tubária, GE anterior — 51 a 56% dos casos. b. História “clássica”: amenorréia, seguida por dor abdominal, sangramento vaginal — 69% (embora mais freqüentemente representem abortamento iminente ou ameaça de aborto). c. Dor abdominal: 90-100%, de caráter, intensidade e localização variáveis. Ausência de dor não indica ausência de ruptura tubária. d. História menstrual. (1) História menstrual normal: 15-30% ou mais. (2) Amenorréia inferior a quatro semanas: 15%. (3) Amenorréia superior a 12 semanas: 15%. (4) Ruptura anterior à falha menstrual: 15%. (5) Sangramento vaginal anormal: 50-80%. Normalmente discreto e escuro; sangramento abundante sugere aborto.

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e. Sintomas de gravidez: enjôos matinais, “sentimento de estar grávida”, mamas túrgidas e sensíveis. Dor no ombro — infreqüente. 2. Exame físico a. “Clássico”: choque e massa anexial: “raridade”. b. Estado hemodinâmico: Choque — menos do que 5%. Resposta parassimpática ao hemoperitônio: (bradicardia, paradoxalmente). c. Exame do abdômen: Aumento da sensibilidade — 50%. Sinais peritoneais: menos comuns. d. Exame pélvico: Massa anexial: 25-33%. Aumento da sensibilidade anexial/aumento da sensibilidade à mobilização cervical: 50%. e. Volume uterino: Normal: 71%. Compatível com seis a oito semanas: 26%. Compatível com 9 a 12 semanas: 3%. f. Exame pélvico normal: 10%. B. Diagnóstico laboratorial. A primeira meta dos exames laboratoriais numa possível GE é determinar se a paciente está grávida. O trofoblasto começa a produzir gonadotrofina coriônica humana (HCG) muito cedo, durante as gestações normais e ectópicas. A detecção do HCG é a chave para o estabelecimento do estado gravídico. 1. Teste de b-HCG qualitativo sérico. O b-HCG torna-se detectável, usualmente, 7 a 10 dias depois da ovulação. Quando se dá o atraso menstrual (13-14 dias após a concepção), o zigoto tem o tamanho inferior a 1 mm, e o nível de b-HCG é de 50-300 mUI/ml, tornando todos os testes de b-HCG clinicamente usados para gravidez positivos em 95-100%. A maioria dos testes de b-HCG por radioimunoensaio (RIE) tem sensibilidade maior ou igual a 5 mUI/ml. Um b-HCG por RIE negativo pode descartar gravidez em virtualmente 100% dos casos, quando associado aos dados clínicos. 2. Teste de b-HCG urinário. Os testes de b-HCG urinários por imunoensaio são sensíveis para concentrações de 20-50 mUI/ml. Em decorrência das concentrações variáveis de bHCG na urina e da necessidade de maiores níveis para a detecção do mesmo, o desempenho dos testes urinários é inferior ao dos testes de b-HCG séricos.

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3. Teste de b-HCG quantitativo sérico. Apesar de a tendência do b-HCG produzido na GE ser menor do que na gravidez intra-uterina em idades gestacionais comparáveis, a extensão e variação do b-HCG produzido em ambas (0-100.000 mUI/ml) fazem um único nível nãodiagnóstico. Níveis quantitativos de b-HCG podem ser baixos ou altos em ambas as gravidezes. Similarmente, níveis de b-HCG não são diagnósticos do estado tubário. Pacientes com GE rotas e não-rotas têm níveis de b-HCG menores do que 100 e maiores do que 50.000 mUI/ml. Um único nível de b-HCG é um dado inespecífico do tamanho da GE e do risco da ruptura tubária. Entretanto, valores quantitativos são úteis para comparações seriadas (bHCG dinâmico) e na interpretação dos resultados da ultra-sonografia. As concentrações iniciais do b-HCG aumentam exponencialmente, refletindo a proliferação trofoblástica, com os níveis dobrando em períodos de aproximadamente dois dias. Nas gravidezes ectópicas e em outras gravidezes anormais, o crescimento trofoblástico pode estar prejudicado, ocasionando aumentos subnormais do b-HCG em 85% dos casos. Níveis declinantes de b-HCG indicam a inviabilidade da gravidez, quer seja intra ou extra-uterina. 4. Progesterona. Atualmente, testes de progesterona não são usados rotineiramente no diagnóstico de GE. C. Procedimentos diagnósticos 1. Dilatação do colo e curetagem. A curetagem uterina, nos casos onde encontramos níveis seriados declinantes de b-HCG (que asseguram a inviabilidade da gravidez), pode ser útil ao encontrar-se endométrio decidual (fenômeno de Arias-Stella) e ausência de saco gestacional, reforçando o diagnóstico de GE. 2. Videolaparoscopia. Esta técnica fornece uma oportunidade para o diagnóstico definitivo e o tratamento de uma GE. Devido aos avanços dos métodos diagnósticos não-invasivos (principalmente a ultra-sonografia transvaginal) e dos métodos farmacológicos de tratamento da GE, a laparoscopia tem sido menos utilizada. Entretanto, a laparoscopia diagnóstica permanece o procedimento de escolha na paciente com um diagnóstico indefinido, apesar de ocorrerem resultados falso-negativos em aproximadamente 3-4% dos casos nas gestações iniciais e falso-positivos serem descritos em 5% dos casos. 3. Culdocentese. A punção do fundo-de-saco de Douglas é uma técnica simples para identificação de um hemoperitônio, detectando quantidades mínimas de sangue extravasado. Pode ser positiva mesmo em GE não-rotas, devido à perda de sangue através do óstio tubário para a cavidade peritoneal. O procedimento é de fácil realização, puncionando-se o fórnix posterior com agulha grossa, após tração uterina. Normalmente é realizado por ginecologistas, devido à inexperiência de outros especialistas com o método. 4. Punção abdominal (paracentese). É utilizada na pesquisa de hemoperitônio, quando outros métodos foram inconclusivos ou não estão acessíveis. A punção é geralmente realizada na parede anterior do abdômen, sob anestesia local, sendo também um procedimento simples.

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5. Laparotomia exploradora. Indicada em emergências, quando não se tem acesso a outros métodos de diagnóstico ou os mesmos foram inconclusivos. D. Diagnóstico por imagem — ultra-sonografia. Na paciente com suspeita de GE, os exames e procedimentos citados anteriormente têm limitações, quer seja pela demora dos resultados, quer pela invasividade ou mesmo pela inespecificidade do método. Portanto, o próximo passo diagnóstico comumente usado após exame clínico e b-HCG é a ultrasonografia. O objetivo é detectar se a gravidez é intra-uterina (GIU) ou não. O pressuposto é que, se existe uma GIU, uma GE é extremamente improvável. Um provável diagnóstico definitivo de GE pode ser conseguido com o uso da ultra-sonografia endovaginal. Comparativamente, a realização do ultra-som endovaginal é mais sensível para um diagnóstico de gestação (ectópica ou intra-uterina) em relação ao ultra-som transabdominal. 1. Achados ultra-sonográficos a. Gravidez intra-uterina: (1) Reação decidual (2) Saco gestacional Ultra-som transvaginal

4,5-5 semanas

Ultra-som transabdominal

6 semanas

(3) Saco vitelínico

5-6 semanas

(4) Pólo fetal/atividade cardíaca fetal 5,5-7 semanas b.Gravidez ectópica (1) Útero Reação decidual Útero vazio ou presença de pseudo-saco 10-20% (2) Pelve — fundo-de-saco Líquido livre

24-63%

Ecogênico (sanguinolento)

20-26%

(3) Anexos Massas

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Císticas ou complexas

60-90%

Anel tubário

26-68%

Corpo lúteo cístico Atividade cardíaca fetal US transabdominal

4-10%

US transvaginal

8-23%

III.Tratamento A. Tratamento cirúrgico: 1. Gravidez ectópica rota. Geralmente, a paciente com GE rota chega ao hospital com quadro de hipovolemia, caracterizado por freqüência de pulso aumentada, hipotensão arterial, palidez cutaneomucosa, lipotímia e sinais de hemoperitônio, mas sem apresentar sinais de sangramento ativo. Isto permite a reposição de volume com soluções hidroeletrolítcas e sangue. Nas pacientes com história de distúrbios cardiovasculares ou renais, podem ser úteis o cateterismo da veia subclávia e medições da pressão venosa central (PVC) durante a reposição. Devem-se evitar a indução anestésica e a laparotomia até que seja possível resgatar a volemia, para diminuir o risco de morte peroperatória. Poucas pacientes necessitam de laparotomia imediata por sangramento ativo e importante, que impossibilita uma reposição pré-operatória adequada. A cirurgia, quando há ruptura, está voltada para o encontro do local do sangramento e da sua abordagem através de técnica adequada, como salpingectomia, ooforectomia parcial ou total e histerectomia. 2. Gravidez ectópica não-rota a. Laparotomia e cirurgia videolaparoscópica. A abordagem cirúrgica da GE por laparotomia, em princípio, fica reservada para os casos de GE rota e nas situações em que não se tem acesso à laparoscopia ou quando a mesma se torna tecnicamente difícil, podendo em alguns casos recorrer-se à laparotomia após abordagem por laparoscopia. Na abordagem laparoscópica ocorrem uma menor perda sangüínea, menor necessidade de analgésicos e menor tempo de internação, com conseqüente redução dos custos hospitalares. Os tratamentos cirúrgicos conservadores incluem: (1) Ordenha do ovo quando há implantação na região das fímbrias e da ampola. (2) Incisão da trompa na região das fímbrias até o local de implantação do ovo, com a retirada deste.

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(3) Salpingostomia e retirada do ovo, deixando aberta a incisão na tuba. (a) Salpingotomia linear com retirada do ovo e fechamento com suturas seromusculares. (b) Ressecção parcial da tuba no local de implantação do ovo com anastomose em primeiro tempo ou em uma segunda cirurgia. (c) Injeção local de prostaglandinas, solução hipertônica de glicose, cloreto de potássio, RU 486 ou metotrexato. Nas situações onde se opta pela conduta conservadora, vale o bom discernimento do profissional envolvido, com relação ao estado morfológico da tuba. Quando possível, a paciente deve estar ciente dos riscos de uma nova GE subseqüente ou da possível necessidade de uma reoperação, nos casos em que o tratamento químico durante a cirurgia falhou em debelar a GE. Tais condutas estão primariamente indicadas nas situações em que existe comprometimento da tuba e do ovário contralaterais e a paciente deseja ter filhos. Os procedimentos radicais incluem: (4) Ressecção tubária. (5) Salpingectomia. (6) Salpingo-ooforectomia. (7) Ressecção do corno uterino em casos de gravidez intra-mural. (8) Histerectomia. Na gravidez abdominal, a tentativa de retirada da placenta pode levar a um sangramento incontrolável, dependendo do local de sua implantação. O tratamento de escolha é a retirada do concepto, deixando-se a placenta in situ e aguardando-se a sua reabsorção. Na gravidez ovariana o tratamento consiste na ressecção cuneiforme do ovário, conservando-se o máximo de tecido glandular; quando isto não é possível, faz-se ooforectomia total. Naqueles casos em que a tuba homolateral encontra-se aderida ao ovário, realiza-se também a salpingectomia associada. Nas gestações intersticiais, em aproximadamente metade dos casos, é possível a ressecção córnea e a reconstituição do defeito. Nos casos de gravidez mais avançada, com deformidade importante do útero, pode ser necessária a histerectomia total ou parcial, sendo preferível a segunda, devido aos menores riscos de sangramento operatório e de uma ruptura uterina em gravidez posterior. Nas situações em que a placenta está intimamente aderida às estruturas pélvicas, a gravidez intraligamentar deve ser tratada como gravidez abdominal, deixando-se a placenta in situ. O descolamento do peritônio posterior do útero e das paredes laterais pélvicas pode 345

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possibilitar a exérese total dos produtos da concepção, em casos de implantes confinados à parede abdominal. Na gravidez cervical, o maior problema é o sangramento local. Em casos iniciais, pode-se tentar a remoção dos produtos da concepção por curetagem da endocérvice e do endométrio, com tamponamento com gaze ou sonda de Foley. Caso haja sangramento incontrolável, podem-se realizar amputação do colo uterino, ligadura transvaginal dos ramos cervicais da artéria uterina, ligadura das artérias ilíacas internas (hipogástricas) ou histerectomia. B. Tratamento não-cirúrgico 1. Metotrexato. O metotrexato é um antimetabólito que interfere na síntese do DNA. A segurança do uso do mesmo, em mulheres em idade reprodutiva, foi estabelecida em estudos envolvendo o seu emprego no tratamento da doença trofoblástica gestacional. Não houve, em tais casos, um incremento de episódios de abortamentos espontâneos e nem de anomalias fetais em gestações posteriores ao seu emprego. O metotrexato pode ser empregado tanto sistemicamente (EV, IM ou VO) quanto em injeções locais, conforme já citado anteriormente. A taxa de sucesso nos tratamentos sistêmicos EV tem sido mais consistente, quando comparada à da injeção local. O seu emprego está restrito a um grupo seleto de pacientes devido à sua toxicidade. Pode levar a alterações da função hepática, estomatites, gastroenterites e supressão medular (incidência maior nos tratamentos sistêmicos). O uso EV do metotrexato fica reservado para situações nas quais os níveis pós-operatórios de b-HCG continuam elevados, quando não se visualizam massas extra-uterinas e se exclui a possibilidade de GIU. Pode também ser utilizado quando os níveis de b-HCG continuam positivos após injeção local do mesmo. Tais pacientes devem ser rigorosamente acompanhadas. A eficácia da via local ou intramuscular parece similar e superior a 90%. A vantagem da via local está na diminuição do risco de efeitos colaterais sistêmicos. Tem sido empregada nos casos de GE cervical, no intuito de se evitarem hemorragias com as tentativas de extração do produto da concepção. Referências 1. Acosta DA. Cervical pregnancy — a forgotten entity in family practice. J Am Board Fam Pract 1997 Jul-Aug; 10(4): 290-5. 2. Allen B, East M. Ectopic pregnancy after a laparoscopically assisted vaginal hysterectomy. Aust N Z J Obstet Gynaecol 1998 Feb; 38(1): 112-3. 3. Ankum WM. Is the rising incidence of ectopic pregnancy unexplained? Hum Reprod 1996 Feb; 11(2): 238-9.

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Capítulo 35 - Doença Inflamatória Pélvica Marcos Mendonça Vânia Lúcia Magalhães I. Introdução. A doença inflamatória pélvica (DIP) é uma entidade clínica muito freqüente e constitui a complicação mais comum e grave das doenças sexualmente transmissíveis. Ela ocorre como conseqüência da penetração e da multiplicação de microrganismos da vagina e do colo uterino no endométrio, nas trompas, nos ovários, no peritônio e nas estruturas contíguas. Trata-se, portanto, de infecção ascendente; pode variar desde uma doença pouco sintomática até quadros graves que ameaçam a vida da paciente. A DIP é uma doença que acomete principalmente as jovens. Segundo estudos recentes nos EUA, a incidência anual entre mulheres de 15 a 39 anos foi estimada em 10 casos por 1.000, com um pico de incidência de 20 casos por 1.000 no grupo de maior risco (15-24 anos); é rara antes dos 15 anos e excepcional após a menopausa. Estudos epidemiológicos mostram que apenas 2,1% dos casos de DIP ocorrem em pacientes entre 10 e 14 anos de idade, e 4,8% após os 44 anos. Um episódio de doença inflamatória pélvica pode trazer conseqüências desastrosas para a vida de uma mulher jovem, especialmente em relação à sua capacidade reprodutiva: 40% das mulheres inférteis provavelmente tiveram uma infecção pélvica anterior. II. Etiologia. Mais de 40 tipos de microrganismos têm sido implicados na etiologia da DIP, atuando ora isoladamente, ora em sinergismo, como ocorre em muitos casos. Bactérias aeróbicas e anaeróbicas são freqüentemente encontradas. A salpingite tuberculosa, entidade rara, não é uma doença sexualmente transmissível e ocorre como conseqüência da disseminação hematogênica do bacilo de Koch. Em 80% dos casos, a bactéria provém de focos pulmonares. A DIP tuberculosa é uma infecção de caráter insidioso e não será discutida neste capítulo. Entretanto, esta afecção não deve ser esquecida, principalmente naquelas pacientes que não apresentam melhora clínica após a terapêutica convencional para a DIP. A Neisseria gonorrhoeae é freqüentemente associada à DIP; 35-50% dos casos são associados à gonorréia. Em razão disto, as mulheres com DIP não-tuberculosa eram classificadas como portadoras de doenças gonocócicas e não-gonocócicas, com base apenas na detecção de gonococos na endocérvice. Entretanto, a realização de culturas de líquido peritoneal ou de exsudato das trompas, obtidos por meio de culdocentese e laparoscopia, tem mostrado não somente uma menor correlação entre as bactérias encontradas no colo e no abdômen, mas também a natureza polimicrobiana da infecção. A Chlamydia trachomatis é responsável por um número crescente de casos de salpingite, e freqüentemente está associada ao gonococo. A infecção geralmente se apresenta de maneira menos aguda do que com a gonorréia. Sinais de febre e secreção cervical purulenta são menos freqüentes na DIP causada pela C. trachomatis.

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Mycoplasma hominis e Ureaplasma urealyticum estão relacionados à DIP em apenas 4% dos casos. Actinomyces sp. raramente se relacionam à DIP, e os germes anaeróbicos podem ser patógenos primários ou secundários à gonorréia ou a outra infecção que tenha provocado dano tecidual. III. Fatores Predisponentes. Relacionam-se à idade, ao nível socioeconômico, à atividade sexual, ao uso e ao tipo de contraceptivo e a um episódio prévio de DIP. Considerar: A. Maior freqüência entre 15 e 39 anos — mulher jovem. B. Baixa condição socioeconômica. C. Promiscuidade — mulheres, em geral solteiras, com múltiplos parceiros sexuais são quatro a seis vezes mais suscetíveis ao desenvolvimento da DIP do que as monogâmicas. D. Métodos contraceptivos de barreira, como condom e diafragma, podem oferecer proteção contra a infecção. Por outro lado, o DIU é um fator predisponente importante; as usuárias de DIU mostram um risco 3-5 vezes maior de apresentarem DIP. E. Anticoncepcionais orais podem proteger a mulher contra a DIP, por mecanismos que ainda permanecem obscuros; provavelmente, por diminuírem a duração do fluxo menstrual e tornar o muco cervical mais espesso, agindo como método de barreira contra os microrganismos. Contudo, em relação às clamídias, a possibilidade de ocorrência com o uso de pílulas anticoncepcionais é maior, pois estas podem levar a ectrópio cervical, um possível fator predisponente à infecção por clamídia, pois o epitélio colunar é mais facilmente infectado por esta. F. Mulheres que tiveram episódios anteriores de DIP gonocócica são mais propensas a apresentar recorrência. O mecanismo exato para este aumento da suscetibilidade ainda não foi determinado. IV. Medidas Diagnósticas A. Anamnese. A sintomatologia nem sempre é evidente. Devem-se obter informações a respeito do número de parceiros, hábitos sexuais, método anticoncepcional, história anterior de DIP e tratamentos realizados. A DIP era considerada como uma doença que não acometia mulheres esterilizadas cirurgicamente, devido à interrupção da superfície de continuidade formada por colo, endométrio, mucosa tubária e cavidade pélvica. Entretanto, trabalhos recentes descrevem a ocorrência da DIP em mulheres previamente esterilizadas, diagnosticadas por meio de laparoscopia. Deve ser lembrado que três em quatro mulheres acometidas de DIP têm 25 anos de idade, ou menos. 350

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B. Sinais e sintomas. Na fase inicial da DIP, o estado da paciente geralmente não se altera; porém, à medida que a doença progride, pode-se observar queda evidente do mesmo, com surgimento de mal-estar e desânimo, fácies de sofrimento e ansiedade. A disúria pode ocorrer em 20% dos casos, principalmente se há uretrite. O corrimento genital purulento está ausente em praticamente 100% dos casos, porém 50% das pacientes informam a sua ocorrência. A febre pode manifestar-se em 40% dos casos. A dor pélvica aguda é o sintoma principal e se exacerba quando são feitas manobras de palpação do hipogástrio e/ou das fossas ilíacas; ao toque vaginal, a mobilização uterina se mostra altamente dolorosa. Com a evolução da doença, podem surgir sinais de irritação peritoneal, com exacerbação da dor e ocorrência de náuseas e vômitos. Nesta fase, a palpação abdominal evidenciará sinais de defesa em 90% e dor à descompressão em aproximadamente 70% dos casos. Massa palpável nas fossas íliacas poderá ser encontrada em aproximadamente 50% dos casos durante o toque vaginal. Os ruídos intestinais quase sempre estão presentes. V. Investigação Complementar A. Hemograma. Leucocitose em até 70%, sem desvio para a esquerda. A hemossedimentação está elevada em até 75% dos casos e freqüentemente mantém valores altos. Resultados negativos não excluem o diagnóstico. B. Ecografia. Pode revelar a ocorrência de líquido livre ou de coleções líquidas na pelve. C. Culdocentese (Fig. 35-2). Tem como objetivo estudar o líquido, que, quase sempre, se mostra presente no fundo-de-saco de Douglas. Realizar sempre a coloração de Gram. A culdocentese também é importante no diagnóstico diferencial com gravidez ectópica rota. D. Laparoscopia. Quando o diagnóstico é baseado apenas nos dados clínicos, o índice de acerto é de aproximadamente 65%. Realizando-se a laparoscopia, há aumento significativo do acerto diagnóstico. Os critérios mínimos, à laparoscopia, para o diagnóstico de DIP aguda são hiperemia da superfície tubária, edema da parede tubária e exsudato purulento cobrindo a superfície tubária ou extravasando pela extremidade fimbriada, quando esta se encontra pérvia. VI. Diagnóstico Diferencial. O diagnóstico diferencial da DIP deve ser realizado nos casos de: gravidez ectópica, apendicite aguda, torção e/ou ruptura de cistos ovarianos, infecção urinária aguda, psoítes e linfadenite mesentérica. 351

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VII. Tratamento. O tratamento depende do estadiamento clínico da doença, segundo orientação proposta pela Universidade da Flórida. A. Estádio I — Salpingite aguda sem peritonite. Tratamento em nível ambulatorial. Se a paciente for usuária de dispositivo intra-uterino, justifica-se a internação. A terapia é feita utilizando-se apenas uma droga: doxiciclina 200 mg VO, seguidos de 100 mg a cada 12 horas. Se o hemograma, realizado 48 horas após o início do tratamento, mostrar sinais de normalização, a medicação será mantida em nível ambulatorial até se completarem 10 dias. B. Estádio II — Salpingite aguda com peritonite. Os sinais de peritonite justificam a internação. A terapia deve ser dupla: doxiciclina, 200 mg VO como dose de ataque, seguidos de 100 mg a cada 12 horas, mais cefoxitina, 2 g EV como dose de ataque, seguidos de 1 g a cada seis horas. Manter a paciente internada até a diminuição da dor e da hipertermia e até a normalização dos exames laboratoriais. Alta hospitalar e manutenção do tratamento em nível ambulatorial, utilizando-se doxiciclina, 100 mg VO a cada 12 horas, até se completarem 10 dias. C. Estádio III — Salpingite aguda com sinais de oclusão tubária ou abscesso tubovariano. A terapia deve ser tríplice: penicilina cristalina, 2 a 5 milhões de unidades EV a cada seis horas, mais clindamicina, 600 mg EV a cada seis horas, mais gentamicina, 3 a 5 mg/kg/dia, EV, a cada oito horas. Alta hospitalar após ocorrer a melhora clínica e laboratorial, mantendo-se o tratamento em nível ambulatorial e utilizando-se doxiciclina, 100 mg VO, a cada 12 horas, mais metronidazol, 500 mg VO, a cada oito horas, até se completarem 10 dias. D. Estádio IV — Sinais clínicos de ruptura de abscesso tubovariano. A terapia é empregada para afastar complicações bacterianas sistêmicas. O tratamento definitivo envolve a remoção cirúrgica do órgão acometido, sendo a extensão da cirurgia determinada pelos achados durante a laparotomia. Deve-se suspeitar de etiologia tuberculosa nos seguintes casos: (1) resposta inadequada ao tratamento anterior; (2) doença inflamatória pélvica em virgens; (3) desproporção entre a lesão anatômica e os escassos sintomas; (4) doença inflamatória pélvica associada à ascite; (5) antecedentes pessoais ou familiares de tuberculose (pleurite, osteoartrite etc.); (6) febre vespertina. Referências

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Capítulo 36 - Laparoscopia na Emergência Lincoln Lopes Ferreira Flávio Lopes Ferreira Roberto Carlos Oliveira e Silva I.Introdução. Há cerca de 90 anos foi realizada a primeira laparoscopia. Kelling, em Dresden, e Ott, em Petrogrado, realizaram, independentemente, exame endoscópico intra-abdominal bemsucedido em cães. Alguns anos depois, Jacobeus, em Estocolmo, propôs o uso deste tipo de procedimento em pacientes com ascite e para diagnóstico precoce de lesões malignas. Em 1933, Fervers recomendou a insuflação com dióxido de carbono e, em 1938, Veress sugeriu que a agulha inicialmente usada para criar o pneumotórax poderia ser útil para a realização do pneumoperitônio. Kalk, um gastroenterologista, desenvolveu o sistema de fibras ópticas e propôs o uso de múltiplos trocartes; ele e Bruhl publicaram uma série de 2.000 casos, incluindo biópsias hepáticas laparoscópicas sem mortalidade, em 1951. A laparoscopia era realizada com anestesia local e sob sedação. Nos Estados Unidos, em 1937, Ruddock, cirurgião geral, demonstrou a utilidade da laparoscopia em 500 casos realizados sem mortalidade, cifra esta que foi duplicada em 1958 por Zoeckler. Os grupos de Cuschieri, na Europa, e de Berci, nos EUA, defenderam a laparoscopia em várias ocasiões. Apesar de a laparoscopia já constar como método propedêutico e terapêutico no arsenal ginecológico há quase 30 anos, foi o desenvolvimento da videolaparoscopia e a subseqüente explosão da colecistectomia videolaparoscópica (CVL) e da laparoscopia terapêutica que embasaram a abordagem laparoscópica de emergência, hoje uma realidade. O uso de laparoscopia no trauma foi proposto pelos grupos de Gazzaniga e Carnevale, porém somente com os trabalhos de Semm ocorreu a verdadeira revolução na laparoscopia, que passou a ser vista como algo além de um método diagnóstico. Deve ser ressaltado, no entanto, que a possibilidade de incremento dos potenciais de morte e seqüelas em caso de diagnósticos não efetuados ou achados mal interpretados diferencia o trauma de outras patologias, para as quais a abordagem laparoscópica tornou-se preferida. A natureza imprevisível da emergência força uma rápida necessidade diagnóstica e, conseqüentemente, uma pronta e adequada terapêutica. Esta imprevisibilidade, especialmente no trauma, exige a realização de procedimentos em momentos nos quais eventualmente equipes treinadas em laparoscopia não estejam a postos e/ou o pessoal disponível não esteja habituado aos equipamentos e procedimentos laparoscópicos. Estas razões constituíram-se em obstáculos para o rápido desenvolvimento da laparoscopia no campo da traumatologia. Apesar disto, o potencial de redução de laparotomias brancas ou não-terapêuticas e o encurtamento do período de internação são bastante atrativos, assim como o retorno mais rápido ao trabalho, particularmente porque os pacientes traumatizados estão geralmente em idade economicamente ativa.

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Neste capítulo, analisaremos inicialmente os potenciais efeitos adversos da laparoscopia. Examinaremos então, separadamente, as aplicações diagnósticas e terapêuticas da laparoscopia nas emergências. II. Fisiologia e Morbidade Potencial. Uma vez que pacientes em situação de emergência apresentam graus variados de choque e eventualmente condições fisiopatológicas preexistentes desconhecidas, é importante a compreensão da fisiologia e dos efeitos colaterais potenciais do pneumoperitônio e da laparoscopia. A inobservância dos problemas potenciais e a inaptidão para tomar as medidas necessárias para a prevenção de complicações certamente redundarão em experiências adversas. São reconhecidos como potencialmente danosos vários aspectos importantes da laparoscopia e do pneumoperitônio. A escassez de estudos meticulosos e de dados que possam melhor elucidar esta questão nos obriga à busca de referências em observações clínicas, experimentos com animais e extrapolações de princípios fisiológicos bemconhecidos e aceitos. Desta forma, apresentam-se como candidatos à laparoscopia os pacientes hemodinamicamente estáveis, mesmo que já tenham sofrido período de hipotensão, e nos quais existam riscos significativos de lesões intra-abdominais ocultas, em se considerando que até 25% do volume circulante poderão ser perdidos antes da queda dos níveis pressóricos. Ainda que todos os pacientes devam sempre receber ressuscitação antes da laparoscopia, não existe garantia para um dado paciente de que esta ressuscitação tenha atingido um nível ótimo. O paciente pode ter permanecido com algum grau de choque e, conseqüentemente, mais exposto a complicações provenientes de intervenções que causem comprometimentos cardiovasculares e pulmonares adicionais. Infelizmente, quatro aspectos da cirurgia laparoscópica podem contribuir para efeitos cardiopulmonares adversos. Eles são: dióxido de carbono (CO2), pneumoperitônio com pressão positiva, hipotermia de insuflação e posição em proclive. Em virtude do seu baixo custo, da fácil disponibilidade, de não se sujeitar a abusos e da rápida reabsorção pelo peritônio, o CO2 tem sido o agente mais amplamente utilizado para o estabelecimento do pneumoperitônio em cirurgia laparoscópica. No entanto, análises mais acuradas demonstram que quantidades significativas de CO2 podem ser absorvidas pelo peritônio, resultando em elevação da pCO2 arterial, acidose, diminuição do volume de ejeção e elevação da pressão da artéria pulmonar, a qual parece ser causada pela insuflação com CO2, uma vez que ela não ocorre quando o hélio é utilizado. Embora esta hipercarboxemia seja usualmente bem-tolerada nos casos eletivos, pacientes que apresentam hemorragia tendem a apresentar acidose de leve a moderada, apesar da correção dos seus níveis pressóricos. Vários autores recomendam ainda o uso de óxido nitroso para a laparoscopia com sedação. Eles afirmam que o dióxido de carbono pode formar ácido carbônico e, assim, irritar o peritônio, criando desconforto. 355

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Nos pacientes que respiram espontaneamente, o excesso de CO2 é normalmente expirado através do aumento de seu volume-minuto ventilatório. Porém, sob anestesia geral e com respiração controlada, eles não podem fazê-lo. Desta forma, o anestesista deverá estar atento para elevações do CO2 arterial e para a acidose associada. O volume-minuto ventilatório deverá ser aumentado durante a laparoscopia, e os gases arteriais acuradamente monitorados. Caso a pCO2 se eleve acima de 60 ou o pH atinja níveis inferiores a 7,2, o procedimento deverá ser interrompido, em favor da técnica aberta, evitando-se o aparecimento de arritmias cardíacas de difícil controle, em função da acidose. Pacientes com traumatismo cranioencefálico (TCE) são tratados com medidas que permitam a redução da pressão intracraniana. A hiperventilação, que reduz a pCO2, é uma das mais efetivas medidas disponíveis, uma vez que o fluxo sangüíneo cerebral é inversamente proporcional à pCO2, e qualquer elevação nesta, resultante do pneumoperitônio, está formalmente contra-indicada nestes casos. A insuflação pode resultar também em hipotermia, provavelmente devido à evaporação de fluidos da superfície peritoneal, em combinação com o fato de o gás utilizado ser usualmente frio. Apesar de nos procedimentos eletivos a hipotermia representar apenas um inconveniente que prolonga a permanência do paciente na sala de recuperação ou provoca neste tremores pós-operatórios, trata-se de um sério problema na emergência. Os pacientes poderão já estar hipotérmicos em função de choque, temperatura ambiente e de soluções frias empregadas para ressuscitação. A hipotermia significativa (temperatura central igual ou inferior a 35ºC) pode contribuir para a instalação de coagulopatia ou arritmias ventriculares. No trauma, a hipotermia contribui ainda para o aumento da mortalidade, a qual atinge 100% naqueles pacientes com temperaturas centrais inferiores a 32ºC. Torna-se, pois, crucial a monitoração da temperatura central, via reto ou esôfago, durante os procedimentos na emergência, especialmente os laparoscópicos. O pneumoperitônio com pressão de 10 a 15 mmHg é utilizado para a elevação da parede abdominal anterior, permitindo a realização do exame laparoscópico. Em modelos experimentais, tais níveis pressóricos causam queda de 10 a 20% no débito cardíaco. O mecanismo é provavelmente a dificuldade no retorno venoso, semelhantemente ao que ocorre na pressão expiratória positiva final (positive end-expiratory pressure — PEEP). De fato, o pneumoperitônio com pressão positiva reverte parcialmente os efeitos negativos da PEEP, ao igualar as pressões intratorácicas e intra-abdominais e restaurar o fluxo venoso. A posição de Trendelenburg (cabeceira abaixada a 15º) tende a aumentar o retorno venoso para o coração e compensa amplamente o efeito negativo do pneumoperitônio no débito cardíaco, comprovado por muitos estudos efetuados durante procedimentos laparoscópicos ginecológicos, realizados normalmente nesta posição. Em contraste, a laparoscopia para exploração do trauma, assim como a CVL, requer uma posição reversa de Trendelenburg (cabeceira elevada a 15º — proclive), exacerbando os efeitos negativos do pneumoperitônio no débito cardíaco, propiciando queda de até 24% no mesmo. Observa-se ainda que os efeitos da hemorragia e do hemoperitônio sobre o débito cardíaco são aditivos e apenas parcialmente revertidos pelas medidas de ressuscitação com fluidos. As conseqüências deletérias sobre o débito cardíaco de múltiplos fatores, tais como a hemorragia, a hipotermia, o proclive, a hipercarbia, a acidose e o pneumoperitônio, nunca foram 356

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estudadas simultaneamente. Não obstante, mínimos decréscimos no débito cardíaco são suficientes para descompensar pacientes com pequena reserva cardíaca ou que apresentem um choque hipovolêmico não completamente corrigido. Do que foi relatado, fica claro que a laparoscopia na emergência traz consigo alguns riscos potenciais. A pressão do pneumoperitônio deverá ser minimizada (10 mmHg), e o posicionamento deverá ser em Trendelenburg ou horizontal, sempre que o proclive não for necessário. A monitoração dos gases arteriais e (se disponível) a monitoração contínua do CO2 deverão ser utilizadas para todos os procedimentos que ultrapassarem 15 minutos de duração. Pacientes deverão ser bem-ressuscitados, e a volemia deverá ser verificada e monitorada com pelo menos um cateter venoso central. Quando possível, em pacientes idosos e naqueles com comprometimento cardiorrespiratório conhecido, um cateter da artéria pulmonar deverá ser inserido e utilizado para monitoração. Pneumotórax hipertensivo como resultado da transmissão da pressão positiva à cavidade pleural foi descrito em pacientes com ruptura do diafragma. Em conseqüência, todo o equipamento necessário para a descompressão torácica de emergência deverá estar acessível, e o tórax deverá ser preparado (anti-sepsia e campos cirúrgicos) no momento da realização do exame laparoscópico em pacientes politraumatizados. Finalmente, grandes lacerações do parênquima de órgãos sólidos, como o fígado ou o baço, podem ocultar lesão venosa. Apesar da inexistência de relatos, teoricamente é possível que a pressão positiva do pneumoperitônio possa levar a uma embolia gasosa maciça, sempre que a pressão do pneumoperitônio exceder a pressão venosa. Desta forma, é aconselhável cautela em face das lesões parenquimatosas de órgãos sólidos, mesmo na ausência de sangramento. III. Contra-Indicações Para o Exame Laparoscópico. Pacientes com íleo, que apresentem abdômen distendido, timpanismo aumentado, ou exame radiológico demonstrando alças distendidas com níveis hidroaéreos, devido ao risco aumentado de perfuração pela punção com agulha ou trocarte, eram considerados contraindicação absoluta para o exame laparoscópico. Hoje, devido aos avanços da técnica e à maior experiência com esta, tornaram-se contra-indicação relativa, devendo ser empregada a técnica aberta para a introdução do trocarte inicial. Coagulopatias não corrigidas também contra-indicam exame laparoscópico. Pacientes em uso de aspirina ou drogaditos merecem atenção e cuidados especiais. Pacientes muito obesos deverão ter a espessura da parede abdominal avaliada, pois algumas vezes o tamanho do trocarte poderá mostrar-se insuficiente. Usualmente, esses pacientes necessitam de pressões de insuflação maiores do que as habituais para elevar a parede abdominal anterior, impossibilitando a realização de pneumoperitônio efetivo para o exame laparoscópico, devido a alterações cardiovasculares. Além disso, eles apresentam omentos espessos e redundantes, o que dificulta a avaliação intra-abdominal.

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Peritonites generalizadas clinicamente detectadas não constituem indicação para exame laparoscópico. Peritonites localizadas, entretanto, não são contra-indicações, uma vez que o exame pode auxiliar o cirurgião na escolha de um procedimento terapêutico mais adequado. Pacientes com hérnia externa não-redutível são contra-indicações relativas, uma vez que o aumento da pressão intraperitoneal eleva o risco de isquemia do conteúdo herniário. Cuidado especial é recomendado também quando há história de cirurgia abdominal prévia. O local da punção inicial deve ser avaliado com atenção, e deve ser considerada a técnica aberta para colocação do trocarte. Nos pacientes com comprometimento cardiovascular importante, defeitos de condução ou infarto agudo do miocárdio recente, os riscos devem ser bem-avaliados, antes do exame laparoscópico. Doença cardíaca compensada ou angina não são contra-indicações. Doença pulmonar obstrutiva severa poderá levar à hipercarbia e acidose grave, se o CO2 for utilizado. Pacientes portadores da síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA) não são considerados contra-indicação para o exame laparoscópico, ainda que existam preocupações e riscos potenciais, como a contaminação da sala de cirurgia na descompressão do pneumoperitônio, o risco de inalação do DNA do vírus (já demonstrado em debris de laser) e o custo aumentado resultante da utilização de material descartável, devido ao risco teórico de contaminação cruzada pelo instrumental. Não se prestam à avaliação ou terapêutica laparoscópica as vítimas de traumatismos fechados ou penetrantes que apresentam hipotensão persistente, ou cujos níveis pressóricos são mantidos pela constante infusão de sangue ou cristalóides. Esses pacientes apresentam usualmente lesão significativa intra-abdominal, com volumosa perda de sangue. A presença de hemoperitônio pode ser confirmada, entre três e cinco minutos, pela punção abdominal com lavado peritoneal, sendo que, nesses casos, os pacientes deverão ser conduzidos imediatamente ao bloco cirúrgico para laparotomia e controle da hemorragia. IV. Laparoscopia Diagnóstica A. Traumatismos fechados. As indicações para laparoscopia diagnóstica no trauma fechado variam, mas a maioria dos autores seleciona um grupo de pacientes que são hemodinamicamente estáveis, mas que têm sinais transitórios ou evocativos de lesão intraabdominal (sensibilidade abdominal, escoriações, hipotensão transitória etc.), ou um fator que impede um exame clínico seriado adequado (como TCE, traumatismos raquimedulares, ou anestesia prolongada e antecipada, para procedimentos extra-abdominais). Uma fração significativa de pacientes traumatizados que sofreram grandes impactos não apresentará, entretanto, sinais e sintomas cardiovasculares ou abdominais que justifiquem a necessidade de outras avaliações. No outro extremo, pacientes com taquicardia e hipotensão, e sinais clínicos óbvios de choque, têm hemorragia ativa que (excetuando-se sangramentos intratorácicos e fraturas graves) requer laparotomia imediata para diagnóstico e hemostasia simultâneos. 358

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O grupo intermediário remanescente necessita de informação diagnóstica adicional. As escolhas disponíveis incluem o lavado peritoneal diagnóstico (LPD), a tomografia computadorizada (TC) e a ultra-sonografia (US). O lavado peritoneal é seguro, sensível e específico para traumas fechados maiores; tem uma acurácia de 98%, com uma taxa mínima de complicação. Resultados falso-negativos ou positivos ocorrem em cerca de 2% dos casos, e o LPD virtualmente eliminou os óbitos em conseqüência do diagnóstico tardio de hemoperitônio. De seu uso rotineiro decorre, porém, uma elevada taxa de laparotomias brancas ou não-terapêuticas, ou seja, laparotomias que diagnosticam uma lesão (LPD positivo) que não precisa ser reparada (usualmente, lesão hepática ou esplênica não-sangrante). Além disso, lesões retroperitoneais, como as renais ou pancreáticas, não são detectadas, nem hematomas intraparenquimatosos de fígado ou baço, assim como a hérnia diafragmática. Mesmo que o cirurgião possa decidir não operar um paciente com LPD positivo, ele o fará sem nenhum conhecimento específico da natureza da lesão. A tomografia computadorizada é altamente sensível na avaliação do trauma intraabdominal e supre informações nas lesões retroperitoneais ou intraparenquimatosas dos órgãos sólidos. As desvantagens da TC são numerosas, ainda que menos significativas: o paciente geralmente precisa ser removido da sala de emergência para o setor de radiologia, onde a monitoração e a ressuscitação são mais difíceis; é um método caro e consome mais tempo do que o LPD; requer a presença de técnico e radiologista (ou cirurgião) competente na interpretação dos dados; e, ainda, necessita de contraste intravenoso. A seu favor estão o fato de muitos pacientes traumatizados requererem estudo tomográfico do crânio, a rapidez da nova geração de aparelhos e a aptidão da maioria dos cirurgiões gerais para a leitura e a interpretação dos resultados da TC. O ultra-som, assim como a TC, pode prover informação anatômica, determinar a presença de líquido intraperitoneal livre, e também quantificá-lo, sendo um método não-invasivo e rápido, que pode ser realizado na sala de emergência, o que já é executado por alguns cirurgiões. Nas mãos de um profissional treinado (radiologista ou cirurgião), o US poderá ser tão confiável quanto o LPD na avaliação do trauma abdominal fechado, excluindo-se os pacientes muito obesos ou portadores de distensão abdominal. Em contraste, a maioria dos cirurgiões gerais de hoje tem um treinamento razoavelmente bom em laparoscopia, e, uma vez que a interpretação baseia-se na inspeção visual direta, os princípios são muitos similares aos aprendidos durante seu treinamento cirúrgico eletivo. Vários estudos demonstraram que a laparoscopia pode ser realizada na sala de emergência, com anestesia local, em vítimas de trauma. Os exames levam de 30 a 60 minutos, porém este tempo é gasto na sala de emergência, com a presença do cirurgião, e por esta razão é extremamente seguro. O pneumoperitônio pode ser reduzido para 8-10 mmHg, minimizando os efeitos cardiovasculares da laparoscopia. Não obstante serem incompletas as visões laparoscópicas do baço e dos intestinos, assim como das estruturas retroperitoneais, deverá ser levado em consideração que pacientes hemodinamicamente estáveis, com LPD positivo, seriam submetidos à laparotomia, a qual 359

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seria desnecessária em 30% dos casos. Os pacientes hemodinamicamente estáveis com exames abdominais ambíguos e/ou fatores prejudiciais a um exame adequado devem ser submetidos a US ou TC. Aqueles com hipotensão recorrente ou persistente deverão ser submetidos ao LPD, e apenas aqueles com resultados positivos grosseiros (aspiração de 1020 cc de sangue) serão levados diretamente à laparotomia, sendo raros os casos nãoterapêuticos nesta situação. Estudos comparativos não demonstraram clara vantagem da laparoscopia diagnóstica sobre o lavado peritoneal como método de avaliação primária do trauma abdominal fechado, e ainda existem poucas referências na literatura comparando a laparoscopia diagnóstica e o US ou a TC para a avaliação de trauma abdominal. A laparoscopia certamente não poderá ser realizada por não-cirurgiões ou residentes em fase inicial de treinamento. Em contraste, o LPD pode ser realizado pela maioria dos profissionais que lidam com o trauma. Embora a laparoscopia não tenha seu papel estabelecido para a exploração de rotina no trauma abdominal, ela tem indicação para pacientes selecionados, particularmente aqueles de evolução hospitalar arrastada. Os casos para os quais a terapia conservadora foi indicada, especialmente para lesões esplênicas ou hepáticas, poderão desenvolver uma lenta queda de hematócrito ou uma dor abdominal de início súbito, ou mesmo mudanças em seu estado clínico. Estas são indicações coerentes para laparotomia e que resultam em evacuações de hematomas ou coleções biliares com colocação de drenos. Estes procedimentos são realizados com facilidade, e provavelmente de forma mais apropriada, por via laparoscópica. B. Traumatismos penetrantes. No trauma abdominal penetrante, a laparoscopia pode: (a) excluir penetração na cavidade peritoneal e, deste modo, evitar laparotomia branca ou nãoterapêutica “mandatória”; (b) determinar se há presença de sangue ou conteúdo intestinal na cavidade peritoneal e estimar sua quantidade; (c) diagnosticar lesões do diafragma; (d) demonstrar a necessidade de laparotomia terapêutica; (e) colocar drenos; (f) prover acesso para reparo laparoscópico de numerosas lesões, incluindo estômago, intestino delgado, parede abdominal e diafragma. De modo similar ao que ocorre no trauma fechado, pacientes com lesões penetrantes podem apresentar sérias lesões ocultas intra-abdominais (ou dentro de outra cavidade corporal). Os cirurgiões devem determinar se os pacientes apresentam tais lesões e tratá-las prontamente, enquanto cuidam de prevenir lesões adicionais. A determinação da penetração na cavidade peritoneal deverá ser pensada em termos de sua exclusão. A comprovação de que ela não ocorreu indica que o paciente não apresenta, em conseqüência, lesão interna. Provar que houve penetração é menos útil, na medida em que isto não confirma a presença de lesão significativa (30-50% desses pacientes têm achados normais durante a laparotomia). Mesmo não sendo um desastre, a laparotomia branca é sem dúvida incapacitante (ao menos temporariamente) e não completamente desprovida de morbimortalidade. A comprovação da penetração na cavidade peritoneal poderá ser estabelecida pela exploração da lesão, sob anestesia local, na sala de emergência. A ferida poderá ainda ser lavada e suturada neste momento. Caso a exploração da ferida não possa afastar 360

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efetivamente a penetração intraperitoneal, o cirurgião deverá assumir que ela ocorreu, devendo então decidir-se sobre o rumo a ser seguido. Em um centro de trauma com residentes diuturnamente, indicamos o exame abdominal seriado para aqueles casos em que não foi possível excluir penetração intraperitoneal. Esta opção mostra-se inviável para a maioria dos cirurgiões. Eles não podem examinar de forma seriada o paciente ou operá-lo mais tardiamente, quebrando uma rotina trabalhosa de procedimentos eletivos. Desta forma, muitos cirurgiões ainda adotam a laparotomia “mandatória” nos casos de penetração da cavidade, ou quando não se consegue excluí-la, obtendo as vantagens do diagnóstico pronto e definitivo de lesão intraperitoneal e contrapondo-o a uma expectativa de 20 a 50% de incidência de laparotomia não-terapêutica. Nestas situações, a laparoscopia diagnóstica pode, com segurança, excluir a penetração, permitindo tranqüilidade ao paciente e ao cirurgião. O paciente poderá receber alta após a laparoscopia em várias ocasiões. Em inúmeros centros de trauma, a maioria dos pacientes com feridas penetrantes por arma branca é admitida para observação e exames clínicos seriados. Em caso de alterações no exame, a avaliação cirúrgica estará indicada. Nestes casos, também, a laparoscopia poderá eliminar ocasionais laparotomias brancas ou não-terapêuticas. Nos casos de ferimentos por arma de fogo, a avaliação tende para a exploração, em função da elevada incidência (80-90%) de lesões intra-abdominais quando há penetração. Nestes casos, também, a laparoscopia mostrou-se de valor para evitar laparotomias desnecessárias. Em alguns pacientes, a trajetória do projétil é tangencial à cavidade peritoneal ou passa através do terço inferior do tórax, sendo a lesão peritoneal fortemente suspeitada e sem possibilidade de ser formalmente excluída. O papel da laparoscopia neste grupo tem sido demonstrado como método seguro e eficaz na exclusão de penetração na cavidade peritoneal. Embora estudos demonstrem que a laparoscopia pode detectar a presença de sangue ou conteúdo intestinal no abdômen, documentando a necessidade de laparotomia, um exame diagnóstico completo poderá ser impossível, devido à dificuldade na avaliação das alças intestinais, assim como a problemas para a visualização das estruturas posteriores e retroperitoneais, como o duodeno ou a face posterior do baço. C. Traumatismos diafragmáticos. A avaliação do diafragma, especialmente a cúpula esquerda, é provavelmente a área onde a laparoscopia diagnóstica é de maior benefício. Em alguns grupos, particularmente nos pacientes submetidos a traumas fechados violentos na base torácica esquerda, a incidência de lacerações diafragmáticas é alta, podendo ocorrer em 25 a 50% dos casos. Embora a maioria dessas lacerações seja assintomática, e muitas vão provavelmente cicatrizar de forma espontânea, elas ocasionalmente resultam em complicações tardias desastrosas, como a herniação, o estrangulamento e a perfuração de alças de delgado ou mesmo do estômago dentro da cavidade torácica. Apesar de alguns grupos terem optado pela laparotomia exploradora “mandatória” para pacientes com este tipo de lesão, a laparoscopia se vem mostrando como uma técnica auxiliar efetiva para avaliação da cúpula esquerda. Na realidade, já foram inclusive realizadas suturas de lacerações diafragmáticas por essa via.

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Na avaliação de pacientes com risco de lesões diafragmáticas, é necessário extremo cuidado, devido ao fato de poder ser criado um pneumotórax hipertensivo. A pressão de insuflação deverá ser mantida baixa (menor do que 10 mmHg), e o tórax deverá estar preparado para drenagem de emergência (Figs. 36-1 e 36-2). D. Na emergência não-traumática. Patologias intra-abdominais significativas poderão apresentar-se de forma pouco evidente, especialmente nos pacientes idosos, senis ou imunocomprometidos, os quais apresentam geralmente história pobre e inconclusiva e quadro clinicolaboratorial inespecífico. De maneira similar, pacientes alcoolizados, sob efeito de drogas ou comatosos também podem apresentar-se com diagnóstico obscuro. Nessas situações, o exame laparoscópico estará indicado, podendo diagnosticar a patologia em questão, como eventuais processos inflamatórios (apendicite e doença inflamatória pélvica), insuficiência vascular mesentérica, ou mesmo perfurações viscerais (úlcera péptica, divertículos etc.) (Fig. 36-3). A laparoscopia poderá ainda ser muito útil nos casos de mulheres jovens que apresentam dor abdominal (principalmente quando o local da dor é o quadrante inferior direito), realizando o diagnóstico diferencial entre gravidez ectópica, doença inflamatória pélvica e apendicite aguda, inclusive com possibilidade terapêutica (apendicectomia videolaparoscópica). Relatos isolados do incipiente uso da laparoscopia como opção para a intervenção de second look são encontrados, principalmente em casos onde houve dúvida sobre a viabilidade dos tecidos remanescentes (isquemia mesentérica, lesões extensas de órgãos sólidos etc.), com a opção de já se deixar instalado o trocarte por ocasião da laparotomia, evitando-se o risco de lesão por punção. Outras indicações seriam a detecção de sangramento gastrointestinal em casos selecionados onde se suspeita de neoplasia de intestino delgado ou de divertículo de Meckel; reposicionamento de tubos de gastrostomia e cateteres peritoneais para diálise; diagnóstico e avaliação de doença hepática, benigna ou maligna, primária ou metastática; avaliação de massas intra-abdominais; investigação de ascite, febre ou dor abdominal crônica de origem indeterminada; estadiamento de tumores; e outras, exercitadas mais freqüentemente de maneira eletiva (porém com risco emergencial significativo). V. Terapêutica Laparoscópica na Emergência. O tratamento por via laparoscópica de patologias intra-abdominais é um campo promissor. A instrumentação e a técnica já estão bem-estabelecidas para a ligadura de vasos, sutura de alças, para os reparos de defeitos da fáscia e a colocação de drenos. Suturas de lacerações gástricas e diafragmáticas, usando-se clipes colocados individualmente por via laparoscópica, assim como apendicectomias, têm sido realizadas com sucesso. Técnicas laparoscópicas avançadas, incluindo ressecções e anastomoses de alças, podem obviamente ser utilizadas para reconstruções, ressecções ou anastomoses no trauma tão facilmente como em situações eletivas. As três maiores restrições para as técnicas

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laparoscópicas de tratamento de patologias intra-abdominais são a hemorragia, o tempo e o acesso aos órgãos intra-abdominais. Apesar de existir uma variedade de técnicas laparoscópicas para ligadura de vasos, o controle de uma hemorragia pode ser difícil mesmo quando a fonte do sangramento é um único vaso. Quando existem vários vasos sangrando ou quando a hemorragia iniciou-se antes da realização da laparoscopia, o seu controle poderá ser virtualmente impossível. De fato, a hemorragia é uma indicação bem-aceita para a conversão de um procedimento laparoscópico em cirurgia convencional. Não existe, e provavelmente nunca existirá, um substituto da laparotomia para o controle adequado de uma hemorragia significativa, com a rápida aplicação manual de pinças hemostáticas e de vários métodos simultâneos de sucção. Em operações eletivas, um tempo operatório adicional é aceitável porque existe pouco ou nenhum risco para o paciente, podendo inclusive significar muitas vezes uma diminuição na duração de sua hospitalização. Em contraste, na emergência, um aumento do tempo operatório pode levar a uma hemorragia prolongada ou à contaminação de todo o abdômen e atraso nos procedimentos diagnósticos ou terapêuticos. Os pacientes traumatizados poderão, ainda, apresentar paralelamente outras lesões que exigirão observação hospitalar, mesmo no caso de o procedimento abdominal permitir uma alta precoce. Embora a visão laparoscópica do abdômen seja excelente, e provavelmente melhore com a nova geração de afastadores e pinças, ainda é difícil o acesso à face posterior do baço, à raiz do mesentério e ao retroperitônio, particularmente em pacientes obesos. Fabian e cols., assim como Salvino, demonstraram que, mesmo com atuação agressiva, lesões intraabdominais podem passar despercebidas, especialmente em traumas penetrantes. O mesmo problema de acesso pode obviamente impedir o tratamento de lesões nessas áreas. VI. Técnicas Laparoscópicas Para a Emergência A. Localização. A maioria das laparoscopias é realizada no centro cirúrgico. Com preparação própria, porém, a laparoscopia pode ser realizada com sucesso na sala de emergência ou na Unidade de Tratamento Intensivo. Considerações logísticas favorecem a sala de cirurgia, porque o equipamento complexo é caro, e o pessoal especialmente treinado para mantê-lo e operá-lo está usualmente presente no centro cirúrgico. Além disso, o ambiente tumultuado de uma sala de emergência pode ser insatisfatório para um procedimento estéril. A mesa cirúrgica é especificamente projetada para posicionar e mobilizar o paciente, o que é necessário para a avaliação dos vários quadrantes do abdômen, incluindo as superfícies superiores do fígado e do baço e as cúpulas frênicas. Pacientes confusos, intoxicados ou agitados são mais facilmente controlados com a assistência de um anestesista (com ou sem anestesia geral). Além disso, medidas terapêuticas podem ser necessárias, incluindo o reparo de lesões e o tratamento de complicações como o pneumotórax. Todos esses eventos são resolvidos mais facilmente numa sala cirúrgica. Entretanto, certas instituições podem achar mais conveniente realizar a laparoscopia na sala de emergência, devido à ocorrência de um centro cirúrgico sobrecarregado. 363

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Alternativamente, algumas salas podem ser perfeitamente adequadas para a realização de procedimentos invasivos, já tendo sido demonstrado que, com anestesia local e sedação, foi possível realizar a maioria das laparoscopias diagnósticas na sala de emergência. B. Equipamento. A laparoscopia diagnóstica para a emergência pode ser realizada sem equipamento adicional, isto é, com os mesmos equipamentos usados para laparoscopia diagnóstica eletiva ou para CVL. Entretanto, dependendo das indicações e dos objetivos, instrumentos adicionais e outros equipamentos podem ser úteis. Duas pinças atraumáticas são necessárias para a avaliação de alças intestinais e para que se descartem lesões de vísceras ocas. A óptica convencional de 10 mm pode ser usada, especialmente se a laparoscopia é realizada em centro cirúrgico e sob anestesia geral, enquanto a óptica de 30º pode ser útil na inspeção da superfície superior do fígado ou do baço. Foi proposto por Berci o uso de óptica de 4 mm para a realização de uma “minilaparoscopia” sob anestesia local na sala de emergência. Uma unidade móvel laparoscópica foi desenvolvida e inclui uma bandeja simplificada de instrumentos: trocartes de 4-5 mm, aspirador/irrigador, cilindro de gás e uma fonte de luz. Câmera e sistema de vídeo não são necessários, porém o uso de um monitor pequeno (13 polegadas) pode tornar o vídeo portátil. Além disso, relembramos que, devido ao risco potencial de lesão diafragmática não diagnosticada, podendo levar a um pneumotórax hipertensivo, o equipamento necessário para a drenagem torácica de urgência deve estar acessível. Apenas cirurgiões que estejam familiarizados com técnicas de drenagem torácica deverão realizar laparoscopia em pacientes traumatizados. Tratando-se de laparoscopia terapêutica, uma variedade de instrumentos pode ser necessária (pinças tipo Babcock, porta-agulhas etc.) Clipadores comumente usados no tratamento de hérnias podem ser usados para suturas de diafragma e vísceras ocas. C. Técnica nas feridas por armas de fogo. Em geral, a laparoscopia nos casos de ferimento por arma de fogo somente é realizada em pacientes estáveis e com trajetória tangencial. Uma vez mais, o objetivo é determinar se ocorreu penetração peritoneal. Um simples trocarte para laparoscopia pode ser suficiente para se avaliar o peritônio adjacente à lesão. Eventualmente, uma haste rígida pode ser passada pelo trajeto da lesão, no intuito de se identificar a área onde a ferida se aproxima do peritônio. Numa ferida anterior, o uso da óptica de 30º ou de trocarte introduzido mais lateralmente pode ser útil. Se a ferida tangencial tem direção póstero-lateral, existem possibilidades de lesão de cólon retroperitoneal (posterior à linha de Toldt). A exploração pode requerer um trocarte de 5 mm colocado lateralmente à lesão, para facilitar a reflexão medial do cólon. Geralmente, a penetração peritoneal é indicação de laparotomia, uma vez que mais de 90% dos pacientes afetados apresentarão lesões intra-abdominais significativas. Além da penetração do peritônio, outras evidências que poderiam indicar a laparotomia incluem a detecção de sangue, bile ou conteúdo intestinal livres na cavidade peritoneal. Se nada disso é localizado, a despeito de visão adequada da cavidade e da área em questão, a laparoscopia 364

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pode ser finalizada, e o paciente pode retornar para a unidade de tratamento intensivo ou enfermaria, para observação. D. Técnica nas feridas penetrantes. A conduta para a laparoscopia em traumatismos penetrantes é similar àquela descrita nos traumatismos por arma de fogo. A ausência de penetração peritoneal é a prova de que o paciente não necessita de laparotomia. Entretanto, a simples presença de penetração peritoneal não é indicação absoluta de laparotomia. De fato, muitos desses pacientes não terão lesões intra-abdominais severas o bastante para necessitarem de tratamento cirúrgico. Por isso, pode ser vantajoso inspecionar a cavidade peritoneal em busca de evidências de lesões. É óbvio que uma grande lesão de fáscia necessitará de reparo. Entretanto, lesões intra-abdominais podem ser descartadas, e o tratamento das lesões da fáscia pode ser feito localmente, com abordagem via anterior sem necessidade de laparotomia. Se há sangue presente, associado a uma ferida em quadrante superior, seja à direita ou à esquerda, a origem pode ser uma lesão hepática ou esplênica. Freqüentemente, a hemorragia já terá cessado e não necessitará de terapia específica. O sangue deve ser aspirado, e a área, irrigada e observada no intuito de verificar se o sangue se reacumula. Se a origem do sangramento não pode ser determinada, se o sangue se reacumula ou se a bile ou o conteúdo entérico são detectados, é indicada a laparotomia. Adicionalmente, se uma grande quantidade de sangue é encontrada na observação inicial ou se são detectadas alças intestinais flutuando em grande quantidade de sangue, a laparotomia imediata está indicada. Em casos selecionados, o tratamento de lesões isoladas de vísceras ocas, órgãos sólidos ou do diafragma pode ser realizado, particularmente se o restante da cavidade foi bem visto e se o cirurgião está familiarizado com técnicas avançadas de sutura laparoscópica. Uma sutura gástrica pode ser realizada com colocação de trocartes na linha média, nos quadrantes superiores direito e esquerdo, para o afastamento do lobo esquerdo do fígado, superiormente. A parede gástrica anterior é pinçada e elevada, afastando-se da parede posterior. O fechamento pode ser realizado com suturas e clipes (Fig. 36-4). De maneira similar, o reparo do diafragma com clipes já foi realizado. Deve ser notado que, no caso de lesão diafragmática, cuidado especial deve ser tomado no sentido de se evitar um pneumotórax hipertensivo. A pressão de insuflação deve ser mantida abaixo de 10 mmHg, e o paciente deve ser monitorado quanto a sinais clínicos de pneumotórax hipertensivo. As suturas de vísceras ocas devem ser testadas, quando possível. No caso da sutura gástrica, ela é testada inflando-se o estômago com ar na cavidade repleta de soro fisiológico. Os trabalhos mais recentes mostram uma redução em até 68% dos casos de laparotomias “obrigatórias” quando a laparoscopia é utilizada nos casos de traumas penetrantes. Uma especificidade de 100%, associada a uma sensibilidade de 85%, é encontrada, porém ainda existe grande preocupação com relação às lesões intestinais. E. Técnica nos traumatismos fechados. No traumatismo fechado, a laparoscopia pode ser útil na determinação da presença e da origem de hemoperitônio e para se afastar a possibilidade de lesão de víscera oca. Lacerações diafragmáticas no trauma fechado são 365

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geralmente extensas e identificáveis por exames radiológicos do tórax. Berci e cols. identificaram quatro grupos de pacientes nas suas séries de laparoscopia para trauma abdominal fechado: 1. Hemoperitônio mínimo. Pequena quantidade de sangue nas goteiras laterais, até 5 mm, ou lagos de sangue entre as alças. Não havendo aumento do seu volume durante a realização do exame, o paciente pode ser observado, ainda que a origem do sangramento possa permanecer obscura. 2. Hemoperitônio moderado. Presença de volume de sangue nas goteiras parietocólicas, não excedendo 10 mm de altura. O sangue deve ser aspirado, e realizada a busca da origem do sangramento. No caso de a fonte ser encontrada e a hemorragia haver cessado, o paciente poderá ser observado cuidadosamente. Caso o sangue preencha novamente as goteiras, ou se for detectada lesão que necessite de reparo, estará indicada a laparotomia. 3. Hemoperitônio severo. O sangue é aspirado pela agulha de Veress ou escapa pela abertura inicial para a laparoscopia, ou ainda a visão inicial laparoscópica demonstra alças intestinais sobrenadando em sangue. Neste caso a laparotomia está formalmente indicada, devendo ser realizada imediatamente. Este achado é raro em pacientes estáveis. 4. Perfuração de órgãos. O conteúdo intestinal é localizado nas goteiras, ou uma lesão intestinal é observada. A laparotomia para o tratamento do órgão lesado é indicada. Alguns se sentem inclinados a tentar uma rafia laparoscópica das lesões intestinais por traumas fechados. Porém, essas feridas são geralmente mais severas e menos bem-localizadas do que aquelas ocorridas nos traumatismos penetrantes, podendo ainda estar associadas a lacerações do mesentério, fraturas lombares etc. Desta forma, consideramos a laparotomia como forma de tratamento mais adequada para tais casos. Vários autores descreveram técnicas para hemostasia laparoscópica que incluem aplicação de agentes hemostáticos, como celulose ou esponjas de colágeno. A injeção de cola de fibrina via laparoscópica para o tratamento de hemorragia de órgãos sólidos também já foi descrita em modelos animais. F. Traumatismo devido à laparoscopia. Muitas séries de procedimentos laparoscópicos incluem lesões intestinais dentre suas complicações. Apesar de a incidência ter diminuído, após a introdução da técnica sob visão direta, isto ainda pode ocorrer. O tipo de lesão mais comum é a laceração do intestino delgado. Se ela for adequadamente detectada e o cirurgião for hábil em técnicas laparoscópicas, a lesão poderá ser tratada por via laparoscópica, através de suturas. Se a visão ou a habilidade do cirurgião forem insuficientes, será indicado o procedimento convencional para a rafia da lesão. Lesões mais severas, incluindo lacerações do baço devidas à tração no hilo e dos vasos gástricos curtos, podem ocorrer quando o cirurgião traciona o estômago ou o cólon. Isto pode levar à conversão ao procedimento aberto com esplenorrafia ou esplenectomia, apesar de ser possível a aplicação laparoscópica de agentes hemostáticos (descrita anteriormente). A lesão laparoscópica mais temida é a lesão de grande vaso com a agulha de Veress ou trocarte, seja na aorta abdominal ou nas artérias ilíacas, na veia cava ou nas veias ilíacas. 366

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Vários óbitos já foram relatados. A identificação ou suspeita dessa lesão deve resultar em imediata conversão para a cirurgia aberta, com adequada visão para o tratamento das lesões. A lesão mais comum que ocorre na colecistectomia videolaparoscópica é a lesão dos dutos biliares, que está além dos objetivos deste capítulo. VII. Sumário. O papel da laparoscopia na emergência deve ser individualizado para o paciente, para o cirurgião e para a instituição. Existe menos espaço para novas técnicas na emergência do que nos procedimentos eletivos, uma vez que o paciente freqüentemente apresenta-se em condições precárias e com sua evolução clínica incerta. A laparoscopia parece ser de valor limitado para a exploração de rotina em vítimas de trauma fechado. Para pacientes instáveis, ela é contra-indicada. Para alguns pacientes estáveis, em locais onde a laparoscopia já está bem-estabelecida e quando o cirurgião já está familiarizado com o procedimento, a laparoscopia pode ser bastante útil. A prova laparoscópica de que um trauma penetrante ou um trauma por arma de fogo não atingiu a cavidade abdominal poderá evitar uma laparotomia branca ou nãoterapêutica (desnecessária). A demonstração laparoscópica de lacerações diafragmáticas permite um reparo precoce e evita complicações tardias. Um diagnóstico bem-estabelecido pode reduzir a morbimortalidade em emergências abdominais, indicando precocemente o tratamento mais adequado. Finalmente, o tratamento laparoscópico de algumas lesões é possível hoje e, provavelmente, será realizado com maior freqüência no futuro. Referências 1. Atlas Instructor Manual. American College of Surgeons, Chicago, 1993. 2. Berci G et al. Emergency in abdominal trauma. Am J Surg 1983; 146: 261. 3. Berci G. Elective and emergent laparoscopy. World J Surg 1983; 17: 8. 4. Berci G, Sackier JM, Paz-Partlow M. Emergency laparoscopy. Am J Surg 1991; 161(3): 332-5. 5. Bergstein JM et al. Diagnostic and therapeutic laparoscopy for trauma. Laparoscopy and Thoracoscopic Surgery 1994; 155: 72. 6. Brandt CP, Priebe PP, Jacobs DG. Potencial of laparoscopy to recue nontherapeutic trauma laparotomies. Am Surg 1994; 60(6): 416-20. 7. Branicki FJ, Nathanson LK. Minimal access gastroduodenal surgery. Aust N Z J Surg 1994; 64(9): 589-98.

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Capítulo 37 - Traumatismos da Mão Arlindo G. Pardini Júnior I. Introdução. A principal meta no tratamento dos traumatismos da mão é a restauração da função, acima de qualquer outro objetivo, daí a grande importância do atendimento inicial. Infelizmente, a maioria dos traumatismos da mão, principalmente os aparentemente mais simples, recebe os primeiros socorros por elementos menos experientes da equipe de emergência, gerando seqüelas irreversíveis e comprometimento grave da função. Os traumatismos da mão constituem cerca de 5% de todos os atendimentos de um prontosocorro geral, porém representam cerca de 35% de todos os casos nos ambulatórios de acidentes de trabalho. Esta alta incidência de lesões de mão constitui hoje um grande problema socioeconômico, principalmente quando se leva em consideração não somente o tempo de afastamento do trabalho, como também pensões e indenizações pagas pelos cofres públicos. A melhor forma de evitar estes problemas é por meio de campanhas profiláticas, que já vêm sendo realizadas nas indústrias e que têm sido responsáveis pela queda na incidência de acidentes de trabalho. Para tratar cirurgicamente qualquer lesão de mão, é imprescindível um conhecimento adequado de sua anatomia estática e funcional, pois a cirurgia de mão é o exemplo mais elegante de pura anatomia aplicada. Recomenda-se ao leitor o estudo deste tema na literatura especializada. Vários fatores contribuem para um mau resultado nos traumatismos da mão, e o principal deles é a infecção, seguida de diagnósticos incompletos, técnica operatória muito traumática, incisões incorretas e imobilizações em posição não-funcional. A infecção pode espalhar-se, principalmente através de bainhas tendinosas, e provocar cicatrizes retráteis que reduzem o suprimento sangüíneo, comprometem o suprimento nervoso e resultam em contraturas permanentes dos tecidos. O objetivo imediato do cirurgião que atende um caso de traumatismo aberto de mão é obter uma cura primária da ferida, sem infecção, pois em um segundo tempo poder-se-á fazer a síntese de ossos, tendões e nervos com melhores condições técnicas. Caso o cirurgião tenha treinamento e experiência, aliados a condições técnicas, boas condições da ferida e do paciente, o ideal é que todas as lesões, da pele ao osso, sejam tratadas de imediato. Do ponto de vista cirúrgico nas lesões de mão, a ordem das prioridades do cirurgião deve ser: (a) tratamento das lesões vasculares (se possível), quando a viabilidade do segmento estiver comprometida (arteriorrafia); (b) prevenção de infecção; (c) estabilização do esqueleto; (d) cobertura com pele (fechamento da ferida); (e) prevenção de deformidades (imobilização em posição funcional); (f) sutura de nervos e tendões. Quando se atende um paciente com traumatismo da mão, deve-se estabelecer a rotina descrita a seguir:

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II. Diagnóstico. O diagnóstico deve ser feito antes de qualquer sedação. Todas as informações pertinentes ao paciente e ao acidente devem ser anotadas em fichas próprias. Isto facilitará a consulta a estas informações sempre que for necessário. Não se deve esquecer que muitas vezes os traumatismos da mão envolvem procedimentos médico-legais e que muitos problemas podem ser esclarecidos com uma ficha bem-documentada. A melhor compreensão possível, pelo cirurgião, do tipo de paciente e de sua lesão é de suma importância na indicação do tratamento. A idade é um fator importante, pois, em pacientes mais idosos, certas lesões complexas de um dedo, envolvendo vários tecidos (p. ex., osso, pele e tendão), podem ser mais bem tratadas com amputação, para não comprometer a função de outros dedos. Este princípio não se aplica ao polegar. Ao contrário, quanto mais jovem o paciente, maiores as possibilidades de remodelação e de recuperação funcional. O sexo algumas vezes indica ou modifica algum tratamento, pois devem-se evitar, quando possível, certas cicatrizes em mulheres (como na escolha de áreas doadoras de enxerto de pele). A profissão é um dado de que o cirurgião deve sempre estar ciente, pois nem sempre a indicação de determinada cirurgia é a mesma para um trabalhador braçal e para um técnico em eletrônica (como nas artrodeses, artroplastias ou lesões tendinosas). A mão dominante deve ser tratada sempre com o pensamento na restauração de sua função de pinça ou no seu posicionamento no caso de lesões dos dois membros superiores. A personalidade e o nível cultural podem interferir na indicação de cirurgias mais elaboradas, que necessitam de maior colaboração do paciente no pós-operatório. Pacientes negativistas ou de baixo nível intelectual que não entendam a finalidade da cirurgia não são bons candidatos a certos procedimentos (policização, transferência tendinosa, artroplastias). A anamnese, por intermédio de um interrogatório bem conduzido, é fundamental no diagnóstico e no tratamento dos traumatismos da mão. Há quanto tempo ocorreu a lesão? Feridas com mais de seis horas são consideradas infectadas, independentemente do grau de contaminação, e neste caso o uso de antibiótico é mandatório. Houve algum tratamento prévio? Qual, e por quem? Qual o agente causador ou qual o local do acidente? Lesões por faca ou lâminas produzem feridas menos graves do que as provocadas por serra circular. Lesões por vidro podem ser mais graves do que a ferida da pele sugere. Máquinas como cilindro podem provocar síndromes de compartimentos da mão e levar a retrações graves (“Volkmann de mão”). O local onde ocorreu a lesão pode predispor a certos tipos de infecção (tétano, gangrena). Lesões obtidas na terra são mais sujeitas a infecção. Qual a posição da mão no momento da lesão? Esta pergunta é muito importante no caso da lesão de tendões flexores, pois, se os dedos estiverem fletidos (em posição de empunhadura), como alguém que segura fortemente na lâmina de uma faca, os tendões lesados podem retrair-se vários centímetros; isto servirá de orientação para o cirurgião ampliar a incisão. O exame da mão traumatizada começa pela inspeção. Ele nos fornece informações importantes, como o tipo de lesão (cortante, cortocontusa, contusa, perfurante, por explosão etc.). A postura dos dedos nos informa se há lesão de tendões ou fraturas. A coloração nos dá informações quanto ao estado vascular das extremidades. A palpação mostra 373

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temperatura baixa nos casos onde há lesão arterial. Também informações como pulso digital e crepitação podem ser sentidas pela palpação. A pesquisa dos movimentos e da sensibilidade pode sempre ser feita, independentemente da gravidade da lesão. Por mais grave que seja o traumatismo, o paciente pode executar algum tipo de movimento ou informar quanto à sensibilidade (com um alfinete), por meio de um exame cuidadoso, delicado e minucioso. O diagnóstico de fraturas ou luxações pode ser feito pela inspeção (deformidade) e palpação (dor localizada, incapacidade funcional, movimentos anormais), e confirmado por radiografias. Raramente se utilizam outros exames na fase aguda da mão traumatizada. Evidentemente, em crianças de baixa idade, devido à dor e à imaturidade, o diagnóstico não pode ser feito com a mesma precisão que em adultos. Feito o diagnóstico, o paciente é encaminhado ao bloco cirúrgico, para o tratamento operatório. III. Anestesia. Somente após o diagnóstico, que incluiu o exame detalhado da lesão, deverá ser feita a anestesia. Exceção a este princípio é o caso de lesão em crianças muito novas ou em pacientes que não têm condições de fornecer informações adequadas. Nenhuma lesão aberta da mão pode ser submetida a um tratamento cirúrgico seguro sem uma anestesia adequada. Em geral, os pacientes com traumatismos agudos da mão chegam ao pronto-socorro com o estômago cheio, sendo este um dos motivos pelos quais se priorizam as anestesias locais e locorregionais. A anestesia geral é indicada para casos em que se necessita operar em outra área concomitantemente, como no caso de retalhos a distância. Também em crianças ou em pacientes psiquiátricos, a indicação é de anestesia geral. A anestesia local está indicada nas pequenas lesões que atingem somente a pele. Não se deve injetar o anestésico no interior da ferida, mas na sua periferia, para não aumentar a agressão ao tecido lesado. O bloqueio digital pode ser feito quando a lesão se localiza em um dedo. O anestésico deve ser injetado na base do dedo, na palma da mão, na projeção intermetacarpal, onde o nervo digital se bifurca (Fig. 37-1). Deve-se evitar injetar o anestésico no dedo, devido ao risco de aumentar o volume do mesmo (“tubo digital”) e provocar espasmo arterial, de conseqüências danosas. Recomenda-se a lidocaína ou xilocaína a 1% como anestésico de escolha. A associação do anestésico local com um vasoconstritor nos bloqueios digitais continua a ser contestada por pesquisadores atuais. Lesões localizadas no território específico dos nervos mediano, ulnar e radial podem ser anestesiadas por bloqueios seletivos destes nervos no processo estilóide do rádio (nervo radial), ulnarmente ao tendão flexor radial do carpo (nervo mediano) ou radialmente ao tendão do flexor ulnar do carpo (nervo ulnar) no punho (Fig. 37-2). A desvantagem maior dos bloqueios citados até aqui é a impossibilidade de se usar um garrote pneumático por tempo superior a 20 minutos. Quando isto é necessário, ou se as 374

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lesões são mais extensas, a anestesia indicada é o bloqueio do plexo braquial. A técnica de escolha é a interescalênica, pois a técnica supraclavicular de Kulenkampf é sujeita a muitas complicações, sendo a principal delas a perfuração da pleura, com conseqüente instalação de pneumotórax (Fig. 37-3). Outra técnica usada é a perivascular axilar. O anestésico é injetado na axila, entre a artéria axilar e o músculo peitoral maior. O bloqueio deve ser complementado com infiltração subcutânea do anestésico na área do nervo intercostobraquial, quando se vai usar torniquete. Em todos estes bloqueios, recomenda-se o uso da lidocaína (Xylocaína®), para cirurgias de até duas horas de duração, e bupivacaína (Marcaína®), nas cirurgias mais demoradas. IV. Cuidados Com a Ferida e Preparo do Campo Cirúrgico. A pele é muito contaminada, e geralmente nas feridas abertas é comum se encontrarem corpos estranhos como capim, restos de asfalto, vidro etc. A melhor profilaxia contra infecção é uma lavagem exaustiva não só da ferida como de sua periferia e de todo o membro, até o local do torniquete. A ferida deve ser protegida com uma compressa enquanto se escova toda a pele, usando-se água e sabão durante 10 minutos. Deve-se tomar cuidado com as soluções iodadas, pois estas causam descamação epitelial, o que predispõe à infecção secundária. Não escovar nem usar sabões detergentes no interior da ferida. Recomenda-se aqui o uso abundante de soro fisiológico, utilizando-se uma seringa para fazer a lavagem da lesão com o soro sob pressão. Todo material contaminado e os corpos estranhos devem ser removidos. Após esta lavagem mecânica, a pele (e somente ela) é tratada com solução de álcool, éter e álcool iodado bem diluído. Não se recomendam substâncias coloridas, que poderão dificultar o exame pós-operatório das pontas dos dedos na avaliação de sua patência vascular. Nesta fase do tratamento, caso algum vaso mais calibroso esteja sangrando, ele poderá ser pinçado e ligado. Caso o serviço tenha malha tubular (estoquinete) esterilizada, esta é colocada e o membro é elevado, para se proceder à instalação do torniquete. O uso de um torniquete de pressão controlada na raiz do membro é de importância fundamental na cirurgia de mão. Ele permite que o procedimento seja executado em menor espaço de tempo, sob condições ideais de dissecção dos planos cirúrgicos. Devido às várias complicações do uso da faixa de Esmarch sem controle de pressão, ela deve ser abolida. A pior complicação de seu uso é a paralisia total do membro superior (“paralisia de torniquete”), devido a uma pressão exagerada sobre os nervos. O torniquete pneumático permite o controle da pressão, que deve ficar entre 150 e 200 mmHg em crianças e entre 250 e 300 mmHg em adultos. Convencionalmente usa-se uma pressão de 100 mmHg acima da pressão sistólica do paciente. Antes de insuflar o torniquete, faz-se a exanguinação pela elevação do membro por três minutos e espreme-se da parte distal para a proximal. O tempo enquanto o torniquete permanece insuflado deve ser constantemente observado pelo cirurgião. É permitido o período de até duas horas de uso contínuo do torniquete. Se após este tempo não se tiver terminado a cirurgia, o torniquete deverá ser desinsuflado e o membro deverá ser elevado, protegendo-se a ferida com uma compressa. Após 10 minutos de circulação sangüínea no membro, o torniquete poderá ser novamente insuflado. Da segunda vez o torniquete não deverá permanecer por mais de 90 minutos insuflado. O torniquete digital, usando-se um dreno de Penrose na raiz do dedo, pode ser usado com 375

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cautela, evitando-se grande pressão e usando-se um dreno mais largo, para que sejam evitadas complicações vasculares graves. V. Técnica Operatória. Na cirurgia da mão devem-se seguir os mais rígidos princípios da técnica atraumática. Os tecidos devem ser manipulados com delicadeza, pois os menores traumatismos causam a formação de tecido colágeno e aderências ou retrações, que são causa de maus resultados do tratamento. Todas as ramificações da ferida devem ser visualizadas e exploradas, e um desbridamento econômico deve ser realizado, limitado à remoção de 1-2 mm de largura das bordas. Tecidos desvitalizados devem também ser removidos. O material cirúrgico deve ser delicado, para evitar maior traumatismo aos tecidos, e o cirurgião deve ter à mão instrumental óptico para magnificação, pelo menos uma lupa cirúrgica. A hemostasia deve ser feita com cautério, e vasos mais calibrosos devem ser ligados. Na fase palmar, evita-se o uso de categute devido à excessiva produção de tecido reacional por ele provocada. O melhor fio de sutura para a mão é o náilon monofilamentar (na maioria das vezes o número 5-0), que é resistente e inerte e pode ser usado para tendões e pele. As desvantagens do seu uso em tendões são sua pouca maleabilidade e dureza e o fato de o nó soltar-se com facilidade. Fios de poliéster ou polipropileno revestidos de silicone são de melhor manipulação e dão também boa resistência. VI. Cobertura da Ferida. Para uma cura primária e rápida, e para evitar infecção, deve-se obter uma boa cobertura de pele nas feridas. Deve-se evitar, sempre que possível, a cicatrização por segunda intenção, pois o tecido de granulação que se forma é precursor de fibrose e de retração. Portanto, uma ferida na mão deve ser fechada se ela já é (ou se pode ser transformada em) uma ferida limpa. Existem três métodos para se fechar uma ferida na mão: por aproximação das bordas (sutura), por enxerto de pele livre e por retalho de pele. Não entraremos em detalhes técnicos, pois esta não é a finalidade deste capítulo. Relataremos apenas as indicações e os princípios gerais de cada método. A. Por aproximação das bordas (sutura). Este é o método ideal para o tratamento primário de uma ferida, para se obter cura no menor tempo possível e com o mínimo de formação de tecido de granulação. Alguns princípios básicos devem ser seguidos: (a) a justaposição das bordas deve ser bem acurada; (b) não deve restar espaço morto, pois este é preenchido por hematoma, que se transforma em tecido de granulação; (c) não deve haver tensão exagerada da sutura, o que causa isquemia e conseqüente necrose; (d) não fazer sutura em bordas desvitalizadas; por isso, estas devem ser regularizadas; (e) a técnica deve ser rigorosamente 376

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atraumática, com material cirúrgico delicado, agulhas finas, curtas e cortantes, e fios de sutura finos (5-0 ou 6-0) (Fig. 37-4). B. Por enxerto de pele. A principal indicação para o fechamento de uma ferida com enxerto de pele na mão se dá nos casos de perdas de substâncias mais superficiais. É contraindicada a colocação de enxerto de pele em regiões com leito pouco vascularizado, como sobre cartilagem, osso cortical ou tendão desprovido de paratendão. O enxerto de pele total (Wolfe) oferece os melhores resultados funcionais, principalmente na face palmar da mão e no dorso das articulações, porque não se retrai (ou se retrai pouco) e é mais maleável (elástico). O leito receptor deve ser bem vascularizado. Na região palmar deve-se usar enxerto da mesma qualidade, para evitar áreas pigmentadas, principalmente em pacientes da raça negra. Portanto, para estas áreas, o melhor enxerto de pele total é obtido do bordo ulnar da mão e da região do arco plantar. Para o dorso da mão as áreas doadoras preferidas são a face anterior do punho, a dobra do cotovelo e a região inguinal, dependendo do tamanho do enxerto. As áreas doadoras devem ser suturadas primariamente com aproximação das bordas após descolamento subcutâneo. Os enxertos de pele parcial têm a vantagem de pegar mais facilmente, porque a sua revascularização é mais rápida, mas têm mais tendência à retração. Eles não devem ser utilizados na palma da mão, por não terem resistência à pressão ou à fricção. As áreas doadoras devem situar-se em locais pouco visíveis, pois cicatrizam por segunda intenção e deixam uma área de descoloração permanente. C. Por retalhos de pele. Quando existe exposição de estruturas nobres, ou em áreas pouco vascularizadas em que não é possível fechar a ferida por aproximação das bordas ou por enxerto de pele, está indicada a cobertura com retalho de pele. Este pode ser retalho livre, quando é removido de uma área com seu pedículo vascular (usando-se ou não outras estruturas, como músculo, nervo e osso), que é anastomosado no pedículo próximo ao leito receptor. É necessária técnica microcirúrgica para a utilização deste retalho. Os retalhos também podem ser pediculados locais (quando retirados da própria mão) ou a distância. Os retalhos locais mais freqüentemente usados na mão são: (a) cross-finger; (b) retalhos de deslizamentos (por rotação ou por avanço); (c) retalhos neurovasculares (“ilha neurovascular”); (d) retalho “em filé” de dedo; (e) retalhos vasculares; (f) retalhos para a ponta de dedos. Os retalhos a distância são, principalmente: (a) retalho inguinal; (b) retalho abdominal; (c) retalho torácico. Cada retalho mencionado acima tem suas indicações e técnicas próprias, que não serão relatadas neste capítulo. VII. Lesões Tendinosas. A finalidade dos tendões é mover as articulações. Para isto é essencial o seu deslizamento, seja dentro de bainhas ou em leitos regulares e lisos. A reparação dos tendões é, portanto, condição fundamental para a restauração funcional da mão traumatizada. A cirurgia 377

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tendinosa é uma cirurgia difícil e que requer o conhecimento profundo de anatomia e fisiologia, além de uma técnica cirúrgica impecável. É, portanto, inadmissível que estas lesões sejam tratadas por um cirurgião sem experiência, no ambulatório, sob condições duvidosas de assepsia, sem instrumental apropriado e sem uma anestesia adequada. Caso estes requisitos sejam todos preenchidos, a indicação deve ser a sutura imediata dos tendões, desde que as condições da ferida o permitam. Caso um destes itens não seja possível, deve-se tratar da ferida conforme os princípios expostos e realizar o reparo tendinoso em um segundo tempo. Deve-se sempre ter em mente que os tendões são estruturas vascularizadas e que reagem aos menores traumatismos; portanto, para uma bemsucedida tenorrafia, não deve haver grandes descolamentos nem pequenos traumas, que provocam aderências e comprometem o deslizamento. A. Técnica da sutura tendinosa. A sutura dos tendões deve sempre obedecer aos seguintes princípios: (a) deverá ser suficientemente forte (mas sem tensão), podendo até permitir imobilização passiva cuidadosa; (b) deve-se evitar lesão à vascularização do tendão; (c) a superfície de deslizamento deve permanecer lisa; (d) as estruturas anatômicas vizinhas devem ser preservadas (bainhas, polias); (e) a técnica deverá ser rigorosamente atraumática; (f) o material cirúrgico e os fios de sutura devem ser apropriados (recomendamos fios de polipropileno, prolene ou mersilene 4-0 ou náilon monofilamentado 4-0 e, para a sutura contínua periférica, náilon monofilamentado 6-0). As técnicas mais usadas atualmente são as de Bunnell modificada e a de Kessler-MasonAllen para os tendões flexores, que são arredondados. As Figs. 37-5 e 37-6 demonstram estes métodos. Para os tendões extensores, que são mais achatados, usam-se pontos em U ou pontos simples. B. Princípios gerais de tratamento da lesão de tendões flexores conforme a zona anatômica (Fig. 37-7) 1. Zona 1. Vai desde a inserção do flexor profundo, na base da falange distal, até a inserção do flexor superficial, na diáfise da falange média. Ela compreende apenas um tendão. A conduta é a sutura dos cotos ou a reinserção (“avanço”) do tendão ao osso (Fig. 37-8). Nesta zona pode ocorrer a ruptura fechada (arrancamento) do flexor profundo da base da falange distal, ocasionada por uma extensão forçada contra resistência. Ela ocorre geralmente em pessoas jovens, na prática de esportes, e freqüentemente passa despercebida. O diagnóstico é feito quando o paciente demonstra incapacidade de flexão da falange distal. O tratamento é cirúrgico e consiste na inserção do tendão ao osso. 2. Zona 2. Vai da inserção do flexor superficial à cabeça dos metacárpicos (polia A1). É a área crítica, de tratamento mais difícil e mais sujeita a complicações, porque é a zona que corresponde ao túnel osteofibroso. No passado, devido à grande controvérsia no tratamento das lesões tendinosas neste nível, esta zona foi chamada por Bunnell de “terra de ninguém”. Com o surgimento do especialista em cirurgia de mão, o tratamento evoluiu para a sutura primária dos dois tendões e o reparo do túnel ou da bainha osteofibrosa, sempre que as condições da ferida permitam. Caso as condições da pele não sejam boas ou existam lesões complexas, como fratura cominutiva da falange, ou ainda se faltam condições técnicas e 378

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materiais, cuida-se do ferimento da pele e imobiliza-se a mão com tala gessada em posição funcional. O reparo secundário dos tendões pode ser realizado dentro das próximas duas semanas. Se for absolutamente necessário, as polias podem ser removidas, exceto as polias A2 e A4, que são essenciais para restauração da flexão do dedo. 3. Zona 3. Corresponde à palma da mão e vai da polia A1 à parte distal do túnel do carpo. É a área da origem dos músculos lumbricais nos tendões flexores profundos. Nesta zona o tratamento é a sutura primária dos dois tendões, com o cuidado de não se lesar o lumbrical. Este não deve ser suturado sobre o foco da tenorrafia, para não provocar contraturas. Devido à frouxidão dos tecidos vizinhos, caso haja aderências, estas não influirão na amplitude de movimentos articulares. 4. Zona 4. Corresponde à área do túnel do carpo por onde passam, apertados, os nove tendões flexores dos dedos e o nervo mediano. Por isto, quase sempre este nervo também é lesado. Em condições favoráveis, o tratamento são a tenorrafia e a neurorrafia. Sendo uma zona crítica, devido ao estreitamento do túnel e à grande incidência de aderências, alguns autores recomendam suturar apenas os tendões flexores profundos e apenas o flexor superficial do indicador. 5. Zona 5. É a zona proximal ao túnel do carpo. As lesões nesta área afetam múltiplas estruturas, como flexores dos dedos, flexores do punho, nervos ulnar e mediano e artérias ulnar e radial. A sutura de todos os tendões, nervos e artérias é o tratamento de escolha. Os cuidados pós-operatórios são os mesmos da tenorrafia ao nível dos dedos, porém a recuperação é mais lenta, devido às lesões associadas. Como na Zona 3, as aderências que ocorrem são mais flexíveis e, portanto, limitam menos os movimentos dos dedos. O tratamento fisioterápico pós-operatório pode levar vários meses. C. Princípios gerais de tratamento da lesão de tendões extensores conforme a zona anatômica (Fig. 37-9) 1. Zona 1. É a área no dorso da articulação interfalângica distal, correspondente à parte terminal do mecanismo extensor. O achado clínico é uma “queda” da falange distal. Esta deformidade é chamada de “dedo em martelo”. A lesão tendinosa pode ser aberta ou fechada e, neste caso, é uma ruptura do tendão, a lesão tendinosa mais comum nos membros superiores. O tratamento das lesões abertas é a tenorrafia, conforme os princípios básicos já mencionados. Nos traumatismos fechados, quando a deformidade em flexão é inferior a 30º, o tratamento é a imobilização com uma tala metálica que mantenha a articulação interfalângica distal hiperestendida por seis semanas. Se a deformidade é superior a 30º, isto significa que a lesão foi mais extensa; nestes casos a imobilização deve ser mais rígida, por meio da fixação percutânea com o fio de Kirschner, mantendo-se a hiperextensão da interfalângica por seis semanas (Fig. 37-10). 2. Zona 2. É a área sobre a falange média. As lesões neste nível são sempre abertas, e a lesão do tendão é em geral parcial, devido ao formato cilíndrico da falange. O grau de queda da falange distal é pequeno. O tratamento é a tenorrafia primária ou primária retardada. A articulação interfalângica distal deve ser fixada percutaneamente com um fio

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de Kirschner em extensão, por seis semanas. Nesta área existe grande possibilidade de aderências, e a fisioterapia após a remoção do fio é essencial. 3. Zona 3. É a área sobre a articulação interfalângica proximal. Também nesta zona a lesão pode ser fechada, ocorrendo uma ruptura da banda central do tendão devido a uma flexão forçada contra resistência. Neste caso, nem sempre o diagnóstico precoce é feito, pois a extensão ainda é possível devido às bandas laterais, porém, com o tempo, estas bandas vão migrando para os lados da articulação interfalângica proximal. Quando estas bandas ocupam uma posição volar ao eixo da articulação, elas passam a funcionar como flexores da interfalângica proximal e extensoras da distal, deformidade conhecida como “deformidade em botoeira”, pela semelhança com um botão preso na sua casa. As lesões abertas não oferecem dificuldades para o diagnóstico. À inspeção da ferida já se nota a lesão do ramo central do tendão extensor. Quanto ao tratamento, nas lesões fechadas, se o diagnóstico é feito nos primeiros 15 dias, faz-se a fixação percutânea da articulação interfalângica proximal em extensão, com um fio de Kirschner por seis semanas. Na “deformidade em botoeira” já estabelecida, o tratamento é a reparação cirúrgica da banda central do tendão extensor. Nas lesões abertas, o tratamento é a tenorrafia, seguida de fixação da articulação em extensão, com um fio de Kirschner por seis semanas. 4. Zona 4. É a área no dorso da falange proximal. À semelhança das lesões na Zona 2, ela é sempre aberta, e o tendão é parcialmente seccionado no dorso, devido ao formato convexo do mecanismo extensor neste nível. O tratamento é a sutura tendinosa primária. É comum a associação desta lesão com fratura da falange, que deve ser fixada. É também freqüente ocorrerem aderências do tendão ao periósteo, as quais podem vir a requerer uma tenólise no futuro. 5. Zona 5. Esta é a zona localizada no dorso da articulação metacarpofalângica. As lesões nesta zona são sempre abertas e freqüentemente ocasionadas por dente humano em alguma contenda. Se este é o caso, a ferida é considerada infectada e deve ser tratada com lavagem extensa, desbridamento e antibioticoterapia, e a sutura deve ser realizada dois ou três dias após, caso não existam sinais de infecção. Nas feridas abertas limpas, o reparo primário ou primário retardado é o tratamento de eleição. O tendão é suturado com pontos em “U” com fio inabsorvível 4-0. É freqüente também a lesão da retinácula do tendão (lateral), que do mesmo modo deve ser cuidadosamente suturada. Após a cirurgia a mão deve ser imobilizada com o punho em extensão de 40º, estando as metacarpofalângicas em semiflexão e as interfalângicas em extensão. As articulações metacarpofalângicas não devem ser imobilizadas em extensão, pelo risco de posterior limitação da flexão. O tempo de imobilização pós-operatório deve ser de quatro semanas. 6. Zona 6. É a área localizada no dorso da mão. O quadro clínico é semelhante ao das lesões na Zona 5, isto é, atitude de flexão da falange proximal; porém, se a lesão for mais proximal, a extensão poderá estar presente, devido às junturas tendinosas com os tendões vizinhos. As lesões de tendões extensores nesta zona são sempre abertas, e o diagnóstico é fácil devido à postura do dedo e à inspeção da ferida. O tratamento ideal é a tenorrafia primária, desde que haja condições favoráveis, através do ponto em “U”, que pode ser complementado com pontos isolados. A imobilização com tala gessada, mantendo o punho

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em extensão, metacarpofalângicas em semiflexão e interfalângicas em extensão, deve ser mantida por quatro semanas. 7. Zona 7. Esta é a zona localizada no dorso do punho, correspondendo à retinácula dorsal dos extensores e a seus seis canais osteofibrosos. Devido a estas características anatômicas, as lesões dos tendões extensores neste nível são mais problemáticas. São lesões que levam freqüentemente à aderência e à limitação da excursão dos tendões. Quando a lesão é localizada do lado ulnar, podem também estar lesados o tendão do extensor ulnar do carpo e o ramo sensitivo dorsal do nervo ulnar. Se a lesão é do lado radial, também os tendões dos dois extensores radiais do carpo, os extensores e o abdutor longo do polegar, além do ramo sensitivo do nervo radial, podem estar lesados. Caso seja uma lesão complexa, a melhor indicação poderá ser o tratamento da ferida e a sutura da pele, com reparo dos tendões uma a duas semanas após. Nos ferimentos limpos cortantes, a sutura primária pelas técnicas já descritas é o método de escolha. A imobilização deve ser mantida por quatro semanas, com o punho em extensão e as metacarpofalângicas em semiflexão. A retinácula pode ser parcialmente ressecada para permitir maior excursão dos tendões, mas não deve ser ressecada totalmente nem ser deixada aberta. 8. Zona 8. Esta é a área correspondente ao dorso da metade distal do antebraço e inclui os tendões extensores dos dedos, o polegar e o punho. O nível mais freqüente de lesão nesta zona é na junção musculotendinosa, e a tenorrafia não oferece grandes dificuldades. Como os tendões aí são mais calibrosos, a técnica da tenorrafia é a mesma utilizada para os tendões flexores. A fáscia antebraquial pode ser removida para evitar bloqueios. O tempo de imobilização é de quatro semanas, em posição semelhante àquela encontrada nas zonas 5, 6 e 7. VIII. Lesões Nervosas. A lesão dos nervos periféricos é sempre problemática, devido à sua complexa anatomofisiologia, à lentidão da recuperação nervosa e às dificuldades técnicas no seu reparo cirúrgico. Anatomicamente, o nervo é constituído do epineuro (externo e interno), perineuro e do endoneuro que reveste a fibra nervosa. O fascículo é um conjunto de fibras nervosas (Fig. 37-11). Infelizmente, o diagnóstico da lesão dos nervos na mão passa freqüentemente despercebido, por falta de um exame adequado. Por mais grave que seja a lesão, desde um corte regular até o mais grave esmagamento, é sempre possível a avaliação das condições nervosas. Se há dúvida no diagnóstico, a exploração minuciosa da ferida após o exame físico pode mostrar a lesão. A. Princípios gerais de tratamento das lesões nervosas. Existem vários fatores que influem na decisão de se reparar cirurgicamente um nervo lesado, por ocasião do primeiro atendimento ou na emergência. Os principais são as condições gerais do paciente, as condições da ferida e as lesões associadas. A sutura do nervo é uma cirurgia muito delicada, que requer condições materiais ideais e também um paciente em boas condições. Uma pessoa com más condições clínicas, que não permita um estudo pré-operatório adequado ou uma anestesia apropriada, não é candidata à neurorrafia primária. A condição da ferida é outro fator a ser considerado. Perda cutânea, insuficiência vascular e instabilidade do esqueleto são as lesões que devem ser primeiramente tratadas. 381

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Quanto mais precoce a neurorrafia, melhores serão os resultados; por isso, sempre que possível, a sutura nervosa deve ser feita imediatamente após a lesão. No entanto, a neurorrafia secundária, feita em condições ideais, possibilita melhores resultados do que uma neurorrafia primária feita em condições desfavoráveis. Se o cirurgião optar pelo tratamento secundário, os cotos do nervo deverão ser aproximados com um ponto de sutura, para evitar retração, e a neurorrafia deverá ser realizada cerca de duas semanas após. B. Técnicas da sutura nervosa. A sutura dos nervos periféricos deve ser feita em condições ideais, inclusive com algum aumento, seja pelo microscópio, seja por lupas, e o material cirúrgico deve ser o mais delicado possível. Certos princípios básicos são fundamentais, como: 1. A sutura não deve ser feita sob tensão. É permitido algum deslocamento proximal e distal do nervo e uma flexão de 30º do punho e dos dedos, e de 90º do cotovelo para melhor aproximação dos cotos. Caso não seja possível, a indicação será de enxerto de nervo. Esta é uma técnica especializada, que foge ao espírito deste capítulo. 2. A orientação dos cotos deve ser correta, se possível aproximando-se os fascículos correspondentes do nervo. 3. A hemostasia deve ser feita. 4. A técnica, como em toda cirurgia de mão, deve ser a mais atraumática possível. O material de sutura aconselhado é o náilon 8-0. Existem três tipos de sutura: a sutura interfascicular é a que sutura os fascículos entre si e penetra no perineuro (é a mais utilizada nos enxertos de nervos); a sutura epiperineural, que foi a mais recomendada até alguns anos atrás, é a que inclui o epineuro e o perineuro; e a sutura epineural, que inclui apenas o epineuro, devendo o fio penetrar no epineuro externo e interno. Esta sutura pode ser usada nos cortes limpos e regulares, e é a mais simples das técnicas (Fig. 37-12). Após a neurorrafia, o membro ou o segmento deve ser imobilizado por três semanas. O paciente deve ser prevenido de que a recuperação do nervo é lenta. O crescimento do axônio dentro da bainha é, em média, de 2 mm por dia. IX. Fraturas da Mão. O esqueleto da mão é arranjado em arcos longitudinais e transversais de concavidade anterior, e a manutenção destes arcos é de importância fundamental para uma boa função. Portanto, um dos princípios fundamentais de tratamento das fraturas da mão é a imobilização em posição funcional. Esta é a que mantém o punho em 30º de extensão, metacarpofalângicas e interfalângicas em semiflexão (30º), polegar em abdução palmar e em oposição (Fig. 37-13). A imobilização em um suporte plano (reto) de qualquer dedo colaba os arcos e destrói a função da mão. Portanto, talas como abaixadores de língua são contra-indicadas. A imobilização tipo em luva de boxe também é contra-indicada. O tempo de consolidação das fraturas da mão é, em geral, de três semanas (excetuando-se fraturas

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dos ossos do carpo). O diagnóstico de consolidação é clínico (ausência de dor no foco da fratura), pois em três semanas radiografias raramente mostram calo ósseo. A. Fratura exposta. Por ocasião do tratamento da ferida, conforme os princípios relatados, o foco da fratura é exaustivamente lavado com soro fisiológico em abundância. O ideal é a redução imediata da fratura, mas, se isto não for possível, pode-se aguardar até uma semana após a lesão. É imprescindível a cobertura antibiótica, dando-se preferência às cefalosporinas. Somente fragmentos ósseos totalmente soltos devem ser removidos (seqüestros em potencial). Aqueles fragmentos presos a qualquer tecido mole devem ser preservados. Se ao exame direto a fratura mostra que a redução não se mantém, deve-se indicar a fixação com fios de Kirschner. Tratamento por meio de tração contínua deve ser evitado, devido às complicações freqüentes deste método. B. Fraturas de metacarpos 1. Fraturas da base. Com exceção das fraturas da base do primeiro metacárpico, estas fraturas são de fácil tratamento. A redução é simples e estável. As fraturas de base do primeiro metacárpico envolvem a articulação carpometacárpica e são muito difíceis de serem tratadas. Freqüentemente, além da fratura, existe também luxação, e a redução é muito instável. Esta deve ser anatômica, para evitar futura artrose. A redução é feita com tração longitudinal e fixação da fratura com dois ou mais fios de Kirschner. A direção destes fios não importa, desde que a redução seja satisfatória. Uma tala de gesso que vai da primeira falange do polegar ao terço proximal do antebraço deve ser usada por três semanas, quando a consolidação deverá ter ocorrido. 2. Fraturas da diáfise. As fraturas da diáfise dos metacarpos centrais (terceiro/quarto) em geral são mantidas no seu comprimento pelo suporte do metacárpico lateral (do segundo) e medial (do quinto) íntegros. Fraturas da diáfise do segundo e quinto metacarpos são mais sujeitas a cavalgamentos e desvios de difícil manutenção após a redução. Neste caso, ou quando vários metacarpos estão fraturados, a redução cirúrgica e a fixação das fraturas com fios de Kirschner são o tratamento clássico. 3. Fraturas do colo. Em geral, estas fraturas ocorrem por traumatismo direto, longitudinal, na cabeça do metacárpico, com dedos fletidos, como ao dar um soco (“fratura de boxer”). Há uma angulação de ápice dorsal, e a cabeça se salienta na palma da mão. A redução se faz fletindo a metacarpofalângica a 90º e aplicando-se força através da primeira falange. A base desta empurra a cabeça dorsalmente, reduzindo a fratura. A imobilização deve ser em posição funcional com tala gessada volar. Caso a redução seja instável, a fratura deverá ser fixada com um ou dois fios de Kirschner, fixando-se do quinto ao quarto metacárpico e evitando-se passá-los pela articulação. C. Fraturas de falanges. Estas fraturas são muito comuns, e, se uma redução adequada não é feita, deformidade e comprometimento da função podem ocorrer. A redução na maioria das vezes é conseguida com tração e manipulação em flexão. A imobilização deve ser feita com uma tala gessada em semiflexão. O tempo de imobilização é de três semanas, exceto para as fraturas transversais do terço médio da falange, que requerem quatro semanas de imobilização. Às vezes estas fraturas são muito instáveis e precisam ser fixadas com fios de 383

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Kirschner. Também as fraturas intra-articulares dos côndilos devem ser tratadas com redução cirúrgica e osteossíntese com fio de Kirschner. X. Princípios Básicos de Tratamento dos Traumatismos dos Dedos. Pelo exposto, podemos resumir assim todos os princípios de tratamento: (a) o dedo lesado deve ser imobilizado; (b) o dedo lesado deve ser imobilizado em flexão; (c) imobilizar apenas o dedo lesado; (d) exercitar ativamente os dedos não-imobilizados; (e) não se devem fazer exercícios passivos forçados com os dedos; (f) tratar o edema mantendo o membro superior elevado; (g) as fraturas das falanges devem ser reduzidas anatomicamente; (h) saber reconhecer quando houve uma luxação ou subluxação momentânea interfalângica; (i) as fraturas expostas de falanges devem ser tratadas imediatamente, e seguindo-se rigorosamente os preceitos de tratamento deste tipo de lesão; (j) saber a ocasião oportuna para amputação do dedo, no intuito de salvar a função global da mão; (l) evitar a todo custo amputar o polegar. Referências 1. Jupiter J. Hand Surgery. (Flynn), 4 ed., Williams e Wilkins, 1991. 2. Pardini AG. Traumatismos da Mão. 2 ed., MEDSI, 1992. 3. Pardini AG. Cirurgia da Mão. MEDSI, 1990. 4. Surgery of Repair as Applied to Hand Injuries. Churchill Livingstone, 1973. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 38 - Fraturas Expostas Princípios de Tratamento Júlio César Boynard Santiago I. Introdução. A fratura exposta ocorre quando uma extremidade óssea passa para o lado externo da pele, constituindo uma lesão que provoca diferentes intensidades de danos aos tecidos moles. Inicialmente, quatro fatores essenciais devem ser reconhecidos, servindo como orientação no tratamento: A. Trinta por cento dos pacientes com fraturas expostas são politraumatizados. Um politraumatizado tem dois ou mais sistemas lesados: cabeça, tórax, abdômen, pelve, extremidades etc. Insuficiências respiratória e cardíaca, traumas craniano e medular, lesões arteriais e fraturas (incluindo as expostas) são, pela ordem, relacionados quanto à gravidade, colocando em risco a vida do paciente. Uma equipe médica comandada por um cirurgião experiente em trauma, composta por especialistas de diversas áreas, torna-se necessária para o perfeito atendimento ao paciente. Outra participação importante é a do anestesiologista, o qual deve ter profundo conhecimento da fisiopatologia do trauma e experiência para manter um paciente durante o longo período requerido para os procedimentos de emergência. Sempre que o paciente está sob anestesia para tratar uma lesão cervical, torácica ou abdominal, a fratura exposta pode ser tratada simultaneamente pelo ortopedista. Assim, nunca devemos nos preocupar apenas com o quadro da fratura exposta — esta pode aguardar até oito horas para seu tratamento. Devemos, sim, sempre identificar inicialmente as situações que colocam em risco a vida do paciente e resolvê-las (traumas torácicos, hemoperitônio, trauma craniano etc.). B. Outro fator essencial são os vários graus de lesão dos tecidos moles e da gravidade do envolvimento ósseo. A classificação das fraturas expostas é baseada na extensão das lesões das partes moles e ósseas, além da gravidade do trauma, que são fatores importantes para determinar o início do tratamento, os parâmetros a serem seguidos e o curso dos eventos subseqüentes. Permitem também, quase sempre, um eventual prognóstico do caso. C. Uma fratura exposta é considerada uma ferida contaminada. Estudos mostram uma incidência de 60-70% de crescimento bacteriano em fraturas expostas por ocasião da entrada do paciente no hospital. Uma fratura exposta exige tratamento de emergência. Por ser considerada uma ferida contaminada, se não tratada após um período de seis horas, ela se transformará em ferida infectada. II. Classificação das Fraturas Expostas.

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As fraturas expostas são classificadas de acordo com o mecanismo de lesão, comprometimento dos tecidos moles e grau de acometimento ósseo. Tipo I — Ferida punctiforme, de 1 cm ou menos de diâmetro, e relativamente limpa. Comumente é provocada por uma espícula óssea que perfura a pele de dentro para fora, sem contusão muscular ou outro envolvimento de tecidos moles e sem componente de esmagamento. A fratura é usualmente transversa ou oblíqua curta, com mínimo grau de cominuição (fragmentação). Tipo II — Ferida menor do que 1 cm , moderado grau de contaminação e de lesão das partes moles, pequena cominuição. Tipo III a — Ferida maior do que 10 cm, alto grau de contaminação, grave esmagamento das partes moles e normalmente cominutiva. Tipo III b — Ferida maior do que 10 cm, alto grau de contaminação, grave lesão das partes moles e perda de cobertura cutânea, comprometendo a cobertura óssea. Requer reconstrução de partes moles. Tipo III c — Ferida maior do que 10 cm, alto grau de contaminação, lesão vascular que exige reparo, grave lesão das partes moles, comprometendo a cobertura óssea e requerendo reconstrução das partes moles. Exemplos: (a) fratura exposta segmentar, sem relação com o tamanho da ferida, indicando lesão de alta velocidade, comumente causada por acidente que envolve veículo (atropelamento, colisão etc.); (b) lesões ocorridas no campo ou contaminadas com terra, sem relação com o tamanho da ferida; (c) lesões por arma de fogo (são de alta velocidade e provocam destruição extensa de partes moles); (d) fratura exposta com lesão neurovascular; (e) amputação traumática; (f) fratura exposta ocorrida há mais de oito horas; (g) lesões por traumatismo de guerra (minas, granadas etc.). O tipo da fratura exposta influencia consideravelmente o plano de tratamento e a evolução dos eventos, além do prognóstico para a lesão. III. Princípios Gerais de Tratamento A. Todas as fraturas expostas devem ser tratadas como emergência. B. Afastar lesões associadas. C. Antibioticoterapia e irrigação apropriadas. D. Estabilização da fratura. E. Fechamento da ferida. F. Enxerto ósseo esponjoso precoce. 386

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G. Reabilitação da extremidade envolvida. H. Reabilitação global do paciente. Os três objetivos primários no tratamento das fraturas expostas visam a prevenir a infecção, obter consolidação da fratura e restaurar a função normal da extremidade lesada. Tecidos desvitalizados proporcionam excelente meio de cultura para o crescimento bacteriano. Cerca de 90% das lesões ósseas com exposição são causados por acidentes que envolvem veículos, incluindo as motocicletas; 30% dos pacientes com fratura exposta apresentam ainda outras lesões associadas. A administração de antibióticos deve ser iniciada imediatamente após avaliação geral do paciente. O antibiótico de escolha, no momento, é a cefalosporina, na dose de 2 g, EV, seguida durante três dias por 1-2 g EV, a cada quatro a seis horas. A cefalosporina é ativa contra todas as bactérias gram-positivas e muitas gram-negativas, exceto as Pseudomonas. Nos casos envolvendo feridas contaminadas por terra, devemos acrescentar 10-20 milhões de unidades de penicilina cristalina por dia, e gentamicina, na dose de 3-5 mg/kg de peso corporal/dia, em doses divididas. Todos os antibióticos devem ser mantidos por três dias, a menos que a ferida demonstre infecção. Nesse caso, a bactéria é resistente ao antibiótico, e torna-se necessário fazer uma cultura e estudos de sensibilidade para a substituição correta do agente antimicrobiano. O Quadro 38-1 sintetiza o uso de antibióticos nas fraturas expostas. O desbridamento correto é a mais importante forma de tratamento de fratura exposta. Após lavagem e limpeza do membro afetado, com escova e sabão (Soapex®), obedecemos a todos os princípios técnicos para uma cirurgia asséptica. A lavagem do membro lesado deve ser precedida de cuidadosa tricotomia. Em seguida, lavamos o membro com água e sabão, usando escova macia. Os campos cirúrgicos devem ser trocados a partir de uma limpeza inicial, e em seguida repetimos o procedimento, até que o membro lesado se encontre razoavelmente limpo. Procedemos então à lavagem direta da ferida e trocamos novamente os campos, visando a transformar a cirurgia de um campo séptico em asséptico. Iniciamos a seguir o desbridamento, o qual deve ser sistemático, completo, meticuloso e repetido. Devemos remover todos os tecidos não-viáveis e desvitalizados. Para que o procedimento seja correto, o cirurgião não deve hesitar em aumentar a extensão da ferida, ou dar um traçado elíptico à mesma, visando a remover pele desvitalizada, músculo muito lesado e corpos estranhos.

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O passo a seguir é a estabilização dos fragmentos ósseos. A estabilização visa a: (a) preservar a integridade dos tecidos, músculos e das estruturas neurovasculares; (b) facilitar os cuidados com a ferida e com o próprio paciente; (c) preservar o alinhamento da fratura; (d) uma boa estabilização contribui muito para a profilaxia das infecções; (e) conforto para o paciente e facilidade para sua mobilização e transporte, principalmente nos politraumatizados; (f) permitir exercícios precoces com o membro lesado e mobilização das articulações (ativa e passivamente). A tração esquelética está indicada nas seguintes condições: (a) fraturas abertas tipos I e II da diáfise do fêmur, sem que outros sistemas estejam lesados; (b) fraturas abertas tipo III de ossos longos (fêmur, tíbias, extremidade distal do úmero), com ferida gravemente contaminada; (c) fratura exposta isolada com lesão arterial concomitante, principalmente se ela ocorreu há mais de seis horas, (p. ex., fratura supracondiliana do fêmur com lesão da artéria poplítea; fratura exposta do terço proximal do fêmur com lesão de artéria femoral; fratura exposta do úmero com lesão da artéria braquial ou axilar); (d) fratura exposta isolada tipos II e III com grave comprometimento intra-articular e cominuição (p. ex., fratura do tornozelo; fraturas expostas da pelve ou do acetábulo). A sutura primária da ferida no tratamento das fraturas expostas é muito controvertida. Aos cirurgiões que ocasionalmente se encontram diante de fratura exposta, recomendamos que deixem a ferida aberta, principalmente quando persiste a dúvida de o desbridamento e a lavagem realizados não terem sido satisfatórios. Em todos os tipos de fratura em que se realiza fixação interna para promover estabilização (especialmente nos pacientes politraumatizados), a ferida deve ser deixada aberta. As indicações para o fechamento primário são: (a) fratura tipo I após lavagem e desbridamento adequados; (b) quando se consegue suturar a ferida sem nenhuma tensão; (c) sem evidências de corpo estranho, contaminação por terra ou graxa; (d) ausência de sinais de esmagamento; (e) quando a fratura exposta ocorreu há menos de seis horas, exceto quando dos tipos II e III. IV. Prognóstico e Evolução. O resultado final é influenciado por muitos fatores, tais como o comprometimento das partes moles, desbridamento adequado, a antibioticoterapia etc. A evolução e o conseqüente prognóstico para a recuperação de um paciente que sofreu fratura exposta estão diretamente relacionados ao atendimento inicial realizado, bem como à correta execução dos princípios básicos de tratamento. Referências 1. Compeere EI. Fratura: Atlas y Tratamiento, 1976. 2. Gustilo RB. Management of Open Fractures and Their Complications, vol. 4. Saunders Monographs of Clinical Orthopaedics, 1982.

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Capítulo 39 - Urgências Otorrinolaringológicas Jaôr Werner Menezes Elizabeth Nigri dos Santos Celso Gonçalves Becker Ouvidos Há quatro principais sintomas otorrinolaringológicos que fazem o paciente procurar um Serviço Médico de Urgência: dor, sangramento, surdez súbita e corpos estranhos. I. Dor (Otalgia) A. Causas primárias de dor 1. Otite externa furunculosa. A dor pode ser muito intensa, devido ao espaço limitado para a expansão do edema, nesta região. Os germes responsáveis são o S. aureus (mais comum) ou o S. albus. A furunculose começa num folículo pilossebáceo e se desenvolve até formar um abscesso, que pode ser pontiagudo, quando então deve ser feita a drenagem por meio de agulha. O tratamento, em geral, é feito por meio de medicação tópica (neomicina ou cloromicetina), calor local e analgésicos. 2. Otite externa difusa. Também aqui a dor é intensa, associada a outros sinais e sintomas, a saber: sensibilidade do trago; edema de quase toda a extensão do canal; otorréia escassa; audição normal ou ligeiramente diminuída; ausência de partículas evidentes de fungos; possível presença de adenopatia dolorosa. São germes responsáveis: Pseudomonas aeruginosa (principal), Staphylococcus albus, Escherichia coli e Enterobacter aerogenes. Lagos, oceanos e piscinas particulares são fontes potenciais desse tipo de infecção, que também é chamada de ouvido de nadador. Algumas vezes, a causa da otite externa difusa é uma otite média crônica ou aguda. O tratamento, em geral, é apenas tópico, usando-se preparados que contenham sulfato de colistina ou polimixina B, neomicina e corticosteróides. Nos casos mais graves, podem ser usados medicamentos sistêmicos; atenção aos diabéticos nos quais o quadro é maligno, podendo haver êxito letal. 3. Oto-hematoma (otematoma). Trata-se de uma coleção sangüínea localizada no pavilhão, entre o pericôndrio e a cartilagem. A pele geralmente está rubra e, à pressão, a dor é violenta. É freqüente nos boxeadores e ocorre nos traumatismos em geral, inclusive nos acidentes automobilísticos.

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O tratamento imediato consiste em curativo compressivo, para evitar sua expansão. Posteriormente, o sangue será reabsorvido ou evoluirá para uma de suas complicações, que são a pericondrite e o abscesso de pavilhão. 4. Pericondrite. A dor é intensa e geralmente surge após um oto-hematoma ou uma inflamação; ocasionalmente, pode surgir após um simples traumatismo sem hematoma ou um furúnculo maltratado. O diagnóstico é simples: parte da orelha comprometida incha, torna-se vermelha, quente e sensível à palpação. O tratamento indicado é antibioticoterapia parenteral, sendo a droga de escolha aquela obtida através de cultura do material, além de analgésicos. Ele deve ser feito por especialista, devido aos riscos de necrose e deformidade total e permanente da orelha. 5. Abscesso de pavilhão. É, como já ressaltado, uma das complicações do oto-hematoma. Dependendo do estágio do abscesso, a dor pode variar de branda a intensa. Há os sinais clássicos da inflamação: calor, rubor, tumor e dor. A conduta adotada inclui aplicação de calor úmido no local, para facilitar a drenagem (espontânea ou cirúrgica). Alguns autores preconizam a antibioticoterapia concomitante. É importante cuidado para que, no momento da drenagem, o material drenado não escoe para dentro do conduto auditivo externo, o que dissemina a infecção. 6. Traumatismos. Em geral, há dor e também sangramento passageiro, fazendo com que o paciente procure o médico. As lacerações mais comuns são causadas pela inserção, no ouvido, do dedo ou de objetos, como grampos de cabelo, tampas ou até mesmo uma caneta, agulhas de tricô, cabos de pentes finos ou cotonetes. Normalmente, a lesão é apenas do conduto, não havendo perfuração da membrana do tímpano. Nestes casos, costuma-se prescrever uma medicação tópica, cuja finalidade é evitar uma infecção da área traumatizada, podendo mesmo ser utilizada a solução de merthiolate. Havendo perfuração timpânica, aconselha-se o mínimo de manipulação, para evitar que microrganismos sejam levados do ouvido externo para o ouvido médio. Em seguida, o paciente deve ser encaminhado ao especialista. Um tratamento com antibióticos deve ser feito quando há contaminação da ferida ou exposição da cartilagem. 7. Cerúmen obstruinte (cera impactada). O acúmulo excessivo de cerúmen não é doença. Apenas algumas pessoas produzem quantidade muito grande de cerúmen, da mesma forma que outras transpiram facilmente. Em certos casos, o cerúmen pode solidificar-se e formar um tampão sólido. O paciente poderá ter uma sensação de bloqueio ou de pressão. Quando um tampão sólido se umedece (p. ex., após o banho), ele pode aumentar de volume e causar desconforto.

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A cera do ouvido é produto das glândulas sebáceas e ceruminosas, que se localizam na porção cartilaginosa do conduto auditivo externo. A remoção do cerúmen pode ser feita por dois métodos: (a) remoção com cureta, sob visualização direta, utilizando-se para tanto um espelho frontal e um espéculo; (b) através de irrigação com água à temperatura corporal, seguindo-se os procedimentos de tração do pavilhão auditivo para cima e para trás, retificando o conduto, e injetando-se a água na direção póstero-superior, para permitir que esta passe entre a massa de cerúmen e a parede posterior do conduto. Se a membrana timpânica já foi perfurada anteriormente, a irrigação deve ser evitada. Ocasionalmente, o paciente vai para casa com instruções para pingar uma medicação apropriada no ouvido durante certo tempo. Em geral, recomenda-se a secagem do conduto com algodão montado em estilete e, em seguida, um curativo com solução de merthiolate. 8. Otomicose. Algumas espécies de fungos podem causar reações inflamatórias no conduto auditivo externo e, conseqüentemente, otalgia. Os dois mais comuns são Pityrosporum e Aspergillus (A. niger, A. flavus, A. albus). Eles podem causar apenas uma descamação superficial semelhante à caspa do couro cabeludo, estar associados a uma dermatite seborréica inflamatória, ou podem criar um campo própicio para outras infecções mais incômodas. São encontrados, às vezes, no conduto, sem apresentar outro sintoma que não seja a sensação de bloqueio, ou apresentam-se complicados com um processo inflamatório, com todo o seu cortejo de sintomas. Ao exame físico (especular), observa-se o seguinte: Pityrosporum — descamação do epitélio do conduto, às vezes com secreção serosa; Aspergillus — colônias de fungos, com hifas e esporos, que podem ser negras (A. niger), amareladas (A. flavus) ou brancas (A. albus). Podem ser encontradas ainda colônias de Candida albicans, com aspecto grumoso e aderente, como nata de leite. Em caso de dúvida, o uso de uma lente de aumento é de grande valor. O tratamento consiste em remoção mecânica das colônias, usando-se algodão montado em estilete e, posteriormente, curativos sucessivos com solução de ácido bórico. Se houver outras patologias do ouvido associadas, elas devem ser tratadas simultaneamente. 9. Dermatite eczematosa. Em geral, o paciente queixa-se de prurido e/ou exsudação aquosa, acompanhada de dor. O exame físico revela comprometimento do conduto auditivo externo e partes adjacentes, caracterizado por hiperemia, edema, exsudação aquosa e, às vezes, crostas. A distinção entre dermatose primária e infecção pode ser difícil, visto que uma 391

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dermatite seborréica ou reação da pele relacionada à sensibilidade à neomicina pode apresentar-se desse modo. Devem-se sempre procurar outras lesões no corpo, uma vez que as do conduto fazem parte de um todo. Se a fase aguda for controlada, alterações crônicas caracterizadas por espessamento da pele e até mesmo estenose do conduto podem ocorrer com períodos de prurido intermitentes. No tratamento são utilizadas pomadas de corticóide, visando a diminuir o edema, o prurido e os sintomas inflamatórios. Naturalmente, se houver suspeita de infecção, poderá ser necessário o uso tópico de antibióticos. 10. Tumores. Exsudação crônica, geralmente serossanguinolenta, sangramento espontâneo, dor ou edema do conduto auditivo externo são manifestações que, isoladamente ou em conjunto, fazem pensar na possibilidade de um tumor. Poucos são típicos dessa região anatômica. Podemos citar: a. Osteoma. Tumor benigno da parede óssea do conduto, de consistência dura, arredondado, preso por pequeno pedículo no terço médio do conduto. b. Exostose. Também benigno, consiste em simples hipertrofia do osso, formando nódulos redondos, não-pediculados, na parede do conduto. Esses tumores surgem mais comumente em pessoas que nadam muito em água fria. c. Pólipos. São benignos, e quando vêm do ouvido médio podem surgir no conduto auditivo externo. O tratamento do osteoma e dos pólipos é, em geral, cirúrgico. A exostose não requer tratamento, exceto quando obstrui parcial ou totalmente o conduto auditivo externo. 11. Frostbite (congelamento do pavilhão). Não é rara em climas frios, ou mesmo em pessoas que trabalham em ambientes refrigerados (p. ex., câmaras frigoríficas). O tratamento imediato consiste no aquecimento do pavilhão, o mais rapidamente possível, usando água morna. Podem formar-se vesículas que se abrem com facilidade, devendo ser considerada a administração de antibióticos, após a ruptura. Um curativo esterilizado, nãocompressivo, deve ser aplicado, além da medicação antibiótica tópica, tal como bacitracina. a. Sinais e sintomas. Após um período de exposição prolongada, em que há insensibilidade do pavilhão, há intensa vasoconstrição com necrose isquêmica da área. Retornando a temperaturas mais elevadas, vasos ainda funcionantes promovem a dilatação, com conseqüente hiperemia, edema e dor. São complicações: pericondrite e necrose do pavilhão. b. Profilaxia. Cuidados de proteção durante exposição a ambientes refrigerados.

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12. Miringite aguda e miringite bolhosa. A miringite é uma inflamação da membrana timpânica que pode estar presente na otite externa ou na otite média; entretanto, queremos nos referir aqui à inflamação na qual a membrana timpânica está envolvida primariamente. Considera-se que o agente etiológico seja o vírus Influenza. Seja ela hemorrágica ou bolhosa, a principal característica da miringite é a formação de bolhas (vesículas) na membrana timpânica e na parede do conduto, de conteúdo fluido (seroso, sanguinolento ou serossanguinolento), de coloração vermelho-arroxeada. É uma das otalgias de início mais súbito e de maior intensidade. O diagnóstico diferencial deve ser feito com otite externa e herpes zóster ótico. O tratamento inclui abertura das bolhas com agulha fina ou bisturi de meringotomia, para alívio da dor, além de medicação tópica (antibióticos e esteróides). A miringite hemorrágica é autolimitante. 13. Herpes simples e herpes zóster ótico (síndrome de Ramsay Hunt). A otalgia pode ser branda; a erupção vesicular da pele pode limitar-se ao conduto externo ou pode estender-se ao pavilhão auditivo. Podem surgir outras combinações de sistemas, tais como o estabelecimento de paralisia facial e/ou nevralgia no lado afetado, devido ao comprometimento das fibras nervosas do V e VIII pares cranianos; pode também não apresentar mais lesões quando o paciente é atendido. O tratamento é sobretudo sintomático, embora muitas vezes sejam receitados esteróides para a paralisia facial, dependendo dos resultados dos testes das funções do nervo (eletromiografia). 14. Miíase. Quando há otite média crônica, a secreção é, via de regra, fétida. Atraídas por esse cheiro, as moscas varejeiras introduzem-se no meato e dão origem à miíase. Entretanto, não só as otites médias crônicas são capazes de atrair as moscas; os maus hábitos higiênicos e a promiscuidade, também. Além da dor aguda, em agulhadas, de que o paciente se queixa, é típica a secreção, mais sanguinolenta do que purulenta, a escoar-se continuamente do canal. Ao exame especular, percebe-se ao fundo uma massa escura, onde podem ser notados movimentos ativos.

O tratamento baseia-se no uso de calomelano em pó ou em remoção com pinças ou, ainda, na aspiração das larvas. Estas são manobras de competência exclusiva do especialista, para evitar lesões maiores. 15. Otite média aguda. A obstrução ou o mau funcionamento da tuba auditiva é uma das principais causas de otite média aguda, e outros fatores causais incluem a hipertrofia das adenóides e adenoidite crônica, fissura palatina, tumores da nasofaringe, barotrauma, inflamações associadas, tais como sinusite ou rinite, radioterapia e deficiências imunológicas ou metabólicas. A alergia freqüentemente desempenha um papel coadjuvante nas efusões do ouvido médio. A maioria dos otites médias agudas é causada por bactérias piogênicas, sendo o H. influenzae, os pneumococos e os estreptococos beta-hemolíticos os mais comuns. 393

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A sintomatologia varia, de acordo com o tipo da otite. Para simplificar, nós a classificaremos aqui como supurativa e não-supurativa. a. Supurativa. Há queixas de dor, mal-estar, às vezes dor de cabeça, anorexia (mais comum nas crianças), náuseas e vômitos. b. Não-supurativa. As queixas são, em geral, de dor e sensação de ouvido tampado, ao lado de diminuição da acuidade auditiva e, às vezes, zumbido. É mais acentuada no adulto do que na criança. Objetivamente, a partir do exame especular, podemos verificar os seguintes quadros: na supurativa, a membrana timpânica apresenta-se perfurada, deixando drenar material que pode ser seroso, serossanguinolento ou mucopurulento. Em geral, a mucosa da caixa do tímpano (ouvido médio) está hiperemiada e edemaciada. A dor não é tão intensa quanto na forma não-supurativa, e cede mais facilmente. Na não-supurativa, como em geral, há líquidos no ouvido médio, o tímpano estará abaulado, com alterações ou desaparecimento do triângulo luminoso e modificações da posição do cabo do martelo. A membrana do tímpano pode apresentar-se opaca (otite média secretora), âmbar ou amarelada (otite média serosa), azulada ou arroxeada (otite média hemorrágica), ocasionalmente com níveis hidroaéreos ou bolhas de ar no ouvido médio (otite média serosa). O tratamento clínico inclui antibióticos (penicilina, ampicilina ou sulfa; eritromicina com substitutivo), anti-histamínicos, descongestionantes, manobras para ventilação da tuba auditiva (Valsalva) e dessensibilização alérgica (a posteriori). Além disso, aplicação de calor seco e analgésicos ajudam a aliviar a dor. Alguns autores recomendam o uso de gotas otológicas. Após este procedimento inicial, o paciente deve ser encaminhado ao especialista o mais rapidamente possível, visto que, se num prazo de dois a três dias após o início do tratamento não houver evidência de solução, ele deverá ser submetido à miringotomia (abertura cirúrgica de membrana timpânica), para alívio dos sintomas e para evitar as possibilidades de complicações. c. Complicações. A otite média aguda pode estender-se ao ouvido interno, determinando hipoacusia neurossensorial; também o nervo facial pode ser diretamente atingido pela disseminação da infecção no canal de Falópio, levando à paralisia. Por disseminação da infecção ao ouvido interno, advêm outras complicações, entre as quais: fístula labiríntica, com vertigem; labirintite supurativa. Neurológicas: tromboflebite do seio lateral; meningite; abscessos cerebrais; hidrocefalia otogênica. 16. Mastoidite aguda. Esta poderia ser definida como uma complicação da otite média aguda supurada. A necrose óssea da apófise mastóide e a ruptura das estruturas ósseas intracelulares aparecem entre a segunda e a terceira semanas. Quando isto ocorre, há evidência de secreção contínua proveniente do ouvido médio, dor à pressão sobre a apófise mastóide, manifestações sépticas sistêmicas (febre, cefaléia) e evidências radiológicas de destruição óssea.

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Desde que passamos a contar com o tratamento da otite média aguda, a mastoidite aguda raras vezes é vista. Entretanto, algumas vezes se instala e pode encaminhar-se para um abscesso de mastóide (com todos os sinais clássicos de um abscesso), que deve ser submetido ao especialista, a fim de que seja drenado cirurgicamente. As complicações são as mesmas já citadas para a otite média aguda. 17. Barotrauma. Surge quando o paciente é exposto a uma perda rápida de altitude (durante viagem aérea ou em mergulho subaquático) e consiste na impossibilidade de a tuba auditiva se abrir. Quando a pressão diferencial excede 90 mmHg, a atividade muscular normal não consegue abrir a tuba. Um decréscimo relativo da pressão cria um vácuo no espaço aéreo do ouvido médio, e a membrana timpânica se retrai na parte mediana, enquanto os capilares da mucosa do ouvido médio se dilatam. Há transudação de fluidos desses vasos e ruptura, com derrame de sangue no ouvido médio e nos espaços mastóides. O paciente geralmente queixa-se de dor aguda, diminuição da audição no(s) ouvido(s) afetado(s) e, às vezes, autofonia, sensação de fluido, zumbido e vertigem. O tratamento visa a recuperar a ventilação do ouvido médio, utilizando-se, para tanto, descongestionantes das mucosas nasal e nasofaríngea, exercício da tuba auditiva (manobra de Valsalva, desde que não haja infecções das vias aéreas superiores) e um descongestionante anti-histamínico sistêmico. A miringotomia poderá ser necessária, caso persista a presença de sangue ou fluido no ouvido médio. 18. Obstrução aguda da tuba auditiva. Uma das principais causas é o barotrauma. Outras causas podem ser inflamações, como nasofaringite ou adenoidite agudas, que obstruem por edema ou hipertrofia o óstio faríngeo da tuba auditiva. A obstrução pode também ser causada por corpos estranhos, tal como um tamponamento posterior feito por otorrinolaringologista para conter uma epistaxe. Em geral, a obstrução é secundária a uma dessas patologias, sendo a sintomatologia e o tratamento dirigidos à causa primária, além das medidas de suporte citadas no tópico anterior. 19. Tumores malignos e benignos do ouvido médio e da apófise mastóide. Dos tumores primários, o mais importante e o mais comum é o glomo jugular ou glomo timpânico: é um tumor vascular e pode apresentar-se como massa protuberante avermelhada, no assoalho do ouvido médio, podendo ser vista através da membrana timpânica semitransparente. Sua expansão pode levar à perda auditiva, sensação de plenitude no ouvido e dor progressiva. Cabe salientar aqui o risco de uma miringotomia por profissional não experiente, pois os sintomas podem confundir-se com os de uma otite média aguda.

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Não nos deteremos neste tópico, visto não se tratar de processo agudo que faça o paciente procurar um serviço médico de urgência. Apenas a título elucidativo, ele foi aqui incluído para lembrar que não só os tumores primários do ouvido, mas também os metastáticos, podem levar à otalgia. B. Causas secundárias de dor. Em geral, quando ela é branda, não se consegue identificar a localização da dor: sabe-se apenas que é a área do ouvido externo ou uma área um pouco mais profunda. Portanto, quando não houver evidência de inflamação aguda no ouvido médio ou de doença do ouvido externo, será importante determinar quais as lesões que podem estar presentes na distribuição das fibras sensoriais dos vários nervos cranianos que inervam estes aparelhos, mas que têm ramificações para áreas mais distantes. Na maioria dos casos de otalgia secundária referente ou reflexa, não se pode determinar a que nervo a dor se refere, até que a lesão seja encontrada. As lesões mais importantes, que exigem identificação precoce, são, naturalmente, as malignas. Um paciente com lesão nas bordas da laringe, no seio piriforme ou na epiglote pode queixar-se de otalgia homolateral. A irradiação se faz através do ramo laríngeo superior do nervo simpático. Uma das amígdalas linguais pode causar otalgia através do nervo glossofaríngeo, da mesma forma que a otalgia pós-amigdalectomia. Problemas dentários, tais como impactação molar e infecções, levam à otalgia através de um ramo do nervo trigêmeo. A artralgia da articulação temporomandibular é, provavelmente, a causa mais comum de otalgia secundária. Freqüentemente, a sensação de plenitude do ouvido e/ou otalgia é relatada pelo paciente. A ansiedade neurótica, com aumento da tensão muscular e espasmo, quase sempre está presente nesses casos. Às vezes, a história do paciente consta de um recente tratamento dentário, no qual a articulação foi traumatizada (exemplo de molar ou siso). O bruxismo também pode ser associado a este tipo de otalgia. A área da articulação deve ser palpada, para verificar se há espasmo muscular, se os côndilos estão sensíveis, avaliar a mobilidade e a crepitação. Os ramos sensoriais do V, VII e X pares cranianos podem ser irradiadores de dor neste tipo de otalgia. O tratamento simples desta artralgia consiste numa dieta com alimentos pastosos, aplicação de calor local e grandes doses de aspirina. Um tratamento mais agressivo inclui injeção de esteróides na articulação. Outras causas comuns são a parotidite, visto que um ramo do nervo facial inclui-se em seu parênquima, a tireoidite aguda, que causa otalgia reflexa através dos nervos laríngeos recorrentes, e a nevralgia do trigêmeo, por ser dor aguda, de início súbito e, geralmente, unilateral. O tratamento consiste na administração de difenil-hidantoína (Dilantin) ou carbamazepina (Tegretol), isolados ou combinados. Não detalharemos outras aqui, visto que a otalgia apenas faz parte de um quadro clínico maior, não sendo o principal sintoma. Assim sendo, apenas as citaremos, como se segue: 1. Laringe: tumor; ulceração; pericondrite e condrite; artrite da articulação cricoaritenóide.

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2. Faringe: faringite; amigdalite, abscesso periamigdalino; abscesso retrofaríngeo; ulceração; pós-adenotonsilectomia; fibroma nasofaríngeo; tumores malignos. 3. Cavidade oral: traumatismos mentonianos com contusão da articulação temporomandibular (por contragolpe); nevralgias dentárias; dentina exposta, inflamação da polpa, nervos dentários em degeneração, dente molar ou dente de siso incluso ou impactado, oclusão traumática dos dentes no fechamento das mandíbulas e dentaduras maladaptadas, oclusão dentária forçada (tensão emocional intensa); glossite ou estomatite difusa aguda; carcinoma de língua. 4. Esôfago: corpo estranho; hérnia de hiato; inflamação; tumores malignos e benignos. 5. Outras: parotidite epidêmica; tireoidite aguda; nevralgia do trigêmeo. a. Seios paranasais: inflamação; tumores malignos e benignos. b. Artrite temporomandibular. c. Erisipela. d. Doença de Raynaud. e. Linfadenite retroauricular. f. Nevralgia glossofaríngea. g. Cefalalgia do gânglio esfenopalatino. h. Alongamento da apófise estilóide. i. Comprometimento dos três nervos cervicais superiores: deslocamento do pescoço e outras lesões da coluna cervical; inflamações, como tabe dorsal ou herpes. j. Angina de peito. l. Aneurisma torácico. m. Aneurisma cervical. II. Sangramentos (Otorragias). Definem-se com sendo todo e qualquer sangramento que se exterioriza pelo conduto auditivo externo (quando há perfuração timpânica) ou que se encontra retido na caixa do tímpano. As causas mais freqüentes são as rupturas timpânicas, sejam por otite média aguda ou por traumatismos (grampo de cabelo, agulha de tricô e outros instrumentos utilizados para 397

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limpar ou coçar o ouvido). Nestes casos, os sangramentos são de pequena monta e cessam espontaneamente. A terapêutica visa a tratar (primeiro caso) a infecção. Bastante freqüentes também são as fraturas de crânio, especialmente as da base do crânio. Trata-se aqui de hemorragia abundante, proporcional à extensão da fratura. São comuns nos pacientes politraumatizados. A área deve ser isolada com bola de colostomia, passando-se o caso em seguida ao neurologista. Quando a fratura é linear e pequena, a hemorragia pode ser discreta e ficar contida no ouvido médio. Nestes casos, verificaremos um tímpano abaulado, de coloração que pode variar do vermelho-escuro ao roxo-azulado (hemotímpano). Outra causa, porém menos freqüente, é a lesão da articulação temporomandibular, comum nas quedas e/ou nos traumatismos em que o mento sofre o maior impacto, contragolpeando a articulação. É importante lembrar que os coágulos não devem ser retirados, sob o risco de nova hemorragia. O tratamento tópico também deve ser evitado nas fases agudas, para que não seja levada contaminação do ouvido externo para o ouvido médio. O diagnóstico diferencial será feito com miíase e tumorações do conduto auditivo, onde há exsudação serossanguinolenta e, às vezes, fétida. III. Surdez Súbita. Define-se como a perda brusca da audição, parcial ou total, uni ou bilateral, e é considerada urgência médica. O paciente percebe um estalo dentro do ouvido e nota que já não ouve daquele lado; ou acorda de sono natural ou anestésico com um dos ouvidos tampado, ou experimenta esta mesma sensação durante um vôo ou pesca submarina, ou em automóvel, ao descer ou subir uma serra, ou durante o decurso de uma doença, ou em período de convalescença, quando um de seus ouvidos deixa de funcionar. A incidência é baixa (10,7 em 100.000); é mais comum entre os 30-40 anos (etiologia viral) e entre os 55-60 anos (etiologia vascular). A média fica nos 39 anos. Uma certa preponderência masculina (56%) foi observada por Guerrier e Basseres. A fisiopatologia precisa deste processo é desconhecida; a etiologia mais aceita é a vascular, levando à isquemia do ouvido interno. Alguns autores consideram que a etiologia viral seja outra causa importante desta patologia e que o distúrbio circulatório do ouvido interno se deva ao processo inflamatório. O diagnóstico inclui critérios maiores e menores. São critérios maiores: a perda abrupta da audição, causa direta da surdez incerta e perda auditiva usualmente grave, não-flutuante e unilateral, na maioria das vezes. São critérios menores: zumbido, que pode estar ausente; tontura, que também pode não ocorrer, e ausência de sinais neurológicos, a não ser o envolvimento do VIII par craniano. De acordo com a etiologia, e para a tornarmos mais didática, classificaremos a surdez súbita em:

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A. Vascular. A lesão auditiva pode ser determinada por vasoespasmo, trombose, embolia, hemorragia, hipercoagulação, hiperviscosidade, vasculite ou discrasias. Ocorre principalmente em pacientes idosos, com distúrbios cardiovasculares, hipertensão arterial e insuficiência vertebrobasilar. Pode surgir também em distúrbio da coagulação, malformações vasculares, aneurismas, leucemia, policitemia, macroglobulinemia, anemias e colagenoses. As pós-anestésicas são provavelmente causadas por microtrombos que se liberam durante o relaxamento anestésico e ocorrem mais freqüentemente em operações ginecológicas. B. Virótica. Também é muito freqüente. A perda auditiva se origina de processo inflamatório relacionado com a destruição das células ciliadas do órgão de Corti (cóclea). Pode suceder-se à parotidite epidêmica, ao sarampo, resfriado comum, a adenoviroses, mononucleose infecciosa, poliomielite e zoster oticus. A meningite traz surdez súbita com certa freqüência e, infelizmente, bilateral. A sífilis terciária, embora mais comumente acarrete surdez progressiva, pode também determinar surdez súbita. A corticoterapia parece ter efeito favorável, exceto na surdez por zóster. C. Tumoral. Dez por cento da surdez súbita são causados por neurinoma do acústico, devido à compressão do nervo vestibulococlear ao nível do meato acústico interno, que também pode ser causada por meningiomas, colesteatomas, cistos e metástases. Existem também raros casos de surdez súbita produzida por otosclerose em pacientes com meatos acústicos internos estreitos. O tratamento é cirúrgico. D. Fístula endolinfática. Uma certa porcentagem da população apresenta aquedutos cocleares de dimensões maiores do que as normais, havendo, por isso, uma comunicação mais livre entre a perilinfa e o líquido cefalorraquidiano. Esforços físicos, tensão emocional e sobretudo variações bruscas da pressão liquórica produzem rupturas ao nível da janela oval ou janela redonda, que são os pontos mais frágeis do sistema, determinando surdez súbita (com ou sem zumbido). O tratamento é cirúrgico e deve ser instituído o mais precocemente possível. E. Trauma craniocervicofacial. A surdez pode decorrer de ruptura do labirinto membranoso, comoção do ouvido interno, lesão das áreas auditivas e vestibular do tronco cerebral, ou fístula perilinfática. Pode ocorrer conjuntamente a ruptura da cadeia ossicular no ouvido médio. Nesta suposição e na fístula o tratamento é cirúrgico, além de vasodilatadores e corticosteróides. F. Trauma acústico. A exposição a ruído excessivo (explosões etc.) pode determinar severas perdas auditivas. O tratamento, quando instituído precocemente, leva a um melhor prognóstico.

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G. Psicogênica. Ocorre por simulação consciente ou inconsciente. O prognóstico é ruim na maioria dos casos de simulação inconsciente, mesmo sob psicoterapia intensiva. H. Distúrbios metabólicos. Por intoxicação endógena, diversos problemas metabólicos podem induzir súbita hiperlipemia, hipo e hiperglicemia, diminuição dos 17-cetosteróides, hipo e hipertireoidismo, uremia etc. A perda auditiva, geralmente acompanhada de zumbido e não raramente de vertigens e outras tonturas, pode ou não ser sensível à terapêutica específica. Lembramos que os vasodilatadores não devem ser utilizados no tratamento de diabetes e pré-diabetes, por serem hiperglicemiantes, podendo ser utilizados os medicamentos à base de extrato de Gingko biloba (Tanakan®). I. Ototoxicoses. Há várias modalidades de surdez causadas por substâncias tóxicas, tais como sais de chumbo, mercúrio, prata, monóxido de carbono etc. Em nosso meio, porém, o maior contingente de surdez tóxica é medicamentoso e, muitas vezes, desnecessário. Habitualmente, as drogas ototóxicas produzem perda auditiva progressiva, mas podem determinar também a surdez abrupta, uni ou bilateral, e que costuma persistir mesmo após a suspensão imediata do medicamento empregado. Eventualmente, a ototoxicidade pode ser reversível, como nas intoxicações do ouvido interno por salicilatos, ácido etacrínico, furosemida e quinina. As outras drogas ototóxicas geralmente acarretam dano de difícil resolução. Entre elas, destacamos os aminoglicosídeos, kanamicina, estreptomicina, diidroestreptomicina, neomicina, polimixina B, viomicina, vancomicina, gentamicina, ristocetina, sisomicina, amicacina, tobramicina, felizmente indicados apenas para o tratamento da tuberculose e outras situações clínicas excepcionais. No entanto, a neomicina, administrada oralmente, e qualquer dos aminoglicosídeos, aplicados localmente (queimaduras, feridas diversas, instilação traqueobrônquica ou infiltrações intra-articulares) podem determinar surdez neurossensorial. O uso de vasodilatadores e corticosteróides na surdez tóxica por medicamentos parece exercer pouca ou nenhuma influência na maioria dos casos tratados. Vários tratamentos propostos visam ao restabelecimento da oxigenação do órgão de Corti. O aumento da oxigenação pode ser obtido por meio do débito sangüíneo do ouvido interno (hemodiluição normovolêmica), por drogas vasodilatadoras cerebrais ou pela inalação de carbogênio, por meio da desfibrinogenação ou pelo aumento da concentração de oxigênio do sangue (câmara hiperbárica). IV. Corpos Estranhos do Conduto Auditivo Externo. Geralmente, são as crianças que apresentam corpos estranhos no conduto auditivo externo. Uma variedade de objetos pode ser encontrada: algodão, milho, feijão, espuma, borracha, pedras pequenas, moscas, carrapatos etc. Freqüentemente, eles são muito mais perigosos pelas tentativas malsucedidas de extração do que pela sua presença. 400

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O diagnóstico é fácil, visto que na maioria das vezes há relato de introdução do material. Através do exame especular, o corpo estranho poderá ser visto e identificado, a menos que já tenha sido manipulado e esteja mascarado por uma reação inflamatória. É bom lembar que a presença pura e simples do corpo estranho não representa uma urgência médica, a não ser quando o desconforto do paciente é muito grande. O tratamento compreende três etapas: observação, remoção e orientação. Confirmada a queixa do paciente, isto é, a presença ou não do corpo estranho, verificar: (a) sua natureza (corpos inanimados ou animados) — se animados (larvas de moscas, pernilongos), instilar calomelano ou álcool para asfixiar o inseto e depois removê-lo; (b) sua consistência — quando se tratar de vegetais (feijão, milho, ervilha) que se expandiram, não tentar remover, e administrar instilações de álcool absoluto durante alguns dias para retraí-los e, posteriormente, removê-los por lavagem: (c) a situação que ocupa no conduto auditivo ou na caixa — antes ou depois do istmo; sobretudo, a situação das paredes do conduto, que podem estar tumefatas, hiperemiadas, devido às tentativas de remoção ou pela própria presença dos corpos estranhos. Antes de se proceder à remoção, aconselha-se tratar a otite externa. Aconselha-se ainda evitar qualquer tipo de exploração instrumental. Há ainda dois tipos especiais de corpo estranho que citaremos à parte, devido às suas peculiaridades. A. Gasolina no ouvido. Comum entre mecânicos, tem-se tornado comum na transferência de combustível de um tanque a outro. Após a sucção, ao virar o rosto, a pessoa se esquece da mangueira, que joga combustível no conduto auditivo externo, provocando queimadura. O tratamento é tópico, com corticóides. B. Dente de alho quente no ouvido. Hábito comum quando há dor de dente é aquecer o alho no azeite e introduzi-lo no ouvido homolateral. Esta prática, obviamente, não tem os resultados esperados e ainda produz otalgia. O tratamento é a remoção instrumental, uma vez que o dente de alho não sai com lavagem. Apenas para complementar, ressaltaremos aqui o que se deve evitar nos seguintes casos: 1. Eczema de conduto. Não aplicar curativos úmidos ou fazer lavagens anti-sépticas, que propagarão a dermatite; não fazer apenas tratamento sistêmico. 2. Furunculose. Evitar as lavagens de ouvido, incisões precoces, bem como os tratamentos intempestivos. 3. Cerúmen obstruinte. Evitar a introdução de instrumental no conduto, qualquer que seja ele (pinça etc.), para remover a rolha de cera, por ser um procedimento perigoso. 4. Corpo estranho. Não tentar remover o corpo estranho sem visualizá-lo através do espelho; caso contrário, poderá ocorrer uma das seguintes situações: penetrar num conduto 401

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sadio, que não contém nenhum corpo estranho, e traumatizá-lo; penetrar no conduto onde antes havia um corpo estranho, mas onde, no momento, não há mais nada e traumatizá-lo ainda mais; empurrar o corpo estranho para a profundidade, encravando-o no conduto ósseo, dificultando sua posterior remoção e provocando uma otite externa traumática; mesmo com a visualização do corpo estranho, não tentar removê-lo com pinças, principalmente quando for arredondado e liso, pois os riscos serão os mesmos. Nariz I. Epistaxe A hemorragia nasal é uma das mais freqüentes, o que se explica não só pela intensa vascularização e particular fragilidade da mucosa nasal, mas também porque ela está exposta, pela situação proeminente da pirâmide nasal, a todo tipo de irritação e traumatismo; ocorre sobretudo em crianças e idosos, e é muito rara em lactentes. A. Etiopatogenia 1. Epistaxes de causa local. Devem ser as primeiras causas a serem investigadas, uma vez que são freqüentes e muitas vezes de fácil resolução. As principais são atritos digitais e traumatismos acidentais, em que podemos ter, além de epistaxe, edema do nariz, depressão ou deslocamentos dos ossos nasais e fratura da cartilagem do septo; microtraumatismos crônicos devido à inalação de poeira, substâncias voláteis corrosivas, pós tóxicos etc.; processos inflamatórios agudos ou crônicos das fossas nasais; pólipos sangrantes do septo; corpos estranhos das fossas nasais; rinolitos; tumores malignos nasais e paranasais (têm a epistaxe como sintoma de alerta); fibroma da nasofaringe (encontrado quase exclusivamente em adolescentes do sexo masculino); traumatismos cirúrgicos e miíase nasal. 2. Epistaxes nas afecções vasculares. Não havendo causa local, a pesquisa deve ser orientada para o aparelho cardiovascular. A hipertensão arterial, associada ou não à aterosclerose, é fator relativamente comum, principalmente em pessoas com mais de 45 anos. O ateroma vascular, acarretando fragilidade da túnica arterial, predisporia à ruptura do vaso. Em outros casos, a ruptura vascular nasal é considerada como válvula de segurança que evitaria hemorragia cerebral. Podemos ter epistaxe na hipertensão venosa em casos de insuficiência ventricular direita e durante acessos prolongados de tosse. 3. Epistaxes nas discrasias sangüíneas. São várias as discrasias sangüíneas causadoras de sangramentos nasais, dentre elas: hemofilia; púrpura trombocitopênica ou hemorrágica essencial; púrpura trombocitopênica sintomática decorrente da administração de mostarda nitrogenada, arsênicos orgânicos, sulfonamidas e sais de ouro; infecções (febre tifóide, septicemias, tuberculose miliar, sarampo, hepatite); leucemia aguda; anemia aplásica; púrpura não-trombocitopênica (caracteriza-se por disfunção capilar por infecções crônicas, intoxicações, avitaminoses e alergoses); telangiectasia hemorrágica hereditária; afecções hepatobiliares. 4. Epistaxes essenciais dos jovens, que desaparecem na puberdade. 402

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5. Epistaxes desencadeadas por variações bruscas da pressão ambiente. B. Diagnóstico 1. Anamnese. Investigar se o fluxo sangüíneo se inicia descendo pela garganta (posterior) ou sai pelas narinas (anterior) quando o paciente está sentado; a ocorrência de hemorragias prévias e sua duração e freqüência; tendências para hemorragias; história familiar de distúrbios hemorrágicos, hipertensão, diabetes melito e doença hepática; uso de anticoagulantes, aspirina e fenilbutazona; trauma nasal recente. 2. Exame local. Verificar se a hemorragia tem origem na fossa nasal direita ou esquerda, na porção anterior ou posterior da cavidade nasal, acima ou abaixo do meato médio, que divide o suprimento sangüíneo das artérias carótidas interna e externa. Os ramos da carótida interna irrigam as partes superior e posterior do nariz, e os ramos da carótida externa, a metade inferior da parede nasal lateral e as partes posterior e anterior do septo. Todos os vasos nasais são ligados por anastomoses múltiplas e formam uma área chamada área vascular de Kiesselbach ou de Little, localizada na borda anterior do septo cartilaginoso, com vascularização tanto arterial quanto venosa. Esta é a região onde mais freqüentemente a epistaxe tem origem. C. Tratamento. O tratamento da epistaxe vai depender da história clínica do paciente. Provavelmente 90% dos casos de epistaxe anterior podem ser resolvidos facilmente aplicando-se, em ambos os lados do nariz, uma pressão firme e contínua logo acima das cartilagens alares. Sentar o paciente em posição ereta, com a cabeça inclinada para a frente, reduzindo a pressão vascular, e assim ele poderá mais facilmente eliminar o sangue acumulado na nasofaringe. Tal manobra poderá ser precedida da introdução, na fossa nasal correspondente, de um tampão de algodão embebido em vasoconstritor e anestésico (tetraciclina ou lidocaína). Esses métodos em geral são suficientes para debelar epistaxes benignas, cujo ponto de origem se localiza na zona de Kiesselbach. Outros procedimentos podem ser necessários: 1. Cauterização do ponto hemorrágico. Método utilizado para os casos em que a hemorragia não é abundante e em que é possível individualizar o ponto que sangra. A cauterização pode ser feita com ácido tricloroacético a 30% após prévia hemostasia (vasoconstritor) e anestesia tópica. A cauterização provoca fibrose cicatricial que evitará futuras hemorragias. 2. Tamponamento nasal anterior. Poderá ser usado nos casos em que os métodos precedentes não forem capazes de deter o sangramento. Solicitar ao paciente que assoe fortemente o nariz, para eliminar coágulos que porventura estejam obstruindo a fossa nasal. Faz-se o tamponamento colocando-se uma gaze própria, seca, inserida com pinça baioneta, conforme mostrado na Fig. 39-1. A técnica é de difícil realização nos casos de desvio de septo ou perfuração. Recomenda-se que o paciente permaneça em repouso e durma com a cabeça elevada. O tamponamento será removido 24 a 48 horas depois de colocado. 403

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Se a hemorragia for grave, ou de origem não determinada, poderá ser necessária a realização bilateral do tamponamento. 3. Tamponamento nasal posterior. Procedimento indicado quando a epistaxe posterior for copiosa e rebelde ao tratamento com hipotensores (quando for o caso), ou quando não se conseguir localizar o ponto hemorrágico. Prepara-se pequeno rolo de gaze amarrado ao meio por fio de seda; um outro fio, também ligado ao rolo de gaze, é deixado na faringe para a retirada do tampão. Introduz-se uma sonda nasogástrica adequada na fossa a ser tamponada, até seu aparecimento na orofaringe; em seguida, com o auxílio de uma pinça, traz-se sua extremidade para fora da boca. Amarra-se o fio do rolo de gaze na extremidade da sonda, para removê-lo pela fossa nasal, até que o rolo de gaze se ajuste ao “cavum”. Desamarramos e removemos a sonda. Pedimos ao paciente que segure firmemente as duas extremidades do fio e realizamos o tamponamento anterior, após o qual fazemos a fixação do fio em outro rolo de gaze, que ficará no vestíbulo nasal. O tamponamento poderá ser removido após 48 a 72 horas (ver , Figs. 39-2A, e Fig. 39-2B). 4. Nova técnica. Uma nova técnica de tamponamento nasal ântero-posterior foi desenvolvida em 1990, utilizando materiais baratos e de fácil disponibilidade, tais como: sonda uretral nº 8, dois preservativos, um cadarço de traqueostomia, fio de seda e seringa descartável de 20 ml (Figs. 39-3, 39-4 , 39-5, 39-6 e 39-7). Coloca-se um preservativo dentro do outro, após serem desenrolados em seu comprimento total. Introduz-se a ponta da sonda uretral nos preservativos, até um comprimento de 8 cm, para adultos, e de 6 cm, para crianças. Amarra-se a boca dos mesmos à sonda com fios de seda em dois locais diferentes, para evitar que se soltem. Os coágulos devem ser expelidos ou aspirados antes de se introduzir o balão de tamponamento, que será fixado com o auxílio do cadarço. Após a fixação, o balão pode ser insuflado com seringa ou pelo próprio paciente, que sopra pela sonda. Não é necessária grande pressão. Oclui-se a sonda e, por segurança, amarra-se a mesma, dobrada em “z”. Se a pressão for excessiva ou se houver vazamento, a pressão do balão poderá ser facilmente reajustada por reinsuflação ou esvaziamento. II. Corpos Estranhos no Nariz. Entende-se por corpo estranho uma substância que normalmente não pertence ao local em que está. Ele pode ser de origens diversas e apresentar formatos e texturas diferentes. As características do corpo estranho devem ser avaliadas antes de sua remoção. Feijões, milhos, botões e outros pequenos objetos são introduzidos pelas crianças no nariz, sem constituírem emergências. A tentativa de remoção pelo não-especialista pode dificultar o tratamento correto, uma vez que o uso de instrumental inadequado pode causar lesões desnecessárias. A. Sintomatologia. Obstrução nasal, corrimento e fetidez são os principais sintomas relacionados à presença de corpos estranhos nas fossas nasais. É importante o diagnóstico diferencial com a rinite diftérica e as sinusites crônicas. 404

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B. Tratamento. A remoção deve ser feita com o gancho de Moldenhauer após fixação da criança, sentada no colo de um adulto, com braços e pernas contidos por este. Um auxiliar fixa a cabeça, de modo a evitar a flexão do pescoço. O gancho é introduzido na fossa nasal, ultrapassando o corpo estranho, que será assim removido. III. Outras Urgências. Contusões, feridas, fraturas, luxações e hemorragias associadas a TCE são avaliadas e tratadas por especialistas em cirurgia plástica e neurologia. Laringe I. Laringites Infecciosas Agudas As laringites agudas são mais freqüentes e mais graves nas crianças, devido a: ausência de uma imunidade já adquirida; maior freqüência de laringoespasmos; característica da submucosa — mais frouxa, com maior propensão ao edema; e ao menor calibre da laringe. As laringites agudas nas crianças são comumente graves, produzindo, portanto, dispnéia acentuada. As laringites agudas podem ser de causas virótica, bacteriana (estreptococos, estafilococos, pneumococos, hemófilos, bacilo diftérico) e, mais raramente, micótica. A. Laringite aguda simples — adultos. Geralmente sucede um episódio gripal, com rouquidão, dor à fonação e mesmo afonia. A tosse é improdutiva e levemente dolorosa. A laringoscopia indireta revela hiperemia das cordas vocais. O tratamento se resume a repouso total da voz e sedativo da tosse, com melhora em 7-10 dias. A rouquidão persistente torna indispensável afastar outras causas. B. Laringite edematosa subglótica — crianças. Semelhante à laringite simples do adulto, sucede a um processo gripal, porém está mais localizada na região subglótica (área de secção mais estreita de todo o trato respiratório). Caracteriza-se por voz normal e tosse rouca. O estridor, quando presente, sugere envolvimento traqueobrônquico. A laringite estridulosa manifesta-se como um súbito e alarmante sufocamento noturno e estridor que acorda a criança, de curta duração, podendo repetir-se (espasmo laríngeo por obstrução temporária da glote por secreção). A laringoscopia revela edema subglótico “em anel” ou “em fechadura”. O tratamento consiste em umidificação e antibioticoterapia. O desenvolvimento é imprevisível, podendo evoluir insatisfatoriamente e requerer intubação ou mesmo traqueostomia.

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Em geral, a criança previamente sadia apresenta uma crise de sufocamento que cede antes da chegada ao hospital, ou após medicação. Quando se sobrepõe dispnéia ou estridor importante e persistente, deve-se suspeitar de laringotraqueobronquite ou de corpo estranho. C. Laringite aguda supraglótica — epiglotite. É menos freqüente do que a laringotraqueobronquite, porém é fatal em 3-4% dos casos em crianças. Os germes mais comuns são o Haemophilus influenzae e, principalmente em adultos, pode ser provocada também por Staphylococcus aureus, Streptococcus viridans e Diplococcus pneumoniae. Acomete principalmente crianças de 3-6 anos. O início é súbito, com dor de garganta que evolui para disfagia e odinofagia com febre alta (acima de 39º) e dispnéia rapidamente progressiva. A criança encontra-se apreensiva, com sensação de obstrução na garganta, insistindo em permanecer sentada com os braços estendidos, o queixo empurrado para a frente, a boca aberta, salivando muito, ofegante, com tiragem e taquipnéia. A voz não está rouca, mas abafada. A laringite aguda supraglótica evolui em 6-24 horas para palidez cutânea, cianose, sudorese e bradicardia com hipoxia, hipercapnia e acidose. No adulto, a ocorrência é excepcional, com curso mais benigno, por menor proporção de bacteriemia localizada por Haemophilus influenzae. A dispnéia não é tão grave, porém 25% dos casos pioram rapidamente, com necessidade de traqueostomia. 1. Diagnóstico. A hemocultura é freqüentemente positiva nos casos de bacteriemia por Haemophilus influenzae, devendo ser feita para avaliação prognóstica e terapêutica. A radiografia dos tecidos moles do pescoço em lateral confirma o inchaço da epiglote. A tentativa de visualização da epiglote por laringoscopia indireta, laringoscopia direta e mesmo com a depressão da língua por meio de abaixadores deve ser evitada na criança, pelo risco de provocar ataque de asfixia ou parada cardíaca. Tais procedimentos só devem ser realizados por pessoal especializado, com suporte de anestesistas experientes. Nos adultos a laringoscopia indireta é possível e segura desde que não provoque tosse violenta, permitindo visualizar a hiperemia, os microabscessos e o edema “em badalo de sino” na epiglote. 2. Diagnóstico diferencial a. Afebril, sem sinais de infecção — corpo estranho, edema angioneurótico, neoplasia, papiloma, hemangioma. b. Febril — laringite aguda, laringotraqueobronquite, abscesso retro e parafaríngeo, laringite diftérica (Quadro 39-1). 3. Tratamento. O tratamento imediato é fundamental, com observação cuidadosa, pois é freqüente a necessidade de traqueostomia, principalmente nas crianças. Medidas de apoio — tenda de oxigênio com umidificação fria, nebulização com adrenalina. Não utilizar sedativos até que a via aérea esteja restaurada. Manter à mão o equipamento de traqueostomia. 406

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Institui-se antibioticoterapia endovenosa (ampicilina e cloranfenicol) e corticóides endovenosos. A intubação é dificultada pelo edema e só deve ser tentada por pessoas experientes, pois, às vezes, só o broncoscópio consegue vencer o edema. A traqueostomia muitas vezes é necessária. D. Laringotraqueobronquite aguda. Geralmente sucede uma virose com infecção secundária. Acomete crianças de 6 meses a 3 anos. A criança com IVAS e rouquidão começa a apresentar uma obstrução respiratória lentamente progressiva por edema subglótico e presença de um exsudato laringotraqueal espesso e difícil de ser eliminado. A dispnéia é acompanhada de estridor, batimento das narinas, tiragens, tosse de timbre metálico, febre, anorexia, podendo evoluir para falência respiratória. A laringoscopia indireta é difícil e arriscada em crianças. A laringoscopia direta sob contenção evidencia o edema e a hiperemia subglótica. Raios X de tórax podem evidenciar áreas de atelectasia. O tratamento consiste em manter a permeabilidade das vias aéreas com ambiente frio e úmido, hidratação, antibioticoterapia e corticóides. A falha de tratamento conservador com taquidispnéia, cianose e cansaço indica a necessidade de intervenção, como a intubação e aspirações das secreções sob anestesia geral, ou mesmo a traqueostomia. E. Laringite diftérica. A laringite diftérica é quase sempre secundária à faríngea, com extensão do processo inflamatório e das pseudomembranas à laringe, acometendo principalmente crianças de 2-5 anos. Instala-se como um mal-estar, febre baixa, dor de garganta, com posterior rouquidão e tosse espasmódica que evolui lentamente para dispnéia, com estridor inspiratório e linfadenomegalia. A orofaringoscopia e a laringoscopia revelam as pseudomembranas. O swab deve ser realizado, mas o tratamento deve ser iniciado sem se aguardar o resultado. É importante considerar a possibilidade de neurites (paralisias do palato, oculares e outras) e a miocardite. O tratamento consiste em antibioticoterapia (penicilina) e antitoxina (10 a 100.000 U), umidificação do ambiente e medidas sintomáticas. A laringoscopia direta permite a aspiração das pseudomembranas. A intubação é preferida, quando necessário, sendo a traqueostomia poucos vezes utilizada. O paciente melhora em poucos dias, devendo permanecer hospitalizado por uma a duas semanas, pelo risco de toxemia.

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II. Corpos Estranhos da Laringe Os corpos estranhos que são inalados nas vias aéreas raramente ficam impactados na laringe, mas passam através desta para a traquéia e os brônquios, sendo mais freqüentes na criança (moedas, balas, drágeas) do que nos adultos (principalmente desdentados — ossos, bolos de carne). A. Clínica 1. Penetração. A dispnéia é súbita com acessos de tosse expulsiva, cornagem, sensação de engasgo e sufocamento, podendo ser agravada por espasmo glótico. Muitas vezes, o corpo estranho é expulso nesta fase. 2. Corpo estranho encravado. Um corpo estranho grande e encravado desencadeia dificuldade respiratória, esforço respiratório excessivo, tiragens, cianose, sufocamento, salivação e respiração paradoxal (o tórax se afunda, e o abdômen se dilata na inspiração com o inverso na expiração). Com o tempo, cessa o esforço respiratório e instalam-se arritmias e mesmo parada cardíaca por reflexo vagal. A traqueostomia ou a cricotireoidotomia deve ser feita imediatamente. Outras medidas podem salvar heroicamente o paciente, principalmente em ambiente não-hospitalar; após hiperextensão da cabeça e fracasso da respiração artificial, coloca-se o paciente em decúbito ventral e procede-se à compressão súbita e forte na parte média do tórax — “abraço de urso” — ou com um soco rápido na região interescapular. O corpo estranho encravado com dispnéia intermitente, cornagem e tiragens exacerbadas por acessos de sufocação permite o estudo propedêutico, como: laringoscopia direta (adultos) e/ou indireta (crianças) e o estudo radiológico (objetos radiopacos). O tratamento específico consiste na remoção do corpo estranho sob laringoscopia direta, porém a cricotireoidotomia e/ou traqueostomia não devem ser proteladas nos casos graves. III. Corpos Estranhos na Traquéia e Nos Brônquios. São mais freqüentes nas crianças com menos de 4 anos, podendo ser exógenos (amendoim, pipoca, sementes, moedas, pedaços de brinquedo) ou endógenos (muco, pus e sangue). Os materiais vegetais, como o amendoim, produzem uma rápida e severa bronquiolite química. A. Traquéia. Episódio de engasgo, sufocação e cianose seguido de chiado bilateral. Quando fixos, manifestam-se por dispnéia e cornagem; quando móveis, podem produzir som durante os deslocamentos ou ser sentidos pela palpação traqueal ao chocar-se com a glote nos movimentos de tosse expulsiva. B. Brônquios. A localização mais comum é no lobo inferior direito, por motivos anatômicos. Na fase aguda, caracteriza-se por episódios de tosse, sufocação, cianose e chiado unilateral. Posteriormente, pode haver um período assintomático de horas a meses, dependendo da natureza do corpo estranho, localização e do grau de obstrução brônquica. Existem três tipos de obstrução, podendo um tipo transformar-se em outro. 408

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1. Obstrução parcial. Existe passagem de ar tanto na inspiração quanto na expiração. Pode ocorrer diminuição da expansibilidade pulmonar e do murmúrio vesicular homolaterais, com a presença de estertores. 2. Obstrução expiratória. Ocorre, principalmente, com objetos orgânicos (sementes), com entrada de ar na inspiração e retenção na expiração (mecanismo valvular) e conseqüente enfisema obstrutivo. A expansibilidade pulmonar está diminuída, a percussão é timpânica, e o murmúrio está reduzido ou ausente homolateralmente. O mediastino pode estar desviado para o lado oposto. 3. Obstrução completa. Ocorre atelectasia do segmento distal à obstrução, com diminuição da expansibilidade, som maciço ou submaciço à percussão e ausência de murmúrio ou estertores no segmento acometido. As estruturas mediastinais estão desviadas ipsilateralmente. a. Diagnóstico. A história sugestiva, as alterações ao exame físico do tórax e a presença de chiado induzem o diagnóstico. O estudo radiológico pode revelar objetos radiopacos ou evidenciar sinais de obstrução brônquica, devendo ser feito em expiração. Na atelectasia, há hipotransparência do segmento afetado com desvio homolateral do mediastino. No enfisema obstrutivo, evidenciam-se achatamento do diafragma, hipertransparência do lado afetado e desvio contralateral do mediastino. b. Tratamento. Apenas 2-4% dos corpos estranhos traqueais e brônquicos são expulsos pela tosse. A broncoscopia com boa ventilação peroperatória é o método utilizado em crianças. Nos adultos, a fibrobroncoscopia pode permitir a remoção do corpo estranho ou, ao menos, permitir a identificação e a localização deste, facilitando a broncoscopia posterior. IV. Traumatismos da Laringe e Traquéia Cervical por Agentes Mecânicos. O pescoço é uma região compacta, que abriga componentes de três sistemas indispensáveis à vida: o respiratório, o cardiovascular e o sistema nervoso central. Os traumatismos da laringe e da traquéia cervical serão abordados neste capítulo; entretanto, a proximidade entre os elementos desses três sistemas deve ser considerada na abordagem do paciente com traumatismo nessa região. O traumatismo da laringe manifesta-se freqüentemente por uma apnéia originada por comoção laríngea e/ou laringoespasmo transitório, seguido de formação de edema e/ou hematoma e/ou enfisema subcutâneo, que são progressivos nas primeiras 48 horas. A. Traumatismos abertos. Os ferimentos por projéteis de arma de fogo e por arma branca são os mais comuns, sendo freqüentes as lesões associadas de medula cervical, faringe, esôfago e grandes vasos. O impacto do projétil de arma de fogo desencadeia uma grande liberação de energia, sendo a destruição freqüentemente fatal, e apenas as lesões tangenciais permitem a chegada do paciente com vida ao setor de emergência.

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O diagnóstico é evidenciado pelo borbulhamento de sangue na inspiração e na expiração. O paciente muitas vezes está chocado. A inundação traqueobrônquica por sangue agrava o quadro. O tratamento requer o estabelecimento urgente de uma via aérea livre e a prevenção da entrada de mais sangue na árvore brônquica. A traqueostomia de emergência é realizada com hemostasia dos vasos, remoção dos fragmentos e sutura da mucosa e da pele. Instituise a antibioticoterapia precoce. A reparação das lesões menos importantes é realizada após a estabilização do quadro clínico. As radiografias e, principalmente, a esofagoscopia permitem evidenciar lesões associadas às esofágicas. A traqueostomia só deve ser removida após regressão do edema e ausência de risco de inchaço nos tecidos pelo trauma ou por infecção secundária. As complicações e seqüelas são: hemorragia, lesão peroperatória do nervo laríngeo recorrente, estenoses laríngeas e traqueais, infecções mediastinais, septicemia e disfonias. B. Traumatismos fechados. A contusão laríngea (sem fratura) é freqüente nas crianças, pela elasticidade das cartilagens ainda não calcificadas nessa fase, com formação de hematoma, rechaço das aritenóides, laceração laríngea com enfisema subcutâneo e laceração faríngea. Nos adultos, o trauma anterior direito comprime as cartilagens contra a coluna cervical, principalmente quando a cabeça encontra-se em extensão (acidente automobilístico, socos), com fratura cartilaginosa, lesão da traquéia, luxação e lesões associadas (esôfago, nervo laríngeo recorrente). As fraturas podem ser únicas, múltiplas, cominutivas ou até mesmo provocar a separação da traquéia da laringe. A disfonia é habitual, com dor exacerbada por tosse, fala e deglutição. A dispnéia agrava-se mais nas primeiras 48 horas, devido ao edema. Nos casos graves, a dispnéia é intensa, com expectoração sanguinolenta e enfisema subcutâneo. Os sinais clássicos da fratura laríngea são o enfisema subcutâneo e a dor facial intensa. O exame clínico deve precisar a extensão, a natureza da lesão e, principalmente, as lesões associadas (cabeça, pescoço, coluna, tórax), as quais podem impedir uma imediata avaliação da laringe, após o estabelecimento de uma via aérea livre. O principal fator a ser determinado é a necessidade de redução da fratura. Existem apenas duas indicações absolutas para a exploração primária do pescoço: quando a palpação revela a perda da proeminência laríngea (fratura com deslocamento dos fragmentos) e quando o exame da laringe e da faringe revela fragmentos de cartilagens fraturadas. Algumas vezes é impossível a laringoscopia direta nos casos graves, pelo risco de o quadro se agravar. A hemoptise e mesmo o enfisema subcutâneo podem regredir completamente sem intervenção cirúrgica. As radiografias podem revelar enfisemas, fraturas de corpos vertebrais e corpos estranhos.

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O tratamento depende da gravidade das injúrias e da extensão das lesões associadas. Uma via aérea deve ser estabelecida, e a traqueostomia muitas vezes é necessária, seguida de medidas de suporte: correção do choque, hemostasia, oxigenoterapia e antibioticoterapia. Na ausência de deslocamento dos fragmentos fraturados, apenas mantém-se a observação. A reconstrução cirúrgica, quando indicada, deve ser feita o mais precocemente possível. Na existência de lesões mais graves associadas, estas são prioritárias, e a correção cirúrgica não-imperativa é adiada. A cirurgia visa à reposição dos fragmentos e à reparação da laceração da mucosa. Podem-se usar moldes para manter os fragmentos no local, com a respiração sendo realizada através deles. As complicações mais freqüentes são as estenoses, as lesões do nervo laríngeo recorrente, a pericondrite, a formação de membranas laríngeas, a disfonia e a fixação das cordas vocais. V. Lesões Iatrogênicas da Laringe. A traqueostomia e a intubação são procedimentos indispensáveis no dia-a-dia de um Serviço de Emergência, sendo a escolha do método dependente das condições clínicas que indicam sua necessidade. Em geral, a intubação está indicada nas obstruções aéreas de curta duração, com o risco de produzir um trauma laríngeo ou uma estenose subglótica, quando usada por longos períodos, enquanto a traqueostomia está indicada nas obstruções laríngeas de longa duração, com as desvantagens de necessitar de cirurgia e apresentar um maior número de complicações. A. Intubação 1. Intubação anestésica. A intubação realizada por pessoal não-experiente e, muitas vezes, relativamente às cegas ocasiona lesões de mucosa laríngea, principalmente ao nível das falsas cordas e das cordas vocais. As lesões menores são os edemas, a formação de membrana laríngea na comissura anterior, a luxação das cartilagens aritenóides e o hematoma das cordas vocais. As lesões mais graves são a formação do granuloma de intubação, as paralisias das cordas vocais e a ulceração da mucosa subglótica dentro do anel da cartilagem cricóide, com posterior obstrução respiratória e necessidade de traqueostomia. 2. Intubação traqueal prolongada. A pressão excessiva do balonete inflado, associada à movimentação laríngea e à sempre presente infecção, é fator importante nas lesões iatrogênicas da laringe. O tubo nasotraqueal tende a aplicar pressão na região posterior da laringe com ulceração da região subglótica, e seu uso prolongado (mais de sete dias) promove uma necrose isquêmica e infecção com posterior estenose subglótica. O tratamento principal é o preventivo, com uso de tubos adequados às dimensões da laringe, com balonetes de baixa pressão e alto volume, a intubação com boa exposição da glote por pessoal treinado, a umidificação e a aspiração não-traumática. O paciente deverá ser submetido ao controle laringoscópico, preferencialmente endoscópico (fibrolaringoscopia), pois as estenoses são tardias. 411

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B. Traqueostomia. O procedimento cirúrgico é simples, sem maiores complicações, nas mãos de pessoal habituado a realizá-lo. As infecções das vias aéreas inferiores têm maior probabilidade de ocorrer, e o maior volume de secreções requer aspirações mais freqüentes. Pode ocorrer morte súbita por parada respiratória na mudança de cânula. A traqueostomia não deve ser realizada em local muito alto (primeiro anel traqueal), pelo risco de estenose subglótica, sendo realizada no nível do terceiro anel traqueal. Na criança não se devem remover fragmentos dos anéis traqueais, pois estes são elásticos e afastados pela cânula sem risco de necrose. As cânulas devem ter calibre adequado, e as aspirações devem ser atraumáticas (ver Cap. 3, Pequenos Procedimentos em Cirurgia). Faringe I. Inflamações Agudas A inflamação aguda da faringe é freqüentemente limitada à orofaringe. Porém, todas as três partes (nasofaringe, orofaringe e hipofaringe) podem ser acometidas, juntas ou separadamente. As inflamações nestas regiões são tidas como urgências relativas, pois raramente causam risco de vida iminente. A. Faringite aguda. É o tipo de inflamação mais freqüente da garganta, podendo ser de etiologia virótica (mais de 50% dos casos) ou bacteriana, cujos agentes etiológicos mais comuns são o Streptococcus beta-hemolítico e o Streptococcus pneumoniae. O Staphylococcus também pode causar faringite em indivíduos debilitados. A sintomatologia pode ser trivial, com leve queixa de irritação à deglutição, mal-estar e febre; ou mais severa, com odinofagia, febre elevada e intenso acometimento do estado geral. A orofaringoscopia revela uma mucosa hiperemiada nos casos leves, ou agudamente inflamada — hiperemia, edema — com hipertrofia dos folículos linfóides e pontos brancoamarelados disseminados na parede posterior da orofaringe. As amígdalas podem estar hiperemiadas, porém sem pontos purulentos, estando o exsudato confinado aos tecidos linfóides da parede posterior. O exame local deve levar em consideração a possibilidade muito freqüente de faringite secundária a fatores locorregionais, como: rinites, sinusites, sepse dentária, respiração oral, poluição atmosférica e autopoluição tabágica. Tais fatores, responsáveis pela instalação de uma faringite crônica, podem propiciar crises recorrentes de agudização. O tratamento requer descanso, analgésico/antitérmico e antibiótico, sendo de escolha a penicilina, durante sete dias. A recorrência é comum, se o antibiótico é administrado por um período de tempo insatisfatório. B. Amigdalite lingual aguda. Ocasionalmente, uma infecção aguda da faringe envolve somente a amígdala lingual. Manifesta-se por odinofagia unilateral, febre e mal-estar. A localização da dor é mais baixa, no nível do osso hióide. Freqüentemente, o paciente pode interpretar a dor como um corpo estranho na hipofaringe.

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Ao exame, observa-se dificuldade na protrusão da língua e dor intensa na depressão desta com o uso dos abaixadores. O exame com espelho laríngeo é necessário, demonstrando-se folículos congestos, hipertrofiados, às vezes recobertos com exsudatos. O tratamento é semelhante ao da amigdalite aguda. C. Amigdalite aguda. Trataremos sob este título a infecção aguda bacteriana da amígdala palatina, que se pode apresentar clinicamente sob três formas: 1. Amigdalite folicular aguda (eritematopultácea). Quando um exsudato inflamatório, vindo das criptas, mancha a superfície hiperemiada da amígdala com pontos branco-amarelados. 2. Amigdalite parenquimatosa aguda (eritematosa). Quando toda a amígdala apresenta-se uniformemente congesta e edematosa. 3. Amigdalite pseudomembranosa aguda. Quando o exsudato vindo das criptas se coalesce e forma uma única membrana que cobre a superfície, não ultrapassando os limites amigdalinos, sendo facilmente destacável, sem sangramento. Esta última forma clínica resulta de uma infecção bacteriana, geralmente causada por Staphylococcus e Pneumococcus como agentes etiológicos. As amigdalites são mais freqüentes na infância, podendo também ocorrer durante a adolescência. a. Quadro clínico. Geralmente, inicia-se com leve desconforto e ressecamento na garganta, mal-estar geral e febre baixa. Uma vez estabelecida a amigdalite aguda, a dor de garganta exacerbada pela deglutição é o sintoma predominante. Uma amigdalite aguda estreptocócica típica é acompanhada por disfagia, com anorexia e otalgia reflexa. A voz se torna pastosa e há também dor no pescoço, devido à reação dos linfonodos cervicais. No exame da orofaringe, encontramos uma das formas de amigdalite aguda descritas anteriormente. Os linfonodos cervicais, principalmente subangulomandibulares, estão infartados e dolorosos. O hemograma mostra leucócitos com desvio para a esquerda. A evolução normalmente é benigna, com boa resposta à antibioticoterapia. b. Diagnóstico diferencial. Suspeita-se de outra condição quando: a evolução é alterada; a resposta à antibioticoterapia é ruim; o aspecto das amígdalas mostra ulcerações, ou o estado geral demonstra sinais graves de toxiinfecção. (1) Angina de Vincent. Decorre de associação simbiótica entre o Bacillus fusiformis e a Spirochaeta denticola, usualmente saprófitos normais da cavidade oral, que adquirem poder patogênico ao se associarem em condições deficientes de higiene. Caracteriza-se por amigdalite subaguda com ulceração recoberta por pseudomembrana, freqüentemente unilateral, com formação de zonas necróticas, com concomitantes lesões necróticas gengivais. O odor é extremamente fétido. O swab identifica os germes causadores. O tratamento baseia-se na higiene oral e no uso da penicilina. 413

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(2) Angina da escarlatina. A escarlatina é produzida pela disseminação de uma infecção estreptocócica da faringe e das amígdalas, com distúrbios generalizados, devido à produção de toxinas solúveis. O período de incubação é de dois a sete dias, após os quais sobrevém o início súbito dos sintomas de temperatura exageradamente elevada, mal-estar, dor de garganta e linfadenomegalia. A faringite mostra-se hiperemiada ou com exsudatos amigdalinos amarelados que se destacam facilmente, podendo sobrevir ulceração e necrose. A língua apresenta-se com aspecto de framboesa branca na primeira semana e, posteriormente, com aspecto de framboesa vermelha. Um rash eritematoso de tronco e superfície interna dos membros, preservando a face, surge por capilarite, devido à toxina eritrogênica. Exames laboratoriais mostram leucocitose com predomínio de polimorfonucleares. (3) Angina diftérica. O início mais insidioso, à investigação epidemiológica, por vezes positiva, e o aspecto das membranas sugerem o diagnóstico. A placa branco-acinzentada ultrapassa os limites amigdalinos, atingindo o terço superior dos pilares, do palato mole e da úvula. A membrana é firmemente aderida à mucosa, resistindo à remoção e sangrando com a retirada. Ao se colocarem fragmentos da placa membranosa em água, eles não se dissociam, ao contrário da membrana da angina estreptocócica. A temperatura está pouco elevada, com pulso taquicárdico e filiforme, associado a hipotensão e sinais de toxiinfecção geral. O hálito é adocicado. A exotoxina diftérica tem predileção pelo miocárdio, acarretando arritmias cardíacas, pelas cápsulas supra-renais, determinando hipotensão e dores abdominais, e pelo sistema nervoso, cujo envolvimento se exprime por paralisias do véu palatino, dos membros inferiores e músculos da acomodação visual. Pode ocorrer paralisia do diafragma. O diagnóstico baseia-se nos dados clínicos e confirma-se através de bacterioscopia direta e culturas. O tratamento inclui o uso de soroterapia específica e penicilina (eritromicina). Nos casos de dúvida diagnóstica, a clínica prevalece, instituindose o soro específico enquanto se aguarda o resultado dos exames. (4) Angina da mononucleose infecciosa. Na maioria dos casos, manifesta-se por uma forma anginosa, indistinguível de um ataque grave de amigdalite. Sempre deve ser considerada quando um episódio de amigdalite aguda, principalmente no adulto jovem, persiste com febre, apesar da antibioticoterapia. A sintomatologia é pouco convulsiva, com febre baixa, mal-estar e dor de garganta (em 80% dos casos). O exame evidencia amígdalas hiperemiadas, edemaciadas, recobertas por uma membrana acinzentada; adenopatia cervical posterior, por vezes acometendo também os linfonodos axilares e inguinais, com esplenomegalia. O hemograma revela leucocitose com linfocitose acentuada (acima de 51%), com um número significativo de linfócitos atípicos. A reação de Paul-Bunnell é específica, positivando-se a partir da segunda semana. A evolução é benigna, autolimitada, com recuperação espontânea em duas a quatro semanas, na maioria dos casos. O tratamento é sintomático, com analgésicos/antitérmicos e antiinfecciosos inespecíficos, para evitar infecção secundária.

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(5) Angina da leucemia aguda. Ocorre mais freqüentemente nos cinco primeiros anos de vida. A angina caracteriza-se por zonas de ulceração, comumente associadas à estomatite, com tendência a sangramentos e fenômenos de necrose da mucosa bucofaríngea. Pode simular um flegmão periamigdalino por infiltração dos tecidos adjacentes. Há hipertrofia linfonodal generalizada e esplenomegalia. O diagnóstico é confirmado pelo hemograma, que assinala hiperleucocitose (mais de 100.000 leucócitos/mm3) e a presença de formas embrionárias imaturas no sangue circulante. A forma leucopênica, com poucas formas imaturas circulantes, pode ser confundida com a agranulocitose. Porém, o mielograma conclui o diagnóstico, com proliferação maciça de leucócitos primitivos na medula óssea. O hematologista deve ser contatado. (6) Angina agranulocítica. Caracteriza-se por lesões amplas com ulcerações e ausência de reação inflamatória adjacente. Não se observam tendência à hemorragia nem linfonodopatia ou esplenomegalia. Os sinais de toxiinfecção generalizada são evidentes. A icterícia é freqüente. O hemograma evidencia leucopenia acentuada por neutropenia e ausência de leucócitos anormais ou imaturos. As hemácias e plaquetas não estão afetadas. É imprescindível o acompanhamento por um hematologista. c. Tratamento. A amigdalite aguda geralmente apresenta evolução benigna, com curso rápido. O tratamento sintomático baseia-se no repouso e na instituição de analgésicos/antitérmicos. O emprego de antibióticos estará indicado quando houver persistência de febre e mal-estar por mais de 48-72 horas; quando o quadro for exuberante, ou quando houver história de complicações em ataques prévios. A droga de escolha é a penicilina, por um período de 5-7 dias, dependendo da extensão e da gravidade dos sintomas. A antibioticoterapia por tempo insatisfatório costuma levar à recorrência da infecção. d. Complicações (1) Abscesso periamigdalino. Representa uma complicação da amigdalite aguda, na qual ocorre uma disseminação da infecção para a loja amigdalina e o palato mole, resultando em extensa área de celulite (flegmão periamigdalino). Com o avanço da infecção, organiza-se um abscesso entre a cápsula da amígdala e a loja amigdalina, geralmente ântero-superior. Nesta fase, há dor intensa unilateral com disfagia, otalgia homolateral e trismo (incapacidade de abrir a boca). Ao exame da cavidade oral, encontram-se hiperemia e abaulamento do palato e do pilar amigdalino anterior, com a amígdala palatina deslocada para baixo e para a linha média. A amígdala contralateral apresenta-se, geralmente, com aspecto normal, a não ser por uma discreta hiperemia, resultado da infecção aguda precedente. A punção tem valor propedêutico na tentativa de se confirmar e localizar o abscesso. O tratamento dependerá da fase em que se encontre a infecção. Na fase de flegmão, usamos antibióticos parenteralmente em doses maiores do que as usuais, na tentativa de sustar a formação de abscesso. A droga de escolha é a penicilina (Despacilina 12/12 h). Quando já está formado o abscesso, a drenagem no ponto de maior flutuação se faz necessária, juntamente com a antibioticoterapia.

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(2) Adenoflegmão laterofaríngeo. É o processo supurativo agudo do conjuntivo e dos linfonodos do espaço laterofaríngeo. Caracteriza-se por uma disfagia dolorosa intensa, unilateral, com febre e fácies de toxiinfecção geral. Surge empastamento edematoso da região esternocleidomastóidea de consistência lenhosa, extremamente doloroso à palpação. O exame revela abaulamento da parede lateral da orofaringe. O trismo e o torcicolo são freqüentes. A terapêutica é a drenagem cirúrgica da coleção purulenta, com a incisão acompanhando a borda anterior do músculo esternocleidomastóideo, associado à antibioticoterapia. É raro na atualidade, devido ao uso de antibióticos. (3) Adenoflegmão retrofaríngeo. Raro, na atualidade; decorre da inflamação supurativa dos linfonodos retrofaríngeos, ocorrendo no decurso de uma adenoidite crônica do lactente. Manifesta-se por febre, impossibilidade de deglutir e obstrução respiratória alta. O exame revela abaulamento difuso da parede posterior da orofaringe. O tratamento consiste em drenagem cirúrgica e antibioticoterapia. O paciente deve ser colocado em decúbito dorsal, com a cabeça pendente. A aspiração elétrica é imprescindível no ato da incisão, pelo risco de entrada de secreção nas vias aéreas inferiores. II. Corpos Estranhos da Faringe. Corpos estranhos localizados nesta região são muito comuns em um Serviço de Urgência. Apesar de, na maioria das vezes, serem inofensivos, eles devem ser retirados o mais brevemente possível, por causa do extremo desconforto que causam ao paciente. Quando um paciente se queixa de desconforto alto na garganta e há uma história de possível ingestão de corpo estranho, especial atenção deve ser dada ao exame da faringe (principalmente das amígdalas), hipofaringe, base da língua e laringe. Isto pode ser feito adequadamente com espelhos laríngeos e uma boa iluminação através do espelho frontal. Quando localizados nestas regiões, eles geralmente se lateralizam para um lado ou outro, e o paciente poderá indicar externamente com o dedo a localização exata, em geral no nível do ângulo da mandíbula homolateral. Os corpos estranhos encontrados mais freqüentemente são espinhas de peixe, ossos de galinha e folhas de gramíneas, sendo estas geralmente encontradas aderidas à nasofaringe. Freqüentemente, patologias inflamatórias da região, como faringites agudas, amigdalite lingual aguda, lesões inflamatórias da epiglote e grânulos de caseum, são confundidos com corpo estranho. Uma vez localizado o corpo estranho, o que nem sempre é fácil, a sua retirada geralmente não traz problemas, quando se utiliza um instrumento adequado. Às vezes, há necessidade de anestesia tópica da região, para prevenir os reflexos de vômitos e permitir um bom exame. Esôfago 416

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I. Corpos Estranhos no Esôfago A. Etiologia. Estatísticas mostram que moedas, ossos, pedaços de alimentos e alfinetes de segurança são os corpos estranhos mais comumente encontrados no esôfago. A incidência é maior nas crianças e em pacientes idosos; estes, por causa da perda da eficiência da propulsão esofágica e pelo fato de serem geralmente desdentados e, conseqüentemente, inaptos a mastigar corretamente os alimentos. 1. Fator dental. Pacientes que usam dentaduras são inaptos para detectar ossos ou espinhas de peixe na alimentação, ocorrendo com maior facilidade a deglutição de um corpo estranho. A mastigação é malfeita ou, às vezes, a própria prótese é deglutida durante as refeições ou no sono. 2. Fator esofágico. Estreitamentos esofágicos podem reter pequenos corpos estranhos que passariam com facilidade em um esôfago normal. Estes estreitamentos podem ser tumores ou seqüelas de lesões anteriores. 3. Tipos de alimentos. Certos alimentos, como caldos, sopas e bolos salgados, são ingeridos rapidamente, e o paciente não suspeita da presença de ossos. 4. Ingestão voluntária. Ingeridos propositalmente por suicidas, prisioneiros e doentes mentais. 5. Tipos de corpos estranhos. Moedas e objetos discóides passam facilmente pela boca e faringe e se vão alojar na extremidade superior do esôfago. Alfinetes de segurança, devido à sua elasticidade, se fixam ou chegam a perfurar a parede esofágica. B. Diagnóstico. Nos adultos, geralmente não é difícil o diagnóstico de corpo estranho no esôfago. O paciente pode relatar o tipo e a forma do corpo estranho deglutido e ainda o local de obstrução, principalmente se estiver no terço superior. Quando no terço médio ou inferior, a dor não é tão acurada e pode ser referida para o dorso e a região retroesternal. A sialorréia é um dado importante para o diagnóstico. Na criança, a presença de um corpo estranho pode não ser suspeitada por vários dias, sendo a disfagia o único sintoma. No começo, há uma leve dificuldade para a deglutição, que vai aumentando progressivamente, até a obstrução completa. Há também sinais de infecção do trato respiratório inferior, o que pode sugerir a presença do objeto nas vias aéreas inferiores. O exame da boca, faringe, base da língua e laringe deve ser realizado cuidadosamente, na intenção de visualizar lesões causadas pela passagem do corpo estranho. O exame da região cervical poderá mostrar sinais de inflamação ou enfisema subcutâneo, nos casos de perfuração da parede esofágica do terço superior. Os exames radiológicos simples ou contrastados de esôfago são de grande ajuda no diagnóstico e na localização do corpo estranho.

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C. Tratamento. Quando a presença de um corpo estranho no esôfago for estabelecida, este deverá ser removido através de um esofagoscópio. Os corpos estranhos ingeridos deverão ser vistos como verdadeiras emergências somente quando causarem uma obstrução das vias aéreas. Porém, qualquer objeto representa um risco de perfuração ou de migração para posições mais perigosas. Uma mínima morbidade ou mortalidade irá depender da preparação adequada do paciente, do instrumental e da equipe de endoscopia, antes de iniciado o procedimento. O tempo também é necessário para permitir que o estômago se esvazie de resíduos alimentares ou de substâncias usadas para exames contrastados. A anestesia geral é necessária em todas as crianças e na maioria dos adultos, permitindo um relaxamento do músculo cricofaríngeo, abolindo os reflexos de vômitos e possibilitando a remoção do corpo estranho com traumatismo mínimo da mucosa e da parede esofágica. Os corpos estranhos no esôfago usualmente se alojam na porção cervical do órgão, logo abaixo do músculo cricofaríngeo. O poder de contração do músculo constritor da faringe durante a deglutição força os objetos para a extremidade superior do esôfago, onde há peristaltismo; entretanto, esta peristalse é relativamente fraca nesta região. Para perfeita remoção dos corpos estranhos, necessitamos selecionar as pinças adequadas para cada tipo de objeto. O que vai nos orientar são os exames radiológicos e a possibilidade de obtenção de uma duplicata do corpo estranho ingerido. Em raras circunstâncias, é impossível a retirada por esofagoscopia devido à perfuração, estando indicada uma via transtorácica ou mediastinotomia cervical. Muitas vezes, os corpos estranhos ultrapassam todos os estreitamentos esofágicos e na hora do atendimento são localizados no estômago. Neste caso, a conduta é expectante, porque a maioria absoluta deles será eliminada pelas fezes. D. Complicações. A maioria das complicações deve-se à falta de experiência na introdução do esofagoscópio: tração na parte proximal do corpo estranho, sem primeiro determinar o que poderá resultar de tal tração. Tentativas para forçar um corpo estranho através do esôfago, por meio de sondas ou outros instrumentos, são perigosas, e nunca devem ser feitas. O uso de proteínas digestivas, com a finalidade de dissolver grandes bolos alimentares, também constitui perigo. Tais agentes químicos podem causar perfuração esofágica. Uma perfuração pelo próprio corpo estranho ou por manipulação inadequada leva, freqüentemente, à formação de uma mediastinite. O uso de antibióticos deve ser imediato. Se o tratamento é instituído precocemente e nenhum alimento é ingerido oralmente, a mediastinite poderá não ocorrer, e a recuperação será completa; do contrário, medidas cirúrgicas transtorácicas de drenagem deverão ser realizadas, para prevenir a formação de abscessos ou a morte. Uma vez estabelecida a mediastinite, o prognóstico é muito grave. II. Esofagite Cáustica. 418

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A ingestão de substâncias corrosivas é geralmente acidental nas crianças e suicida nos adultos. Quando essas substâncias são ingeridas, as maiores lesões são vistas na boca e no terço superior do esôfago. O problema imediato da sobrevida do paciente depende do distúrbio agudo dos equilíbrios hidreletrolítico e ácido-básico, da função renal, da presença de edema laríngeo e broncopneumonia. Estas complicações respiratórias são mais sérias nos casos de ingestão de agentes corrosivos, os quais produzem gases (amônia, ácido nítrico). O tratamento é dirigido para melhorar o choque e a dor e para neutralização do agente cáustico por um ácido fraco apropriado, por via oral. Fluidos endovenosos, antibióticos sistêmicos, analgésicos e antiespasmódicos são iniciados tão logo seja possível. Uma especial atenção deve ser considerada para os sinais de edema laríngeo, que poderão justificar uma traqueostomia. A íntima colaboração do clínico para o controle dos distúrbios ácidos-básicos, da função renal e infusão de fluidos e eletrólitos deverá ser avaliada. Uma inevitável estenose do esôfago distal deverá ocorrer se a corrosão penetrar na parede muscular do órgão. Para prevenir isto, atualmente coloca-se um tubo nasogástrico se o paciente é atendido no primeiro ou segundo dia. Isto é feito cuidadosamente, e não é tão perigoso quanto parece. O tubo deverá permanecer instalado por duas ou três semanas, quando então o paciente deverá estar apto a ingerir os alimentos sólidos. Um bolo de alimentos sólidos bem-mastigados é o melhor dilatador. Corticoidoterapia sistêmica, se iniciada nos dois ou três primeiros dias, é efetiva para reduzir a um mínimo a formação de fibrose e conseqüente estenose. Futura estenose poderá desenvolver-se em dois ou três meses, ou mais tarde. Isto será menos provável de acontecer se o paciente conservar sua dieta normal, mas, em todo caso, uma vigilância regular e exames contrastados de esôfago deverão ser mantidos por, pelo menos, seis meses. Referências 1. Aragão JMA, Menezes JW, Souza AMV, Melo VJM. Uso de dispositivo inflável para tamponamento nasal. JBM Otorrinolaringologia 1990; 4(2):21-4. 2. Byl F. Sudden Hearing lose: eight years experience and suggest prognostic table. Laryngoscope 1984; 94: 647-61. 3. Davidson TM. Cirurgia da Cabeça e Pescoço, 1 ed., São Paulo: Livraria Roca Ltda., 1986. 4. Hungria H. Otorrinolaringologia. 6 ed., Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1991.

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5. Hoeve L et al. Foreign body aspiration in children. The diagnostic value of signs, symptoms and pre-operative examination. Clin Otolaryngology 1993 Feb; 18(l): 55-7. 6. Kubo T et al. Efficacy of defibrinogenation and steroid therapies on sudden deafness. Arch Otolaryngol Head Neck Surgery 1988; 114: 649-52. 7. Lee KJ. Essential Otolaryngology. 6 ed., Norwalk-Connecticut: Appleton & Lange, 1995. 8. Martin H, Martin CH. Les surdités brusques. Encyclopédie Médico-Chirurgicale 20183 A10-5, 1982. 9. Otacílio & Campos. Tratado de Otorrinolaringologia. 1 ed., São Paulo: Editora Roca Ltda., 1994. 10. Soboczynsky A et al. The problem of lower respiratory tract foreign bodies in children. Acta Otorhinolaryng BeIlg 1993; 147(4): 443-7. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 40 - Asma Ciro José Buldrini Filogonio José Carlos Serufo I. Conceito. Em 1962, a Sociedade Americana do Tórax definiu a asma como “doença caracterizada por resposta aumentada da traquéia e dos brônquios a diversos estímulos e que se manifesta por estreitamento generalizado das vias aéreas inferiores, cuja gravidade se altera espontaneamente ou em resposta ao tratamento”. A moderna abordagem terapêutica modificou substancialmente este conceito durante a última década, à medida que a asma passou a ser considerada como uma doença inflamatória. A síndrome resulta de estreitamento das vias aéreas (broncoconstrição), aumento de secreções, infiltrado inflamatório e edema brônquico, que levam à obstrução do fluxo de ar, de caráter reversível, exceto na asma crônica. O episódio asmático pode ser progressivo, com possibilidade de comprometer a função respiratória em graus variados, a ponto de colocar a vida em risco. A história de crises recorrentes de broncoconstrição intercaladas com períodos livres de sintomas é peculiar à doença. Embora a ventilação alveolar não seja uniforme, a reação inflamatória é ampla e generalizada, distribuída através dos segmentos pulmonares de tal modo que, se os sinais físicos são localizados e assimétricos, provavelmente não são devidos à asma. II. Epidemiologia. A asma é a doença crônica mais comum na infância, causa significativa de absenteísmo escolar e freqüente motivo de internação em hospital e unidade de tratamento intensivo. Com freqüência, o início da asma se dá na infância, tendendo a remitir no início da idade adulta, na maioria dos pacientes, e pode ocorrer em pessoas mais velhas. Em ambulatórios gerais de Pediatria a asma é responsável por 5% das consultas. Em serviços de urgência pediátrica, representa 16% dos atendimentos. Excluindo a gravidez, a asma foi a quarta causa de internação hospitalar em 1996 (350.000 internações) no Brasil, a primeira na faixa de 20-29 anos. Foram gastos em torno de 76 milhões de reais com essas internações, o que corresponde a 2,8% do gasto anual do SUS. Os custos indiretos (absenteísmo escolar, falta ao trabalho, morte precoce e, sobretudo, o sofrimento humano) são certamente muito maiores. A prevalência da asma aumenta a partir do primeiro ano de idade e atinge o máximo entre 7 e 9 anos, começando a declinar, de modo que por volta dos 30 anos 70% dos pacientes estão livres dos sintomas, a maioria antes mesmo dos 20. Geralmente são crianças portadoras de alergia, com outras manifestações atópicas, como rinite, conjuntivite e eczema. A atopia é o fator predisponente mais forte para o desenvolvimento da asma. A partir dos 50 anos, a prevalência começa novamente a aumentar, atingindo novo pico aos 60-65 anos. Esses pacientes têm asma mais persistente, com maior tendência à cronicidade, e o componente alérgico, quando presente, quase sempre não é o mais importante. 421

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Em 1982, a British Thoracic Association publicou observações a respeito de 90 mortes por asma ocorridas na Inglaterra. O erro na avaliação da gravidade, por parte dos próprios pacientes ou de seus familiares, ocorreu em 67 casos. Dos 36 pacientes que foram vistos pelo clínico, apenas nove receberam tratamento correto, e em 25 o tratamento de emergência foi inadequado. Embora tenha ocorrido redução da mortalidade na década de 70, houve aumento de 10% nos anos 80. Neste mesmo período a prevalência da asma aumentou em 29%. Estes dados levam a duas importantes reflexões: primeira — a asma pode matar se não tratada prontamente; segunda — a situação no Brasil não é diferente, e é bem provável que seja mais grave. No nosso país ocorrem anualmente 2.000 óbitos por asma, 70% dos quais durante a hospitalização, representando 0,8% de todos os óbitos. Seja qual for a gravidade, a asma é doença inflamatória crônica das vias aéreas que provoca hiper-reatividade dessas vias, e isto tem implicações para sua prevenção, para o diagnóstico e para seu manejo. Vale salientar que a maioria das mortes ocorre por tratamento insuficiente, com o médico entrando tardiamente com medicação antiinflamatória e o paciente ou os familiares confiando exageradamente nos broncodilatadores. III. Classificação da Asma (Quadro 40-1). A asma pode ser classificada clinicamente em extrínseca e intrínseca, embora 80% tenham achados comuns aos dois grupos. A asma extrínseca é caracterizada por alergia bemdefinida a antígenos inalados, história familiar de asma brônquica (50%), história pregressa de ocorrência de outras alergias (mais de 50%). A asma intrínseca usualmente inicia-se após os 30 anos, é mais grave, evolui mais freqüentemente com a forma persistente e cursa com mais episódios de status asthmaticus. O teste alérgico é negativo, e o nível de IgE é normal ou baixo. Algumas formas extrínsecas, como a induzida por ácido acetilsalicílico, comportam-se como intrínsecas. A classificação da asma quanto à intensidade e freqüência é difícil, devido à sua grande variabilidade. Em geral, as crises são classificadas como leves, moderadas e graves. A asma pode ainda ser aguda ou crônica, lábil, persistente e asfixiante. Na asma lábil há grande variação circadiana da função pulmonar. A asma persistente crônica é caracterizada, na prática, pelo consumo de dois ou mais tubos de broncodilatadores por mês e pelo uso de corticóide oral. O termo status asthmaticus, atualmente pouco utilizado, se refere à exacerbação da asma com quadro clínico persistente, contínuo, refratário ao tratamento adequado com drogas adrenérgicas e teofilina, com piora progressiva e tendência a evoluir para insuficiência respiratória aguda.

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A asma asfixiante (asma potencialmente fatal ou asma com risco de vida) se caracteriza por hipercapnia progressiva, necessitando de intubação traqueal e suporte ventilatório de urgência. IV. Etiopatogenia. Do ponto de vista funcional, a asma é caracterizada por obstrução brônquica difusa, ventilação alveolar não-uniforme e aumento da resistência das vias aéreas secundárias aos seguintes fatores: broncoconstrição, edema da mucosa brônquica, acúmulo de secreções, com formação de rolhas de muco e o chamado remodelamento das vias aéreas que são alterações estruturais na matriz das vias aéreas decorrentes da inflamação intensa e de longa duração. A inflamação brônquica é o fator etiopatogênico mais importante, presente na asma de início recente, nos portadores de formas leves e mesmo nos assintomáticos. A resposta inflamatória tem características especiais, pois há infiltração eosinofílica, degranulação de mastócitos, lesão intersticial da parede brônquica e ativação de linfócitos Th2 produtores de linfocinas (interleucinas 4 e 5), todos responsáveis pelo desencadeamento e manutenção do processo inflamatório. A associação destes fatores causa alteração da relação ventilação/perfusão, que leva à hipoxemia e, esta, à acidose metabólica. Evoluindo sem tratamento adequado, o paciente pode chegar à exaustão respiratória, surgindo acidose respiratória, que, associada à acidose metabólica já mencionada, é responsável pela resistência medicamentosa. Portanto, não controlada, a asma poderá tornar-se crônica, com limitação permanente do fluxo aéreo, levar à limitação física e social e causar a morte por ataques graves. V. Fatores Precipitantes da Crise Asmática. Geralmente, se associam um ou mais dos seguintes fatores: A. Infecções: mais freqüentemente, infecções viróticas do trato respiratório. A Chlamydia pneumoniae tem sido associada à crise asmática, inclusive em pacientes sem história prévia. B. Caracteres imunoalérgicos individuais: mediadores (histamina, leucotrienos, prostaglandinas); resposta colinérgica excessiva; resposta beta-adrenérgica reduzida. C. Fatores físicos e químicos: ar frio, material particulado, fumaça de tabaco, SO2, umidade, aditivos químicos. D. Agentes farmacológicos: betabloqueadores, inibidores das prostaglandinas (aspirina, antiinflamatórios não-hormonais), penicilina. E. Psicogênicos. F. Exercícios físicos. 423

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G. Interrupção da corticoterapia e dos broncodilatadores. H. Tratamento inadequado: uso abusivo de simpaticomiméticos em aerossol, doses subterapêuticas de beta-2-agonistas e corticóides. VI. Quadro Clínico. O paciente em crise asmática é ansioso, dispnéico (apresentando, principalmente, dificuldade expiratória) e prefere a posição sentada, numa tentativa de melhorar sua ventilação alveolar pelo uso dos músculos acessórios da respiração. A cianose pode ou não estar presente. A taquicardia é freqüente, assim como a tendência à hipertensão sistólica. As jugulares podem ficar ingurgitadas à expiração. Tosse pode estar presente, com expectoração de aspecto variável, dependendo da presença ou não de processo infeccioso secundário. Sudorese fria é notada na face, no tronco e nas extremidades. A presença de pulso paradoxal indica quadro grave. O diagnóstico em crianças abaixo dos 3 anos é dificultado pela impossibilidade de se realizarem as provas funcionais pulmonares de rotina. Algumas crianças têm como único sintoma tosse crônica ou recorrente, e muitos autores consideram que três ou mais episódios de sibilância ou dispnéia são suficientes para o diagnóstico de asma. Tosse, sibilância e dificuldade respiratória estão entre os sintomas mais freqüentemente associados a outras doenças nessa faixa etária. O diagnóstico clínico de asma deve ser sempre considerado na presença de manifestações recorrentes de dispnéia, chiados, aperto no peito e tosse, principalmente à noite e nas primeiras horas da manhã. Se são identificados desencadeantes das crises (alérgenos, irritantes, esforço físico, medicamentos) e se há alívio com broncodilatadores, o diagnóstico se impõe. Na impossibilidade de se realizar espirometria (ver adiante), dois ou mais ataques aliviados por broncodilatador são suficientes para o diagnóstico. A ausculta do tórax durante o ataque revela respiração dificultosa e expiração prolongada, com sibilos bilaterais. Contudo, nos casos mais graves, o ar circula tão lentamente através das vias aéreas que os sibilos tornam-se leves, ou mesmo desaparecem, resultando no tórax silencioso da asma, de extrema gravidade. Evidentemente, a diminuição dos sibilos pode significar também melhora do quadro respiratório em decorrência do tratamento. A crise asmática não tratada adequadamente pode evoluir para insuficiência respiratória aguda, caracterizada inicialmente por intensa dispnéia, culminando com exaustão respiratória, movimentos respiratórios débeis e de baixa amplitude, confusão mental, sonolência, desorientação e coma. VII. Exames Laboratoriais A. Espirometria. Estudos sofisticados da função pulmonar raramente são necessários. A espirometria é recomendada na avaliação inicial da maioria dos pacientes com suspeita de asma, o diagnóstico sendo confirmado pela presença de obstrução ao fluxo aéreo, que desaparece ou melhora significativamente após broncodilatação. As medidas da capacidade 424

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vital forçada (CVF) e do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) fornecem informações sobre a intensidade da crise e sobre a resposta terapêutica. É, sem dúvida, o exame complementar mais importante. Antes do início do tratamento de uma crise no adulto, o VEF1 é habitualmente menor do que 1.500 ml. Se a terapêutica for bem-sucedida, haverá aumento de 500-700 ml em relação à observação inicial. Indica-se hospitalização quando o VEF1 é inferior a 400 ml no adulto. O VEF1 abaixo de 25% do normal está relacionado com PaCO2 > 45 mmHg e indica emergência. Outro teste importante e facilmente realizável é o do pico do fluxo expiratório (peak flow), cujo resultado imediato é dado em litros/minuto. Os valores variam com o sexo, a idade e a altura do paciente. Não exigindo grande esforço para sua execução, ele tem a vantagem de não agravar o broncoespasmo, o que pode ocorrer quando da realização do VEF1. No adulto, valores abaixo de 200 l/min indicam crise grave. É interessante observar que a piora da asma pode ser detectada 24-48 horas antes da percepção pelo próprio paciente, quando medidas do peak flow são feitas diariamente. Para o seguimento em ambulatório e na avaliação da eficácia do tratamento, o peak flow, embora menos sensível do que o VEF1, geralmente é suficiente para dar segurança ao médico e tranqüilidade ao paciente sobre o real controle da doença, na maioria dos casos. B. Gasometria. Importante no acompanhamento do asmático grave, não é necessária sua realização nos quadros moderados e leves. No período entre as crises, a gasometria é normal. No início da crise, ocorrem hipoxemia discreta (PaO2 de 60-70 mmHg) e alcalose respiratória, com diminuição da PaCO2 (< 30 mmHg) e aumento do pH (> 7,45). Nas horas seguintes, com a evolução da crise, ocorre queda maior da PaCO2, às vezes com valores abaixo de 20 mmHg. A compensação metabólica da alcalose respiratória faz com que o bicarbonato sérico caia para abaixo de 24 mEq/l e o pH tenda à normalidade. Se a crise piora, o paciente começa a entrar em exaustão e diminui sua ventilação. Assim, a PaCO2 começa a voltar ao normal, e o pH cai. Portanto, pH menor do que 7,35 com PaCO2 maior do que 45 mmHg indica hipoventilação alveolar e mau prognóstico. A PaO2 pode cair para níveis de 50 mmHg ou menos. Se persistir o quadro e a PaCO2 atingir 60 mmHg ou mais, tem-se uma emergência clínica (asma potencialmente fatal), e deve ser instituída ventilação mecânica. A presença de acidose metabólica reforça a indicação de intubação traqueal e ventilação mecânica. C. Raios X de tórax. Em casos de asma não-complicada, são confirmadas a hiperinsuflação pulmonar, o abaixamento das cúpulas diafragmáticas e o aumento dos espaços retroesternal, retrocardíaco e intercostais. Nos períodos assintomáticos (intercrises), a hiperinsuflação é muito discreta ou ausente. A radiografia de tórax é mais indicada quando se suspeita de barotrauma — dor torácica, pneumomediastino, enfisema subcutâneo, instabilidade cardiovascular, sons respiratórios assimétricos (pneumotórax) —, e nos casos submetidos à ventilação mecânica. 425

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A radiografia do tórax é mais indicada nos casos submetidos à ventilação mecânica e quando se suspeita de barotrauma ou de infecção. O barotrauma deve ser suspeitado em casos de dor torácica, pneumomediastino, enfisema subcutâneo, instabilidade cardiovascular ou sons respiratórios assimétricos (pneumotórax). A presença de condensações indica a necessidade de diagnóstico diferencial entre infecção e atelectasia, esta causada por tampões mucosos ou corpos estranhos, especialmente na infância. D. Outras radiografias. O estudo radiológico dos seios da face deve ser realizado na presença de obstrução nasal persistente com ou sem dor facial, secreção nasal purulenta, gotejamento retronasal e anosmia. O estudo radiológico do esôfago está indicado nos pacientes com suspeita de refluxo gastroesofágico. E. Leucograma. Geralmente é normal ou com aumento global discreto, mostrando graus variáveis de eosinofilia, especialmente nas crianças. Cumpre lembrar que, além das infecções, existe sempre a possibilidade dos efeitos de medicamentos, sobretudo corticosteróides e beta-adrenérgicos, no leucograma. F. Ionograma. Deve ser realizado antes que se faça reposição maciça de líquidos, e repetido de acordo com os valores do resultado anterior, para orientar a reposição adequada dos eletrólitos. A teofilina, pelo seu efeito diurético, e os beta-adrenérgicos, atuando na bomba de potássio, podem causar hipopotassemia. G. Citologia da secreção brônquica. A eosinofilia da secreção brônquica ocorre com freqüência e apresenta maior relação com a asma do que a eosinofilia do sangue periférico. Trata-se de exame simples e de baixo custo, podendo ser útil no diagnóstico diferencial e no diagnóstico de infecções concomitantes. H. Testes cutâneos e determinação de IgE específica in vitro. Os testes cutâneos são de fácil execução, sendo os de puntura mais específicos do que os intradérmicos. A presença de teste cutâneo positivo para determinado alérgeno em paciente com história de asma por ele desencadeada permite identificá-lo como um dos agentes etiológicos da asma e estabelecer terapêutica mais precisa. Quando esses testes são negativos com história sugestiva de alergia, ou o paciente faz uso de anti-histamínicos continuamente, quando há dermografismo intenso ou dermatite atópica extensa, os testes in vitro para a determinação de IgE estão indicados. VIII. Aspectos Essenciais na Abordagem do Paciente Asmático A. História pregressa. Antecedentes de asma, pneumonias, bronquites, rinites, sinusites e alergias. Presença de fumantes em casa e no ambiente de trabalho. B. História familiar. Asma, rinite e alergias, sobretudo nos avós, pais e irmãos. C. Dados ambientais e relação com as crises. Animais dentro de casa, indústrias nas proximidades; relação das crises com a época do ano; relação das crises com frio, 426

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exercícios físicos, dia/noite, poeira, mofo, medicamentos (aspirina, antiinflamatórios nãohormonais, betabloqueadores, inibidores da enzima conversora da angiotensina), fumaça de cigarro, agrotóxicos, pesticidas. D. Caracterização das crises. Data da primeira crise; quantas crises por ano; descrição das crises, especialmente a última; duração e evolução das mesmas; respostas aos medicamentos; efeitos colaterais de medicamentos; internações. Os intervalos entre as crises são assintomáticos? E. Exames complementares já realizados. Espirometria, hemograma, citologia e bacteriologia de escarro, PPD; radiografias do tórax, dos seios da face e do esôfago; tomografia computadorizada do tórax; broncoscopia. F. Aspectos sociais e psicológicos. Impacto da doença sobre a família; impacto da asma sobre o doente (escola, esportes, trabalho, sono, relacionamentos); situação socioeconômica da família; relação das crises com períodos de aula e de férias. G. Investigar uso de medicamentos que podem precipitar crises de asma. O ácido acetilsalicílico causa crise asmática em até 10% dos asmáticos. Os demais antiinflamatórios não-hormonais também podem precipitar crises de asma. O propranolol e outros betabloqueadores utilizados no controle da hipertensão e da angina podem também ser agentes causais. Os inibidores da enzima conversora da angiotensina (captopril, enalapril e similares), embora não estejam associados com precipitação de crise asmática, podem causar crises de tosse em 10-20% dos casos e dificultar o diagnóstico. IX. Diagnóstico Diferencial Dispnéia e broncoconstrição são comuns em várias anormalidades cardiopulmonares. Às vezes, o diagnóstico de asma oferece dificuldade, sendo necessárias gasometria de urgência e espirometria pré e pós-broncodilatação com beta-2-adrenérgicos em aerossol. Nesses casos, o diagnóstico de asma é confirmado quando os aumentos de VEF1 e/ou do peak flow estiverem acima de 10% do valor previsto. No enfisema e nas demais obstruções crônicas do fluxo aéreo pulmonar, a prova broncodilatadora fica abaixo desse limite. No adulto, elevações maiores do que 300 ml sugerem mais asma do que doença pulmonar obstrutiva crônica. O tromboembolismo pulmonar, caracterizado clinicamente por dispnéia súbita com graus variados de repercussão hemodinâmica, hipoxemia e hipocapnia, não acarreta alterações significativas da espirometria. Ele deve sempre ser lembrado em pacientes idosos, recémoperados, cardiopatas, portadores de insuficiência venosa periférica e, especialmente, naqueles sem história pregressa de asma. Merecem atenção especial os quadros de tosse produtiva que se prolongam por mais de três ou quatro semanas, como acontece nas bronquites e sinusites. O primeiro episódio de 427

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broncoespasmo que ocorre antes dos 2 anos de idade, geralmente caracterizado como bronquiolite, com freqüência evolui para a asma clássica. A obstrução brônquica por tumores ou corpos estranhos pode ser esclarecida por meio da radiografia de tórax ou, nos casos de dúvida, por tomografia computadorizada e broncoscopia. O edema pulmonar agudo e a inalação de agentes irritantes apresentam achados radiológicos pulmonares semelhantes, apesar de a história e o exame clínico permitirem fácil diferenciação. Nos primeiros anos de vida, infecções do trato respiratório por vírus e Chlamydia sp podem causar sintomas de obstrução de vias aéreas semelhantes aos da asma. Episódios recorrentes de tosse e chiados associados a infecções bacterianas chamam a atenção para a possibilidade de outras doenças concomitantes, particularmente nos jovens, como fibrose cística e imunodeficiência. X. Tratamento Geral da Asma A. Instruções gerais. O objetivo do tratamento é permitir que o asmático e sua família tenham a vida mais normal possível. Para isso, é necessário orientá-los sobre a natureza da asma, os principais fatores precipitantes das crises, como identificar a gravidade de uma crise e usar corretamente a medicação. Como acontece com as doenças crônicas, também na asma existem inúmeros tratamentos alternativos e ineficazes. Por isso, a confiança no médico e no tratamento indicado são fundamentais, evitando-se a grande ansiedade que, via de regra, leva o doente e sua família à procura de tratamentos destituídos de qualquer base científica. Sabendo que muitas vezes os problemas emocionais são muito mais decorrentes da falta de controle da asma do que sua causa, deve-se ressaltar a importância do médico atuando como agente psicoterapêutico, aliviando a ansiedade do paciente e de sua família. Contudo, poderá ser necessário contar com apoio especializado nos casos em que distúrbios emocionais importantes forem identificados, independentemente da gravidade da asma. O controle dos fatores ambientais, sobretudo no quarto de dormir, evitando-se a exposição a fumaças de cigarro, inseticidas, desinfetantes domiciliares e aos principais alérgenos, como a poeira de casa, o ácaro, o mofo, os pêlos e as penas, é medida geralmente simples e eficaz que nunca deve ser esquecida, independentemente da causa da asma. B. Hidratação e correção da acidose. A hidratação do asmático é orientada no sentido de manter o paciente o mais próximo possível do balanço hídrico normal, evitando a administração excessiva de líquidos, tanto quanto a desidratação. A diminuição da ingestão de líquidos, o aumento da perda insensível de água, os vômitos e o efeito diurético da aminofilina podem levar a graus importantes de desidratação, com aumento da viscosidade da secreção brônquica e agravamento da obstrução das vias aéreas. Se presente, deve ser imediatamente corrigida, até o estabelecimento de débito urinário adequado. A partir daí é necessária a monitoração cuidadosa da infusão de líquidos, diurese, dos níveis séricos de eletrólitos e da osmolaridade, para se prevenir a 428

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hiperidratação e para detecção precoce de sinais de intoxicação hídrica, devido à secreção inapropriada de hormônio antidiurético. A crise asmática grave acompanha-se de aumento da pressão negativa intrapleural, podendo favorecer o aumento de fluido no espaço intersticial próximo aos bronquíolos. Este fato, associado à hiperidratação, predisporia ao edema pulmonar. Com freqüência, os pacientes em status asthmaticus (75% dos menores de 4 anos) apresentam acidose metabólica e cetonemia, que podem levar à má resposta às catecolaminas e refratariedade ao tratamento. Para prevenção destas complicações e maior eficácia do tratamento, é importante acompanhar o balanço hídrico, o pH e os gases arteriais. Entretanto, o uso de bicarbonato, na ausência de ventilação adequada, pode resultar em aumento indesejável da PaCO2 e no agravamento da insuficiência respiratória. C. Imunoterapia. A imunoterapia é uma possibilidade terapêutica que só deve ser utilizada quando o paciente for comprovadamente alérgico a, no máximo, dois alérgenos inevitáveis, como o ácaro da poeira de casa e os pólens, sempre em conjunto com as demais medidas de tratamento, quando estas se mostrarem insuficientes. Ela visa a reduzir a liberação de mediadores farmacológicos e a hiper-reatividade brônquica. A imunoterapia deve utilizar antígenos padronizados sob supervisão de profissional experiente, realizada em local com infra-estrutura que permita o atendimento de eventuais reações anafiláticas. Está contraindicada na presença de obstrução crônica do fluxo aéreo (VEF1 abaixo de 70% do previsto), na crise aguda, na gravidez, nas imunodeficiências e em pacientes que fazem uso de medicamentos que dificultam a resposta ao tratamento da anafilaxia, como é o caso dos betabloqueadores. Não há indicação de imunoterapia com alérgenos alimentares, extratos microbianos e pêlos de animais. Neste último caso, é preferível remover os animais de dentro de casa. D. Fisioterapia. A fisioterapia pode colaborar para melhorar o condicionamento físico e respiratório, com resultados positivos, especialmente nos pacientes fisicamente debilitados. A vibração da parede torácica e a drenagem postural são úteis para mobilizar secreções, facilitando a expectoração e prevenindo atelectasias. No entanto, a pequena disponibilidade de serviços para atender a população geral faz com que a prescrição de caminhada para adultos e idosos, e de esportes para as crianças e jovens, seja a recomendação mais prática. As medidas que facilitam o relaxamento e o controle de fatores emocionais podem ajudar a aliviar os sintomas. Para serem eficazes, requerem treinamento nos períodos entre as crises. O pânico tende a aumentar a freqüência respiratória e aumentar a broncoconstrição. Algumas posições facilitam o relaxamento e a respiração abdominal. Por exemplo, com o paciente assentado, apoiando a cabeça, ombros e membros superiores num travesseiro sobre a mesa, respirando lenta e profundamente, procurando soprar na expiração, há maior conforto e, quando a crise se prolonga, é possível dormir nesta posição. XI. Tratamento Farmacológico da Asma.

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Os medicamentos utilizados no tratamento da asma podem ser divididos em dois grupos: os broncodilatadores e os antiinflamatórios. A ênfase do tratamento medicamentoso é dirigida para a reversibilidade da obstrução das vias aéreas e para a hiper-reatividade brônquica. Os broncodilatadores têm seu uso descrito desde o início do século, quando se passou a utilizar a adrenalina e outras substâncias simpaticomiméticas não-específicas. A adrenalina ainda é opção sobretudo em crianças, por via subcutânea. Posteriormente, surgiram o isoproterenol e o metaproterenol, que são agentes agonistas beta-1 e beta-2, usados em larga escala nas décadas de 50 e 60, e atualmente não mais empregados devido ao grande efeito colateral sobre o sistema cardiovascular. Esses foram os primeiros medicamentos com apresentação em aerossol acondicionados em frascos pressurizados, em doses fixas, conhecidos popularmente como “bombinhas”. Na década de 50 foi detectado aumento na prevalência de morte por asma, atribuído ao uso abusivo dessas drogas. Muitas dessas mortes, na realidade, decorreram da confiança exagerada nas “bombinhas”, tanto por parte dos pacientes como dos médicos, que, por vezes, recorriam tardiamente aos corticosteróides. Além dos beta-agonistas, as xantinas também são empregadas há várias décadas, muitas vezes associadas aos beta-adrenérgicos, com o intuito de aumentar a broncodilatação. A. Broncodilatadores 1. Simpaticomiméticos. A adrenalina e a terbutalina podem ser utilizadas por via subcutânea. Por via inalatória, são utilizados o fenoterol, o salbutamol, a terbutalina e o salmeterol, agonistas beta-2 seletivos. Eles relaxam a musculatura brônquica, aumentam o transporte mucociliar, diminuem a permeabilidade vascular e modulam a liberação de histamina e demais mediadores da reação alérgica tipo I. Raramente se administram simpaticomiméticos por via endovenosa, pois eles podem provocar grandes efeitos sistêmicos, sendo o risco de hiperestimulação cardíaca o principal. Todos esses medicamentos apresentam efeitos colaterais, e mesmo os estimuladores beta-2 mais potentes e seletivos podem provocar alterações importantes nos sistemas cardiovascular e neurovascular; usados por inalação, e corretamente, os efeitos colaterais são menores. A inalação pode ser feita através de inaladores pressurizados com doses fixas (“bombinhas”) ou de nebulizadores, quando se dilui a solução própria para nebulização em solução fisiológica. As doses recomendadas, a via de aplicação e os efeitos dos principais simpaticomiméticos estão no Quadro 40-2. 2. Anticolinérgicos. Representam a mais antiga forma de terapia broncodilatadora na asma. Quando inalados, produzem broncodilatação, pela redução do tônus vagal intrínseco das vias aéreas, e bloqueiam a broncoconstrição causada por irritantes inalados, mas não bloqueiam a causada pelo exercício físico. A atropina é o protótipo deste grupo, mas raramente é usada, devido aos seus efeitos colaterais, como irritabilidade, ressecamento das mucosas, visão borrada, taquicardia e arritmias em cardiopatas. São contra-indicados nos portadores de hiperplasia prostática e de glaucoma. O anticolinérgico usado no nosso meio é o brometo de ipratrópio, que, inalado, graças à sua baixa absorção, não causa efeitos atropínicos de importância. Por via inalatória, em tubos 430

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pressurizados, é usado na dose de um a dois jatos de 20 mg, três a quatro vezes por dia. Por nebulização, em crianças com peso abaixo de 10 kg, usa-se 0,050 a 0,125 mg/dose, e em crianças acima de 10 kg, 0,125 a 0,250 mg/dose, três a quatro vezes por dia da solução a 0,025%. Normalmente são utilizados em associação com os agonistas beta-2. 3. Metilxantinas. A teofilina e a aminofilina (teofilina-etilenodiamina) são as principais metilxantinas utilizadas no tratamento da asma. Embora seu mecanismo de ação não esteja inteiramente esclarecido, a teofilina prolonga a duração celular do 3,5-AMP cíclico, potencializando a broncodilatação e interferindo na liberação de mediadores que causam a broncoconstrição. As metilxantinas são úteis tanto no tratamento de manutenção do paciente, por via oral ou retal, como no controle da crise asmática, por via endovenosa; não têm ação por via inalatória, e os supositórios, irritantes para a mucosa retal, são absorvidos de maneira irregular. Além da broncodilatação, os compostos de teofilina têm outras ações e efeitos colaterais, como estimulação do SNC e da secreção gástrica, relaxamento da musculatura lisa vascular, ação diurética moderada e ações cardíacas inotrópicas. Em pacientes epilépticos, eles podem induzir convulsões. Pelo efeito vasodilatador, podem ocorrer hipotensão e, ocasionalmente, síncope durante a administração EV, enquanto os efeitos cardíacos, embora benéficos em pacientes com insuficiência cardíaca, podem dar origem a taquicardia, arritmias e até morte. Sempre que possível, seus níveis séricos devem ser determinados e mantidos entre 5 e 15 mg/ml. Portanto, será sempre importante verificar se o paciente está recebendo outro medicamento que contenha essa droga, devido ao risco de intoxicação. a. Dose de ataque. (1) Aminofilina — 5-6 mg/kg, injeção endovenosa lenta (15-20 minutos), se não foi usada nas últimas 24 horas. Caso tenha sido usada e não apresente sinais de toxicidade, 2,5-3 mg/kg. (2) Teofilina — dose de aminofilina ö 0,8. b. Dose de manutenção. Deve-se manter o nível sérico de teofilina em torno de 15 mg/ml. O acréscimo de 1 mg/kg de teofilina na dose de ataque aumenta o nível sérico de 0,2 mg/ml. As complicações da teofilina e da aminofilina estão diretamente relacionadas à concentração sérica da droga. Níveis acima de 25 mg/ml estão associados a náuseas, vômitos, diarréia, irritabilidade e insônia. Efeitos adversos mais graves, como arritmias cardíacas, hipotensão e convulsões, estão geralmente associados com concentrações séricas acima de 35 mg/ml e com administração endovenosa rápida, particularmente por cateter venoso central. O nível sérico deve ser dosado diante da suspeita de intoxicação e a cada dois a três meses, naqueles pacientes em uso contínuo de doses relativamente altas de teofilina. Em crianças, usando preparado de liberação lenta, dosa-se quatro a seis horas após a administração, e em adultos, entre seis e oito horas. A resposta e a tolerância individuais são tão amplas que há pacientes que apresentam bons resultados com nível 431

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sérico de 5 mg/ml, enquanto outros permanecem sintomáticos com nível acima de 25 mg/ml. Deve-se, portanto, lembrar que o objetivo não é ajustar o nível sérico, mas tratar o paciente asmático. Em vista das dificuldades em nosso meio para controle laboratorial dos níveis de teofilina, sugere-se o uso das taxas de infusão apresentadas no Quadro 40-3. O Quadro 40-4 mostra os medicamentos que alteram o metabolismo da teofilina. No Quadro 40-5, os fatores que alteram o metabolismo da teofilina. B. Antiinflamatórios 1. Corticóides. Os corticóides são os mais potentes redutores da hiper-reatividade brônquica, representando o principal grupo de medicamentos usados no tratamento da asma, contribuindo significativamente na redução da morbidade dessa doença. Embora os mecanismos de ação ainda não estejam totalmente esclarecidos, sabe-se que eles inibem a síntese e a liberação de mediadores, incluindo histamina, bradicinina, prostaglandinas e fator quimiotáxico dos eosinófilos e dos neutrófilos, inibem o mecanismo colinérgico, potencializam a ação de AMP-cíclico e têm efeito relaxante direto sobre a musculatura lisa. Exercem atividade antiinflamatória, ao impedir a liberação de ácido araquidônico da membrana fosfolipídica, aumentando a síntese de proteínas inibidoras da atividade da fosfolipase A e da formação de leucotrienos e prostaglandinas, que são potentes mediadores da contração muscular brônquica. Os antiinflamatórios aumentam a disponibilidade de catecolaminas e diminuem a migração e a ativação das células inflamatórias. O succinato sódico de hidrocortisona é a droga padrão para terapia parenteral, e a prednisona, para uso oral. Eles são indicados quando existe grave obstrução ao fluxo de ar (VEF1 menor do que 40% do normal) e quando falham outras medidas com 8-12 horas de tratamento. Nos casos de pacientes que já fizeram uso prévio de corticóides, deve ser usado no início do tratamento. Não há evidência de que o uso por períodos inferiores a duas semanas esteja associado a reações adversas sérias. Entretanto, os efeitos adversos com o uso prolongado (vários meses) incluem: aumento da suscetibilidade às infecções, supressão do eixo hipotalâmicopituitário-adrenal, desmineralização óssea, retardo do crescimento, osteoporose, hiperglicemia, miopatia, retenção de sódio, hipertensão arterial sistêmica, adelgaçamento da pele, catarata, fragilidade das veias e obesidade. Novos medicamentos ou apresentações têm sido lançados, como deflazacort e a prednisolona. O deflazacort acarreta menos efeitos colaterais, sendo indicado sobretudo quando há maior risco de osteoporose ou de diabetes. A prednisolona em solução oral facilita o uso em crianças. As apresentações, doses recomendadas e vias de administração estão no Quadro 40-6. Para os pacientes nos quais a doença impõe um comprometimento maior das atividades com tolerância diminuída ao esforço físico, prejuízo do sono e da freqüência escolar ou do 432

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trabalho, pode ser necessária a adição de teofilina de ação prolongada. Deve-se considerar a dificuldade do tratamento com aerossol adrenérgico, da sintomatologia durante o sono e no início da manhã. Isto também se aplica ao cromoglicato de sódio, que, como os demais aerossóis, tem eficácia de cerca de seis horas. Uma minoria dos pacientes poderá desenvolver grau de sintomas incompatível com a vida normal, apesar de todo o esforço no sentido de obter uma terapia medicamentosa ideal e investigar o papel de fatores alérgicos e psicossociais. Este grupo é candidato ao uso regular de corticóides (Quadro 40-6). Isto se ajusta ao crescente reconhecimento do papel da inflamação das vias aéreas como importante contribuinte na manutenção dos sintomas, não se justificando por parte do médico qualquer relutância na prescrição desta medicação, que tem efeitos adversos evitáveis e que representa ameaça bem menor do que a asma para o bem-estar desses pacientes. Uma vez tomada a decisão, a droga de escolha seria a prednisona por 7-10 dias, como se estivesse tratando de uma crise. A seguir, opta-se pela sua continuação em dias alternados, ou esteróides por inalação. Na primeira opção, duplicase a dose diária que se mostrou eficiente e administra-se pela manhã, a cada 48 horas. Após 10-14 dias são feitas reduções por decréscimos de 5 mg, até quando a dose estiver próxima de 15 mg, e, em seguida, reduções de 2,5 mg, até a retirada ou a dose de manutenção. Muitos pacientes obtêm controle satisfatório da asma com doses de 5-20 mg de prednisona em dias alternados. A maioria dos efeitos colaterais pelo uso de corticóides, todos relacionados com dose e intervalo, pode ser evitada usando-se o esquema de dias alternados. Após a “desobstrução das vias aéreas” com os corticóides sistêmicos, são introduzidos os esteróides por aerossol, quatro vezes ao dia, reduzindo-se gradualmente a dose, tanto quanto possível. Nos asmáticos em risco de vida, em uso de altas doses de corticóides e sem controle da doença, uma droga auxiliar pode ser a troleandomicina. Sua adição ao esquema de tratamento permite redução na dose de metilprednisolona, com diminuição dos efeitos adversos a longo prazo. É aceito que o efeito da troleandomicina seja de “favorecedor do esteróide” e específico para a metilprednisolona. A droga deve ser utilizada nos casos mais graves e criteriosamente sob orientação médica. 2. Cromonas a. Cromoglicato dissódico. Esta droga é virtualmente isenta de efeitos adversos. Embora o exato mecanismo de ação não seja inteiramente conhecido, ele impede a liberação de mediadores da resposta inflamatória e, a longo prazo, reduz a hiper-reatividade das vias aéreas. É mais eficaz em jovens com graus leves de asma. O uso profilático de cromoglicato é bastante útil nas crianças e nos jovens que estão sujeitos a crises de asma leve ou moderada precipitadas por infecções respiratórias virais, por exercícios físicos e por inalação de dióxido de enxofre (áreas de alta poluição atmosférica) ou de ar seco e frio.

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O cromoglicato é utilizado por inalação em cápsulas com spinhaler de 20 mg ou 2 ml da solução a 2%, quatro vezes ao dia, ou ainda por tubo pressurizado em jatos de 5 mg, quatro vezes ao dia, independentemente do peso. b. Nedocromil sódico. É semelhante ao cromoglicato, tanto em relação ao mecanismo de ação quanto à eficácia; apresentado em aerossol pressurizado com doses fixas de 2 mg, recomendando-se 4 mg duas a quatro vezes por dia, a partir dos 12 anos de idade. Alguns estudos têm mostrado que o nedocromil pode ser utilizado com sucesso na substituição das metilxantinas, permitindo até pequena redução na dose de corticóide inalado. Da mesma maneira que o cromoglicato, o nedocromil sódico é indicado para o tratamento de manutenção, e não para alívio dos sintomas agudos da crise asmática. O efeito antiinflamatório já é notado a partir do terceiro dia de uso. Os efeitos adversos mais comuns são gosto amargo, náuseas, vômitos, dor e irritação da garganta, cefaléia e tosse. 3. Cetotifeno. Além de ser um potente anti-histamínico, o cetotifeno inibe a reação imediata na asma induzida por alérgenos. Os melhores resultados são obtidos em crianças e jovens atópicos, observando-se mais claramente os benefícios após oito semanas de tratamento. O efeito colateral mais freqüente é a sedação, especialmente nas primeiras semanas, podendo ser necessária a redução da dose neste período. Em vista de seu efeito estimulante do apetite, as crianças asmáticas inapetentes são as que mais se beneficiam, recuperando o peso e tranqüilizando os pais. Em outros casos, porém, este efeito poderá tornar-se um problema, com surgimento de obesidade. Ele é usado por via oral em gotas, xarope ou comprimidos, duas vezes ao dia, na dose de 0,5 mg em crianças de 6 meses a 3 anos, e 1 mg a partir dos 3 anos ou 20 kg. 4. Antagonistas dos leucotrienos. Os leucotrienos, antes genericamente chamados de substância de reação lenta da anafilaxia (SRL-A), descoberta há 50 anos, são ácidos graxos biologicamente ativos, derivados do ácido araquidônico. Os leucotrienos cisteínicos (como o LTD-4) provocam recrutamento de eosinófilos, um dos eventos que caracterizam a reação inflamatória na asma. O primeiro antagonista de leucotrienos aprovado nos EUA foi o zafirlukast, que atua por via oral (20 mg bid) sobre o receptor de LTD-4. Esta droga atenua a resposta obstrutiva brônquica aguda a alérgenos e ao esforço físico e melhora o controle da asma crônica, tanto subjetiva quanto objetivamente (intensidade de sintomas, redução do uso de beta-agonistas, diminuição dos sintomas noturnos e aumento do VEF1), reduzindo a broncoconstrição e a migração de células inflamatórias. Outro medicamento dessa classe, já comercializado no Brasil, é o montelukast (Singulair®), com a vantagem de apenas uma dose diária, o que aumenta a aderência ao tratamento. Estudos com esses inibidores de leucotrienos sugerem que tais drogas parecem ser particularmente úteis para pacientes com asma induzida por aspirina. O zileuton, recentemente aprovado nos EUA, inibidor da síntese de leucotrienos, também é utilizado na profilaxia e tratamento de manutenção da asma crônica em adultos e crianças de 12 anos. Impede a conversão do ácido araquidônico em leucotrienos, inibindo o enzima 5-lipoxigenase. Requer quatro doses diárias, sendo hepatotóxico em 2 a 5% dos pacientes. 434

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No momento, o agente mais promissor no tratamento a longo prazo da asma leve e moderada é o montelukast, que pode ser administrado em pacientes a partir de 6 anos de idade, demonstrando efeitos aditivos aos corticóides inalados, o que permite a redução de suas doses e, em alguns casos, até a interrupção de seu uso, o que é especialmente interessante em crianças. C. Outras drogas e tratamentos utilizados na asma 1. Antibioticoterapia. Embora as infecções do trato respiratório superior sejam um importante fator precipitante de crises asmáticas, a maioria destas infecções é de natureza virótica, não necessitando de terapêutica antibacteriana específica. A antibioticoterapia deve ser reservada a pacientes com sinais e sintomas sugestivos de infecções bacterianas, tais como febre, leucocitose ou a presença de bactérias intracelulares em Gram de escarro. A presença de condensações broncopneumônicas na radiografia de tórax e evidências de sinusite ao exame físico ou radiográfico dos seios da face indicam prontamente a antibioticoterapia, na tentativa de controlar os fatores precipitantes e agravantes, reduzindo a morbidade da doença. Recomenda-se consultar os capítulos específicos sobre agentes antimicrobianos e infecções agudas do trato respiratório. 2. Antagonistas dos canais de cálcio. Têm efeito protetor na asma brônquica, por meio de ação relaxante da musculatura lisa. Constituem excelente medicação alternativa para o tratamento de portadores de hipertensão arterial sistêmica ou cardiopatia associadas à asma. 3. Sedativos. Não devem ser usados na crise aguda de asma. Podem deprimir a resposta do centro respiratório à hipoxemia e hipercarbia, mascarando os sinais clínicos de insuficiência respiratória. Diversos depressores do sistema nervoso central têm contribuído para casos fatais de asma. A agitação do asmático é mais bem tratada com broncodilatadores, antiinflamatórios e apoio psicológico e, eventualmente, com medidas invasivas, como intubação traqueal e ventilação mecânica. 4. Outras drogas. Em pacientes selecionados, sob supervisão de especialista, ocasionalmente pode ser útil o emprego de drogas como o metotrexato e a ciclosporina, nos casos de asma resistente a corticóide, com o intuito de reduzir a dose deste último. Outras drogas eventualmente utilizadas são a troleandomicina, a gamaglobulina endovenosa e o ouro parenteral. 5. Outras medidas. A broncoscopia com lavado broncoalveolar tem sido usada em casos de pacientes que, embora submetidos a todas as medidas recomendadas, inclusive ventilação mecânica, continuam em estado grave. O objetivo é retirar rolhas de muco impactadas nas vias aéreas inferiores. Não sendo um procedimento isento de riscos, sua utilização deve ser restrita. XII. Abordagem Terapêutica Seqüencial da Asma 435

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Os objetivos do tratamento são: prevenir a morte; prevenir a cronificação da asma; prevenir hospitalizações ou atendimentos de emergência; evitar efeitos colaterais das medicações; permitir crescimento normal das crianças; permitir o desempenho satisfatório de atividades escolares, profissionais, físicas e sociais. Tais objetivos são conseguidos mediante educação do paciente e de sua família para desenvolverem maior conhecimento e manejo mais adequado da asma. Deste modo, os efeitos colaterais dos medicamentos serão mais prevenidos, a obstrução irreversível das vias aéreas será menos freqüente, e a mortalidade certamente diminuirá. Se a intensidade da asma interfere no desempenho das atividades normais, deve-se iniciar medicação diária. Alguns asmáticos, por apresentarem certas características que os tornam pacientes com maior risco de mortalidade, devem ser identificados na emergência ou no ambulatório e receber tratamento agressivo. Tais características estão listadas no Quadro 40-7. Freqüentemente esses pacientes são transferidos para a UTI para receberem assistência ventilatória. As indicações de terapia intensiva são: (1) história de internação recente em UTI; (2) crise em uso regular de corticosteróides e broncodilatadores; (3) crise prolongada e grave; (4) arritmia cardíaca, cianose ou pulso paradoxal; (5) alterações da consciência, sinais de exaustão ou incapacidade para falar; (6) enfisema subcutâneo, pneumotórax, pneumomediastino; (7) crise asmática com tórax silencioso; (8) PaCO2 > 45 mmHg, PaO2 < 60 mmHg ou Sat O2 < 90% em uso de oxigênio, pH < 7,30; (9) VEF1 < 25% do previsto. O Quadro 40-8 possibilita acompanhar a evolução da insuficiência respiratória apenas com parâmetros clínicos. A suspeita clínica de insuficiência respiratória aguda é indicação de terapia intensiva. A abordagem a seguir se completa com os Quadros 40-2 e 40-6, que contêm as doses, apresentações e vias de administração das principais drogas. A. Asma aguda em crianças 1. Manejo domiciliar a. Controle ambiental e educação. b. Agonista beta-2 inalado a cada 20 minutos na primeira hora. c. Em lactentes, acrescentar ipratrópio na primeira dose de agonista beta-2. d. A seguir, agonista beta-2 inalado a cada quatro horas (cinco vezes ao dia), durante cinco dias. e. Se não houver boa resposta nas primeiras horas, acrescentar corticóide oral por três a cinco dias. 436

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f. Não havendo resposta, procurar pronto atendimento (PA). 2. Manejo ambulatorial em pronto atendimento a. Via subcutânea: adrenalina ou terbutalina a cada 20 minutos, até três vezes. b. Via inalatória: fenoterol, salbutamol ou terbutalina a cada 20 minutos na primeira hora. Adicionar ipratrópio na primeira dose. c. Avaliar a necessidade de oxigenoterapia. d. Havendo boa resposta, continuar com manejo domiciliar (itens d a f) e reavaliação em cinco dias. e. Não havendo boa resposta nas primeiras horas, iniciar aminofilina, salbutamol ou terbutalina por via venosa. f. Não havendo boa resposta em 6 a 12 horas, avaliar internação em enfermaria ou UTI. 3. Manejo hospitalar em enfermaria. Além das medidas já adotadas no pronto atendimento: a. Hidratação venosa, correção de eventual hipopotassemia, correção da acidose metabólica com bicarbonato de sódio. b. Salbutamol ou terbutalina EV. c. Aminofilina EV. d. Hidrocortisona ou metilprednisolona EV. e. Acompanhamento com objetivo de indicar terapia intensiva (ver texto). 4. Manejo hospitalar em UTI a. Rever, adequar doses e associações dos medicamentos em uso. b. Hidratação parenteral e correção dos distúrbios hidroeletrolítico e ácido-básico. c. Corticóide EV em dose alta. d. Oxigenoterapia. e. Intubação traqueal e ventilação mecânica. Evitar hiperinsuflação pelo risco aumentado de barotrauma. Os parâmetros de ventilação mecânica apropriados na crise aguda de asma estão no Quadro 40-9.

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B. Asma aguda em adultos 1. Manejo domiciliar a. Pacientes definidos no Quadro 40-7 devem ser hospitalizados. Na asma asfixiante, aplicar antes adrenalina SC. b. Agonista beta-2 inalado, cinco jatos ou 15-20 gotas da solução para nebulização (salbutamol ou fenoterol), repetindo após 30 minutos. c. A seguir, agonista beta-2 inalado, dois a cinco jatos, a cada quatro horas, ou manter a nebulização a cada quatro horas. d. Se a resposta não for boa em 24 horas, iniciar corticóide e procurar o pronto atendimento. 2. Manejo ambulatorial em pronto atendimento a. Via subcutânea: adrenalina ou terbutalina a cada 20 minutos, até três vezes. b. Via inalatória: fenoterol, salbutamol ou terbutalina a cada 20 minutos, na primeira hora. Adicionar ipratrópio na primeira dose. c. Avaliar a necessidade de oxigenoterapia. d. Se não houver boa resposta, iniciar medicação endovenosa: salbutamol ou terbutalina; aminofilina e corticóide. Internar em enfermaria ou UTI. 3. Manejo hospitalar em enfermaria a. Agonista beta-2 a cada uma a quatro horas e manutenção de medicação endovenosa: corticóide, aminofilina. b. Oxigenoterapia. c. Avaliação complementar: espirometria, radiografia de tórax, gasometria arterial, hemograma e ionograma. d. Reavaliações clínica e funcional freqüentes com o intuito de indicar terapia intensiva (item XII). 4. Manejo em UTI a. Rever, adequar doses e associações dos medicamentos em uso. b. Hidratação parenteral e correção dos distúrbios hidroeletrolítico e ácido-básico.

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c. Agonista beta-2 EV. d. Aminofilina EV. e. Corticóide EV em dose alta. f. Oxigenoterapia. g. Intubação e ventilação mecânica. Evitar hiperinsuflação pelo risco aumentado de barotrauma. Os parâmetros de ventilação mecânica apropriados na crise aguda de asma estão no Quadro 40-9. C. Asma crônica em crianças menores de 3 anos 1. Asma leve a. Controle ambiental e educação. b. Agonista beta-2 oral. c. Agonista beta-2 por nebulização associado ao brometo de ipratrópio. 2. Asma moderada a. Agonista beta-2, quando necessário, até quatro vezes ao dia. b. Cromoglicato ou nedocromil por nebulização. c. Cetotifeno oral. d. Teofilina de liberação lenta, se necessário. 3. Asma grave a. Agonista beta-2, quando necessário, até seis vezes ao dia. b. Corticóide por nebulização. c. Corticóide oral, se possível em dias alternados. d. Acompanhamento médico periódico com estratégias para manuseio das crises. D. Asma crônica em crianças maiores de 3 anos 1. Asma leve a. Agonista beta-2, quando necessário, até quatro vezes ao dia. 439

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b. Agonista beta-2, cromoglicato ou nedocromil antes de exercícios ou exposição a alérgenos. 2. Asma moderada a. Agonista beta-2, quando necessário, até quatro vezes ao dia. b. Cromoglicato ou nedocromil (4-6 semanas), se a via inalatória for possível. c. Inibidores de leucotrienos a partir dos 6 anos de idade. d. Cetotifeno (6-8 semanas), se a criança for atópica. e. Beclometasona, até 400 mg/dia. f. Considerar o uso de teofilina de liberação lenta para sintomas noturnos. 3. Asma grave a. Agonista beta-2 por inalação, até seis vezes ao dia. b. Beclometasona (400 mg/dia). c. Teofilina de liberação lenta ou ipratrópio inalado para broncodilatação adicional. d. Salmeterol ou formoterol para crianças acima de 12 anos (dois jatos a cada 12 horas). e. Beclometasona (800-1.600 mg/dia), se necessário, para controle adicional. f. Corticóide oral, em dias alternados, preferencialmente. g. Acompanhamento médico periódico com estratégias para manuseio das crises. E. Asma crônica em adultos 1. Asma leve a. Agonista beta-2 por inalação, quando necessário, até quatro vezes ao dia. b. Agonista beta-2, cromoglicato, ou nedocromil antes de exercícios ou exposição a alérgenos. 2. Asma moderada a. Agonista beta-2 por inalação, até quatro vezes ao dia.

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b. Antiinflamatórios inalados: inibidores de leucotrienos, cromoglicato, nedocromil ou beclometasona (200-500 mg/dia). c. Teofilina de liberação lenta para sintomas noturnos ou agonista beta-2 de ação prolongada e ipratrópio inalados. d. Beclometasona (800-1.000 mg/dia). 3. Asma grave a. Agonista beta-2 por inalação, até seis vezes ao dia. b. Beclometasona (1.000-2.000 mg/dia). c. Teofilina de liberação lenta para sintomas noturnos ou agonista beta-2 de ação prolongada e ipratrópio inalados. d. Salmeterol ou formoterol (1 a 2 cápsulas ou 1 a 2 jatos de 12 em 12 horas). e. Corticóide oral. f. Acompanhamento médico periódico com estratégias para manuseio das crises. XIII. Critérios de Alta Hospitalar As internações hospitalares ocorrem freqüentemente por falta de tratamento de manutenção adequado. Portanto, devem-se concentrar esforços na identificação dos fatores desencadeantes da crise atual, fazendo com que o paciente aprenda a evitá-los no futuro e a tomar as medicações corretamente, no momento certo. Os critérios de alta são variáveis, incluindo, além de bom senso, os seguintes parâmetros: 12 a 24 horas assintomático ou estável; em uso de agonista beta-2 não mais do que a cada quatro horas; não estar em uso de medicação venosa há mais de 24 horas; ausência de sinais de gravidade (Quadro 40-7); pico de fluxo expiratório ou VEF1 > 70% do previsto; capacidade de compreender o plano de tratamento domiciliar e de usar corretamente a medicação. Referências 1. Banner AS, Shah RS, Addington WW. Rapid prediction of need for hospitalization in acute asthma. JAMA 1976; 235: 1.337. 2. Becker AB, Nelson NA, Simons FEF. Inhaled salbutamol (albuterol) vs injected epinephrine in the treatment of acute asthma in children. J Pediatr 1983; 102: 465. 3. Bernabé ALBC, Teixeira LR. Vencendo a Asma — Uma Abordagem Multidisciplinar. São Paulo: Universidade de São Paulo. Bevilacqua, 1994.

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Capítulo 41 - Infecções Agudas do Trato Respiratório Nilton Alves de Rezende Antônia Marilene da Silva I. Introdução As infecções agudas do trato respiratório (IATR), pela freqüência com que ocorrem e pelo amplo espectro de suas manifestações clínicas (Quadro 41-1), constituem um dos motivos mais constantes de consulta médica nos serviços de urgência e a principal causa de absenteísmo no trabalho, em nosso meio. Os profissionais médicos que trabalham nesses serviços devem estar familiarizados com as várias síndromes por meio das quais as IATR se manifestam, podendo, desta forma, e alicerçados em conhecimentos básicos de microbiologia e epidemiologia, orientar a propedêutica e conduzir de forma racional a terapêutica. De acordo com sua localização, as IATR podem ser divididas em três categorias principais, sendo comum o comprometimento simultâneo destes sítios de infecção.

A. Infecções agudas do trato respiratório superior. Infecções de toda a árvore traqueobrônquica até os bronquíolos terminais, seios paranasais, o ouvido médio, a faringe e a cavidade oral. B. Infecções agudas do trato respiratório inferior. Infecções do parênquima pulmonar propriamente dito (pneumonia), compreendendo toda a porção distal, até os bronquíolos terminais e o interstício pulmonar. C. Infecções agudas pleurais II. Mecanismos de Defesa do Trato Respiratório — Fatores Predisponentes à Infecção. Embora as infecções respiratórias possam ocorrer em indivíduos sadios, o habitual é que estejam associadas a condições que alteram um ou mais dos mecanismos de defesa do trato respiratório. Estes mecanismos podem ser arbitrariamente divididos em sistêmicos (dependentes fundamentalmente da integridade do sistema imunológico) e locais (Fig. 411). Os fatores que alteram estes mecanismos de defesa podem atuar isoladamente (p. ex., deficiências imunológicas) ou, o que é mais freqüente, agir simultaneamente em mais de um destes mecanismos (p. ex., tabagismo, alterações do estado de consciência etc.) (Quadro 41-2). III. Flora Normal das Vias Aéreas O conhecimento da flora normal das vias aéreas é importante para o reconhecimento dos principais agentes etiológicos das infecções que nelas se assentam. Além da laringe, as vias aéreas são mantidas estéreis pelos mecanismos de defesa descritos anteriormente.

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A. Boca e faringe: Streptococcus sp; Lactobacillus; Neisseria catarrhalis; Staphylococcus epidermidis; bacteróides; Fusobacterium sp; espiroquetas; difteróides; Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae; enterococos e peptoestreptococos (anaeróbios); estreptococos do grupo A; Candida sp. e actinomicetos; herpes vírus e vírus de EpsteinBarr. B. Ouvido médio e seios paranasais. Habitualmente estéreis. C. Ouvido externo. Flora normal da pele; Streptococcus pneumoniae; Pseudomonas aeruginosa. D. Nariz. Staphylococcus epidermidis; Staphylococcus aureus; Neisseria catar-rhalis; Streptococcus pneumoniae; flora normal da pele. Profundas alterações ocorrem nesta flora horas após a hospitalização. Estas alterações são responsáveis pela modificação no espectro dos agentes etiológicos dos processos infecciosos pulmonares, adquiridos no ambiente hospitalar. IV. Infecções do Trato Respiratório Superior A. Introdução. As infecções do trato respiratório superior (ITRS) incluem um grande número de processos inflamatórios, que envolvem primariamente o nariz, os seios paranasais, o ouvido médio, o tecido laringoepiglótico e, talvez o mais importante, a região amigdalofaríngea. Embora exista freqüentemente superposição dos locais anatômicos comprometidos, é vantajoso localizar o sítio específico envolvido primariamente. Isto permite que se chegue a um diagnóstico aproximado dos possíveis agentes etiológicos, fornecendo as bases racionais para a terapêutica. Existem muitos conceitos errôneos no que diz respeito às ITRS. Isto se deve, em parte, à alta prevalência destas infecções e ao fato de a maioria delas ser transitória, relativamente benigna e autolimitada. Por exemplo, a maioria absoluta (aproximadamente 95%) das ITRS é causada por vírus, não se encontrando, desta forma, base microbiológica que justifique a prescrição freqüente e desnecessária de drogas antimicrobianas, e a faringite estreptocócica aguda, a infecção mais importante do trato respiratório, por sua potencialidade evolutiva e para a qual existe terapêutica específica, constitui menos de 3% destas infecções e, na maioria das vezes, não pode ser diagnosticada em bases puramente clínicas. O problema básico com que se defronta o médico é, então, como distinguir os 5% de pacientes portadores de ITRS causadas por bactérias, para as quais existe uma terapêutica antimicrobiana específica, daqueles 95% de pacientes com infecções não-bacterianas, para as quais a única terapêutica indicada são as medidas sintomáticas. B. Principais síndromes clínicas 1. Resfriado comum. É um conjunto de sintomas ocasionados por infecção das vias aéreas superiores, na maioria das vezes de natureza virótica (Quadro 41-3) e, menos freqüentemente, secundária à infecção por Chlamydia ou Mycoplasma. A transmissão se 445

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faz por aerossóis das secreções respiratórias ou contato direto das membranas mucosas. O período de incubação varia de um a cinco dias. Os sintomas típicos incluem coriza, faringite, cefaléia, febre, mal-estar, espirros e tosse, em combinações variadas. Podem surgir desconforto auditivo e sintomas de comprometimento dos seios da face, causados por edema da mucosa dos orifícios de drenagem, mais do que pela extensão da infecção a estas estruturas. Na maioria das vezes, a infecção é resolvida espontaneamente em uma semana, embora os sintomas possam persistir por vários dias. Uma vez contraído o vírus, não existem formas de prevenir os sintomas. A terapêutica é direcionada para aliviar a congestão nasal, a cefaléia e os sintomas constitucionais. Os agentes alfa-adrenérgicos são as drogas mais comumente empregadas como descongestionantes. Eles atuam produzindo vasoconstrição sistêmica, o que resulta na redução das secreções; podem ocasionar elevação da pressão arterial e devem ser empregados com cautela nos pacientes idosos e em portadores de insuficiência vascular. Não existe droga que, por via oral, produza vasoconstrição seletiva das vias aéreas. O uso por tempo prolongado (10 dias ou mais) de descongestionante local tópico interfere com o movimento ciliar, além de ressecar e irritar a mucosa, produzindo edema. Ele é útil apenas para o uso a curto prazo ou quando há contraindicação à sua administração sistêmica. A terapêutica adjuvante com vapor úmido de água pode contribuir para reduzir as secreções e diminuir a tosse. Os demais sintomas devem ser aliviados pela administração de aspirina ou acetaminofen. Não foi demonstrada qualquer eficácia do emprego da vitamina C, mesmo em altas doses. 2. Otite média. A incidência de otite média aguda tende a diminuir após os 6 anos de idade, sendo pouco freqüente no adulto. Ela é usualmente purulenta, raramente serosa. O mecanismo patogênico principal deve-se à obstrução da trompa de Eustáquio, com refluxo de bactérias da nasofaringe para o ouvido médio. A disseminação hematogênica ou as alterações primárias da mucosa do ouvido médio secundárias a processos alérgicos, alterações estruturais ou síndrome do cílio imóvel têm sido também responsabilizadas. Os principais agentes etiológicos envolvidos são o Streptococcus pneumoniae e o Haemophilus influenzae, raramente a Pseudomonas aeruginosa ou vírus. Os sintomas produzidos pela otite média podem ser classificados em gerais (febre, vômitos etc.) ou específicos (otalgia, otorréia, distúrbios de audição ou do equilíbrio). O diagnóstico é obtido prontamente com o exame otoscópico (Quadro 41-4). A terapêutica consiste no uso de agentes antimicrobianos específicos para os microrganismos mais freqüentemente envolvidos. Amoxicilina (500 mg três vezes ao dia) ou ampicilina (500 mg quatro vezes ao dia) devem ser administradas por 7-10 dias. Se ocorrer falha terapêutica, pode ser empregada eritromicina ou a associação sulfametoxazol-trimetoprim. Os descongestionantes poderão ser úteis quando a otite ocorrer na vigência de outras infecções do trato respiratório superior e for comprovada obstrução da trompa de Eustáquio. De outra forma, eles não trazem benefícios ao tratamento. Timpanocentese ou meringotomia devem ser consideradas nos casos que não respondem ao tratamento clínico adequado, na surdez progressiva, na dor intratável ou mastoidite precoce. 3. Epiglotite aguda. A inflamação subglótica (crupe) ocorre predominantemente em pacientes com menos de 3 anos, podendo ser classificada como entidade clínica do adulto. O comprometimento inflamatório-infeccioso das estruturas supraglóticas (epiglotite) tem sua incidência maior na idade pré-escolar. De ocorrência relativamente infreqüente no 446

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adulto, o curso rapidamente progressivo e potencialmente fatal torna o conhecimento desta síndrome necessário para o diagnóstico e a terapêutica apropriados, algumas vezes salvadores. A epiglotite aguda inicia-se com dor na orofaringe, evoluindo em 12-24 horas, com sintomas de obstrução das vias aéreas superiores. A maioria dos pacientes apresenta febre e disfagia intensa, desproporcional ao quadro de faringite observado ao exame físico. Estridor e rouquidão estão sempre presentes. A voz torna-se abafada. O paciente prefere permanecer sentado, na tentativa de manter as vias aéreas permeáveis. Se não tratado a tempo, o paciente evolui com oclusão das vias aéreas e morte por insuficiência respiratória. O diagnóstico baseia-se no quadro clínico, no exame direto da faringe e no estudo radiológico. O exame direto revela graus variados de faringite e a epiglote edemaciada com tonalidade avermelhada. A visualização direta da epiglote deve ser efetuada de modo cauteloso, pois pode precipitar a oclusão das vias aéreas ou o estímulo vagal de intensidade suficiente para provocar parada cardíaca. No adulto, o estudo radiológico do pescoço, na posição lateral, pode revelar edema da epiglote e dos tecidos moles paravertebrais, assim como avaliar o grau de obstrução da via aérea comprometida. Uma vez estabelecido o diagnóstico, a terapêutica inicial é de manutenção da permeabilidade das vias aéreas. Na criança, a intubação endotraqueal ou traqueostomia está indicada desde o início. No adulto, estas medidas podem ser retardadas, desde que seja feito um acompanhamento minucioso da função respiratória. Independentemente da idade, a hospitalização está indicada. A terapêutica antimicrobiana deve ser dirigida para o agente mais comum, no caso o Haemophilus influenzae, raramente o pneumococo e o estafilococo. A melhora surge em 36-48 horas, podendo o paciente receber alta, mantendo-se a terapêutica por 7-10 dias. 4. Sinusites agudas. Os seios paranasais consistem em um grupo de cavidades cujo epitélio mantém-se em continuidade com a mucosa do trato aéreo superior. Este epitélio, à semelhança do brônquico, impulsiona a secreção mucosa, contendo partículas inaladas e bactérias, para fora dos seios. Durante o episódio de sinusite aguda, a mucosa torna-se inflamada e edemaciada; o óstio, que mantém comunicação direta do seio com a via aérea, torna-se ocluído, e acumula-se exsudato dentro deste. Infecções repetidas ou prolongadas conduzem a alterações irreversíveis da mucosa, levando a sinusites crônicas. Os episódios de sinusite aguda são causados por infecções bacterianas (Streptococcus pneumoniae ou Haemophilus influenzae), após infecção virótica das vias aéreas superiores, por infecções viróticas dos seios paranasais, ou por extensão direta de infecções dentárias. Alterações dos mecanismos de defesa, como rinite alérgica, desvio do septo nasal, corpo estranho, tumores, pólipos, instrumentação nasofaríngea (p. ex., tubos nasais) ou a síndrome do cílio imóvel, são consideradas fatores predisponentes. As principais manifestações clínicas são febre, rinorréia mucopurulenta, epistaxe e desconforto local com ou sem dor. O diagnóstico baseia-se no quadro clínico e no exame físico; este deve incluir a transluminação dos seios maxilares e a inspeção cuidadosa dos orifícios nasais. Radiografias dos seios paranasais são úteis no diagnóstico, quando demonstram níveis hidroaéreos, espessamento da mucosa e lesões estruturais. Entretanto, o quadro clínico bem-caracterizado e o exame físico minucioso tornam desnecessário o estudo radiológico, na maioria dos casos. Os objetivos da terapêutica consistem: no alívio da dor, que pode ser obtido facilmente com o uso de aspirina ou acetaminofen; em promover drenagem adequada das secreções, através de vaporização e descongestionantes sistêmicos; e no controle da infecção, que pode ser feito com amoxicilina, sulfas ou penicilina. A drenagem cirúrgica está reservada para os casos que não respondem ao tratamento clínico ou que apresentam extensão da infecção para a 447

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órbita, os ossos, o cérebro e seio cavernoso. Nestes casos, estão indicadas a hospitalização e a utilização de drogas antimicrobianas por via parenteral com espectro de ação para Staphylococcus aureus e bactérias gram-negativas. 5. Gengivoestomatite aguda. Esta entidade ocorre principalmente em crianças. Pode haver comprometimento da mucosa oral, das gengivas ou da língua. As estruturas afetadas tornam-se hiperemiadas, podendo ou não coexistir exsudatos ou ulcerações. Os principais agentes envolvidos são o Herpesvirus hominis, Coxsackievirus, associação fusoespiralar e fungos, principalmente a Candida albicans. A dor intensa, muitas vezes, impede a alimentação, e a terapêutica consiste basicamente no alívio deste sintoma, podendo ser obtido com uso de anestésicos locais (xilocaína, em geléia ou spray). 6. Faringoamigdalites agudas. A faringoamigdalite aguda é um processo inflamatório infeccioso da faringe que pode ser causado tanto por vírus como por bactérias. Grande parte dos episódios é causada por vírus, fazendo parte, às vezes, do quadro clínico do resfriado comum. Vários agentes bacterianos podem ser devidos à faringoamigdalite aguda, sendo o estreptococo beta-hemolítico do grupo A o de maior morbidade. A grande dificuldade, na prática, consiste em se obter o diagnóstico diferencial entre as infecções viróticas e as bacterianas. Embora o quadro clinicoepidemiológico possa sugerir, habitualmente ele não é suficiente para que se possa chegar ao diagnóstico de certeza. Neste caso, deve-se lançar mão de outros métodos propedêuticos, na tentativa de identificar o agente etiológico. Os sinais e sintomas de faringite estreptocócica incluem febre, dor de garganta, linfoadenomegalia cervical anterior, cefaléia, dor abdominal, hiperemia com ou sem exsudato na orofaringe e erupção escarlatiniforme. Este quadro é apenas sugestivo da etiologia estreptocócica, uma vez que 65% das faringites viróticas e aproximadamente 45% das infecções por micoplasma apresentam-se com este quadro. A presença de manchas petequiais no palato e a erupção escarlatiniforme são altamente sugestivas de infecção estreptocócica. Entretanto, estes achados raramente são encontrados. O tratamento consiste no uso de salicilatos para o alívio da dor e drogas antimicrobianas específicas, quando indicadas (Quadros 41-5 e 41-6). V. Infecções do Trato Respiratório Inferior (Pneumonias) A. Introdução. A pneumonia é definida como inflamação do parênquima pulmonar, ou seja, a porção distal aos bronquíolos terminais, compreendendo bronquíolos respiratórios, dutos alveolares, sacos alveolares, alvéolos e interstícios. Embora a inflamação possa ter inúmeras causas e duração variável, o termo pneumonia mais comumente se refere a infecções agudas. B. Patogênese. Os microrganismos alcançam o parênquima pulmonar através de uma de quatro vias principais: inalação de microrganismos presentes no ar — principal via de infecção nas pneumonias adquiridas na comunidade (micoplasma); aspiração de microrganismos da nasofaringe, causa mais comum de pneumonia bacteriana; disseminação hematogênica; contigüidade. O processo infeccioso se instala quando ocorre alteração em um ou mais dos mecanismos de defesa estudados anteriormente.

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C. Manifestações clínicas. Os principais sintomas de infecção pulmonar, ocorrendo de forma combinada ou isolada, são tosse, febre, dor torácica, dispnéia, produção de escarro — que pode ser mucóide, purulento ou sanguinolento. Em alguns pacientes, especialmente nos de idade avançada, no alcoolista ou em portadores de doenças debilitantes, sintomas extrapulmonares como confusão mental e/ou sinais de sepse podem predominar. Diante de um paciente com suspeita de pneumonia, algumas perguntas devem ser respondidas com o objetivo de determinar o possível agente etiológico envolvido. Entre elas destacamos: os sintomas prodrômicos; o tipo de início, súbito ou gradual; a presença de dor pleurítica; a existência de doença semelhante em indivíduos que convivem diariamente; contato com animais; viagens recentes. Os achados ao exame físico incluem febre, taquicardia e taquipnéia. O exame do tórax pode revelar diminuição da expansibilidade na área afetada ou submacicez à percussão. À ausculta, podem-se observar crepitações no final da inspiração, resultantes do acúmulo de líquidos nos alvéolos. Estes aumentam de intensidade ou podem ser auscultados apenas após a tosse. A presença de secreção nas vias aéreas mais altas, caracteristicamente, apresenta crepitações no início ou na metade da inspiração. Em alguns pacientes, a despeito de alterações importantes nas radiografias de tórax, o exame físico pode apresentar-se inteiramente normal. Nos casos em que se suspeita de disseminação hematogênica, deve-se procurar o foco inicial. O contrário também deve ser observado, ou seja, foco pulmonar primário provocando infecções em outros locais, como meningites, artrites sépticas, lesões cutâneas etc. D. Achados radiológicos. Embora o agente etiológico não possa ser claramente determinado pelo aspecto de apresentação radiológica, algumas características são observadas mais freqüentemente em alguns tipos de pneumonias no indivíduo imunocompetente. Basicamente, não há pneumonia com radiografia de tórax normal (observadas a qualidade técnica e a interpretação adequada). Três padrões radiológicos são comumente descritos, apesar de, às vezes, haver concomitância entre eles. 1. Pneumonia de espaço aéreo ou alveolar. O microrganismo provoca exsudato inflamatório e dissemina-se de um alvéolo para o outro, através dos canais de Lambert e pelos poros de Kohn, não respeitando os segmentos pulmonares. Não existe comprometimento brônquico, e estes são mantidos permeáveis. O resultado é uma consolidação não-segmentar com broncograma aéreo. Os exemplos mais típicos são a pneumonia pneumocócica e por Klebsiella. 2. Broncopneumonia. Consiste na inflamação de condutos aéreos, especialmente bronquíolos respiratórios, bronquíolos terminais e alvéolos. Não existe disseminação interalveolar, mantendo-se o processo inflamatório no segmento envolvido (segmentar). Como os bronquíolos estão comprometidos, não existe a formação de broncograma aéreo. 3. Pneumonia intersticial. O processo inflamatório localiza-se nos septos alveolares (interstícios), podendo assumir aspecto reticular ou difuso, com desaparecimento dos contornos vasculares. E. Controle radiológico de cura. A realização de radiografias, para o controle da cura, é ditada pela evolução clínica, sendo desnecessária na maioria das vezes em pacientes com pneumonias adquiridas na comunidade. Para os casos em que houver necessidade, deve-se 449

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ter em mente que a resolução radiológica completa quase nunca é feita em menos de três semanas, não justificando, desta forma, a realização de radiografias em pacientes que estão respondendo adequadamente à terapêutica. F. Diagnóstico diferencial. Com a finalidade prática, podemos dividir as pneumonias em três grupos: 1. Pneumonias adquiridas na comunidade. No Quadro 41-7 apresentamos a incidência relativa dos principais agentes etiológicos das pneumonias adquiridas na comunidade. O Quadro 41-8 nos mostra o principal diagnóstico diferencial das pneumonias adquiridas na comunidade. De acordo com a American Thoracic Society (1993), o tratamento para estas pneumonias está baseado na gravidade da doença, na idade e na presença de doenças associadas (alcoolismo, diabetes, doença pulmonar): a. Pacientes ambulatoriais com menos de 60 anos, sem comorbidade: nessa categoria os germes mais comuns são: S. pneumoniae, M. pneumoniae, vírus, Clamydia pneumoniae, H. influenzae, M. tuberculosis, S. aureus, Legionella, bacilos gram-negativos (BGN) e fungos. O tratamento de escolha é a eritromicina, na dose de 250 a 500 mg por via oral, quatro vezes ao dia, durante 10 a 14 dias (se houver suspeita de Legionella, manter por 14 dias). O uso de novos macrolídeos (claritromicina, 250 a 500 mg, duas vezes ao dia, ou azitromicina, 500 mg no primeiro dia e 250 mg ao dia nos próximos quatro dias) está indicado no caso de intolerância à eritromicina. Em caso de intolerância aos macrolídeos, usar tetraciclina. As tetraciclinas e os macrolídeos estão contra-indicados em gestantes. b. Pacientes ambulatoriais com mais de 60 anos com comorbidade: os germes mais comuns são: S. pneumoniae, vírus, H. influenzae, bacilos gram-negativos, S. aureus, Legionella, M. tuberculosis, fungos, Moxarella catarrhalis. Tratamento de escolha: sulfametaxazol/trimetoprim, 800/160 mg, duas vezes ao dia por 14 dias ou, então, blactâmico/inibidor b-lactamase (amoxicilina-clavulanato de potássio — 500 mg, três vezes ao dia por 10 dias). Usar macrolídeos em caso de suspeita de Legionella. c. Pacientes hospitalizados: os germes mais comuns são os mesmos do grupo b. Tratamento de escolha: cefalosporina de terceira geração (ceftriaxiona, 1 g a 2 g EV a cada 12 horas por 10 dias) ou b-lactâmico/inibidor da b-lactamase. d. Pacientes hospitalizados gravemente enfermos: os germes mais comuns são os mesmos dos grupos b e c. Tratamento: cefalosporina de terceira geração com ação antipseudomonas (ceftazidina, 1 a 2 g EV a cada 8 horas por 10 dias) ou então penicilina com ação antipseudomonas (ticarcilina/ácido clavulânico, na dose de 3,1 g quatro vezes ao dia por 10 dias). A indicação para tratamento hospitalar nas pneumonias comunitárias existe quando ocorre a presença de comorbidade associada a alterações dos sinais vitais, leucopenia ou leucocitose acentuadas, evidência de insuficiência respiratória e sinais de sepse. A resolução radiológica ocorre em torno de seis semanas. O tratamento profilático com 450

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vacinas antiinfluenza e antipneumocócica polivalente está indicado para os grupos de risco (idosos, doenças crônico-degenerativas e imunossuprimidos). 2. Pneumonia hospitalar (pneumonia nosocomial). É definida como de ocorrência em 48 horas após a admissão hospitalar, sendo a segunda causa de infecção hospitalar e apresentando altos índices de morbimortalidade. A ocorrência da infecção se deve a, pelo menos, um dos seguintes fatores: virulência dos germes, estado de defesa do hospedeiro e a quantidade de germes inoculados que atingem o trato respiratório inferior. A via mais importante na patogênese é a colonização da orofaringe e do trato gastrointestinal com transporte dos germes para o trato respiratório inferior. Isto ocorre devido ao uso de sonda nasogástrica, tubo orotraqueal, mãos e equipamentos contaminados, uso de antibióticos de largo espectro que selecionam flora resistente, estado nutricional, idade, coma e doença pulmonar prévia. O uso de antiácidos e bloqueador de H2 facilita a colonização do tubo gastrointestinal por bacilos gram-negativos. O espectro dos patógenos é definido por fatores tais como: gravidade da pneumonia, presença de comorbidade, tempo de hospitalização, tempo de aparecimento da infecção, uso prévio de antibióticos e uso de drogas endovenosas (Quadros 41-9A, 41-9B, 41-9C e 41-9D.) O Quadro 41-10 mostra as diferenças entre as pneumonias de origem bacteriana e as provocadas por outros agentes, nas pneumonias adquiridas na comunidade. Diagnóstico: afastar doenças que mimetizam infecção, insuficiência cardíaca congestiva, atelectasias, tromboembolismo pulmonar, hemorragia pulmonar e SARA. A avaliacão clínica, laboratorial e radiológica se impõe, nem sempre sendo possível o isolamento do agente etiológico; em alguns casos se justifica colher material para exame por meio de fibrobroncoscopia. 3. Pneumonias no hospedeiro imunocomprometido. Os agentes causais são: bactérias, fungos, micobactérias, protozoários, helmintos e vírus. A pneumonite pós-radiação e a infiltração neoplásica (linfangite carcinomatosa) podem ser confundidas com infecção. O agente microbiológico é definido de acordo com a alteração imunológica subjacente: a alteração da imunidade celular se associa a infecção por vírus, fungos e micobactérias. A alteração da imunidade humoral se associa a infecção bacteriana. Neutropenia e função granulocítica alterada predispõem à infecção por S. aureus, bacilos gram-negativos, Candida sp. e Aspergillus sp. O diagnóstico inclui utilização de métodos como: hemocultura, estudo do líquido pleural, cultura e Gram de escarro, broncoscopia com lavado broncoalveolar e/ou escovado protegido. Quando o benefício do diagnóstico etiológico supera o risco do procedimento, indica-se videotoracoscopia com biópsia pulmonar. Em pacientes com infecção por HIV e com AIDS, a doença pulmonar é a causa de morbimortalidade, sendo as pneumonias por P. carinii e M. tuberculosis as mais comuns. 451

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Nestes pacientes, a pneumonia por P. carinii (PPC) está especificamente relacionada com a queda de contagem de linfócitos CD4 (< 200 cels/mm), um indicador de imunossupressão. Os sintomas mais comuns são tosse, calafrios, expectoração purulenta, dor torácica, dispnéia, sendo alguns pacientes assintomáticos. O aspecto radiológico é de infiltrado intersticial difuso ou alveolar difuso, mais comumente. O tratamento de escolha é sulfametoxazol-trimetoprim (SMX/TMP) na dose de 20 mg/kg/dia de TMP e 100 mg /kg/dia de SMX, três a quatro vezes ao dia, EV, ou então VO, quando há menor gravidade, por 21 dias. Os efeitos colaterais incluem: rush cutâneo, leucopenia e febre. Em caso de intolerância, a alternativa é a pentamidina (4 mg/kg/dia em 60 minutos, em dose única diária), também com graves efeitos colaterais: insuficiência renal, prolongamento do intervalo QT, hipotensão, hipo e hiperglicemia. O uso de corticosteróides está indicado em associação à antibioticoterapia para PPC moderada a severa, de acordo com os critérios de oxigenação (PO2 menor do que 70 e gradiente alveoloarterial superior a 35 mmHg). VI. Infecções Pleurais Agudas A dor pleurítica aguda é um sintoma comum, especialmente em pacientes jovens. Muitas vezes, o comprometimento pleural se segue à infiltração do parênquima pulmonar, nas infecções bacterianas. As infecções agudas primárias da pleura comumente são devidas a vírus (adenovírus, Coxsackie virus, Echovirus) e, menos freqüentemente, a micoplasma ou ao agente da psitacose (pleurite aguda inespecífica). Um tipo distinto de infecção pleural de origem virótica é a pleurodinamia epidêmica (doença de Bornholm), causada pelo vírus Coxsackie B. Nesses casos, o início é súbito, com dor à inspiração de forte intensidade, que, às vezes, apresenta caráter bifásico (recorrência do quadro até dois meses após a cura aparente). Febre baixa, mialgia e dor abdominal são freqüentes. A radiografia do tórax habitualmente é normal, podendo, às vezes, revelar pequeno derrame pleural. O curso benigno requer apenas tratamento sintomático, como na pleurite aguda inespecífica. Para os casos de pacientes portadores de patologia pleural, mesmo que o início desta tenha sido abrupto, devemos afastar a possibilidade de etiologia tuberculosa. Muitas vezes, o foco pulmonar não é evidente ou pode ser que se trate de primoinfecção sintomática. O teste tuberculínico está indicado e deve ser repetido em seis a oito semanas, se for negativo. A tuberculose pleural ou pós-primária é uma doença autolimitada, que melhora de forma espontânea, independentemente de qualquer terapêutica. Entretanto, aproximadamente 65% destes casos desenvolvem tuberculose extrapulmonar em cinco anos (rins, meninges, tecido ósseo, supra-renais etc.), daí a preocupação em diagnosticar e tratar todos os casos. Referências 1. Ballenger JJ. Acquired alterations of respiratory cilia and clinical disease: a review. An Otol Rhinol Laryngol 1988; 97: 253. 2. Branch Jr. WT. Community-acquired pneumonias. In: Office Practice of Medicine. W.B. Saunders Co., 1 ed., 1982.

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3. Consensus Development Conference. Hospital-acquired pneumonia in adults: diagnosis, assessment of severity, initial antimicrobial therapy, and preventive strategies. A consensus statement, American Thoracic Society, November 1995. Am J Respir Crit Care Med 1996 May; 153(5): 1.711-25. 4. Houvinen P et al. Pharyngitis and adults: the presence and coexistence of viruses and bacterial organisms. Ann Intern Med 1989; 110: 612. 5. Guidelines for the initial management of Community- acquired pneumonia: diagnosis, assessement of severity; and initial antimicrobial therapy. Am Review Resp Dis 1993: 1.418-26. 6. Pennington JE (ed.). Hospital-acquired pneumonias. Sem Resp Infect 1987; 2: 1. 7. Reynolds HY. Pulmonary host defense. Chest 1989; 95s: 223. 8. Santamauro JT, Stover DE. Pneumocystis carinii pneumonia. Med Clin North Am 1997 Mar; 81(2): 299-318. 9. Verghese A, Berk SL. Bacterial pneumonia in the elderly. Medicine 1983; 62: 271. 10. Waltney JM. Sinusites. In: Mandel GL et al. (eds.) Principles and Practice of Infectious Diseases. 3 ed., Nova York: Churchil Livingstone,1990: 510. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 42 - Trombose Venosa dos Membros Inferiores Marco TulioBaccarini Pires Alisson Tarso do Rêgo I. Introdução. As doenças do sistema venoso, por inúmeros aspectos, podem ser mais complexas e de tratamento mais difícil do que aquelas do sistema arterial. Na fase aguda, a dor e o edema que surgem têm fundamental importância, por serem incapacitantes; por outro lado, manifestações sistêmicas podem ocorrer, com grandes mortalidade e morbidade. Tal é o caso da trombose venosa profunda, associando-se a quadros de embolia pulmonar. Nos Estados Unidos, a doença tromboembólica (trombose venosa profunda [TVP], e embolia pulmonar [EP]) é responsável por aproximadamente 600.000 hospitalizações anuais, com incidência de 80.000 embolias pulmonares fatais. A insuficiência venosa profunda crônica de membros inferiores, a síndrome pós-flebite e a ocorrência de úlceras de estase e de episódios de flebites de repetição também se associam com a presença de trombose venosa nos membros inferiores, sendo consideradas mais benignas, em termos de mortalidade e morbidade, se comparadas à embolia pulmonar. Em algumas situações, o quadro de trombose venosa é encontrado com maior freqüência após trauma grave, durante a gravidez, com o uso de anticoncepcionais orais, após cirurgias, em pacientes portadores de neoplasias, em pacientes acamados por longos períodos, em pacientes obesos, nos quadros infecciosos e nos portadores de varizes de membros inferiores. A presença de sinais inflamatórios, com dor, edema e rubor, poderá ocorrer; neste caso, falaremos em tromboflebite. Entretanto, se a reação inflamatória é mínima ou inexiste ao exame clínico, falamos em flebotrombose. Diferenciar estas duas entidades só tem interesse acadêmico, por ser o trombo o responsável pelas alterações fisiopatológicas que ocorrem, assim como causador da embolia pulmonar. Com a presença do trombo intravenoso ocorrerá elevação da pressão venosa distal; dependendo da extensão e da localização do trombo, a estase e o edema surgirão num grau de maior ou menor importância, sendo que, em raros casos, quando a pressão venosa local estiver mais elevada do que a pressão arterial, poderá surgir gangrena de origem venosa. Discutiremos separadamente a trombose venosa superficial e a trombose venosa profunda dos membros inferiores, pois elas se diferenciam bastante nas suas manifestações clínicas, diagnósticas, no tratamento e prognóstico. II. Trombose Venosa Superficial A trombose de veia do sistema superficial apresenta evolução benigna na maioria dos casos e raramente pode tornar-se incapacitante. Ela tem características recorrentes e freqüentemente está associada à reação inflamatória (tromboflebite superficial); 454

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dificilmente leva à embolia pulmonar. É mais encontrada em pacientes portadores de varizes de membros inferiores, podendo surgir após partos e também após cateterismo venoso, sendo este um fator causal muito importante, acima de 50%. Injeções endovenosas de determinados medicamentos ou de soluções (hipertônicas ou ácidas) podem agir como fatores precipitantes, e neste caso a causa será iatrogênica. As lesões traumáticas também poderão desencadear um processo trombótico superficial; neste caso, hematomas e equimoses são elementos de ajuda no diagnóstico. A trombose superficial inicia-se de forma aguda, sendo comuns reações inflamatórias, com rubor, calor e dor local. Observa-se, ao exame, presença de nodulações ou de um “cordão”, ao longo do trajeto venoso acometido, com endurecimento e sensibilidade localizados. O paciente deverá ser examinado de pé, pois normalmente poderemos apalpar uma veia varicosa acima e abaixo do trombo; sua localização mais comum é abaixo do joelho, em sistema de safena magna, principalmente se a tromboflebite acomete uma veia varicosa. Poderá existir limitação à flexão do joelho quando toda a veia safena magna estiver acometida. O Doppler confirma o diagnóstico clínico, verificando-se a ausência de fluxo venoso no segmento acometido. A flebografia é desnecessária e poderá estar contra-indicada em certos casos, pois a reação inflamatória tenderá a aumentar, devido às punções venosas e à injeção do contraste. Quando houver dúvida do acometimento do sistema venoso profundo ou impossibilidade de diagnóstico clínico, ela poderá ser realizada. O duplex-scan é o procedimento diagnóstico que associa o ultra-som vascular ao estudo do fluxo venoso com o Doppler em cores. Por ser um exame não-invasivo, o exame teve grande impulso nos últimos anos, e é um procedimento que possibilita um diagnóstico quase tão preciso quanto a flebografia. Quadros de tromboflebite migratória, acometendo mais os membros inferiores, são encontrados com mais freqüência em associação a neoplasias, principalmente do pâncreas. Sua causa básica muitas vezes está ligada a um estado de hipercoagulabilidade sangüínea, que é também um achado comum em 30% dos portadores de tromboangeíte obliterante. A forma supurativa da tromboflebite é encontrada em alguns pacientes que usam drogas endovenosas; em indivíduos viciados, assim como após o cateterismo venoso, é o fator causal mais comum. Sua evolução tem sinais infecciosos marcantes, inclusive com septicemia freqüente. O diagnóstico diferencial da tromboflebite superficial é feito com mordeduras de insetos, celulites, abscessos, linfangites, eritema nodoso, sarcoidose, vasculite nodular, sarcoma de Kaposi, dermatites e com hematomas do subcutâneo. Sempre que ocorrer a trombose venosa superficial deveremos descartar o acometimento do sistema profundo — a existência de grande edema no membro e dor à palpação do trajeto da veia femoral é indicativa de que trombose venosa profunda estará ocorrendo 455

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simultaneamente, ou complicações graves e fatais poderão ocorrer caso este acometimento passe despercebido. A tromboflebite da veia safena magna pode simular TVP, devido ao endurecimento que surge ao nível da panturrilha, podendo esta última ser afastada pelo método duplex-scan. O tratamento da tromboflebite superficial é conservador. É recomendado repouso moderado, devendo o membro inferior acometido permanecer bastante elevado durante o repouso, evitando-se a imobilidade completa. É prescrito o uso de meia elástica ou enfaixamento. Ocorrendo infecção local, inicia-se antibioticoterapia, sendo a penicilina (ou seus derivados) o antibiótico de escolha (cefalosporina e lincomicina também podem ser usadas). Drogas antiinflamatórias (como o diclofenaco) ou mesmo aspirina (em doses acima de 3 g ao dia) são utilizadas, assim como compressas mornas para diminuir os sintomas locais. Não se utilizam anticoagulantes em doses de tratamento (o uso de heparina subcutânea em doses profiláticas pode ser feito), a não ser em casos suspeitos de trombose venosa profunda ou quando o processo esteja aumentando de extensão, com risco de acometimento do sistema profundo. Se a causa está relacionada com cateterismo venoso, o cateter deverá ser removido. A regressão do quadro ocorre em poucos dias, após início do tratamento, podendo o paciente voltar progressivamente às suas atividades habituais; a evolução normalmente não ultrapassa três semanas. As nodulações (trombos) desaparecem em dois a três meses, e a veia geralmente se recanaliza. O tratamento cirúrgico só é necessário em casos raros, quando temos a veia safena magna trombosada na região da croça; neste caso, realiza-se a ligadura da safena magna na croça, para impedir propagação do processo trombótico para o sistema profundo e a embolia pulmonar, podendo a ligadura ser realizada com anestesia local. III. Trombose Venosa Profunda A. Etiopatogenia. A trombose venosa profunda dos membros inferiores (veia tibial, poplítea, femoral ou ilíaca) é o principal fator predisponente para a ocorrência da embolia pulmonar. Cerca de 85% dos êmbolos pulmonares se originam dos membros inferiores.

Como as veias do sistema profundo estão envolvidas pelos compartimentos musculares, o diagnóstico de trombose venosa branda pode ser difícil. Com o desenvolvimento de novas técnicas, como o teste de fibrinogênio marcado com o iodo-125, e mais recentemente, com o duplex-scan venoso, verifica-se que muitos pacientes portadores de trombose venosa não apresentam os sinais clássicos de dor, edema e tensão na panturrilha. Os pacientes acamados por longos períodos, com doenças ósseas ou neuromusculares, pacientes em pós-operatório de cirurgias maiores (abdominais, ginecológicas, ortopédicas, torácicas, urológicas) e portadores de IAM e, ainda, com acidente vascular cerebral apresentam maior risco para desenvolveram TVP. A imobilização, independentemente do tipo de patologia, faz desenvolver TVP em aproximadamente 15% dos pacientes nos

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primeiros sete dias e em cerca de 80% após 10 dias, quando não ocorre profilaxia, sendo o principal causador de TVP. Outros fatores de risco são a obesidade, a hipercoagulabilidade sangüínea, a presença de varizes de membros inferiores, idade avançada, gravidez, o uso de anticoncepcionais orais, período pós-parto imediato, os estados infecciosos, as neoplasias, a insuficiência cardíaca e as tromboflebites prévias. Situações desencadeantes de estresse, como a cirurgia, levam à diminuição da atividade fibrinolítica, permitindo que o trombo se desenvolva. Podemos considerar ainda as causas traumáticas e a injeção de substâncias químicas usadas por via endovenosa, que poderão levar à trombose venosa superficial e, posteriormente, profunda. A TVP associada à estase venosa ainda persiste como uma questão: seriam aqueles casos de pacientes que permanecem sentados por longo período de tempo durante o dia, e que desenvolveriam TVP. Pergunta-se apenas se a estase, isoladamente, seria capaz de desencadear quadro trombótico, ou se haveria necessidade da existência de outro fator acessório causal, como, por exemplo, a hipercoagulabilidade. A estase agiria levando a distúrbio no fluxo laminar venoso, com acúmulo de sangue e formação de redemoinhos nas dilatações venosas e nos seios valvulares; posteriormente, ocorreriam depósitos de grumos de hemácias, plaquetas e leucócitos locais; estes depósitos concorreriam para aumentar a concentração de fatores ativados da coagulação, para o aumento local de ADP e a prevenção da chegada ao local de anticoagulantes e antiagressores endógenos, culminando com hipoxia do endotélio. Este mecanismo foi proposto por Sevitt, em 1973, podendo ser resumido na Fig. 42-1. O endotélio venoso normal apresenta-se como superfície não-trombogênica, na qual não ocorre ativação do sistema de coagulação, nem se irão aderir plaquetas. Ao ocorrer lesão endotelial, ficando exposto o subendotélio, ali se acumulam grumos de plaquetas e leucócitos, sendo ativados os mecanismos da coagulação. Forma-se trombina, levando à agregação de mais plaquetas e dando origem à fibrina. Esta torna o trombo mais consistente, contribuindo para que outras células se prendam ao local. A agressão direta às veias é mecanismo que pode ser encontrado na TVP que surge nos pós-operatório (p. ex., manuseio intra-abdominal, ortopédico etc.). O surgimento de alterações endoteliais venosas jugulares, em cães, no pós-operatório de cirurgia abdominal, secundário à liberação de complexos imunes durante a cirurgia, permanece ainda indefinido em situações clínicas. A aderência do trombo ao endotélio é inicialmente fibrinosa, mas em seguida surge invasão fibrocística endotelial. O trombo começa a crescer, mas a qualquer momento este crescimento é interrompido pela ativação de plasmina no local, com fibrinólise. Deverá existir um equilíbrio entre fatores que propiciem a formação de trombos intravenosos e fibrinólise, no indivíduo normal. Qualquer fator que rompa este equilíbrio será suficiente para provocar TVP. Geralmente, o fluxo arterial no membro acometido se encontra normal. Em raras ocasiões, este fluxo pode encontrar-se muito diminuído, devido à compressão local pelo edema, produzindo a chamada flegmasia cerúlea, podendo levar à gangrena do membro. 457

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Um acúmulo de líquido é encontrado no interstício, como conseqüência direta de extravasamento venoso, conseqüente a aumento da pressão venosa devido à obstrução localizada. Pressões venosas superiores a 50 mmHg sempre levam a edema do membro doente; o edema se encontra presente em 100% dos pacientes com trombose venosa ilíaca e femoral. Acometimento simultâneo poderá existir no sistema linfático (linfangite). Se esta estiver presente, o edema será mais exuberante, e o prognóstico, pior. B. Manifestações clínicas. O aparecimento de sinais e sintomas característicos está relacionado diretamente com a extensão da trombose venosa profunda; entretanto, 50% dos casos não apresentam sinais clínicos característicos. A dor é o sintoma mais comum da TVP, causada pela distensão da parede venosa, pelo processo inflamatório local e pelo edema dos músculos circunjacentes. Geralmente a dor é mais intensa com a movimentação, podendo estar presente durante o repouso nos casos mais graves — na flegmasia cerúlea, ela pode chegar a ser insuportável. Observa-se dor tanto na palpação do trajeto venoso quanto da musculatura próxima, principalmente ao nível da panturrilha, que se acha tensa e dolorosa. Ela ocorre em cerca de 86% das TVP com diagnóstico clínico. O sinal de Homans (dorsiflexão passiva do pé, com dor referida na panturrilha) é positivo em mais de 60% dos casos de TVP de membros inferiores. O edema é outro sinal importante, ocorrendo em proporções iguais às da dor, e diminui com o repouso no leito. Na maioria dos casos ela é unilateral, sendo que sua presença em ambos os membros inferiores sugere outras causas (p. ex., ICC, insuficiência renal etc.), porém não afasta um quadro de TVP bilateral ou com acometimento de ilíacas e cava. O aumento da consistência muscular à palpação suave e a menor mobilidade da musculatura da panturrilha aparecem devido ao edema muscular e ocorrem em cerca de 80% dos casos de TVP, sendo denominados empastamento ou sinal de Neuhof. A observação do sistema venoso superficial poderá evidenciar o desvio no fluxo de sangue, do sistema venoso profundo para o superficial, mostrando uma dilatação venosa, principalmente na região pré-tibial, sendo denominada “veias sentinelas de Pratt”. Outros sinais e sintomas gerais, como mal-estar, febre e taquicardia, são encontrados em boa parte dos doentes. O quadro de flegmasia cerúlea dolens é evidenciado pela cor azulada do membro, com cianose, edema e dor importante, indicando grande aumento da pressão no sistema venoso, podendo evoluir para gangrena venosa secundária à trombose maciça de toda a drenagem venosa do membro acometido (p. ex., trombose do segmento femoroilíaco). A presença de espasmo arterial secundário pode determinar o surgimento de flegmasia alba dolens; caracteristicamente, o membro fica pálido, com dor e edema intensos, e os pulsos arteriais podem estar diminuídos ou ausentes. 458

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C. Diagnóstico. O ponto de partida para o diagnóstico é o exame clínico, porém apenas os parâmetros clínicos são considerados de confiabilidade duvidosa. Até 40% dos pacientes com sinais clínicos sugestivos de trombose não apresentam a patologia confirmada por testes diagnósticos, e cerca de 50% dos pacientes com TVP diagnosticada pelo teste de fibrinogênio marcado não apresentam situação clínica sugestiva da doença. Tal fato, porém, não deve excluir uma cuidadosa avaliação clínica, pois a exuberância de sinais e sintomas em alguns casos sugere o diagnóstico clínico da doença. Os métodos invasivos e não-invasivos são Doppler ultra-som, pletismografia, termografia, flebografia, teste de fibrinogênio com I-125, flebografia radioisotópica e duplex-scan (ecografia vascular com Doppler). O Doppler ultra-som é usado rotineiramente no exame angiológico. Seu melhor resultado diagnóstico é na obstrução venosa nos segmentos femoral e ilíaco, sendo que os processos de TVP com obstrução abaixo do joelho são mal diagnosticados por este método. Anteriormente, a flebografia era o método mais seguro para o diagnóstico correto da trombose venosa profunda, porém, com o advento do duplex-scan, por ser um método nãoinvasivo e de alta confiabilidade, ela passou a ser utilizada apenas nos casos de dúvida diagnóstica, para planejamento cirúrgico ou na impossibilidade de realização do duplexscan (centros menores). A flebografia pode provocar flebites e tromboses pós-flebografia, agravar o quadro já instalado de TVP e, ainda, ser passível de reações colaterais desagradáveis — alergia, hipervolemia e nefrotoxicidade. Outros métodos não-invasivos são a pletismografia e a termografia, menos usados se comparados à flebografia e ao duplex-scan. A ecografia vascular com Doppler (duplex scan), por seu caráter não-invasivo, pela possibilidade de repetições, vem assumindo um papel de destaque no arsenal diagnóstico da TVP, fazendo um mapeamento das veias dos sistemas profundo e superficial, auxiliando não só no diagnóstico da TVP como em seu acompanhamento, por visualizar a recanalização, e nas complicações pós-trombóticas, por avaliar o refluxo e a incompetência valvulares. É utilizada também nas cirurgias de varizes de membros inferiores, para avaliar insuficiências das safenas. O uso de fibrinogênio marcado com I-125 (TFM) tem indicação no diagnóstico precoce da TVP, para avaliar trombos que se encontram ainda na fase de formação, sendo o método mais sensível disponível na atualidade. O teste depende da captação pelo trombo de fibrinogênio marcado in vitro com o I-125. A flebografia com radioisotópos permite a visualização do sistema venoso após a injeção distal de substâncias radioativas no membro. É utilizada principalmente nos casos de realização simultânea de cintilografia pulmonar e no caso de história de alergia a contrastes iodados, quando a flebografia convencional está contra-indicada.

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D. Tratamento. As finalidades principais são aliviar os sintomas, prevenir a embolia pulmonar e a insuficiência venosa cutânea crônica e impedir o aumento do trombo em fase de formação e a perda do membro nos casos graves. Na maioria dos casos, o tratamento é clínico, porém pode haver necessidade de abordagem cirúrgica agressiva. Devemos nos referir ainda à parte importante da profilaxia da TVP, realizada em pacientes com risco de desenvolver o quadro, o que reduz significativamente o aparecimento da trombose venosa. 1. Tratamento clínico. À confirmação diagnóstica da TVP deve imediatamente seguir-se a instalação de medidas terapêuticas adequadas. A heparina convencional tem sido o tratamento de escolha na fase aguda, porém, com os estudos farmacológicos que permitiram o desenvolvimento nos últimos anos da heparina de baixo peso molecular (HBPM), esta substância, que inicialmente era utilizada apenas na profilaxia, tem sido utilizada em diversos estudos recentes no tratamento da TVP. A maioria destes estudos tem concluído ser a HBPM tão ou mais eficiente do que a heparina clássica, com a grande vantagem de não necessitar de controle laboratorial tão freqüente. O tratamento com heparina deixa de ser utilizado apenas nos casos de contra-indicação absoluta (hemorragias ativas, hipertensão arterial maligna, AVC ou trauma do SNC há menos de 15 dias, insuficiência renal e hepática e cirurgias de grande porte recentes); não existindo tais processos, inicia-se com doses habituais de 5.000 a 10.000 unidades, EV, a cada quatro horas. Pode também ser utilizada infusão contínua de heparina em solução de glicose isotônica — 10.000 unidades de heparina em 250 ou 500 ml de SGI EV gota a gota, com uma dose calculada de 1.250 ou 2.500 unidades/hora. Alguns autores preferem a utilização deste método, que apresenta um menor risco hemorrágico. Nos casos de flegmasia cerúlea dolens, se iniciado o tratamento clínico, administram-se imediatamente 10.000 unidades de heparina EV em bolus, seguindo-se os esquemas de manutenção. A dose terapêutica da heparina é determinada pelo controle diário, através do tempo de tromboplastina parcial (TTPA), que deverá ser mantido entre 1,5 e 2,5 vezes o seu valor normal. A principal complicação com o uso da heparina são os processos hemorrágicos, que podem ser leves (p. ex., equimoses, hematúria) ou graves (p. ex., hemorragia subdural). Eles são freqüentes nos pacientes em uso de AAS; a simples suspensão da administração resolverá a maior parte das hemorragias. Entretanto, caso isto não se verifique, administra-se sulfato de protamina, na dose de 1 mg para cada 100 unidades de heparina. Se a heparina já tiver sido administrada há mais de 90 minutos, fazer a metade da dose calculada de protamina. Outras complicações são a trombocitopenia, que normalmente ocorre na primeira semana, desaparecendo com a suspensão do medicamento, e as reações alérgicas (broncoespasmo ou choque anafilático), que são incomuns. O anticoagulante oral é iniciado em torno do sexto ou sétimo dia, geralmente cumarínico, sendo o warfarin sódico o mais utilizado; iniciamos sua administração com doses de 10 mg no adulto (dose única no dia), no sexto e no sétimo dias; no oitavo, nono e décimo dias, administram-se 5 mg/dia. A partir daí, suspende-se a heparina e dosa-se o tempo de 460

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protrombina, procurando mantê-lo em duas e três vezes o seu valor normal e com a medida de RNI entre 2,5 e 4,5. O início mais precoce do warfarin (em torno do terceiro ao quinto dia de tratamento com heparina) é possível em casos de TVP menos extensa, desde que a heparina seja mantida concomitantemente com o warfarin por três a quatro dias. Este esquema possibilita um tempo menor de permanência hospitalar, mas o seu uso não é possível em todos os casos. Mantém-se o anticoagulante oral por três a seis meses, dependendo de cada caso, com controle laboratorial quinzenal do RNI durante todo o tratamento, em virtude do grande número de interações medicamentosas e da influência da alimentação no efeito do medicamento. Deve-se dosar de maneira regular o tempo de tromboplastina parcial ativada, para o controle dos antagonistas da vitamina K, com seu valor sendo mantido acima de três vezes o normal. Merecem citação — complicações raras, mas muito graves — a síndrome da embriopatia warfarínica, decorrente da utilização do warfarin no primeiro trimestre de gestação, e as malformações do sistema nervoso central no feto, em decorrência da utilização de warfarin no segundo e no terceiro trimestres de gestação. O repouso no leito, com elevação do membro, tem por finalidade permitir que os trombos se tornem aderentes à parede venosa e também evitar que, com esforço maior ao caminhar, eles se desloquem e causem embolia pulmonar. O repouso deve ser mantido por pelo menos sete dias. Poderá ocorrer deslocamento dos trombos durante o esforço da evacuação, o que infelizmente não pode ser evitado com o repouso; porém a elevação dos membros diminui a pressão do sistema venoso e contribui para o alívio da dor e a diminuição importante do edema, aumentando a velocidade do sangue venoso, reduzindo a estase e a formação de novos trombos. O enfaixamento torna-se necessário, ao se iniciar a deambulação, para evitar o edema; durante o repouso, devido à elevação dos membros, ele não é obrigatório. A deambulação inicia-se de maneira progressiva, orientando-se o paciente para que evite permanecer de pé por período prolongado ou sentado com os membros inferiores para baixo. O desenvolvimento de drogas fibrinolíticas (estreptoquinase e uroquinase) trouxe, a princípio, grande expectativa, pois se tratava da substância ideal, que dissolveria o trombo, porém a maioria dos autores ainda não adotou este tratamento como sendo o padrão para a TVP. A dose de estreptoquinase utilizada é de 250.000 a 500.000 unidades EV, mantendo-se a seguir infusão contínua de 100.000 unidades/hora, por três a quatro dias. O risco de processo hemorrágico é cerca de três vezes maior do que o da heparina. O uso das heparinas de baixo peso molecular vem sendo preconizado para a trombose venosa profunda. Atualmente, resultados favoráveis vêm sendo obtidos para o tratamento

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da TVP poplítea-femoroilíaca com estes medicamentos, em doses de 80 a 120 mg ao dia, aplicados por via subcutânea, sendo a dose dividida em duas aplicações diárias. 2. Tratamento cirúrgico. O tratamento cirúrgico da TVP pode ser de dois tipos: aquele que impede que os trombos atinjam o pulmão (p. ex., técnicas de interrupção da veia cava) e o curativo (trombectomia venosa). A interrupção da veia cava é uma manobra boa e efetiva para interromper a recorrência de episódios de embolia pulmonar, sendo que a interrupção parcial apresenta menores complicações do que a ligadura completa. A interrupção parcial pode ser obtida por plicatura venosa, colocação de clipe de plástico ou uso de filtro transcaval sob radioscopia, exigindo um cirurgião especializado e material adequado. A ligadura completa da cava, realizada em casos emergenciais, pode ser feita pelo cirurgião geral, por incisão no flanco direito, atingindo-se a veia cava por via retroperitoneal. As principais indicações para estes procedimentos se encontram no Quadro 42-1. A trombectomia venosa é uma técnica antiga, que perdeu muito de seu impulso inicial na década de 60, passando a ser indicada apenas nos casos de flegmasia cerúlea dolens. Os trombos podem ser removidos com sucesso das veias mais calibrosas, como a femoral e a ilíaca, não se obtendo bons resultados na veia poplítea, ou mais abaixo, e em trombos com mais de cinco dias de evolução. A técnica operatória é bastante simples, utilizando-se um cateter de Fogart, para a retirada dos trombos proximais, e a faixa de Esmarch, para retirada dos distais. Mantém-se a heparinização pós-operatória. Para bons resultados, deve-se ter certeza de que todos os coágulos foram retirados; por isso, a flebografia intra-operatória é necessária. Podemos concluir que o importante na TVP é pensarmos na profilaxia, não apenas pelo desconforto da doença em si, mas, principalmente, pela gravidade das complicações. Sabemos que a TVP ocorre em menos de 10% dos pacientes classificados de baixo risco, em 10 a 40% dos classificados como de risco moderado e em 40 a 80% nos de alto risco, quando não se utiliza profilaxia. Atualmente, com o uso de HBPM na profilaxia, pelo seu menor risco hemorrágico em pacientes cirúrgicos, temos uma grata e significativa evolução no sentido de evitar ou diminuir a TVP. 3. Profilaxia. Nunca é demais enfatizar que o melhor tratamento para a trombose venosa profunda é a sua profilaxia. Pacientes acamados, ou em pós-operatórios complicados, ou ainda, em situações de pós-parto em que haja alto risco de trombose venosa, devem receber a tromboprofilaxia com heparina subcutânea — atualmente, prefere-se a heparina de baixo peso molecular, por ser mais estável em sua ação e apresentar menor incidência de complicações. Referências 1. Adar R, Salzaman EW. Treatment of thrombosis of veins of the lower extremities. N Engl J Med 1985; 292: 348. 462

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Capítulo 43 - Tromboembolismo Pulmonar Nilton Alves de Rezende José de Freitas Teixeira Júnior I. Introdução A embolia pulmonar é conceituada, genericamente, como a impactação de qualquer material (biológico ou artificial) no leito arterial pulmonar. Predominam entre os êmbolos os coágulos sangüíneos, seguidos, menos freqüentemente, por células neoplásicas, gotículas de gordura, bolhas de ar, material exógeno, como talco, e cateteres venosos. É consenso entre os autores que a embolia pulmonar, quase na totalidade dos casos, representa não uma doença em si, mas, fundamentalmente, uma complicação da trombose venosa profunda dos membros inferiores. O tromboembolismo pulmonar situa-se entre as principais causas de morbidade e mortalidade hospitalar, sendo responsável por 10-20% dos casos de morte hospitalar e 15% das mortes em pós-operatório, segundo estudos de necropsias. Estima-se que um terço dos episódios seja fatal, e que 75-90% das mortes ocorram nas primeiras horas. Mais ainda; dos 89% dos pacientes sobreviventes à primeira hora, apenas 29% são diagnosticados e tratados, com mortalidade em torno de 8%. Os pacientes não-diagnosticados apresentam mortalidade de 30%. Pouco se conseguiu na redução da mortalidade nas primeiras horas do episódio agudo, devido à escassez de tempo para o diagnóstico e o tratamento adequados. II. Fisiopatologia A conseqüência imediata do tromboembolismo pulmonar é a interrupção total ou parcial do fluxo sangüíneo para o leito vascular pulmonar distal, que resultará em alterações respiratórias e/ou hemodinâmicas de intensidades variáveis, dependendo do calibre do vaso ocluído, bem como das condições prévias do aparelho cardiorrespiratório. Do ponto de vista respiratório, a oclusão vascular tromboembólica determina a ventilação pulmonar em área pouco ou nada perfundida (espaço morto intrapulmonar). A ventilação desta área participa, de forma incompleta, do processo de troca gasosa. Com a redução do fluxo sangüíneo, ocorrerão hipocapnia broncoalveolar e liberação de mediadores químicos com broncoconstrição na área afetada, o que é um mecanismo homeostático tentando reduzir a ventilação desnecessária nesta região. Cerca de duas a três horas após o episódio de oclusão vascular, inicia-se a redução do surfactante alveolar, substância necessária à manutenção da integridade alveolar; 15-24 horas após a oclusão vascular, ocorre o colapso alveolar (atelectasia congestiva), expressão morfológica da instabilidade alveolar. Estas alterações respiratórias resultam na hipoxemia arterial observada nos pacientes com embolia pulmonar. A conseqüência hemodinâmica inicial do tromboembolismo pulmonar é a redução do leito vascular pulmonar, aumentando a resistência ao fluxo sangüíneo, com hipertensão pulmonar secundária. Estas alterações podem ocasionar falência aguda do ventrículo direito e, eventualmente, redução do débito cardíaco. O grau da obstrução e o calibre do vaso comprometido são os fatores determinantes das conseqüências hemodinâmicas na embolia 465

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pulmonar, embora mecanismos humorais e reflexos sejam também responsabilizados. Estima-se que seja necessário o comprometimento de pelo menos 50% do leito vascular pulmonar para que ocorra elevação significativa da pressão arterial pulmonar e, conseqüentemente, a síndrome do cor pulmonale. Pacientes que já apresentavam comprometimento cardiorrespiratório prévio ao episódio de tromboembolismo pulmonar podem cursar com agravamento das condições hemodinâmicas e respiratórias com êmbolos de menor extensão. Estudos clínicos e experimentais demonstraram que o infarto pulmonar é uma complicação relativamente rara do tromboembolismo pulmonar (menos de 10% dos casos), exceto quando ocorre em pacientes com ICC, DBPOC e estenose mitral. Sabe-se que, mesmo durante a obstrução total do fluxo sangüíneo, a necrose do parênquima pulmonar é infreqüente. Este fenômeno é explicado pelas inter-relações das circulações arterial pulmonar e brônquica. III. Quadro Clínico O quadro clínico do tromboembolismo pulmonar (TEP) é caracteristicamente variável, freqüentemente atípico e inespecífico. Pode ocorrer desde morte súbita, quando a oclusão vascular ocorre no tronco ou ramo principal da artéria pulmonar, até quadros mais brandos de infarto pulmonar, comprometendo um ramo delgado e distal da artéria pulmonar. Algumas vezes o TEP não se manifesta clinicamente, sendo achado de necropsia. O único sintoma pode ser dispnéia súbita e inexplicável de intensidade variável, paroxística ou constante, impossibilitando a deambulação em casos graves. A dispnéia é o sintoma mais importante do TEP. A dor torácica é comum, porém dor torácica tipo pleurítica e hemoptise ocorrem particularmente nos pacientes com infarto pulmonar. A embolia pulmonar subaguda recidivante pode ocorrer em pacientes com patologias cardiopulmonares, como também em indivíduos aparentemente sadios. Os sintomas são variáveis, com episódios de dispnéia, taquicardia, dor torácica não-característica, tosse produtiva e adinamia. Quase sempre, o sintoma mais importante é a dispnéia com opressão torácica. Quando não estão presentes as circunstâncias precipitantes de TEP, muitos pacientes passam meses com dispnéia progressiva ou são rotulados como bronquíticosenfisematosos, portadores de ICC com coração “normal” ou até mesmo psiconeuróticos. O exame físico pode ser normal ou estar restrito às doenças anteriores do paciente (DBPOC, ICC, estenose mitral etc.) Especificamente, podem ser detectados sibilos ou crepitações na área afetada. Em casos de infarto pulmonar, o atrito pleural pode ser percebido. A taquicardia é um achado freqüente. Alterações secundárias à hipertensão pulmonar (hiperfonese de B2, sopro pulmonar, sinais de dilatação de ventrículo direito) são infreqüentes e observadas apenas nos casos graves de TEP. Em resumo, as manifestações clínicas e os achados do exame físico, isoladamente, não são suficientes para definir com certeza o diagnóstico de embolia pulmonar. IV. História Natural

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Após o episódio agudo, dois mecanismos promovem o restabelecimento do fluxo vascular: o sistema fibrinolítico e o processo de organização do trombo. O sistema fibrinolítico começa a atuar imediatamente após o episódio de TEP, enquanto a organização do trombo ocorre por volta do décimo dia de evolução. Na imensa maioria dos episódios, a ação simultânea ou isolada destes sistemas permite o restabelecimento integral do parênquima pulmonar. O desenvolvimento da circulação brônquica colateral ocorre freqüentemente, e, nos casos onde persiste a oclusão da artéria pulmonar, a nova circulação restabelece o fluxo sangüíneo, permitindo a produção de surfactante. Com isto, a estabilidade alveolar é readquirida, desfazendo-se as atelectasias. Este processo se completa em duas a três semanas, período em que habitualmente desaparecem as alterações radiológicas. Os infartos pulmonares podem regredir depois da recanalização dos trombos. Outros se retraem, podendo deixar cicatrizes fibróticas, cuneiformes e espessamentos pleurais. Nestes casos, não é infreqüente a sobreposição de processos infecciosos. V. Abordagem Diagnóstica Apresenta elementos de incerteza e dificuldade. O TEP enquadra-se num grupo muito especial: é potencialmente letal (30% de mortalidade sem tratamento) e potencialmente tratável (8% de mortalidade com tratamento). Devem-se ter sempre em mente os fatores de risco de trombose venosa profunda, assim como alto índice de suspeita de TEP em várias circunstâncias clínicas, como dispnéia súbita inexplicada, descompensação de ICC, taquipnéia/taquicardia inexplicáveis, síndrome do infarto/hemorragia pulmonar, dor torácica e tosse inexplicadas, febre/atelectasia/infiltrado pulmonar/derrame pleural, taquiarritmias paroxísticas inexplicadas e/ou de difícil controle, elevação súbita da PVC com sinais de hipoperfusão de órgãos (oligúria, sudorese, palidez cutânea), confusão mental, piora da dispnéia e da hipoxemia em pacientes com DBPOC que não respondem aos broncodilatadores, redução da PaCO2 em pacientes com DBPOC e retenção conhecida de PaCO2, além de embolia arterial paradoxal. O conjunto de sinais e sintomas do TEP é inespecífico, apesar de relativamente mais sensível. É grande o número de patologias que promovem o diagnóstico diferencial (Quadro 43-1). Estima-se que a dispnéia ocorra em torno de 90% dos pacientes. Conseqüentemente, admite-se ser muito pouco provável um paciente cursar com embolia pulmonar significativa completamente assintomático. Os sinais, sintomas e as circunstâncias clínicas servem como elementos de apoio para a decisão de que sejam solicitados exames completamentares que confirmarão ou afastarão o diagnóstico de TEP. A. Exames complementares gerais. A gasometria arterial mostra PaO2 inferior a 90 mmHg em 90% dos pacientes. O cálculo do gradiente alveoloarterial [P(A-a)O2] pode ser útil quanto à sensibilidade, contudo não fornece discriminação entre os vários diagnósticos diferenciais. A PaO2 é obtida diretamente da gasometria, e a PaO2 (pressão alveolar) pode ser deduzida pela equação: PaO2 = [Pressão barométrica (760 mmHg) – PH2O (47 mmHg) ö FIO2 – PaCO2/0,8]. A toracocentese com análise do líquido pleural não é obrigatoriamente realizada em pacientes com suspeita de TEP, exceto quando se suspeita da existência de processo

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infeccioso e/ou neoplásico (trombolíticos não deverão ser administrados por 10 dias, em caso de toracocentese). O ECG é inespecífico, mas particularmente útil no diagnóstico diferencial. Suas alterações tornam-se expressivas na embolia pulmonar maciça (S1Q3, bloqueio de ramo direito, onda P pulmonale, desvio do SAQRS para a direita). A radiografia do tórax deve ser sempre solicitada. Existe uma enorme discrepância, na literatura, quanto à incidência de alterações radiológicas no TEP. Acreditamos que um dos motivos seja o momento em que a radiografia é realizada, visto que as alterações de atelectasia congestiva são provavelmente as mais freqüentes e só ocorrem a partir de 12-24 horas. De modo geral, a radiografia do tórax é um teste de screening pouco sensível na embolia pulmonar. Sua maior utilidade reside na capacidade de sugerir diagnósticos, como pneumonia, insuficiência cardíaca e pneumotórax. A perda de surfactante pode resultar em reduções regionais do volume pulmonar, com elevação da cúpula diafragmática e do infiltrado pulmonar. Já o infarto pulmonar pode apresentar-se com derrame pleural e/ou consolidação parenquimatosa, caracteristicamente sem broncograma aéreo. Zonas avasculares (sinal de Westermark) são infreqüentes e de difícil observação, mas, uma vez presentes, sugerem o diagnóstico de TEP. A radiografia de tórax pode estar normal em 30% dos casos. B. Exames complementares específicos. A cintilografia de perfusão pulmonar utiliza-se de macroagregados de albumina ou microesferas marcadas com tecnécio-99. Este material promove a obstrução de aproximadamente 0,1% do leito vascular pulmonar, identificando áreas com defeito perfusional. Sua interpretação deve ser feita com o auxílio da radiografia de tórax, uma vez que seu valor torna-se menor na presença de alterações pulmonares prévias. A cintilografia de perfusão ocupa posição estratégica quanto às decisões diagnósticas no TEP. Quando normal, exclui embolia pulmonar clinicamente significativa. Já uma cintilografia perfusional alterada é inespecífica, uma vez que pode ser resultante de condições que produzem aumento de densidade aos raios X do tórax (pneumonia, atelectasia, derrame pleural), ou então redução regional da ventilação com radiografia do tórax normal (DBPOC, asma, rolha brônquica, bronquite). A cintilografia de ventilação utiliza gases radioativos como133Xe e 127Xe, ou aerossol de 99Tc. Ela objetiva aumentar a especificidade de uma perfusão anormal, diferenciando a oclusão embólica da vasculatura pulmonar dos defeitos de perfusão relacionados à alteração primária da ventilação. Portanto, parte-se da premissa de que defeitos de perfusão acompanhados de ventilação normal (discordância V-Q significativa) são conseqüentes à embolia pulmonar, ao passo que alterações com “concordância V-Q” podem ser tanto TEP como outras condições que alterem a ventilação pulmonar. A cintilografia de ventilação é caracteristicamente útil na vigência de defeito de perfusão significativo (superior a 75% de um segmento pulmonar), acompanhado de discordância V-Q (86% de TEP à arteriografia pulmonar). As situações intermediárias (defeitos perfusionais subsegmentares com discordância V-Q, defeitos de perfusão com alteração local aos raios X de tórax, defeitos perfusionais com concordância V-Q) são consideradas não-diagnósticas, com freqüência de 15-40% de TEP.

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A investigação da trombose venosa profunda (TVP) ocupa espaço cada vez mais importante, uma vez que a introdução de métodos não-invasivos possibilita o diagnóstico de TEP sem a necessidade de arteriografia pulmonar, nos casos duvidosos à cintilografia de ventilação-perfusão. O diagnóstico clínico de TVP é freqüentemente falho, sendo essencial a análise dos fatores de risco de TVP (ver Quadro 43-2), além da utilização de métodos invasivos (flebografia com ou sem radioisótopos) e não-invasivos (pletismografia de impedância, Doppler, ultra-som bidimensional + Doppler = duplex-scan). No nosso meio são predominantemente utilizados o Doppler e o duplex-scan. O primeiro pode ser útil em mãos experientes, apresentando, entretanto, alto índice de subjetividade. O duplex-scan tem sido utilizado mais freqüentemente, com níveis bastante aceitáveis de sensibilidade e especificidade, quando comparado à flebografia; apresenta o inconveniente de reduzida sensibilidade para trombose venosa distal, devendo ser repetido a intervalos regulares quando se apresentar inicialmente negativo em caso de alta probabilidade. A arteriografia pulmonar representa o procedimento consensualmente aceito como referência diagnóstica de TEP. Defeito de enchimento constante em vários filmes e/ou terminação abrupta de um vaso com diâmetro superior a 2,5 mm são os critérios utilizados como diagnóstico. Mais recentemente, a resolução diagnóstica da arteriografia pulmonar foi aumentada e o seu risco diminuído com o cateterismo seletivo e a infusão de menores volumes de contraste. Este é um exame relativamente pouco usado em nosso meio, seja pela precariedade de nossos recursos, seja por ser um método invasivo, não isento de riscos; é indicado nos casos em que se cogita de embolectomia pulmonar e nos pacientes de diagnóstico duvidoso com alto risco para terapêutica anticoagulante. A Fig. 43-1 mostra esquematicamente uma proposta de abordagem diagnóstica ao TEP. VI. Tratamento A. Medidas gerais. Oxigênio suplementar deve ser fornecido em casos de hipoxemia. A hipotensão arterial deve ser tratada com solução salina EV e, se necessário, inotrópicos. Cuidados suportivos específicos (inclusive ventilação artificial) deverão ser providenciados nos casos de embolia pulmonar maciça ou em pacientes comprometidos por doença cardiorrespiratória prévia. B. Anticoagulação inicial. O objetivo principal é a prevenção do próximo êmbolo. Heparina EV deve ser administrada o mais rapidamente possível, desde que o diagnóstico de TEP tenha sido seriamente cogitado, exceção feita aos pacientes com risco importante à terapêutica anticoagulante. Observadas estas considerações, julgamos pertinente o início da terapêutica com heparina antes da confirmação diagnóstica pelos exames complementares. Solicitam-se, habitualmente, antes de iniciar a heparina a cada 24 horas, eritrograma, plaquetas, PTTa e protrombina. Administra-se uma dose inicial de 5.000-10.000 UI EV, seguida de 1.000 UI/hora por infusão contínua, por cinco a sete dias. O PTTa será dosado a cada seis horas, até se alcançar o nível desejado, entre 1,5 e 3 vezes o controle (Quadro 433). Não se dispondo de bomba de infusão, utilizam-se 5.000 UI EV a cada quatro horas, ainda que este esquema possa aumentar a incidência de sangramento, principal complicação da heparina (5-10% durante o início da dose contínua EV). A trombocitopenia induzida pela heparina ocorre em torno de 45% dos pacientes recebendo a droga EV. Os pacientes

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não deverão receber medicação intramuscular (IM) durante este período. No Quadro 43-2, vêem-se as contra-indicações absolutas e relativas aos anticoagulantes. Estudos iniciais têm demonstrado a eficácia do uso de heparina de baixo peso molecular no tromboembolismo pulmonar. O número de estudos realizados até o momento ainda é pequeno, havendo necessidade de uma maior experiência clínica antes de se aceitar este tratamento como definitivo. C. Anticoagulação prolongada. O warfarin é iniciado no segundo dia de tratamento, na dose de 10 mg. As doses subseqüentes deverão manter o tempo de protrombina entre 1,25 e 1,5 vez o controle, equivalente à Relação Normatizada Internacional (RNI) entre 2 e 3. Usamse heparina e warfarin por cinco a sete dias, suspendendo-se a heparina após obtidos dois dias consecutivos do tempo de protrombina desejado. A duração do uso do anticoagulante não se encontra completamente estabelecida. Há consenso em usá-los pelo menos por um mínimo de três meses, podendo estender-se por seis meses, um ano ou até indefinidamente. O critério utilizado é a persistência de fatores de risco significativos para a TVP (Quadro 43-4). A possibilidade de síndrome de hipercoagulabilidade deve ser lembrada nos casos de TVP/TEP sem fatores de risco definidos. Propedêutica adequada deve ser desenvolvida, uma vez que vários desses pacientes podem necessitar de anticoagulação prolongada. O warfarin não deve ser empregado durante a gravidez. D. Uso de agentes trombolíticos. Este é um assunto recente e ainda polêmico. Os agentes trombolíticos são reservados para pacientes com embolia pulmonar maciça, com diagnóstico confirmado, que permaneçam hipotensos ou em insuficiência cardíaca direita, a despeito da ressuscitação inicial. Devem ser respeitadas as contra-indicações aos trombolíticos (Quadro 43-5), e as doses preconizadas (Quadro 43-6) devem ser seguidas por terapêutica anticoagulante. E. Interrupção da veia inferior. Procedimento utilizado na minoria dos pacientes. Constituem indicações: grande sangramento secundário ao uso de anticoagulantes, contraindicação aos anticoagulantes e recorrência de embolia pulmonar a despeito de anticoagulação adequada. São utilizados filtros transvenosos ou, excepcionalmente, a ligadura da veia cava (quando da impossibilidade do uso do filtro ou êmbolo séptico infradiafragmático). F. Embolectomia pulmonar. Situação excepcional que deve ser considerada naqueles pacientes com TEP que permaneçam em choque após terapêutica com trombolíticos ou que não possam dela se utilizar. Exige-se diagnóstico confirmado por arteriografia pulmonar antes de se submeter o paciente a este tipo de procedimento. VII. Prevenção Compreensivelmente, a possibilidade de profilaxia da trombose venosa profunda é extremamente atrativa. Inicialmente identificam-se os grupos de risco. Entre os pacientes cirúrgicos, temos: idade superior a 40 anos, cirurgia com duração acima de 30 minutos, imobilização prolongada, doença maligna, obesidade, varizes de membros inferiores, uso de estrogênio e história pregressa de TVP/TEP. É fundamental considerar o tipo de 470

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procedimento cirúrgico, uma vez que se observa estreita relação entre TVP e determinadas cirurgias (Quadro 43-7). Entre as condições clínicas, há estudos demonstrando a redução da TVP pela heparina em baixas doses nos pacientes hospitalizados com infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca e/ou infecção pulmonar. Atualmente, oito métodos são utilizados na prevenção da TVP, cada um com suas indicações, vantagens e desvantagens. Nem todos se encontram disponíveis em nosso meio. A heparina é utilizada duas horas antes da cirurgia, 5.000 UI por via subcutânea de 12-12 horas, até a alta hospitalar. Mais recentemente, tem sido estudada a heparina de baixo peso molecular (HBPM), com frações obtidas de heparina estandardizada não-fracionada. Estas frações teriam menor capacidade de reduzir o PTTa, mantendo, contudo, a propriedade de inibir o fator Xa. Demonstrou-se também menor redução na função plaquetária e na permeabilidade vascular, bem como meia-vida biológica maior do que a da heparina convencional. Estas propriedades resultariam em menor sangramento, com igual efeito antitrombótico, incidência menor de trombocitopenia, dose única diária e eficiência igual ou maior do que a da heparina convencional. Inúmeros estudos encontram-se em andamento, e os resultados iniciais são bastante promissores. O warfarin tem sido administrado na dose de 10 mg na noite anterior à cirurgia, seguidos de 5 mg por volta das 18 horas do dia da cirurgia (considerando-se que a cirurgia tenha sido realizada pela manhã). A seguir, a dose diária é determinada pelo tempo de protrombina, que deverá situar-se em torno de 1-2 vezes o valor do controle. A dextrana 70 é utilizada na dose de 500 ml, iniciada imediatamente antes e mantida durante a cirurgia. No pós-operatório, uma segunda dose de 500 ml é infundida no período de 12 horas. Nos três dias subseqüentes, a dextrana deverá ser administrada em doses de 500 ml a cada 24 horas. Parece não haver diferença significativa entre a dextrana 40 e a 70 quanto à eficiência e segurança. As dificuldades concentram-se nas reações anafilactóides e no volume infundido em cardiopatas. A compressão pneumática externa é um método mecânico para aumentar o fluxo sangüíneo. Ela é acionada na manhã da cirurgia, sendo utilizada ininterruptamente durante a cirurgia e nas primeiras 48 horas de pós-operatório; pode ser interrompida temporariamente para banho e cuidados locais. A meia elástica de compressão progressiva pode ser utilizada desde o pré-operatório, durante e após a cirurgia, podendo também ser removida para cuidados locais. O Quadro 43-7 traz as recomendações preconizadas para a prevenção da TVP. Já se encontra bem estabelecido que a TVP pode ser prevenida de forma eficiente na maior parte dos casos. É provável que a redução da mortalidade nas primeiras horas do TEP só seja possível por meio da prevenção, uma vez que não há tempo para medidas diagnósticas e terapêuticas de sucesso. Apesar da grande literatura favorável aos métodos preventivos, é muito baixo o número de pacientes internados que recebem abordagem profilática adequada. Sabe-se que o uso 471

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rotineiro de heparina subcutânea, em cirurgia geral, poderia evitar a morte de um em cada 200 pacientes por TEP. Há algumas explicações para o baixo número de profilaxias: receio de sangramento, desconhecimento e falsa sensação de segurança no dia-a-dia da clínica. Muitas mortes por TEP ocorrem em hospitais e não são diagnosticadas, uma vez que o número de necropsias é muito baixo. Estudo realizado em grande hospital acadêmico nos EUA, com especial interesse no problema, revelou que somente 30% dos pacientes com embolia pulmonar fatal foram corretamente diagnosticados antes de suas mortes. Referências 1. Andersen BS, Steffensen FH, Sorensen HT et al. The cumulative incidence of venous thromboembolism during pregnancy and puerperium-an 11 year Danish population-based study of 63,300 pregnancies. Acta Obstet Gynecol Scand 1998 Feb; 77(2): 170-3. 2. Carson JL et al. The clinical course of pulmonary embolism. N Engl J Med 1992; 326: 1.240. 3. Charland SL, Klinter DE. Low-molecular-weight heparins in the treatment of pulmonary embolism. Ann Pharmacother 1998 Feb; 32(2): 258-64. 4. Geerts WH. Pulmonary embolisms. In: Rakel RE. Conn’s Current Therapy. Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1992: 179. 5. Goldhabger SL, Braunwald E. Pulmonary embolism. In: Braunwald E. Heart Disease. 4 ed., Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1992: 1.558. 6. Hirsh J. Drug therapy: Oral anticoagulant drugs. N Engl J Med 1991; 324: 1.865. 7. Hirsh J. Rationale for development of low molecular weight heparins and their clinical potencial in the prevention of postoperative venous thrombosis. Am J Surg 1991; 161: 5128. 8. Hull RD et al. Subcutaneous low-molecular-weight heparin compared with continous intravenous heparin in the treatment of proximal-vein thrombosis. N Engl J Med 1992; 326: 975. 9. Hull RD, Raskob GE. Pulmonary thromboembolism. In: Kelley WN. Textbook of Internal Medicine. 2 ed., Philadelphia: J.B. Lippincott Company, 1992: 1.776. 10. Hull RD, Raskob GE, Rosenbloom D et al. Treatment of proximal vein thrombosis with subcutaneous low-molecular-weight heparin vs intravenous heparin. An economic perspective. Arch Intern Med 1997 Feb 10; 157(3): 289-94. 11. Hunt D. Low-molecular-weight heparins in clinical practice. South Med J 1998 Jan; 91(1): 2-10.

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12. Low-molecular-weight heparin in the treatment of patients with venous thromboembolism. The Columbus Investigators. N Engl J Med 1997 Sep 4; 337(10): 65762. 13. Merli GJ, Martinez J. Prophylaxis for deep with thrombosis and pulmonary embolism in the surgical patient. Med Clin N Am 1987; 71(4): 377-97. 14. Moser KM. Venous thromboembolism. Am Rev Respir Dis 1990; 141: 235-49. 15. Moser KM. Pulmonary thromboembolism. In: Wilson JD et al. Harrison’s Principles of Internal Medicine. 12 ed., McGraw Hill, 1991: 1.090. 16. Senior RM. Pulmonary embolism. In: Wyngaarden JB, Smith LH, Bennett JC. Cecil Textbook of Medicine. 19 ed., Philadelphia: WB. Saunders Co., 1992: 421. 17. Shapiro SD, Campbell EJ. Pulmonary embolism. In: Dunagan WC, Ridner ML. Manual of Medical Therapeutics. 2 ed., Boston: Little, Brown and Company, 1989: 209. 18. Silver D. An overview of venous thrombembolism. Prophylaxis. Am J Surg 1991; 161: 537-40. 19. Ware JA, Salzman E. Deep venous thrombosis and acute pulmonary embolism. In: Aronson MD, Delbancos TL. Manual of Clinical Evaluation. Boston: Little, Brown and Company, 1988: 56. 20. Wheeler HB, Andersons FA. Prophylaxis against venous thromboembolism in surgical pacients. Am J Surg 1991; 161: 507. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 44 - Derrame Pleural Evilázio Teubner Ferreira Sizenando Vieira Starling I. Introdução. A presença de quantidade anormal de líquido na cavidade pleural é uma ocorrência comum na prática clínica, seja como repercussão de uma doença sistêmica, seja como repercussão de uma patologia primária desta serosa. A pleura é uma membrana serosa que recobre o pulmão, a parede torácica, o diafragma e o mediastino. Ela forma um saco fechado que encerra o espaço pleural e separa o pulmão das estruturas adjacentes. A pleura visceral compreende a porção que recobre o pulmão, sendo irrigada, portanto, pela circulação pulmonar; o restante denomina-se pleura parietal e recebe irrigação da circulação sistêmica. O espaço pleural não contém ar, apenas pequena quantidade de líquido seroso que permite o deslizamento de ambas as pleuras praticamente sem atrito, sendo considerado, portanto, espaço virtual. É bom lembrar que a pressão desse espaço é subatmosférica, produzida devido à capacidade de retração elástica do pulmão (complacência pulmonar). A pleura parietal é bem suprida por terminações nervosas, enquanto a pleura visceral é insensível. Só há dor quando a doença pulmonar se estende ou acomete a pleura parietal ou a parede torácica. II. Etiopatogenia O líquido pleural é constantemente formado e absorvido. O transporte do líquido através do espaço pleural depende de forças osmóticas e hidrostáticas geradas nos capilares das pleuras visceral e parietal. Em condições normais, o líquido passa da pleura parietal (alta pressão hidrostática da circulação sistêmica) para o espaço pleural, sendo, posteriormente, reabsorvido pela pleura visceral (baixa pressão hidrostática da circulação pulmonar). As proteínas, as hemácias e outras substâncias são removidas do espaço pleural pelos linfáticos pleurais. Entretanto, todas essas forças podem estar alteradas, e a remoção do líquido pleural pode ser feita de maneira mais lenta, ou sua formação aumentada. Um aumento da permeabilidade capilar originária de um processo inflamatório, uma diminuição da pressão oncótica originária de uma hipoalbuminemia, um aumento da pressão hidrostática dos capilares pulmonares e uma obstrução dos canais linfáticos locais ou distantes são alterações que conduzem às coleções de líquido no espaço pleural. Com poucas exceções, mais notadamente os tumores pleurais, os processos patológicos da pleura têm origem em outras áreas.

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Portanto, os sinais de distúrbio pleural podem ser a primeira evidência de um processo patológico que está se desenvolvendo em uma região relativamente silenciosa, como o mediastino ou a periferia do pulmão. III. Sinais e Sintomas A dispnéia é o principal sintoma dos casos de derrame pleural, sendo sua intensidade, geralmente, proporcional à quantidade de líquido no espaço pleural. Nos processos infecciosos na sua fase aguda, pode ocorrer dor tipo pleural de intensidade moderada. No exame físico, é importante salientar a presença de atrito pleural na fase inicial dos processos infecciosos, quando não há, ainda, líquido na cavidade. Depois que o líquido se acumula, surgem os sinais clássicos: expansibilidade torácica diminuída, frêmito toracovocal e murmúrio vesicular abolidos, e macicez à percussão do hemitórax acometido. IV. Estudo Radiológico O quadro radiológico é clássico na maioria das vezes, observando-se uma hipotransparência de densidade homogênea com curva parabólica (quando o derrame é em cavidade livre) e um desvio do mediastino para o lado oposto ao do derrame. Nos casos duvidosos ou em derrames pequenos (300 a 500 ml), também deve ser feito o estudo radiológico do tórax em decúbito lateral, com o lado comprometido inferiormente. Atualmente, com o emprego do ultra-som, o diagnóstico dos derrames pleurais pequenos tornou-se mais fácil. O uso da tomografia computadorizada do tórax possibilita maior precisão no diagnóstico dos derrames pleurais, assim como determina o seu aspecto. V. Diagnóstico Diferencial Em todos os casos de derrame pleural, torna-se necessária e imprescindível uma toracocentese para orientar a etiologia do processo. É importantíssima a característica macroscópica do líquido, porque ela classifica inicialmente os vários tipos de derrame. A. Derrame seroso ou amarelo citrino. Pode ser exsudato ou transudato. A diferenciação se faz pela análise do líquido pleural obtido pela punção. Os exsudatos resultam de processos infecciosos, inflamatórios ou neoplásicos que alteram a permeabilidade capilar, sendo, portanto, líquidos com alto teor protéico (acima de 3,0 g%) e quantidade importante de leucócitos. Nos derrames neoplásicos o teor protéico geralmente fica abaixo de 3,5 g%, enquanto que na tuberculose pleural se situa freqüentemente acima de 4 g%. A biópsia pleural é necessária e, na maioria dos casos, diagnóstica. As principais causas são tuberculose, colagenoses, pancreatite e tumores metastáticos (embora estes últimos mais freqüentemente sejam seroemorrágicos).

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Os transudatos são os líquidos que se formam devido a uma diminuição da pressão oncótica do plasma, ou a um aumento da pressão hidrostática dos capilares pleurais, ou ainda a uma diminuição da pressão intrapleural. São, portanto, líquidos com baixo teor protéico e poucos leucócitos. Nestes casos, a toracocentese geralmente é para alívio, porque normalmente já existe uma doença sistêmica diagnosticada. As principais causas são: insuficiência cardíaca congestiva, cirrose hepática e hipoalbuminemia. Alguns autores indicam análises químicas no líquido pleural, para uma diferenciação segura entre trans e exsudatos: (a) proporção de proteína pleural e sérica (maior do que 0,5 nos exsudatos); (b) nível de desidrogenase láctica no líquido pleural (maior do que 200 UI/l nos exsudatos); (c) proporção de desidrogenase láctica no líquido pleural e sérica (maior do que 0,6 nos exsudatos). A dosagem de adenosina deaminase (ADA) nos exsudatos citrinos é importante no diagnóstico diferencial entre tuberculose e neoplasia. Na tuberculose, a ADA se situa acima de 50 UI/l. A ADA está elevada nos derrames pleurais da artrite reumatóide e nos empiemas (Quadro 44-1). B. Derrame hemorrágico. Os derrames hemorrágicos traumáticos são intensamente sanguinolentos, com uma história de trauma prévio, e são abordados em capítulo à parte. Os de origem não-traumática são, na maioria das vezes, seroemorrágicos, havendo necessidade, geralmente, de biópsia pleural para esclarecimento da etiologia do processo. As causas mais freqüentes são os de origem neoplásica primitivos (mesoteliomas) ou secundários (metástases de neoplasia de mama e de pulmão principalmente), a tromboembolia pulmonar e o pneumotórax espontâneo. C. Derrame purulento. A realização deste diagnóstico não oferece muita dificuldade, uma vez que o aspecto do líquido e, em alguns casos, o odor são prontamente reconhecidos. Algumas vezes, o líquido se apresenta com coloração amarelo-turva, devendo-se fazer o diagnóstico diferencial com derrames serosos. Nestes casos, o pH abaixo de 7,2 e a dosagem de glicose abaixo de 40 mg% definem a necessidade de drenagem torácica, segundo alguns autores. O empiema é provocado por extensão de um processo parenquimatoso, ou por continuidade, ou por formação de fístula broncopleural. Cultura, bacterioscopia e antibiograma do material obtido pela toracocentese devem ser realizados sempre. Os agentes mais comuns são o esfafilococo e os bacilos gram-negativos, associados ou não aos anaeróbios. Além da origem bacteriana, pode-se ter também o empiema fúngico. D. Derrame quiloso. Tem aspecto clássico de líquido leitoso, com alto teor de gordura e ácidos graxos (acima de 40 mg/100 ml). Pode ocorrer sem causa aparente, como conseqüência de malformação congênita do duto torácico, secundário a trauma ou cirurgia torácica e como complicação de neoplasia do pulmão e do mediastino (principalmente doença de Hodgkin), devido à obstrução da drenagem linfática. E. Outros. Podem-se enquadrar aqui a ruptura do esôfago torácico devido a dilatações excessivas, intervenções cirúrgicas ou trauma torácico. Nestes casos ocorre, na maioria das vezes, mediastinite associada de grave evolução. O diagnóstico é obtido pela identificação 476

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de substâncias ingeridas e/ou suco gástrico no líquido pleural e pelo extravasamento de contraste hidrossolúvel para a cavidade torácica. O derrame pleural, nestes casos, apresenta um pH baixo e dosagem de amilase elevada. VI. Conduta e Tratamento Neste tópico abordamos somente o tratamento cirúrgico adequado a cada tipo específico de derrame pleural. O tratamento clínico foge à abordagem deste capítulo (Quadro 44-2). A. Derrame citrino. Nos casos de exsudatos, além da toracocentese, está sempre indicada a biópsia pleural percutânea. Em casos de transudatos, apenas a toracocentese traz alívio, visto que o diagnóstico geralmente já é conhecido. B. Derrame hemorrágico. Nos casos de derrames não-traumáticos, novamente estará sempre indicada a biópsia pleural. Quando o derrame é de origem neoplásica, tornam-se necessárias várias toracocenteses de alívio, porque este tipo de derrame se refaz com certa freqüência. Para evitar isso, alguns autores indicam a injeção de substâncias antineoplásicas e/ou substâncias irritantes pleurais, a fim de se promoverem aderências entre as duas pleuras. Os derrames traumáticos são abordados em outro capítulo. C. Derrame purulento. Está sempre indicada, após punção confirmadora, a drenagem torácica em selo d’água com dreno rígido e grosso. A evolução de alguns casos pode não ser boa, sendo necessária uma drenagem torácica com costectomia; em casos mais avançados, com encarceramento pulmonar, faz-se precisa uma toracotomia com decorticação para libertação deste pulmão. D. Derrame quiloso. É um tipo de derrame bastante raro. Geralmente se resolve bem com drenagem torácica fechada. Alguns casos necessitam toracotomia, quando a drenagem é de grande quantidade e persistente. VII. Toracocentese, Biópsia Pleural e Pleuroscopia A. Toracocentese. Obtido o diagnóstico de derrame pleural, está sempre indicada a toracocentese ou punção pleural. Esta tem dois objetivos básicos: primeiro, proporciona a classificação do tipo de derrame, de acordo com o aspecto macroscópico do líquido, orientando, assim, a propedêutica a ser continuada; segundo, dá alívio aos sintomas do paciente, quando esvaziamos o derrame. A toracocentese será mais bem realizada após cuidadosa localização do derrame, através do exame físico e do estudo radiológico. Os locais de escolha para realização da punção são, em primeiro lugar, sétimo espaço intercostal do lado acometido, na linha axilar média, com o paciente em decúbito dorsal com a cabeceira elevada a 45º e com as mãos colocadas na 477

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região occipital; a segunda opção é a punção posterior, um a dois espaços intercostais abaixo da ponta da escápula, com o paciente sentado e com as mãos na região occipital. Após anti-sepsia rigorosa, infiltram-se a pele, a musculatura intercostal e a pleura parietal com anestésico local. Punciona-se o derrame com agulha fina, que pode ser a agulha usada para anestesia local ou outra mais longa, a fim de confirmar o derrame, colher o líquido para exame laboratorial e avaliar o seu aspecto macroscópico para a sua devida classificação. A seguir, introduz-se a agulha apropriada (agulha de Cope), após pequena incisão na pele, rente e acima da borda superior da costela inferior do espaço intercostal escolhido, até que ela penetre na pleura parietal e atinja o derrame. Para esvaziamento do derrame, considera-se mais eficaz o método de conexão de um equipo de plástico de soro à agulha de punção e coleta do líquido em frasco esterilizado. Ocasionalmente, durante o esvaziamento, podem ocorrer dor torácica, desconforto respiratório e tosse; estes sintomas servem de critério clínico para interrupção da punção. Alguns autores consideram que não se devem remover mais de 1.500 ml de um derrame maciço de uma só vez. B. Biópsia pleural. A biópsia pleural com agulha de Cope é indicada para todo paciente em que o diagnóstico não esteja claro, e que tenha líquido suficiente para tornar o procedimento seguro. Ela é de alto grau de fidedignidade. A biópsia pleural deve ser feita logo após a colheita do líquido pleural para exame, antes de se esvaziar o derrame, para poder tornar este procedimento sem riscos. A técnica da biópsia está ilustrada na Fig. 44-1. Os fragmentos obtidos devem ser colocados em frascos com formol a 10% e enviados para exame histopatológico. C. Pleuroscopia. Está indicada nos derrames serosos e seroemorrágicos de etiologia nãoesclarecida após duas toracocenteses com biópsia pleural. Referências 1. Besson LN, Fergusson TB, Burford TH. Chylothorax. Am Thorac Surg 1971; 12: 527. 2. Camargo JJ. In: Silva LCC. Compêndio de Pneumologia. Caps. 77, 78. São Paulo: Fundação BYK, 1991. 3. McClement JH. Doenças da pleura. In: Beeson PD, McDermontt W. Tratado de Medicina Interna de Cecil-Loeb. 14 ed., Rio de Janeiro: Editora Interamericana, 1977. 4. Salles CA. Punções. In: Savassi-Rocha PR, Fonseca FP. Cirurgia Ambulatorial. 1 ed., Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1979. 5. Silva LCC. In: Silva LCC. Compêndio de Pneumologia. Cap. 76. São Paulo: Fundação BYK, 1991.

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6. Takaro T. Pleura e empiema. In: Sabiston DS. Tratado de Cirurgia de DavisChristopher, 11 ed., Rio de Janeiro: Editora Interamericana, 1979. 7. Teixeira J. Toracocentese. Toracotomias. In: Goffi F. Técnica Cirúrgica, 1 ed., São Paulo: Livraria Atheneu, 1978. 8. Trench NF, Saad Jr. R. Cirurgia Torácica, 1 ed., São Paulo: Panamed Editorial, 1983. 9. Tsuzuki S, Marques EF. Punção e drenagem do tórax. In: Zerbini EJ. Clínica Cirúrgica Alípio Corrêa Neto, 1 ed., São Paulo: Editora Sarvier, 1974. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 45 - Arritmias Cardíacas Fernando Resende Pompeu I. Sistema de Condução do Coração — Ativação do Coração Determinadas células cardíacas possuem a propriedade de gerar estímulos elétricos automaticamente. Estas células formam o sistema específico de condução do coração. O sistema é composto do nódulo sinoatrial, feixes internodais, nódulo atrioventricular, feixe de His, seus ramos e fibras de Purkinje. No coração normal, o nódulo sinusal, com sua freqüência mais rápida, comanda o impulso cardíaco. Os outros marcapassos potenciais do coração são inibidos pelo estímulo gerado pelo nódulo sinoatrial. A freqüência do nódulo sinoatrial oscila entre 60 e 100 batimentos por minuto (bpm); a do nódulo atrioventricular, entre 40 e 60; a do feixe do His, entre 40 e 60, e a das fibras de Purkinje, entre 20 e 40. O estímulo gerado é conduzido numa seqüência fisiológica para que o coração seja ativado. Após o impulso inicial no nódulo sinusal, este se propaga simultaneamente através das células do miocárdio atrial e dos feixes internodais, ocorrendo a ativação atrial, atingindo também a junção atrioventricular. No nódulo atrioventricular, a condução é mais lenta. Este retardo é funcionalmente importante porque permite a contração atrial completa, que impulsiona 20% a mais de sangue aos ventrículos antes da contração ventricular. Após o retardo na junção atrioventricular, o estímulo percorre com grande velocidade o sistema de His-Purkinje. Finalmente, o fenômeno elétrico da ativação atinge as células miocárdicas, completando a ativação do coração. II. Conceito. Conceitua-se arritmia como qualquer distúrbio na origem do impulso cardíaco, na sua freqüência ou condução. O termo arritmia cardíaca é impróprio, pois várias arritmias têm o ritmo inteiramente regular, como a taquicardia supraventricular paroxística e o flutter atrial. Utiliza-se o termo arritmia em virtude de seu uso estabelecido na literatura médica. III. Etiologia As arritmias podem ser encontradas em indivíduos normais ou cardiopatas. De acordo com Bellet, os fatores etiológicos são divididos em: A. Fatores cardíacos locais. As arritmias são encontradas nos vários tipos de cardiopatias: hipertensiva, reumática, aterosclerótica, congênita, orovalvular e miocárdica. B. Distúrbios de outros órgãos. Incluem alterações funcionais ou orgânicas em outras vísceras extracardíacas. O sistema nervoso central pode ser o local de origem, provocando arritmias, em virtude de ansiedade, traumatismo craniano, doença orgânica cerebral. Doenças pulmonares, em especial a doença pulmonar obstrutiva crônica, são causas freqüentes de arritmias, em virtude da hipoxia tissular e do uso de medicação broncodilatadora.

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Entre as patologias endócrinas, cumpre ressaltar o hipertireoidismo e o mixedema como fatores etiológicos das arritmias. Os diabéticos podem apresentar arritmias durante descompensações agudas (distúrbios hidroeletrolíticos), pelas lesões do sistema nervoso autônomo e pela cardiopatia isquêmica que freqüentemente acomete esses pacientes. Doenças gastrointestinais, a partir da perda de líquido e eletrólitos, do efeito mecânico da distensão abdominal e de vários reflexos vagais, são causas de arritmias cardíacas. Patologias renais podem gerar arritmias pela presença de hipertensão arterial associada a distúrbios do balanço hidroeletrolítico. C. Fatores gerais. Entre os principais, estão incluídos: estados toxiinfecciosos, anemias, instabilidade hemodinâmica, distúrbios hidroeletrolíticos, efeitos de vários medicamentos, inclusive antiarrítmicos, e hipoxia. Mesmo nos pacientes cardiopatas, devem ser afastados fatores gerais que estejam precipitando a arritmia. IV. Repercussões Hemodinâmicas As arritmias modificam o débito cardíaco, em razão de vários mecanismos: A. Alterações na freqüência cardíaca. Nas bradiarritmias, a freqüência lenta provoca fluxo sangüíneo anterógrado insuficiente, levando a uma redução significativa da perfusão do organismo. Nas taquiarritmias, a freqüência elevada reduz o tempo de enchimento diastólico, provocando congestão pulmonar e redução do débito cardíaco. Secundariamente às alterações da freqüência cardíaca, ocorrem modificações na perfusão coronariana e no consumo de oxigênio miocárdico. B. Modificação na seqüência de ativação atrioventricular. A perda da seqüência de ativação atrioventricular reduz a função do coração como bomba. Esta relação é mais importante nos cardiopatas que dependem de enchimento ventricular adequado, para não reduzir seu débito cardíaco, que, muitas vezes, já é insuficiente. C. Bomba atrial. Perda da contração atrial que reduz o débito cardíaco em 25%. D. Efeito direto sobre a função ventricular. Arritmias recorrentes, principalmente as taquiarritmias, determinam o efeito depressor sobre a função ventricular, o que pode aumentar a duração da arritmia. V. Arritmias no Contexto Clínico As repercussões das arritmias são modificadas pela condição clínica de cada paciente. Um paciente jovem, não-cardiopata, com uma crise de taquicardia paroxística supraventricular apresenta, muitas vezes, sintomas leves. A mesma arritmia, em um paciente portador de cardiopatia aterosclerótica coronariana, pode provocar sintomas cerebrais, isquemia miocárdica ou choque, requerendo tratamento imediato. Arritmias precursoras de arritmias mais graves devem ser analisadas de acordo com a condição de cada paciente. Por exemplo, extra-sístoles ventriculares encontradas em não-cardiopatas, como regra geral, não merecem tratamento com antiarrítmicos. Ao contrário, as extra-sístoles ventriculares que 481

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ocorrem na fase aguda do infarto do miocárdio exigem uma abordagem terapêutica cuidadosa em virtude da instabilidade elétrica do miocárdio isquêmico. O médico que aborda um paciente com arritmia deve lembrar-se sempre de que nem todas as arritmias necessitam tratamento e que o uso inadequado de antiarrítmicos pode provocar graves complicações. VI. Diagnóstico e Tratamento das Arritmias A. Abordagem geral 1. Anamnese. História sobre a freqüência, a duração, o início e o término da arritmia. Sinais e sintomas precipitados pela arritmia, assim como quadro clínico de cardiopatia prévia ou outra patologia que interfira no sistema cardiovascular. Pesquisar uso de drogas, como digitais diuréticos, antiarrítmicos, antidepressivos, hipotensores, hormônio tireoidiano etc. 2. Exame físico. Exame dos diferentes sistemas, tentanto identificar: sinais de cardiopatia e insuficiência cardíaca; sinais de repercussões hemodinâmicas precipitadas pela arritmia (choque, edema agudo dos pulmões etc.); sinais causados por arritmia cardíaca (presença de quarta bulha, variação de intensidade das bulhas, variação de amplitude de pulso, déficit de pulso etc.); sinais de distúrbio extracardíaco (bócio, exoftalmia, desidratação, anemia, insuficiência respiratória etc.). 3. Exames complementares. A solicitação dos exames complementares deve ser fundamentada em parâmetros clínicos orientados pela anamnese e pelo exame físico, com os seguintes objetivos: identificar fatores precipitantes e cardiopatia subjacente e orientar medidas terapêuticas. 4. Eletrocardiograma. É um exame fundamental no diagnóstico das arritmias cardíacas. A análise do traçado eletrocardiográfico necessita seguir um roteiro racional que permita estabelecer o diagnóstico da arritmia. Na interpretação das arritmias, os itens mais importantes são a identificação do mecanismo de ativação atrial; morfologia da onda de despolarização atrial; freqüência atrial; variação ou constância do intervalo PR; regularidade dos espaços RR; espaço RP; freqüência ventricular; morfologia dos complexos QRS, segmentos ST e ondas T. 5. Massagem do seio carotídeo. A massagem do seio carotídeo auxilia na redução da resposta ventricular, permitindo definir o mecanismo de ativação atrial e, em algumas arritmias, promover sua conversão.

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O paciente deve estar em posição supina e monitorado. Examinar os vasos do pescoço, em virtude da possibilidade de complicação cerebral nos idosos e portadores de ateroma de carótida. Massagear o seio carotídeo direito inicialmente, por período inferior a 10 segundos. Posteriormente, massagear o esquerdo, se necessário. Nunca massageá-los simultaneamente. 6. Derivação esofágica. Pode ser utilizada em casos selecionados, na tentativa de se identificar a atividade atrial. 7. Reconhecimento e tratamento específico das arritmias. Em todos os casos, o tratamento das anormalidades subjacentes, como hipoxia, desequilíbrios eletrolítico e ácido-básico, insuficiência cardíaca e ansiedade, é fundamental. A arritmia pode converter-se com estas medidas, não sendo necessário o uso de antiarrítmicos ou de terapêutica elétrica. As condições que definem um paciente instável que necessita tratamento de emergência são: sinais de choque; evidência clínica de má perfusão cerebral, tal como inconsciência ou alteração do estado mental; edema pulmonar e dor torácica isquêmica. VII. Taquicardia Sinusal A. Diagnóstico. Na taquicardia sinusal, a onda P origina-se no nódulo sinoatrial. A onda P pode tornar-se mais apiculada, ocorrendo sempre antes de cada complexo QRS, e o intervalo PR mantém-se constante. Caracteristicamente, a onda P é positiva em D1, D2 e AVF (Fig. 45-1). A freqüência varia habitualmente entre 100 e 160 bpm. Durante o esforço, em atletas, pode atingir 200 bpm. Em resposta à massagem do seio carotídeo, ocorre redução transitória da freqüência, a qual, posteriormente, retorna ao nível prévio. B. Significado clínico. Esta arritmia é encontrada habitualmente em recém-nascidos e crianças, durante a prática de exercícios e nos estados de excitação e ansiedade. Drogas, como álcool, nicotina, cafeína, simpaticomiméticos e hormônio tireoidiano, podem precipitá-la. É uma conseqüência comum da hipotensão arterial, hipoxia, estados febris, insuficiência cardíaca, embolia pulmonar e anemia. C. Tratamento. A orientação terapêutica depende da causa subjacente da arritmia. A solução passa pela suspensão de fármacos, prescrição criteriosa de ansiolítico ou diagnóstico e tratamento de diversos estados patológicos. VIII. Bradicardia Sinusal A. Diagnóstico. A onda P apresenta morfologia normal e ocorre antes de cada complexo QRS com intervalo PR maior do que 0,12 s. A freqüência é menor do que 60 bpm. 483

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B. Significado clínico. Pode ser encontrada em muitos pacientes assintomáticos, principalmente na freqüência de 45-55 bpm, particularmente durante o sono. A bradicardia sinusal ocorre freqüentemente em adultos jovens, especialmente nos atletas treinados. Pode ser produzida pela massagem do seio carotídeo, administração de drogas parassimpaticomiméticas, amiodarona, lítio, clonidina e betabloqueadores, inclusive por via conjuntival. É freqüentemente observada na síndrome do nódulo sinusal doente e na fase inicial do infarto agudo do miocárdio, principalmente nas localizações inferior e posterior. Várias condições mórbidas, como hipotireoidismo, tumores cerebrais, meningites, hipertensão intracraniana, tumores cervicais e mediastinais e depressão, podem produzir bradicardia sinusal (Fig. 45-2). C. Tratamento. Os pacientes assintomáticos não necessitam de tratamento. A bradicardia sinusal com repercussões hemodinâmicas necessita de tratamento. A atropina, na dose de 0,5-1,0 mg EV, é a primeira opção. Caso não haja resposta, realizar infusão de droga betaestimulante como o isoproterenol, na dose de 1-10 mg/minuto, enquanto o paciente é submetido a implante de marcapasso temporário. A bradicardia crônica sintomática pode requerer implante de marcapasso definitivo. IX. Extra-Sístoles A. Extra-sístoles supraventriculares (atriais e juncionais) 1. Diagnóstico. A onda P não tem morfologia sinusal, apresentando forma alterada, muitas vezes invertida. Com freqüência, a onda P pode estar associada à onda T prévia. O intervalo PR nas extra-sístoles atriais é igual ou maior do que o sinusal. Os complexos QRS extrasistólicos são semelhantes aos complexos sinusais. Se ocorrer aberrância de condução, os complexos habitualmente assumem a morfologia de bloqueio do ramo direito. Nas extrasístoles juncionais, ocorre ativação retrógrada dos átrios, gerando onda P negativa. A onda de despolarização atrial pode anteceder, coincidir ou suceder o complexo QRS. Nos casos em que precede o complexo QRS, o intervalo PR é menor do que 0,12 s. Após a extra-sístole supraventricular, ocorre pausa pós-extra-sistólica, habitualmente nãocompensadora (Fig. 45-3). 2. Significado clínico. Ocorrem em todas as idades, freqüentemente na ausência de cardiopatias. Em 122.000 homens sadios da força aérea americana, foram encontrados 0,4% com extra-sístoles supraventriculares. Podem ser precipitadas por cafeína, simpaticomiméticos, ansiedade, fumo e álcool. As extra-sístoles que ocorrem em período vulnerável do átrio eventualmente precipitam taquiarritmias supraventriculares, como fibrilação atrial e taquicardia supraventricular paroxística. Às vezes, as extra-sístoles são a primeira indicação da ocorrência de dilatação atrial associada à insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica, ou embolia pulmonar. 484

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3. Tratamento. Usualmente, não necessitam tratamento. Tratamento específico da causa subjacente, como a digital para insuficiência cardíaca, pode abolir a arritmia. Está indicada terapêutica antiarrítmica nos pacientes sintomáticos, ou quando as extra-sístoles precipitam taquiarritmias supraventriculares. Várias drogas são eficazes no tratamento desta arritmia. Utiliza-se como escolha inicial o verapamil ou o propranolol. Empregam-se excepcionalmente antiarrítmicos do grupo I-A, devido ao risco de graves efeitos colaterais (efeitos pró-arrítmicos). B. Extra-sístoles ventriculares 1. Diagnóstico. As extra-sístoles ventriculares originam-se no tecido de condução distal à bifurcação do feixe de His ou no miocárdio ventricular. Habitualmente não há presença de onda P precedendo os complexos extra-sistólicos. Eventualmente, identifica-se onda P sinusal bloqueada antes das extra-sístoles. Os complexos QRS apresentam morfologia bizarra com duração aumentada, geralmente maior do que 0,12 s. A onda T é larga e em direção oposta à maior deflexão do complexo QRS. Quando o paciente está em ritmo sinusal, freqüentemente a pausa pós-extra-sistólica é compensadora, não havendo interferência com a ação do nódulo sinusal. Para identificar a pausa pós-extra-sistólica compensadora, mede-se a distância entre a onda P sinusal que precede o complexo extra-sistólico e a onda P sinusal que sucede ao complexo extrasistólico. A pausa é compensadora se esta distância for igual ou maior do que o intervalo entre dois ciclos sinusais. Usualmente a distância entre o batimento sinusal precedente e a extra-sístole é fixa (intervalo de acoplamento). Denominam-se par de extra-sístoles dois batimentos prematuros sucessivos. A ocorrência de três ou mais extra-sístoles em seqüência é arbitrariamente definida como taquicardia ventricular (Fig. 45-4). Extra-sístoles que ocorrem em diferentes locais do ventrículo geram complexos QRS com diferentes morfologias, recebendo o nome de multifocais (Fig. 45-5). 2. Significado clínico. Extra-sístoles ventriculares são detectadas em pacientes com cardiopatia isquêmica, hipoxia, desequilíbrio eletrolítico (hipopotassemia, hipomagnesemia) e ácido-básico, na intoxicação digitálica e por metilxantinas, nas miocardiopatias e valvulopatias. Podem ser encontradas em pessoas sem cardiopatias. Entre 122.000 homens da força aérea americana, assintomáticos, 0,8% apresentavam extra-sístoles ventriculares. São a arritmia mais freqüente no infarto agudo do miocárdio, mas ainda há controvérsia em relação a quando usar antiarrítmicos para suprimi-las. Ocorrem em situações de reperfusão miocárdica, como após trombólise e após angioplastia coronariana.

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No infarto agudo do miocárdio, extra-sístoles ventriculares freqüentes (mais de cinco por minuto), polimórficas, aos pares e em salvas, ou ocorrendo no período vulnerável da onda T, parecem não ter valor prognóstico. 3. Tratamento. Nos pacientes sem cardiopatia subjacente com extra-sístoles ventriculares isoladas, unifocais ou multifocais, não há habitualmente indicação para tratamento com antiarrítmicos. Os pacientes sintomáticos devem ser tranqüilizados e abolir fatores precipitantes, como fumo e álcool. Eventualmente, indica-se o uso de betabloqueador em pequenas doses, para controlar as palpitações ou o desconforto desencadeado pela arritmia. Há divergência quanto à conduta nos casos com extra-sístoles em salvas ou taquicardia ventricular não-sustentada. Estudo prospectivo não revelou maior risco de morte em indivíduos sem cardiopatia com extra-sístoles multifocais, aos pares e em salvas, quando comparados com grupo-controle sem arritmia. A conduta terapêutica nas extra-sístoles ventriculares nos cardiopatas necessita ser analisada dentro do contexto clínico. Na vigência de síndromes isquêmicas agudas (infarto do miocárdio, angina instável, angina de Prinzmetal), o tratamento da isquemia miocárdica, da instabilidade hemodinâmica e das alterações eletrolíticas (hipopotassemia e hipomagnesemia) é prioritário, não havendo indicação para uso rotineiro de antiarrítmicos. A lidocaína suprime as extra-sístoles ventriculares na vigência do infarto agudo do miocárdio, mas o seu uso está associado a maior ocorrência de bradicardia e assistolia fatais. Também nos portadores de cardiopatia crônica, o tratamento das extra-sístoles exige a compensação da insuficiência cardíaca e a correção dos distúrbios eletrolíticos. Extrasístoles freqüentes ou repetitivas aumentam o risco de morte súbita nos pacientes com cardiopatia isquêmica crônica, cardiopatia hipertensiva e miocardiopatias. Entretanto, o estudo CAST (Cardiac Arrhythmia Suppression Trial) revelou aumento da mortalidade nos pacientes com arritmia ventricular após infarto do miocárdio tratados com antiarrítmicos do grupo IC. A conduta terapêutica nos casos de cardiopatia isquêmica e miocardiopatia com extra-sístoles ventriculares repetitivas, especialmente com fração de ejeção baixa, permanece controversa. Não está estabelecido se o uso empírico de drogas, particularmente a amiodarona, a realização de estudo eletrofisiológico para seleção do antiarrítmico ou o implante de desfibrilador automático constituem o melhor tratamento para estes pacientes. X. Taquicardia Paroxística Supraventricular Por Reentrada Nodal A. Diagnóstico. A freqüência atrial nesta arritmia varia de 150 a 250 bpm. A morfologia dos complexos QRS é geralmente normal, mas pode haver aberrância de condução, sendo feito diagnóstico diferencial com taquicardia ventricular. Ressaltam-se os parâmetros para diferenciá-los na discussão sobre taquicardia ventricular. A onda P ocorre simultaneamente com o complexo QRS e, por isso, não é habitualmente identificável. Termina abruptamente com o aparecimento de onda P retrógrada seguido, às vezes, por período de bradicardia ou assistolia (ver XV). É a forma mais comum de taquicardia paroxística supraventricular. Ocorre como conseqüência de modificações nas propriedades eletrofisiológicas do nódulo atrioventricular. Estas modificações resultam da natureza heterogênea da condução pelo nó atrioventricular (dupla via nodal). Do ponto de vista eletrofisiológico, é possível 486

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demonstrar a presença de duas vias de condução atrioventricular com velocidades diferentes (via rápida e via lenta), através das quais um movimento circular sustentado pode instalar-se desencadeado por uma extra-sístole supraventricular, e resultar em taquicardia paroxística. Na maioria dos casos, a via lenta é utilizada como componente anterógrado, e a via rápida, como componente retrógrado (Fig. 45-6). B. Significado clínico. Freqüentemente ocorre em indivíduos sem cardiopatia estrutural. O álcool, a cafeína e aminas simpaticomiméticas são fatores precipitantes. Pode estar associada a diversas doenças cardíacas (cardiopatia isquêmica, miocardiopatias, cardiopatia hipertensiva, valvulopatias), hipoxia, alterações eletrolíticas, hipertireoidismo e embolia pulmonar. Devido ao encurtamento do período de enchimento ventricular, pode precipitar redução significativa do débito cardíaco, desencadeando hipotensão arterial, angina e insuficiência cardíaca, principalmente nos pacientes portadores de cardiopatia. C. Tratamento do episódio 1. Pacientes instáveis. Nos pacientes instáveis, a medida de escolha é a cardioversão elétrica. Sincronizar a descarga elétrica com a onda R, iniciando com choques de 25 joules. Aumentar 25 joules de cada vez, nos casos refratários. A sedação dos pacientes conscientes é feita com benzodiazepínico, na dose de 5-10 mg EV. Cardioversão elétrica necessita ser realizada em local com equipamento disponível para assistência ventilatória (preferencialmente no interior da Unidade de Tratamento Intensivo). Devido a limitações de equipamento, utiliza-se droga antiarrítmica para tratamento desta arritmia. Atualmente, a adenosina (6 mg EV) constitui a droga de escolha, principalmente nos pacientes com cardiopatia subjacente, em virtude do seu tempo de ação curto e por não apresentar efeito inotrópico negativo. A outra opção terapêutica é o verapamil (5 mg EV), que consegue converter mais de 90% dos casos. 2. Pacientes estáveis a. Estimulação vagal através de medidas físicas. Atos simples podem converter a arritmia instantaneamente. Realizar os seguintes procedimentos, inicialmente, estando o paciente monitorado pelo menos com estetoscópio: (a) manobra de Valsalva: o paciente, após uma inspiração profunda, expira contra a glote fechada durante um período de 10 segundos; (b) provocar vômitos ou paroxismos de tosse; (c) ingestão de água gelada; (d) massagem do seio carotídeo (Fig. 45-7). b. Drogas (1) A adenosina e o verapamil são as drogas mais utilizadas na conversão dos episódios de taquicardia paroxística que não respondem à estimulação vagal.

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(2) Digital. Representa boa opção no tratamento das crises de taquicardia paroxística supraventricular. Proporciona bons índices de conversão, sem efeitos colaterais, quando usada nas doses adequadas. Administrar lanatosídeo C EV, lentamente, na dose de 0,4 mg inicialmente, podendo ser repetida uma outra dose em duas a quatro horas, não ultrapassando a dose máxima de 1,2 mg em 24 horas. Esta droga converte a arritmia em virtude de sua ação colinérgica, que ocorre mais precocemente do que seu efeito inotrópico positivo. A massagem do seio carotídeo torna-se mais eficaz após a digitalização, que potencializa esta medida física. (3) Betabloqueador. Os betabloqueadores constituem uma excelente opção terapêutica nos casos de taquicardia paroxística por hipertireoidismo. D. Profilaxia. Quando a arritmia apresenta caráter repetitivo, repercussões hemodinâmicas significativas e dificuldade para sua conversão, indicam-se o uso de drogas profiláticas e, mais recentemente, a ablação por cateter. Grande número de pacientes pode ser controlado com o uso do digital oral. A dose habitual de digoxina é de 0,25 mg/dia. Este medicamento é de baixo custo e seguro, na dose preconizada. O verapamil e os betabloqueadores também são utilizados na profilaxia dos episódios de taquiarritmia. Entretanto, a maioria dos autores sugere considerar a ablação por cateter de radiofreqüência precocemente nos pacientes sintomáticos ou nos intolerantes a drogas. A ablação é curativa, eficaz e com pequeno risco de complicações. XI. Taquicardia Atrial Multifocal (Taquicardia Atrial Caótica) A. Diagnóstico. Esta arritmia origina-se de diferentes focos nos átrios. A morfologia de P é variável, assim como os intervalos PR e RR. O traçado pode ser confundido com fibrilação atrial. A morfologia de P difere das ondas f de fibrilação. A freqüência atrial oscila entre 90 e 130 bpm. Podem-se observar ondas P ocasionalmente bloqueadas (Fig. 45-8). B. Significado clínico. A maioria dos pacientes com este ritmo apresenta hipoxia. Mais de 50% dos pacientes são portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica descompensada ou embolia pulmonar. O uso de xantinas e simpaticomiméticos e a presença de desequilíbrio eletrolítico são fatores agravantes. Nos pacientes em uso de digital, considerar a possibilidade de intoxicação digitálica. C. Tratamento. Inicialmente, é fundamental tratar a hipoxia e corrigir os desequilíbrios eletrolíticos. Suspender o digital quando a arritmia surgir em pacientes digitalizados, devido à possibilidade de intoxicação. Alguns casos respondem ao verapamil ou à amiodarona. A reposição de potássio e magnésio eventualmente suprime a taquiarritmia. Em muitos casos não há resposta satisfatória ao tratamento, e os pacientes necessitam conviver com a arritmia. 488

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XII. Taquicardia Atrial com Bloqueio Atrioventricular A. Diagnóstico. A arritmia é causada por aumento da automaticidade atrial. As ondas P mantêm a mesma morfologia, mas podem ser pequenas e de difícil identificação. A freqüência atrial varia entre 150 e 250 bpm. O bloqueio atrioventricular é freqüentemente variável (2:1, 1:1, 3:1), com períodos de Wenckebach tornando o ritmo irregular. A massagem do seio carotídeo aumenta o grau de bloqueio, permitindo identificar as ondas P, e reduz a freqüência ventricular. É importante realizar o diagnóstico diferencial com outras taquiarritmias supraventriculares. B. Significado clínico. Na experiência de Lown e cols., 75% das taquiarritmias atriais com bloqueio atrioventricular variável associam-se à intoxicação digitálica. Trabalho mais recente identificou uma minoria de casos secundários à intoxicação digitálica, sendo necessário, na maioria, o uso deste medicamento. De qualquer modo, o uso prévio de digital precisa ser esclarecido com segurança pelo clínico. Nos casos duvidosos, optar pela dosagem da concentração plasmática da digital. A arritmia ocorre também no cor pulmonale descompensado e em cardiopatias com lesão estrutural importante. XIII. Flutter Atrial A. Diagnóstico. Este ritmo caracteriza-se por uma freqüência atrial geralmente constante, que varia entre 250 e 350 bpm no flutter tipo I, eventualmente atingindo 450 bpm no tipo II. Os pacientes em uso de antiarrítmico (grupos IA, IC e amiodarona) podem manifestar freqüências atriais na faixa de 200 bpm. As ondas de flutter apresentam a morfologia característica de dente de serra, mais bem observada em D2, D3, AVF, sem linha de base isoelétrica definida. Em V1, as ondas de flutter são discretas, com a presença de linha isoelétrica entre elas. A freqüência ventricular varia de acordo com o grau de bloqueio atrioventricular. Na maioria dos casos observa-se a relação 2:1 ou 4:1 entre o número de ondas de flutter e o número de complexos QRS, determinando uma resposta ventricular de 150 ou 75 bpm, respectivamente, nos casos com freqüência atrial de 300. O bloqueio atrioventricular, às vezes, é variável, não sendo raro encontrar pacientes que alternam bloqueio 2:1 com 4:1. Nesta situação, o traçado eletrocardiográfico revela padrão de bigeminismo (Fig. 45-9). Bloqueio 1:1 pode ocorrer no flutter dos portadores de Wolff-Parkinson-White e nos casos de uso de drogas do grupo I em pacientes não-digitalizados. A realização de manobras vagais aumenta o grau de bloqueio que possibilita a visualização adequada das ondas de flutter (ondas F) (Fig. 45-10).

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B. Significado clínico. O flutter atrial paroxístico ocorre eventualmente em pessoas sem cardiopatia, mas a forma crônica (persistente) está associada à cardiopatia, principalmente valvulopatia mitral, miocardiopatias, doenças congênitas e insuficiência coronariana. Raramente observa-se flutter na vigência de intoxicação digitálica. C. Tratamento. Tem por objetivo reduzir a resposta ventricular ou converter a arritmia. 1. Pacientes instáveis. O tratamento de escolha é a cardioversão elétrica, que prontamente restaura o ritmo sinusal, habitualmente com choques elétricos menores do que 50 joules. 2. Pacientes estáveis. Nos pacientes hemodinamicamente estáveis o digital constitui uma boa opção terapêutica, por possibilitar a redução da resposta ventricular, ao aumentar o período refratário da junção atrioventricular. Outra opção para reduzir a resposta ventricular é o verapamil. Na presença de tireotoxicose, a droga de escolha é o betabloqueador. Sob a ação do digital, a arritmia apresenta três evoluções possíveis: (a) ocorrem redução da resposta ventricular e conversão do flutter para fibrilação, que converte para ritmo sinusal com a suspensão do digital; (b) flutter se converte a ritmo sinusal; (c) permanece a arritmia, mas com resposta ventricular controlada. Nos pacientes que permanecem em flutter atrial após digitalização, há duas opções para reverter a arritmia: cardioversão medicamentosa ou elétrica. a. Cardioversão com medicamentos. Vários antiarrítmicos têm sido utilizados na conversão do flutter, mas a sua eficácia é imprevisível. Historicamente, a quinidina tem sido a droga de eleição, mas outros antiarrítmicos dos grupos IA, IC e III podem converter esta arritmia. Emprega-se a quinidina nas doses de manutenção, evitando-se as doses elevadas usadas no passado devido ao risco de cardiotoxicidade. O paciente necessita estar previamente digitalizado, pois a quinidina tem efeito vagolítico que diminui o bloqueio atrioventricular e aumenta a resposta ventricular. b. Cardioversão elétrica. Proporciona excelentes resultados. O digital deve ser suspenso 48 horas antes e iniciado o sulfato de quinidina, na dose de 200 mg a cada seis horas. Começar com 25 joules sincronizados, após sedação com benzodiazepínico, e aumentar gradativamente o choque elétrico nos casos refratários. D. Profilaxia. Após a conversão, utiliza-se medicação antiarrítmica para evitar a recidiva do flutter. As drogas do grupo IA e III constituem as opções terapêuticas com grau variável de eficiência. A ablação por cateter é atualmente a principal alternativa para impedir o retorno da arritmia por meio da interrupção das vias de reeentrada e permitir a suspensão definitiva dos antiarrítmicos. XIV. Fibrilação Atrial

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A. Diagnóstico. A fibrilação atrial caracteriza-se eletrocardiograficamente pela desorganização grosseira da atividade elétrica atrial, tanto na freqüência como no ritmo. A freqüência atrial oscila entre 350 e 600 bpm. As ondas f de fibrilação apresentam morfologia e amplitude variáveis. As derivações D2, D3, AVF e V1 oferecem a melhor visualização das ondas e permitem caracterizá-las morfologicamente. Os complexos QRS são usualmente estreitos nos casos sem bloqueio de ramo prévio. A condução aberrante, freqüentemente com morfologia de bloqueio de ramo direito, tende a ocorrer quando um ciclo ventricular longo é seguido por um curto. Esta seqüência, ciclos longo e curto, com o ciclo curto terminando por um batimento aberrante conduzido, é denominada fenômeno de Ashman. Nesta situação, é importante o diagnóstico diferencial com extra-sístole ventricular. Nos pacientes não tratados, o bloqueio atrioventricular é variável, ocorrendo resposta ventricular irregular (RR variável) e habitualmente acima de 100 bpm. Eventualmente, encontram-se casos de fibrilação atrial com resposta ventricular baixa sem uso de medicamentos, o que caracteriza um alto grau de bloqueio atrioventricular. A massagem do seio carotídeo, nos pacientes com resposta ventricular elevada, aumenta o grau de bloqueio e permite a visualização das ondas de fibrilação. Nos pacientes digitalizados, o aparecimento de fibrilação atrial rítmica sugere dissociação atrioventricular com ritmo juncional e indica a presença de intoxicação digitálica (Figs. 4511, 45-12 e 45-13). B. Significado clínico. A fibrilação atrial é a taquiarritmia atrial mais freqüente. Pode ocorrer na forma paroxística (duração menor do que 48 horas), persistente (duração de dois dias a semanas) ou crônica (duração de meses a anos). A perda da contração atrial, a redução do tempo de enchimento dos ventrículos, nos casos de resposta ventricular elevada, e a possibilidade de formação de coágulos atriais podem determinar repercussões hemodinâmicas importantes e graves fenômenos tromboembólicos sistêmicos e pulmonares. Esta arritmia é encontrada nas valvulopatias mitrais, na doença aterosclerótica coronariana, nas miocardiopatias, na cardiopatia hipertensiva, nas doenças congênitas cardíacas e no hipertireoidismo. Em pessoas suscetíveis, com coração aparentemente normal, pode ser precipitada por excesso alcoólico. Insuficiência cardíaca de qualquer etiologia tem o potencial de desencadear a arritmia, ou esta pode precipitar a descompensação em várias cardiopatias. C. Tratamento. As medidas utilizadas objetivam controlar a freqüência ventricular e converter a arritmia. 1. Pacientes instáveis. O tratamento de escolha é a cardioversão elétrica, iniciando-se com 50 joules. 2. Pacientes estáveis. O digital é uma droga eficaz para o controle da freqüência ventricular, em especial nos pacientes em insuficiência cardíaca. Este efeito é obtido pelo aumento do período refratário do nó atrioventricular, reduzindo o número de estímulos 491

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supraventriculares que atingem os ventrículos. Por sua ação ao nível da junção atrioventricular, o verapamil também controla a resposta ventricular, lembrando que seu efeito inotrópico negativo exige administração cuidadosa nos casos com disfunção sistólica ventricular. Em alguns pacientes, há necessidade de se associarem as duas drogas para obtenção de melhores resultados. O verapamil reduz a eliminação renal da digoxina, impondo o uso de dose menor de digital. O propranolol constitui uma excelente opção nos casos de fibrilação com funcão sistólica ventricular normal e quando a arritmia está associada ao hipertireoidismo. Após o controle da freqüência ventricular, a decisão de se submeter o paciente à cardioversão depende de vários fatores: tamanho do átrio esquerdo: átrio esquerdo maior do que 50 mm ao ecocardiograma predispõe à recidiva da fibrilação; duração da arritmia: a arritmia paroxística tende a permanecer em ritmo sinusal após a conversão, enquanto a arritmia com duração maior do que 12 meses apresenta freqüentemente recidiva; cardiopatia subjacente: a conversão da arritmia após a correção da lesão ou do fator predisponente oferece maior possibilidade de sucesso. A compensação da função tireoidiana, nos casos de hipertireoidismo, converte a arritmia em número significativo de pacientes. Nos portadores de valvulopatia mitral, indica-se a conversão seis a oito semanas após a correção cirúrgica. Em alguns pacientes, particularmente nos portadores de cardiopatia grave, a perda da contração atrial leva a graves repercussões hemodinâmicas, sendo necessária a cardioversão mesmo com grande possibilidade de recidiva da arritmia. Ainda não está estabelecido, através de estudo prospectivo, qual a melhor conduta: converter a maioria dos casos de fibrilação atrial e prevenir sua recidiva com antiarrítmico ou apenas controlar a resposta ventricular da arritmia e administrar anticoagulante cronicamente para evitar os episódios tromboembólicos. a. Cardioversão com drogas (1) Quinidina. Pode-se conseguir a conversão da arritmia com o uso das doses manutenção. Os melhores resultados são obtidos nos casos de arritmia recente e átrio tamanho normal. Administrar digital previamente para impedir que o efeito vagolítico quinidina aumente a resposta ventricular e agrave as repercussões hemodinâmicas fibrilação atrial.

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(2) Amiodarona. Os índices de conversão são variáveis nas doses de 600 a 800 mg por dia, durante três a quatro semanas. (3) Propafenona. Uma dose única de 300 a 600 mg de propafenona converte mais de 50% dos pacientes selecionados com fibrilação atrial de início recente. b. Cardioversão elétrica. Iniciar com 50 joules e aumentar 50 joules gradativamente, nos casos resistentes. Utilizar a mesma rotina descrita para o flutter atrial. Devido ao risco de fenômenos embólicos, está indicado o uso prévio de anticoagulante nos pacientes com fibrilação atrial com duração acima de 48 horas, principalmente nos portadores de átrio esquerdo aumentado ou outra lesão estrutural independente da etiologia 492

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que serão submetidos à cardioversão. Atualmente, alguns autores utilizam a presença de trombo atrial evidenciado pelo ecocardiograma transesofágico como parâmetro para definir o uso do anticoagulante antes da cardioversão eletiva da arritmia. (1) Cardioversão eletiva. Anticoagulante oral, três semanas antes e após a cardioversão. (2) Cardioversão de urgência. D. Profilaxia. Na tentativa de manter o ritmo sinusal, utiliza-se antiarrítmico (grupo I-A, IC ou III) após a conversão. Em um estudo, a amiodarona manteve 66% dos pacientes em ritmo sinusal durante um ano. Outro autor conseguiu impedir a recidiva da arritmia, em 53% dos casos, usando 200 mg de amiodarona durante três anos. Os portadores de miocardiopatia dilatada, valvulopatias não-corrigidas e outras cardiopatias com grandes átrios e fibrilação atrial crônica tendem a recidivar a arritmia, mesmo com o uso profilático de drogas. XV. Taquicardia Ventricular A. Diagnóstico. A taquicardia ventricular origina-se no sistema de condução distal ao feixe de His, no miocárdio ventricular, ou por uma interação entre os dois, gerando complexos ventriculares bizarros com freqüência oscilando habitualmente entre 100 e 250 bpm. Um conjunto de três a cinco batimentos ventriculares ectópicos é denominado salva de taquicardia ventricular não-sustentada. Anteriormente, acreditava-se que apenas extra-sístoles ventriculares que ocorriam no período vulnerável da repolarização ventricular (fenômeno de R sobre T) precipitavam taquicardias ventriculares. Um número significativo de taquicardias ventriculares é precipitado por extra-sístoles tardias. Em alguns casos, as extra-sístoles ocorrem sobre a onda P do batimento que sucede a extra-sístole, sugerindo que a contração atrial pode levar a uma distensão ventricular e disparar a taquiarritmia. Define-se arbitrariamente a taquicardia ventricular como sustentada quando a arritmia permanece por mais de 30 segundos ou exige conversão imediata, em virtude do desenvolvimento de repercussões hemodinâmicas graves. A forma não-sustentada apresenta-se com duração menor do que 30 segundos e conversão espontânea. Para diagnosticar a taquicardia ventricular no traçado eletrocardiográfico, além dos complexos QRS alargados (0,14 s), de morfologia bizarra, com freqüência já citada, é importante procurar outros fenômenos: identificação da dissociação A-V, observando-se ondas P ocorrendo independentemente do QRS (a dissociação A-V está evidente no eletrocardiograma de superfície em apenas 20% dos casos, mas ocorre sempre na taquicardia ventricular); presença de batimentos de fusão devido à captura ventricular parcial por estímulo supraventricular (é um fenômeno raro, encontrado em taquicardias com freqüência abaixo de 150 bpm). As taquiarritmias polimórficas são quase exclusivamente ventriculares, mas necessitam ser diferenciadas da fibrilação atrial 493

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associada à síndrome de Wolff-Parkinson-White com múltiplas vias de pré-excitação (Fig. 45-14). Na ausência destes fenômenos, o diagnóstico diferencial entre taquicardia ventricular e taquicardia supraventricular com condução aberrante é difícil. Analisando a morfologia dos complexos QRS, consegue-se diferenciá-la em alguns casos (Quadro 45-1). Às vezes, é necessária a utilização de métodos propedêuticos especiais: derivação esofágica ou eletrograma do feixe de His. B. Significado clínico. Esta arritmia está quase sempre associada à cardiopatia. Ocorre nos pacientes portadores de cardiopatia isquêmica, chagásica, aneurisma ventricular, prolapso da válvula mitral, síndrome do QT longo, durante o uso de antiarrítmicos (efeito próarrítmico), hipoxia e desequilíbrios eletrolítico e ácido-básico (Quadro 45-2). C. Tratamento. A correção da hipoxia, da acidose, da hipopotassemia, da hipomagnesemia e a suspensão de drogas que podem precipitar a arritmia, em particular os antiarrítmicos que prolongam o intervalo QT, são medidas prioritárias. 1. Pacientes instáveis. A terapêutica de escolha é a cardioversão elétrica. Iniciar com 50100 joules sincronizados após sedação adequada. A lidocaína constitui a principal opção medicamentosa. Administrar 1 mg/kg via venosa, inicialmente, e manter o nível terapêutico com infusão de 1-5 mg/min. Alguns autores iniciam a lidocaína concomitantemente ao preparo para a cardioversão elétrica. Nos casos refratários à lidocaína, a propafenona, por via venosa, na dose de 1 a 2 mg/kg, é uma opção interessante. Há relatos de bons resultados com a amiodarona venosa. A dose preconizada é de 5 mg/kg em dois a três minutos. Manter com infusão venosa de 600 mg/24 horas. 2. Pacientes estáveis. A droga de escolha é a lidocaína. Os outros medicamentos citados são utilizados nos casos de refratariedade à lidocaína. A hipotensão arterial precipitada pelo uso venoso da procainamida tem restringido sua utilização na conversão de taquicardias ventriculares. D. Profilaxia. A prevenção da recorrência está sempre indicada, devido à gravidade da arritmia. A seleção do melhor plano terapêutico (drogas antiarrítmicas, cardioversordesfibrilador implantável, ablação por cateter, cirurgia) exige estudo cuidadoso dos fatores precipitantes, da cardiopatia subjacente e dos resultados da propedêutica cardiológica nãoinvasiva e invasiva. 1. Torsade de pointes. Tipo raro de taquicardia ventricular, com morfologia espiralada. A polaridade dos complexos QRS ectópicos oscila do positivo para o negativo, e vice-versa. Hipopotassemia, bradicardia grave e medicamentos, inclusive antiarrítmicos, que prologam o intervalo QT, predispõem a este tipo especial de taquicardia ventricular. O tratamento nos 494

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casos de arritmia sustentada é a cardioversão elétrica. Todas as drogas com potencial para precipitar a arritmia devem ser suspensas. O sulfato de magnésio, na dose de 1 a 2 g por via venosa, é muito eficiente no tratamento e na prevenção deste tipo de taquicardia ventricular desencadeada por medicamentos. Tanto a infusão de isoproterenol como o implante de marcapasso temporário constituem alternativas terapêuticas nos casos refratários. XVI. Ritmo Idioventricular Taquicárdico A. Diagnóstico. É definido como três ou mais complexos QRS de origem ventricular, com freqüência de 50-100 bpm. Há dissociação A-V, captura ventricular e batimento de fusão. B. Significado clínico. É encontrado na fase hospitalar do infarto agudo do miocárdio, principalmente na localização diafragmática e na intoxicação digitálica. Não predispõe à taquicardia ou à fibrilação ventricular. C. Tratamento. Não é habitualmente necessário. Converte-se espontaneamente a ritmo sinusal. Nos pacientes sintomáticos, o tratamento de escolha é o aumento da freqüência sinusal com medicamentos (atropina, isoproterenol) ou a realização de estimulação atrial por marcapasso. XVII. Fibrilação Ventricular Ver Cap. 50, Reanimação Cardiopulmonar. XVIII. Bloqueios Atrioventriculares (BAV). Na análise deste grupo de arritmias, os autores têm valorizado a presença de sinais eletrocardiográficos que permitem identificar os pacientes com maior risco de instabilidade elétrica e repercussão hemodinâmica. Com o desenvolvimento de registros intracavitários, principalmente o eletrograma do feixe de His, foi possível definir o local do bloqueio no sistema de condução e relacioná-lo com os achados no eletrocardiograma de superfície. O intervalo PR divide-se em três subintervalos: (a) subintervalo PA — tempo de condução intra-atrial; (b) subintervalo AH — tempo de condução no nódulo A-V; (c) subintervalo HV — tempo de condução His-Purkinje. A. Bloqueio A-V de primeiro grau 1. Diagnóstico. É um ritmo sinusal com intervalo PR superior a 0,20 s. Cada onda P é conduzida, e o intervalo PR permanece constante em todo o traçado normal; o bloqueio habitualmente se dá ao nível do nódulo A-V (subintervalo AH prolongado). Quando os complexos QRS têm duração aumentada, o retardo pode estar no nó atrioventricular ou no sistema His-Purkinje. Só através do eletrograma do feixe de His é possível definir o nível do bloqueio (Fig. 45-15). 495

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2. Significado clínico. É encontrado em pessoas sem cardiopatia. Várias drogas, como digital, verapamil e betabloqueadores, são causas de BAV de primeiro grau. Associa-se à cardiopatia isquêmica, febre reumática e comunicação interatrial. 3. Tratamento. Esta arritmia não provoca instabilidade elétrica. Não é necessário tratamento. Quando associada à bradicardia sintomática, é tratada com atropina, na dose de 0,5 mg EV, repetida a intervalos de 10 minutos, até a dose máxima de 2 mg. B. Bloqueio A-V de segundo grau. No bloqueio A-V de segundo grau, alguns impulsos atriais não atingem o ventrículo. Há dois tipos: Mobitz I (Wenckebach) e Mobitz II. 1. BAV de segundo grau — Mobitz I (Wenckebach) a. Diagnóstico. Ocorre aumento gradual do intervalo PR até que um impulso atrial seja bloqueado. Como caraterística deste bloqueio, observa-se que o intervalo PR do primeiro batimento conduzido após a pausa é claramente menor do que o último batimento conduzido antes da pausa. Neste bloqueio, os complexos QRS têm duração normal. Quase sempre, o bloqueio está ao nível do nódulo AV (subintervalo A-H aumentado) (Fig. 45-16). b. Significado clínico. É eventualmente observado em pessoas normais. Na maioria dos casos, está associado a fenômenos transitórios, como infarto agudo do miocárdio diafragmático, uso de drogas e intoxicação digitálica. Raramente, este tipo progride para formas mais graves de bloqueio A-V. Nos casos progressivos, pode-se prever surgimento de ritmo de suplência estável, com freqüência satisfatória. c. Tratamento. Esta arritmia, usualmente, não causa instabilidade hemodinâmica. Resolvese espontaneamente, com a suspensão da droga ou resolução da isquemia. Nos casos com freqüência baixa e presença de sintomas, há boa resposta à atropina. Ocasionalmente, progride para BAV total sintomático, sendo necessário implantar marcapasso. 2. BAV de segundo grau — Mobitz II a. Diagnóstico. O bloqueio atrioventricular ocorre na região infranodal (subintervalo HV aumentado). Os batimentos sinusais conduzidos aos ventrículos apresentam intervalo PR constante e habitualmente normal. Há bloqueio de uma ou mais ondas P, após um impulso atrial conduzido. Os complexos QRS apresentam morfologia, em virtude da doença, no feixe de His ou no sistema de condução intraventricular. Podem-se encontrar, de acordo com a relação entre o número de ondas P e o número de complexos QRS, bloqueios 2:1, 3:1, 4:1 etc. (Fig. 45-17). b. Significado clínico. É usualmente permanente e evolui para bloqueio atrioventricular de terceiro grau (total), com ritmo de escape idioventricular de baixa freqüência e instável. É encontrado na cardiopatia chagásica com lesão grave do sistema de condução, no infarto agudo do miocárdio, na miocardite diftérica. c. Tratamento 496

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(1) Pacientes instáveis. O tratamento de escolha é a implantação de marcapasso. Atropina ou isoproterenol pode ser utilizado enquanto o marcapasso temporário estiver sendo implantado. Estes medicamentos, eventualmente, reduzem ainda mais a resposta ventricular, agravando as repercussões hemodinâmicas. 2. Pacientes estáveis. A implantação de marcapasso profilático é o tratamento de escolha, sem uso de drogas. C. Bloqueio A-V de terceiro grau (total) 1. Diagnóstico. Neste tipo de bloqueio A-V, a freqüência ventricular é comandada por um marcapasso de suplência juncional ou idioventricular. Há dissociação entre os ritmos supraventricular e ventricular. Não ocorre condução de estímulos atriais aos ventrículos. O ritmo ventricular é regular, devido à dissociação atrioventricular. A morfologia dos complexos QRS pode dar orientação quanto ao local do bloqueio no sistema de condução. Quando o QRS tem duração normal e a freqüência ventricular está em torno de 40-60 bpm, o bloqueio provavelmente está no nível da junção A-V. Se o complexo QRS é alargado e a freqüência ventricular é igual ou menor do que 40 bpm, o bloqueio é distal ao feixe de His (Fig. 45-18). 2. Significado clínico. Quando associado ao infarto agudo do miocárdio, tem repercussão hemodinâmica importante. Nos casos de infarto diafragmático, o bloqueio é usualmente transitório por lesão intra ou supranodal, instalando-se gradativamente a partir de BAV de primeiro ou segundo grau Mobitz I. No infarto anterior, o bloqueio A-V total ocorre subitamente por lesão infranodal e tem prognóstico reservado, com alta mortalidade, mesmo com a implantação de marcapasso. No Brasil, o BAV total secundário à doença de Chagas é freqüente, ocorrendo, muitas vezes, em jovens. Nos pacientes idosos, pode ser secundário à doença de Lenégre ou Lev. 3. Tratamento a. Pacientes instáveis. O tratamento de escolha é o implante de marcapasso. Utiliza-se a infusão de isoproterenol até que se efetue o procedimento de implante. A dose preconizada é de 2 mg em 500 ml de SGI 5%, iniciando-se com 0,5 ml/min e aumentando-a gradativamente, de acordo com a resposta clínica e o comportamento da freqüência cardíaca. A droga pode precipitar arritmias ventriculares, devendo o paciente estar monitorado. Seu uso é desaconselhado nos portadores de cardiopatia isquêmica. b. Pacientes estáveis. O implante de marcapasso deve ser decidido após avaliação cuidadosa de cada caso, analisando-se a presença de sintomas, as repercussões hemodinâmicas e a cardiopatia subjacente. XIX. Síndrome de Adams-Stokes

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Descrita inicialmente por Adams e posteriormente estudada por Stokes, esta síndrome ocorre pela redução súbita do débito cardíaco, devido à modificação na freqüência ou no ritmo cardíaco. Pode surgir durante episódios de taquicardia ventricular, fibrilação ventricular, bloqueio A-V total com resposta ventricular insuficiente ou assistolia prolongada. Sintomas de alteração de consciência surgem 3 a 10 segundos após a parada circulatória transitória. Os ataques iniciam-se subitamente, durando de um a dois minutos. Não são geralmente seguidos por seqüelas neurológicas ou confusão pós-comicial. O quadro clínico é representado por palidez seguida de síncope (Fig. 45-19). Os pacientes também apresentam convulsões. Observa-se a síndrome de Adams-Stokes na doença do nódulo sinoatrial, na cardiopatia chagásica, isquêmica. A eletrocardiografia dinâmica (Holter) e o estudo eletrofisiológico auxiliam no diagnóstico da arritmia e permitem planejar o tratamento definitivo. As medidas iniciais de ressuscitação cardiopulmonar são realizadas no tratamento imediato da síndrome. A conduta definitiva depende do diagnóstico da arritmia que determinou a instabilidade hemodinâmica. XX. Síndrome de Nó Sinoatrial Doente A. Diagnóstico. Esta síndrome caracteriza-se por anormalidade na formação do impulso cardíaco e por distúrbio na sua condução intra-atrial e atrioventricular, precipitando várias arritmias: bradicardia sinusal, parada sinusal, bloqueio sinoatrial e taquiarritmias supraventriculares recorrentes. Precisa ser diferenciada da bradicardia sinusal devido à hipertonia vagal encontrada em idosos e em atletas. Os seguintes testes auxiliam no diagnóstico da síndrome. 1. Resposta insuficiente à atropina venosa, na dose de 1-2 mg, ou na infusão venosa de isoproterenol, 1-2 mg/min. 2. Resposta cardioinibitória acentuada à massagem do seio carotídeo. 3. Tempo de recuperação do nódulo sinoatrial prolongado após estimulação elétrica atrial. B. Significado clínico. Está associada à cardiopatia isquêmica, hipertensiva, reumática ou idiopática. Pode precipitar síncope quando a arritmia determina redução significativa do débito cardíaco. Quando taquiarritmias atriais estão associadas a períodos intermitentes de bradicardia ou ritmo juncional, denomina-se síndrome taquicardia-bradicardia. Há relatos de que a síndrome eventualmente é precipitada pelo uso de drogas hipotensoras: metildopa, clonidina e guanetidina. Os medicamentos que interferem nos nódulos sinoatrial e atrioventricular, como o verapamil e os betabloqueadores, devem ser evitados nos portadores da síndrome porque desencadeiam bradiarritmias com instabilidade hemodinâmica.

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C. Tratamento. A terapêutica, nos casos de bradiarritmias sintomáticas, é a implantação de marcapasso, preferencialmente de dupla-câmara. Raramente esses pacientes necessitam de implantação de emergência, exceto se drogas contra-indicadas foram utilizadas. Aconselha-se o implante prévio de marcapasso nos casos que requeiram a prescrição de drogas antiarrítmicas. XXI. Síndrome de Pré-Excitação A forma mais comum de pré-excitação é a síndrome de Wolff-Parkinson-White, caracterizada pela presença de feixe acessório entre o átrio e o ventrículo, que permite a despolarização precoce do miocárdio ventricular (Fig. 45-20). A. Diagnóstico. O feixe anômalo que conduz em direção anterógrada origina o padrão eletrocardiográfico típico com intervalo Pr curto (< 0,12 s), entalhe no início do complexo QRS (onda delta) e alargamento do complexo QRS. O padrão morfológico dos complexos QRS resulta da fusão da ativação ventricular pela via usual (nó A-V e sistema His-Purkinje) e pelo feixe acessório. O contribuição de cada via de ativação determina o grau de préexcitação e as variações morfológicas dos complexos QRS. Merece menção um grupo significativo de pacientes que apresentam traçado eletrocardiográfico sem os sinais de préexcitação porque não conduzem anterogradamente pelo feixe anômalo (feixe oculto). Entretanto, estes indivíduos estão sujeitos à taquicardia paroxística supraventricular quando há condução anterógrada pela via normal e retrógrada pelo feixe oculto. B. Significado clínico. É freqüentemente verificada em jovens sem cardiopatia. Manifestase em qualquer idade, mas classicamente ocorre na infância ou até a terceira década de vida. Pode estar associada à doença de Ebstein, ao prolapso de válvula mitral e à miocardiopatia. Predispõe a taquiarritmias supraventriculares. Em um estudo populacional recente, 47% dos pacientes eram assintomáticos no momento do diagnóstico. Destes indivíduos, 21% desenvolveram sintomas subseqüentemente. O tipo mais característico de arritmia associada à síndrome é a taquicardia paroxística supraventricular. Durante esta arritmia, o impulso usualmente é conduzido anterogradamente pela via normal atrioventricular e retrogradamente pelo feixe acessório, gerando complexos QRS estreitos com freqüência semelhante à observada na taquicardia paroxística por reentrada nodal. A onda P de ativação retrógrada do átrio pode ser visualizada após os complexos QRS. A fibrilação atrial também ocorre na síndrome de pré-excitação e apresenta características peculiares. A ativação ventricular é feita totalmente pela via acessória, produzindo complexos QRS alargados e com freqüência elevada. Este padrão eletrocardiográfico necessita ser diferenciado da taquicardia ventricular. Ocasionalmente, a resposta ventricular é muito alta e há desenvolvimento de fibrilação ventricular. C. Tratamento. Nos casos de taquicardia paroxística supraventricular por reentrada com complexo QRS estreito, há excelente resposta à adenosina, ao verapamil, ao digital e aos betabloqueadores que atuam na condução anterógrada no nó atrioventricular. Nos casos de fibrilação atrial com condução anterógrada pelo feixe anômalo, as drogas citadas anteriormente estão contra-indicadas. Nesta arritmia a amiodarona constitui uma opção

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interessante por bloquear a condução anterógrada pelo feixe acessório. Há autores que sugerem a associação de procainamida e propranolol. Nos pacientes com comprometimento hemodinâmico, a terapêutica de escolha é a cardioversão elétrica. A ablação por cateter do feixe anômalo é possível em mais de 90% dos pacientes com arritmia sintomática e, atualmente, constitui o tratamento definitivo de escolha. Quanto aos antiarrítmicos, não é possível prever a sua eficácia na prevenção das arritmias. XXII. Arritmias Induzidas Pela Digital Na intoxicação digitálica, observam-se distúrbios na formação do impulso cardíaco, na sua condução, ou em ambos. As arritmias comumente observadas são: ritmos de escape juncional, extra-sístoles ventriculares uni ou multifocais em padrão de bi ou trigeminismo, taquicardia ventricular, taquicardia atrial paroxística com bloqueio, parada sinusal e bloqueios atrioventriculares. Não há características eletrocardiográficas específicas das arritmias induzidas pela digital. O diagnóstico baseia-se essencialmente na suspeita clínica e na melhora evidente após a suspensão da digital. Fatores que predispõem à intoxicação digitálica: hipopotassemia, hipomagnesiemia, hipercalcemia, desequilíbrio ácido-básico, hipoxemia, hipertonia simpática, redução da taxa de filtração glomerular, idade aumentada, cardiopatia subjacente e interação de drogas (quinidina, verapamil e amiodarona). Os sintomas não-cardíacos são freqüentes, mas o paciente pode apresentar apenas arritmia cardíaca. Sintomas gastrointestinais: anorexia, náuseas, vômitos, desconforto abdominal e diarréia. Distúrbios psíquicos: fadiga, pesadelos, agitação e psicose. Distúrbios visuais: alteração da percepção da cor, escotomas e halos amarelados. A. Tratamento. Suspender o uso da digital; investigar a presença de fatores predisponentes e corrigi-los; tratar especificamente as arritmias, quando houver indicação. É aconselhável monitorar os pacientes com bloqueios atrioventriculares avançados. As bradiarritmias (bradicardia sinusal, parada sinusal e bloqueios atrioventriculares) habitualmente respondem à administração venosa de atropina, mas o implante temporário de marcapasso constitui uma alternativa terapêutica eficaz nos casos com repercussão hemodinâmica importante. O potássio interfere na condução A-V, e a sua reposição nos pacientes com BAV avançado pode agravar a arritmia. 1. Arritmias supraventriculares. A taquicardia atrial com bloqueio e a taquicardia juncional são usualmente estáveis e requerem apenas observação. A reposição de potássio está indicada, se o nível sérico estiver baixo e na ausência de BAV de segundo ou terceiro grau. 2. Arritmias ventriculares. A administração de potássio é particularmente benéfica nos ritmos ectópicos ventriculares, mesmo quando o nível deste íon estiver na faixa de normalidade. O tratamento da hipomagnesemia auxilia no controle das arritmias. Quando 500

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houver necessidade imediata de antiarrítmico, a droga de escolha nas arritmias ventriculares é a lidocaína, na dose de 1 mg/kg/EV inicialmente, seguida de infusão de 1-4 mg/min. A difenil-hidantoína é uma boa alternativa. Preconizam-se 250 mg por infusão em 10 minutos, com a opção de doses adicionais de 100 mg a cada cinco minutos. Lembrar que a cardioverão elétrica pode precipitar arritmias fatais na presença de intoxicação digitálica. Referências 1. Myerburg RJ, Kessler KM, Castellanos A. Recognition, clinical assessment and management of arrhythmias and conduction disturbances. In: Alexander RW, Schlant RC, Fuster V. Hurst’s The Heart. 9 ed., Nova York: McGraw-Hill Information Services Company, 1998: 873-941. 2. Vlay SC (ed.). A Practical Approach to Cardiac Arrhythmias. 2 ed., Boston: Little, Brown and Company, 1996. 3. Zipes DP. Management of cardiac arrhythmias: pharmacological, electrical and surgical techniques. In: Braunwald E (ed.) Heart Disease. 5 ed., Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1997: 593-639. 4. Zippes DP. Specific arrhythmias: diagnosis and treatment. In: Braunwald E (ed.). Heart Disease. 5 ed., Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1997: 640-704. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 46 - Edema Pulmonar Agudo Leonor Garcia Rincon Nathayl Elisa Mucci Marco Túlio Baccarini Pires I. Introdução. Em 1819, Laennec definiu o edema pulmonar como sendo uma “infiltração de soro no tecido pulmonar, suficiente para diminuir a permeabilidade dos pulmões ao ar”. Esta definição permaneceu até os anos 50, quando o conceito foi um pouco ampliado, passando a ser definido como edema pulmonar qualquer acúmulo extravascular anormal de líquido ao nível dos pulmões, mesmo que não estivesse havendo alteração na “permeabilidade do ar”. Este novo conceito permitiu a identificação da entidade em fases mais precoces, possibilitando um tratamento mais agressivo e efetivo. Assim, modernamente, nossa definição de edema pulmonar agudo (EP) é o conjunto de sinais e sintomas que, anatomicamente, correspondem ao extravasamento de líquido seroso no espaço intersticial e/ou alvéolos pulmonares. Esta é uma emergência médica comum, devendo ser ressaltado que o quadro que se apresenta como EP é a conseqüência de várias patologias, e não de uma entidade individualizada, com um tratamento único e padronizado. Na vasculatura pulmonar, o movimento de líquidos dos capilares para o interstício, e viceversa, ocorre de forma contínua. No espaço existente entre os bronquíolos terminais e as pequenas artérias e veias, existem canais linfáticos, responsáveis pela remoção do excesso de líquido que porventura se extravase do compartimento intravascular. No EP a passagem de líquidos do compartimento intravascular para o extravascular supera a capacidade da drenagem linfática. O EP pode ser atribuído a diversas etiologias (cardiogênico, não-cardiogênico, de etiologia mista ou desconhecida). No Quadro 46-1, relacionamos os principais mecanismos etiopatogênicos responsáveis pelo edema pulmonar agudo. Pela sua maior freqüência, enfatizaremos neste capítulo o edema pulmonar agudo de origem cardíaca. II. Etiologia. As diversas etiologias do edema pulmonar agudo podem ser incluídas nas seguintes categorias: A. Edema pulmonar secundário a alteração da permeabilidade capilar, como ocorre nas seguintes situações: síndrome da deficiência respiratória aguda; infecções; inalação de toxinas; presença de toxina exógena na circulação; coagulopatia intravascular disseminada; reações imunológicas; uremia; presença de substâncias vasoativas na circulação.

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B. Edema pulmonar secundário ao aumento da pressão capilar pulmonar. Esta categoria inclui os edemas de causas cardíaca e não-cardíaca, como na trombose venosa pulmonar, doenças venoclusivas e sobrecarga de volume. C. Edema pulmonar secundário à diminuição da pressão oncótica, como ocorre na hipoalbuminemia. D. Edema pulmonar secundário à insuficiência linfática local pulmonar. E. Edema pulmonar secundário a um aumento na pressão pleural negativa associado a um aumento do volume expiratório final. F. Edema pulmonar secundário a mais de um mecanismo, ou então secundário a mecanismo desconhecido. Isto inclui o edema pulmonar das grandes altitudes, o edema pulmonar neurogênico, a overdose de heroína ou outros narcóticos, a embolia pulmonar, eclâmpsia, pós-cardioversão, pós-anestésico, pós-extubação e pós-cirurgia de revascularização miocárdica. III. Fisiopatologia. Nos pulmões existem quatro compartimentos interligados anatômica e fisiologicamente: o vascular, que contém as arteríolas, vênulas e os capilares; o alveolar, que corresponde aos alvéolos; o intersticial, situado entre os pequenos vasos pulmonares e os alveólos; e o linfático, que contém os vasos linfáticos. Na circulação pulmonar, a pressão oncótica plasmática (cerca de 28 mmHg) e a pressão intersticial (cerca de 8 mmHg) favorecem a permanência de líquido no compartimento vascular, enquanto a pressão hidrostática capilar (cerca de 7 mmHg) favorece a saída de líquido para o compartimento extravascular (Fig. 46-1). É necessário que a pressão hidrostática capilar atinja níveis maiores do que a pressão coloidosmótica, ou que a pressão intersticial aumente pela presença de proteínas, para que haja extravasamento de líquido para o compartimento extravascular. Além do fator de segurança (onde a pressão hidrostática tem de atingir níveis superiores a 30 mmHg), ainda existem os linfáticos, responsáveis pela drenagem de proteínas e líquidos em excesso porventura existentes no interstício pulmonar. Normalmente, não há acúmulo de líquido no espaço intersticial ou nos alvéolos, devido à eficiência do átrio e do ventrículo esquerdos no bombeamento do sangue para a circulação periférica, como também devido à pressão oncótica plasmática e à drenagem linfática. Qualquer circunstância que congestione a circulação pulmonar e/ou altere a permeabilidade da membrana alveolocapilar pode levar à instalação de edema pulmonar agudo. A causa mais comum do EP é a insuficiência ventricular esquerda, seja aterosclerótica, valvular, hipertensiva ou miopática. Quando há falência súbita do ventrículo esquerdo, este se torna incapaz de ejetar um volume satisfatório e há aumento da pressão diastólica nessa câmara, o que se transmite retrogradamente ao átrio esquerdo e à circulação pulmonar. Normalmente, a pressão oncótica plasmática e os linfáticos evitam o acúmulo de líquido no 503

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interstício, mas, num dado momento, a pressão hidrostática atinge níveis que ultrapassam os mecanismos compensatórios, e ocorre o edema (Fig. 46-2). A sobrecarga de volume ou hiper-hidratação venosa pode levar ao EP, porém isto só ocorre em pacientes portadores de lesões miocárdicas ou valvulares preexistentes. A fisiopatologia do edema pulmonar agudo de origem cardiogênica se baseia no aumento da pressão capilar pulmonar, com extravasamento de líquidos para o interstício, e daí para os alvéolos — o EP surge caso a capacidade de drenagem linfática seja superada. As principais causas de edema pulmonar agudo de origem cardiogênica encontram-se resumidas no Quadro 46-2. Existem relatos de edema pulmonar agudo conseqüente à drenagem torácica de pneumotórax ou de derrame pleural, relacionado à duração do colapso pulmonar, volume drenado, à rapidez com que a drenagem foi efetuada e à pressão negativa utilizada. O mecanismo fisiopatológico permanece obscuro, mas tem sido implicado um efeito combinado entre o aumento da permeabilidade capilar, a hipoxia e o súbito aumento da pressão capilar durante a reexpansão sob pressão negativa. Um agente agressor pode lesar o endotélio capilar pulmonar ou o epitélio alveolar sem afetar o miocárdio, levando ao EP sem ocorrência de insuficiência ventricular esquerda; isto ocorre em inalações de fumaça ou de gases tóxicos (fosfogênio, dióxido de nitrogênio etc.), em septicemias, na uremia, nas irradiações com altas doses, na síndrome de coagulação intravascular disseminada e na SARA, além de em outros itens que constam do Quadro 46-1. Experimentalmente, a obstrução linfática produz o EP. Na clínica, encontramos esta correlação nos edemas pulmonares vistos em pacientes portadores de linfangite, na carcinomatose, na silicose e no pós-transplante pulmonar. Os quadros de EP relacionados a traumatismos cranioencefálicos, intoxicação por narcóticos e pós-anestesia, assim como outros itens constantes do Quadro 46-1, não têm o seu mecanismo de origem perfeitamente definido. Existem várias teorias para explicá-los, ora apontando a predominância de um fator, ora de outro. IV. Quadro Clínico. O quadro de EP pode instalar-se como a primeira manifestação de uma patologia ou ocorrer durante a evolução de uma moléstia já instalada. Inicialmente, o paciente se apresenta um pouco taquipnéico e com certa dificuldade respiratória, com tosse seca e hipoxemia relativa. Esta fase corresponde à infiltração intersticial. Com a evolução do quadro para o edema alveolar, a piora clínica é notória. O paciente já se apresenta com dispnéia intensa, taquipnéia, ortopnéia, sensação de opressão torácica,

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palidez cutânea, extremidades frias, sudorese, cianose (freqüente), tosse com expectoração clara ou rósea, taquicardia e estertores pulmonares à ausculta, com ou sem roncos e sibilos. Com a piora progressiva do paciente, os estertores pulmonares, inicialmente de base (onde a perfusão é maior), passam a ocupar todo o parênquima e até mesmo os ápices. É necessário que a presença de líquido nos pulmões alcance três vezes o normal para que os estertores pulmonares sejam detectados. Quadros dramáticos se apresentam por vezes em serviços de pronto-socorro, com pacientes extremamente dispnéicos, eliminando grande quantidade de material espumoso e róseo, levando ao pânico o médico menos experiente que se encontra com a difícil missão de atender esse paciente. V. Exames Complementares. Os exames complementares devem ser solicitados com o objetivo de avaliar a extensão do comprometimento pulmonar e avaliar as funções renal e cardíaca, além de proporcionar dados que indiquem a evolução do quadro. Para tal, devem-se solicitar hemograma, ionograma, uréia, creatinina, raios X de tórax, eletrocardiograma e gasometria arterial. A radiografia de tórax é particularmente útil nos casos em que se configura o diagnóstico diferencial entre o edema pulmonar agudo e a crise asmática. Na fase de edema intersticial, encontram-se as linhas B de Kerley, que são devidas ao espessamento dos septos interlobulares por edema. Quando o edema é alveolar, tem-se a imagem de condensações alveolares, de baixa densidade, que se irradiam a partir do hilo e tendem a se confluir. A gasometria do paciente mostra, no início, diminuição da PO2 e da PCO2, com alcalose respiratória, que pode evoluir, mesmo com a terapêutica adequada, para maior diminuição da PO2 e aumento da PCO2 e acidose mista. Níveis de PO2 menores do que 50 mmHg e de PCO2 maiores do que 50 mmHg indicam maior gravidade, com necessidade de ventilação mecânica. VI. Tratamento. No tratamento do EP, devem ser sempre individualizados o paciente e sua moléstia subjacente, ou seja, ter sempre em mente que o edema pulmonar é a conseqüência e que, se a causa não for tratada, a recuperação do paciente será menos provável. Por isto, enquanto o exame clínico do paciente é realizado, deve-se tentar obter informações precisas a respeito de moléstias e/ou tratamentos anteriores, quais drogas foram empregadas, por quanto tempo, até quando etc. No primeiro atendimento do edema pulmonar agudo, é indispensável lembrar que se trata de uma emergência médica e que, como tal, o tratamento deverá ser prontamente instituído. Em geral, as condições do paciente impossibilitam a imediata realização de exames complementares. Quando possível, realizar os exames complementares de imediato, ou mesmo aguardar os resultados para que sejam iniciadas as medidas terapêuticas. Existem procedimentos gerais para melhorar a ventilação e a oxigenação e diminuir o retorno venoso. Estes procedimentos podem e devem ser instituídos tão logo se suspeite de 505

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EP, ainda enquanto se examina o paciente. Como várias manobras simultâneas são necessárias, é aconselhável que o profissional médico não atue sozinho; se possível, o local ideal para o atendimento do paciente é uma unidade coronariana especializada ou uma UTI, onde poderá ser realizada a monitoração eletrocardiográfica, a monitoração da pressão intra-arterial e da pressão venosa central, passagem de cateter de Swan-Ganz para medida da pressão em cunha pulmonar e do débito cardíaco, uso de sistema BiPAP e intubação e ventilação mecânica, caso necessárias. Entretanto, é importante enfatizar que o tratamento inicial jamais deverá ser retardado enquanto se procura uma UTI para a transferência o paciente. As medidas básicas de tratamento são: A. Oxigenoterapia — por cateter nasal, máscara, ambu, intubação endotraqueal e ventilação mecânica (conforme cada caso). A utilização de terapia baseada no uso de máscara facial com pressão positiva, aplicada nas fases iniciais do edema pulmonar agudo de origem cardiogênica, se tem mostrado mais eficaz do que a oxigenoterapia por máscara convencional, principalmente em reduzir os shunts intrapulmonares e elevar a PO2 do sangue arterial. O suporte de ventilação não-invasiva (BiPAP) ajuda os pacientes com edema pulmonar agudo, diminuindo o trabalho da respiração, melhorando a troca de O2CO2, e aumentando o débito cardíaco. O uso do sistema BiPAP em Serviço de Emergência tem reduzido a necessidade de intubação orotraqueal em cerca de 90% dos pacientes com EP e falência respiratória. B. Colocar o paciente em posição sentada, rebaixando o nível dos membros inferiores — nesta posição, há diminuição do retorno venoso, melhora da congestão pulmonar, aumento da capacidade vital e decréscimo do esforço respiratório. C. Utilização de manguitos ou torniquetes rotatórios de borracha, para reduzir a pré-carga — caso se usem manguitos, estes devem ser aplicados vários centímetros abaixo da raiz da coxa e dos membros superiores, ficando insuflados até 10 mmHg abaixo da pressão diastólica do paciente, para permitir o retorno venoso. Apenas três das quatro extremidades devem ficar garroteadas por vez, rodando-se um dos torniquetes a cada 15-20 minutos para a extremidade que se encontra livre. D. Sulfato de morfina — é uma das drogas mais indicadas para o tratamento do EP, pois causa dilatações arteriolar e venular, diminuindo a dor, a ansiedade e o esforço respiratório. Assim, a droga reduz a pressão capilar pulmonar e melhora a ventilação. Ao administrá-la, deve-se ter cautela quanto aos riscos de depressão respiratória e hipotensão. A administração de doses fracionadas de 5 mg EV a cada 10 a 15 minutos reduz os riscos. A administração EV é feita em um período de três minutos. A morfina deverá ser evitada se ocorrer associação com hemorragia intracraniana, asma brônquica, pneumonia crônica, ou se o paciente estiver inconsciente. E. Meperidina — é uma substância analgésica sintética, tendo propriedades semelhantes às da morfina, embora possua estrutura química diferente. É empregada na dose de 50-100 mg, IM. O maior risco de depressão respiratória ocorre cerca de uma hora após a administração intramuscular; pode ser usada diluída, EV. Neste caso, utiliza-se uma ampola 506

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de meperidina diluída com 8 ml de água destilada, e aplicam-se inicialmente 3 ml da diluição. F. O ácido etacrínico e a furosemida, substâncias diuréticas, quando administrados por via endovenosa, promovem rápida resposta. A furosemida apresenta, além da ação diurética, uma vasodilatação no sistema venoso, causando com isto uma redução da pressão capilar pulmonar e do retorno venoso mesmo antes que o efeito diurético se faça presente. Sua dose varia de 20 a 60 mg EV; a dose pode ser duplicada a cada 20 minutos, até ser obtida resposta adequada (dose máxima de 300 mg). A diurese começa em cinco minutos e atinge o seu máximo em 30 minutos; o efeito total tem duas horas de duração. O principal risco do uso de diuréticos é a hipovolemia. G. Os vasodilatadores, arteriais ou venosos, podem ser empregados no tratamento do EP, com o intuito de diminuir a pressão sistêmica e a pressão vascular pulmonar. Mais comumente, é empregado o nitroprussiato de sódio, que diminui a pós-carga (resistência vascular arterial sistêmica), melhorando, assim, o débito cardíaco, o que leva à diminuição da pré-carga por dilatação venosa (com queda subseqüente na pressão capilar pulmonar). O nitroprussiato deve ser administrado em infusão contínua, na dose inicial de 20 mg/min, com aumento de 5 mg a cada cinco minutos, até que se obtenha a melhora do quadro ou que a pressão sistólica atinja 100 mmHg. Para maior segurança da administração do nitroprussiato, é recomendável que se disponha de uma pressão intra-arterial contínua, tomada no paciente por cateterização da artéria radial. A adição de captopril sublingual ao tratamento de base (nitroglicerina, morfina e furosemida) produz uma melhora clínica mais rápida do que quando se usa apenas o tratamento convencional. H. Nitratos — têm efeito predominantemente venoso. O dinitrato de isossorbida pode ser administrado por via sublingual, na dose de 5 mg a cada uma ou duas horas. Sua absorção é errática, e seu efeito é imprevisível. Não são drogas de primeira escolha no tratamento do edema pulmonar agudo. I. Aminofilina — exerce efeito vasodilatador, diminuindo a resistência periférica, com discreto efeito inotrópico positivo. Apresenta também ação diurética por efeito direto no túbulo renal e efeito broncodilatador através de relaxamento dos músculos lisos. Seu principal uso está em casos de EP complicados por broncoespasmo. A dose é de 240 mg dissolvidos em 20 ml de soro, aplicados em veia periférica por um período de 10 minutos. Se necessário, a aminofilina pode ser mantida em solução para infusão EV contínua, na dose de 1 mg/kg/h. Deve ser ressaltado que a aminofilina não é uma droga de primeira escolha no tratamento do edema pulmonar. A droga pode causar hipotensão, arritmias ventriculares e convulsões, levando inclusive à morte, principalmente na presença de hipoxemia. J. Os digitálicos são empregados para aumentar a contratilidade miocárdica. Sua administração é particularmente útil nos pacientes seguramente não-digitalizados, principalmente nos que apresentam taquiarritmia supraventricular com resposta ventricular alta. Deve ser ressaltado que a droga não é considerada de primeira escolha no tratamento 507

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do EP, havendo casos em que ela é contra-indicada ou exige avaliação dos benefícios versus riscos, como no edema pulmonar da estenose mitral pura sem resposta ventricular alta, ou no edema pulmonar do infarto agudo do miocárdio. Os digitálicos de ação rápida são utilizados por via venosa, aplicados lentamente e em veia periférica, para que seja evitado seu efeito vasoconstritor. A dose inicial, em geral, é de 0,5 mg de digoxina e de 0,4 mg de deslanosídio, com doses subseqüentes de 0,25 a 0,2 mg, respectivamente, a intervalos de duas horas. No cálculo da dose, são considerados o peso corporal, os distúrbios hidroeletrolíticos concomitantes e o uso de drogas. É importante ressaltar que é possível alcançar uma resposta inotrópica significativa com doses menores do que aquelas consideradas para se obter uma completa digitalização. L. Dobutamina e dopamina — empregadas nos casos de disfunção cardíaca, como no infarto agudo do miocárdio e nas miocardiopatias. Doses para utilização no EP: dopamina — 2,0-7,0 mg/min; dobutamina— 2,5-15 mg/min. M. Amrinona — amina simpaticomimética, com propriedades inotrópicas positivas e vasodilatadoras. Age como inibidora da fosfodiesterase. Dosagem média de 3,0 mg/ml com diluição em soro fisiológico. N. Enoximona — droga que se encontra nos estágios iniciais de experimentação, inibidora da fosfodiesterase, empregada na dose de 1 mg/kg em bolus, EV, com a dose repetida a cada oito horas, por 48 horas consecutivas. Comparados com os do tratamento convencional no EP (furosemida, nitratos, dopamina-dobutamina), os resultados foram pelo menos similares, com ausência de efeitos colaterais. Deve-se aguardar uma maior experiência clínica para se estabelecer a real eficácia da droga. O. Nitroglicerina — atua principalmente na pré-carga, reduzindo o tônus venoso e o retorno sangüíneo ao coração. Em conseqüência, há diminuição da pressão capilar pulmonar e da pressão de enchimento ventricular esquerdo. Utilizam-se doses iniciais de 5 mg/min com incrementos de 5 mg/min a cada três minutos, até que se observe uma queda na pressão arterial sistólica, que deverá atingir níveis inferiores a 100 mmHg. P. Cardioversão elétrica — indicada na presença de taquiarritmia que seja fator desencadeante do edema pulmonar agudo. Empregada nos casos cuja conversão com drogas não tenha sido obtida (p. ex., pacientes com flutter ou fibrilação atrial que não respondam à droga). Q. Flebotomia — método com importância sobretudo histórica. O uso de outros métodos, como o de torniquetes rotatórios, evita e substitui vantajosamente a flebotomia. R. Métodos de diálise — uso restrito a pacientes portadores de insuficiência renal ou com quadros de hipervolemia. Poderá ser utilizada a diálise peritoneal ou a hemodiálise, dependendo do caso. S. Métodos cirúrgicos e de valvuloplastia por balão — em alguns casos restritos, tanto a cirurgia quanto a valvuloplastia mitral com balão (realizada em laboratório de cateterismo cardíaco) podem desempenhar papel precípuo no tratamento do edema pulmonar agudo. 508

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Assim é que, nos casos de pacientes grávidas, que se apresentam com EP devido à estenose mitral, a valvuloplastia com balão poderá ser extremamente benéfica, com alívio da estenose mitral, e com menores riscos tanto para a mãe quanto para o feto. Já a cirurgia da válvula mitral em situações de emergência tem o seu lugar nas disfunções agudas de próteses valvulares mitrais, tanto mecânicas quanto biológicas, quando o paciente entra no quadro de edema pulmonar muitas vezes de difícil controle clínico. Deve-se ressaltar que tais casos têm um risco cirúrgico aumentado, nos quais a cirurgia estará indicada apenas quando todos os recursos de ordem clínica se esgotarem, persistindo o paciente descompensado, em EP. Outra indicação para a cirurgia mitral em caráter de urgência se verifica em casos de EP secundários a infarto agudo do miocárdio, com disfunção dos músculos papilares e insuficiência mitral aguda. O tratamento dos edemas pulmonares agudos não-cardiogênicos consiste em afastar a causa, manter as funções respiratórias e manter a sensibilidade hemodinâmica do paciente. O uso de drogas no EP deve ser avaliado de acordo com as características de cada paciente e com sua moléstia subjacente, não existindo um único tratamento padronizado. Finalmente, deve ser lembrado que o edema pulmonar agudo é uma entidade dinâmica, e por isto o paciente deve ser observado e examinado freqüentemente, e a terapêutica instituída de acordo com as características evolutivas. Referências 1. Biddle TL. Hemodynamic concepts in treating acute pulmonary edema. Southern Med J 1977; 70: 1.342-50. 2. Chung EK. Cardiac Emergency Care. 2 ed., Lea & Febiger, 1980. 3. Cohen GR, Kramer P, Thorp J, Yeast J. Percutaneous ballon mitral valvuloplasty in a pregnant woman with mitral stenosis, sickle cell crisis and acute pulmonary edema. A case report. J Reprod Med 1991; 136: 759-60. 4. Flammang D, Waynberger M, Chassing A, Tarral A. Acute pulmonary edema: preliminary of a randomized trial of the intravenous phosphodiesterase inhibitor, enoximone, vs conventional therapy. Int J Cardiol 1990; 28(Supl. 1): S3-S6. 5. Hamilton RJ, Carter WA, Gallagher EJ. Rapid improvement of acute pulmonary edema with sublingual captopril. Acad Emerg Med 1996; 3(3): 205-12. 6. Henriques ES, Michalaros YL. Edema pulmonar agudo. In: Pires MTB. Manual de Urgências em Cardiologia. Rio de Janeiro: MEDSI, 1992: 199. 7. Hueb W, Solimene MC, Ramires JA et al. Edema pulmonar agudo devido à disfunção e/ou ruptura dos músculos papilares em pacientes com insuficiência coronariana. Resultados cirúrgicos. Arq Bras Cardiol 1989; 53: 16.

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8. Ingram Jr. RH, Braunwald E. Pulmonary edema: cardiogenic and noncardiogenic. In: Braunwald E. Heart Disease. A Textbook of Cardiovascular Medicine. Philadelphia: WB Saunders Co., 1992: 551. 9. Kasinski N. Edema agudo pulmonar. In: Socesp. Cardiologia — Atualização e Reciclagem. Rio de Janeiro: Atheneu, 1994: 747-54. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 47 - Crise Hipertensiva José Guilherme Carneiro Carlos Faria Santos Amaral I. Introdução. O termo crise hipertensiva designa várias situações clínicas nas quais a elevação da pressão arterial sistêmica, geralmente a níveis de pressão diastólica superior a 130 mmHg, coloca em risco a função de órgãos e sistemas vitais num curto período de tempo. Entretanto, em indivíduos previamente normotensos, a crise hipertensiva pode instalar-se com elevação da pressão arterial para níveis de 150/100 mmHg. A crise hipertensiva é classificada em emergência e urgência hipertensiva. Nesta última, a elevação da pressão arterial não se acompanha de comprometimento de órgão-alvo, enquanto nas emergências hipertensivas já existe comprometimento de órgão-alvo. Pacientes com emergência hipertensiva necessitam de rápida redução dos níveis pressóricos, e, em geral, este objetivo é alcançado mediante o emprego de medicação antihipertensiva parenteral. Além do mais, já apresentam ou estão em risco de desenvolver instabilidade do principal sistema fisiológico, o que, aliado à necessidade de avaliação a curtos intervalos da pressão arterial frente aos medicamentos empregados, faz do CTI o local ideal para seu tratamento. Já nas urgências hipertensivas, a redução da PA pode ser processada mais lentamente, o que facilita o uso de drogas hipotensoras administradas por via oral, podendo o tratamento ser conduzido em enfermaria ou mesmo em ambulatório. É importante frisar que a maioria das crises hipertensivas decorre do tratamento clínico inadequado, e pode ser prevenida pelo diagnóstico precoce e por terapia adequada. II. Classificação. No Quadro 47-1 estão relacionadas as principais emergências e urgências hipertensivas. A. Encefalopatia hipertensiva (EH). Síndrome clínica que ocasionalmente aparece no curso evolutivo da hipertensão arterial primária ou secundária, manifestada por alterações subagudas da função cerebral que podem ser revertidas pela pronta redução da PA. A teoria mais aceita para explicar a patogênese da encefalopatia hipertensiva é a perda da auto-regulação do fluxo sangüíneo cerebral frente à instalação de hipertensão arterial, em indivíduos normotensos, ou à elevação brusca da pressão arterial em pacientes previamente hipertensos. O fluxo sangüíneo cerebral (FSC) é mantido constante para variações de 60 a 120 mmHg da pressão arterial média em indivíduos normotensos. Quando ocorre elevação da PA média acima de 120 mmHg, há perda da auto-regulação, ocasionando aumento do FSC com ruptura da barreira hematoencefálica, resultando em hemorragias petequiais, trombose dos capilares e edema cerebral.

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A regulação do FSC é influenciada por dois fatores: acidose, que desvia a curva para a esquerda, e hipertensão arterial crônica, que a desvia para a direita. Nos indivíduos hipertensos crônicos, a curva é desviada para a direita, o que faz com que eles tolerem elevações maiores da pressão arterial média (PAM), da ordem de 110 a 180 mmHg. Por outro lado, reduções da PAM bem toleradas em indivíduos normotensos podem ocasionar, nos hipertensos, diminuição do FSC, o que tem implicações terapêuticas. O quadro clínico é caracterizado por cefaléia intensa e generalizada de início súbito e recente, acompanhada de náuseas, vômitos, alterações transitórias do estado de consciência, perturbações neurológicas focais ou generalizadas. Em geral, são necessárias de 12 a 48 horas para que a síndrome clínica se manifeste em sua plenitude. O melhor critério para confirmação do diagnóstico de EH é a pronta melhora do paciente com a terapêutica anti-hipertensiva. Se isto não ocorrer, deve-se questionar o diagnóstico. O tratamento da EH objetiva a redução rápida da PA para níveis de 160/110-100 mmHg. Os medicamentos mais usados são nitroprussiato de sódio, diazóxido e labetalol. B. Acidente vascular cerebral. Pacientes portadores de acidente vascular cerebral, isquêmico ou hemorrágico, normalmente apresentam elevação da PA. Em ambas as situações, a hipertensão arterial grave, por constituir fator agravante, deve ser tratada prontamente com droga parenteral e titulável. A redução dos níveis pressóricos deve ser feita de maneira gradual, avaliando-se constantemente a função cerebral, pois uma queda excessiva pode levar à redução da perfusão cerebral e ao agravamento do quadro. O medicamento de escolha é o nitroprussiato de sódio. C. Hipertensão maligna. Este termo designa pacientes com hipertensão arterial grave (pressão diastólica em geral > 130 mmHg), associada à retinopatia grau IV de KeithWagner e à insuficiência renal, podendo coexistir manifestações de encefalopatia hipertensiva, anemia, microangiopatia e sinais de insuficiência ventricular esquerda. Embora a hipertensão maligna seja mais freqüentemente associada com hipertensão essencial, ela também pode aparecer no curso da hipertensão secundária. Fisiopatologicamente, a hipertensão maligna está relacionada à reatividade vascular induzida pelos níveis pressóricos elevados como decorrência da presença crônica na circulação de substâncias vasoconstritoras. O tratamento visa a diminuir a PA a níveis que não ocasionem redução do fluxo sangüíneo para os órgãos-alvos, normalmente para níveis em torno de 160/110 mmHg. Medicações de escolha: nitroprussiato de sódio e diazóxido. Podem ser necessários métodos dialíticos para o tratamento da insuficiência renal aguda, que pode regredir com a queda dos níveis pressóricos. D. Aneurisma dissecante de aorta. Deve ser suspeitado em todo paciente portador de hipertensão arterial que desenvolva dor torácica de forte intensidade. Tem incidência maior na faixa etária entre os 50-70 anos, podendo ocorrer abaixo dos 40 anos em pacientes com síndrome de Marfan, coarctação da aorta, válvula aórtica bicúspide e na gravidez. 512

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De Bakey classifica os aneurismas dissecantes em tipo I, quando a dissecção da íntima envolve a aorta ascendente, o arco aórtico e a aorta descendente, sendo o mais freqüente; tipo II, quando a dissecção envolve somente a aorta ascendente, e tipo III, quando envolve somente a aorta descendente após a saída da artéria subclávia esquerda. As dissecções proximais manifestam-se por dor aguda e lancinante, localizada no precórdio, irradiando-se para a região interescapulovertebral. Nas dissecções distais a dor acomete o abdômen e a região lombar. Podem surgir diferenças de pulso e pressão nos membros superiores e inferiores; acidente vascular cerebral e isquemia mesentérica e renal como conseqüência do comprometimento de ramos arteriais pela dissecção. As complicações mais graves são insuficiência aórtica aguda, IAM e tamponamento devido à ruptura do aneurisma para o interior do saco pericárdico. O diagnóstico pode ser suspeitado à radiografia do tórax, pelo encontro de alargamento do mediastino, e confirmado através de aortografia. O tratamento médico visa à redução da PA, principal fator causador da propagação da dissecção. A PA sistólica deve ser mantida em torno de 100-120 mmHg. A droga de escolha é o trimetafan, ou nitroprussiato de sódio associado a betabloqueadores. O alívio da dor indica controle da dissecção. O tratamento definitivo depende da localização, da extensão da dissecção, do quadro clínico e do acometimento de outros ramos arteriais. Em geral, é cirúrgico nos aneurismas tipos I e II da classificação de de Bakey. E. Insuficiência coronariana aguda. A associação de hipertensão arterial com o quadro da insuficiência coronariana aguda aumenta o consumo de O2, pelo aumento da tensão parietal do ventrículo esquerdo. Nos pacientes com IAM, se a PA persistir elevada após uso de analgésico, sedativos e O2, e se não existirem contra-indicações, devem-se usar betabloqueadores venosos, nitroglicerina venosa ou nitroprussiato de sódio. F. Edema pulmonar agudo. Pacientes com edema pulmonar agudo podem apresentar hipertensão arterial em conseqüência da hiperatividade simpática, que pode desaparecer após o uso de morfina, O2 e diurético. Entretanto, se a hipertensão arterial é o fator desencadeante do edema pulmonar, há indicações para o uso de medicação antihipertensiva venosa. A droga de escolha é o nitroprussiato de sódio. G. Feocromocitoma. É responsável por 0,5% das causas de hipertensão arterial secundária, estando a maioria dos tumores localizada nas glândulas supra-renais. A hipertensão arterial pode ser paroxística ou constante. As crises paroxísticas se caracterizam por elevação súbita e acentuada da pressão arterial, com cefaléia, agitação, sudorese profusa, palidez cutânea, taquicardia, náuseas e vômitos. Podem surgir complicações, como arritmas cardíacas, edema pulmonar agudo e hemorragia intracraniana. As crises podem ser precipitadas por fatores mecânicos, como compressão local, movimentação, exercício, atividade sexual, procedimentos cirúrgicos e parto.

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A droga de escolha para o tratamento é a fentolamina, por ser um bloqueador alfaadrenérgico. O nitroprussiato de sódio também é eficaz para controlar a pressão arterial. Os betabloqueadores não devem ser utilizados isoladamente, pois podem agravar a hipertensão arterial. H. Eclâmpsia. Ocorre após a 32ª semana de gestação. Suas características clínicas são hipertensão arterial, proteinúria, edema e convulsões. O evento fisiopatológico principal é a isquemia uteroplacentária. A eclâmpsia deve ser antes prevenida que tratada. Quanto ao tratamento, se repouso, sedação e o uso de hipotensores orais não impedirem a instalação da eclâmpsia, deverá ser considerada a interrupção da gravidez. A redução da pressão arterial é feita com o emprego de drogas como a hidralazina venosa e o diazóxido, reservando-se o nitroprussiato de sódio para os casos mais graves complicados com falência ventricular esquerda e edema pulmonar agudo. O diazóxido interrompe o trabalho de parto em cerca de 50% das gestantes, mas este efeito pode ser abolido com o emprego de ocitócitos. Apesar de largamente usado para o tratamento da eclâmpsia, a principal ação do sulfato de magnésio é reduzir a excitabilidade neuromuscular, já que sua ação hipotensora é discreta. De modo geral, as manifestações regridem com a retirada do concepto. III. Abordagem do Paciente com Diagnóstico de Crise Hipertensiva. A abordagem inicial do paciente com crise hipertensiva compreende a anamnese, obtida do paciente ou de seus familiares, e o exame físico, através do qual se avalia a extensão do comprometimento dos órgãos-alvo da hipertensão arterial, complementando-se esta avaliação através de exame do fundo-de-olho, hemograma, exame de rotina da urina, radiografia do tórax, eletrocardiograma e determinação dos níveis plasmáticos de uréia, creatinina e eletrólitos. O diagnóstico etiológico da crise hipertensiva pode requerer outros exames complementares, tais como aortografia, angiografia cerebral, ultra-sonografia e tomografia computadorizada, mas a terapêutica anti-hipertensiva deve ser iniciada prontamente, antes de obtidos os resultados dos exames. Os principais agentes empregados no tratamento das crises hipertensivas e suas características farmacológicas estão relacionados no Quadro 47-2. IV. Principais Drogas Usadas no Tratamento das Emergências Hipertensivas A. Nitroprussiato de sódio. Atua produzindo relaxamento da musculatura lisa das vênulas e arteríolas, reduzindo a pré e a pós-carga. O início de ação é em 1/2 a 1 min, o pico de ação ocorrendo entre 1 e 2 min, e a duração de ação é de 3 a 5 min. A droga é administrada 514

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através de infusão venosa contínua nas doses de 0,3 a 10 g/kg de peso/min. Os efeitos colaterais estão relacionados com a queda excessiva da PA. O nitroprussiato de sódio é rapidamente metabolizado a cianeto nas hemácias, e, no fígado, o cianeto é metabolizado a tiocianato, que possui meia-vida longa (4 dias) e é excretado pelos rins. O metabólito pode, então, acumular-se nos pacientes com insuficiência renal e nos idosos, produzindo manifestações tóxicas. Os sintomas de toxicidade são fadiga, anorexia, náuseas, vômitos, confusão mental, comportamento psicótico, hiper-reflexia e convulsões, e aparecem com níveis de 5-10 mg. A presença de disfunção hepática pode resultar em acúmulo de cianeto, o qual é manifestado por acidose metabólica, dispnéia, vômitos, ataxia e síncope. B. Diazóxido. Atua produzindo relaxamento da musculatura lisa arteriolar. O início da ação ocorre em 1-2 min, o pico de ação em 3-5 min, durando cerca de 3 a 14 horas. Pode ser administrado de três maneiras: injeção venosa rápida (bolus) de 5 mg/kg de peso, com dose máxima de 300 mg; doses fracionadas de 1-2 mg/kg, não excedendo 150 mg a cada 10 min; gota a gota na dose de 15-30 mg/min. Os efeitos colaterais são hiperuricemia, hiperglicemia, retenção de H2O e Na, retardo no trabalho de parto, hipertricose, alopecia e reações de hipersensibilidade na forma de leucopenia e trombocitopenia. C. Trimetafano. Atua como bloqueador ganglionar, impedindo a transmissão do impulso nos gânglios simpáticos e parassimpáticos. Tem início de ação em 1-2 min, pico de 2-5 min, e duração de 10 min. A elevação da cabeceira do leito potencializa o efeito hipotensor. A dose é de 1-15 mg/min em infusão gota a gota. Os efeitos colaterais estão mais relacionados com o bloqueio parassimpático: íleo paralítico, atonia vesical, inativação dos reflexos pupilares. Com o uso prolongado, é comum a ocorrência de taquifilaxia. D. Fentolamina. É um bloqueador alfa-adrenérgico, sendo seu uso indicado em pacientes com excesso de catecolaminas circulantes. Tem início de ação em 1/2 a 1 min, pico de ação de 5 min e duração de ação de 10-15 min. A dose inicial é de 5-15 mg EV, seguida de infusão venosa contínua de 1 mg/min. E. Labetalol. Tem como mecanismo de ação bloqueio alfa e beta-adrenérgico, numa proporção de 1:3. O início da ação ocorre em 5-10 min, durando 4-6 horas. A droga para uso venoso deve ser administrada em doses de 20-80 mg a cada 10-15 min, até se obter o efeito desejado, ou por infusão venosa contínua, na dose de 0,5-2,0 mg/kg de peso/min (dose máxima de 300 mg).

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Tem a vantagem de também estar disponível para uso por via oral, o que facilita a substituição da terapêutica parenteral. F. Verapamil. É bloqueador dos canais de cálcio, sendo vasodilatador potente. Tem início de ação em 1-5 min e duração de ação de 1 a 4 horas. A dose é de 5-10 mg EV, seguida de infusão de 3-25 mg/hora ou 0,07-0,75 mg/min. Pode ocasionar depressão da contratilidade miocárdica e da condução AV. G. Hidralazina. É vasodilatador arteriolar, podendo ser administrado IM ou EV, com dose inicial de 10-20 mg, repetida a cada 20-40 min, num total de 50 a 100 mg. O efeito hipotensor ocorre em cerca de 20 min e dura de 2 a 6 horas. A manutenção é feita com infusão venosa contínua, na dose de 0,05 a 0,15 mg/min. A ocorrência de taquicardia reflexa pode desencadear angina em pacientes com doença coronariana. H. Clonidina. Estimula os receptores centrais, diminuindo a descarga simpática. Tem sido utilizada com sucesso para o tratamento das emergências hipertensivas. Administra-se dose inicial de 0,1-0,2 mg VO, seguida por 0,1 mg a cada hora, até o máximo de 0,7-0,8 mg, ou redução da PAD igual ou superior a 20 mmHg. O efeito hipotensor pode ser potencializado pela administração concomitante de um diurético. A droga está contra-indicada na presença de BAV de segundo e terceiro graus e doença do nódulo sinusal. I. Nifedipina. Bloqueia os canais de cálcio, interferindo com o acoplamento excitaçãocontração. Produz vasodilatação arteriolar, com redução da resistência periférica e da póscarga. Após a administração sublingual de 10 mg, o início da ação ocorre em 10 min, com pico de ação em 20-30 min e duração de ação de 4-5 horas, o que viabiliza sua administração a pacientes incapazes de deglutir. Os efeitos colaterais são cefaléia, pseudotremores, taquicardia e hipotensão arterial. Devido a estas características, tem sido usado de forma crescente no tratamento das emergências hipertensivas. J. Captopril. Age bloqueando a enzima conversora da angiotensina I em angiotensina II. Tem início de ação em 15 min, após administração de 10-50 mg, com pico de ação de 3090 min. Os efeitos colaterais são tosse renitente, reações alérgicas cutâneas, perda do paladar e proteinúria. V. Hipertensão Arterial — Seqüência do Tratamento. O fluxograma para o tratamento medicamentoso da hipertensão arterial fora da crise hipertensiva se encontra no Quadro 47-3. Após o controle do quadro agudo com o uso das drogas relatadas, é necessário o reinício das medicações anti-hipertensivas orais para a manutenção do controle pressórico. As drogas mais comumente usadas e sua posologia são apresentadas no Quadro 47-4. Referências 516

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Capítulo 48 - Infarto Agudo do Miocárdio Arquimedes N. C. Santos Augusto O. Silveira Coutinho Leonor Garcia Rincon Marco Tulio Baccarini Pires O infarto agudo do miocárdio é a síndrome clínica resultante da necrose isquêmica do miocárdio, conseqüente à obstrução ao fluxo coronariano, transitória ou permanentemente. A maioria dos infartos do miocárdio é ocasionada pela trombose de uma artéria coronária sobre uma placa ateromatosa. Abaixo de um determinado nível de fluxo sangüíneo para a musculatura cardíaca, surge um quadro isquêmico; quando esta isquemia se prolonga, danos irreversíveis ocorrem, configurando uma área de infarto na musculatura do miocárdio. O surgimento das lesões patológicas inicia-se, em nível ultra-estrutural, após 20 minutos de isquemia e é caracterizado pela redução no tamanho dos grânulos de glicogênio, pela dilatação e destruição da membrana das mitocôndrias e do sistema tubular, e por edema celular. A estas lesões, inicialmente reversíveis, juntam-se outras após aproximadamente 60 minutos, irreversíveis, consistindo em marginação da cromatina nuclear, ruptura da membrana celular, relaxamento e estiramento das miofibrilas e surgimento de densidades intramitocondriais amorfas. Outras alterações, também irreversíveis, surgem a seguir, constando de desorganização dos miofilamentos, agrupamento, edema e ruptura da membrana interna das mitocôndrias, além de separação das junções intercelulares ao nível dos discos intercalados. A necrose pode surgir de três maneiras diferentes, de acordo com a duração e a gravidade da isquemia. A forma habitual, a necrose de coagulação, é reconhecida macroscopicamente, após 24 horas da oclusão coronariana, como áreas pálidas no território antes irrigado pelo vaso ocluído. Histologicamente surgem hipereosinofilia das fibras musculares mortas e infiltração neutrofílica após 6-12 horas. O infiltrado inflamatório aumenta nos dias subseqüentes, iniciando a fagocitose das fibras musculares e, após uma semana, sua substituição por colágeno. Uma cicatriz fibrosa substitui completamente, após seis a oito semanas, o tecido necrótico. A cicatriz, inicialmente macia e vascularizada, torna-se avascular, acelular e rígida após 12 meses. A necrose de contração (miocitólise coagulativa) surge após reperfusão espontânea ou induzida, localizando-se na periferia dos grandes infartos. Macroscopicamente, apresentase como um infarto vermelho, hemorrágico e, microscopicamente, caracteriza-se pelo surgimento de barras transversas de material eosinofílico, alternando-se com espaços claros, representando agrupamentos de sarcômeros contraídos, que foram separados por ruptura miofibrilar. É causada pelo influxo intracelular rápido de cálcio nas células que estão morrendo, como conseqüência da reperfusão, levando à contração dos miócitos. A miocitólise, ou seja, a lise miofibrilar com perda dos núcleos celulares e escasso infiltrado inflamatório, ocorre após períodos prolongados de isquemia moderada e aparece normalmente em pacientes com doença coronariana crônica, com áreas múltiplas de 519

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infartos pequenos. Na miocitólise ocorrem edema e dilatação celular, lise das miofibrilas e núcleos, ausência de resposta neutrofílica, cicatrização por lise e fagocitose dos miócitos. Localiza-se, preferencialmente, na periferia das áreas de necrose de coagulação. I. Etiologia. A obstrução trombótica completa da circulação coronariana é demonstrada em 60-90% dos infartos do miocárdio nas primeiras 24 horas. Esta incidência reduz-se para 40-50% após duas semanas, permanecendo em seguida neste nível. O trombo plaquetário, na sua porção mais íntima, normalmente se superpõe a uma placa arteriosclerótica rota e é o resultado de vários fatores: ativação plaquetária após exposição à gordura e ao colágeno da placa arteriosclerótica, liberação de tromboplastina do vaso lesado e estase em virtude da estenose pós-ruptura. A ruptura resulta da dissecção da camada íntima, quando a placa, enfraquecida pela destruição das membranas clássicas e pela infiltração gordurosa, é submetida às forças de cisalhamento, nos locais de redução do calibre. Efeito semelhante é obtido pelas variações que ocorrem no tônus vascular, na pressão arterial ou mesmo pelas próprias contrações cardíacas. O papel da hemorragia sob a placa arteriosclerótica parece, atualmente, de pouco significado na gênese da obstrução aguda. Do mesmo modo, o papel do espasmo coronariano (angina de Prinzmetal com artérias coronárias normais) encontra-se pouco definido e, muito embora possa ser o responsável, isoladamente, em uns poucos casos de infarto sem obstrução orgânica da árvore coronariana, sua importância no surgimento de trombose, atuando como fator estenosante adicional, merece maiores estudos. Outros fatores etiológicos podem estar envolvidos, provocando, em alguns casos, considerável dificuldade diagnóstica. A obstrução pode ser o resultado de uma compressão extrínseca (tumores, hematomas, tamponamento pericárdico), de vasculites sistêmicas ou localizadas (lúpus eritematoso sistêmico, periarterite nodosa, granulomatose de Wegener, doença de Burger, doença de Takayasu, artrite reumatóide, espondilite anquilosante, dissecção de aorta ou da coronária, sífilis), de processos trombóticos associados a defeitos de coagulação (trombocitopenias, policitemia vera, ausência dos fatores XII, IX ou X), a embolias (mixomas, infarto prévio do miocárdio, endocardite bacteriana, embolia a partir de próteses valvulares, embolia gasosa, de colesterol), desproporções entre a demanda e a oferta de oxigênio (estenose aórtica, insuficiência aórtica, tireotoxicose), a alterações hematológicas, aos traumas cardíacos e, mais recentemente, ao abuso de cocaína. II. Anatomia. O número de lesões obstrutivas encontradas nas coronárias após o infarto é devido a vários fatores, sendo os mais importantes a idade do paciente e a presença de angina pós-infarto e/ou infartos múltiplos. De um modo global, a distribuição é a seguinte: ausência de obstrução, 0-7%; lesão em um vaso, 23-58%; lesão em dois vasos, 21-45%; lesão em três vasos, 10-53%; lesão de tronco, 1-11%. Nos pacientes com angina pós-infarto, a incidência de lesões em múltiplos vasos varia de 79 a 92%, contra 45-70% nos pacientes livres de dor. Igualmente, a incidência de lesões 520

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múltiplas nos pacientes com várias áreas infartadas varia de 73 a 100% contra os 31 a 64% do primeiro infarto. Por ser o infarto transmural, ele não altera a probabilidade de que sejam encontradas lesões coronarianas múltiplas (37-76%, contra 32-76% nos nãotransmurais). A localização do infarto reflete a coronária obstruída, e a freqüência dos infartos anteriores e inferiores é a mesma, sendo 8-10% dos infartos laterais puros. Os infartos atriais, principalmente os direitos, ocorrem em aproximadamente 17% dos casos, em geral associados a infartos inferiores. O infarto do ventrículo direito, presente em até 50% dos casos de necropsia, é menos freqüente do que se poderia deduzir, pela incidência de lesões encontradas na coronária direita, em virtude da abundância da circulação colateral, da menor demanda de oxigênio e da possibilidade de nutrição a partir de difusão intracavitária. É fato, pois, que as lesões da descendente anterior e da coronária direita, isolada ou conjuntamente, são mais freqüentes do que as da circunflexa. As lesões na descendente anterior originam os infartos anteriores e ântero-laterais; as localizadas na coronária direita, os infartos inferiores, posteriores, atriais e direitos, e as localizadas na circunflexa, os infartos laterais. A presença de circulação colateral aumenta com o passar do tempo, sendo maior após duas semanas e sendo encontrada em até 57% dos pacientes. É notada principalmente em pacientes com infarto não-Q. A presença de circulação colateral também se associa com melhor fração de ejeção, antes da alta hospitalar. III. Sintomatologia. A característica fundamental do IAM é a dor prolongada, localizada nas regiões subesternal, epigástrica, abdominal alta ou precordial e se irradiando para o pescoço, ombro, mandíbula e para o braço e a mão esquerdos. Apresenta características diversas, sendo descrita como opressiva, “em aperto”, contínua, “rasgando” etc., e durando períodos que variam de 20 minutos a vários dias. Acompanha-se de fenômenos vagais, como náuseas, vômitos, diaforese, em aproximadamente metade dos pacientes. Outros sintomas, como dispnéia, sensação de morte iminente e ansiedade, são também descritos com freqüência pelos pacientes. O infarto é o primeiro sinal de coronariopatia, na maioria dos casos (62%), podendo, entretanto, surgir como complicação de um estado anginoso (37%) ou após infarto prévio (11%). A dor surge comumente em repouso (30%), durante o sono (12%) ou exercício leve (30%). A presença de sintomas maldefinidos, como dor torácica não-característica, leve e transitória, é descrita por até dois terços dos pacientes, por períodos variáveis de duas a quatro semanas antes do evento principal. Em um número indefinido de pacientes (estatísticas variando entre 20 e 60% dos infartos não-fatais), o quadro do IAM pode apresentar-se sem dor, de modo assintomático, ou como edema agudo de pulmão, AVC isquêmico, arritmia cardíaca ou morte súbita. Tais casos ocorrem com maior freqüência em pacientes com mais de 70 anos de idade, em diabéticos, negros, mulheres, hipertensos e portadores de fibrilação atrial. O infarto agudo do miocárdio não-reconhecido ou silencioso é mais freqüente em pacientes sem angina prévia; freqüentemente, o quadro é seguido por isquemia silenciosa. 521

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A hipertensão (pressão arterial maior ou igual a 160/100 mmHg) surge em um terço dos casos à admissão, normalmente se associando à taquicardia e permanecendo após a sexta hora em apenas 10% dos pacientes. A hipotensão sem sinais de choque mais a bradicardia (reflexo de Bezold Jarish) é freqüente, tornando-se aparente em metade dos pacientes, e se relaciona com o infarto diafragmático, apresentando caráter benigno e transitório. A febre surge no primeiro dia de infarto (32%), atinge um pico de incidência no segundo dia (72%), desaparecendo por volta do quinto dia. A temperatura média é de 38,2ºC. Temperaturas superiores a 39ºC, surgindo após o quinto dia, durando mais de cinco dias e com pico no primeiro dia, sugerem outro diagnóstico. Sinais gripais inespecíficos, como mal-estar, mialgia, rinorréia e obstrução nasal, ocorrem com uma freqüência próxima a 30%. A presença de pulso paradoxal de até 15 mmHg ocorre na ausência de tamponamento pericárdico em até 50-70% dos pacientes no primeiro dia de IAM, permanecendo (40%) por até uma semana ou mais. A presença de uma terceira bulha (B3) se relaciona com o grau de disfunção hemodinâmica, estando presente em apenas 9% dos pacientes sem deterioração miocárdica. Do mesmo modo, vários estertores pós-tosse estão presentes em 72% dos pacientes com uma pressão em cunha capilar pulmonar (PWAP*) superior a 18 mmHg, e ausentes em 65% dos casos, quando a PWAP mantém-se inferior a 18 mmHg (Quadro 48-1). Um sopro sistólico de insuficiência mitral ocorre em 14-55% dos pacientes admitidos com IAM, dependendo da freqüência com que se ausculta o paciente e da capacidade auscultatória do cardiologista. O sopro pode ser pan-sistólico (81%), telessistólico apical ou de ejeção, também apical. Pode desaparecer à época da alta hospitalar em 10-70% dos casos, refletindo, na maioria das vezes, isquemia dos músculos papilares. Ocorre com maior freqüência em infartos não-Q e em pacientes com infarto prévio, associando-se com dor persistente, ICC, menor área de infarto, mortalidade aumentada em um ano e maior incidência de reinfarto precoce (2-5 vezes). IV. Alterações Laboratoriais A. Glicemia. A hiperglicemia, resultado do aumento na concentração de catecolaminas e cortisol, ocorre freqüentemente durante o curso do IAM (20-30%), persistindo em 5-10% dos pacientes após três a seis meses. Em pacientes previamente diabéticos, um quadro de cetoacidose pode ser precipitado. A hiperglicemia encontra-se relacionada a uma maior ocorrência de falência cardíaca, seguindo-se ao infarto agudo do miocárdio e a uma mortalidade mais elevada. B. Hemograma. Freqüentemente, observa-se elevação do hematócrito nos primeiros dias após infarto agudo do miocárdio, como conseqüência de hemoconcentração. Uma leucocitose entre 10.000 e 15.000 leucócitos/mm3 é quase constante durante a primeira semana, surgindo quase sempre entre o segundo e o quarto dias; após a primeira semana, os valores retornam ao normal. Valores acima de 20.000 e persistindo por períodos superiores a sete dias são sugestivos de complicações ou diagnósticos intercorrentes. A ocorrência da leucocitose está ligada à necrose muscular e à secreção aumentada de glicocorticóides. A velocidade de hemossedimentação se eleva durante os dois a três primeiros dias, atingindo um pico entre o terceiro e o quarto dias e permanecendo elevada por várias semanas. 522

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C. Ionograma. Uma hipopotassemia (K menor do que 3,5 mEq/l) ocorre de modo transitório em um terço dos pacientes, desaparecendo espontaneamente sem necessidade de tratamento após a sétima hora. D. Gasometria arterial. Ocorre hipoxemia em praticamente todos os pacientes, com valores da PaO2 se apresentando abaixo de 60 mmHg em um quinto destes. A gravidade da hipoxemia, em geral, é proporcional ao grau de disfunção do ventrículo esquerdo. Assim, verifica-se uma relação inversa entre a PaO2 e a pressão diastólica da artéria pulmonar, nos pacientes com infarto agudo do miocárdio. Observa-se, ainda, uma correlação positiva entre o conteúdo de água intersticial pulmonar, a pressão de enchimento de ventrículo esquerdo e os sintomas de falência ventricular esquerda. Pacientes muito ansiosos podem apresentar-se com alcalose respiratória, devido à hiperventilação. V. Radiografia de Tórax. A radiografia de tórax, obtida à admissão na UTI, auxilia não só no diagnóstico diferencial, afastando outras causas de dor torácica, como também define a presença de doenças cardiopulmonares associadas, o grau de disfunção hemodinâmica e o prognóstico resultante do infarto. As alterações hemodinâmicas são graduadas utilizando-se a classificação de Kostuk (Quadro 48-2). O prognóstico piora progressivamente com maiores graus de disfunção hemodinâmica, como mostrado na classificação de Kostuk. A avaliação do índice cardiotorácico e o tamanho do ventrículo esquerdo também se correlacionam com o prognóstico; o achado de um aumento de ventrículo esquerdo e no índice cardiotorácico define uma mortalidade elevada de 2,7-4,5 vezes, respectivamente. Na utilização da radiografia torácica para definição do grau de disfunção hemodinâmica, deve-se salientar que a relação entre a congestão venosa e a pressão atrial esquerda é relativamente pobre: 33% dos casos são superestimados e 24%, subestimados. Isto se deve às variações agudas na pressão do átrio esquerdo (PAE), à demora de até 72 horas na resolução do edema alveolar, na radiografia, e à presença de edema pulmonar não-cardiogênico em alguns pacientes com infarto agudo do miocárdio. O uso da radiografia de tórax para estimar a fração de ejeção antes da alta hospitalar também é limitado, mesmo considerando-se as alterações ocorridas durante o período de internação na Unidade de Terapia Intensiva (73% de correlação); a adição da avaliação da área cardíaca não melhora este índice. VI. Eletrocardiograma. O eletrocardiograma deverá ser realizado diariamente durante os três primeiros dias após a confirmação do diagnóstico. Na presença de complicações, serão obtidos traçados adicionais. O eletrocardiograma é útil não somente no diagnóstico e na localização do infarto, como também fornece dados sobre o prognóstico e a artéria envolvida.

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As ondas Q patológicas refletem necrose miocárdica e normalmente surgem nas primeiras 24 horas após a oclusão coronariana; podem persistir indefinidamente ou desaparecer precocemente em 5-10 dias (20-50% dos pacientes). O supradesnivelamento de S-T surge concomitantemente ou antes das ondas de necrose e desaparece por volta de 15 dias em 95% dos infartos diafragmáticos e em 65% dos infartos anteriores. As inversões da onda T surgem após as primeiras 24 horas e refletem isquemia, normalmente persistindo indefinidamente. As ondas Q serão consideradas patológicas quando apresentarem duração superior a 0,04 segundo, ou quando durarem mais de 0,03 segundo e a relação Q-R for maior ou igual a um terço em I, II, III, aVL, aVF e V5-V6. Ondas Q de qualquer duração serão consideradas anômalas em V1-V4, exceto na presença de rotação anti-horária do coração ou quando associadas a desvio do eixo para a esquerda (>-30). O segmento S-T será considerado supradesnivelado quando apresentar desvio superior a 1 mm em relação ao segmento T-P, com duração de 0,08 segundo, e ocorrer pelo menos 0,02 segundo após o término no QRS. A presença de bloqueio completo de ramo esquerdo anula a avaliação do segmento S-T, assim como na presença de bloqueio completo de ramo direito o supradesnivelamento de S-T em V1-V3 poderá ser considerado normal. As ondas T negativas serão consideradas patológicas em todas as derivações, exceto III. Nesta última derivação, a onda T negativa poderá ser considerada como refletindo isquemia, quando R > S. O infarto será considerado de parede anterior quando as alterações surgirem em V1-V4, de parede inferior quando em DII, DIII e aVF, de parede lateral quando em DI, aVL, V4-V6 e de parede posterior, quando R > S ou R > 5 mm com onda T positiva em V1. Com relação à artéria envolvida no IAM, pode-se dizer que os infartos anteriores se associam, em 95% dos casos, com lesão na artéria coronária descendente anterior (DA). Os infartos laterais e posteriores isolados são característicos de obstrução da circunflexa, e os infartos inferiores isolados, da coronária direita. Infartos laterais e inferiores associados indicam lesão tanto da coronária direita como da circunflexa. Por outro lado, obstruções da DA normalmente (90%) se associam com lesões eletrocardiográficas em parede anterior. Obstruções da artéria circunflexa se refletem eletrocardiograficamente em apenas 20-30% dos casos, e da artéria coronária direita, em 50-60% dos pacientes. A capacidade de o eletrocardiograma diferenciar infarto transmural do subendocárdico, através da presença de ondas Q, deve ser colocada em dúvida. Estudos de necropsia e cintilográficos demonstram claramente que infartos transmurais podem apresentar-se apenas com alterações no segmento S-T, e que infartos subendocárdicos (dois terços internos da parede miocárdica) podem ser revelados através de ondas Q patológicas. Na avaliação do prognóstico, a presença de bloqueio completo de ramo esquerdo, ritmo de marcapasso, sinais de sobrecarga ventricular esquerda e presença de alterações na onda T, segmento S-T ou presença de Q no eletrocardiograma de admissão se acompanham de mau prognóstico. Do mesmo modo, infartos de parede anterior, bloqueios de ramo combinados, ondas Q com duração superior a 0,03 segundo em aVF, ritmo de fibrilação atrial e alterações do segmento S-T são sinais de mau presságio. VII. Diagnóstico. 524

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A confirmação clínica da necrose miocárdica pode ser feita através do eletrocardiograma, da dosagem das enzimas séricas ou de técnicas de imagem, como as isotópicas, ecocardiográficas, tomografia computadorizada, ressonância nuclear magnética, ou cineangiografia. Apesar da multiplicidade dos métodos existentes, o ECG e a dosagem das enzimas séricas são os mais utilizados, pela conveniência do custo, sensibilidade, especificidade e possibilidade de serem repetidos com facilidade. O eletrocardiograma apresenta uma sensibilidade global de 92% e uma especificidade de 59%. Deve-se salientar a necessidade da realização de exames repetidos, já que a sensibilidade aumenta de 51 para 90% com a realização de dois eletrocardiogramas repetidos com uma diferença de seis horas. O eletrocardiograma não se presta para o diagnóstico de infarto na presença de BCRE, e sinais como os de Chapman e Cabrera são insensíveis para serem de alguma valia. Resultados falso-positivos podem ocorrer na presença de hemorragia cerebral, uremia, pancreatite, embolia pulmonar, isquemia miocárdica sem necrose, pneumotórax, síndrome de pré-excitação, miocardiopatia hipertrófica, aneurismas apicais, estenose e insuficiência aórticas, cardiopatia hipertensiva, estenose e prolapso mitrais. Alterações de S-T ocorrem também como variação da normalidade e nas pericardites. Das enzimas utilizadas para o diagnóstico do IAM, as únicas de valia são as isoenzimas da creatinina fosfoquinase (CK) e da desidrogenase lática (LDH). A creatinina fosfoquinase é uma enzima dimérica que catalisa a transferência de grupos fosfato de alta energia e possui duas subunidades, cada uma das quais pode ser M (muscle) ou B (brain). A CK miocárdica é de 85% MM e 15% MB. A LDH catalisa a redução reversível do piruvato a lactato e é dividida em duas subunidades, M (muscle) e H (heart), e apresenta cinco isoenzimas, de acordo com a sua migração na eletroforese. LDH1, a isoenzima com maior mobilidade eletroforética, em virtude de sua maior carga negativa, é constituída de quatro unidades H e é encontrada principalmente no coração. Outras fontes importantes de LDH1 são os eritrócitos, rins, cérebro, estômago e pâncreas. As transaminases apresentam pouca especificidade para o diagnóstico do IAM, e seu uso deve ser abandonado (Quadro 48-3). A CKMB pode ser medida utilizando-se várias técnicas, como a eletroforese, a cromatografia, o radioimunoensaio, a imunoprecipitação e a imunoadsorção. Os valores normais dependem da técnica utilizada, variando de 5-25 UI ou 3-6% do valor da CK total. Em até 16% dos pacientes admitidos com suspeita de infarto agudo do miocárdio, pode-se encontrar um padrão caracterizado por elevação da CKMB, com valores normais de CK total. Tais casos provavelmente representam pequenas áreas de infarto, que não serão identificadas utilizando-se outras técnicas diagnósticas. Outra possibilidade é a de tais pacientes serem portadores de uma macro CK, que foi subdividida em dois padrões, macro CK1, encontrada principalmente em mulheres portadoras de doenças auto-imunes, e macro CK2, habitualmente dosável em pacientes com doenças malignas. Finalmente, a CK dosada pode representar uma enzima mitocondrial. A determinação da CKMB deverá ser realizada à admissão e após 12-24 horas (ou talvez 8-16 horas); as amostras deverão ser guardadas em congelador, quando a dosagem não puder ser realizada imediatamente. Em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca ou à reperfusão coronariana, as elevações da CKMB serão mais precoces, atingindo um pico entre 8 e 12 horas após o procedimento, e não após 18-24 horas, como ocorre no infarto habitual. 525

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A angioplastia transluminal percutânea poderá produzir pequenos aumentos na CKMB que, na ausência de infarto, não deverá ultrapassar 50 UI. A cardioversão ou desfibrilação elétricas não se acompanham, na ausência de complicações, de elevações da CKMB. A utilização das dosagens de CKMB para avaliação da área infartada é feita utilizando-se a área sob a curva dos valores obtidos a cada 1-4 horas, ou através do valor de pico (neste caso, obtendo-se amostras, no máximo, a cada 12 horas, durante 24-36 horas). A sensibilidade da CKMB para o diagnóstico do infarto agudo do miocárdio, utilizando-se imunoadsorção e realizando-se três dosagens nas primeiras 24 horas, é de 96-98%, com especificidade próxima dos 98%. Resultados falso-positivos podem ocorrer em virtude das variantes enzimáticas já citadas, por lesão miocárdica resultante de miocardite, pericardite, trauma, doenças musculares, hipo e hipertermias, síndrome de Reye, e por liberação de CK de fontes periféricas, como nos casos de miosites, rabdomiólise, cirurgia prostática, cesariana, cirurgia gastrointestinal, tumores, atividades atléticas, e por causas não bem esclarecidas, como no hipotireoidismo, na hemorragia subaracnóidea e na insuficiência renal. Em tais pacientes, a identificação correta da causa será possível pela análise da situação clínica e pelo padrão temporal de aparecimento e desaparecimento da enzima. O uso da LDH para o diagnóstico do infarto será restrito aos pacientes admitidos 24 horas após o início da dor. Encontrando-se um valor elevado de LDH total, a amostra será submetida ao fracionamento, considerando-se diagnóstico de infarto uma relação LDH1/LDH2 > 1. A relação invertida surge após 12 horas do início do infarto e apresenta, a seguir, um padrão incerto de surgimento e desaparecimento. No caso de a primeira dosagem ter sido normal, e persistindo a suspeita diagnóstica, uma segunda amostra deverá ser obtida 24 horas depois. A sensibilidade do exame gira em torno de 80-90%, com especificidade de 94%. Utilizando-se uma relação LDH1/LDH2 > 0,76, a sensibilidade e a especificidade permanecerão em torno de 90%. A dosagem da LDH total apresentará sensibilidade de 98%, com 30% de resultados falso-positivos. Hemólise, infartos renais, miopatias e gravidez podem provocar aumentos de LDH1. As amostras de sangue para dosagem de LDH devem ser guardadas à temperatura ambiente, para evitar resultados falso-negativos. As técnicas de imageamento com radioisótopos para diagnóstico de infarto do miocárdio utilizam o pirofosfato, o tálio, ou ambos. O mapeamento com pirofosfato torna-se positivo tão precocemente quanto duas horas após o IAM, mas principalmente nas primeiras 48-72 horas, negativando-se uma a duas semanas depois. O mapeamento com o tálio apresenta o mesmo padrão de surgimento, mas persiste positivo indefinidamente. Seus inconvenientes são: a não-visualização do ventrículo direito, a impossibilidade de separar infartos recentes de antigos, a alta incidência de falso-positivos, como miocardiopatias congestivas e infiltrativas (sarcoidose, amiloidose etc.) e doenças com obstrução coronariana. No caso do pirofosfato, os falso-positivos correm por conta das lesões ósseas costocondrais, calcificações valvulares, pericardites, metástases cardíacas e dos aneurismas ventriculares. Do mesmo modo que o tálio, o pirofosfato sofre de grandes variações na interpretação (pelo menos 35% de desacordo em um estudo) e é incapaz de definir com segurança a presença de infarto subendocárdico e de diferenciá-lo da angina instável. A sua sensibilidade global situa-se em torno de 88%, com especificidade de 64%.

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O ecocardiograma bidimensional pode diagnosticar a presença de infarto tão precocemente quanto uma a duas horas após seu surgimento, com sensibilidade próxima dos 90%. Necessita, entretanto, de especificidade, pois é incapaz de diferenciá-lo de áreas de isquemia ou outras doenças miocárdicas. A utilização de tomografia computadorizada, PET, ressonância nuclear magnética para o diagnóstico do infarto apresenta sensibilidade semelhante à do ecocardiograma, podendo diagnosticar o infarto precocemente. A ressonância nuclear magnética apresenta problemas de ordem prática, devido à sua disponibilidade em apenas poucos centros, ao maior custo, e pela impossibilidade de ser realizada à beira do leito, na Unidade de Terapia Intensiva; entretanto, é um exame seguro, não-invasivo, que permite não apenas a detecção do local e do tamanho da área infartada, mas também possibilita a avaliação da perfusão das áreas infartada e não-infartada, como também do miocárdio reperfundido, das áreas que se apresentam comprometidas, porém não-infartadas, das áreas com presença de edema, de fibrose, de adelgaçamento da parede. VIII. Tratamento A. Atendimento pré-hospitalar. É necessário que o paciente que apresente sintomas compatíveis com a ocorrência de um infarto agudo do miocárdio seja imediatamente encaminhado a um centro médico especializado. A identificação destes sintomas não será problemática quando o paciente já vier apresentando quadro prévio de angina e estiver sob tratamento médico, ou quando já tiver sido vítima de um infarto agudo do miocárdio anteriormente, ou ainda quando algum familiar já teve alguma experiência quanto a este tipo de patologia e identifique os sintomas. Entretanto, quando a primeira manifestação de um quadro de insuficiência coronariana for o infarto agudo do miocárdio, em muitas situações o paciente tenderá a subestimar, e mesmo negar, a ocorrência de um problema, não procurando atendimento médico. Como se sabe que a maioria das mortes no IAM é causada por fibrilação ventricular, ocorrendo na primeira hora após o infarto, compreende-se a necessidade de um atendimento especializado imediato. Assim, é importante que campanhas de conscientização e informação acerca da sintomatologia do IAM, dirigidas à população, sejam implementadas. Tais campanhas, quando realizadas em países da Europa e América do Norte, mostraram-se eficazes em diminuir o tempo de procura por atendimento médico por parte do paciente infartado, possibilitando a utilização de agentes trombolíticos mais precocemente e também o tratamento de arritmias possivelmente letais. Em alguns países, e também no Brasil (nas grandes cidades), o atendimento domiciliar em poucos minutos, por Unidades Coronarianas Móveis (ambulâncias e mesmo helicópteros), é realizado. Estas unidades devem ser distribuídas estrategicamente na área urbana, diminuindo o tempo de chegada ao domicílio do paciente. No Brasil, infelizmente, o atendimento domiciliar não está disponível para a grande maioria da população, por ser realizado em caráter privado, quando deveria ser uma preocupação do sistema de saúde, estando disponível gratuitamente para todos.

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A importância destes sistemas é bem compreendida quando se verifica que a ocorrência de morte durante o transporte é substancialmente diminuída quando a desfibrilação elétrica é realizada no interior das Unidades Móveis, possibilitando a chegada do paciente ao hospital e o seu imediato transporte para uma Unidade de Terapia Intensiva ou Unidade Coronariana exclusiva. B. Atendimento hospitalar. Deve-se ressaltar a importância de o paciente ser colocado, no hospital, em um ambiente tranqüilo, tão silencioso quanto possível, para evitar o aumento de sua ansiedade. 1. Medidas gerais a. Dados vitais. As freqüências cardíaca e respiratória e a pressão arterial serão anotadas a cada 15 minutos durante a primeira hora após a admissão do paciente na UTI. A seguir, elas serão medidas de hora em hora até a sexta hora e, então, a cada quatro horas. A temperatura axilar será anotada a cada quatro horas, e o paciente deverá ficar sob monitoração eletrocardiográfica contínua. Deve ser salientado que, na primeira hora após a oclusão coronariana, apenas 20-30% dos pacientes apresentarão dados vitais normais; metade apresentará hipotensão associada com bradicardia e infarto de parede inferior, e pelo menos um quinto dos pacientes terá taquicardia e hipertensão (síndrome adrenérgica) associadas a um infarto de parede anterior. A síndrome vagal parece aumentar a mortalidade dos pacientes e pode ser tratada com atropina, 0,25 mg EV, aumentando-se 0,25 mg a cada 10-15 minutos, até um máximo de 2,5 mg. O uso de atropina pode resultar em aumento do consumo de oxigênio e piora da isquemia, devendo ser realizado com parcimônia. A taquicardia, durando mais de 15 minutos, em qualquer época das primeiras 72 horas após o IAM, também é prenúncio de incidência aumentada de complicações cardiovasculares e deve ser tratada, na ausência de alterações hemodinâmicas ou outras contra-indicações, com a utilização de betabloqueadores. O tratamento da hipertensão, quando não associado à angina ou à insuficiência cardíaca, é controvertido, devido à natureza transitória das elevações pressóricas e também pelo fato de a circulação coronariana ser dependente da pressão diastólica. Entretanto, elevações da pressão arterial aumentam o consumo de oxigênio pelo miocárdio e podem ser deletérias. Assim, hipertensão, na ausência de sinais de comprometimento hemodinâmico ou angina, deve ser observada até a sexta hora. A partir disto, procura-se reduzir a pressão até um nível próximo a 160/100 mmHg, desde que não se observem sinais de isquemia. As drogas escolhidas devem ser um nitrato, na presença de isquemia, e o nitroprussiato de sódio, quando existem sinais de congestão pulmonar. As drogas hipotensoras, quando utilizadas por via endovenosa, devem ser acompanhadas de monitoração adequada, como pressão intra-arterial (PIA) e cateter de Swan-Ganz posicionado na artéria pulmonar. b. Dor. A dor no infarto agudo do miocárdio normalmente é intensa, devendo ser controlada de imediato. Os medicamentos mais utilizados são a morfina e a meperidina.

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c. Dieta. Será prescrito jejum nas primeiras seis horas, em virtude da possível necessidade de procedimentos invasivos, assim como de desfibrilação. Além disso, a êmese induzida pelo próprio infarto ou pelas drogas utilizadas no seu tratamento impossibilita a alimentação. A dieta nas primeiras 24 horas deverá ser branda, sem sal adicional, com 800 kcal, evitando-se alimentos muito condimentados, contendo cafeína e com sabor indesejável. Após as primeiras 24 horas, o conteúdo calórico da dieta é aumentado para 1.200-1.400 kcal, com baixo conteúdo de colesterol e gorduras saturadas, hipossódica, e dividida em várias refeições, por vários dias. d. Funcionamento intestinal. O emprego de medicamentos constipantes, a imobilidade, a dieta pobre em resíduos e a mudança de ambiente levam, normalmente, à constipação intestinal. As tentativas de eliminação de fezes, muitas vezes duras, produzem aumento da pressão arterial e da freqüência cardíaca e, conseqüentemente, do consumo de oxigênio. Devem, portanto, ser prescritos laxantes suaves, como o leite de magnésia e o dioctil sulfossuccinato, a fim de se obter uma evacuação a, pelo menos, cada dois dias. e. Oxigenoterapia. Em virtude da incidência extremamente alta de hipoxemia, será administrado oxigênio por cateter nasal ou máscara, a 2,0 a 4,0 l/min, aos pacientes admitidos na terapia intensiva, portadores de hipoxemia moderada. Se a oxigenação arterial se mostrar inadequada com este esquema terapêutico, deverão ser pesquisadas outras possíveis causas de hipoxemia. Nos pacientes com quadro de edema pulmonar, pode ser necessária a instituição de intubação endotraqueal com ventilação mecânica. 2. Medicamentos usados no infarto agudo do miocárdio a. Analgésicos. O tratamento da dor e a sedação são obtidos com o uso de morfina e de meperidina. A meperidina (Dolantina®) é usada na dose 0,5-1,0 mg/kg por via EV ou IM, podendo ser repetida a cada duas a quatro horas. A meperidina é especialmente indicada nos pacientes com infarto diafragmático e bradicardia, em virtude da sua ação vagolítica. A morfina (4-8 mg, EV, inicial; repetir 2-8 mg, EV, a intervalos de 5-15 minutos, até o alívio da dor ou ocorrência de toxicidade) pode ser utilizada em lugar da meperidina para o controle da dor, sendo mais efetiva do que a primeira. A ansiedade do paciente e a hiperatividade do sistema nervoso autônomo são controladas com o uso da morfina, com diminuição das necessidades metabólicas do coração, apresentando, assim, efeitos benéficos na fase aguda do infarto agudo do miocárdio. b. Nitratos. Os nitratos, principalmente a nitroglicerina endovenosa, têm ação na redução da demanda de oxigênio e na tensão da parede miocárdica, diminuindo a pré e a pós-carga. O uso de mononitratos não se mostrou capaz de reduzir a mortalidade no infarto agudo do miocárdio, cinco semanas após o episódio agudo. O Quadro 48-4 lista os nitratos usados no infarto agudo. c. Betabloqueadores. Os betabloqueadores, quando usados na fase aguda do infarto agudo do miocárdio, propiciam a diminuição da freqüência cardíaca e do consumo de oxigênio pela musculatura do coração, tendo importante papel na redução das arritmias ventriculares e na quantidade de miocárdio necrosado, e também na mortalidade global dos pacientes. O uso dos betabloqueadores 48 horas após o infarto objetiva a redução da ocorrência de 529

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isquemia pós-IAM, prevenindo o reinfarto e reduzindo a mortalidade tardia. As contraindicações clínicas para o uso dos betabloqueadores devem ser respeitadas, ou seja, doença pulmonar obstrutiva crônica, falência cardíaca, insuficiência vascular periférica, bloqueio cardíaco avançado e bradicardia. Dá-se preferência ao uso do metoprolol EV, na dose de 5 mg à admissão, repetindo-a a cada cinco minutos até atingir 15 mg. Após quatro a seis horas, iniciar o metoprolol ou propranolol por via oral. d. Inibidores da ECA. Os inibidores da ECA levam à redução da resistência vascular coronária, diminuindo o consumo de oxigênio pelo miocárdio, sendo útil em pacientes que tenham potencial para ocorrência de disfunção de ventrículo esquerdo. Segundo o estudo ISIS-4, o captopril leva a uma redução da mortalidade proporcional nas cinco semanas pósinfarto. A dose inicial é de 6,25 mg, titulando-se até chegar a 50 mg duas vezes ao dia, ou até quanto o paciente tolerar. O lisinopril foi avaliado no estudo GISSI-3; quando iniciado nas 24 primeiras horas do infarto agudo do miocárdio, foi capaz de produzir uma significativa redução na mortalidade global (dose inicial de 5 mg, elevando-se para 10 mg após 48 horas, e a seguir 10 mg/dia por seis semanas). e. Sulfato de magnésio. Ao contrário do que alguns estudos menores demonstraram, após o estudo ISIS-4 verificou-se que o sulfato de magnésio não contribuiu para a redução da mortalidade cinco semanas após o episódio de infarto agudo do miocárdio, não havendo, assim, justificativa para seu uso. f. Antiagregantes plaquetários. Os antiagregantes plaquetários, principalmente o ácido acetilsalicílico, têm ação bloqueando a cicloxigenase, inibindo a produção de tromboxano A2. A associação do AAS e da estreptoquinase mostrou significativa redução da mortalidade, sem aumento na incidência de hemorragias, mesmo em pacientes mais idosos. As recomendações quanto à dose ideal de ácido acetilsalicílico têm variado de 80 a 325 mg/dia. De um modo geral, devem-se administrar 200 mg no momento da admissão do paciente, por via oral, mantendo-se a seguir 100 mg/dia. g. Heparina. Após a realização dos estudos ISIS-3 e GISSI-2, mostrou-se desnecessário o uso da heparina no infarto agudo do miocárdio, quando se realiza a trombólise e a ela se associa o ácido acetilsalicílico; entretanto, a heparina é útil na prevenção de tromboembolismo (trombose venosa profunda dos membros inferiores, embolia pulmonar, no paciente acamado por longo tempo, nos casos de obesidade extrema, na disfunção grave do ventrículo esquerdo e na insuficiência cardíaca congestiva). A utilização de anticoagulantes orais tardiamente no infarto agudo do miocárdio deve levar em consideração a existência de fatores predisponentes para a ocorrência de tromboembolismo, como nos casos listados acima. A associação entre a aspirina e o warfarin em doses baixas não é mais eficaz do que aspirina isolada na prevenção de eventos cardiovasculares subseqüentes (reinfarto, acidente vascular cerebral etc.). 530

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A existência de um trombo mural (freqüente nos infartos de parede anterior) não é indicação formal para a utilização de anticoagulantes, ao contrário do que se acreditava anteriormente. h. Bloqueadores dos canais de cálcio. Estudos clínicos realizados com os antagonistas do cálcio, notadamente a nifedipina, não mostraram qualquer benefício quanto à redução da mortalidade ou do reinfarto, chegando inclusive a ocasionar o agravamento da evolução dos pacientes que utilizaram esta droga; desse modo, seu uso no infarto agudo do miocárdio é hoje considerado uma exceção. Quanto ao diltiazem, o seu uso em pacientes com infarto sem onda Q mostra evidências de redução na incidência de reinfarto (dose de 90 mg a cada seis horas, com início 24-72 horas após o episódio de infarto agudo do miocárdio), porém sem evidências de diminuição na mortalidade. Entretanto, seu uso só poderá ser efetuado em pacientes sem disfunção do ventrículo esquerdo. i. Antiarrítmicos. Até há alguns anos utilizava-se a lidocaína na fase aguda do infarto agudo do miocárdio com o objetivo de prevenção da fibrilação ventricular. Entretanto, inúmeros estudos randomizados não demonstraram diminuição da mortalidade com o seu uso (e alguns até mesmo mostraram uma maior incidência de assistolia). Deve ser lembrado que a lidocaína possui efeitos tóxicos, mais freqüentes nos pacientes idosos; assim, sua indicação como antiarrítmico fica reservada para aqueles pacientes portadores de arritmias potencialmente letais. Quanto ao uso de outros antiarrítmicos, a encainida e a flecainida mostraram-se capazes de aumentar a mortalidade quando usadas em pacientes portadores de arritmia ventricular; sendo assim, o seu uso é injustificável. Já os betabloqueadores têm a capacidade de reduzir arritmias potencialmente letais, tanto na fase inicial do infarto agudo do miocárdio, como mais tardiamente. Devido aos seus efeitos benéficos já relatados, seu uso é plenamente justificado (exceto nas situações de contra-indicação para o uso de betabloqueadores). j. Trombolíticos (ver seção específica). l. Diuréticos (ver tratamento da insuficiência cardíaca no IAM). IX. Complicações A. Arritmias 1. Arritmias ventriculares. As extra-sístoles ventriculares são quase universais, e tanto sua incidência quanto complexidade reduzem-se com o passar do tempo, persistindo em apenas 6% dos pacientes após passadas seis horas do IAM. A taquicardia ventricular, definida como três ou mais complexos com freqüência superior a 120/minuto, é observada em até

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três quartos dos pacientes nas primeiras 24 horas. Quando definida como 10 ou mais complexos, esta incidência se reduz para 27%. Sabe-se que 50-60% das mortes devidas ao infarto agudo do miocárdio ocorrem antes da admissão do paciente ao hospital, especialmente durante a primeira hora após o início da dor, com apenas 30% das mortes pré-hospitalares ocorrendo após este período. É do mesmo modo conhecido que 90% destes episódios são conseqüência de fibrilação ventricular e, assim, são evitáveis. Uma vez o paciente tenha sido admitido na UTI, a incidência de fibrilação ventricular permanece entre 3 e 10% (média de 7,38%), e muito embora 95% destes pacientes sejam ressuscitados com sucesso, é possível, apesar de discutível, que a mortalidade associada com estes episódios, principalmente quando em infartos de parede anterior, seja maior do que a habitual no primeiro ano pós-infarto. O desenvolvimento da fibrilação ventricular é imprevisível, já que ocorre em 60% dos casos sem as arritmias premonitórias de Lown (contrações ventriculares prematuras [mais de seis episódios por minuto], extra-sístoles multifocais, pareadas e com fenômeno de R sobre T), e estas surgem em 55% das vezes sem evoluir para arritmias malignas. Seria, então, desejável o uso de medidas que pudessem evitar o aparecimento de fibrilação ventricular, principalmente nas primeiras 24 horas pós-infarto. A lidocaína foi amplamente utilizada para este fim, tendo sido inicialmente, aclamada como eficaz, reduzindo a incidência de fibrilação ventricular e a mortalidade. Posteriormente, sua utilização foi severamente criticada, tendo mesmo se demonstrado aumento da mortalidade com o seu uso, além de uma incidência inaceitável de efeitos colaterais (15%, aproximadamente). Assim, como explicado anteriormente, ela só deverá ser usada em presença da ocorrência de arritmias potencialmente letais. No tratamento da taquicardia ventricular com repercussão hemodinâmica, recorre-se à cardioversão elétrica. Nos demais casos, utiliza-se a lidocaína. a. Administração. A lidocaína pode ser utilizada por via IM, na dose de 300 mg, que resultará em níveis plasmáticos terapêuticos entre 2 e 3 mg/dl, após 5-10 minutos, durando até 120 minutos, ou por via EV. Quando administrada por esta via, deve-se iniciar com um bolo de 1 mg/kg, concomitante a uma infusão de 1-5 mg/minuto. Bolos adicionais de 50 mg serão administrados após 10-20 minutos. Na presença de insuficiências cardíaca e/ou hepática ou choque, as doses de ataque e manutenção serão 50% menores. A dosagem sérica será realizada 6-12 horas após, para que seja reduzida a incidência de efeitos colaterais. A velocidade da infusão não deverá ser aumentada com a persistência das extra-sístoles ventriculares, já que estas permanecem em até 30% dos pacientes com níveis plasmáticos terapêuticos de lidocaína e não se associam com o surgimento de fibrilação ventricular. Na presença de taquicardia ventricular, a infusão de lidocaína deverá receber um acréscimo de 1 mg/minuto. Caso ocorra recorrência da taquicardia, deverá ser utilizada uma nova droga. b. Efeitos colaterais. Os efeitos colaterais da lidocaína se manifestam principalmente sobre o SNC, aparecendo sob a forma de náuseas, vômitos, sonolência, agitação mental, tremores, parestesias periorais e convulsões. As complicações cardiovasculares são raras e consistem em hipotensão, bloqueios AV e aumento da freqüência ventricular em pacientes com 532

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fibrilação atrial e feixes AV anômalos. A lidocaína não deve ser utilizada em pacientes com idade superior a 70 anos, com história de convulsão ou AVC prévios, com freqüência cardíaca inferior a 50 bpm ou em presença de bloqueio AV do segundo grau ou maior. 2. Taquicardias supraventriculares. São encontradas em 10-27% dos infartos, independentemente da sua localização, ocorrendo em 90% das vezes nos primeiros quatro dias e como episódios isolados em 75% dos casos. A fibrilação atrial é a arritmia mais freqüente, sendo responsável por metade dos episódios. O choque cardiogênico surge em 20% dos episódios, 60% dos casos acompanhando-se de perturbações hemodinâmicas leves, enquanto os demais permanecem assintomáticos. O flutter resulta em distúrbios hemodinâmicos na maioria das vezes, e a taquicardia supraventricular é quase sempre bem tolerada. As extra-sístoles supraventriculares precedem a taquicardia em 50% das vezes. A responsabilidade fisiopatológica recai sobre os aumentos de pressão nos átrios, gerando dilatação atrial e instabilidade elétrica, insuficiência cardíaca, choque, infarto ou isquemia atrial, anoxia, alterações autonômicas, uso de drogas simpaticomiméticas e, principalmente, pericardite. A cardioversão elétrica está indicada na presença de insuficiência cardíaca, choque ou angina e quando se tratar de flutter. Na ausência destes sintomas, a freqüência ventricular deve ser reduzida para 90-100 bpm, através da utilização do verapamil, associado ou não à digoxina. As drogas alternativas são a amiodarona, os betabloqueadores, a propafenona e a procainamida e a disopiramida. As arritmias supraventriculares não influenciam, por si só, o prognóstico do paciente, que, na maioria das vezes, é o resultado das alterações hemodinâmicas. 3. Ritmo idioventricular acelerado. Aparece nas primeiras 24 horas do IAM, apresentando caráter benigno e autolimitado, não se fazendo acompanhar de alterações hemodinâmicas ou degenerando em arritmias mais graves. Pode ser monomórfico ou polimórfico, com até quatro padrões diferentes, que surgem habitualmente em seqüência, e de um modo geral duas horas após o padrão monomórfico inicial. Eletrofisiologicamente, resulta de automatismo aumentado. Os critérios eletrocardiográficos para o diagnóstico são: freqüência entre 50 e 125 bpm; intervalos RR regulares; início com batimento de escape, de fusão ou despolarização prematura tardia, surgindo durante a fase lenta do ritmo sinusal; retorno ao ritmo sinusal com ou sem batimento de fusão. O tratamento consiste em observação e, nos raros casos em que surgem alterações hemodinâmicas, lidocaína, quinidina, procainamida ou disopiramida. B. Pericardites. A pericardite que ocorre após o IAM é dividida em dois grupos, de acordo com a época de seu aparecimento: a precoce (ou epistenomiocárdica) e a tardia (ou síndrome de Dressler). A pericardite precoce aparece nas duas primeiras semanas pós-infarto, habitualmente nos primeiros dois a quatro dias e normalmente em infartos transmurais e anteriores. É relativamente freqüente, sendo relatada em 28-32% dos casos de necropsia em 7-16% das séries clínicas. Caracteriza-se por ser assintomática ou manifestar-se pelo surgimento de 533

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dor ou atrito pericárdico. As alterações eletrocardiográficas surgem raramente, ao contrário do derrame pericárdico, que pode ser detectado pelo ecocardiograma em até 35% dos pacientes com IAM, permanecendo após sete meses em 8% dos pacientes. Não se acompanha de derrame pleural ou pneumonite; o surgimento de febre é raro. Apresenta curso autolimitado, desaparecendo com ou sem tratamento após dois ou três dias, e não se relaciona isoladamente com mortalidade aumentada. A fibrilação atrial, entretanto, é mais comum nos pacientes com pericardite, que não constitui contra-indicação à anticoagulação, quando esta se faz necessária. As complicações são raras (0,1%) e incluem o tamponamento pericárdico e a pericardite constritiva. A síndrome de Dressler ocorre, de modo geral, duas a sete semanas depois do quadro de infarto, embora possa surgir tão precocemente quanto em dois a quatro dias. É menos comum do que a forma precoce, ocorrendo com freqüência menor que 1-3% e durando de uma a seis semanas. Caracteriza-se clinicamente pelo aparecimento de dor, derrames pleurais e pericárdicos e infiltrados pulmonares, além de febre. A dor é ventilatória em posição dependente, localizando-se no precórdio e na região retroesternal e se irradiando para a região lateral do pescoço e trapézio, podendo muitas vezes ficar restrita apenas a esta área. O atrito pericárdico pode apresentar quatro componentes, muito embora apenas os componentes pré-sistólico e sistólico sejam habitualmente ouvidos. O eletrocardiograma mostrará, na maioria das vezes, apenas as modificações induzidas pelo infarto; algumas vezes se sobrepõem as alterações da pericardite: taquicardia, baixa voltagem, elevação do segmento S-T com concavidade superior, ocorrendo em todas as derivações e sem infradesnivelamento recíproco, supradesnivelamento do segmento P-R e “correção” das alterações prévias da onda T. A radiografia do tórax poderá revelar os derrames pericárdico e pleural esquerdo, além dos infiltrados pulmonares recorrentes. A patogênese da síndrome é creditada ao aparecimento de anticorpos dirigidos contra antígenos miocárdicos, liberados pela necrose isquêmica, ou contra antígenos virais latentes do IAM. O tratamento consiste na administração de ácido acetilsalicílico, na dose de 3-4 g/dia, que produzirá resposta satisfatória em 90% dos casos e cuja eficácia é semelhante à da indometacina, na dose de 75-200 mg/dia, que constituirá a droga de segunda linha. A prednisona é utilizada quando não se obtém resposta com os antiinflamatórios nãohormonais. A dose inicial é de 40-60 mg, que será rapidamente reduzida para 10-15 mg após 8-10 dias. Procura-se suspender a corticoterapia após 10-14 dias, embora, em alguns poucos casos, possa ser necessária a sua manutenção por alguns meses. Nesta situação, procura-se manter doses tão baixas quanto 10 mg/dia. A possibilidade de uma incidência aumentada de espasmo coronariano e aneurisma ventricular com o uso da indometacina foi levantada, muito embora alguns atestem a segurança de sua utilização nestes casos. Do mesmo modo, a corticoterapia pode resultar em uma cicatriz mais frágil no local de necrose, com conseqüentes aneurisma e ruptura. As complicações da pericardite tardia são igualmente raras, com alguns poucos relatos de tamponamento, pericardite constritiva ou formação de aneurisma ventricular. A recorrência após a suspensão da medicação pode aparecer tão tardiamente quanto em 28 meses. C. Insuficiência cardíaca. A disfunção miocárdica aparece quando a área infartada excede 20% da área ventricular. Ela surge com a mesma freqüência nos infartos anteriores e inferiores e se caracteriza fisiologicamente por um índice cardíaco inferior a 2,2 l/min/m2. 534

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Definida deste modo, a insuficiência cardíaca ocorre em dois terços dos pacientes infartados, incidência semelhante à observada utilizando-se uma classificação clinicorradiológica (Quadro 48-5). Os sintomas apresentados pelos pacientes refletem o baixo débito sistêmico e/ou a congestão pulmonar. São freqüentes a taquipnéia, a dispnéia, as alterações do comportamento e a oligúria. Ao exame físico, podem ser observados os estertores pulmonares e a presença da terceira bulha. Devem sempre ser procurados os sinais auscultatórios decorrentes da presença de CIV ou disfunção mitral. A radiografia torácica é útil na confirmação da congestão venosa, muito embora os achados sejam dúbios em um terço dos pacientes. O tratamento deve ser guiado pelos dados obtidos com a utilização de um cateter de SwanGanz nos pacientes com edema agudo de pulmão e naqueles que não tiverem obtido resposta satisfatória com os diuréticos, vasodilatadores orais, e quando a hipotensão arterial se fizer presente. Os diuréticos são considerados as drogas de primeira escolha e devem ser administrados por via EV, em doses de 40-100 mg, evitando-se diurese excessiva que possa comprometer o débito cardíaco (Quadro 48-6). Os vasodilatadores serão utilizados a seguir, inicialmente aqueles com ação no leito venoso, já que apresentam menor tendência a produzir hipotensão arterial. Caso a resposta não seja satisfatória, utilizam-se vasodilatadores com ação nos circuitos arterial e venoso. Os simpaticomiméticos serão utilizados combinados entre si, com vasodilatadores ou isoladamente, caso não se obtenha resposta adequada com os vasodilatadores. A dobutamina deverá ser preferida à dopamina, na ausência de hipotensão, pois os incrementos do débito cardíaco são maiores, a incidência de taquicardia e arritmias é menor, e a resistência vascular sistêmica não é aumentada, podendo mesmo ser reduzida. A preferência pelo vasodilatador ou pelo simpaticomimético como droga inicial para tratamento da insuficiência cardíaca no paciente normotenso é questão de experiência individual e não apresenta base experimental sólida. No paciente hipotenso, os simpaticomiméticos serão preferidos, e no hipertenso os vasodilatadores terão prioridade. Os digitálicos, na ausência de taquiarritmias supraventriculares, serão evitados, já que apresentam pequeno efeito inotrópico, não são tituláveis e podem associar-se, independentemente, com maior mortalidade após o IAM. As alterações hemodinâmicas no IAM são classificadas em quatro grupos, como visto no Quadro 48-7. X. Complicações Mecânicas A. Ruptura ventricular. A cardiorrexe é responsável por até 30% dos óbitos decorrentes do infarto do miocárdio (média de 5-10%), conforme estudos de necropsia. A ruptura, normalmente fatal, acomete pacientes portadores de infartos pequenos, ocorrendo habitualmente na parede ventricular livre, anterior ou lateral, na junção entre a área de necrose e o miocárdio normal. Surge nas duas primeiras semanas, principalmente nos três a cinco primeiros dias. A expansão prévia da área infartada é comum em 90% dos pacientes, aproximadamente. 535

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Os fatores de risco associados com a ruptura são sexo feminino, hipertensão prévia, idade superior a 80 anos e infarto como primeira manifestação da doença coronariana. Clinicamente, a ruptura se anuncia pela presença de dor, sem novas alterações eletrocardiográficas, seguindo-se episódio de adinamia circulatória aguda. Alguns pacientes podem apresentar a ruptura subaguda, que se caracteriza pela presença de dor precordial e sinais de insuficiência cardíaca direita, aparecimento súbito de ondas T agudas, além de padrão monofásico (R-S) e elevação progressiva do segmento S-T em parede anterior. O diagnóstico é confirmado pelo ecocardiograma bidimensional, que mostra a presença de derrame pericárdico localizado. O prognóstico da ruptura é uniformemente fatal, com alguns poucos e felizes pacientes se apresentando com tamponamento pericárdico, que é reconhecido e tratado cirurgicamente. A ruptura subaguda, por outro lado, apresenta melhor prognóstico, quando diagnosticada e tratada cirurgicamente. B. Ruptura septal. A ruptura do septo interventricular é uma complicação grave do infarto do miocárdio, ocorrendo nas duas primeiras semanas após seu estabelecimento (média de 2,6 dias) em 1-3% dos pacientes. O shunt esquerda-direita que se estabelece proporciona uma sobrecarga volumétrica considerável sobre o ventrículo esquerdo, levando a aumento da pressão atrial esquerda, congestão e edema pulmonares. O aumento resultante da póscarga produz queda significativa do débito cardíaco, produzindo um quadro de choque cardiogênico em 60-80% dos pacientes. Complica igualmente infartos anteriores e inferiores e se localiza predominantemente na região septal baixa (66% dos casos). Pode apresentar configuração complexa, com bordas hemorrágicas, serpiginosas, maldelimitadas e mau prognóstico, ou simples, com margens bem-delimitadas, sem necrose hemorrágica. Clinicamente, a ruptura septal se faz anunciar pelo surgimento abrupto de sinais de insuficiência cardíaca, acompanhados, na maioria das vezes, por má perfusão periférica, indicativa de choque. A ausculta revela o surgimento de um sopro sistólico novo, que apresenta característica de ejeção e se localiza predominantemente na região paraesternal esquerda. A terceira bulha é quase universal, assim como os estertores pulmonares raramente estão ausentes. A diferenciação com a insuficiência mitral aguda é, na maioria das vezes, impossível com base apenas no exame clínico, apesar de o CIV ocorrer, quando comparado com a IM, mais freqüentemente associado ao infarto diafragmático e com a presença de frêmito. O diagnóstico é firmado pelo cateterismo direito. A necessidade de coronariografia é duvidosa, pois uma possível revascularização não parece melhorar o prognóstico, pelo menos a curto prazo. O ecocardiograma bidimensional fornece dados indiretos a respeito da presença de um CIV em pelo menos metade dos pacientes, e a adição do Doppler ao estudo sonográfico aumenta a sensibilidade na detecção da ruptura para aproximadamente 90%. O tratamento é eminentemente cirúrgico, restando dúvidas apenas quanto à época da intervenção. Os melhores resultados são obtidos quando a cirurgia é realizada três meses após a ruptura. Estes resultados, no entanto, parecem refletir apenas a seleção dos pacientes com melhores condições hemodinâmicas, aqueles com infartos e rupturas menores. A 536

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mortalidade operatória é de 50%, aproximadamente; os pacientes com choque, infarto diafragmático, índice cardíaco inferior a 1,75 l/min/m2, pressão atrial direita superior a 12 mmHg, disfunção ventricular direita ao ecocardiograma e ruptura antes do sexto dia de infarto apresentam o pior prognóstico. A terapêutica clínica repousa no uso de drogas vasodilatadoras, na esperança de se reduzir a pós-carga e, conseqüentemente, o shunt, na combinação de drogas inotrópicas (dopamina e dobutamina), nos pacientes hipotensos e na utilização do balão intra-aórtico. Este último parece ser muito valioso, pois proporciona aumento do débito cardíaco e redução do shunt, permitindo ao paciente estabilidade hemodinâmica antes da realização do cateterismo e da cirurgia. O prognóstico dos pacientes é ruim, já que 25% dos tratados clinicamente falecem após 24 horas, 65% após duas semanas, e 90% após dois meses, sendo o CIV responsável por 5% de todas as mortes relacionadas com a fase aguda do infarto. C. Insuficiência mitral aguda. A insuficiência mitral aguda durante a fase aguda do infarto pode resultar da ruptura completa ou de parte de um dos músculos papilares, ou de disfunção do sistema de suporte da válvula mitral, por isquemia ou fibrose. A necrose de parte do músculo papilar é encontrada em 20-50% dos infartos, à necropsia, muito embora a insuficiência mitral hemodinamicamente significativa seja encontrada em apenas 2-5% dos pacientes. O músculo mais freqüentemente acometido é o póstero-medial, em virtude de sua irrigação única proveniente da coronária direita. Já o ântero-lateral possui irrigação dupla da descendente anterior e circunflexa, o que lhe confere proteção no caso de obstrução de uma única artéria, como ocorre habitualmente no infarto do miocárdio. Pelos mesmos motivos, a insuficiência mitral ocorre com mais freqüência associada a infartos diafragmáticos. As conseqüências hemodinâmicas da ruptura completa de um dos músculos papilares é catastrófica, raramente permitindo a sobrevivência além de alguns minutos, pois cada músculo fornece cordas tendíneas para ambas as lascíneas da válvula mitral. A regurgitação resultante, para um átrio esquerdo não-complacente, rapidamente transmite a pressão ventricular esquerda para a circulação venosa pulmonar, com edema agudo de pulmão imediato. O débito cardíaco anterógrado é também diminuído, instalando-se assim um quadro de choque cardiogênico. As alterações resultantes da lesão de apenas uma das seis subdivisões do músculo papilar são mais toleráveis, pois nestes casos apenas uma das lascíneas da mitral se torna insuficiente, e a regurgitação é proporcionalmente menor. O edema agudo dos pulmões e o choque cardiogênico, no entanto, são freqüentes. Clinicamente, além das alterações hemodinâmicas já citadas, traduzidas sob a forma de dispnéia, taquipnéia, cianose, hipotensão, sudorese fria e pegajosa e má perfusão capilar, observa-se o surgimento de um sopro sistólico novo, acompanhado, na maioria das vezes, por frêmito e presença de B3 e B4. O sopro, que pode estar ausente nas rupturas completas, em virtude da complacência atrial reduzida e da regurgitação maciça, que leva à equalização precoce das pressões atriais e ventriculares, é holossistólico, com predomínio dos tempos proto e mesossistólicos, e audível na região paraesternal esquerda, irradiando-se para o ápice do ventrículo esquerdo e, mais raramente, para a base. No pulso venoso jugular, as ondas A são observadas em metade dos pacientes, refletindo o aumento da pressão arterial pulmonar. 537

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O diagnóstico, suspeitado clinicamente, deve ser confirmado através do cateterismo direito, utilizando-se um cateter de Swan-Ganz, que demonstrará a ausência do hiato oximétrico característico do CIV e a presença de ondas V gigantes na curva de pressão atrial esquerda (estas não são patognomônicas, pois podem ser igualmente encontradas em pacientes com CIV). A utilização do ecocardiograma bidimensional, principalmente quando acoplado a um sistema Doppler, é capaz de confirmar, na maioria quase absoluta das vezes, a regurgitação mitral. Como no CIV, a necessidade de cinecoronariografia é discutível. O tratamento da insuficiência mitral aguda é cirúrgico, na esperança de reduzir a mortalidade de 75%, nas primeiras 24 horas, que ocorre com o tratamento clínico. A estabilidade hemodinâmica necessária à realização do cateterismo cardíaco e à cirurgia subseqüente é conseguida com o auxílio do balão intra-aórtico, que promove aumento do débito cardíaco anterógrado e da pressão arterial sistêmica, além de redução na fração de regurgitação e na pressão atrial esquerda. D. Choque cardiogênico. O choque é definido pela presença de débito cardíaco inferior a 1,8 l/min/m2 e surge quando as áreas de necrose no miocárdio, antigas e/ou recentes, excedem 40% da área total do ventrículo esquerdo. Clinicamente, surgem hipotensão arterial, pressão sistólica inferior a 90 mmHg/ou redução de 30% dos valores pré-infarto, sinais de má perfusão capilar, cianose de extremidades, sudorese fria e pegajosa, débito urinário inferior a 30 ml/hora, na ausência de arritmias, redução do volume plasmático efetivo e dor. O choque cardiogênico ocorre em aproximadamente um quinto dos infartos do miocárdio, seja ele inferior ou anterior, e leva à morte 80-100% dos pacientes. Pode resultar de complicações mecânicas, como o CIV, insuficiência mitral, ruptura e aneurisma ventriculares, ou ocorrer isoladamente. Um subgrupo de pacientes apresenta, como substrato anatômico para o choque, infarto do ventrículo direito, que normalmente se associa com necrose posterior ou ínfero-posterior, mas que raras vezes pode ocorrer isoladamente. O tratamento deve ser sempre guiado pelas medidas do débito cardíaco e das pressões atriais esquerdas. Do mesmo modo, deve-se controlar a pressão arterial por meio de um cateter posicionado dentro da artéria radial. O volume urinário deve ser medido de hora em hora, e deve-se obter uma radiografia de tórax e um eletrocardiograma, para que sejam detectadas alterações do ritmo que possam receber tratamento específico. O diagnóstico do infarto de ventrículo direito é firmado pelo eletrocardiograma, que demonstra a presença de supradesnivelamento de ST em V3R e V4R (dois terços dos casos), ingurgitamento jugular com sinal de Kussmaul positivo (um terço a metade dos pacientes), hipocinesia ou acinesia do ventrículo direito no ecocardiograma bidimensional (80-90% dos pacientes) ou ventriculografia radioisotópica (70-80% dos casos), e pelo cateterismo cardíaco direito, que revela pressão atrial direita elevada e superior à pressão atrial esquerda. O tratamento consiste na administração de drogas inotrópicas positivas e vasodilatadores, isolados ou em associação. A droga de escolha deveria produzir aumento do débito cardíaco e da pressão arterial sistêmica, além de redução na pressão atrial esquerda e resistência vascular sistêmica, com um mínimo de complicações, como arritmias, hipotensão e aumento no consumo de oxigênio. Nos pacientes com pressão sistólica maior 538

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ou igual a 90 mmHg, utiliza-se inicialmente a dobutamina (doses de 2-15 mg/kg/min). Caso a resposta seja inadequada, associa-se a dobutamina à dopamina (doses de 2-15 mg/kg/min), nos pacientes hipotensos, ou vasodilatadores, como a nitroglicerina (doses de 10-250 mg/kg/min) ou nitroprussiato de sódio (doses de 0,3-7,0 mg/kg/min). Persistindo o estado de choque, recorre-se à utilização combinada de noradrenalina, dobutamina e dopamina ou ao balão intra-aórtico. Deve-se salientar que, em virtude da redução da complacência ventricular esquerda pelo infarto, as pressões de enchimento, refletidas pela PWAP, não devem ser reduzidas a valores inferiores a 20-22 mmHg, pois nestes casos podem-se produzir reduções indesejáveis do débito cardíaco. Nos pacientes com infarto do ventrículo direito, procura-se aumentar o débito cardíaco por meio do aumento da pré-carga, com a infusão de soluções salinas. Entretanto, volumes infundidos em excesso podem comprometer a função ventricular direita, a partir da redução da perfusão às regiões subendocárdicas, ou a função ventricular esquerda, em virtude da redução da cavidade do ventrículo esquerdo produzida pelo abaulamento do septo conseqüente ao aumento de volume do ventrículo direito. Nestes casos, passa-se a utilizar drogas inotrópicas positivas, ou mesmo, desde que com controle absoluto, vasodilatadores. XI. Isquemia Pós-Infarto. A presença de isquemia, demonstrável no pós-infarto imediato, através de dor, alterações eletrocardiográficas, ecocardiograma bidimensional ou técnicas radioisotópicas, se associa com mortalidade elevada e, portanto, deve ser tratada vigorosamente. A dor, como sinal de isquemia persistente, surge após 72 horas da obstrução coronariana e deve ser diferenciada da dor da pericardite e da embolia pulmonar. A isquemia pode ocorrer na área previamente infartada, indicando presença de tecido ainda viável, ou à distância da área necrosada. No primeiro caso, a isquemia se associa com menor mortalidade (44%). Já a isquemia a distância é prenunciadora de uma mortalidade próxima dos 73%. A presença de estenose orgânica em outra coronária que não a ocluída, o espasmo coronariano, o aumento generalizado do tônus vascular, ampliando o gradiente através de estenoses já existentes, assim como um incremento no consumo de oxigênio no pós-infarto, são alguns dos mecanismos propostos para explicar a presença da isquemia. Nestes casos, a revascularização do miocárdio está indicada na maioria das vezes, através de angioplastia percutânea ou por cirurgia de revascularização miocárdica. Nos pacientes com angina instável, a revascularização deve ser realizada em caráter de urgência. Os pacientes com angina estável podem ser tratados clinicamente no início e submetidos a estudo angiográfico quatro a seis semanas após. A presença de fração de ejeção superior a 50%, substanciada por técnicas não-invasivas, parece relacionar-se com bom prognóstico, mesmo com tratamento não-cirúrgico. XII. Trombólise. Em virtude de o infarto resultar da obstrução trombótica das coronárias, na maioria das vezes a revascularização aparece como a alternativa terapêutica mais lógica. A revascularização, entretanto, deve ocorrer em uma fase em que a lesão miocárdica ainda possa ser revertida. A utilização de substâncias fibrinolíticas, diretamente nas coronárias ou 539

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por via endovenosa, é capaz de resultar na dissolução do coágulo e na restauração do fluxo coronariano em boa porcentagem dos pacientes e, quando administrada nas primeiras quatro a seis horas após a oclusão, reduzir a área de necrose. As substâncias usadas clinicamente são a estreptoquinase, a uroquinase e o ativador tissular do plasminogênio. Em estudos, encontram-se a prouroquinase e a acilestreptoquinase. A estreptoquinase produz ativação dos plasminogênios livres e ligados, do mesmo modo que a uroquinase. Ambas produzem um estado de fibrinólise sistêmica. Já o ativador tissular, a prouroquinase e a acilestreptoquinase restringem sua ação ao plasminogênio ligado à fibrina. A reperfusão é conseguida em 60 a 90% dos pacientes, quando se utiliza estreptoquinase intracoronariana, e em 35-62% dos casos, quando administrada por via endovenosa. A redução na mortalidade obtida com a trombólise é discutível, não tendo atingido níveis significativos em alguns trabalhos randomizados. Entretanto, outros relatos não-randomizados mostraram uma redução na mortalidade em torno de 11%. A fração de ejeção não mostra alteração com a terapêutica, mas observa-se melhora regional das áreas de hipocinesia. As complicações encontradas com o uso das substâncias fibrinolíticas restringem-se às hemorragias, às reações alérgicas e às relacionadas com o cateterismo. A mortalidade situase em torno de 0,6%. As hemorragias, habitualmente leves, são encontradas em 23-47% dos pacientes, e aproximadamente 5% requerem reposição volêmica ou algum procedimento cirúrgico para serem debeladas. Na presença de hemorragias significativas, deve-se administrar plasma fresco ou crioprecipitado. A estreptoquinase será administrada, na ausência de contra-indicações, até quatro horas após o início da dor e na presença de elevação patológica do segmento ST (igual ou maior do que 2 mm), que persiste após administração de nitratos por via SL. A infusão da estreptoquinase por via intracoronariana é precedida por um bolo de 5.000 UI de heparina EV. Administra-se, por via intracoronariana, um bolo de 10.000-30.000 unidades de estreptoquinase e, a seguir, 2.000-4.000 unidades por minuto. A coronariografia é repetida a cada 15 minutos, até que se consiga a reperfusão ou até que a dose cumulativa exceda 150.000-500.000 unidades. A infusão é continuada por 30-60 minutos após a desobstrução ser detectada. Quando se utiliza a via endovenosa, aplica-se uma dose inicial de 750.000 unidades, a uma velocidade não superior a 500 UI/kg/min. Caso não se consiga a reperfusão, administra-se uma segunda dose de 750.000 unidades. Os sinais de trombólise efetiva são o desaparecimento da dor, a normalização do segmento S-T e o surgimento precoce da CKMB (8-12 horas). As arritmias de reperfusão ocorrem em 15% dos pacientes, principalmente sob a forma de extra-sístoles ventriculares. A taquicardia e a fibrilação ventriculares podem ocorrer, embora mais raramente. Podem também ser observados, em pacientes com infarto inferior, bloqueios atrioventriculares de graus variáveis. O tratamento, na maioria das vezes, se limita apenas à observação. Associa-se ao uso do trombolítico o ácido acetilsalicílico ou a heparinização endovenosa. A possibilidade de reoclusão após a utilização da estreptoquinase existe em 5-29% dos casos, especialmente nas primeiras quatro semanas. A reobstrução ocorre principalmente 540

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quando a estenose residual excede 60%, ou quando a área de fluxo na coronária é inferior a 0,4 mm2. Portanto, a necessidade de estudo angiográfico e revascularização por meio de angioplastia ou cirurgia deve ser avaliada minuciosamente. Alguns defendem a coronariografia rotineiramente, e outros só a realizam na presença de sinais de isquemia residual. A realização da angioplastia pode acontecer imediatamente após a administração do agente trombolítico ou uma a duas semanas depois. Caso se opte pela realização de cirurgia de revascularização miocárdica após a utilização da estreptoquinase deve-se, se possível, respeitar o período de 72 horas, para a diminuição da mortalidade operatória. O uso de antagonistas do cálcio ou nitrato após a trombólise aguarda uma melhor definição. As contra-indicações ao uso dos agentes fibrinolíticos são divididas em absolutas e relativas. As absolutas compreendem a presença de sangramento interno ativo, AVC ou outro processo intracraniano ativo nos últimos dois meses. As contra-indicações relativas maiores são: trauma sério nos últimos dois meses, hipertensão arterial (sistólica maior do que 200 mmHg ou diastólica maior do que 110 mmHg), hemorragia digestiva nos dois últimos meses, ou cirurgia, parto, cesariana, biópsia de órgão ou punção de vaso nãocomprimível nos últimos 10 dias. As relativas menores incluem os traumatismos menores, até mesmo ressuscitação cardiopulmonar, endocardite bacteriana, gravidez, retinopatia diabética hemorrágica, defeitos hemostáticos, incluindo doenças renal ou hepática severas, e idade superior a 75 anos. Devem-se evitar punção venosa central, injeção intramuscular e uso de substâncias anticoagulantes durante o uso da estreptoquinase. A punção arterial para coleta de gases arteriais é permitida, desde que seguida de compressão da artéria por 20 minutos. O uso prévio de estreptoquinase, assim como relato de alergia ao medicamento, é também considerado contra-indicação relativa. A uroquinase, por ser uma substância endógena, não se associa com reações. XIII. Angioplastia Primária. Esta bem estabelecido, no momento, a possibilidade de obter-se a reperfusão coronária após infarto com a realização de um procedimento de angioplastia coronária de emergência; este procedimento é chamado de angioplastia primária. A base para a realização do procedimento é o fato de ser mais fácil para um cateter-balão de angioplastia dilatar um trombo intracoronário recente do que uma lesão aterosclerótica crônica já estabelecida. A maior vantagem da angioplastia primária no IAM está na possibilidade de se realizar a reperfusão coronária sem a ocorrência do risco de sangramento causado pelo trombolítico. Vários estudos têm demonstrado outras vantagens da angioplastia primária sobre o trombolítico, incluindo menor reoclusão da coronária acometida, menor área de infarto residual e menor mortalidade. Este procedimento, entretanto, não é rotineiro na grande maioria dos hospitais brasileiros, assim como também não o é na Europa e na América do Norte, pois, para ser realizado corretamente, há necessidade de atendimento imediato ao paciente no setor de hemodinâmica por profissional treinado e experiente na técnica, 24 horas ao dia, sete dias por semana. Outra questão é ainda não ter sido estabelecida a relação custo-benefício para o procedimento, em relação aos outros procedimentos e tratamentos já existentes. É provável

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que nos próximos anos a angioplastia primária se torne uma das mais importantes formas de tratamento do IAM. XIV. Distúrbios da Condução do Estímulo. Os bloqueios cardíacos, sejam eles atrioventriculares, intraventriculares ou em associação, são relativamente freqüentes no curso do IAM e, embora exista muita controvérsia quanto ao seu tratamento, apresentam características próprias, definindo um subgrupo de pacientes de alto risco, com uma alta mortalidade e complicações hemodinâmicas importantes. A irrigação sangüínea do sistema de condução cardíaco apresenta-se bastante variável, originando-se da artéria do nodo AV, ramo da coronária direita, ou do primeiro ramo septal da descendente anterior, e pode ser resumida da seguinte maneira: A. Nodo AV. Artéria do nodo AV em 90% dos casos. B. Feixe de His. Irrigação dupla em 90% dos casos e da DA nos restantes. C. Ramo direito. Irrigação dupla em 50% dos casos, da septal em 40% e da artéria do nodo AV em 10%. D. Fascículo anterior do ramo esquerdo. Irrigação dupla em 40% dos casos, da septal em 50% e da artéria do nodo AV em 10%. E. Fascículo posterior do ramo esquerdo. Irrigação dupla em 40% dos casos, da artéria do nodo AV em 50% e da septal em 10%. Pela análise do exposto acima, compreendem-se a grande gama de variações de bloqueios que podem ser encontrados na vigência do IAM e a freqüente associação de BCRD e HBAE. Saliente-se também que a presença de lesões críticas em coronárias não-obstruídas interfere de maneira significativa na presença dos diferentes bloqueios. Os bloqueios AV isolados surgem normalmente associados ao infarto inferior e refletem isquemia do nodo AV ou atividade parassimpática aumentada, e só raramente necrose do sistema de condução. Eles aparecem de maneira habitual durante as primeiras 72 horas do evento agudo e resolvem-se espontaneamente nas próximas 48-72 horas, em 95% dos sobreviventes. Relacionam-se com uma mortalidade aumentada, em torno de 20-25%, e progridem seqüencialmente para bloqueios de mais alto grau. Os defeitos de condução fascicular podem ocorrer isoladamente, em torno de 10% dos infartos, ou associados a bloqueio de ramo direito ou AV, em 5% das vezes. São observados já à admissão em dois terços dos pacientes, desenvolvendo-se, no terço restante, na evolução da permanência hospitalar. Os bloqueios fasciculares, como os bloqueios de ramo, evoluem para bloqueio do mais alto grau de modo súbito e imprevisível e aparecem, normalmente, complicando infartos de parede anterior. O bloqueio completo do ramo direito pode aparecer com igual freqüência nos infartos anteriores e inferiores e é notado, à admissão, em 50% dos pacientes em que ocorre. 542

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Associa-se com uma alta probabilidade de progressão para bloqueios de alto grau e com uma mortalidade em torno de 20-42%. A freqüência da associação dos bloqueios intraventriculares com os atrioventriculares reflete a localização do infarto, a época do surgimento do bloqueio de ramo e a presença de bloqueio AV do primeiro grau e do tipo do bloqueio de ramo. É neste grupo de pacientes que se encontra a maior mortalidade nos pacientes infartados, até 85%. Isto provavelmente reflete um maior acometimento da massa miocárdica pela necrose isquêmica e da resultante disfunção contrátil. A mortalidade tardia neste grupo de pacientes se relaciona com o nível encontrado na fase aguda, muito embora seja inferior naqueles em que houve regressão do bloqueio à época da alta hospitalar, naqueles com bloqueios fasciculares isolados, e não é influenciada pela presença de bloqueio AV do segundo grau, tipo Mobitz I. Os pacientes com BCRE, no entanto, apresentam, nesta fase, mortalidade superior à encontrada na fase aguda. Em pelo menos 70% de tais pacientes, o mecanismo de morte é hemodinâmico, e não elétrico. O tratamento consiste no implante de marcapasso temporário em todos os pacientes com BAV de terceiro grau sintomáticos, ou seja, com angina, falência cardíaca, choque cardiogênico e extra-sístoles ventriculares freqüentes, ou assintomáticos e com infarto de parede anterior. Provavelmente, também os pacientes com infarto de parede anterior e bloqueio AV do segundo grau, tipo Mobitz II, devem receber marcapasso temporário. O uso do marcapasso nos outros subgrupos de pacientes é bastante discutido, em virtude da alta incidência de complicações, sejam elas concomitantes ou devidas ao implante do próprio marcapasso. Alguns pacientes portadores de BCRD e bloqueio fascicular novo, assim como aqueles portadores de BAV de primeiro grau e BCRE, podem beneficiar-se de seu uso, em virtude da alta incidência de progressão para bloqueios de alto grau. O marcapasso definitivo, em virtude das razões expostas, só será utilizado nos pacientes com BAV de terceiro grau e infarto de parede anterior e naqueles com bloqueio fascicular, que desenvolveram BAV total durante a internação, mesmo de modo transitório. Em virtude da melhora obtida com a manutenção do sincronismo AV, deve-se preferir o implante de marcapasso seqüencial, sempre que possível. Isso é ainda mais importante em pacientes com distúrbio hemodinâmico significativo e especialmente em pacientes com infarto do VD, que exibem uma sensibilidade toda especial à contratilidade atrial e à manutenção do sincronismo AV. A melhora conseguida no débito cardíaco, com o marcapasso seqüencial, situa-se entre 25 e 30%. No tratamento do bloqueio AV do terceiro grau associado ao infarto diafragmático, em virtude da sua evolução benigna e transitória, podem-se utilizar simpaticomiméticos ou parassimpaticolíticos, para que sejam atingidas as freqüências ventriculares apropriadas. Estas drogas, no entanto, devem ser usadas apenas de modo transitório, até se conseguir o implante do marcapasso, e lembrando sempre que pode ocorrer aumento da área de isquemia, conseqüente ao aumento induzido no consumo de oxigênio. As complicações do uso de marcapassos no infarto agudo do miocárdio se encontram no Quadro 48-8. No Quadro 48-9 observa-se a evolução dos bloqueios cardíacos no IAM.

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XV. Tratamento Cirúrgico. A terapêutica cirúrgica na reperfusão do coração infartado só terá resultado se for aplicada nas primeiras quatro a seis horas após a ocorrência do quadro agudo. Assim, como este tempo é muito curto, é praticamente impossível remover o paciente para o hospital, realizar cinecoronariografia, exames pré-operatórios, preparar sangue para transfusão cirúrgica, preparar a equipe cirúrgica e iniciar a circulação extracorpórea e a proteção miocárdica. A realização da revascularização miocárdica mais de seis horas após a ocorrência do infarto transmural leva ao surgimento de uma área de infarto hemorrágico, piorando o prognóstico. As situações nas quais a cirurgia de revascularização miocárdica de urgência ou emergência está indicada são: A. Nas situações em que ocorram oclusões ou perfurações coronárias no laboratório de cateterismo, seja durante cinecoronariografia, angioplastia coronária, colocação de stent, durante uso de laser, ou realização de aterectomia coronária rotacional (rotablator) para desobstrução coronária. B. Pacientes com quadro de choque cardiogênico pós-infarto, nos quais a evolução da obstrução coronária evolua de maneira subaguda. Esses pacientes devem ser avaliados para a possível realização de angioplastia coronária, e, quando esta não for tecnicamente possível, estará indicada a cirurgia de revascularização miocárdica. C. Situações nas quais o paciente apresente doença multiarterial, com outras coronárias lesadas além daquela ocluída no episódio de infarto — evolução com um quadro de angina importante pós-infarto. D. Após reperfusão por trombolítico, naqueles pacientes nos quais a anatomia coronária se mostre desfavorável para a realização de angioplastia. E. Para correção simultânea de lesões pós-infarto, tais como CIV, insuficiência mitral, aneurisma ventricular complicado, ou até mesmo ruptura ventricular. Sabidamente, a mortalidade cirúrgica se eleva quando a cirurgia de revascularização miocárdica é efetuada em situações de urgência, durante situações de isquemia em evolução e choque cardiogênico. Trabalhos recentes têm ressaltado a importância de, nestes casos, realizar a proteção miocárdica transoperatória com o uso de solução cardioplégica sangüínea quente, infundida por via retrógrada no seio coronário. Uma outra opção intervencionista no infarto agudo do miocárdio é a realização de angioplastia primária: trata-se de método realizado em laboratório de hemodinâmica, no qual a reperfusão é obtida por cateter-balão de angioplastia, realizada dentro do prazo de seis horas após a oclusão coronária. A possibilidade de êxito é maior do que com a cirurgia de revascularização miocárdica, uma vez que a angioplastia primária é um procedimento mais simples, sendo a sua exeqüibilidade bem maior do que a do tratamento cirúrgico.

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Capítulo 49 - Insuficiência Cardíaca Congestiva Marco Tulio Baccarini Pires João Carlos Travassos Leonor Garcia Rincon I. Conceito. A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica complexa, pela incapacidade de o coração bombear a quantidade de sangue necessária a uma perfeita perfusão tissular, tanto em repouso como durante a atividade normal, usualmente acompanhada por um aumento excessivo das pressões de enchimento e/ou volume. Ocorre uma hipoperfusão nos tecidos e congestão nos órgãos. O termo insuficiência cardíaca congestiva (ICC) deriva do inglês congestive heart failure e deve-se ao hábito de empregá-lo na literatura anglo-saxônica. Clinicamente, fala-se em falência do coração direito ou do coração esquerdo. Esta expressão é apenas didática, já que existem trabalhos demonstrando alterações no débito ventricular na chamada insuficiência unilateral pura, tanto na bioquímica como na hemodinâmica do ventrículo contralateral, sendo a falência do ventrículo esquerdo a causa mais freqüente de insuficiência ventricular direita. Deve ser lembrado que ambos os ventrículos compartilham uma parede em comum (o septo interventricular), e que os feixes musculares que constituem os ventrículos são contínuos. Com a evolução da IC, torna-se difícil identificar clinicamente efeitos isolados da falência das partes direita ou esquerda do coração. Em cerca de 95% dos casos de IC, o débito cardíaco está diminuído, e nos 5% restantes, especialmente nos quadros hipercinéticos, pode estar normal ou elevado, mas insuficiente em relação ao aumento das necessidades metabólicas teciduais, isto é, o débito efetivo está diminuído. Devem ser definidos os termos insuficiência cardíaca, insuficiência miocárdica e insuficiência circulatória, que não são sinônimos. A insuficiência miocárdica é estabelecida pelo defeito da contração miocárdica e, nos casos graves, leva à IC. O inverso não é verdadeiro, pois pode-se ter IC com função miocárdica normal, como ocorre nos casos de: (a) insuficiência aórtica aguda secundária à endocardite infecciosa; (b) estenose tricúspide; e (c) pericardite constritiva. Nas duas últimas, há uma restrição ao enchimento cardíaco (disfunção diastólica). Na insuficiência circulatória, há um débito cardíaco inadequado, por alteração de qualquer componente da circulação: percentual de hemoglobina no sangue arterial, volume sangüíneo, leito vascular e coração. A IC sempre leva à insuficiência circulatória, mas o inverso nem sempre é verdadeiro, como nos casos de insuficiência circulatória por choque hipovolêmico ou estados de alto débito — anemia severa e beribéri —, em que a função cardíaca pode estar normal. II. Causas de Insuficiência Cardíaca.

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O Quadro 49-1 descreve de modo didático as causas de IC. É desnecessário enfatizar a utilidade na conduta terapêutica em reconhecer tanto a causa básica como a precipitante de IC. As principais causas de IC nos países desenvolvidos são a cardiopatia isquêmica e a hipertensão arterial sistêmica, isoladas ou associadas. Já as miocardiopatias estão presentes, geralmente, nos países africanos e da América do Sul. Um terço dos pacientes que desenvolvem IC apresenta função sistólica normal. Nestes casos, devem-se excluir doença cardíaca valvular, isquemia recorrente, pericardiopatias, cor pulmonale e cardiopatias congênitas. Uma vez a pesquisa seja negativa, a causa de IC será uma disfunção diastólica. Embora as manifestações clínicas da IC com ou sem disfunção sistólica sejam muito semelhantes, os processos fisiopatológicos e, conseqüentemente, o tratamento são muito diferentes. Daí a importância de, na IC, o estudo das funções sistólica e diastólica ser solicitado para ajudar na identificação da causa da síndrome e selecionar o tratamento adequado. III. Fisiopatologia. A síndrome da IC nos últimos 40 anos tem sido descrita com base na hipótese hemodinâmica em que se explica como as variáveis fisiológicas pré-carga, pós-carga e contratilidade cardíaca afetam o desempenho cardíaco. Ao se pensar em estratégia terapêutica usam-se o débito cardíaco, a pressão capilar pulmonar e a resistência vascular sistêmica como parâmetros para corrigir desarranjos clínicos decorrentes das alterações hemodinâmicas. No prognóstico dos doentes, o tamanho do coração e a fração de ejeção ventricular são usados para a análise da sobrevida. Acrescenta-se também que a cardiologia sempre enfatizou em seus trabalhos medidas de pressão, volume e fluxo. Intervenções terapêuticas baseadas neste conceito têm conseguido melhorar alterações hemodinâmicas, mas trazem efeito adverso a longo prazo. A hipótese hemodinâmica (HH) explica sinais e sintomas da síndrome, mas fica devendo conclusões em certas circunstâncias, como a progressão da doença ou mesmo a morte. Sabe-se que em alguns pacientes a evolução da doença permanece, apesar de a causa primária da disfunção ventricular esquerda não se encontrar mais ativa. Nestes casos, a IC avança, porque esta alteração inicial dispara um mecanismo endógeno, que, uma vez iniciado, leva a uma perda inexorável de células miocárdicas. A natureza deste processo ainda não está bem definida, mas pesquisadores têm identificado semelhança entre o fator endógeno responsável pela progressão da doença e o estresse hemodinâmico que é o fator responsável pelos sintomas. Nasce então a hipótese neurormonal (HN). Vamos expor melhor, para ampliar nossa compreensão, estas duas hipóteses. A. Hipótese hemodinâmica de progressão da doença. Os dois mecanismos básicos pelos quais o coração chega à insuficiência são: o comprometimento miocárdico primário e a sobrecarga excessiva.

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A cardiopatia isquêmica por doença aterosclerótica é a principal causa de lesão às células miocárdicas, vindo a seguir as miocardiopatias e miocardites. As sobrecargas cardíacas são divididas em dois grupos: (1) sobrecarga de pressão, como na hipertensão arterial, estenose e coarctação da aorta, estenose pulmonar e hipertensão pulmonar; (2) sobrecarga de volume, como na regurgitação valvular, nos shunts ou nas fístulas arteriovenosas. As necessidades metabólicas dos órgãos e tecidos requerem o aporte de determinado volume sangüíneo e, como essa demanda é variável, exigem adaptações funcionais contínuas. São três os mecanismos que atuam na circulação com essa finalidade: (1) variações no desempenho do coração, alterando o débito cardíaco, que é o volume de sangue posto em circulação pelo coração na unidade de tempo; (2) variações locais pela modificação no tônus basal e na velocidade da circulação, sob ação de fatores químicos, metabólicos e da pressão de perfusão; (3) ação do sistema neurovegetativo, com mudanças no tônus arterial e na redistribuição do fluxo sangüíneo. O débito cardíaco representa o elemento fundamental desta adaptação. Ele é obtido pelo produto do débito sistólico pela freqüência cardíaca, entendendo-se como débito sistólico o volume variável de sangue que o coração põe em circulação durante cada sístole. O débito sistólico coloca o coração como bomba hidráulica, sendo regido pela integração de quatro fatores fundamentais: (1) pré-carga; (2) pós-carga; (3) contratilidade ou inotropismo; e (4) sinergismo. 1. Pré-carga. A pré-carga é determinada pelo volume de enchimento ventricular na diástole (volume diastólico final do ventrículo — Vd2) e, como define o comprimento da fibra muscular no início da contração pelo mecanismo de Frank-Starling, determina a força de contração muscular. O equivalente mecânico da pré-carga é uma tensão residual existente na fibra muscular cardíaca, resultante da pressão exercida sobre a parede ventricular para distendê-la, e a resistência (complacência) oferecida a esta distensão. Na prática clínica, a pré-carga é representada pelo valor da pressão diastólica final do ventrículo (pd2), ou seja, a pressão existente dentro do ventrículo no final da diástole e conseqüente ao estiramento da fibra muscular cardíaca pelo volume diastólico existente. Na realidade, avaliar a pré-carga pelo valor da pd2 leva a erros, pois, embora ambas sejam diretamente proporcionais ao volume diastólico final, a pré-carga varia inversamente à espessura da parede neste período do ciclo cardíaco, e a pd2 é diretamente proporcional à mesma. Existem vários fatores que podem modificar o débito sistólico, atuando sobre o volume diastólico final do ventrículo (pré-carga), a saber: volume sangüíneo total, postura corporal, pressão intrapleural, tônus venoso, compressão venosa pelos músculos esqueléticos, pressão intrapericárdica e componente atrial do enchimento ventricular.

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2. Pós-carga. Pode ser definida como uma tensão, força ou um estresse (força por unidade de área seccional transversa), atuando nas fibras da parede ventricular após o início do encurtamento. Segundo Pouleur e cols., a pós-carga possui dois componentes: o externo, dependente das características do circuito e do meio circulante, e o interno, dependente da geometria ventricular. A medida que caracteriza o componente externo é a impedância (resistência contra a qual o ventrículo deve contrair-se), e são determinantes do componente interno o raio e a espessura da parede. De acordo com o mencionado acima, percebe-se com clareza que o componente interno da pós-carga é determinado pela pré-carga, pois o raio da cavidade e a espessura parietal no final da diástole são determinantes da tensão parietal no início do período ejetivo. Daí se conclui que alterações na pré-carga levam também a variações na pós-carga. Conceituadas a pré e a pós-carga, podemos entender a divisão das sobrecargas de trabalho ventricular como sendo de volume ou de pressão, conforme exista aumento da pré e da póscarga, respectivamente. Como na IC tanto a pré como a pós-carga estão aumentadas, há maior consumo de oxigênio miocárdico (MVO2) devido à elevação da tensão parietal intramiocárdica, principal determinante energético do miocárdio. 3. Contratilidade. Contratilidade ou inotropismo é a propriedade que a fibra muscular cardíaca tem de se encurtar, quando estimulada. A diminuição do grau de encurtamento é considerada como o defeito fisiopatológico fundamental da IC sistólica, de surgimento precoce e bem anterior aos sintomas e sinais de falência cardíaca. Podemos afirmar que o índice ideal para avaliação da função ventricular seria aquele que nos informasse a condição contrátil da fibra cardíaca, sem influência da pré e da pós-carga. O íon cálcio exerce papel importante na magnitude de encurtamento da fibra cardíaca, impedindo a ação do complexo troponina-tropomiosina, que é inibidor de contração muscular, e por um mecanismo bem conhecido: o cálcio ligado à troponina C inibe a ligação da troponina I à actina, e esta, levando a alterações estruturais na tropomiosina, faz com que esta última proteína, em vez de inibir, aumente a formação de pontes cruzadas entre a actina e a miosina. Vê-se então que o cálcio pode ser considerado um depressor, pois sua ação consiste em inativar um inibidor da reação entre a actina e a miosina. Actina, miosina, troponina e tropomiosina são as quatro principais proteínas contráteis extraídas do músculo cardíaco. A miosina, pela ação da tripsina, se quebra em duas partes: a meromiosina pesada (MMP), com peso molecular da ordem de 350.000, e a meromiosina leve (MML), com peso molecular de 150.000. Somente a primeira (MMP) apresenta atividade enzimática (ATPásica).

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O sarcômero, que é a unidade contrátil do músculo cardíaco, é constituído por filamentos finos de actina e filamentos grossos de miosina, como dentes de dois pentes que se sobrepõem. A meromiosina pesada se combina com a actina de forma orientada como pontes, havendo deslizamento dos filamentos. Quando a concentração sarcoplasmática do íon cálcio é muito baixa, o complexo troponinatropomiosina inibe esta interação, e o músculo cardíaco permanece em repouso. Aumentando a concentração de cálcio, este íon se liga às moléculas de troponina, o complexo troponina-tropomiosina deixa de impedir a interação actina-miosina, e o músculo se contrai. A hemodinâmica utiliza o conceito de contratilidade segmentar, que representa a avaliação regional do aspecto contrátil de áreas específicas da parede ventricular esquerda ou direita. Herman e Gorlin, utilizando métodos angiográficos, classificaram estas alterações regionais em: (a) acinesia — ausência total de movimento do segmento; (b) hipocinesia — diminuição do movimento esperado; e (c) discinesia — expansão sistólica paradoxal do segmento (aneurisma ventricular). A principal causa destas alterações é a cardiopatia isquêmica, embora pacientes com artérias coronárias normais, mas apresentando sobrecarga de volume, ou prolapso do folheto posterior da válvula mitral, possam apresentar alterações segmentares de origem miocárdica intrínseca. O assincronismo da despolarização ventricular existente nestas alterações ou em arritmias cardíacas leva a uma diminuição do volume sistólico e a conseqüente queda do débito cardíaco. Entre os fatores que aumentam a contratilidade está a liberação de catecolaminas pelas terminações simpáticas cardíacas, pela medula supra-renal e pelos gânglios simpáticos, e a ação de xantinas e de glicosídeos cardíacos. São depressores da contratilidade: hipoxia, hipercapnia, acidose, alguns anestésicos, barbitúricos, quinidina, betabloqueadores, antagonistas do cálcio, disopiramida e outras drogas. 4. Sinergismo. Sabemos que há uma seqüência uniforme na contração muscular cardíaca, de modo que os diferentes grupos de fibras se encurtam de modo sucessivo e nãosimultâneo, fazendo com que as cavidades atriais e ventriculares se contraiam em ordem e a intervalos de tempo determinados, em um sincronismo fisiológico. A esta propriedade do miocárdio chamamos sinergismo. A conseqüência lógica disto é a maior eficácia mecânica (efeito propulsivo), com o mínimo de energia. Observando a fórmula de cálculo do débito cardíaco, DC = DS ö FC, entendemos que, além das variantes que atuam sobre o débito sistólico (DS) vistas anteriormente, existe outro fator determinante importante, que é a freqüência cardíaca (FC). Em condições fisiológicas, a freqüência cardíaca é determinada pela freqüência de disparo do nó sinusal. A freqüência intrínseca deste disparo sofre um controle neuroumoral,

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representado por influências nervosas simpáticas e parassimpáticas e níveis circulantes de catecolaminas, e depende da integridade das células de condução sinoatrial. Sempre que surge uma sobrecarga aguda, há uma elevação da freqüência cardíaca como tentativa de aumentar o débito cardíaco, sendo considerado este o mecanismo de adaptação mais usado pelo organismo, inclusive em atletas nos quais já exista um bom condicionamento físico. Contudo, a freqüência cardíaca não pode ser elevada beneficiando apenas o coração. Acima de certos valores, e dependendo do estado prévio do miocárdio, há diminuição do enchimento diastólico, inibição do efeito inotrópico negativo vagal e aumento do efeito inotrópico positivo simpático, com repercussões importantes que determinam um baixo débito cardíaco e suas conseqüências. É a chamada insuficiência hipodiastólica de Fishberg. A perda do miocárdio viável é seguida de elevação da pressão e do volume diastólico final, com o coração tentanto manter o volume sistólico com uma fração de ejeção diminuída. Este aumento nas condições de carga (pré e pós-carga) representa importante estresse hemodinâmico na IC e afeta tanto a integridade estrutural como a funcional do miocárdio sadio. O coração normal utiliza o mecanismo de Frank-Starling para, através do aumento da précarga, melhorar a fração de ejeção, e ainda tem a propriedade de superar o aumento na póscarga pela elevação da força contrátil através de uma auto-regulação homeométrica. Na insuficiência cardíaca a curva de Frank-Starling está deprimida e achatada, e o miocárdio doente não pode aumentar a contratilidade. A chave da hipótese hemodinâmica (HH) é de que o aumento prolongado no estresse hemodinâmico do coração insuficiente leva a uma deterioração estrutural irreversível da função ventricular. Mas, como as conseqüências desse estresse hemodinâmico são reversíveis com sua redução, um aumento na pré e na pós-carga não explica a progressão desfavorável da IC. Por esta teoria, agentes inotrópicos positivos e vasodilatadores periféricos, drogas que reduzem o estresse da parede ventricular, deveriam retardar as conseqüências estruturais e funcionais dessa alteração hemodinâmica e favorecer a história natural da doença. O Veterans Affairs Heart Failure Trial (V-HeFT I), iniciado em 1978, foi o primeiro teste da HH e utilizou prazosin e uma combinação de hidralazina e dinitrato de isossorbida, drogas que produzem diminuição similar na pré e na pós-carga ventricular. Infelizmente, neste trabalho não foram medidas a resistência vascular sistêmica nem o estresse da parede, sendo a pressão arterial sistêmica a única condição de carga. O prazosin produziu maior queda na pressão arterial sistêmica, mas falhou na redução da mortalidade. A combinação hidralazina e dinitrato de isossorbida, que não tem efeito hipotensor importante, reduziu a mortalidade em 28%. Não foi explicada a discordância entre o efeito hemodinâmico e o prognóstico desta terapia vasodilatadora.

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Os resultados se repetiram quando da realização de estudos com outros vasodilatadores, como o minoxidil, e os bloqueadores dos canais de cálcio verapamil, nifedipina e diltiazem. Também de acordo com a HH, o uso de droga inotrópica positiva, que produz benefícios hemodinâmicos pela melhora da contratilidade e redução do estresse da parede, deveria modificar a história natural da doença. Infelizmente, no Prospective Randomized Milrinone Survival Evaluation (PROMISE trial), o tratamento com milrinona (inibidor da fosfodiesterase) foi associado a um aumento de 28% na mortalidade e 34% no risco de morte cardiovascular. O risco da terapia foi acentuado nos pacientes com IC classe IV. A HH não tem encontrado suporte nas experiências clínicas com intervenções terapêuticas. Milton Packer e colegas da Universidade de Colúmbia (Nova York— EUA) formularam teorias alternativas a respeito de como e por que a IC progride, surgindo a hipótese neurormonal (HN) para a doença. B. Hipótese neurormonal (HN). De acordo com esta hipótese, a IC progride porque a injúria cardíaca inicial ativa sistemas neurormonais endógenos que exercem efeito deletério sobre a circulação, quer seja por exacerbação de anormalidades hemodinâmicas ou por efeito tóxico direto sobre o miocárdio. Esta ação adversa direta sobre o coração independe das ações hemodinâmicas do sistema nervoso simpático (SNS) e do sistema reninaangiotensina (SRA). O coração insuficiente é resistente para ações hemodinâmicas benéficas destes sistemas neurormonais. O Cooperative North Scandinavian Enalapril Survival Study (Consensus) foi o primeiro teste da HN, e o objetivo deste estudo era determinar se o enalapril, que interfere com as ações do SRA, seria capaz de reduzir a progressão da doença e prolongar a vida em pacientes com IC severa. A droga reduziu a mortalidade total para 40% em seis meses, e para 31% em um ano. Estes resultados foram confirmados pelo Studies of Left Ventricular Dysfunction (SOLVD) Trial, que mostrou o enalapril reduzindo a mortalidade e piora de IC em pacientes classes II e III NYHA. Efeitos similares foram encontrados com captopril, outro inibidor ECA (IECA). Apesar de o captopril e o enalapril exercerem ação sobre a vasculatura periférica e a atividade neurormonal, a ação benéfica destas drogas foi mais evidente em pacientes que tinham maior ativação hormonal no início do estudo. O segundo teste, Veterans Affairs Heart Failure Trial (V-HeFT II),trouxe a oportunidade única de testar e criticar as hipóteses hemodinâmica e neurormonal conjuntamente, já que estudou a mortalidade com enalapril (droga com efeito vasodilatador e neurormonal) comparada com uma combinação de hidralazina e dinitrato de isossorbida (drogas com efeitos hemodinâmicos benéficos, mas sem efeito neurormonal favorável). Após dois anos de acompanhamento, o índice de mortalidade foi significativamente menor nos pacientes tratados com enalapril, e com maior destaque naqueles que tinham maior ativação neurormonal no início do trabalho. Por muitos anos, acreditou-se que os bloqueadores beta-adrenérgicos seriam contraindicados na IC crônica, porque achava-se que o SNS oferecia suporte importante para o 554

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coração insuficiente. Depois que estudos mostraram que a ativação prolongada do SNS pode ser prejudicial ao coração, aumentou o interesse pelo uso destas drogas na IC. Alguns pequenos, mas bem-controlados, ensaios com betabloqueadores têm mostrado alívio dos sintomas, melhora na função ventricular e redução da mortalidade em pacientes com miocardiopatia dilatada idiopática e cardiopatia isquêmica. Aqui, também, os melhores resultados apareceram naqueles com maior ativação do SNS no início dos trabalhos, medida pelos níveis de noradrenalina circulante. Quando se realizam estudos com agentes inotrópicos positivo e negativo, verifica-se que o inibidor da fosfodiesterase milrinona (que aumenta a contratilidade) eleva o índice de mortalidade e que o betabloqueador propranolol (que deprime a contratilidade) prolonga a vida. Ambos afetam o índice de mortalidade, alterando o risco de morte súbita: betabloqueador reduzindo e inibidor da fosfodiesterase aumentando. O mecanismo de ação destas drogas é exercido sobre a AMP cíclica miocárdica: betabloqueador reduzindo-a e inibidor da fosfodiesterase aumentando-a. Esta semelhança sugere que os efeitos bioquímicos e neurormonais destas drogas são os efeitos determinantes mais importantes na história natural da IC, em vez de suas ações hemodinâmicas. Estudos controlados com digoxina, que é um agente inotrópico positivo, mostraram redução de sintomas, prolongamento da tolerância ao exercício e diminuição do risco de progressão clínica da IC. O que a torna diferente da milrinona? A digoxina, diferentemente dos agentes AMP cíclico-dependentes, reduz a ativação tanto do SNS como do SRA independentemente de sua ação hemodinâmica, e esta habilidade está relacionada à sua capacidade em restaurar o efeito inibitório dos barorreceptores cardíacos ao fluxo simpático do sistema nervoso central (SNC). As conclusões de todos estes estudos nos levam a pensar que: (1) os fatores hemodinâmicos e neurormonais são determinantes importantes, mas independentes, na progressão da IC; (2) a vasoconstrição sistêmica limita o desempenho sistólico do ventrículo esquerdo e contribui para a IC; (3) a ativação neurormonal acelera a progressão da doença não pela sua habilidade em causar vasoconstrição sistêmica, mas pela sua ação deletéria direta sobre o miocárdio; (4) a capacidade do sistema cardiovascular adaptar-se à injúria cardíaca e tolerar o estresse hemodinâmico é determinada pela liberação e pela interação de sinais neurormonais locais e sistêmicos, através de mudanças na ativação e na eficácia dos mensageiros intracelulares; (5) o resultado dessa interação entre forças hemodinâmicas e neurormonais define a síndrome da insuficiência cardíaca. Estes conceitos levaram a uma mudança importante a respeito da fisiopatologia da IC: da avaliação original de que os mecanismos endógenos eram adaptativos, para o pensamento atual, de que tais mecanismos são deletérios. C. Hemodinâmica. Na IC encontramos alterações hemodinâmicas importantes, com suas conseqüências: pressão capilar pulmonar e pressão venosa central elevadas.

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A pressão capilar pulmonar (ou hidrostática) representa a pressão que uma coluna líquida exerce no interior de um espaço vascular lateralmente, tendendo a extravasar o conteúdo, sendo que esta tendência crescerá na razão direta do aumento desta pressão. Entre o átrio esquerdo (AE) e a rede capilar pulmonar não existe sistema de válvulas, funcionando como sistema único, e com as alterações das pressões em AE repercutindo diretamente no capilar pulmonar. Na IC, o ventrículo esquerdo (VE), sendo incapaz de manter um volume sistólico eficiente, levará a um aumento do volume residual póssistólico e à conseqüente elevação da pressão diastólica final (pré-carga) do VE. Este aumento exigirá maior força de contração do AE para manter um esvaziamento apropriado, e a câmara será conseqüentemente compensada com hipertrofia e/ou dilatação. O aumento acentuado da pressão no AE eleva retrogradamente a pressão dos capilares e das veias pulmonares, com extravasamento de líquido para o espaço intersticial da unidade terminal do pulmão. O equilíbrio é mantido pelos vasos linfáticos existentes no local e que drenam líquido e solutos em excesso, ocorrendo aumento da rede de linfáticos em até quatro vezes, conforme a elevação da pressão em AE. Quando há quebra do equilíbrio entre velocidade de reabsorção linfática e velocidade de transudação dos tecidos, temos instalada a entidade clínica denominada edema agudo do pulmão (EAP), quadro congestivo por excelência, quando o acúmulo de líquido intersticial rompe as células alveolares, levando ao edema alveolar. O EAP surge apenas quando a pressão capilar pulmonar (PCP) atinge agudamente valores de 25-30 mmHg, quase o triplo do valor normal (média de 9 mmHg). Na IC, a presença de insuficiência do ventrículo direito (VD) atua como fator de proteção contra o EAP, ocorrendo um verdadeiro garroteamento fisiológico, embora existam casos em que esta entidade se possa instalar. Com a elevação da PCP há constrição arteriolar e aumento da resistência pulmonar, sobrecarregando o VD, com prejuízo ao seu trabalho. O mesmo raciocínio anterior será utilizado agora. Devido à incompetência do VD em se esvaziar adequadamente, há aumento do volume residual pós-sistólico, com conseqüente elevação da pressão diastólica final (pré-carga) em VD e da pressão média no átrio direito (AD). O AD se hipertrofia e/ou se dilata, na tentativa de se adaptar às novas condições, mas na falência destes mecanismos haverá, retrogradamente, elevação dos níveis da pressão venosa central (PVC). IV. Respostas do Corpo à Insuficiência Cardíaca. Na IC, o corpo passa por alterações que vão definir o estágio da doença e sua evolução. Estas modificações ocorrem ao nível do coração, pulmões, circulação e musculatura esquelética, esquematizadas no Quadro 49-2. A. Coração. No coração, as mudanças ocorrem na estrutura, com perda de células, orientação anormal de fibras, mudança de tamanho e forma, fibrose e hipertrofia, ou na função, com disfunção sistólica e/ou diastólica.

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O coração, inicialmente, utiliza a lei de Frank-Starling para conseguir manter seu papel de bomba. B. Mecanismo de Frank-Starling. O trabalho desenvolvido pelo alemão Otto Frank, em coração de sapo, publicado em 1895, inspirou o grande fisiologista inglês Ernest Henry Starling (1866-1927) a um período de pesquisa, iniciado em 1912, que culminou com um conjunto de publicações, considerado a maior contribuição pessoal ao estudo da função mecânica do coração. Por ironia do destino, Starling veio a falecer subitamente, próximo à Jamaica, quando realizava um cruzeiro com vistas à recuperação da saúde, constando no atestado de óbito “insuficiência cardíaca aguda” como causa da morte. A lei de Starling estabelece que “a energia mecânica liberada pela passagem do estado de repouso ao estado contraído é função do comprimento inicial da fibra muscular, isto é, da área de superfície quimicamente ativa”. Temos então, como já foi dito, que a pré-carga (pressão diastólica final — pd2) determina o comprimento de repouso dos sarcômeros. Na IC, o resíduo sistólico estando aumentado na diástole seguinte à chegada de novo sangue determina dilatação ventricular, com aumento do volume e da pd2 e do comprimento e da tensão das fibras miocárdicas, na tentativa de manter o desempenho cardíaco e torná-lo compensado. Existe um limite para este estiramento da fibra cardíaca — correspondente a um comprimento do sarcômero de 2,2 m—, acima do qual há desligamento com perda da função contrátil. É bom lembrar que o músculo atrial também segue a lei de Starling, com papel importante na fase de enchimento rápido do ventrículo (telediástole) pela contração atrial. O ônus pelo mecanismo de Frank-Starling inclui a congestão visceral, o edema periférico e aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdio, que são devidos às congestões pulmonar e sistêmica e ao aumento da tensão parietal ventricular. C. Aumento da liberação de catecolaminas. O aumento reflexo na excitação autônoma simpática é feito nos níveis central e periférico, com liberação de catecolaminas que levam à taquicardia e ao aumento da força contrátil. A cardiotoxicidade catecolamínica se manifesta por hipertrofia, necrose e fibrose da célula miocárdica. Há uma desorganização no fluxo simpático, distribuído erroneamente através do miocárdio, com efeito sobre a duração do potencial de ação, a contração e o relaxamento, contribuindo para as alterações nas funções mecânica e eletrofisiológica do coração insuficiente. Esta disfunção do SNS contribui para a clínica e a evolução da doença. A taquicardia, provocando encurtamento da diástole, compromete o fluxo coronariano, já prejudicado pelo aumento do consumo de oxigênio miocárdico. Estes são efeitos 557

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extremamente danosos nos portadores de cardiopatia isquêmica, mostrando também como é nociva a utilização deste mecanismo. D. Hipertrofia miocárdica. É o processo que envolve a remodelação do miocárdio — modificação da estrutura ventricular — para atender às novas necessidades. A Lei de Laplace estabelece que: T = P ö r/2e, ou seja, a tensão (T) gerada na parede de uma câmara relaciona-se diretamente com a pressão no seu interior (P) e com o raio da câmara (r) e inversamente com a espessura parietal (e). Procurando um aumento da massa e da superfície miocárdica, o coração tende a distribuir melhor a sobrecarga de volume ou pressão, tentando normalizar o estresse ventricular — força por unidade da área seccional transversa, expressa como g/cm2 —, importante propriedade mecânica do músculo cardíaco. Inicialmente, há um aumento do comprimento do sarcômero subseqüente ao aumento crescente da massa muscular e de tecido conjuntivo e fibroso intersticial. A ativação dos sistemas neuroparácrino-hormonais, além dos efeitos hemodinâmicos que já foram apresentados, também desempenha papel importante na remodelagem cardíaca e vascular. Estímulos que aumentam a tensão da parede ventricular promovem a produção de fatores de crescimento, determinando hipertrofia (concêntrica ou excêntrica) e aumento na síntese de colágeno. Os miócitos cardíacos, as células endoteliais, as da musculatura lisa vascular e os fibroblastos cardíacos constituem o grupo de células responsáveis pelos respectivos crescimento e remodelagem de músculos, vasos e interstício. O padrão de hipertrofia é diferente, de acordo com o tipo de sobrecarga. Se há sobrecarga de pressão, há replicação paralela dos sarcômeros, espessamento da parede e hipertrofia concêntrica. Se há sobrecarga de volume, ocorre replicação em série dos sarcômeros, alongamento de fibras e aumento da câmara (hipertrofia excêntrica). A dilatação cardíaca provavelmente resulta de um aumento no tamanho das células miocárdicas de grande número de sarcômeros replicados que estão envolvidos no processo de hipertrofia, ou por deslizamento entre fibras adjacentes e fibrilas. O aumento de tecido conjuntivo e fibroso intersticial compromete inicialmente a complacência — propriedade diastólica do miocárdio — e, conseqüentemente, o estado contrátil e a função sistólica. A dilatação cardíaca é o mecanismo compensador de que se utiliza o coração para aumentar o débito sistólico com menor esforço, pela obtenção do mesmo volume diastólico com um menor encurtamento da fibra.

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Com o avanço da IC, esta vantagem vai sendo desfeita, pois, de acordo com a Lei de Laplace, quanto maior o raio da cavidade dilatada, maior a tensão desenvolvida pela fibra cardíaca para produzir determinada pressão intraventricular, levando a um aumento da pressão atrial e à congestão venosa, com maior gasto energético e consumo de oxigênio que leva ao esgotamento da reserva cardíaca contrátil. E. Circulação. Aqui as alterações ocorrem na estrutura, por anormalidade anatômica, e na função, pela resposta neuroendócrina alterada, resistência aumentada e alteração funcional. Em nível periférico, a regulação vasomotora das artérias e arteríolas, mediada pelo SNS, associada a uma auto-regulação local dependente de fatores mecânicos, metabólitos vasodilatadores e PO2, PCO2, pH, K+, assegura uma redistribuição do fluxo sangüíneo com melhor oxigenação do cérebro e do miocárdio, à custa da vasoconstrição e do menor fluxo na pele, nos rins, nos órgãos esplâncnicos e nos músculos esqueléticos. No início, esta redistribuição ocorre apenas durante o esforço, porém, com o avanço da moléstia, ela se estabelece e encontramos pacientes com baixa temperatura cutânea, retardamento da circulação e cianose periférica. Com o débito cardíaco diminuído, a liberação de oxigênio aos tecidos é facilitada pelo desvio da curva de dissociação da oxiemoglobina para a direita — há aumento da enzima 2,3-difosfoglicerato (DPG) —, pela acidose tissular e pelo retardo no tempo de circulação. A constrição das veias sistêmicas aumenta o tônus venoso na tentativa de manter a pressão venosa em limites normais e, com isto, manter o retorno venoso, o enchimento ventricular e a distensão diastólica das fibras ventriculares (pré-carga). F. Retenção de sódio e água. Os mecanismos de retenção de sódio e água pelos rins se iniciam com a redução da filtração glomerular, resultante do baixo débito cardíaco e conseqüente redistribuição do fluxo sangüíneo, já visto anteriormente, com déficit na perfusão renal e menor eliminação de sódio e água; aumentam a fração de filtração glomerular e a reabsorção de sódio e água nos túbulos contornados proximais. Conseqüentemente, há aumento da atividade do SNS, do sistema renina-angiotensinaaldosterona (SRA) e na secreção de arginina-vasopressina (AVP). A ativação do SRA tem como ponto de partida o acréscimo de produção de renina pelas células justaglomerulares, estimulada pela baixa filtração de sódio captada pela mácula densa ou pela queda na tensão das paredes da arteríola aferente, devido à redução do fluxo sangüíneo. Os diuréticos também aumentam a atividade da renina plasmática. A retenção de água e sódio, com aumento da volemia, e a maior atividade simpática sobre o tônus vasomotor elevam a pressão venosa, na tentativa de aumentar o retorno venoso, a distensão e o enchimento diastólico ventricular e, através do mecanismo de Frank-Starling, o débito sistólico. O aumento das pressões médias dentro da árvore vascular intensifica a transudação de líquidos dos capilares para os espaços intersticiais, com formação de edema. Como efeito deletério deste mecanismo, há congestões pulmonar e venosa sistêmicas.

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G. Ativação neuroumoral. As alterações neuroumorais na IC são, como já vimos, tão importantes que a elas é atribuído um papel de destaque na evolução desta síndrome. Essas alterações são divididas em dois grupos antagônicos: (1) ativação do SNS, do SRA e liberação da AVP (provocando vasoconstrição e retenção de sódio e água); (2) liberação do fator natriurético atrial (FNA), de certas prostaglandinas e dopamina (provocando vasodilatação e natriurese). Estes grupos atuam conjuntamente, mas há um predomínio das forças vasoconstritoras-retentoras de sódio sobre as vasodilatadoras-natriuréticas. Elas fazem com que a IC não seja apenas uma patologia do coração, mas que repercuta em toda a circulação: contratilidade

vasoconstrição periférica

ativação neuroumoral 1. Sistema nervoso simpático. A queda do volume sistólico, do débito cardíaco e da pressão arterial pulsátil ou média provoca ativação do sistema barorreceptor arterial e induz a hiperatividade simpática. Inicialmente, a ativação do SNS aumenta a freqüência cardíaca e a contratilidade miocárdica, compensando a função sistólica do coração insuficiente, além de levar à vasoconstrição arteriolar periférica, que estabiliza a pressão arterial apesar do baixo débito cardíaco. Outra ação importante seria a venoconstrição, que eleva o retorno venoso, as pressões de enchimento do coração e o volume ventricular que, através do mecanismo de Frank-Starling, induz o aumento do débito cardíaco. Essas alterações compensatórias benéficas são apenas temporárias, como ocorre na ativação do SNS desencadeada por exercício, hipovolemia e choque. Com a evolução da IC, surgem efeitos adversos nas áreas cardíaca, vascular e renal, que agravam a descompensação cardíaca, conforme mostrado no Quadro 49-3. Por isso é que na IC há uma correlação positiva entre a concentração plasmática de noradrenalina (NA) e a classificação funcional da New York Heart Association (NYHA). Esta correlação direta também se mantém quando se estuda o índice de mortalidade na IC.

2. Sistema renina-angiotensina. A angiotensina II, octapeptídeo extremamente ativo e que é o produto final da ativação do SRA, tem como ações biológicas: vasoconstrição arteriolar periférica, facilitação da liberação de noradrenalina das terminações nervosas simpáticas, sensibilização dos vasos sangüíneos à noradrenalina, liberação de arginina-vasopressina pela glândula pituitária, constrição das arteríolas eferentes pós-glomerulares, hipertrofia vascular miocárdica, retenção de sódio no túbulo proximal, estimulação da sede e liberação da aldosterona pela supra-renal, acentuando a retenção de sódio e água na IC. Como resultado final, há a elevação da pressão arterial, do volume plasmático e da pré e pós-cargas.

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3. Arginina-vasopressina. A arginina-vasopressina (AVP), conhecida como hormônio antidiurético, é um potente vasoconstritor endógeno que atua nos túbulos coletores renais com retenção de água. Na IC, seu nível plasmático pode ou não estar elevado. A AVP potencializa a vasoconstrição induzida pela noradrenalina e pela angiotensina II. 4. Fator natriurético atrial. O átrio dos mamíferos contém glândulas secretoras que, estimuladas pela distensão atrial, pelo aumento do sódio extracelular e pela taquicardia, liberam um peptídeo de 21-28 aminoácidos, conhecido como fator natriurético atrial (FNA). Mediado em grande parte pelo aumento do monofosfato de guanosina cíclico (GMPc), o FNA exerce uma ação diurética, natriurética e uma vasodilatação arterial e venosa. Também suprime a liberação de renina e aldosterona, e inibe a ação de vasopressina. O resultado final de sua ação é a redução da resistência vascular sistêmica, da pressão arterial, da pré e pós-carga, e aumento do débito cardíaco. O fator natriurético atrial serve para contrabalançar parcialmente os efeitos vasoconstritores do SNS, do SRA, AVP e a ação vasoconstritora endógena dos rins. 5. Prostaglandinas. As prostaglandinas são autacóides e não hormônios verdadeiros, ou seja, são substâncias com ação limitada ao ambiente em que são liberadas. Ainda não está bem esclarecida a sua importância na IC, mas sabe-se que elas provocam vasodilatação em leitos vasculares regionais. Os rins liberam prostaglandinas E2 (PGE2) e prostaciclinas estimuladas pela hipoperfusão renal encontrada na IC. A terapêutica diurética, noradrenalina e angiotensina II também induzem a liberação de prostaglandinas. Nos rins, as prostaglandinas e a angiotensina II atuam sinergicamente para preservar a função renal, aumentando a pressão de filtração e a taxa de filtração glomerular (as prostaglandinas com ação vasodilatadora direta nas arteríolas aferentes, e a angiotensina II com ação vasoconstritora nas arteríolas eferentes). Longe dos glomérulos renais, as prostaglandinas atuam em oposição aos efeitos dos sistemas vasoconstritores e retentores de sódio. 6. Dopamina. A dopamina é uma substância vasodilatadora-natriurética que tenta contrabalançar as forças vasoconstritoras-retentoras de sódio encontradas na IC. Ela é precursora natural da noradrenalina, sendo liberada das terminações nervosas adrenérgicas pela ativação simpática. Atuando sobre receptores vasculares dopaminérgicos (DA1) — presentes também nos neurônios simpáticos pré-sinápticos —, ela provoca vasodilatação das artérias coronárias, cerebrais, mesentéricas e renais. 561

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7. Músculo esquelético. Neste nível, a alteração na estrutura é re-presentada pela atrofia, e na função, por anormalidades na bioquímica. A conseqüência da atrofia muscular na IC é que o paciente apresenta aumento de fraqueza e fadiga. V. Quadro Clínico. Pelo que foi exposto, compreende-se que, na IC, surgem repercussões hemodinâmicas tanto sobre os pulmões, provocadas pela congestão venocapilar pulmonar, quanto conseqüências do aumento da PVC, com elevação da pressão hidrostática no sistema venoso. As manifestações clínicas variam e dependem de vários fatores, como a idade do paciente, a extensão e a rapidez do surgimento da disfunção cardíaca, a etiologia da doença cardíaca, as causas precipitantes e as câmaras cardíacas envolvidas especificamente na doença. A. Sintomas. A dispnéia relacionada ao esforço físico é o sintoma mais encontrado, e clinicamente pode apresentar-se como: 1. Dispnéia de esforço. Ocorre quando a atividade física atinge valores que exigem uma atuação intensa do aparelho respiratório que a torna consciente. 2. Dispnéia de decúbito. Surge quando o paciente se deita. É provocada pelo aumento da congestão pulmonar, pelo retorno venoso dos membros inferiores e do território esplâncnico, quando o tórax se coloca em posição horizontal. 3. Dispnéia paroxística. Tem início súbito e não se relaciona a exagero físico; como surge mais freqüentemente à noite, é também chamada de dispnéia paroxística noturna. 4. Dispnéia periódica do tipo Cheyne-Stokes. É caracterizada pela alternância de pausas apnéicas com retomada da respiração em amplitude crescente, que diminui posteriormente de modo simétrico. Deve-se lembrar sempre que a dispnéia ao esforço também surge na pneumopatia crônica, na obesidade e quando existe mau condicionamento físico. Nos portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), além da medida da PVC, podemos utilizar a determinação do pH e de gases arteriais (gasometria), para afastar o componente pulmonar da dispnéia. Assim temos: a. Cardíaco: PO2 normal ou baixa; PCO2 normal ou baixa; pH normal ou baixo. b. Pulmonar crônico: PO2 normal ou baixo; PCO2 normal ou elevado; pH normal ou diminuído.

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Também é encontrada tosse seca e persistente, merecendo atenção sua diferenciação com a tosse do doente pulmonar; a tosse do paciente cardíaco sempre se exacerba ao esforço físico e em decúbito. Na embolia pulmonar, e quando a pressão arterial pulmonar encontra-se muito elevada, podendo ultrapassar níveis sistêmicos, como ocorre na estenose mitral, a tosse pode vir acompanhada de escarro hemoptóico ou mesmo hemoptise franca. A IC pode apresentar-se pela chamada asma cardíaca. O edema pulmonar agudo é uma manifestação grave de IC e pode surgir em cardiopatas até então assintomáticos. À medida que o VD entra em falência, há diminuição da dispnéia e maior tolerância ao decúbito baixo, fato que se deve à queda do débito ventricular direito, com diminuição da estase capilar pulmonar. A congestão passiva do fígado leva à distensão da cápsula de Glisson, com dor localizada no hipocôndrio direito e que pode surgir com o esforço (dor hepática aos esforços). A estase gastrointestinal provoca alterações do tubo digestivo, incluindo anorexia, náuseas, vômitos, distensão, dor abdominal e sensação de plenitude gástrica pós-prandial. Nos casos de grande aumento de AE, como na valvulopatia mitral, podemos encontrar rouquidão, por compressão do nervo recorrente esquerdo, ou disfagia, por compressão extrínseca dos terços médio e inferior do esôfago. O baixo fluxo cerebral na IC dá origem a sensações de cansaço, desânimo, tonteira, sonolência e fraqueza. Se já existe um déficit prévio de irrigação cerebral, como ocorre nos pacientes idosos, pode haver confusão mental. B. Sinais físicos. O exame físico do paciente cardíaco descompensado é bastante rico. Algumas alterações indicam a presença de cardiopatia, e outras, mais especificamente, uma IC. Palidez, sudorese fria, refletindo hiperatividade simpática, e posição ortopnéica (elevação da parte superiar do corpo para melhorar a dispnéia) são achados importantes. Embora, em geral, a saturação do oxigênio arterial seja normal, ocorre cianose do tipo periférico, porque o conteúdo de oxigênio venoso está diminuído pelo aumento da retirada pelos tecidos, em virtude da morosidade da circulação. A congestão venosa sistêmica também se exterioriza pelo ingurgitamento das jugulares, quase sempre simétrico e de mesma grandeza, com o paciente recostado num ângulo de 45º ao leito. Refluxo hepatojugular anormal está presente. O edema periférico (tecido celular subcutâneo), habitualmente simétrico, é um sinal tardio de IC e, quando surge, é precedido por uma retenção importante de líquido nos espaços intersticiais. Sua localização obedece às leis da gravidade, ou seja, nos membros inferiores e com caráter vespertino.

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Nos pacientes acamados, ocupa posição sacral, devido à maior permanência em decúbito dorsal. Às vezes, o edema se generaliza por toda a superfície corporal, ocorrendo anasarca. Edema unilateral sugere doença localizada, principalmente doença venosa. Podemos encontrar derrames cavitários, como ascite, hidropericárdio e hidrotórax, principalmente à direita. A icterícia é relativamente comum e tem como causa: necrose centrolobular; aumento da destruição de hemácias nas zonas de estase venosa ou nos infartos pulmonares; hipertensão hepática, impedindo uma boa drenagem da bile pelos canalículos intra-hepáticos.

O ictus cordis apresenta alterações na amplitude, força de impulsão sistólica e deslocamento da ponta. A dilatação do VE joga o ictus cordis para fora, podendo ultrapassar a linha axilar anterior. A taquicardia é freqüente, com resposta exagerada a um pequeno esforço e, principalmente, demora em recuperar a freqüência inicial. Quando existe distúrbio de condução, pode surgir bradicardia. O exame do pulso arterial também pode revelar o fenômeno da alternância, representado pela sucessão de batimentos fortes e fracos em intervalos iguais, e que difere do bigeminismo, onde os intervalos são desiguais. A explicação do pulso alternante é dada pela variação do número de fibras que se contraem: o batimento fraco é devido à contração de apenas uma parte das fibras miocárdicas. A pressão arterial torna-se convergente pela queda da pressão máxima (sinal de decapitação da máxima), conseqüente à diminuição da força de ejeção ventricular esquerda, e pela discreta elevação da pressão mínima, conseqüente ao aumento da resistência periférica pela hiperatividade do sistema simpático. A ausculta cardíaca nos permite identificar um sinal físico precoce, que surge mais cedo do que os estertores pulmonares: o ritmo de galope. Segundo Carral, “os ritmos de galope são ritmos de três tempos (excepcionalmente de quatro tempos), por acrescentarem aos ruídos normais do coração um terceiro ruído patológico de origem muscular”. O ritmo de galope foi descrito por Charcelay em 1938 e pode surgir na pré-sístole (B4) ou na protodiástole (B3), ou seja, antes da primeira bulha ou pouco depois da segunda bulha, respectivamente; ele indica sofrimento miocárdico. O galope protodiastólico (B3) é mais freqüente, sendo encontrado principalmente nos pacientes com hipertensão arterial ou miocardioesclerose. O galope pré-sistólico resulta da soma aos ruídos fundamentais de uma hiperfonese de B4, conseqüente ao aumento da pressão de enchimento do VE com aumento correspondente da pressão intra-atrial e da força de contração do átrio esquerdo. Por este motivo, quando falta a sístole atrial, como ocorre na fibrilação atrial, não pode surgir um ritmo de galope pré-sistólico. Em um mesmo paciente podem coexistir o galope pré-sistólico (B4) atrial e o protodiastólico (B3) ventricular, produzindo um ritmo de quatro tempos com os ruídos fundamentais, mas é necessário que a freqüência cardíaca esteja baixa para se auscultá-lo.

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Se a freqüência cardíaca subir, B3 e B4 se fundirão, constituindo um galope de soma com ritmo de três tempos. Uma hiperfonese de P2 é a expressão auscultatória do aumento da pressão arterial pulmonar, conseqüente à hipertensão venocapilar pulmonar. Os ruídos cardíacos também podem estar alterados pelo processo patológico causal. Sopro holossistólico audível na extremidade inferior do coração pode ser decorrente de uma insuficiência mitral conseqüente ao desarranjo no fechamento dos folhetos da válvula, devido à dilatação do VE. Os sopros diastólicos são sempre patológicos. A hepatomegalia é achado freqüente. O baço também aumenta de volume, devido sobretudo à congestão hepática, mas raramente atinge um volume que permita ser palpado. Na ausculta pulmonar, podem surgir estertores úmidos, nas bases ou disseminados, e sibilos brônquicos ligados à transudação alveolar, à presença de líquido nos bronquíolos e brônquios finos e ao edema parietal destes. VI. Classificação Funcional. O Comitê de Critério da Associação de Cardiologia de Nova York — EUA (Criteria Committee of the New York Heart Association) elaborou uma classificação funcional da IC que relaciona os sintomas à atividade habitual. Através de uma boa anamnese, determina-se o grau de invalidez conduzido pela IC, de maneira a se avaliar, no seguimento do paciente, o resultado terapêutico e de reabilitação, obtendo comparação de um paciente para outro. Esta classificação também tem boa utilidade no Brasil, nos Serviços de Medicina do Trabalho e na Previdência Social (INSS), sendo assim esquematizada: A. Classe I. Sem limitações. As atividades físicas normais não provocam fadiga excessiva, dispnéia ou palpitação. B. Classe II. Limitação leve da atividade física. Os pacientes são assintomáticos em repouso. As atividades físicas normais provocam fadiga, palpitação, dispnéia e angina. C. Classe III. Limitação acentuada da atividade física. Embora os pacientes sejam assintomáticos em repouso, atividades mais leves do que as habituais provocam os sintomas. D. Classe IV. Incapacidade de realizar qualquer atividade física sem desconforto; os sintomas de insuficiência congestiva estão presentes mesmo em repouso. Qualquer atividade física suscita a presença de desconforto. É verdade que, principalmente em nosso meio, são limitadas a exatidão e a reprodutibilidade desta classificação. VII. Exames Complementares.

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O exame radiológico convencional (raios X de CVB e CPP) tem importante papel no diagnóstico da IC por nos permitir estudar a área cardíaca e a circulação pulmonar, procurando sinais de hipertensão pulmonar, de insuficiência ventricular esquerda ou de hiperfluxo arterial pulmonar. O aumento global da área cardíaca ou o crescimento isolado de câmaras é quase uma regra, podendo afirmar-se que o aumento do coração indica cardiopatia. Aqui deve ser excluído o coração do atleta, que pode estar aumentado, mas com função normal. Também no infarto do miocárdio recente, na estenose mitral e aórtica, pode surgir IC com área do coração normal. A insuficiência ventricular esquerda repercute precocemente no pulmão, levando a uma redistribuição do fluxo sangüíneo, que surge aos raios X pela acentuação das imagens vasculares nos campos superiores, e reforço hilar por ingurgitamento venoso. Isto, devido ao aumento da pressão venosa (acima de 18 mmHg), leva à constrição venosa nas bases e dilatação nos ápices dos campos pulmonares. Se a pressão venosa aumenta mais, surge o edema pulmonar, que pode ser alveolar e intersticial. O primeiro é agudo e caracteriza-se por densidades confluentes, bilaterais e centrais (aspecto de “asa de borboleta”). O edema intersticial é mais crônico, sendo devido ao acúmulo de líquido perivascular, que dá às estruturas vasculares e ao pulmão um aspecto nublado. Quando há líquido interlobular, temos as linhas A e B de Kerley, respectivamente, nos hilos e nas bases. Estas linhas septais podem surgir em qualquer alteração que leve ao espessamento dos septos, tais como fibrose, infiltrado tumoral, edema ou inflamação, e podem tornar-se permanentes com IC recorrente. O derrame pleural (hidrotórax) surge nas formas mais crônicas de IC, surgindo mais à direita (a drenagem das veias pleurais é feita tanto para a veia cava superior quanto para as veias pulmonares), e tem sempre características de transudato. A presença de exsudato conduz ao raciocínio de associação com outra patologia, como tuberculose, neoplasia, infarto pulmonar e empiema. O derrame ascítico é comumente rico em proteínas, com níveis superiores a 3%. Na hipertensão arterial pulmonar há dilatação do tronco da artéria pulmonar e dos ramos principais. As artérias segmentares estão normais ou contrastadas; a relação centroperiférica é de 7:1. Quando aumenta o fluxo arterial pulmonar (shunt esquerda-direita), cresce o calibre das artérias centrais e periféricas. Se, ao contrário, o fluxo pulmonar diminui (shunt direitaesquerda), as sombras vasculares são mais delgadas, o arco médio é côncavo, e os pulmões, mais transparentes. Como a elevação dos níveis da pressão venosa central (PVC) é o parâmetro responsável pelos sinais e sintomas da falência ventricular direita, sua determinação é importante, e ela se encontra sempre elevada.

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Embora não exista alteração eletrocardiográfica que defina uma IC, o ECG é útil para o estudo do aumento das câmaras, dos distúrbios de condução ou de outras arritmias, isquemia miocárdica, alterações eletrolíticas ou impregnação digitálica. A ecocardiografia, sendo um método exploratório não-invasivo que fornece dados hemodinâmicos e estruturais, tem grande valor. O cateterismo cardíaco está indicado, não para o diagnóstico da IC, mas para o estudo de cardiopatia subjacente. VIII. Diagnóstico Diferencial. Como o diagnóstico da IC é um achado único por excelência, e a cardiopatia um prérequisito a ela, não se tem dificuldade em estabelecer sua presença. Uma vez afastada uma causa de disfunção miocárdica, a atenção deve ser voltada para os chamados estados congestivos, termo usado para designar casos de congestão venosa de etiologia variada, sem componente miocárdico. As causas básicas seriam obstrução mecânica ao retorno venoso, acúmulo de quantidade excessiva de água e sódio e tônus vasomotor aumentado. Aí estariam incluídas as patologias do fígado, rim, da tireóide, a insuficiência venosa crônica, as deficiências nutricionais graves e as obstruções da veia cava inferior. Atenção especial deve ser dada às causas não-cardiogênicas do edema pulmonar agudo, a saber: (a) neurogênicas; (b) drogas e medicamentos; (c) obstrução aguda das vias áreas; (d) grandes altitudes; (e) esvaziamento súbito da cavidade pleural; (f) substâncias tóxicas; (g) embolia pulmonar; (h) infusão excessiva de líquidos. Segundo De Paula, a alteração básica nestes casos seria uma lesão da membrana alveolocapilar do pulmão, causando hipoxemia, aumento da resistência vascular, hipertensão pulmonar e transudação de líquido para os espaços intersticiais e alveolares, levando à formação de membrana hialina e, posteriormente, fibrose pulmonar. Os quadros clínico e radiológico se sobrepõem aos do EAP cardiogênico. IX. Abordagem do Paciente. Uma vez confirmada a presença da síndrome clínica da IC, por meio de informações do paciente e dados do exame físico e de exames complementares, torna-se obrigatório pesquisar o tipo de cardiopatia, visando firmar o diagnóstico definitivo e estabelecer o tratamento adequado. Os dados fornecidos pelo paciente nos orientam tanto para a cardiopatia quanto para sua etiologia, e as anormalidades laboratoriais as confirmam. É importante, como já foi dito, que sejam analisadas tanto a função sistólica quanto a diastólica de todos os pacientes com IC.

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X. Tratamento. Identificada a IC, procuramos sua etiologia para excluir as causas corrigíveis e remover as condições precipitantes. Entre as primeiras, estão as doenças passíveis de correção cirúrgica e responsáveis pela disfunção miocárdica, tais como: cardiopatias congênitas, valvulopatias, pericardite constritiva e tamponamento cardíaco, grandes fístulas arteriovenosas sistêmicas, aneurismas ventriculares, coarctação da aorta, lesões valvulares agudas decorrentes de endocardites e isquemia miocárdica passível de correção invasiva — a angioplastia transluminal coronariana e a cirurgia de revascularização miocárdica. As causas precipitantes (Quadro 49-4), embora provoquem a descompensação cardíaca, são potencialmente reversíveis, vindo daí sua importância. As principais seriam: embolia pulmonar, infecção, anemia, hipertireoidismo, miocardite, endocardite bacteriana, gravidez, arritmias cardíacas, hipertensão arterial sistêmica, esforço físico excessivo, excesso de aporte de sódio ou de infusão de líquidos, principalmente em portadores de insuficiência renal, interrupção de tratamento médico, administração de substâncias retentoras de sódio (corticóides, estrógenos, andrógenos e agentes antiinflamatórios não-esteróides) ou inotrópicas negativas (quinidina, betabloqueadores, álcool, disopiramida e drogas antineoplásicas, como adriamicina e ciclofosfamida), ambientes excessivamente quentes e úmidos, tensão emocional, obstrução do trato urinário, como na hipertrofia benigna da próstata, alcoolismo e infarto agudo do miocárdio clinicamente silencioso. Excluídas estas condições iniciais, o tratamento da IC é dirigido no sentido de se obter a redução do trabalho cardíaco, o aumento da força contrátil do miocárdio, a redução dos sintomas congestivos e a diminuição da pré e da pós-carga. A. Redução do trabalho cardíaco. Consiste em repouso no leito, com a finalidade de diminuição da atividade física e, com isto, das necessidades metabólicas. Cuidado especial deve ser dado à prevenção do tromboembolismo, que requer elevação e exercícios passivos dos membros inferiores, uso de meias elásticas e heparina, se necessário. Lembrar sempre de outros inconvenientes do repouso no leito, sobretudo nos pacientes idosos, nos quais favorece as infecções respiratórias, a osteoporose, a hipotrofia muscular, a negatividade do balanço nitrogenado, diminuição da reatividade cardiovascular, depressão mental e ansiedade, retenção urinária nos prostáticos e constipação intestinal. Por isto, o paciente pode receber recomendação para permanecer em uma poltrona confortável durante boa parte do tempo. O repouso psíquico também é importante e deve ser sugerido pelo médico, levando palavras tranqüilizadoras e aconselhamentos cabíveis e procurando sempre abolir a idéia de invalidez. Para o uso de medicação tranqüilizante e sedativa, lembrar que os barbitúricos têm ação depressiva sobre o centro respiratório e que os antidepressivos tricíclicos e as fenotiazinas são capazes de provocar arritmias cardíacas. B. Aumento da contratilidade. Desde 1785, quando William Withering expôs um trabalho sobre a digital, esta substância constitui um pilar fundamental no tratamento da IC.

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Os glicosídeos cardíacos mais usados são: a digoxina, betametildigoxina (Lanitop®), Digitoxina®, lanatosídeo-C (Cedilanide®) e desacetil-lanatosídeo-C (Desacil®). O mecanismo de ação seria a inativação da enzima de transporte sódio-potássio ATPase, inibindo a bomba de sódio e limitando a entrada de potássio. Com isto, há maior influxo de cálcio, impedindo a ação do complexo troponina-tropomiosina, e o músculo se contrai, com efeito inotrópico positivo e aumento do débito cardíaco. Ainda existem dois mecanismos que aumentam a ação inotrópica positiva dos digitálicos: (1) ajuda no influxo de cálcio pelos canais lentos do sarcolema, que se ativam durante a despolarização; (2) potencialização direta da liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático. Trabalhos experimentais recentes atribuem aos digitálicos importante ação autonômica, pela sua capacidade de aumentar a sensibilidade dos mecanismos barorreceptores e reflexos cardiopulmonares, através da estimulação direta dos receptores atriais e arteriais, com melhora do desempenho cardíaco. A perda da habilidade dos barorreceptores para modulação da ativação excessiva do SNS resulta em aumento da concentração sérica de noradrenalina, liberação de AVP e ativação do SRA, agravando ou exacerbando a IC. Parece não existir lesão anatômica dos receptores ou do soro reflexo, e sim uma ativação excessiva da bomba de sódio-potássio ATPase. A digital também provoca diminuição da velocidade de condução, aumento do período refratário do nodo A-V, diminuição do período refratário da musculatura atrial, aumento da automaticidade e da excitabilidade, estímulo direto sobre o sistema vagal com atuação sobre a condução do nodo A-V e freqüência cardíaca. A ação combinada inotrópica-bradicárdica da digital é ímpar, quando comparada à de outros agentes inotrópicos simpaticomiméticos que causam taquicardia. 1. Interação medicamentosa com digoxina a. Quinidina. A administração conjunta de quinidina-digoxina dobra o nível sérico da digoxina, provavelmente pela redução do clearance renal e extra-renal; a dose de digoxina a ser empregada deve ser reduzida à metade, com controle clínico e laboratorial (determinação do nível plasmático da digital). b. Verapamil. Podem ser aplicadas regras semelhantes às da quinidina. c. Amiodarona e propafenona. Também elevam o nível sérico da digoxina. d. Poupadores de potássio. Amilorida, triamtereno e espironolactona diminuem o clearance da digoxina em 20-30%. e. Inibidores da ECA. Diminuem a excreção renal da digoxina, com aumento no nível sangüíneo.

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f. Rifampicina. Acelera o metabolismo hepático da digoxina, o que é muito importante na insuficiência renal. g. Vasodilatadores. Hidralazina e nitroprussiato de sódio aumentam o fluxo renal e elevam a excreção da digoxina. O paciente com IC comumente requer terapêutica digitálica permanente. Todo profissional médico que trabalhe com esta substância deve obrigatoriamente saber manuseá-la bem e conhecer o tratamento adequado de suas complicações. Não existe dose ideal de digital, pois sabe-se que o aumento da contratilidade é conseguido por uma dose-limite da toxicidade. O uso dos glicosídeos é descrito no Quadro 49-5, sendo o desacetil-lanatosídeo-C uma preparação menos irritante e mais estável para uso endovenoso do que o lanatosídeo-C. Atualmente, a alta incidência de intoxicação digitálica levou os médicos a adotarem um esquema de digitalização lento e progressivo, em que uma dose equivalente à de manutenção é fornecida desde o início, quando uma concentração estável de digital é obtida em cinco a seis meias-vidas, ou seja, aproximadamente sete dias para a digoxina e 30 dias para a digitoxina. Comumente, determina-se a concentração sérica da digoxina para manter um nível terapêutico adequado, estabilizando-se entre 0,5 e 2,0 ng/ml. O Quadro 49-6 descreve as características da intoxicação digitálica. A escolha do glicosídeo será ditada pelo efeito imediato desejado e o conhecimento da farmacodinâmica da droga. Nas emergências, tais como edema pulmonar agudo e fibrilação atrial com resposta ventricular alta, administra-se desacetil-lanatosídeo-C (Desacil®) ou lanatosídeo-C (Cedilanide®) de meia a 1 ampola (0,2-0,4 mg) EV, a intervalos de duas a quatro horas, com dose total de 0,8 mg; outra opção é a digoxina, 1 a 1,5 ampola (0,5-0,75 mg), a cada duas a quatro horas, diminuindo-se a dose para a metade com a queda da freqüência ventricular; a dose de manutenção deve ser dada, com digoxina via oral. Em casos de necessidade moderada ou média, com boa função renal e controle clínico satisfatório, também se administra digoxina por via oral. Na presença de insuficiência renal, utiliza-se a digitoxina, por sua metabolização êntero-hepática. O emprego de digitais é contra-indicado nos casos de intoxicação digitálica, bloqueio A-V importante e arritmias ventriculares. Em alguns casos de síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW), as digitais podem acelerar a condução anterógrada da via de condução lenta e precipitar taquicardia ventricular (TV) ou fibrilação ventricular (FV). O eletrograma do feixe de His é importante nesses pacientes. 570

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As digitais não são úteis nos casos de IC sem déficit de contratilidade, como na IC diastólica e IC de alto débito por beribéri, anemia, tireotoxicose; devem ser empregadas com cautela na doença do nodo sinusal antes da implantação do marcapasso cardíaco. A hipopotassemia predispõe o miocárdio aos efeitos tóxicos das digitais. Contudo, é evidente, em pacientes com disfunção sistólica e ritmo sinusal, a utilidade do emprego crônico de digitálicos em um esquema terapêutico que inclua diuréticos e vasodilatadores. O Digitalis Investigators Group (DIG) é um ensaio clínico que está avaliando o efeito de digitálicos na sobrevida de pacientes com IC. C. Redução dos sintomas congestivos. Os rins, pela reabsorção de água e sódio, expandem o volume intravascular, aumentando o volume sangüíneo total, levando à congestão circulatória e ao edema. Esta é uma resposta renal à redução do débito cardíaco e da pressão arterial. Para combater esse mecanismo, procede-se à negativação do balanço de sódio com medidas dietéticas e diuréticas, com conseqüente redução da pré-carga. Como a dieta habitual contém cerca de 10 g de cloreto de sódio (170 mEq de sódio), reduzse a ingestão para 1,5-3,0 g/dia, nas formas leves de IC, e para 1,2-1,5 g/dia, nas formas mais avançadas. Para tanto, eliminam-se o sal dos alimentos e os alimentos pré-salgados, como enlatados, laticínios, pré-cozidos, entre outros. Os mecanismos de ação dos diuréticos são simples: eles aumentam a natriurese e a diurese, inibindo a reabsorção de sódio e água pelos rins, com conseqüente redução do volume intravascular, do volume ventricular e da pré-carga. Há diminuição da congestão visceral com a queda dos efeitos pressóricos retrógrados da IC. Há também uma vasodilatação pela redução do conteúdo de sódio da parede arteriolar, levando à queda da resistência vascular sistêmica e da pós-carga. Os diuréticos mais potentes aumentam a produção renal de prostaglandinas, antagonizando a retenção de sódio na IC. Existem três grandes grupos de diuréticos: os chamados diuréticos de alça, os tiazídicos e os poupadores de potássio. Cada tipo de diurético atua em local diferente do néfron, originando o conceito de bloqueio seqüencial do néfron. Os diuréticos de alça — furosemida e bumetanida — inibem o transporte de sódio, potássio e cloro no ramo ascendente da alça de Henle, fazendo com que estes elementos, mais os íons hidrogênio, permaneçam no lúmen da alça e sejam excretados na urina. O início da diurese ocorre 10-20 minutos após uma dose EV, e na dose oral o pico de ação está em torno de 1-1,5 hora. A excreção é renal. Uma vantagem adicional dos diuréticos de alça é a de que doses crescentes promovem aumento da diurese. Na oligúria, quando a taxa de filtração glomerular cai para abaixo de 20 ml/minuto, é necessária uma dose de 250-2.000 mg de furosemida, pois a presença do diurético no local de ação encontra-se diminuída, em conseqüência da queda do fluxo renal no túbulo proximal. Daí a vantagem de seu emprego na IC de difícil controle.

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Os diuréticos tiazídicos — hidroclorotiazida, diidroclorotiazida, clortalidona — e os agentes correlatos — metazolona, indapamida, xipamida — inibem a reaborção de sódio e cloro no túbulo distal e podem aumentar a excreção de potássio nesta região. Devido à boa absorção dos solutos nos segmentos proximais do néfron, a ação dos tiazídicos permite um aumento na excreção de sódio em apenas 5-8% da filtração glomerular, e com resultado ineficaz, quando a taxa de filtração glomerular é inferior a 30 ml/minuto e a creatinina plasmática maior do que 2,0 mg/dl. Os diuréticos tiazídicos são rapidamente absorvidos pelo trato gastrointestinal, produzindo diurese dentro de 1-2 horas, com tempo de ação de 6-12 horas no caso de hidroclorotiazida. Os diuréticos poupadores de potássio são representados pelo antagonista da aldosterona — a espironolactona — e pelos inibidores da condutância do sódio no duto coletor — amilorida e triamtereno. Recentemente, os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) — captopril, enalapril, lisinopril — têm sido considerados como suaves diuréticos retentores de potássio, pela sua ação antialdosterona. O Quadro 49-7 lista os diuréticos empregados na IC: hidroclorotiazida (Drenol®), diidroclorotiazida (Clorana®), clortalidona (Higroton®), espironolactona (Aldactone®), furosemida (Lasix®, Diusix,®) e bumetanida (Burinax®, Fluxil®). A furosemida, o mais potente diurético conhecido, tem indicação precisa em casos com insuficiência renal e na terapêutica endovenosa (p. ex., edema pulmonar agudo). A dose de furosemida endovenosa é de 20-40 mg lentamente (1-2 min) e pode ser repetida a cada duas ou três horas, num total de 40-120 mg/dia. A espironolactona (antagonista da aldosterona) aumenta a excreção de sódio, promove a retenção de potássio e diminui a excreção do íon hidrogênio, sendo um diurético fraco, porém útil quando associado a tiazídicos e à furosemida. Contra-indicada na insuficiência renal, a espironolactona é o diurético de escolha na presença de diabetes melito ou gota e quando é necessária a retenção de potássio; torna-se a terapia indicada na IC na presença de níveis elevados de mineralocorticóides, como durante corticoterapia ou na síndrome de Cohn. O médico deve estar familiarizado com os efeitos indesejáveis dos diuréticos, a saber: (a) hiperpotassemia conseqüente à oligúria, acidose metabólica, insuficiência renal ou abuso de antagonistas da aldosterona e inibidor ECA — deve-se atuar sobre as causas; (b) hipopotassemia conseqüente ao aumento da secreção de potássio pelo túbulo distal, cujo risco é grande com altas doses de furosemida EV ou na fase inicial do IAM, quando há hipopotassemia, mesmo na ausência da diureticoterapia. Nos pacientes em uso de digitais, quando em presença de hipomagnesiemia, a furosemida pode induzir arritmias ventriculares. O emprego de agentes poupadores ou retentores de potássio melhora a situação; (c) hiponatremia dilucional por excesso de água, sendo que o sódio pode estar elevado ou normal. Correção com restrição de água e, se necessário, diuréticos de alça; (d) alcalose metabólica com hipopotassemia e hipocloremia, sendo corrigida com cloreto de potássio; (e) hiponatremia com desidratação. O sódio encontra-se abaixo de 130 mEq e há 572

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perda de água. Utilizam-se bicarbonato de sódio, para repor o íon sódio, e hidratação oral ou endovenosa. É necessário dar atenção às chamadas alterações ortostáticas da freqüência cardíaca e pressão arterial, que indicam diurese excessiva e queda do volume extracelular; (f) hiperuricemia; (g) hiperglicemia; (h) discrasia sangüínea; e (i) hipercalcemia. Diminuindo o volume plasmático e, conseqüentemente, o volume e a pressão de enchimento ventricular, o diurético compromete o mecanismo de Frank-Starling, reduzindo o débito cardíaco e a perfusão tissular. O uso crônico do diurético leva ao surgimento de mecanismos regulatórios intra-renais com resistência por seus efeitos, seja na dose habitual ou mesmo aumentada. D. Vasodilatadores. Como na IC a reserva da pré-carga é inteiramente utilizada, sua elevação não aumenta o estiramento do sarcômero — que tem, como já vimos, um limite de 2,2 m — pelo mecanismo de Frank-Starling, distendendo apenas o interstício, o que leva a um aumento da pós-carga interna, pelo crescimento do raio e pela redução da perfusão coronária com isquemia subendocárdica. A diminuição da ejeção ventricular é uma conseqüência desses dois fatores: aumento da pós-carga interna e isquemia miocárdica. Esse desajuste da pós-carga (do inglês after-load mismatch) leva então à redução do volume sistólico e ao aumento da ativação neuroumoral, com piora da vasoconstrição, criando um ciclo vicioso que deverá ser interrompido com os vasodilatadores. Os vasodilatadores são usados em combinação com a terapêutica clássica. Um tratamento bem-sucedido com vasodilatadores pode levar a: (1) venodilatação e redução das pressões de enchimento ventricular; (2) redução dos hormônios vasoconstritores e antinatriuréticos/antidiuréticos; (3) vasodilatação renal e melhora do fluxo renal; (4) diurese, redução do volume extracelular, melhora hemodinâmica muscular; (5) diminuição da regurgitação mitral e da pós-carga e conseqüente aumento do volume sistólico; (6) aumento da atividade física pela diminuição da dispnéia; (7) capacidade vasodilatadora/metabólica do músculo esquelético aumentada, induzida pelo condicionamento; (8) capacidade aeróbica aumentada. O Quadro 49-8 mostra como se agrupam os vasodilatadores, de acordo com diferentes mecanismos de ação. Trabalhos atuais procuram mostrar a relação entre a prevenção e a regressão da hipertrofia miocárdica e o uso de vasodilatadores. 1. Nitratos. Estes fármacos (mono, di, tetranitratos e molsidonina) exercem a vasodilatação por ativação da guanilato-ciclase (GMPc) no músculo liso vascular, com produção do seu metabólito 5GMP, que ativa os canais de potássio e reduz o cálcio intracelular. O efeito hemodinâmico subseqüente é a redução das pressões de enchimento dos ventrículos direito e esquerdo.

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O emprego de nitrato isolado na IC ainda não tem seu papel bem definido quanto à melhora sintomática e à sobrevida; utiliza-se em associação com IECA ou hidralazina. No EAP da estenose mitral, o nitrato sublingual atinge uma boa resposta terapêutica. Para um tratamento ambulatorial a longo prazo, emprega-se o dinitrato de isossorbida (Isordil®), iniciado na forma sublingual, a fim de obter-se efeito estável, e na oral, como tratamento de manutenção. A dose sublingual varia de 5 a 10 mg a cada duas a quatro horas; a oral, de 10 a 40 mg, a cada seis horas. Como parâmetro de dose ideal, utiliza-se a queda da pressão arterial de 5 a 10 mmHg ou elevação da freqüência cardíaca de 5 a 10 bpm. Efeitos colaterais seriam cefaléia, hipotensão ortostática e vermelhidão cutânea, limitados às primeiras semanas de tratamento. Os nitratos orais atuam principalmente na dilatação dos vasos de capacitância (venoso), com seqüestro de sangue periférico (flebotomia farmacológica), e resultando em queda do débito cardíaco (DC). Este efeito é contrabalançado pela dilatação dos vasos de resistência (arterial) em associação à redução da regurgitação mitral, que leva, na prática, a um aumento do DC. O aumento do volume ejetado supera qualquer diminuição do DC. Os venodilatadores também levam à translocação de volume sangüíneo da circulação pulmonar e do VE para a circulação sistêmica. Assim, o nitrato está mais indicado em pacientes com pressão capilar pulmonar elevada e congestão pulmonar. A tolerância é um risco presente na terapia sustentada, e uma maneira de prevenir seu surgimento é a administração intermitente, permitindo algumas horas livres da ação do nitrato. Um estudo de Cohn e cols. mostrou que a administração de dinitrato de isosorbida na dosagem de 40 mg quatro vezes ao dia, associado à hidralazina, 300 mg/dia, resultou em benefício a longo prazo em pacientes com IC, sendo o primeiro trabalho a associar aumento na sobrevida com terapêutica vasodilatadora. 2. Prazosin. Outra substância é o prazosin (Minipress®), um bloqueador alfa-1-adrenérgico pós-sináptico — com pequena ação pré-sináptica — e inibidor da fosfodiesterase, que provoca vasodilatação arterial e venular, diminuindo a pressão arterial média, a pressão de enchimento ventricular, a resistência vascular sistêmica e o tônus venoso, com redução da congestão pulmonar e aumento do débito cardíaco. Além disso, ele também diminui a liberação de adrenalina por mecanismos centrais e periféricos. Há, com o prazosin, a chamada hipotensão da primeira dose, conseqüente à diminuição da pré-carga causada pela dilatação venosa, razão pela qual se inicia o tratamento por via oral com 1 mg à noite, aumentando-se gradualmente até o efeito desejado, que é obtido com uma dose de 2 mg duas vezes ao dia, elevando-se até o máximo de 20 mg/dia. Aumento da dose sem adaptação pode causar síncope, principalmente em associação com nitrato ou

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diurético potente. O tratamento inicial deve ser feito com controle rigoroso da pressão arterial. Um ponto negativo é a denominada tolerância à terapêutica prolongada, sendo necessário aumento da dose para se conseguir o mesmo efeito, que pode não permanecer a longo prazo. Além disso, o prazosin pode ativar o SRA. Vários estudos duplo-cegos mostraram que o prazosin não é efetivo a longo prazo na IC. Por isso, a droga atualmente está mais indicada na hipertensão arterial sistêmica, e não na IC crônica. 3. Hidralazina. É um vasodilatador que atua diretamente na musculatura lisa arteriolar — ativando canais de potássio ATP-sensíveis —, com algum efeito inotrópico positivo indireto. Sua ação provoca uma elevação no débito cardíaco, com pequena ou nenhuma diminuição na pressão pulmonar e nas pressões atriais, e discreto aumento na freqüência cardíaca. O uso continuado da hidralazina (Apresolina®) leva à tolerância da droga relacionada à farmacodinâmica ou à ativação compensatória dos sistemas vasoconstritores. Por este motivo, seu uso isolado na IC é controverso. Efeitos colaterais: retenção de fluidos — liberação de renina — que necessita terapêutica diurética; cefaléia, náuseas e dor abdominal podem ocorrer no início da terapia; a síndrome semelhante ao lúpus é rara com doses abaixo de 200 mg. Dose: em insuficiência ventricular esquerda crônica, emprega-se hidralazina VO 50-75 mg a cada seis horas, com dose máxima de 300 mg/dia, e associada a digital e diurético. O efeito benéfico permanece por quatro a seis semanas. Na IC pós-cirurgia é obtida melhora do quadro clínico dentro de oito horas, usando-se uma dose de 7,5 mg a cada quatro a seis horas e após uma dose-teste de 2,5-5,0 mg EV. O uso a longo prazo da associação hidralazina com dinitrato de isosorbida reduz o índice de mortalidade na IC, como já foi dito. 4. Nitroprussiato de sódio. É considerado um vasodilatador semelhante ao nitrato. Em Unidade de Tratamento Intensivo, com parâmetros hemodinâmicos monitorados, usa-se o nitroprussiato de sódio (Nipride®) para efeito imediato e de curta duração, nos casos de IC grave e instável, como ocorre no IAM, na insuficiência valvular — mitral ou aórtica —, na IC pós-cirurgia cardíaca e em pacientes com exacerbação da IC crônica. O nitroprussiato de sódio relaxa os músculos lisos arteriolares e venosos, sem qualquer efeito sofre o trato gastrointestinal ou o útero, levando à dilatação dos vasos de resistência e capacitância, com conseqüente redução da pós e da pré-carga, respectivamente. Há também aumento do débito cardíaco e diminuição da freqüência cardíaca. O nitroprussiato de sódio é administrado por infusão venosa lenta, iniciando-se com 10 mg/minuto, com acréscimos de 5-10 mg/minuto, até que se alcance o efeito desejado 575

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(usam-se como parâmetros a pressão de enchimento, o débito cardíaco e a pressão arterial) ou sobrevenha toxicidade. A posologia média para a maioria dos pacientes é de 50-150 mg/minuto e a máxima, de 300 mg/minuto, sendo o início da ação instantâneo, com desaparecimento do efeito poucos minutos após cessada a infusão. O efeito colateral mais comum é a hipotensão excessiva, que limita seu emprego. O produto final da degradação no nitroprussiato de sódio é o tiocianato, que é excretado pelos rins com meia-vida de quatro a sete dias e que é tóxico para o sistema nervoso central. Nos casos de insuficiência renal com infusão prolongada (além de 48 horas), pode haver intoxicação por tiocianato, que se caracteriza por náuseas, soluços, anorexia, confusão mental transitória, acidose lática, hipotireoidismo e espasmos musculares. O nitroprussiato de sódio, por ser sensível à luz e instável em solução aquosa, deve ser recém-preparado e abrigado da luz. Pode ser empregado em associação com agentes inotrópicos, como dopamina, dobutamina e os digitálicos, para melhorar os efeitos hemodinâmicos. Contra-indicações: hipotensão prévia — sistólica menor do que 90 mmHg e diastólica menor do que 60 mmHg —, e, como todos os vasodilatadores, na cardiopatia valvular obstrutiva — aórtica, mitral, estenose pulmonar —, na CIV, em que, devido à vasodilatação periférica, leva ao aumento da resistência vascular pulmonar com elevação do shunt esquerda-direita. Por causa da necessidade de monitoração contínua e de sua alta sensibilidade, o uso de nitroprussiato na IC severa está sendo substituído por nitratos ou dilatadores inotrópicos e pela nifedipina, na crise hipertensiva com falência ventricular esquerda. 5. Captopril. O captopril (Capoten®, Catoprol®, Hipocatril®) é um agente vasodilatador usado na IC, tanto nas formas leves como avançadas, cuja eficácia é comprovada em estudos bem-sucedidos utilizando captopril, enalapril e lisinopril. É um inibidor da enzima conversora (IECA) responsável pela transformação da angiotensina I em angiotensina II. Os IECA também bloqueiam a cininase plasmática, inibindo a degradação da bradicinina, que aumenta a síntese de prostaglandinas (PGE2, PGI2) vasodilatadoras. Há também um aumento da atividade parassimpática e redução dos efeitos inibitórios da angiotensina II na sensibilidade barorreceptora, com recuperação da função barorreflexa deprimida. O aumento dos níveis circulantes da bradicinina, que é um vasodilatador, explica a incidência relativamente alta de tosse e o raro angioedema como efeitos colaterais dos IECA. Trabalho de McEwan Jr. e cols. mostrou melhora da tosse com emprego de sulindac (Clinoril®), um antiinflamatório não-esteróide. Convém lembrar que o uso de antiinflamatórios não-esteróides diminui o efeito vasodilatador do IECA.

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Esse grupo de vasodilatadores diminui a circulação da angiotensina II, aldosterona, arginina-vasopressina e noradrenalina e aumenta a renina, o potássio e o magnésio. O captopril na IC aumenta o débito cardíaco e diminui as resistências vasculares pulmonar e periférica. Sua absorção por via oral é rápida, com pico máximo em torno de uma hora, com meia-vida de eliminação em torno de quatro horas. Para diminuir o efeito hipotensor transitório, emprega-se uma dose inicial de 6,25 ou 12,5 mg três vezes ao dia, por via oral, aumentando-a para 25 mg, até que seja atingida uma dose de 50 mg três vezes ao dia, mantida por várias semanas, para determinação da ocorrência de resposta satisfatória. Não deve ser ultrapassada a dose máxima diária de 450 mg. Como existe diminuição dos níveis plasmáticos de aldosterona, o paciente com insuficiência renal corre o risco de hiperpotassemia grave, fato que não deve ser esquecido. Existe risco de hipotensão quando há depleção de volume, principalmente em pacientes com pressão arterial normal ou baixa. Outros efeitos colaterais são: leucopenia, alterações gustativas, erupções cutâneas e proteinúria. 6. Enalapril. O maleato de enalapril (Renitec®, Eupressin®, Atens®) é similar ao captopril, exceto por: (a) uma vida média longa — 7-8 horas na IC e 4-5 horas na hipertensão arterial sistêmica; (b) um início de ação lento devido à necessidade da passagem hepática da droga e a hidrólise para a forma ativa — enaprilat; (c) ausência de grupo sulfidrila (SH) na estrutura química. Na IC emprega-se uma dose inicial de 2,5 mg (risco de hipotensão arterial e insuficiência renal) em estrita vigilância, se possível hospitalar, com dose de manutenção de 10-20 mg duas vezes ao dia. Associada a diurético e digital, uma dose única diária de 5 mg mostra bons resultados. Efeitos colaterais: tosse seca, hipotensão arterial, glomerulopatia membranosa (doses elevadas), gosto metálico e hiperpotassemia. 7. Lisinopril. O lisinopril (Zestril®, Privinil®) difere dos outros dois IECA por suas propriedades farmacocinéticas: não é uma pró-droga, não é metabolizado no fígado, é solúvel em água e excretado sem modificações pelos rins. Sua vida média é longa (12-24 horas), com tempo de ação excedendo 24 horas. Seu efeito se inicia duas horas após ingestão oral, com pico de ação de quatro a oito horas. A estrutura química também não contém grupo SH. Doses iniciais de 2,5-5 mg com manutenção de 10-20 mg/dia. O Consensus Trial Study Group e o estudo SOLVD mostraram a potencialidade dos IECA, associados ao digital e ao diurético, em prolongar a sobrevida, firmando um papel definitivo desses agentes na terapêutica da IC associada à dilatação ventricular e à disfunção sistólica. Outros estudos mostram que, na IC, o captopril e o enalapril apresentam efeito antiarrítmico que poderia ser explicado por hiperpotassemia, redução da sobrecarga e distensão ventricular, queda no consumo de oxigênio, melhora da isquemia miocárdica e abrandamento da atividade simpática com redução da noradrenalina circulante. 577

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Devido ao risco de hiperpotassemia, mesmo discreta, durante o emprego dos IECA deve-se evitar a administração de sais de potássio ou diuréticos poupadores de potássio. Os IECA formam o grupo de vasodilatadores próximos ao fármaco ideal no tratamento da IC sistólica nas formas leve e grave, pelas propriedades que têm de melhorar os sintomas e reduzir a mortalidade a curto e longo prazos. Os vasodilatadores interferem com os processos de remodelagem e hiperativação neuroumoral pela diminuição do estresse sistólico e/ou diastólico. A queda desse estresse interrompe a estimulação dos genes responsáveis pela síntese de colágeno e de proteínas contráteis (proto-oncogenes). E. Inodilatadores. Os inibidores da fosfodiesterase, os agentes simpaticomiméticos e os fármacos dopaminérgicos, são chamados de inodilatadores, porque combinam efeitos inotrópicos positivos e vasodilatadores periféricos. Na IC que não responde bem à terapêutica clássica por via oral, associada aos vasodilatadores citados no item anterior, está indicado suporte inotrópico adicional, conseguido com dopamina (Revivan®), dobutamina (Dobutrex®), amrinona (Inocor®) e milrinona (Primacor®). 1. Drogas simpaticomiméticas. Os fármacos simpaticomiméticos mostram respostas atenuadas com o uso crônico (down regulation dos receptores beta-1), assim como piora das arritmias e da isquemia miocárdica, vindo daí a sua aplicação em curto prazo. a. Dopamina. É uma catecolamina endógena que apresenta efeitos alfa e beta, aumentando a contratilidade ventricular, sem mudança importante na resistência vascular sistêmica ou na freqüência cardíaca, de acordo com a dose empregada. Somente deverá ser considerada como opção quando houver hipotensão grave. A dopamina é o precursor imediato da noradrenalina na seqüência metabólica das catecolaminas. A contratilidade miocárdica é estimulada pela dopamina por meio de dois mecanismos; (1) atuando diretamente nos receptores beta-1 adrenérgicos; (2) atuando indiretamente por meio da liberação da noradrenalina nas terminações nervosas simpáticas, as quais também estimulam os receptores beta-1. A dopamina é inativa por via oral, mas por via endovenosa é metabolizada em poucos minutos pela dopamina beta-hidroxilase e pela monoaminoxidase. Em doses baixas — menores do que 2 mg/kg/minuto —, agindo nos receptores dopaminérgicos-1, sua principal ação consiste na redução da resistência vascular coronária, mesentérica e renal, com aumento da diurese. Em doses médias — 2-5 mg/kg/minuto —, evidencia-se o efeito beta-1 estimulante, com aumento da contratilidade miocárdica e do débito cardíaco, discreta vasodilatação periférica, pequena alteração da freqüência cardíaca e aumento adicional da diurese. 578

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Doses maiores — 5-10 mg/kg/minuto — apresentam efeitos indesejáveis, como aumento da resistência periférica total, com conseqüente elevação da pressão arterial, aumento da freqüência cardíaca, maior irritabilidade ventricular e fluxo sangüíneo renal podendo diminuir. Nesta dose, a vasoconstrição generalizada das artérias e veias é devida à ativação dos receptores alfa-1 adrenérgicos e dos receptores serotonina-sensíveis, e há risco de surgimento de arritmias ventriculares importantes. Ocorre também aumento das pressões de enchimento do VE. A dose deve ser mantida tão baixa quanto possível para que seja alcançado o efeito desejado, e em tratamento a curto prazo. A combinação dopamina-vasodilatador (nitroprussiato de sódio) ou dopamina-dobutamina é mais indicada do que o aumento da dose de dopamina. A dopamina é comumente empregada na insuficiência miocárdica — síndrome de baixo débito — pós-cirurgia cardíaca. Está contra-indicada em arritmias ventriculares, feocromocitoma e durante o emprego de ciclopropano ou anestésicos hidrocarbonetos halogenados. Deve ser administrada em veia central com cateter de plástico, pois seu extravasamento pode causar necrose local. Na IC, administra-se dopamina EV na dose de 0,5-1,0 mg/kg/minuto, que é elevada até que seja alcançado o fluxo urinário desejado, com controle sobre a pressão arterial e a freqüência cardíaca. Na prática, diluem-se cinco ampolas de dopamina (ampola = 10 ml com 50 mg de substância ativa) em 200 ml de SGI 5%, obtendo-se uma concentração de 1,25 mg/ml, deixando correr a 12 microgotas/minuto (0,25 mg/minuto) e observando-se o resultado. Pode-se também diluir em SF 0,9%. A droga não deve ser diluída em bicarbonato de sódio ou outras soluções alcalinas. No equipo convencional, 1 ml = 20 gotas = 60 microgotas. b. Ibopamina. Considerada um agente dopaminérgico, é quimicamente um éster diisobutírico de N-metildopamina, e, após ser hidrolisada por esterases plasmáticas, se transforma em epinina, seu metabólito ativo. Efetiva por via oral, atua nos receptores adrenérgicos (alfa-1, alfa-2, beta-1 e beta-2) e dopaminérgicos (DA 1 e DA 2). A vasodilatação é mediada por ativação de receptores póssinápticos dopaminérgicos e adrenérgicos beta-2, e por um efeito indireto pré-sináptico (alfa-2) e dopaminérgico (DA 2) inibindo a liberação de noradrenalina. Sua ação em receptores cardíacos beta-1 e beta-2 resulta em efeito inotrópico positivo. A ibopamina (Escandine®) difere da dopamina por apresentar maior ação vasodilatadora, devido a sua melhor atuação sobre os receptores dopaminérgicos. Assim, apresenta um perfil hemodinâmico semelhante aos IECA, com um leve efeito inotrópico pela ação sobre receptores beta-1. Agindo em múltiplos receptores, a ibopamina eleva o débito cardíaco, reduz a resistência vascular periférica, aumenta o fluxo renal, não induz alterações importantes na pressão 579

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arterial ou na freqüência cardíaca e exerce uma modulação neuroumoral importante, com redução das atividades do SNS e do SRA. A dose é de 50-100 mg, via oral, duas a três vezes ao dia (Escandine® — comprimidos de 50 a 100 mg). Pelos estudos presentes, a ibopamina apresenta um perfil alternativo aos pacientes que não toleram digitálicos ou IECA, ou mesmo uma associação com esses fármacos no tratamento da IC grave. c. Dobutamina. É uma amina simpaticomimética sintética que estimula receptores beta-1 e beta-2 e receptores alfa-adrenérgicos. Sua atividade beta-1 predomina sobre a beta-2, e a alfa-1 predomina sobre a alfa-2. Não altera o fluxo sangüíneo renal, ao contrário da dopamina, mas redistribui o débito cardíaco a favor de leitos esqueléticos e coronarianos, em detrimento do mesentérico e renal. A dobutamina não estimula a liberação de noradrenalina nas terminações nervosas simpáticas nem ativa os receptores dopaminérgicos. Ela melhora o volume sistólico e reduz as pressões de enchimento ventricular, sem alteração importante da pressão arterial e da freqüência cardíaca. Pode ser empregada cautelosamente na IC como um agente inotrópico, aumentando o débito cardíaco, enquanto reduz a pressão de enchimento ventricular, ou então nos casos selecionados de IAM com IC e baixo débito, sem risco de aumentar o tamanho do infarto ou induzir arritmias. Está indicada também na IC aguda do pósoperatório da cirurgia cardíaca. Uma infusão venosa é rapidamente absorvida, tendo vida média de 2,4 minutos. Os efeitos benéficos da dobutamina são observados durante curtos períodos da administração, passível de taquifilaxia e revelando que seu uso prolongado não mostra efeito sustentado, associando-se ao aumento da mortalidade. A velocidade de infusão endovenosa deve começar com 2,5 mg/kg/minuto e ser gradualmente aumentada até que se atinja a resposta hemodinâmica máxima, ou a dose de 10,0 mg/kg/minuto. O surgimento de efeitos colaterais, como taquicardia ou outras arritmias cardíacas, exige um reajuste das doses para níveis mais baixos. Na prática, dilui-se uma ampola de dobutamina (250 mg) em 230 ml de SGI 5% ou SF 0,9%, obtendo-se uma concentração de 1 mg/ml, e infunde-se EV a 20 microgotas/minuto (0,33 mg/minuto), observando-se o efeito alcançado. Os efeitos indesejáveis mais sérios das aminas simpaticomiméticas e dos inibidores da fosfodiesterase (dopamina, dobutamina, noradrenalina, adrenalina, isoproterenol, salbutamol, terbutalina, amrinona, milrinona) constituem as arritmias cardíacas. Os estudos eletrofisiológicos revelam que estas aceleram a despolarização espontânea das células sinoatriais, aumentando a freqüência cardíaca, acelerando a despolarização diastólica e facilitando a ativação de marcapassos latentes, encurtando o período refratário dos músculos atrial e ventricular e acelerando as conduções atrial e ventricular.

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d. Avaliação da dopamina e da dobutamina. A escolha entre estas duas substâncias baseiase na situação clínica de cada paciente. A dobutamina é superior à dopamina em pacientes com síndrome de baixo débito associada à cardiopatia isquêmica, pelo seu efeito sobre determinantes do consumo de oxigênio miocárdico (MVO2): reduz a pressão de enchimento ventricular e tem pequeno efeito sobre a freqüência cardíaca e a pressão aórtica. A dobutamina seria mais cardiosseletiva. O índice de consumo de oxigênio miocárdico, medido pelo produto entre freqüência cardíaca e pressão arterial sistólica, aumenta muito mais com a dopamina do que com a dobutamina, confirmando o que já foi dito. Como parte do efeito inotrópico positivo da dopamina se faz pela liberação de catecolaminas cardíacas endógenas, que podem estar diminuídas na IC, baixas doses desta substância podem ser ineficientes para o aumento desejado do débito cardíaco, enquanto a elevação da dose pode trazer vasoconstrição indesejável. Esta propriedade vasoconstritiva torna-se útil em pacientes com hipotensão franca. Hoje há uma conduta eletiva de se utilizar dopamina em baixas doses (1,2-2,5 mg/kg/minuto) para se obter vasodilatação seletiva em leitos vasculares mesentéricos e renais, combinada com dobutamina ou com vasodilatador (nitroprussiato de sódio), para obtenção da melhora hemodinâmica. A associação dopamina-dobutamina está indicada em hipotensos limítrofes ou em pacientes com doença vascular preexistente, particularmente nos casos de doença arterial coronariana em que o fluxo arterial dos órgãos vitais depende muito da pressão arterial. Já a associação dopamina-nitroprussiato de sódio está indicada na emergência de pacientes que exigem rápida redução da pressão venosa pulmonar. Esta combinação aumenta consideravelmente o débito cardíaco, reduzindo de maneira satisfatória a pressão de enchimento elevada. Desde o final da década de 70, tem sido empregado o uso intermitente e ambulatorial de infusões curtas (72 horas) de dobutamina para a manipulação de IC grave e, na atualidade, em especial para pacientes em lista de espera de transplante cardíaco. A universalização deste procedimento é questionada, em decorrência da alta mortalidade. e. Salbutamol (Aerolin®) e terbutalina (Bricanyl®). São aminas simpaticomiméticas também oralmente ativas e que foram introduzidas no mercado como broncodilatadores. Estes beta-agonistas não mostraram ser efetivos no tratamento da IC em ensaios clínicos randomizados duplo-cegos. Seu uso traz tolerância a médio e longo prazos, e com doses elevadas surgem efeitos colaterais importantes. 2. Inibidores da fosfodiesterase. As drogas que integram este grupo incluem a amrinona, a milrinona e os mais recentes, enoxinona, imadozan, pimobendan e vesnarinona. Os inibidores da fosfodiesterase atuam como agentes inotrópicos positivos, aumentando a contratilidade cardíaca por meio de elevação na concentração do AMP cíclico do coração em falência, acelerando a entrada de cálcio nos miócitos pela ativação de canais e membrana. Também é atribuído a estas drogas um efeito vasodilatador direto associado ao aumento do AMP cíclico.

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Já que o mecanismo de ação desses fármacos é diferente daquele dos simpaticomiméticos, eles resultam em efeitos hemodinâmicos adicionais quando administrados em associação com a dobutamina. O emprego desse grupo de drogas revela uma vantagem particular quando está associado ao quadro um componente reversível, como na depressão miocárdica do pós-operatório de cirurgia cardíaca e na insuficiência ventricular esquerda secundária a IAM com isquemia residual reversível. A tendência atual é a utilização de doses menores dessas drogas, apesar de não estar bem definido o mecanismo de ação dos resultados encontrados nos ensaios terapêuticos atuais: efeitos inotrópicos positivos, efeitos vasodilatadores, efeitos antiarrítmicos ou efeitos imunológicos. a. Amrinona. Esse fármaco é mais potente do que a dopamina e a dobutamina em reduzir as pressões de enchimento ventricular direita e esquerda, para a mesma elevação do débito cardíaco. Ela é rapidamente distribuída na circulação, com vida média de quatro horas, que se mantém um pouco prolongada na IC. A maior parte da substância é excretada na urina, alguma parte é metabolizada, enquanto o restante é excretado nas fezes. Em pacientes com IC há aumento no débito cardíaco e na fração de ejeção ventricular esquerda, associada à diminuição da pressão de enchimento ventricular. As contra-indicações seriam: IAM com risco de arritmias, estenoses aórtica ou pulmonar e miocardiopatia hipertrófica, devido ao risco de agravamento da obstrução. A dosagem média EV seria de 3,0 mg/ml com diluição em soro fisiológico (Inocor®) — 1 ampola de 20 ml = 100 mg de amrinona com 5 mg/ml —; não deve ser diluída em soro glicosado ou empregada associada à furosemida no mesmo equipo, devido à formação de precipitados. O esquema posológico utilizado pode ser: iniciar a terapia com uma aplicação EV em bolo de 0,75 mg/kg lentamente, em dois a três minutos; continuar a terapia com uma infusão de manutenção entre 5 e 10 mg/kg/minuto; de acordo com a resposta clínica, uma nova injeção endovenosa em bolo (0,75 mg/kg) pode ser fornecida 30 minutos após o início da terapia; a velocidade de infusão endovenosa varia entre 5 e 10 mg/kg/minuto, de modo que a dose total (inclusive as injeções em bolo) não ultrapasse 10 mg/kg; a velocidade de aministração e a duração da terapia devem estar de acordo com a resposta do paciente. A associação dobutamina-amrinona resulta em aumento do desempenho ventricular esquerdo, a partir do aumento no pico positivo da relação força-velocidade (dP/dt). Nesta associação, os pacientes recebem, em bolo, doses moderadas (1,9 mg/kg/minuto) de amrinona endovenosa e dobutamina, na dosagem de 10 mg/kg/minuto, empregando-se o esquema habitual. Com a utilização endovenosa, os efeitos colaterais são raros, mas incluem: trombocitopenia, arritmias ventriculares, hepatotoxicidade, hipotensão e possíveis reações de hipersensibilidade. Ensaios clínicos mostram uma substância congênere da

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amrinona, denominada milrinona, com mecanismo de ação similar, mas com uma potência cerca de 20 vezes superior, menores efeitos colaterais e ação efetiva no tratamento da IC. b. Milrinona. É um inibidor da fosfodiesterase que apresenta efeitos inodilatadores e lusitrópicos sustentados, com menor incidência de efeitos adversos. Sua administração resulta em aumento agudo da capacidade funcional, ao contrário dos vasodilatadores.

A milrinona deve ser administrada no esquema de dose de ataque em bolo de 50 mg/kg, lentamente, em cerca de 10 minutos, e seguida de infusão contínua em dose mínima de 0,375 mg/kg/minuto, com dose total diária de 0,59 mg/kg, observando-se as respostas clínica e hemodinâmica e sempre com o objetivo de tratamento a curto prazo. Uma ampola de 20 ml = 20 mg de lactato de milrinona, com 1 mg/ml. Entre a milrinona e a furosemida há uma interação química imediata, com formação de precipitado, razão pela qual estas drogas não devem ser administradas em conjunto. Com os resultados atuais, os inibidores da fosfodiesterase não apresentam suporte científico para uso rotineiro via oral no tratamento da IC grave, devido ao aumento da mortalidade. F. Antiarrítmicos. Como medida preliminar nos quadros de falência cardíaca, para prevenção e tratamento das arritmias, devem-se corrigir ou atenuar todos os fatores arritmogênicos: distúrbios eletrolíticos — especialmente hipopotassemia e hipomagnesiemia —, controle da concentração sangüínea da digital dentro do limiar terapêutico, hiperatividade simpática e isquemia miocárdica. Existe dúvida quanto ao uso de agentes antiarrítmicos, especialmente amiodarona, em pacientes portadores de insuficiência cardíaca. Aspectos negativos quanto ao seu emprego são: (a) interação medicamentosa com a digital; (b) alteração de sua farmacocinética na IC, especialmente na presença de disfunção hepática e renal; (c) a presença de efeito próarrítmico em aproximadamente 10% dos pacientes; (d) desaparecimento gradual de sua utilidade com a progressão da disfunção sistólica. É sabido que a amiodarona reduz a incidência de fibrilação ventricular ou morte por arritmia entre os sobreviventes dos quadros de infarto agudo do miocárdio (estudo CAMIAT — Canadian Amiodarone Myocardial Infarction Arrhythmia Trial). Na insuficiência cardíaca, entretanto, seu uso benéfico só foi demonstrado em pacientes portadores de doença não-isquêmica. A associação da amiodarona a betabloqueadores mostrou-se benéfica nos pacientes com IC, mas o uso desta combinação de drogas em maior escala depende de mais estudos, não realizados até o momento. G. Anticoagulantes. A anticoagulação na IC visa prevenir fenômenos tromboembólicos, especialmente embolia pulmonar, sendo aceitas como indicações as seguintes situações: (1) antecedentes de tromboembolismo; (2) fibrilação atrial; (3) trombo intracavitário; (4) aneurisma ventricular; (5) congestão visceral; (6) repouso prolongado. 583

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Em situações crônicas, usa-se o warfarin por via oral, de maneira convencional, mantendose o controle da anticoagulação por meio de dosagens seriadas do RNI; este deve ser mantido nos valores entre 2,0 e 3,0. Mantêm-se as contra-indicações para a terapia anticoagulante e deve-se ter cautela com associação de medicamento que possa interferir com seus efeitos; atenção especial aos pacientes idosos e de níveis socioeconômico e intelectual baixos, pois o controle seriado do RNI é fundamental na anticoagulação oral. H. Betabloqueadores 1. Carvedilol. O betabloqueador carvedilol (Coreg®, Divelol®) é um betabloqueador de terceira geração, com atuação bloqueadora nos receptores beta-1, beta-2 e alfa-1. A associação do efeitos betabloqueador e a vasodilatação (bloqueio alfa-1) causada pelo carvedilol diminui sensivelmente o trabalho miocárdico, reduzindo os três componentes responsáveis pela demanda de oxigênio (a freqüência cardíaca, a contratilidade e a tensão na parede ventricular). O efeito vasodilatador do carvedilol, conseqüência do efeito alfa-1, leva a uma diminuição da pós-carga, resultando em uma diminuição da impendância à ejeção do ventrículo esquerdo, abolindo o efeito inotrópico negativo anormalmente causado pelo betabloqueador; como conseqüência, ocorre um aumento no débito cardíaco de pacientes tratados com carvedilol, melhorando a classe funcional e a tolerância ao exercício dos mesmos. O carvedilol e vários de seus metabólitos têm ainda uma importante ação antioxidante, que é a parte responsável pelo efeito cardioprotetor desta droga, diminuindo a mortalidade que ocorre na ICC. O carvedilol não deve ser usado isoladamente no tratamento da ICC: os melhores efeitos são obtidos quando associado a diuréticos e inibidores da enzima de conversão. A dose recomendada é de 3,125 mg, duas vezes ao dia, por duas semanas; se bem tolerada, deve ser dobrada para 6,25 mg, duas vezes ao dia, por mais duas semanas. Se esta dose se mantiver bem tolerada, dobrar a dose a cada duas semanas. A dose máxima recomendada é de 25 mg duas vezes ao dia, para pacientes com menos de 85 kg, e 50 mg duas vezes ao dia, para pacientes com mais de 85 kg. As contra-indicações incluem: ICC descompensada, asma brônquica, BAV de segundo grau, BAV de terceiro grau, doença do nó sinusal, bradicardia grave e choque cardiogênico. 2. Outros betabloqueadores. Ocasionalmente podem ser utilizados, em doses pequenas (propranolol 10-20 mg duas vezes ao dia/metoprolol 50 mg duas vezes ao dia), sob controle rigoroso em regime de hospitalização, sendo reservados a pacientes com freqüência cardíaca alta e pressão arterial elevada ou normal, sem resposta a tratamento adequado com digital, diurético e vasodilatador. 584

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Entre possíveis mecanismos de ação dos betabloqueadores úteis na IC encontramos: diminuição da atividade nervosa simpática que se encontre excessivamente elevada; diminuição da atividade dos sistemas renina-angiotensina e arginina-vasopressina; diminuição da freqüência cardíca, do consumo de oxigênio (MVO2) e do potencial de arritmias; reversão — regulação inferior dos receptores beta-adrenérgicos miocárdicos; aumento da sensibilidade miocárdica à estimulação beta-agonista; e proteção miocárdica contra efeitos tóxicos diretos da noradrenalina. Deve-se ficar alerta para o fato de que, em certos pacientes com esta síndrome, a função cardíaca é dependente da estimulação beta-adrenérgica, e há um potencial de agravamento clínico-hemodinâmico com o emprego do betabloqueador. Os betabloqueadores podem causar uma exacerbação inicial da insuficiência cardíaca; assim, pacientes em classe funcional IV da NYHA não devem receber estes medicamentos, pelo menos na fase inicial do tratamento. I. Antagonista da angiotensina II. A angiotensina tem importantes efeitos sobre o sistema cardiovascular: age diretamente na musculatura lisa da parede vascular, levando a uma vasodilatação. Age também na coagulação e na fibrinólise, aumenta a atividade do sistema venoso simpático e estimula a proliferação de fibroblastos, o que contribui para a hipertrofia cardíaca. Portanto, existem várias razões para a utilização de um inibidor da angiotensina II no tratamento da insuficiência cardíaca. Os inibidores da angiotensina II podem ser usados como uma alternativa aos inibidores da ECA, quando os efeitos colaterais destes impedem a sua utilização. O espectro de ação é semelhante ao dos inibidores da ECA, sendo tão efetivos quanto estes na redução da morbidade e da mortalidade. Drogas: valsartan (Diovan®) — 80 mg/dia; losartan (Redupress®) — 50 mg/dia; ibesartan (Avapro®) — 150 a 300 mg/dia. XI. Outras Medidas Terapêuticas A. Tratamento cirúrgico da insuficiência cardíaca. Apesar do avanço terapêutico no tratamento clínico da IC, com relativo sucesso na melhora dos sintomas, a mortalidade ainda é preocupante. Esta situação fez com que outras terapêuticas, inclusive cirúrgicas, fossem procuradas para o tratamento. As opções para o tratamento cirúrgico são: (1) transplante cardíaco; (2) cardiomioplastia; (3) revascularização miocárdica; (4) reconstrução do ventrículo esquerdo; (5) troca valvular. 1. Transplante cardíaco. Há uma forma de IC, denominada intratável, na qual se encontra uma doença cardíaca severa, resistente a todas as medidas terapêuticas conhecidas, determinando inaceitável qualidade de vida, com ou sem sintomas limitantes, e com alto 585

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risco de morte de origem cardíaca — este é o paciente com indicação para um transplante cardíaco. Este processo foi introduzido pelo cirurgião sul-africano Christian Barnard, em 1967. A melhora dos resultados recentes deve-se à potência e à efetividade do agente imunossupressor denominado ciclosporina A. O receptor deve estar psicologicamente estável, ter idade-limite de 50 anos e boa aceitação com esta terapêutica médica. Constituem contra-indicações para o transplante cardíaco a hipertensão pulmonar grave (atualmente são feitas cirurgias de transplante duplo, ou seja, coração-pulmão), doença pulmonar parenquimatosa, infarto pulmonar recente, anticorpos citotóxicos, diabetes melito insulino-dependente, outras doenças capazes de limitar a sobrevida ou a reabilitação e impossibilidade de permanecer próximo ao centro de transplante ou condição social que impeça a aderência ao protocolo. A sobrevida reportada pelo Registro da Sociedade Internacional para Transplante de Coração e Pulmão, em 1993, é de 78% no primeiro ano e de 70% no quinto ano após o transplante. 2. Cardiomioplastia. O transplante cardíaco é um procedimento limitado pelo número restrito de doadores e pela seletividade na escolha dos receptores, com indicações para pequeno número de pacientes. Por estas limitações, a cardiomioplastia tem sido proposta como um tratamento alternativo para a IC. Apresentada em 1985 pelo cirurgião francês Alain Carpentier, a técnica consiste na utilização do músculo grande dorsal esquerdo, que permanece fixo para a irrigação sangüínea à altura da axila, para “envolver” o coração. Ao conjunto é ligado um marcapasso que faz o enxerto muscular contrair-se sincronizadamente com o coração, com força adicional. Estatística do Instituto do Coração (FMUSP) mostra que a sobrevida para portadores de miocardiopatia dilatada idiopática submetidos a cardiomioplastia foi de 87, 79 e 68%, respectivamente, aos 6 meses, 1 ano e 18 meses de evolução. Apesar destes efeitos benéficos, a morte súbita é um fator limitante de sobrevida. No momento atual, este procedimento está em leve declínio. 3. Cirurgia de revascularização miocárdica. A causa de muitos dos quadros de falência cardíaca é uma situação na qual uma parte do tecido miocárdico se encontra paralisado por uma situação reversível de isquemia (ou seja, ao se revascularizar uma determinada área isquêmica paralisada, esta pode vir a se tornar funcionante). Para que uma avaliação adequada destas áreas seja realizada, exames que detectem a viabilidade miocárdica devem ser realizados (p. ex., cintilografia miocárdica com teste de viabilidade miocárdica com dobutamina). Uma vez determinado que uma determinada área pode vir a ser revascularizada, e estando indicado tratamento cirúrgico, a cirurgia é realizada de maneira convencional, dando-se ênfase especial à proteção miocárdica 586

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peroperatória. Nestes casos, o uso de cardioplegia sangüínea normotérmica é a técnica mais adequada. 4. Ventriculectomia redutora (procedimento de Batista). Em 1995, Randas Batista, no Paraná, introduziu a técnica da ventriculectomia redutora. Esta cirurgia de redução ventricular visa à ressecção de uma região do miocárdio. O procedimento tem como base a Lei de Laplace: uma redução no raio global do ventrículo esquerdo possibilita a diminuição da tensão na parede, resultando em aumento global na eficiência contrátil do coração. Na Cleveland Clinic, a fração de ejeção ventricular média dos pacientes submetidos a esta cirurgia é de 13%. Contra-indicações relativas ao procedimento incluem a miocardiopatia isquêmica extensa, fibrose miocárdica acentuada, e miocardite ativa. Na ventriculectomia, resseca-se a musculatura da parede lateral do ventrículo esquerdo, entre os músculos papilares, com a média de peso de 95 gramas. Adicionalmente, é realizada plastia da valva mitral (ou a substituição valvar mitral) em boa parte dos casos. No pós-operatório, os pacientes são tratados com a terapêutica médica padrão para ICC (inbidor da ECA, diuréticos e digoxina), amiodarona empírica e anticoagulação sistêmica. Na Mayo Clinic, todos os pacientes recebem ainda um desfibrilador implantável. Os resultados obtidos são variados. Muitas vezes, é difícil identificar qual paciente poderá beneficiar-se com o procedimento — provavelmente o indicativo mais importante em relação ao sucesso do procedimento seja o grau de fibrose miocárdica que o paciente apresenta previamente (aqueles com fibrose “severa” têm maior possibilidade de insucesso). Uma avaliação adicional mais profunda do procedimento de ventriculectomia redutora é claramente necessária, e alguns estudos clínicos foram iniciados com esta finalidade. 5. Troca da valva mitral. São comuns as situações em que, acompanhando a dilatação ventricular do coração, nos casos de miocardiopatia dilatada, observa-se a dilatação do anel da valva mitral. A insuficiência mitral observada leva ao agravamento ainda maior da insuficiência cardíaca. A substituição da valva mitral (ou a plastia desta valva, quando esta for possível) pode melhorar temporariamente o quadro, mas não é uma prática comum. Atualmente, a troca da valva mitral (ou a plastia mitral), quando associada à ventriculectomia esquerda (cirurgia de Batista), tem sido um procedimento mais freqüentemente realizado. 6. Uso de desfibriladores implantáveis. A opinião de que a maioria das mortes súbitas em pacientes com IC é causada por arritmias foi substituída por uma situação de incerteza. Estudos realizados com desfibriladores implantáveis, incluindo muitos pacientes com falência cardíaca, mostraram que, naqueles pacientes com risco de morte súbita, estes aparelhos reduzem a mortalidade. Entretanto, nos pacientes com risco apenas moderado de morte súbita, os desfibriladores implantáveis não têm efeito benéfico.

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B. Contrapulsação intra-aórtica com balão. Sua maior indicação está na insuficiência ventricular esquerda aguda secundária ao IAM (choque cardiogênico), mas é também usada para apoiar a circulação em pacientes com síndrome isquêmica aguda submetidos a cateterismo cardíaco. Outra aplicação seria durante o período perioperatório e no pósoperatório imediato, em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca e desenvolvendo falência ventricular aguda. Este método é aplicado durante 24-48 horas, após o qual tenta-se retirar o paciente do suporte. Há relato de casos em que a contrapulsação foi continuada por até duas semanas. Sua grande desvantagem é oferecer suporte circulatório modesto (elevação do índice cardíaco em até 0,8 litro/min/m2), não podendo manter a vida em situações de insuficiência cardíaca importante, ou na presença de ritmos cardíacos caóticos. C. Assistência ventricular esquerda temporária. O dispositivo consiste em uma bomba (extracorpórea) com condutos aferentes e eferentes fixados ao ápice ventricular esquerdo e à aorta torácica ascendente, respectivamente. Podem ser obtidos volumes sistólicos de 85 ml e freqüências de 100 batimentos/minuto. O suporte mecânico circulatório é utilizado em: (1) casos de IC na espera pelo TC, com choque cardiogênico refratário à terapêutica convencional; (2) situações clínicas semelhantes, mas potencialmente reversíveis, como ocorre no pós-operatório de cirurgia cardíaca, na miocardite aguda e durante rejeição de enxerto após TC. Contra-indicações relativas: níveis elevados de uréia e cirurgia prévia. Contra-indicações absolutas: presença de infecção, distúrbio de coagulação, insuficiência hepática, insuficiência respiratória, insuficiência de múltiplos órgãos ou doença sistêmica que comprometa os resultados após o TC. Critérios hemodinâmicos para emprego do suporte mecânico circulatório: índice cardíaco menor do que 2,0 l/min/m2, pressão média arterial sistêmica menor ou igual a 70 mmHg, resistência vascular sistêmica maior do que 2.000 dines. s/cm2, pressão de átrio esquerdo maior do que 20 mmHg e débito urinário diminuído, apesar de terapêutica máxima. D. Retirada mecânica de líquidos 1. Toracocentese e paracentese. Esta conduta é estabelecida somente quando o volume de líquido pleural ou peritoneal é intenso e repercute na insuficiência respiratória. A paracentese deve ser feita de forma lenta, com o máximo de 200 ml/hora, e a toraconcentese não deve exceder 1.500 ml, para evitar recidiva precoce e hipoalbuminemia. 2. Métodos de diálise. Na IC refratária à terapêutica habitual, pode-se optar por métodos de diálise com melhora clínica após perda de excesso de fluido. Há também maior eficácia da terapêutica diurética pós-diálise. Quando for o caso, esta recuperação permitirá o tratamento cirúrgico da cardiopatia de base.

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Os métodos de diálise empregados na IC são: (1) diálise peritoneal intermitente; (2) ultrafiltração sangüínea; (3) hemofiltração; (4) diálise peritoneal contínua. Na IC avançada dos diabéticos, com comprometimento moderado da função renal, obtémse algum benefício com o emprego da diálise peritoneal. A gravidade das complicações é menor, em comparação com a hemodiálise. A diálise peritoneal, provocando a retirada lenta de fluido e a remoção de escórias nitrogenadas, é o método indicado para o tratamento de IC associada à insuficiência renal. As complicações mais importantes da diálise peritoneal seriam: peritonite química ou bacteriana, perfuração de víscera oca durante a passagem do cateter ou dificuldade para posicioná-lo adequadamente, hiperglicemia — especialmente em diabéticos — pelo excesso de oferta de glicose pelo líquido de diálise, dificuldade de excursão do diafragma, agravando uma insuficiência respiratória prévia. Já na ultrafiltração e na hemofiltração, devido ao emprego de heparina, há risco de complicações hemorrágicas, principalmente em portadores de diátese hemorrágica. Há também problemas de hipercoagulabilidade, especialmente na ultrafiltração, devido ao uso de membranas de cuprofane que provocam ativação do complemento, agregação plaquetária e leucocitária, levando a microembolias. O uso de membranas biocompatíveis (posulfonas, policarbonato), especialmente na hemofiltração, ao reduzir a agregação plaquetária e leucocitária, diminui o risco de hipercoagulabilidade. O Quadro 49-9 mostra um esquema de tratamento da IC segundo a classe funcional. XII. Insuficiência Cardíaca Diastólica A. Conceito. Denomina-se insuficiência cardíaca diastólica (ICD) o quadro de IC em que os sintomas são causados por um impedimento ao enchimento ventricular diastólico, sendo a função sistólica normal ou mesmo estando acima do normal. Estes ventrículos são capazes de responder normalmente a um aumento na pré-carga, e não há sensibilidade inadequada do desempenho sistólico para um aumento da pós-carga. Expansão importante do volume intravascular e ativação neurormonal não parecem ser o principal componente desta síndrome. Pensava-se que estes pacientes não deveriam ser sintomáticos, mas na ICD a complacência ventricular reduzida ou rígida leva a limitações no uso da reserva na pré-carga em aumentos rápidos na pressão de enchimento para volume cardíaco normal ou pouco aumentado. Como conseqüência, o débito cardíaco está limitado, e aparece dispnéia de esforço. B. Causas. São as que dificultam o fluxo atrioventricular esquerdo, ou seja: (1) estenose mitral; (2) mixoma do átrio esquerdo; (3) calcificação do anel mitral; (4) condições que provocam diminuição da complacência ventricular na hipertrofia ventricular esquerda (como na miocardiopatia hipertrófica e na hipertensão arterial sistêmica dos pacientes idosos); (5) doença coronária; (6) amiloidose; (7) miocardiopatias restritivas; (8) pericardite constritiva. 589

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O mecanismo mais comum de ICD é a hipertensão arterial sistêmica em pacientes idosos que, devido à idade, já têm um ventrículo esquerdo pouco complacente. C. Sintomas. Como na ICD há grande diminuição da complacência ventricular, que acarreta dificuldade ao esvaziamento atrial, surgem sinais e sintomas de congestão venosa pulmonar como na IC clássica. Mas, na ICD o ventrículo esquerdo apresenta-se normal no tamanho e na função, e, na IC clássica, há disfunção sistólica do VE. O paciente chega ao consultório com queixas de dispnéia e fadiga. D. Diagnóstico. Determina-se a presença de ICD pelo estudo ecocardiográfico da complacência ventricular esquerda, utilizando-se a medida do TRIV (tempo de relaxamento isovolumétrico). Este índice pode ser avaliado de três maneiras: (1) pela medida do intervalo existente entre o fechamento da válvula aórtica, que é registrado no fonocardiograma (acoplado ao eco), e pela abertura da válvula mitral no ecocardiograma; (2) pela medida entre o intervalo do pico sistólico da parede posterior e abertura da válvula mitral, feita no ecocardiograma unidimensional (Modo M); e (3) medindo-se o intervalo entre o fechamento da válvula aórtica e a abertura da válvula mitral ao registro ecocardiográfico simultâneo da válvula aórtica e da válvula mitral. A diminuição da complacência ventricular também pode ser vista pela ecocardiografia com Doppler, que revela o enchimento ventricular com predomínio do fluxo pré-sistólico atrioventricular, ao contrário de indivíduos normais, nos quais é mais importante a fase de enchimento rápido. A angiografia com radionuclídeo utilizando células vermelhas marcadas, também permite o estudo da função diastólica, pela avaliação das imagens do ciclo cardíaco. Como estes parâmetros da ecodopplercardiografia e medicina nuclear são influenciados por mudanças na freqüência cardíaca, no ritmo e nas condições de carga, eles não podem estabelecer independentemente um diagnóstico de ICD. O cateterismo cardíaco é o melhor método de avaliação das propriedades diastólicas do ventrículo porque a pressão ventricular é medida diretamente e permite uma avaliação quantitativa. O ideal seria a demonstração de elevação tanto da pressão capilar pulmonar quanto da pressão diastólica final do VE durante exercício ou carga de volume, para o diagnóstico de certeza da síndrome. Quando não é possível chegar-se à conclusão clínica com base na dispnéia, na presença de ventrículo esquerdo espessado e na exclusão de outras causas para os sintomas, o paciente terá o diagnóstico de suspeita e não de ICD confirmada, sendo o tratamento empírico. E. Tratamento. A importância do diagnóstico correto da ICD está na sua abordagem terapêutica, completamente diferente da IC sistólica. Utilizam-se drogas bradicardizantes, como os betabloqueadores e os antagonistas do cálcio. 590

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Os digitálicos são empregados apenas no caso de fibrilação atrial. Os vasodilatadores (deletérios) e os diuréticos só têm indicação em caso de congestão pulmonar. Na hipertensão arterial sistêmica com hipertrofia ventricular esquerda importante, utilizamse drogas que reduzem a hipertrofia ventricular e melhoram a disfunção diastólica — drogas simpaticolíticas (metildopa, clonidina), betabloqueadores e bloqueadores de canais de cálcio. Na estenose mitral e na pericardite constritiva, o tratamento cirúrgico é eletivo. XIII. Complicações e Prognóstico. A IC consiste numa disfunção miocárdica complicando uma cardiopatia básica. Todas as conseqüências hemodinâmicas sobrevindas e citadas anteriormente, aliadas à disfunção neurormonal, atuariam como fatores complicantes, levando a manifestações clínicas. Já na evolução da IC teríamos como complicações mais graves e freqüentes a trombose venosa das extremidades inferiores e a embolia pulmonar, que pode acompanhar-se de infarto pulmonar. A trombose venosa de extremidades superiores é rara. Outras complicações seriam insuficiência vascular cerebral, trombose ou embolia cerebral, insuficiência renal, fígado cardíaco e suas conseqüências, distúrbio eletrolítico, intoxicação digitálica e arritmias. Merece destaque a IC refratária ou de difícil controle. É evidente que a evolução da IC e a causa da morte dependem da cardiopatia básica. Também deve ser considerado o nível socioeconômico do paciente, não só pela aceitação de todas as recomendações médicas, como também pela persistência no uso de medicamentos que oneram seu orçamento. A morte é súbita em cerca de 40% dos portadores de IC, provavelmente por taquicardia ou fibrilação ventricular. Outras causas de morte são: embolia, infarto cerebral ou pulmonar, obstrução coronariana aguda e edema pulmonar agudo. A insuficiência renal crônica com uremia é a causa de morte mais freqüente nos pacientes com hipertensão arterial maligna ou nefrite. Atualmente, há consenso de que os avanços nos conhecimentos sobre a fisiopatologia e a disponibilidade de novos recursos terapêuticos empregados na IC estão alterando o curso clínico desta patologia, com melhora do prognóstico. Referências 1. Armstrong PW, Moe GW. Medical advances in the treatment of congestive heart failure. Circulation 1993; 88(2): 941-52. 2. Armstrong PW, Moffa JA. Tolerance to organic nitratos: clinical experimental perspectives. Am J Med 1983; 74: 73-84.

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3. Australia-New Zealand Heart Failure Research Collaborative Group. Effects of carvedilol, a vasodilator-beta-blocker, in patients with congestive heart failure due to ischemic heart disease. Circulation 1995 Jul 15; 92(2): 212-8. 4. Azevedo ACE. Insuficiência cardíaca com função sistólica normal: insuficiência cardíaca diastólica. Arq Bras Cardiol 1986; 47: 3. 5. Batista RJ, Verde J, Nery P et al. Partial left ventriculectomy to treat end-stage heart disease. Ann Thorac Surg 1997 Sep; 64(3): 634-8. 6. Batlouni M. Insuficiência cardíaca: da fisiopatologia ao tratamento. Parte I: Fisiopatologia. Arq Bras Cardiol 1991; 57: 63-73. 7. Batlouni M. Insuficiência cardíaca: da fisiopatologia à terapêutica. Parte II: Terapêutica. Arq Bras Cardiol 1991; 57: 151-67. 8. Bigger Jr. JT. Why patients with congestive heart failure die: arrhytmias and sudden cardiac death. Circulation 1987; 75(Suppl IV): IV 28-IV 35. 9. Bocchi EA, Moreira LF, Mansur et al. Results of cardiomyoplasty, heart transplantation and medical treatment for refractory heart failure due to idiopatic dilated cardiomyopathy. Circulation 1994; 88(Suppl I): 538. 10. Brilla CG, Matsubara LS, Weber KT. Antifibrotic effects of spironolactone in preventing myocardial fibrosis in systemic arterial hypertension. Am J Cardiol 1993; 71: 12A-16A. 11. Cairns JA, Connolly SJ, Roberts R, Gent M . Randomised trial of outcome after myocardial infarction in patients with frequent or repetitive ventricular premature depolarisations: CAMIAT. Lancet 1997; 349: 675-82. 12. Chadda K, Goldstein S, Byrington R, Curb JD. Effect of propanolol after acute myocardial infarction in patients with congestive heart failure. Circulation 1976; 73: 50310. 13. Chatterjee K. Amiodarone in chronic heart failure. J Am Coll Cardiol 1989; 14: 1.7756. 14. Cintron G, Johnson G, Francis G et al., for the V-He FT VA Cooperative Studies Group. Prognostic significance of serial changes in left ventricular ejection fraction in patients with congestive heart failure. Circulation 1993; 87(Suppl VI): VI 17-VI 23. 15. Cleland JGF, Swedberg K, Poole-Wilson PA. Successes and failures of current treatment of heart failure. Lancet 1998; 352(suppl): 19-28.

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Capítulo 50 - Reanimação Cardiopulmonar Marco Tulio Baccarini Pires Nilton Alves Rezende Carlos Magno Mourão Pinto Ferreira I. Introdução. A parada cardiopulmonar é a cessação da circulação e da respiração; é reconhecida pela ausência de pulso e pela apnéia em um paciente inconsciente. A interrupção súbita das funções cardiopulmonares se constitui num tipo de problema que sempre foi um desafio para as equipes médicas. Esta é uma emergência médica extrema, cujos resultados serão a lesão cerebral irreversível e a morte, se as medidas adequadas para restabelecer o fluxo sangüíneo e a ventilação não forem tomadas. Até que o diagnóstico correto da causa da parada cardiorrespiratória seja determinado, a equipe de ressuscitação deve preocupar-se basicamente em manter o bombeamento sangüíneo e a função respiratória. Até alguns anos atrás, nada era feito quando da ocorrência da parada cardiorrespiratória, devido a uma crença infundada, vigente na época, de que nada poderia ser feito por esses pacientes. Entretanto, nos anos 50, verificou-se que a ressuscitação cardiopulmonar após a parada cardíaca era, de fato, possível. Nos anos 60, a técnica de reanimação da parada cardíaca foi proposta por Kouwenhoven e Jude, que descreveram o bombeamento de sangue pelo coração parado, caso aplicada massagem intermitente sobre o esterno de encontro à coluna vertebral. A partir dessa época, cada vez mais se discute sobre as técnicas de ressuscitação, sendo obtidos melhores resultados. O tempo máximo de anoxia que pode ser suportado pelo cérebro é muito variável, dependendo das condições existentes; assim, durante a hipotermia profunda (cerca de 12°C), estados de parada circulatória total são tolerados por até 50-60 minutos — esta parada circulatória é feita artificialmente em alguns casos de cirurgia cardíaca (cardiopatias congênitas complexas; aneurismas da croça da aorta) e, eventualmente, poderá ser observada na prática clínica, em casos de afogamento em águas geladas. É de se notar que, quanto mais jovem o paciente, maior a capacidade de tolerar a isquemia cerebral. Apenas para fins didáticos, o tempo máximo de isquemia tolerável é considerado como sendo de cinco minutos. A maioria dos casos de parada cardiorrespiratória ocorre na própria residência do paciente ou em via pública. Devido à demora no socorro, a maior parte dos pacientes chega ao hospital com poucas chances de recuperação. Como, através de tratamento precoce, tem-se maior probabilidade de sucesso, há de se compreender que a recuperação dos pacientes é maior quando eles são atendidos prontamente por leigos treinados em reanimação cardiorrespiratória, no próprio local onde ocorreu o colapso, sendo, em seguida, transportados, rapidamente, para hospitais de referência. A parada cardíaca deve ser

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considerada no diagnóstico diferencial de um colapso súbito de qualquer paciente, e seu diagnóstico e atendimento devem ser imediatos. Partindo-se deste raciocínio, é fundamental o treinamento de leigos em técnicas de ressuscitação cardiopulmonar. A escolha deve recair, primeiramente, sobre pessoas que prestem serviços à comunidade, lidando diretamente com a população, tais como motoristas de táxi e de ônibus, vigilantes, porteiros, guardas etc., enfim, qualquer pessoa que se possa integrar como um socorrista eventual. Hospitais regionais ou ambulatórios deveriam, de maneira ideal, ter programas de treinamento e de atualização em reanimação cardiopulmonar abertos à comunidade, sendo esta incentivada a participar. Associações de moradores, igrejas, escolas, associações recreativas deveriam ser procuradas por equipes dos hospitais regionais ou ambulatórios, oferecendo cursos de primeiros socorros, incluindo aí a reanimação cardiopulmonar. Apenas para se ter idéia da dimensão do problema e do grau de desinformação das pessoas, nos Estados Unidos menos de 20% das pessoas que apresentam parada cardiorrespiratória têm seu atendimento iniciado por leigos. Com a evolução dos meios diagnósticos, cabe ao médico a responsabilidade de identificar e tratar de maneira mais eficiente os fatores que predispõem à parada cardiorrespiratória, tais como arritmias, insuficiência coronariana, distúrbios metabólicos etc. II. Indicações para Reanimação Cardiopulmonar. Todos os pacientes são candidatos à RCP (reanimação cardiopulmonar); discute-se sua indicação apenas nos seguintes casos: quando já houver evidência inquestionável de morte, como em presença de rigor mortis, decapitação etc.; pacientes oncológicos terminais; nos casos em que o paciente se encontre em fase terminal e nos quais não exista qualquer esperança de tratamento adicional, será questionável a RCP; pacientes com morte cerebral comprovada há mais de 24 horas, nos quais ocorra parada cardíaca; estados sépticos terminais, nos quais não exista possibilidade de tratamento (p. ex., AIDS terminal); tempo de parada cardiorrespiratória sabidamente prolongado, com sinais físicos de morte (cadavéricos), com exceção de afogados; nas situações em que as manobras de ressuscitação podem colocar o socorrista em risco. Na sala de emergência, não se sabe quais são as condições clínicas prévias dos pacientes, nem o tempo decorrido entre a parada e o primeiro atendimento prestado. Assim, em princípio, devem-se tentar ressuscitar todos os pacientes na Unidade de Emergência, até que mais informações pertinentes ao caso sejam obtidas. III. Causas. Podemos dividir as causas da parada cardiorrespiratória de acordo com o discriminado no Quadro 50-1. IV. Diagnóstico. Faz-se inicialmente o diagnóstico clínico do evento da parada cardiorrespiratória (PCR), instituindo-se de imediato a RCP; o diagnóstico etiológico só será feito mais tarde. 601

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Clinicamente, utilizamos os seguintes parâmetros no diagnóstico da PCR: (a) ausência de pulso em uma grande artéria — este é o parâmetro mais utilizado e mais confiável, pois muitas vezes a ausculta cardíaca pode ser negativa ou dificultada, e, entretanto, podem existir batimentos do coração (p. ex., pacientes enfisematosos, pacientes no respirador artificial, presença de pneumotórax etc.). Deverão ser pesquisadas as artérias femorais e as carótidas (nas crianças pequenas, pesquisar femorais e braquiais); (b) paciente em apnéia ou apresentando movimentos respiratórios agonizantes; (c) paciente inconsciente ou semiinconsciente; (d) sinais clínicos de choque, com sudorese, hipotonia e hiporreflexia. O mecanismo causal da parada cardíaca, do ponto de vista eletrocardiográfico, só será descoberto com a observação do registro de ECG ou ao monitor. As possibilidades são: (a) assistolia (ausência de atividades elétrica e mecânica); (b) dissociação eletromecânica (presença de atividade elétrica, geralmente com complexos QRS alargados e aberrantes, sem atividade contrátil correspondente); (c) fibrilação ventricular: incoordenação da atividade elétrica, sem contração muscular correspondente; (d) bradi e taquiarritmias (dos mais diversos tipos; geralmente, há contrações musculares, mas devido às freqüências muito altas ou muito baixas, o débito cardíaco resultante não é capaz de manter a vida do paciente). A verificação do tipo de parada ao ECG é extremamente importante, por determinar a terapêutica imediata a ser adotada. V. Tratamento (Quadro 50-2) A. Material e pessoal. Para a correta realização da RCP, devem existir condições mínimas de equipamento e pessoal treinado para que resultados satisfatórios possam ser obtidos. Poderíamos dividir o item material em equipamento, medicação e material de consumo. Equipamento: monitor; eletrocardiógrafo; desfibrilador; tubos endotraqueais; cânulas para traqueostomia; laringoscópio; aspirador; Ambu; máscara; fonte de oxigênio; respirador; marcapasso externo; material cirúrgico (bandeja para cirurgia de médio porte).

Medicação: adrenalina; atropina; bicarbonato de sódio a 8,4 e a 5%; dopamina; dobutamina; amrinona; gluconato de cálcio; xilocaína. Material de consumo: sondas para aspiração; cateteres para acesso venoso; cateteres para punção venosa periférica; equipos de soro; soro fisiológico; soro glicosado isotônico; soro glicosado hipertônico; Ringer lactato; pasta de ECG; compressas; gaze; Povidine®; esparadrapo; faixas de crepom; eletrodos descartáveis para monitoração; água destilada estéril; sondas vesicais; drenos torácicos; fios de sutura (diversos tipos); agulhas de sutura; cateter de marcapasso temporário; luvas cirúrgicas; campos cirúrgicos. O item pessoal pode ser variável, podendo incluir desde uma pessoa realizando a RCP (de maneira geral, esta é uma situação inadequada, a menos que se conte com um respirador 602

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automático ciclado por volume, que pode ser acoplado à máscara de Ambu — técnica atualmente em uso na Inglaterra, para transporte em ambulâncias), até o ideal, que seria uma equipe composta de quatro pessoas, com uma delas coordenando a ressuscitação. No caso de resultados obtidos com a desfibrilação praticada por paramédicos treinados no uso de desfibriladores, verifica-se que, nos EUA, a maioria das paradas cardíacas que ocorrem fora do hospital se deve à fibrilação ventricular, e quanto antes ela for revertida, maior será a possibilidade de recuperação do paciente. B. Manutenção das vias aéreas permeáveis. No indivíduo inconsciente, em decúbito dorsal, freqüentemente a base da língua entra em contato com a parede posterior da faringe, obstruindo as vias aéreas superiores. A manobra de elevação da mandíbula, com extensão da cabeça, permite a livre passagem do ar. Deve-se proceder à limpeza da região da orofaringe, usando compressas, lenços, ou um aspirador, caso haja disponibilidade. Se houver suspeita de lesão cervical, fazer leve extensão da mandíbula, mantendo a cabeça alinhada com o corpo, sem a sua movimentação. Isto é obtido usando-se uma das mãos na face do paciente, enquanto dois dedos da outra mão elevam o mento. C. Métodos de ventilação artificial. A escolha do método de ventilação artificial é ditada pelas disponibilidades materiais existentes no momento do atendimento, não se justificando a espera de equipamentos ou do anestesista. Em todos os casos, a ventilação se faz por pressão positiva intermitente, que pode ser: 1. Respiração boca a boca. Colocar a mão atrás do pescoço da vítima, para manter a cabeça hiperestendida. Obstruir as narinas com o polegar e o indicador da outra mão, ao mesmo tempo em que se pressiona a região frontal, para se manter a hiperextensão da cabeça. O socorrista inspira profundamente, coloca sua boca entreaberta na boca do paciente e expira. Posteriormente, retira sua boca e permite que o paciente expire passivamente. Deve-se observar se há expansão torácica. Repetir o ciclo a cada cinco segundos, de maneira que se efetuem pelo menos 12 movimentos respiratórios por minuto. A efetividade da ventilação é verificada pela observação da elevação da caixa torácica, audição e percepção da saída de ar. 2. Respiração boca-nariz. É recomendada nos casos de empecilho à respiração boca a boca, como nos casos de determinadas lesões mutilantes. Neste caso, manter a cabeça hiperestendida e usar uma das mãos para fechar a mandíbula e os lábios. Inspirar profundamente, colocar a boca no nariz do paciente e expirar. Em seguida, retirar a boca e entreabrir a do paciente, para que ele expire passivamente. Repetir o ciclo, pelo menos, a cada cinco segundos. 3. Respiração boca-máscara. Trata-se de procedimento eficiente e higiênico. Idealmente, deve ser ligado a uma fonte de O2 puro. É um método eficiente de ventilação, quando as vias aéreas são permeáveis. A utilização ideal deste método requer a presença de dois socorristas, um para segurar a máscara e outro para comprimir o Ambu.

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4. Intubação traqueal. É o método mais seguro, pois representa a própria garantia de uma via aérea permeável, além de possibilitar aspirações freqüentes, eliminando-se obstáculos à hematose. Deve ser feita por pessoa habilitada, para não acarretar lesões iatrogênicas e também para não retardar os procedimentos de RCP. As manobras de RCP jamais devem ser retardadas, aguardando-se uma pessoa habilitada a realizar a intubação traqueal — os métodos descritos anteriormente podem perfeitamente ser efetuados, com obtenção de resultados mais satisfatórios, pela presteza em se oxigenar o paciente. 5. Traqueostomia/cricotireotomia. São procedimentos realizados na emergência, quando não se consegue ventilar o paciente de outras maneiras, e na impossibilidade de ele ser intubado. Seriam os casos, por exemplo, dos graves traumatismos e queimaduras da face e de inalação das vias aéreas superiores (ver Cap. 3, Pequenos Procedimentos em Cirurgia). D. Massagem cardíaca externa. Deve ser precedida de um golpe forte e firme sobre a região mesoesternal — usa-se a parte hipotenar da mão, com o punho fechado, a uma altura de 2030 cm. O golpe precordial é capaz de produzir um pequeno estímulo elétrico de cerca de 4 joules, que pode converter a taquicardia ventricular (constatou-se recentemente que o golpe no precórdio não reverte a fibrilação ventricular). Com esta manobra, muitas vezes, a atividade cardíaca é retomada. Se isso não ocorrer, ou se a atividade cardíaca for ineficiente, proceder-se-á ao que se segue, juntamente com as medidas já descritas de ventilação artificial. A percussão do precórdio não deve ser usada em crianças. O paciente deve ser colocado em uma superfície rígida, em decúbito dorsal. Em caso de estar no leito, uma tábua deve ser interposta entre ele e o colchão. A elevação das pernas do paciente a uma altura de cerca de 10 cm (para aumentar o retorno venoso) poderá ser executada, principalmente naqueles casos de parada cardíaca por hipovolemia. O socorrista coloca-se em um plano superior ao da vítima, de tal modo que seus braços em extensão possam executar a manobra; apóia as eminências tenar e hipotenar de uma das mãos sobre a metade inferior do esterno, com os dedos estendidos; a outra mão é apoiada sobre a primeira, sem encostar no esterno do paciente. Os braços do socorrista são mantidos em extensão, e, aproveitando o peso de seu corpo, ele aplica uma pressão suficiente para deprimir o esterno do paciente em cerca de 4-5 cm, durante meio segundo. Em seguida, o socorrista retira subitamente a compressão, assim procedendo por 80 a 100 vezes por minuto. É essencial que a ressuscitação cardiopulmonar não seja suspensa por mais de 7 segundos, exceto durante circunstâncias especiais, como, por exemplo, durante intubação endotraqueal; mesmo durante esta situação, a massagem não deve ser interrompida por mais de 30 segundos. Na criança com mais de 8 anos, a técnica de ressuscitação é igual à aplicada em adultos; nas crianças menores, a compressão é feita com apenas uma das mãos, e em bebês, através da compressão torácica pelos polegares. No bebê, o local da compressão está a largura de um dedo abaixo da linha intermamilar, na linha mediana. O número de massagens por minuto é maior na criança (100/minuto) e ainda maior nos bebês (120/minuto).

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Estando o paciente intubado, a ventilação é feita de maneira independente da massagem cardíaca externa, mantendo-se seu número em cerca de 15 incursões por minuto. Para a avaliação da eficácia dos procedimentos, verifica-se a presença de pulsação na artéria femoral correspondente às compressões efetuadas. A reatividade das pupilas à luz também traduz uma boa resposta; contudo, a presença de pupilas midriáticas e não-reativas pode apenas significar edema cerebral. Entre as complicações observadas com a massagem cardíaca externa, encontramos a fratura de arcos costais e de esterna, a disjunção costocondral, o hemotórax e o pneumotórax, as contusões pulmonares, a laceração de vísceras abdominais (baço e fígado) e a embolia gordurosa. E. Massagem cardíaca interna. É indicada nas condições em que a massagem externa seja ineficaz em deformidades torácicas, enfisema pulmonar grave, tamponamento cardíaco, hemotórax volumoso, ferimentos penetrantes do tórax com lesão cardiopulmonar etc. O Quadro 50-3 resume as principais indicações para a massagem cardíaca interna. F. Desfibrilação (Fig. 50-1). A desfibrilação elétrica, utilizando-se um choque de corrente não-sincronizada, é o tratamento de escolha para a fibrilação ventricular. Ela deve ser efetuada sem perda de tempo no primeiro minuto da parada cardíaca, antes mesmo de se conhecer o ritmo causal, pois existem boas perspectivas de recuperação pelo método. Atualmente, preconiza-se a sua utilização em vítimas de parada cardíaca até mesmo por paramédicos treinados que atendam a domicílio. As pás do desfibrilador são colocadas na borda superior direita do esterno, abaixo da clavícula, e na ponta do coração; não se deve esquecer de colocar gel condutor, para não queimar o paciente. Inicia-se com a aplicação de 200 joules (watts/segundo), aumentandose, seguidamente, em caso de não haver resposta, até 360 joules. Se ainda assim não houver resposta, deve-se pensar em hipossistolia ou assistolia. Nos intervalos entre os choques, o paciente deverá ser mantido massageado e ventilado. Em alguns desfibriladores, a própria pá serve como eletrodo para monitoração do ECG, podendo-se verificar com segurança o ritmo e o resultado obtidos pelo método. A necrose miocárdica pode ocorrer com energias de choque acumuladas superiores a 425 joules. O uso de pás de desfibrilador de diâmetro pequeno e a intervalos curtos (menos de três minutos) entre os choques também aumenta a possibilidade de ocorrer dano ao coração. As indicações clássicas para desfibrilação são a fibrilação e a taquicardia ventriculares (dependendo do caso). O conceito de fibrilação ventricular de “boa qualidade” (que seria mais fácil de ser convertida) e de “má qualidade” (que seria mais difícil de ser convertida, pois sua amplitude ao monitor é menor) é no mínimo questionável, pois a amplitude observada ao monitor pode sofrer a interferência de inúmeros fatores (posição de eletrodos, modelo do monitor, “ganho” programado no monitor etc.). Assim, este é um conceito que deveria ser abandonado, sendo realizada a desfibrilação em todo paciente com FV.

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Quando a FV ocorrer, estando o paciente monitorado (p. ex., CTI, salas de cateterismo cardíaco), o fluxo sangüíneo poderá ser mantido durante a parada cardíaca pela tosse forte e repetida. Com isto, consegue-se manter o paciente consciente durante alguns segundos, até que a aparelhagem seja preparada para a desfibrilação. O Quadro 50-4 mostra as recomendações sobre os níveis de energia em desfibrilação. O Quadro 50-5 mostra o protocolo para desfibrilação externa da Sociedade Brasileira de Cardiologia. G. Tratamento medicamentoso. Obtém-se uma via venosa para a administração de drogas; inicialmente, pode-se utilizar uma veia periférica; posteriormente, deve-se providenciar a colocação de um cateter em posição central. A via deve ser mantida com uma solução fisiológica. Após a administração de cada medicamento, a linha venosa deve ser lavada com a infusão de pelo menos 20 ml da solução fisiológica de manutenção. As drogas mais utilizadas são: 1. Bicarbonato de sódio. É sempre difícil saber a quantidade de NaHCO3 necessária para correção da acidose que decorre da baixa do débito cardíaco que existe durante a massagem cardíaca (25 a 30% do valor normal). Se a parada não passou de três minutos, o bicarbonato deve ser evitado (a menos que exista acidose prévia), pois a sua administração excessiva é mais danosa para o paciente do que o seu não-uso, devido à ocorrência de alcalose. O uso do bicarbonato deve ser iniciado se o tempo de parada se prolongar e não houver resposta às manobras de ressuscitação e desfibrilações repetidas. Caso se vá usá-lo, administra-se, inicialmente, 1 mEq/kg do bicarbonato de sódio; a seguir, metade da dose inicial é repetida a cada 10 minutos, caso não se disponha de gasometria. Com esta técnica, pode haver o risco de alcalose, sendo sempre preferível a correção pela gasometria. Adiante, encontram-se relacionadas as concentrações de bicarbonato de sódio mais usadas, por mililitro, a fim de facilitar o cálculo do volume a ser infundido: NaHCO3 a 8,4% — 1 ml = 1,0 mEq NaHCO3 a 5,0% — 1 ml = 0,6 mEq Para ser feita a correção com base na gasometria, emprega-se a fórmula clássica: mEq NaHCO3 = BE ö peso ö 0,3 Administra-se metade da dose calculada, repetindo-se a gasometria a cada 15 minutos (ou de acordo com a necessidade). 2. Adrenalina (cloridrato de epinefrina). É a principal droga usada no atendimento da parada cardíaca. 606

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Atua como estimulante nos receptores alfa e beta-adrenérgicos. Sua ação determina a vasoconstrição periférica e o favorecimento da circulação cerebral e coronariana, a melhoria da contratilidade miocárdica e da fibrilação ventricular e estimula contrações espontâneas. Sua apresentação é de ampolas de 1 ml, com concentração de 1:1.000. Cada ampola contém 1 mg. A dose inicial é de 1 mg EV (dilui-se uma ampola de 1 ml para 10 ml, com água destilada, soro fisiológico ou glicosado), repetindo-se a cada três a cinco minutos durante as manobras de ressuscitação, devido a seu efeito fugaz. Caso ainda não se disponha de veia puncionada, poder-se-á administrar a adrenalina pelo tubo traqueal (1 ml diluído em 9 ml de água destilada estéril), sendo esta via a de segunda escolha. A via intracardíaca, devido a seus riscos, só deverá ser usada se não houver possibilidade de uso das anteriores. Nas crianças, a dose de adrenalina usada é de 0,01 mg/kg. Devido à sua inativação por soluções alcalinas, não se deve administrar a adrenalina simultaneamente com o bicarbonato de sódio. 3. Cálcio. Estudos recentes demonstraram que não existem efeitos benéficos com o uso do cálcio em pacientes com parada cardíaca. Sua indicação atual se restringe a alguns casos de dissociação eletromecânica (onde todos os recursos terapêuticos foram esgotados); hiperpotassemia; hipocalcemia (p. ex., após transfusões maciças); hipermagnesiemia; intoxicação por administração excessiva de bloqueadores de canais de cálcio. As apresentações são: (a) gluconato de cálcio — ampolas de 10 ml, com solução a 10%, com cálcio ionizável na concentração de 0,48 mEq/ml. Administram-se 5-8 ml EV, lentamente, podendo ser repetidos; (b) cloreto de cálcio — ampolas de 10 ml, com solução a 10%, com cálcio ionizável na concentração de 1,36 mEq/ml. Administram-se 2 ml EV, lento, podendo ser repetidos. Os sais de cálcio não devem ser administrados em associação ao bicarbonato de sódio, pois vêm a se precipitar. 4. Lidocaína (xilocaína). Por aumentar o limiar de estimulação ventricular, é útil na FV subentrante, na taquicardia ventricular e nas extra-sístoles ventriculares freqüentemente observadas após a recuperação cardíaca. A dose de ataque é de 1 mg/kg de peso, EV, e a de manutenção é de 1-4 mg/minuto, EV, diluída em glicose isotônica (ver Cap. 45, Arritmias Cardíacas). 5. Atropina. É uma droga parassimpaticolítica, e sua indicação principal é na bradicardia sinusal extrema. A dose utilizada é de 0,5-1,0 mg EV a cada três minutos, para que a freqüência cardíaca alcance 60 bpm. Não exceder 3 mg na dose total.

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6. Noradrenalina (norepinefrina). Potente vasoconstritor e agente inotrópico; tem a desvantagem de induzir vasoconstrição renal e mesentérica mais intensa do que, por exemplo, a dopamina. Usada no período de recuperação pós-parada. É inativada pelo bicarbonato de sódio (não infundir em conjunto). Dose: aplicada por via endovenosa — 4 mg em solução de 250 ml de soro glicosado isotônico a 5%, resultando em concentração de 16 mg/ml. A dose é administrada conforme o efeito, para obtenção de freqüência cardíaca e pressão desejadas. 7. Dopamina (Revivan®). É o precursor químico da noradrenalina, com efeito em receptores alfa e beta-adrenérgicos. Em doses de até 7-10 mg/kg/min, estimula predominantemente os receptores beta, com aumento do débito cardíaco, vasodilatação renal, sem elevar a pressão capilar pulmonar e sem causar vasoconstrição periférica. Doses acima de 10 mg/kg/min estimulam os receptores alfa, com vasoconstrição periférica e aumento da pressão capilar pulmonar. Doses acima de 20 mg/kg/min reduzem os fluxos renal e mesentérico. A apresentação é a de ampolas de 10 ml, cada ampola com 50 mg de cloridrato de dopamina. Dilui-se de uma a cinco ampolas em 250 ml de SGI a 5%. A dose é infundida de acordo com a necessidade. É uma droga que tem o seu uso principal no período pós-parada cardíaca. 8. Dobutamina (Dobutrex®). Atua predominantemente nos receptores beta-1-adrenérgicos, melhorando a contração cardíaca. Produz vasoconstrição arterial sistêmica mínima nas doses usuais. Ao ser associada ao nitroprussiato de sódio, melhora o débito cardíaco, pela queda verificada na resistência periférica. A dose usada é de 2,5 a 10 mg/kg/min, por infusão EV, gota a gota. Droga também utilizada no período pós-parada. 9. Amrinona (Inocor®). Cardiotônico não-adrenérgico, com efeito comparável ao da dobutamina, por melhora da função cardíaca e queda na resistência periférica. Droga usada no período pós-parada (ver Cap. 49, Insuficiência Cardíaca Congestiva). 10. Digital. Empregado para redução da freqüência cardíaca em algumas situações, tais como na fibrilação e no flutter atriais, e na taquicardia paroxística supraventricular. Usa-se o Cedilanide® — lanatosídeo C, que se encontra em ampolas de 2 ml com 0,4 ml por ampola, EV, lento. Pode-se repetir a dose em cerca de 20 a 30 minutos. 11. Nitroprussiato de sódio (Nipride®). Vasodilatador periférico. Geralmente usado no período pós-parada, em associação com a dopamina ou a dobutamina. Dilui-se uma ampola de 5 ml (contém 50 mg) a 250 ml de SGI a 5%, devendo a solução ser protegida da luz, que a inativa. A infusão é feita por microgotas, na dose de 0,5 a 10 mg/kg/min.

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12. Magnésio. O metabolismo do magnésio é muito ligado ao do potássio, e a hipomagnesiemia pode ser uma causa de hipopotassemia não-responsiva à administração de potássio. O magnésio tem ainda ação vasodilatadora e age como um antagonista do cálcio. Seu uso é recomendado no tratamento da hipomagnesiemia, da taquicardia ventricular ou da fibrilação ventricular refratárias, e nos casos de torsades de pointes. Dose: na parada cardíaca, usa-se o sulfato de magnésio a 50%, 1 a 2 g EV, lentamente (infusão em 1 a 2 minutos). Após a dose inicial, manter infusão contínua de 0,5-1 g/h no paciente estável por 24 horas, ou de 1 a 4 g/h no paciente com arritmias graves recorrentes (p. ex., torsades de pointes). 13. Tonsilato de bretílio. Antiarrítmico recomendado quando não há resposta à lidocaína, ou quando, apesar do uso desta, ocorre fibrilação ventricular. Na fibrilação ventricular, a dose inicial é de 5 mg/kg, em bolus; pode-se repetir a dose de 10 mg/kg. A dose máxima é de 30 mg/kg. Caso o paciente responda ao bretílio, este deve ser mantido em infusão contínua na fase pós-reanimação, por um período de 24 horas. H. Tratamento com marcapasso temporário. Tem indicação em pacientes cujo problema básico está na formação ou na condução do estímulo elétrico cardíaco. Está contra-indicado na maior parte das paradas cardíacas, onde se observa assistolia por anoxia ou por deterioração da função do coração. Nestes casos, ele é habitualmente ineficaz. Os eletrodos temporários transvenosos são passados, quando indicado, geralmente pela punção das veias subclávia ou jugular, sendo conectados a geradores externos de estimulação. Numa situação de extrema urgência, pode-se usar um eletrodo epicárdico passado por via transtorácica, por punção percutânea, desde que haja uma indicação, como já citado. Um outro tipo de estimulação é a transcutânea (externa), na qual os eletrodos são aplicados diretamente na pele da parede torácica, sendo este um procedimento não-invasivo e rápido. Em situações de parada cardíaca, são os mais indicados, devido à facilidade de sua aplicação, não necessitando que as manobras de ressuscitação sejam interrompidas para seu implante. Tem como problema o desconforto que produz no paciente consciente, pela contratura muscular induzida. VI. Condutas Pós-Reanimação. O paciente nesta fase deve ser removido para a UTI. Ele deverá ser mantido sob monitoração cardíaca contínua, com avaliação cuidadosa de seu estado ácido-básico e hidroeletrolítico. Excelente complemento para o tratamento pós-parada cardíaca é o uso concomitante de dopamina e líquidos de reposição volêmica, para recuperação hemodinâmica do paciente. A anemia do paciente deverá ser corrigida, se estiver presente. Caso o nível de consciência e o padrão respiratório não sejam adequados, o paciente deverá ser colocado em ventilador mecânico.

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Cateteres para medidas da PVC e da pressão em cunha pulmonar (Swan-Ganz), como também para medida do débito cardíaco, deverão ser posicionados. Crises convulsivas deverão ser imediatamente tratadas. Em situações de hipertensão intracraniana, o paciente deverá ser hiperventilado, sendo mantida a elevação da cabeceira do leito a 30 graus; nestes casos, a restrição hídrica e o uso de diuréticos deverão ser feitos de acordo com a necessidade de cada caso. A utilização de corticosteróides e barbitúricos para a chamada “ressuscitação cerebral” é questionada. Mais tarde, em situações específicas, poderá ser avaliada a implantação de um aparelho de desfibrilador implantável no paciente, para prevenção de novos episódios de fibrilação ventricular e de arritmias potencialmente malignas. Recentemente, um aumento na sobrevida foi verificado após o implante de desfibrilador implantável em portadores de arritmias ventriculares malignas e taquicardia ventricular, se comparado a pacientes que estavam em uso apenas de amiodarona. VII. Interrupção das Manobras de Reanimação Cardiopulmonar. É difícil decidir sobre o término das medidas de socorro à parada cardiorrespiratória, pois elas ensejam conotações não só técnicas, mas também éticas, filosóficas e de espírito religioso. Diversos autores manifestam suas experiências a respeito de assunto tão controverso. A decisão deverá ser tomada com base na ausência de resposta cardíaca do paciente às manobras realizadas, desde que estas tenham sido bem conduzidas. A ressuscitação cardiopulmonar não deve ser suspensa com base na suspeita de ocorrência de morte cerebral, uma vez que, durante a parada cardíaca, determinados sinais, como a apnéia, a ausência de resposta a estímulos e a presença de pupilas dilatadas não-fotorreativas, podem não ter significado quanto à evolução cerebral do paciente. Em casos de intoxicação medicamentosa, hipovolemia, parada cardíaca em crianças e hipotermia, os critérios anteriores têm ainda menos valor. Autoriza-se a interrupção dessas manobras na situação em que há ausência de restabelecimento cardiocirculatório, usualmente, após 30 minutos de RCR, exceto na hipotermia. A morte cardíaca se externa por assistolia, presença de dissociação eletromecânica, fibrilação ventricular não-responsiva, ou ritmo idioventricular, apesar de toda a terapêutica. Pacientes recuperados do ponto de vista cardiorrespiratório, mas que evoluam com morte cerebral diagnosticada, deverão ter o seu estado hemodinâmico mantido até que seja estudada a possibilidade de utilização de seus órgãos para transplante. Referências 1. Bellet S. Clinical Disorders of the Heart Beat. 3 ed., Philadelphia: Lea & Febiger, 1971: 1.317. 610

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2. Bellet S. Essentials of Cardio Arrythmias. Philadelphia: Sanders, 1972. 3. Emergency Cardiac Care Committee and Subcommittees, American Heart Association. Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiac Care. JAMA 1992; 268: 2.171. 4. Gregoratos et al. Pacemaker implantation guidelines. JACC 1998; 31(5): 1.175-209. 5. Kofke EWA, Safer P. Cerebral flow and metabolism after 16 minutes of global brain ischemia with pos-ischemia thiopental therapy in monkeys. In: Sixth Annual Scientific and Educational Symposium of Critical Care Medicine, march, 1977. 6. Lane JC. Reanimação. Guanabara Koogan, 1981. 7. Lane JC et al. Manual de Reanimação Cardiorrespiratória. 2 ed., São Paulo: Fundo Editorial Bik, 1994. 8. Lopez M. Ressuscitação cardiopulmonar. In: Lopes M. Emergências Médicas, 3 ed., Guanabara Koogan, 1982. 9. Marcus RH. Cardiopulmonary resuscitation. In: Stine RJ, Chudnofsky CR. Emergency Medicine. 2 ed., Boston: Little, Brown and Company, 1994: 13. 10. Michees BD. Cardiopulmonary resuscitation. In: Wyngarden JB, Smith LH. Cecil Textbook of Medicine. W.B. Saunders Co., 1982: 2.205-9. 11. Vieira SRR, Timerman A (Editores). Consenso Nacional de Ressuscitação Cardiorrespiratória. Arq Bras Cardiol 1996; 66(6). 12. Weisfeldt ML, Chandra NC. Cardiopulmonary resuscitation and the subsequent management of the patient. In: Hurst JW et al. The Heart. 6 ed., Nova York: McGraw-Hill Book Company, 1986: 546. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 51 - Litíase Biliar José Ignácio Rezende Dutra I. Considerações Gerais. A litíase biliar é a forma mais comum de doença vesicular sintomática e está relacionada, na maioria das vezes, à colecistite crônica. O termo colecistite usualmente refere-se à presença de cálculos. Episódios mínimos e repetidos de obstrução do duto cístico causam cólica biliar intermitente. Estes episódios contribuem para a inflamação e subseqüente formação cicatricial. As vesículas de pacientes com cálculos que não tiveram ataque de colecistite aguda podem apresentar-se, ao exame anátomopatológico, com paredes finas, sem cicatriz, mucosa plana e presença de cálculos. Outras vesículas exibem sinais claros de inflamação crônica, com espessamento da parede, infiltração celular, perda da elasticidade e fibrose. A história clínica nos dois grupos não pode ser distinguida, e as alterações inflamatórias podem também ser encontradas em pacientes com cálculos assintomáticos. Ao contrário, a colecistite aguda é uma inflamação da vesícula biliar caracterizada por alterações anatomopatológicas, cuja intensidade varia desde hiperemia e edema até supuração, necrose, gangrena e perfuração da vesícula. Geralmente, a colecistite está relacionada com cálculo impactado ao nível da bolsa de Hartmann, obstruindo totalmente o duto cístico. II. Etiologia. Os fatores genéticos concorrem para uma maior coincidência em vários membros de uma mesma família. O ambiente também favorece composições diferentes dos cálculos biliares: no mundo ocidental, predominam os cálculos de colesterol, enquanto que no oriente são mais comuns os de bilirrubinato de cálcio. A litíase biliar é três vezes mais freqüente na mulher, e influências hormonais parecem ser o fator responsável. Os cálculos de colesterol são mais freqüentes na obesidade acentuada, e observa-se maior incidência de cálculos vesiculares em pacientes diabéticos. Outros fatores menos freqüentes associados a litíase biliar são as ressecções intestinais extensas, cirrose hepática, anemias hemolíticas, ressecções gástricas com exclusão duodenal e na porfiria. III. Achados Clínicos A. Sinais e sintomas. A cólica biliar é o sintoma mais característico, sendo usualmente causada pela obstrução transitória de cálculos ao nível do duto cístico. A dor geralmente começa de forma abrupta e cessa gradualmente, permanecendo de alguns minutos até várias horas. Caracteriza-se ainda por ser dor tipo cólica, no andar superior do abdômen, mais especificamente no epigástrio, hipocôndrio e/ou flanco direito e, com menor freqüência, na região dorsal. Outra característica clínica é a falta de localização precisa da dor abdominal. O paciente relata dor com palpações superficiais e inespecíficas. Em alguns pacientes, ocorrem ataques após refeições copiosas ou ao ingerir alimentos gordurosos, mesmo em pequenas quantidades.

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Em outras situações, a dor poderá instalar-se sem que haja qualquer evidência da causa desencadeante. Outros fatores menos comuns, como emoções intensas, fadiga, menstruação, frio intenso, gravidez em qualquer fase, podem desencadear crises dolorosas. B. Localização da dor. Predomina no hipocôndrio direito, epigástrio, flanco direito e também na região dorsal. Torna-se contínua na vigência de complicações, como na colecistite aguda, ou na perfuração com peritonite localizada ou difusa. Na persistência de quadro doloroso no andar superior, seguido de vômitos, devem-se avaliar as possibilidades de pancreatite biliar. Inicialmente, trata-se de dor com característica visceral, ou seja, mal localizada e no andar superior do abdômen. Dor contínua tipo parietal denota maior gravidade e prováveis complicações, como infecção local, perfuração da vesícula, pancreatite biliar. C. Intensidade da dor. É difícil avaliar a intensidade da dor. Vários fatores, como ansiedade, medo, cirurgias prévias, idade e algumas doenças associadas podem alterar o limiar de percepção da dor e induzir conclusões errôneas. Uma diminuição da percepção dolorosa é encontrada em pacientes idosos, diabéticos, em uso crônico de corticóides, antiinflamatórios, certos quadros psiquiátricos e pacientes simpatectomizados. D. Irradiação da dor. A cólica biliar é usualmente percebida, em torno de 60% dos casos, ao nível do hipocôndrio direito e epigástrio. Dor abdominal no andar superior é comum; às vezes, irradia-se para a esquerda, e em algumas situações ocorre dor precordial simulando angina de peito. Trabalhos experimentais e clínicos evidenciaram a relação de doença da vesícula biliar com alterações isquêmicas do miocárdio, sugerindo a via reflexa. Pesquisas experimentais evidenciam a relação entre litíase biliar e doença coronariana. A dor se fundamenta na duração, na presença de fatores precipitantes e na falta de resposta aos vasodilatadores de ação rápida. Raramente, durante a cólica biliar, a vesícula é palpável no hipocôndrio direito, e podem ocorrer outros sintomas associados, como intolerância a alimentos gordurosos, má digestão, dispepsias, azia, flatulência e eructações. A presença de boca amarga é destituída de qualquer importância clínica. E. Náuseas e vômitos. São freqüentes as associações de náuseas e vômitos nas crises biliares. São vômitos de origem reflexa em decorrência de dor tipo visceral. F. Icterícia. Tem valor diagnóstico na cólica biliar, e usualmente está associada com colúria e presença de cálculo na via biliar principal. G. Outros sintomas. A cólica biliar pode associar-se ainda com calafrios, febre, icterícia e denota a presença de colangite. Pode ainda associar-se com úlcera duodenal, hérnia hiatal, cólon irritável, alcoolismo e pancreatite crônica. O importante é pensar na possibilidade do diagnóstico.

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IV. Colecistite Aguda A. Considerações gerais. É uma afecção inflamatória da vesícula biliar, caracterizada por alterações anatomopatológicas variáveis, compreendendo desde edema, congestão, supuração, necrose, gangrena, até perfuração. A gravidade do quadro aumenta de importância devido à sua grande freqüência. Sabe-se que 10% da população são de portadores de colelitíase e, destes, 1 a 3% podem desenvolver colecistite aguda no curso evolutivo da história natural da doença. É uma infecção muito bem tolerável no jovem e muito grave em pacientes idosos, principalmente quando associadas a doenças como diabetes, alcoolismo, desnutridos, imunossuprimidos e aqueles com estado geral comprometido. A colecistite aguda está diretamente relacionada à presença de cálculos biliares em 95% dos pacientes, sendo que os 5% restantes dependerão de diversas causas. A colecistite aguda parece ser iniciada pela obstrução do conduto cístico por um cálculo impactado no infundíbulo da vesícula, produzindo erosão e inflamação da mucosa. Classifica-se a perfuração da vesícula em três tipos: (1) perfuração aguda em peritônio livre acarretando coleperitônio; (2) perfuração com abscesso localizado e bloqueado; (3) perfuração crônica com formação de fístula biliar interna espontânea. É essencial a obstrução do duto cístico para desenvolver-se a colecistite aguda, porém a vesícula hidrópica não caracteriza infecção. Na colecistite aguda, não ocorrendo melhora com o tratamento clínico, podem ocorrer empiema, necrose e sepse grave. A infecção da vesícula biliar sem cálculos é mais rara e pode ocorrer no jejum prolongado pós-operatório, nutrição parenteral prolongada e no alcoolismo. Outras causas menos comuns incluem vólvulo da vesícula biliar, fibrose cística secundária à inflamação, pólipos, tumores malignos, vermes, bridas congênitas, alterações inflamatórias decorrentes de úlcera péptica complicada, duodenites e papilites. B. Quadro clínico. O primeiro sintoma é a dor abdominal de natureza visceral, tipo cólica e de intensidade variável, no epigástrio e irradiando-se para o hipocôndrio direito à medida que o processo evolui. Em outras situações poderá irradiar-se para a região escapular, ombro e região cervical direita. Em 75% dos casos, o paciente terá tido crises anteriores de cólica biliar. A dor no hipocôndrio direito que se exacerba com a inspiração profunda caracteriza o sinal de Murphy. Náuseas e vômitos são freqüentes. Uma icterícia leve pode ocorrer em aproximadamente 15% dos casos, explicável por um ou mais dos seguintes fatores: (1) processo infeccioso que se estende até o pedículo biliar por edema envolvendo o colédoco e a papila; (2) cálculos no colédoco; (3) pancreatite aguda biliar; (4) colangite aguda. Na colecistite aguda, usualmente a temperatura axilar encontra-se abaixo de 38ºC. Febre elevada com calafrios deve sugerir a possibilidade de colangite aguda. Durante a primeira semana, predomina o edema. Necrose e perfuração podem ocorrer nesta fase, atingindo o pico em torno do terceiro dia de evolução. A infecção surge entre o terceiro e o décimo dia, podendo também ser observada mais tarde. Na segunda semana, observam-se regressão acentuada do edema e um aumento da fibrose, que se inicia a partir do quinto dia e que 614

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pode durar dois a três meses até a resolução. A vesícula biliar é palpável na fase inicial, em torno de 30 a 50% dos casos. Nesta fase, ela se apresenta distendida e tensa ou bloqueada por órgãos vizinhos. C. Achados laboratoriais. A contagem de leucócitos geralmente encontra-se elevada, de 12.000 a 15.000 leucócitos/mm3. Acima destes valores, ela denota prováveis complicações. Uma ligeira elevação das bilirrubinas, na ordem de 2 a 4 mg%, é comum, presumivelmente devido ao processo inflamatório da vesícula biliar. Valores acima desta ordem já indicariam a presença de cálculos no colédoco. Aumentos transitórios de fosfatase alcalina e da amilase sérica podem ser encontrados. D. Métodos de imagem 1. Ultra-sonografia. Constitui o principal e mais importante método de imagem para a confirmação do diagnóstico da colecistite aguda. É um método não-invasivo, com resultado imediato, que poderá ser realizado no próprio leito de internação do paciente e com elevado índice de sensibilidade e especificidade. Tem a vantagem de não utilizar a irradiação ionizante, contrastes iodados e poder ser realizado em grávidas. É o método de eleição na presença de icterícia. Fornece informações da parede vesicular, espessura, perfuração e fístulas, tamanho e localização dos cálculos, além de analisar o colédoco e o pâncreas. 2. Tomografia abdominal. Não é o melhor método de imagem para o diagnóstico de litíase biliar e colecistite aguda. Muitos cálculos têm a mesma densidade e atenuação radiológica idêntica à da bile, dificultando a identificação pela tomografia. Por isso mesmo, o índice de sensibilidade e especificidade é bem menor, quando comparado ao da ultra-sonografia. 3. Medicina nuclear. A cintilografia com radionuclídeo e análogos foram os principais melhoramentos como métodos de imagem na década de 70. Hoje, com os avanços tecnológicos, tornou-se método muito limitado em decorrência da utilização de irradiação ionizante e dos custos elevados. 4. Radiologia. A radiografia simples do abdômen sem preparo está indicada como propedêutica para abdômen agudo, na forma complicada da colecistite aguda. Aproximadamente 15% dos cálculos são radiopacos e vistos ao exame convencional. A colecistografia oral é método muito limitado e atualmente abandonado — não contrasta a vesícula em decorrência de processo infeccioso. E. Diagnóstico diferencial. Inclui patologias do andar superior do abdômen, como úlcera péptica perfurada, pancreatite biliar, apendicite aguda (ceco em posição elevada), hepatites etc. Processos infecciosos na base do pulmão direito também devem ser considerados. F. Tratamento. Uma vez estabelecido o diagnóstico de litíase biliar, o tratamento de eleição é o cirúrgico. A cirurgia é programada após avaliação clínica, laboratorial, radiológica e cardiológica. A colecistectomia videolaparoscópica é o tratamento de eleição e resolve 98% dos casos. Os excelentes resultados observados estão relacionados à invasão mínima, ao aspecto estético, à curta permanência hospitalar e ao rápido retorno ao trabalho.

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Estabelecido o diagnóstico de colecistite aguda, o paciente deverá ser internado em caráter de urgência, combater a dor com analgésicos comuns, manter jejum para diminuir o estímulo, principalmente hormonal, e iniciar antibioticoterapia. Esta deverá recair sobre o grupo das cefalosporinas de primeira geração — cefalotina. Em pacientes diabéticos, alcoolistas, imunossuprimidos, ictéricos, na vigência de perfuração com peritonite localizada ou generalizada, a escolha do antibiótico deverá recair sobre aqueles ativados contra bactérias gram-negativas e anaeróbios. A colecistectomia videolaparoscópica deverá ser o tratamento de eleição e imediato, com ótimos resultados pós-operatórios e de recuperação. A colecistostomia e a drenagem de abscesso localizado são procedimentos de exceção, para pacientes graves, sem condições cirúrgicas e que necessitam de intervenção imediata. Outros procedimentos seriam a coledocostomia, a papilotomia endoscópica, devendo a escolha ser individualizada de acordo com cada caso. G. Complicações. A complicação mais temível é a perfuração da vesícula em peritônio livre. Ela ocorre em aproximadamente 2% dos casos, invariavelmente acarretando quadro de coleperitônio. Perfurações parcialmente bloqueadas resultam em peritonite localizada, que pode ou não generalizar-se. O tamponamento por uma víscera oca, geralmente o estômago, duodeno ou cólon, pode resultar em formação de fístulas biliares internas espontâneas. Quando permeável a cálculos grandes, favorece o surgimento de íleo biliar. O empiema vesicular, a colangite aguda, a pancreatite biliar, os abscessos, a pileflebite e a fístula externa constituem outras complicações. Além disso, a colecistite aguda pode desencadear complicações sistêmicas ou agravar afecções preexistentes. V. Formas Especiais de Colecistite Aguda A. Colecistite aguda na criança. Situação rara e grave. Na primeira infância, deve-se a defeito congênito; na idade escolar, à litíase biliar. A infecção é geralmente relacionada a infecção sistêmica, como sarampo, tifo ou infecção respiratória. O quadro clínico confundese invariavelmente com apendicite aguda. O tratamento é sempre cirúrgico, seja pela gravidade ou pelo risco de diagnóstico incorreto. B. Colecistite aguda alitiásica. Ocorre em 5% dos casos. Pode seguir-se à obstrução por tumor, fibrose cística, aderências, áscaris, compressão por linfonodo ou artérias aberrantes como a artéria hepática anterior ao pedículo hepático. Outras causas menos comuns: pacientes alcoolistas, jejum prolongado por nutrição parenteral, refluxo pancreático para a via biliar principal, traumas, queimaduras, pós-operatório, outras intervenções abdominais, seja sobre a papila, duodeno, cólon ou apendicite aguda, além do vólvulo da vesícula. O tratamento é a colecistectomia videolaparoscópica.

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C. Colecistite aguda no diabético. É uma forma grave, sendo a mortalidade por ela provocada 10 vezes maior do que a habitual. Evolui rapidamente para necrose de paredes, gangrena e sepse peritoneal grave. D. Prognóstico. Variável, porém é considerado bom na maioria dos casos. A mortalidade média atinge 5% dos casos. Nas formas mais graves que acomentam pacientes dialóticos, a mortalidade pode chagar a 25%. VI. Coledocolitíase A. Considerações gerais. Os cálculos biliares podem, através do duto cístico, migrar para a via biliar principal, podendo ocorrer diversas complicações. No colédoco, causam obstrução no fluxo biliar, icterícia, colangite, papilite e pancreatite biliar. A incidência de cálculos no colédoco é de aproximadamente 15%, sendo, na maioria das vezes, provenientes da vesícula biliar e raramente formando-se de início no duto comum. Eventualmente, passam para o duodeno, e cerca de 50% permanecem assintomáticos. B. Manifestações clínicas. A coledocolitíase pode ser assintomática ou cursar com períodos de cólica biliar, icterícia, ou mesmo com infecção da bile com todas as manifestações clínicas importantes, além da pancreatite biliar. Esta pode cursar com formas leves, edematosas até as formas mais graves, necro-hemorrágicas. A cólica biliar é semelhante à dos cálculos da vesícula biliar. A dor pode manifestar-se no hipocôndrio direito, epigástrio ou mesmo na região escapular direita. Cólica biliar, icterícia e pancreatite biliar podem ser achados isolados ou associados com infecção. A tríade de Charcot caracteriza-se pela presença de coledocolitíase e febre com icterícia, seguidas de calafrios. C. Achados laboratoriais. Na colangite, a contagem de leucócitos varia de 15.000 a 20.000/mm3. Um aumento das bilirrubinas surge após 24 horas. A fração direta predomina sobre a indireta, e observa-se, com freqüência, icterícia flutuante e contrária à forma maligna, que é ascendente e silenciosa. Os níveis de fosfatase alcalina geralmente aumentam e podem ser as únicas anormalidades em pacientes anictéricos, permanecendo por um período mais prolongado. A amilase sérica deve ser pesquisada na suspeita clínica de pancreatite biliar. D. Métodos de imagem. A ultra-sonografia abdominal é o exame mais importante para o diagnóstico de coledocolitíase, independentemente da presença de icterícia e/ou infecção associada. Deve ser realizada em todos os pacientes com suspeita clínica de pancreatite biliar. A ultra-sonografia e a tomografia abdominal são úteis para determinar fatores associados, como colangite, dutos dilatados, massas pancreáticas e abscessos hepáticos. A colangiopancreatografia endoscópica retrógrada possui valor diagnóstico e terapêutico, pois demonstra a presença dos cálculos e permite a retirada através da papilotomia. Outros exames são destituídos de valor, como a cintilografia das vias biliares. A colangiografia transparieto-hepática deve ser utilizada em casos específicos e selecionados. E. Tratamento. Atualmente, o tratamento da coledocolitíase poderá ser realizado pela via laparoscópica ou através da endoscopia. Com a experiência maior dos cirurgiões em 617

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laparoscopia e a melhoria do instrumental cirúrgico e radiológico, como o intensificador de imagens, a exploração da via biliar principal no peroperatório poderá ser realizada com segurança, seja através do duto cístico ou mesmo através de abertura do colédoco durante a cirurgia laparoscópica. Atualmente, o tratamento endoscópico da via biliar principal tem indicação na pancreatite biliar e na colangite aguda para drenagem adequada do colédoco. A colecistectomia videolaparoscópica deverá ser realizada sistematicamente. Salientamos ainda a necessidade de tratamento clínico de suporte, incluindo o uso correto da antibioticoterapia, podendo ser usado cefalosporina de primeira geração ou mesmo ampliar o espectro de ação para bactérias gram-negativas e anaeróbios. F. Pancreatite biliar. O conceito de que a remoção do cálculo biliar na fase inicial da pancreatite aguda seria o tratamento ideal é passível de críticas. Vários relatos têm demonstrado maiores índices de complicações e mortalidade em pacientes com pancreatite aguda biliar grave submetidos à exploração precoce das vias biliares. Considerando que 95% das pancreatites agudas regridem adequadamente com o tratamento clínico sem evoluir para formas mais graves e que 95% dos cálculos migram espontaneamente na primeira semana, não parece justificada, no momento, a indicação da cirurgia biliar precoce na pancreatite aguda. A realização da colecistectomia e eventual exploração da via biliar logo após a regressão do quadro da pancreatite aguda, e na mesma internação hospitalar, tem sido orientação segura e seguida pela maioria dos centros especializados em cirurgia. G. Complicações. A colangite supurativa aguda resulta da combinação de obstrução e infecção na via biliar principal. A coledocolitíase é a causa mais comum. O diagnóstico consiste em dor abdominal, icterícia, febre com calafrios, septicemia e choque. Confirmado o diagnóstico, o paciente necessita de terapia intensiva, com o restabelecimento circulatório, cobertura ampla de antibióticos e com indicação para drenagem do colédoco através da papilotomia endoscópica. A cirurgia aberta para drenagem da via biliar é de alto risco e prognóstico reservado. Referências 1. Gadacz TR et al. Colecistectomia laparoscópica. Clínica Cirúrgica América do Norte 1990; 6: 1.319-32. 2. Hermann RE. Cirurgia para colecistite aguda e crônica. Clínica Cirúrgica América Norte 1990; 6: 1.333-46. 3. Hunter JG, Soper NJ. Tratamento laparoscópico dos cálculos nos dutos biliares. Clínica Cirúrgica América do Norte 1992; 5: 1.093-114. 4. Lipsett PA, Pitt HA. Colangite Aguda. Clínica Cirúrgica América Norte 1990; 6: 1.36784. 5. Martin RF, Rossi RL. Abdome agudo: visão global e algorritmos. Clínica Cirúrgica América do Norte 1997; 6: 1.207-25. 618

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6. Patti MG, Pellegrini CA. Pancreatite Biliar. Clínica Cirúrgica América Norte 1990; 6: 1.347-66. 7. Ponsky JL. Abordagem endoscópica às lesões do colédoco. Clínica Cirúrgica América do Norte 1996; 3: 507-16. 8. Rocha PRS, Claúdio S. Colecistite Aguda. In: Abdômen Agudo. MEDSI, 1982: 208-17. 9. Sherlock S, Marlow S. Cirurgia de la vesícula e de vias biliares. In: Litiase y Colecistitis 1985: 253-62. 10. Silva LA. Colecistite aguda. In: Cirurgia de Urgência. MEDSI, 1985: 143-54. 11. Way LW. Biliary tract. Current Surgical Diagnosis Treatment 1991: 527-57. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 52 - Intoxicação Alcoólica Aguda Márcia de Souza Pimenta I. Introdução. O uso e o abuso de drogas geram preocupação clínica, e este comportamento é resultante de uma interação entre o indivíduo, sua cultura, sua sociedade, a farmacologia e a disponibilidade de certas substâncias. Atualmente, uma das substâncias mais consumidas com a finalidade de induzir alterações da percepção, da emoção e do comportamento é o álcool etílico, ou etanol. As bebidas alcoólicas são produzidas com essa finalidade, sendo também uma fonte de calorias “vazias” (pois não estão associadas a proteínas, sais minerais ou vitaminas), utilizadas pelos grupos marginalizados. O local privilegiado para o encontro das conseqüências danosas do elevado consumo de álcool é o Serviço de Emergência. Aí defrontam-se com alarmante freqüência tanto os episódios de intoxicação aguda, quanto intercorrências direta ou indiretamente relacionadas: acidentes de trânsito e atropelamentos, tentativas de suicídio, agressões, acidentes de trabalho, pancreatite aguda, crise de gota, hemorragia digestiva, coma hepático e tantas outras. Apenas para se ter idéia do problema, sabe-se que cerca de 40 a 50% das internações em hospitais psiquiátricos no Brasil têm relação com o alcoolismo (dados de 1997). A partir do século XIX, o alcoolismo passou a ser cientificamente aceito como sendo uma doença. Nesta concepção, o enfoque moralista, que classificava o alcoolismo como sendo um “vício”, foi substituído pelo de “doença”, que leva a doenças físicas e mentais. Depreendemos daí ser absolutamente indispensável o entendimento dos aspectos clínicos, sociais e psíquicos do uso do álcool para o atendimento adequado a um número sempre crescente de pacientes. II. Aspectos Farmacológicos. O etanol é um líquido volátil, incolor, ingerido geralmente por auto-administração, e é o principal álcool responsável pelos efeitos da alcoolização. Em média, ele é encontrado nas seguintes concentrações: cerveja — 2-6%; vinho — 12-20%; uísque — 43-50%; aguardente — 30-50%. O etanol é uma substância altamente difusível, tanto em água quanto em lipídios. É rapidamente absorvido a partir do estômago e do intestino para a corrente sangüínea. Sua alta difusibilidade permite a penetração em todos os compartimentos aquosos do corpo, tanto intra quanto extracelulares, em equilíbrio. A concentração no sangue reflete a concentração em outras partes do organismo, podendo ser usadas como medidas indiretas as concentrações do ar alveolar e da urina. Dois a 10% do etanol ingerido são eliminados diretamente por difusão pelos rins e pulmões. O restante é metabolizado, sofrendo oxidação, principalmente pelo fígado. 620

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A velocidade de oxidação é constante para qualquer nível sangüíneo, sendo a quantidade oxidada por unidade de tempo proporcional ao peso corporal e ao fígado. No adulto, a velocidade média de metabolização é de 10 ml/hora ou em torno de 7-10 g de álcool/hora. No não-alcoolista são necessárias aproximadamente 20 horas para redução de um nível de 400 mg% para zero. III. Interações Medicamentosas. Deve-se ter sempre em mente que uma intoxicação alcoólica pode complicar-se pelo uso simultâneo, intencional ou inadvertido, de outras drogas, que muitas vezes atuam sinergicamente com o álcool nos seus efeitos depressores do SNC. Entre elas, destacam-se os sedativos, os hipnóticos, as drogas anticonvulsivantes, os antidepressivos, os analgésicos, como o propoxifeno, e os opiáceos. O uso simultâneo de um hipoglicemiante oral pode determinar flutuações imprevisíveis na glicemia, tanto pelo efeito hipoglicemiante do álcool como pela redução da meia-vida da tolbutamida. O álcool pode aumentar o metabolismo dos agentes cumarínicos. Seu efeito irritante sobre a mucosa gástrica pode ser responsável pela incidência aumentada de sangramento (hemorragia digestiva alta), quando usado simultaneamente com o ácido acetilsalicílico. Dentre as interações, é de bastante importância prática a que ocorre com o dissulfiram (Antabuse®), medicamento algumas vezes utilizado no tratamento do alcoolismo. Esta substância altera o metabolismo intermediário do álcool, causando acúmulo de acetaldeído. Os sinais e sintomas surgem 5 a 10 minutos após a ingestão do álcool. Os mais freqüentes são: calor e rubor faciais, latejamentos cefálico e cervical, cefaléia pulsátil, dificuldade respiratória, náuseas, vômitos, sudorese, sede, dor torácica, hipotensão, fraqueza, vertigem, confusão mental etc. Em relação ao uso do dissulfiram, é importante frisar que a decisão do paciente de tomar ou não o remédio é fator essencial para o tratamento. A decisão de beber ou não passa a ser substituída pela decisão de tomar ou não o medicamento. No entanto, infelizmente é comum em nosso meio a utilização desta droga sem o conhecimento do alcoolista, misturada à comida e às bebidas, para impedir a vontade de beber. Em decorrência da administração da droga e sua interação medicamentosa com o álcool, podemos ter graves problemas cardiovasculares, inclusive com êxito letal. IV. Fisiopatologia A. Considerações gerais. Segundo teorias biológicas, a compulsão de beber até a embriaguez depende de características inatas. A incapacidade de se restringir a uma ou mais doses, conhecida como perda do controle, resultaria de uma reação fisiológica em cadeia, acionada por uma quantidade inicial da droga. Por este ângulo, a perda de controle independeria da vontade, estando subordinada exclusivamente a mecanismos fisiológicos disparados pelo álcool. Sob este enfoque, cabe considerar o alcoolista como sendo vítima de uma doença. 621

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Tem sido estudada a hipótese de que o alcoolista se caracteriza por uma diferença geneticamente determinada na metabolização do álcool. A biotransformação hepática do acetaldeído seria determinada pela presença ou não de uma enzima (ainda em estudo), que tem maior ou menor afinidade pelo acetaldeído, responsável pela resposta biológica ao álcool. Segundo teorias da aprendizagem, alcoolistas são os que aprenderam a lidar com os problemas existenciais por meio do efeito do álcool, onde este pode adquirir propriedades reforçadoras muito potentes, que poderiam explicar a perda de controle. Sem negar a ocorrência de alcoolismo secundário, como epifenômeno de um distúrbio psíquico adjacente, a teoria comportamental privilegia a idéia do alcoolismo como comportamento aprendido, que pode desenvolver-se em qualquer pessoa. Um pressuposto muito divulgado é o de que os alcoolistas se caracterizam por determinados traços de personalidade, como dependência, insegurança, passividade e introversão. Não há, portanto, uma explicação universal para o alcoolismo. Na gênese desta complexa condição estão diferentes fatores de vulnerabilidade. Todos os que bebem têm a possibilidade de se tornarem alcoolistas. A maior ou menor probabilidade dependerá da interação dos diferentes fatores de vulnerabilidade. 1. Sistema nervoso. É a sede dos principais efeitos do álcool, onde age como potente depressor. Este efeito depressor tende a se iniciar nas áreas mais superiores, progredindo de modo descen-dente. Chama a atenção nas intoxicações graves o acometimento dos centros respiratório, vasomotor e termorregulador. Resultam daí quadros caracterizados por depressão respiratória, vasodilatação periférica, hipotermia e choque. Outro efeito importante da intoxicação seria a diminuição das catecolaminas liberadas com aumento transitório dos níveis circulantes, ocorrendo hiperglicemia, hipertensão leve e dilatação pupilar. 2. Trato gastrointestinal. O efeito da ingestão alcoólica no aparelho gastrointestinal se dá principalmente quanto às funções secretoras e de motilidade. Concentrações altas são poderosos irritantes da mucosa gástrica, levando à hiperemia congestiva e inflamação, e até mesmo a uma gastrite erosiva. Quanto à função hepática, segundo alguns autores, ela não estaria associada a alterações graves. Outros relatam supressão de gliconeogênese e redução da liberação de glicose, podendo levar à hipoglicemia. 3. Rins. Ação no nível do sistema neuroipofisário, inibindo a secreção do hormônio antidiurético. V. Quadro Clínico e Diagnóstico.

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Os dados de anamnese são obtidos a partir do próprio paciente ou de seus acompanhantes. É importante saber a quantidade e o tipo de bebida ingerida, alimentação concomitante ou não, associação com outras drogas, assim como etilismo pregresso e existência de patologias associadas. O exame físico deve ser primeiramente direcionado para a avaliação das funções vitais e da necessidade de suporte, depois para os sinais de intoxicação aguda e posteriormente para evidência de patologias e seqüelas de uso crônico de álcool. Para finalidades médicas, seria ideal a determinação da concentração do álcool no sangue, no ar exalado ou na urina. Respeitando as tolerâncias individuais, a regularidade e a quantidade de ingestão alcoólica, tem-se que: (a) níveis baixos (50-150 mg%) provocam leves sintomas de intoxicação, com desinibição, euforia, incoordenação motora leve a moderada — estes níveis geralmente não exigem a intervenção do médico; (b) níveis moderados (150 a 300 mg%) acometem o sistema límbico e o cerebelo, originando sonolência, instabilidade emocional, fala arrastada, ataxia e diminuição das respostas motoras; (c) níveis acima de 300 mg% acompanham-se de depressão mais acentuada das áreas anteriormente citadas e mais do sistema reticular ativador ascendente — aumentam as disfunções motoras e cognitivas; há diminuição progressiva do estado de consciência, com letargia, estupor e coma. Com níveis muito altos (em torno de 500 mg%), predominam o acometimento bulbar com aprofundamento do coma, hipotermia, hipotensão e depressão respiratória. A morte ocorre raramente, estando associada à ingestão concomitante de outros depressores e aos comas prolongados (8-10 h); ao ocorrer, geralmente sobrevém a morte por parada respiratória. Em alguns indivíduos hipersensíveis, pode ocorrer o que se denomina intoxicação alcoólica patológica, provavelmente associada à epilepsia do lobo temporal. Após uso de pequenas quantidades de álcool, manifesta-se agitação extrema, acompanhada de confusão mental, desorientação e, às vezes, grande violência. Geralmente, segue-se amnésia. A constelação de dados da anamnese e do exame físico deve guiar a escolha dos exames complementares, laboratoriais e radiológicos. Testes como o hemograma, a análise da urina, glicemia, uréia e creatinina podem revelar grosseiramente anormalidades renais, hepáticas ou metabólicas. Os eletrólitos séricos devem ser monitorados nos pacientes que necessitam de hidratação parenteral. Medidas seriadas dos gases arteriais podem mostrar-se necessárias à avaliação e ao controle da função respiratória. VI. Diagnóstico Diferencial. Cetoacidose diabética; intoxicações exógenas; acidentes vasculares cerebrais; traumatismos cranioencefálicos; hipoglicemia; outros comas metabólicos. O alcoolismo associa-se a inúmeros distúrbios do sistema nervoso central, cardiovasculares (arritmias, distúrbios de condução, hipertensão, miocardiopatia alcoólica), gastrointestinais, hematológicos, metabólicos, desnutrição, risco aumentado de infecção, interação com outras drogas etc. 623

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VII. Tratamento A. Intoxicação alcoólica não-complicada. Não requer tratamento, e geralmente segue-se uma recuperação completa. Os indivíduos que se mostrarem muito deprimidos deverão receber suporte psicológico até a recuperação, uma vez que se sabe que cerca de 25% das tentativas bem-sucedidas de auto-extermínio se acompanham de níveis alcoólicos elevados. B. Estupor alcoólico. Geralmente é de curta duração e, caso os níveis vitais permaneçam estáveis, não se justificam medidas específicas. O paciente deve ser mantido em observação para sinais avançados de depressão do SNC. É útil a administração de tiamina — 100 mg, IM. C. Intoxicação patológica. O tratamento do episódio agudo consiste na injeção muscular de benzodiazepínicos. O tratamento a longo prazo exige a total abstinência, somada à terapia anticonvulsivante, nos casos diagnosticados como epilepsia do lobo temporal. D. Intoxicação alcoólica sintomática. Caso o paciente esteja inquieto, hiperexcitado, agressivo, deve-se usar a contenção e, se necessário, devem-se empregar sedativos, com a cautela de não aumentar a depressão do SNC. Recomenda-se o diazepam, 10 mg IM, ou a clorpromazina, 25-50 mg IM. A hidratação parenteral deve ser instituída quando necessário, e fazendo-se com o uso de tiamina, 100 mg IM. E. Coma alcoólico. O tratamento do coma alcoólico é direcionado principalmente no sentido de manutenção das funções vitais. Se possível, o paciente deve ser monitorado e tratado em Unidade de Terapia Intensiva, pois esta é uma condição que apresenta risco imediato de vida. Devemos pedir auxílio do laboratório para a correção adequada dos distúrbios metabólicos que quase sempre se instalam. F. Medidas gerais: (a) manter o paciente em decúbito lateral para evitar aspiração de secreções; (b) aquecer o paciente; (c) avaliar periodicamente sinais vitais e intervir de acordo com a necessidade; (d) monitoração da PVC para reposição hídrica adequada; (e) passar sonda nasogástrica para lavagem até seis horas após a ingestão, e para descompressão do estômago; (f) manter vias aéreas permeáveis; (g) oxigenoterapia e, em alguns casos, intubação orotraqueal. G. Tratamento medicamentoso. Reposição de volume e eletrólitos. A hipotensão geralmente responde bem à expansão de volume e oxigenoterapia; uso de vasopressores (p. ex., Dopamina), caso haja persistência de hipotensão severa ou choque; soro glicosado a 5% — 40-80 ml EV; tiamina — 100 mg, IM; soro glicosado a 50% — 160-200 ml, associado a 20 mg de piridoxina, diluídos em 500 ml de soro glicosado isotônico, é preconizado para acelerar o metabolismo da droga; tratamento sintomático das crises convulsivas (se houver), com diazepam, 10 mg EV, com o devido cuidado para não deprimir ainda mais a respiração; bicarbonato de sódio — para corrigir a acidose, de acordo com a gasometria. VIII. Síndrome Aguda de Abstinência do Álcool. 624

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Indivíduos dependentes de álcool que passam longos períodos bebendo podem desenvolver uma reação clínica severa, denominada síndrome aguda de abstinência do álcool, quando reduzem ou suspendem a ingestão alcoólica. Seus sintomas são produzidos por: hiperirritabilidade cortical e/ou descarga beta-adrenérgica do tronco cerebral. A hiperirritabilidade cortical resulta em desorientação, alucinações e convulsões, enquanto a descarga beta-adrenérgica do tronco cerebral leva a agitação, alterações vasomotoras e tremores. Os dois mecanismos não são firmemente associados, podendo haver predominância de um ou de outro padrão. Havendo concomitância de alterações corticais e de tronco cerebral, temos o tipo mais grave de abstinência alcoólica, que é o delirium tremens (caracterizado por agitação, alucinações, delírios, tremores e convulsões), sendo esta uma emergência médica com índice de mortalidade em torno de 15%, se não tratada adequadamente. A. Quadro clínico. Desorientação, alucinações, tremores, sudorese profusa, taquicardia e taquisfigmia, instabilidade de pressão e temperatura. Dores musculares, parestesias e crises convulsivas são freqüentes. B. Tratamento 1. Utilização de droga de ação prolongada que tenha tolerância cruzada com o álcool. Benzodiazepínicos são as drogas de escolha. Em casos moderados, clordiazepóxido, 75-100 mg VO, quatro vezes ao dia, e doses decrescentes subseqüentes. Tem sido indicado o uso de benzodiazepínicos full dose na abstinência grave (isto é, 10 mg EV, seguidos de 5 mg EV a cada cinco minutos), até que o paciente esteja calmo. Às vezes, são necessárias doses de até 100 mg para acalmar um paciente. Após acalmado, o paciente é mantido com 5 mg EV a cada quatro horas, podendo este esquema ser necessário por dois a quatro dias. Manter observação rigorosa dos sistemas respiratório e cardiovascular. Nas crises convulsivas, utiliza-se o diazepam EV. 2. Reposição hidroeletrolítica. 3. Tiamina. 4. Aquecimento do paciente. 5. Controle rigoroso de infecções (quase sempre presentes). 6. Apoio físico e psicológico. IX. Comunicação Com o Alcoolista.

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O profissional de qualquer área, ao lidar com o alcoolista, precisa saber o quanto ele bebe e com que freqüência, ou em que situações o ato de beber se torna inevitável. Tais questões, embora possam ser importantes para definir a intoxicação, não levam muito longe no que se refere à compreensão do problema. As causas ou explicações do alcoolismo estão enraizadas na vida sóbria da pessoa, ou talvez, melhor falando, no estilo de sobriedade do sujeito. Ele é excessivamente sóbrio entre uma intoxicação e outra. Ou pode ser que ele sofra por sua própria sanidade e lhe seja intolerável ser mais sadio do que as pessoas que o cercam. De qualquer forma, o estado alcoólico é uma espécie de corretivo para um determinado estilo de estado sóbrio. O estado sóbrio recebe a aprovação cultural, mas é insustentável para a pessoa, pois a coloca em uma realidade que a encara com seriedade talvez excessiva. A rendição à intoxicação é um atalho para uma alternativa mais ou menos bem-sucedida de um estado mental mais aceitável. O alcoolismo depende da existência de estados dissociados na pessoa. O alcoolista procura evitar a rendição ao álcool pensando por negativas, em vez de pensar por afirmativas. Neste ponto, podemos inferir algumas regras simples sobre o que comunicar ou não comunicar ao paciente para ajudá-lo um pouco, ou pelo menos para não aumentar a confusão interna em que ele já vive:

NEGATIVAS AFIRMATIVAS Dirija sem ódio Dirija com amor Não vou ficar inseguro Vou agir do modo que seja mais natural para mim Não vou mais beber Vou cuidar de mim mesmo A. Reforçar o estado sóbrio aumenta a necessidade de beber. Se você convidar o alcoolista a ter “mais responsabilidade” ou a “levar a vida mais a sério”, ele concordará com você. É isto mesmo que ele faz quando está sóbrio, e é isto que o leva a beber. Produz melhor resultado convidá-lo a uma “vida sóbria” menos carregada de obrigações, deveres sociais, desafios etc. B. Solicitar que ele não beba é o mesmo que ordenar que ele beba. Há duas maneiras de fazer com que uma pessoa pense em vermelho: (a) sugerir que ela pense na cor vermelha e (b) solicitar que ela não pense na cor vermelha. Também há dois modos de se levar um alcoolista a beber: convidá-lo diretamente, ou pedir que ele não beba. C. Ajude-o a pensar por afirmativas; muitas vezes, fazemos o que dizemos que “não vamos fazer”. Economizamos muito das nossas energias quando traçamos as nossas metas dizendo, para nós mesmos ou para os outros, o que vamos fazer. O caminho das afirmativas é mais econômico. Por exemplo: 626

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Se o alcoolista for ajudado a integrar seus estados dissociados, ele beberá mais controladamente. Para integrá-los, é necessário que ele seja capaz de apreendê-los simultaneamente. A tarefa da integração completa não é fácil, mas todo aumento de consciência dos dois estados lhe será benéfico. Referências 1. Alonson W. The cybernetics of “self”. A teory of alcoholism. In: Bateson M. Steps to an Ecology of Mind. New York: Ballantine Books, 1972. 2. Blander R, Grinder J. Reframing dissociated states: alcoholism, drug abuse, etc. In: Blander R. Reframing. Utah: Real People Press Moab, 1982. 3. McGinnis JM, Foege WH. Actual causes of death in the United States. JAMA 1993; 270: 2.707-12. 4. Millman RB. Drug abuse, dependence an intoxication. In: Wingaarden JB, Smith LH. Cecil Textbook of Medicine. 16 ed., Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1982. 5. Pimenta MS, Vieira LMF, Lima MS. In: Erazo GAC, Pires MTB. Manual de Urgências em Pronto-Socorro. 3 ed., Rio de Janeiro: MEDSI, 1990: 375-80. 6. Ritchie JM. Os álcoois alifáticos. In: Gilman AG, Goodman LS, Gilman A. As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 6 ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1983. 7. Sellers EM, Kalant H. Alcohol intoxication and withdrawal. The New England Journal of Medicine 1976; 294(14): 757-62. 8. Silva OA, Guimarães PV. Envenenamentos agudos. In: Lopez M. Emergências Médicas. 3 ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982. 9. Wright SW, Slovis CM. Drinking on Campus — Undergraduate Intoxication Requiring Emergency Care. Arch Pediatr Adolesc Med 1996; 150: 699-702. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 53 - Pancreatite Aguda e Crônica Agutizada Mário Ribeiro I. Introdução. Apesar de avanços recentes no diagnóstico e tratamento da pancreatite aguda, esta afecção continua sendo considerada grave, com uma mortalidade geral de 5 a 10%. Durante o Simpósio Internacional de Pancreatite Aguda, realizado em Atlanta, EUA, em 1992, foram definidos novos critérios para uma classificação desta doença, direcionados especialmente para sua aplicação clínica. Podemos, assim, ter a seguinte divisão das pancreatites: A. Aguda 1. Intersticial. 2. Necrotizante. B. Crônica 1. Crônica. 2. Obstrutiva. Abordaremos, neste capítulo, as pancreatites aguda e crônica agutizada. II. Pancreatite Aguda A. Definições. A pancreatite aguda é mais bem definida como um processo inflamatório do pâncreas, que pode acometer tecidos peripancreáticos e/ou sistemas orgânicos a distância. Critérios de gravidade incluem a presença de falência orgânica (p. ex., choque, insuficiência respiratória e insuficiência renal) e/ou a presença de complicações locais (especialmente a necrose pancreática). A necrose pancreática é definida como a presença de uma ou mais áreas de parênquima pancreático não-viável, usualmente associada a necrose de gordura peripancreática. A necrose pode ser estéril ou infectada. Esta última se caracteriza pela presença de bactérias ou fungos no tecido necrótico. Uma coleção fluida extrapancreática resulta do extravasamento de líquido para além dos limites do pâncreas. Não há parede fibrosa delimitante. Surge precocemente no decorrer da doença. Um pseudocisto pancreático consiste em uma coleção de suco pancreático limitado por uma parede não-epitelial, resultante de uma pancreatite aguda, trauma pancreático ou pancreatite crônica agutizada. Se infectado, passa a ser definido como abscesso pancreático.

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O abscesso pancreático é uma coleção circunscrita de pus, intra-abdominal, resultante de um episódio de pancreatite aguda ou trauma pancreático. Usualmente ocorre nas vizinhanças do pâncreas e contém mínima ou nenhuma necrose pancreática. B. Generalidades. O diagnóstico desta afecção pancreática nem sempre é simples, especialmente pela multiplicidade de apresentações clínicas e por apresentar evolução favorável e rápida em cerca de 80% dos casos. Usualmente, o processo é autolimitado, porém há situações muito graves nas quais, além de edema, encontram-se necrose parenquimatosa e peripancreática, hemorragia importante e inflamação significativa, fatores que, associados ao envolvimento sistêmico, podem levar o paciente à morte. C. Incidência. Considerando-se a complexidade diagnóstica, não é precisa a incidência de pancreatite aguda. Corresponde aproximadamente a 1-1,5% dos casos de abdômen agudo cirúrgico. É mais comum na mulher, acometendo freqüentemente aquelas que se encontram na faixa etária compreendida entre os 50 e os 60 anos de idade. É doença rara nas crianças, sendo relatada em alguns casos de traumatismo abdominal, parasitose intestinal e parotidite epidêmica. D. Morfologia. É possível encontrar, na vigência de pancreatite aguda, desde leve edema intersticial e necrose lipídica peripancreática, até grave esteatonecrose, necrose pancreática e hemorragia significativa. As lesões podem ser localizadas ou difusas. E. Anatomia patológica 1. Forma intersticial. É a apresentação clínica mais freqüente (80-90% dos casos). Verificam-se edema e infiltrado inflamatório moderado, com aumento de volume e consistência do pâncreas. A histologia revela edema intersticial e dilatação capilar. 2. Forma necrotizante. É o tipo mais comumente detectado em necropsias. Caracteriza-se por necrose lipídica e parenquimatosa, hemorragia, trombose vascular, envolvimento de tecidos e órgãos vizinhos e comprometimento a distância (p. ex., cutâneo ou cerebral). F. Fisiopatologia e seqüelas. Na patogênese da pancreatite aguda, ainda existem fatores obscuros envolvendo aumento da pressão intracanalicular e origens vascular, neural e hormonal. Entretanto, qualquer que seja a causa da doença, a secreção pancreática atinge o interstício da glândula, onde desencadeia um espectro de alterações enzimáticas, catalíticas e autodigestivas. Substâncias tóxicas e vasoativas, por vias linfática e venosa, atingem a circulação sistêmica, contribuindo para a falência orgânica. Durante o episódio de pancreatite aguda, ocorre uma alteração funcional do órgão, de extensão e duração variáveis. Posteriormente, há restituição total, clínica, morfológica e funcional, e apenas raramente persiste alguma seqüela, como, por exemplo, um pseudocisto. G. Etiologia. Causas comuns são a litíase biliar (verificada em 75% das mulheres e 45% dos homens com pancreatite aguda), alcoolismo (até 29%, em algumas citações), pósoperatória (5-10% dos casos), traumatismo (1,5%) e idiopática (em algumas estatísticas, 629

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atinge 30% dos casos). Outras causas menos freqüentes seriam o câncer do pâncreas, hiperlipemia familial, parasitose intestinal, parotidite epidêmica e papilite. Dentre as causas iatrogênicas, lembramos a que se segue ao uso de drogas (p. ex., furosemida, tiazídicos e glicocorticóides) e a observada após colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (especialmente se há contrastação parenquimatosa). H. Diagnóstico. Apesar do progresso propedêutico obtido, o diagnóstico ainda é difícil. O quadro clínico é muito variado, e os exames laboratoriais e radiológicos são, muitas vezes, inespecíficos. Em situações infreqüentes, torna-se imperativa a laparotomia exploradora, para que se estabeleça o diagnóstico. I. Aspectos clínicos. O sintoma primordial é a dor no abdômen superior, geralmente intensa, persistente e resistente à medicação habitual. Náuseas e vômitos são observados em 65% dos pacientes e icterícia, em 15-50%. Pode ocorrer hipertermia, habitualmente pouco significativa. Ao proceder ao exame físico do abdômen, após a história clínica, o médico freqüentemente se surpreende, encontrando um quadro mais leve do que esperava, com distensão abdominal e dor discreta à palpação profunda. Em casos graves, há cianose, taquicardia, taquipnéia, agitação e oligúria. Alguns parâmetros clínicos de mau prognóstico são: idade superior a 55 anos, alcoolismo crônico isolado ou associado a outra causa, derrame pleural extenso, edema pulmonar, ascite volumosa, peritonite bacteriana, oligúria, massa abdominal palpável e íleo adinâmico prolongado. J. Avaliação laboratorial. As dosagens plasmáticas auxiliam muito, porém nem sempre são decisivas para o diagnóstico. Pesquisam-se os valores da amilase e da lipase no sangue, na urina e nos líquidos orgânicos (ascite, derrame pleural). No tocante à amilase, só há elevação marcante desta enzima em 40% dos casos, e em outros 20% o seu valor é normal. Valores três vezes acima do limite superior esperado para a amilase e lipase sugerem fortemente o diagnóstico de pancreatite aguda. A persistência de hiperamilasemia fala a favor de complicação da doença pancreática. Não há correlação nítida entre os níveis da amilase plasmática e a gravidade da doença. O valor da pesquisa da lipase se baseia, principalmente, em sua maior especificidade e na elevação e queda mais tardias de seus níveis em relação os da amilase. A dosagem da procarboxipeptidase B pode ser especialmente útil quando os sintomas já datam de alguns dias, visto que seus níveis plasmáticos permanecem elevados por mais tempo do que os de amilase e lipase. Estudos envolvendo dosagens plasmáticas tentando definir a etiologia da pancreatite aguda (alcoólica/não-alcoólica) vêm sendo desenvolvidos, particularmente utilizando medições séricas de alanina aminotransferase e transferrinacarboidrato deficiente. A glicemia e a calcemia têm valor prognóstico, estando o cálcio plasmático acentuadamente diminuído em cerca de dois terços dos casos graves. Alguns exames importantes nas formas graves da doença são hemograma, gasometria arterial, dosagem de uréia, creatinina, eletrólitos LDH, TGO, TGP e proteína C reativa. L. Estudo radiológico. A radiografia simples do abdômen, sem preparo prévio, revela sinais indiretos (distensão das alças intestinais, níveis hidroaéreos, condensações) em 30-60% dos casos, e a de tórax, em 10-15% (especialmente derrame pleural à esquerda). Os métodos de diagnóstico por imagem com maior poder de penetração são a ultra-sonografia abdominal 630

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e, especialmente, a tomografia computadorizada helicoidal do abdômen, com o uso de contraste iodado em bolo. A tomografia computadorizada é fundamental para definir entre as formas intersticial e necrotizante, mas deve ser evitada nos primeiros três a quatro dias da doença, pois há estudos que sugerem piora do quadro clínico a partir da utilização do contraste iodado nesta fase. O valor da ressonância magnética do abdômen ainda não está bem estabelecido. Alguns autores, em casos selecionados, efetuam a colangiopancreatografia endoscópica retrógrada, mesmo na vigência de quadro agudo de pancreatite, não com intuito diagnóstico, mas especialmente para localizar e remover cálculos coledocianos. Alguns parâmetros radiológicos de mau prognóstico são: presença de derrame pleural extenso, íleo paralítico, presença de abscesso pancreático, áreas necróticas muito extensas, presença de bolhas de gás no tecido necrótico e não-visualização das veias esplênica e porta. M. Diagnóstico diferencial. Deve ser feito com todas as causas de abdômen agudo, já que a doença apresenta quadro multiforme. As doenças que propiciam o surgimento de quadros clínicos mais semelhantes são a úlcera gastroduodenal perfurada, obstrução intestinal, colecistite aguda e trombose mesentérica. N. Complicações. A pancreatite aguda, especialmente na forma necrotizante, muitas vezes cursas com alguma complicações, várias delas graves, como pseudocisto necrótico, abscesso pancreático, hemorragia pancreática extensa, fístula pancreática ou intestinal, derrame pleural e hemorragia digestiva. O. Tratamento clínico. Os casos de pancreatite aguda grave devem ser tratados à internação em Unidade de Tratamento Intensivo, onde há condição de detecção mais precoce de complicações. Inicialmente, o tratamento proposto para os portadores de pancreatite aguda é basicamente clínico, assim estruturado: 1. Jejum absoluto (repouso da glândula), na fase inicial. A introdução da dieta oral pode ser efetuada quando houver melhora da dor abdominal, ausência de estase gástrica e o paciente desejar se alimentar. Deve-se lançar mão de suplementação nutricional em casos de inanição por período superior a cinco a sete dias ou formas graves da doença (quando possível, preferencialmente por via enteral, através de sonda posicionada no jejuno, por endoscopia ou radioscopia). 2. Aspiração nasogástrica (reservada para os casos graves ou para os pacientes com estase gástrica). 3. Analgésicos (evitar morfina, devido à possibilidade de espasmo do esfíncter papilar). 4. Repouso. 5. Reposição hidroeletrolítica precisa. Ressuscitação hidroeletrolítica agressiva nos casos graves.

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6. Suporte respiratório, se necessário. 7. Aparentemente não há indicação para o uso de anticolinérgico, antienzimas pancreáticas, glucagon e cimetidina. Encontram-se, na literatura médica, vários trabalhos conflitantes referentes ao uso de somatostatina e octreotide, com resultados muito variados. 8. Antibióticos profiláticos não estão indicados nas formas leves e têm valor ainda discutível nos casos graves. Percebe-se uma tendência cada vez maior para sua utilização nas formas mais agressivas da doença (devem-se utilizar drogas com cobertura para germes aeróbios e anaeróbios). P. Tratamento cirúrgico. O tratamento cirúrgico permanece indicado para situações especiais, tais como: 1. Estabelecimento do diagnóstico. É cada vez menor o número de casos em que é necessária uma laparotomia exploradora para definição diagnóstica, levando-se em conta a propedêutica disponível, menos invasiva. Quando, à laparotomia, o cirurgião se depara com uma forma leve de pancreatite aguda biliar, é possível realizar o tratamento biliar definitivo; nos casos graves, é prudente não se efetuar a colecistectomia, mas apenas posicionar drenos e cateteres, se necessário. 2. Tratamento das complicações. Consiste, principalmente, na drenagem de pseudocistos e abscessos e na limpeza da cavidade abdominal em portadores de peritonite difusa secundária. Em relação aos pseudocistos, deve-se procurar, se possível, aguardar a maturação de sua parede (seis a oito semanas) para que seja efetuada sua drenagem interna com segurança. A drenagem externa fica reservada para cistos muito volumosos, com compressão e obstrução gastroduodenal, infecção, icterícia e dor de fácil controle clínico. Freqüentemente, é possível realizar tais drenagens externas por via percutânea, guiada por ultra-sonografia abdominal ou tomografia computadorizada do abdômen. Em alguns casos, a via laparoscópica pode ser empregada. 3. Tratamento da litíase biliar. Na literatura médica, há alguma divergência sobre o momento da intervenção cirúrgica para o tratamento da litíase biliar em portadores de pancreatite aguda. Quando pacientes com a forma leve da doença (apenas dor abdominal transitória e hiperamilasemia) são operados precocemente, não se verificam sinais anatômicos da doença em 75% deles. Por outro lado, nos casos em que o paciente apresenta outros sinais clínicos e laboratoriais da doença, a colecistectomia não interfere com a evolução deste episódio agudo. Se o paciente apresenta mais de três sinais de mau prognóstico de Ranson (Quadro 53-1), a mortalidade cirúrgica pode atingir 67%, portanto, proibitiva. A recorrência estimada da pancreatite aguda biliar em quatro a seis meses é de 30-60%. Considera-se, portanto, que o momento mais indicado para a intervenção cirúrgica biliar definitiva depende do caso em questão: em casos leves, a operação precoce é indicada, habitualmente, 48-72 horas após o início do tratamento clínico, momento em que o paciente já se encontra assintomático e já se verifica queda dos níveis de amilase plasmática; indica-

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se a cirurgia tardia (após várias semanas ou meses) para os portadores de pancreatite aguda grave. Q. Medidas cirúrgicas específicas 1. Ressecção pancreática. É pequeno o número de autores que indica ressecção pancreática em casos de evolução desfavorável (sinais de síndrome da resposta inflamatória sistêmica persistente). 2. Drenagem e desbridamento de tecido necrótico. A maioria dos cirurgiões que se dedica ao tratamento das doenças do pâncreas realiza drenagem peripancreática ampla ou desbridamento do tecido necrótico como tratamento de escolha. A operação deve ser preferencialmente tardia (pelo menos 12 dias após o início do quadro) e freqüentemente é realizada em múltiplos tempos cirúrgicos, com ou sem lavagem contínua com sistema fechado, associada ou não a laparostomia. A mortalidade nos casos de portadores de pancreatite intersticial é de cerca de 2%; eleva-se para 10% na forma necrotizante e atinge 30% se a necrose se infectar. A punção percutânea guiada por tomografia computadorizada representa método seguro e eficaz para definir a existência de infecção no tecido necrótico. O desbridamento está sempre indicado nos casos de infecção. Há grande discussão quanto ao manuseio dos portadores de necrose estéril. Muitos cirurgiões operam estes pacientes caso a área de necrose pancreática seja extensa ou haja evolução desfavorável do quadro de síndrome da resposta inflamatória sistêmica. 3. A lavagem peritoneal, através de cateter de diálise, com solução isotônica balanceada, remove toxinas, diminuindo, assim, as complicações nos sistemas cardiovascular e respiratório, porém não é isenta de riscos e não previne a sepse peripancreática tardia, importante causa de óbito em portadores de pancreatite aguda. Alguns autores vêm utilizando este método terapêutico por mais tempo, e alguns estudos sugerem melhores resultados no tocante à infeção tardia. R. Tratamento endoscópico. Muito se tem publicado a respeito da colangiopancreatografia endoscópica retrógrada seguida de papilotomia, quando necessário. A remoção de cálculos dutais por esta via de acesso tem-se mostrado de valor, especialmente nas formas mais graves de pancreatite aguda de origem biliar, evitando a colangite aguda. S. Prognóstico. Em portadores de pancreatite aguda, o prognóstico vem melhorando com o diagnóstico mais precoce e o tipo de tratamento empregado. É mais sombrio na forma necrotizante. A gravidade pode ser prevista por meio de uma avaliação clínica global bem realizada, segundo alguns autores, ou, de acordo com a maioria, utilizando-se critérios prognósticos definidos (p. ex., APACHE II Acute Physiology and Chronic Health Evaluation, critérios de Ranson e outros). Oito ou mais pontos na escala APACHE II (Quadro 53-2) estão associados à apresentação de maior gravidade da doença. Segundo os critérios de Ranson (Quadro 53-1), quando há menos de três sinais positivos, a mortalidade é de 0,9%; com três a quatro sinais, aumenta para 16%; com cinco a seis, atingem-se 40%, e com mais de sete, virtualmente alcançam-se 100%. Muitos autores preferem utilizar a escala APACHE II pela sua aplicação prática a qualquer momento na evolução da

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pancreatite aguda. O prognóstico é mais reservado nos casos em que ocorrem falências orgânicas e complicações locais, tais como necrose e abscesso pancreático. III. Pancreatite Crônica Agutizada A. Introdução. Dentre as modalidades de pancreatite crônica, a que predomina em larga escala em nosso meio é a pancreatite crônica calcificante (PCC). Abordaremos, portanto, esta forma de pancreatite. A doença é marcada por crises recorrentes de agutização. B. Aspectos típicos da PCC 1. Distribuição lobular das lesões. 2. Dilatação freqüente de pequenos dutos. 3. Grande número de rolhas protéicas. 4. Freqüente lesão epitelial dos dutos. C. Anatomia patológica. O pâncreas pode apresentar-se normal à ectoscopia e à palpação. Pode haver alteração volumétrica, morfológica e da consistência da glândula. É comum a dilatação dutal. Formam-se cistos e pseudocistos. Os cálculos são principalmente intradutais. Nota-se fibrose peripancreática. Coexistem lesões agudas do tipo edema e infiltrado inflamatório. D. Etiologia 1. Álcool (causa mais comum em nosso meio). 2. Deficiência protéica. 3. Idiopática. 4. Outros fatores (p. ex., imunológicos ou familiares). E. Sintomatologia 1. Dor. O sintoma cardinal é a dor abdominal, freqüentemente intensa, raramente intolerável; pode acometer o epigástrio, os hipocôndrios, flancos, a região interescapulovertebral e, classicamente, assume a distribuição em faixa no abdômen superior. Acompanha-se de náuseas, vômitos e hiporexia. Caracteristicamente, os episódios dolorosos são prolongados e recorrentes. 2. Perda de peso. Acomete quase a totalidade dos pacientes. 3. Icterícia do tipo obstrutivo. Secundária à compressão da porção retropancreática do colédoco, pelo pâncreas comprometido. 634

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4. Esteatorréia e diabetes. Configuram as insuficiências exócrina e endócrina do pâncreas. Ocorrem em fases avançadas da doença, quando há extensa destruição e substituição fibrosa do parênquima pancreático. 5. Exame físico. Habitualmente, o paciente encontra-se desnutrido, e, a não ser que haja uma complicação, o exame físico específico é muito deficiente. F. Diagnóstico. Baseia-se na história clínica e é confirmado por quatro métodos principais: intubação duodenal com análise do suco pancreático, ultra-sonografia abdominal, tomografia computadorizada e colangiopancreatografia endoscópica retrógrada. A associação de dois destes métodos permite o diagnóstico em 94-98% dos casos. Nas formas avançadas da doença, é possível, à radiologia simples do abdômen, observar calcificações ao nível da tomografia pancreática. A duodenografia hipotônica revela sinais indiretos, com alterações do arco duodenal. G. Complicações. A PCC é uma doença grave, progressiva, que tem seu curso marcado por complicações freqüentes, tais como cistos e pseudocistos de retenção, pseudocistos necróticos, lesões hepáticas associadas, estenose do duto biliar principal, derrame pleural e abscesso pancreático, entre outras. É importante tentar definir se estamos diante de um paciente com nova crise dolorosa ou se coexiste uma complicação da doença. H. Tratamento clínico. Inicialmente, o tratamento da PCC deve ser clínico, baseando-se nas seguintes medidas: 1. Dieta. O principal fator é o absoluto abandono do hábito etílico. 2. Extratos pancreáticos. Para combater a esteatorréia. Utilizam-se extratos liofilizados de pâncreas, com ajuste individual de doses. A necessidade média seria de 20.000 UI de lipase por dia. 3. Tratamento da dor. É possível controlar a dor, na maioria dos casos, utilizando-se analgésicos comuns. Devem ser evitados os derivados morfínicos, por causarem espasmo do esfíncter de Oddi. O uso de inibidores potentes de secreção pancreática (p. ex., somatostatina ou octreotide) não tem apresentado os resultados esperados. Em casos selecionados, é utilizado até mesmo o bloqueio do gânglio celíaco. 4. Controle do diabetes 5. Forma agutizada. O paciente deve ser tratado como sugerido para a pancreatite aguda (primeira parte deste capítulo). I. Tratamento cirúrgico. Os portadores de PCC terão como indicação cirúrgica a tentativa de controle da dor abdominal, quando esta for considerada clinicamente intratável, e o tratamento de complicações da doença, tais como icterícia obstrutiva, cistos e pseudocistos e obstrução gastroduodenal. Na forma agutizada da PCC, as condições que requerem tratamento operatório são: 635

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1. Cistos e pseudocistos. O tratamento ideal seria a sua remoção, porém, freqüentemente, é impossível realizá-la. O paciente deve ser tratado como sugerido para a pancreatite aguda (primeira parte deste capítulo). 2. Agutização com apresentação necrotizante e peritonite. A laparotomia exploradora permite a limpeza da cavidade abdominal e, às vezes, drenagem peripancreática com desbridamento da área necrótica. 3. Abscesso pancreático. Trata-se de complicação de altas morbidade e mortalidade, devendo ser tratada por meio de drenagem ampla. 4. Icterícia persistente. É necessária a realização de anastomose biliodigestiva. 5. Obstrução gastroduodenal persistente. É corrigida por meio da realização de gastrojejunostomia. J. Prognóstico. A PCC é uma doença muito grave, debilitante, incapacitante, progressiva, mesmo quando se excluem os fatores etiológicos conhecidos. Há nítida redução da expectativa de vida do portador de PCC, que apresenta como idade média, na ocasião do óbito, 44,5 anos. L. Mecanismo de morte. Os principais são o choque hipovolêmico ou misto, a anúria irreversível, síndrome de angústia respiratória do adulto, hemorragia incontrolável, septicemia, diabetes de instalação aguda e a oclusão coronariana. Referências 1. Banks PA. Practice guidelines in acute pancreatitis. Am J Gast 1997; 92: 377-86. 2. Banks PA. Acute pancreatitis: medical and surgical management. Am J Gast 1995; 89: 78-85. 3. Beger G et al. Management of sterile necrosis in instances of severe acute pancreatitis. J Am Coll Surg 1995; 181: 279-88. 4. Blackstone MO. Contrast-enhanced CT worsens acute pancreatitis (letter)? Am J Gastro 1997; 92: 1.577-8. 5. Bradley EL III. A clinically based classification system for acute pancreatitis. Summary of the International on Acute Pancreatitis, Atlanta, GA, Sept 11 through 13, 1992. Arch Surg 1993; 128: 586-90. 6. Branun G et al. Pancreatic necrosis. Results of necrosectomy, packing and ultimate closure over drains. Ann Surg 1998; 227: 870-7.

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Capítulo 54 - Cetoacidose Diabética Francisco das Chagas Lima e Silva Antonio José das Chagas A cetoacidose diabética é um distúrbio metabólico grave que decorre fundamentalmente da falta relativa ou absoluta de insulina, em que a concentração de cetoácidos plasmáticos encontra-se acima de 3 mmol/l. A glicemia normalmente está acima de 300 mg/dl, e o pH, abaixo de 7,30. O estado de consciência dos pacientes varia do normal ao coma, e, neste caso, a concentração plasmática de bicarbonato é igual ou inferior a 9 mEq/l. A cetoacidose ocorre primariamente como resultado de alteração metabólica no fígado, músculo estriado e tecido adiposo. I. Fisiopatologia. Além da falta de insulina, têm fundamental importância os hormônios chamados contrareguladores, como glucagon, catecolaminas, cortisol e hormônio de crescimento, que se tornam aumentados em resposta a estresse físico ou emocional. Estas alterações hormonais provocam diversos efeitos, entre os quais os seguintes: (a) induzem glicogenólise e gliconeogênese máxima, prejudicam a utilização periférica de glicose e, conseqüentemente, provocam hiperglicemia; (b) ativam o processo de cetogênese e iniciam o desenvolvimento de acidose metabólica. Para que ocorra cetose são necessárias alterações no tecido adiposo e no fígado, com os ácidos graxos das reservas adiposas representando o principal substrato para a formação dos corpos cetônicos. Enquanto a liberação dos ácidos graxos livres é mediada pela deficiência de insulina, a oxidação dos mesmos no fígado é primariamente induzida pelo glucagon, através do sistema enzimático da carnitina aciltransferase, responsável pelo transporte de ácidos graxos para as mitocôndrias, após ter sido esterificada a CoA. Existem dois mecanismos pelos quais o glucagon (ou uma alteração na relação glucagon/insulina) ativa esse sistema de transporte: (1) reduzindo o conteúdo hepático de malonil CoA — inibidor potente de carnitina-aciltransferase I; (2) aumentando a concentração hepática da carnitina que, por sua vez, estimula a formação de ácidos graxos. Tais eventos encontram-se da seguinte forma: Na presença de concentrações plasmáticas muito elevadas de ácidos graxos, a captação hepática é suficiente para saturar as vias de oxidação e esterificação, resultando em fígado gorduroso, hipertrigliceridemia e cetoacidose. A superprodução de cetonas pelo fígado é o principal evento dos estados cetóticos, mas a limitação da utilização periférica pode desempenhar papel importante na presença de altas concentrações de acetoacetato e betahidroxibutirato. Em conseqüência de lipólise aumentada, são liberados ácidos graxos livres, a partir de moléculas de triglicerídeos armazenadas, em concentrações que ultrapassam a capacidade do organismo em metabolizá-los. Inicialmente, há produção aumentada de acetil-CoA. Como a utilização da CoA, via ciclo de Krebs, e a síntese de ácidos graxos encontram-se reduzidas, a produção de corpos cetônicos acelera-se. Na célula hepática, os ácidos graxos 639

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normalmente são metabolizados até CO2 e H2O. No fígado, combinam-se duas moléculas de acetil-CoA, que na ausência de insulina não se incorporam a ácidos graxos. Deste modo, acumula-se acetoacetil-CoA (malonil CoA), e formam-se corpos cetônicos (ácido acetoacético, ácido beta-hidroxibutírico e acetona). Estes são liberados em quantidade que excede a capacidade de sua utilização pelos tecidos periféricos, alteração que se agrava pelo comprometimento progressivo da excreção renal, à medida que progride a cetoacidose e diminui a filtração glomerular. Como resultado de gliconeogênese a partir de aminoácidos e gorduras, os níveis de nitrogênio uréico aumentam. A produção de glicose hepática, que normalmente cessa quando esta atinge 150 mg%, continua aumentando, apesar da hiperglicemia. Pelo acúmulo de corpos cetônicos, aumentam os níveis de [H+]. Sabe-se que os triglicerídeos, no tecido adiposo, são compostos neutros, mas os ácidos graxos livres e os corpos cetônicos produzidos a partir dos mesmos são carregados negativamente e envolvem liberação de íons H+, produzindo acidose. Por exemplo: Triglicerídeos .........................................................3 ácidos graxos- + 3H+ Ácido graxo (palmitato) .......................................4 corpos cetônicos- + 3H+ A acidose produzida pela cetose é em parte reversível, pois a produção de íons H+ pode ser revertida, seja pela reconversão dos corpos cetônicos a triglicerídeos, seja pela sua completa oxidação. Por exemplo: Corpos cetônicos- + H+............................................................triglicerídeos Corpos cetônicos- + H+ ...........................................................4 CO2 Esta ocorrência colabora para a correção da acidose, tão logo tenha início o tratamento da cetoacidose com insulina. Uma vez a insulina seja aplicada, corpos cetônicos deixarão de ser produzidos e passarão a ser oxidados, resultando em consumo de íons H+. Deste modo, o acetoacetato e o beta-hidroxibutirato circulantes, na cetoacidose, serão fontes potenciais de bases. A parte não-reversível da acidose resulta da excreção de acetoacetato e beta-hidroxibutirato na urina, pois eles saem tanto como ácido livre quanto como sal, acompanhados de sódio ou potássio. Deste modo, os corpos cetônicos são eliminados, mas o íon H+ não, resultando em acidose. Este íon H+ é eliminado pelos mecanismos habituais de eliminação de ácido, através de sua excreção como fosfato ou amônia (tampões renais). A acidose também causa hiperventilação pulmonar, para tentar eliminar o CO2 excessivo, como compensação respiratória. A acidose provoca depleção do potássio total do organismo. Com o acúmulo de íons H+, este substituirá, em parte, o potássio como íon intracelular. O potássio sai das células para o espaço vascular e é eliminado pelos rins. A depleção de potássio agrava-se pelas perdas ocasionadas pela desidratação intracelular, quebra das proteínas e pelos vômitos. A depleção corporal de K+ é freqüentemente acompanhada de um potássio sérico normal ou

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mesmo elevado antes do tratamento, mas a hipopotassemia será quase inevitável, se não for administrado potássio. Os mesmos fatores também aumentarão a excreção renal de fosfato, resultando em hipofosfatemia. Um outro fator adicional será um rápido aumento na fosforilação dos metabólitos intermediários da glicose, desde que a insulina seja iniciada e a glicose possa atravessar as membranas celulares. Há boa correlação entre baixa concentração de fosfato plasmático e 2-3 difosfoglicerato das hemácias (2-3 DPG), com conseqüente desvio da curva de dissociação da hemoglobina para a esquerda e diminuição da oxigenação tecidual. Ocorrerá, também, na cetoacidose, depleção corporal de sódio pela diurese osmótica e, secundariamente, por vômitos. Como há perda simultânea de água, o nível de sódio sérico está freqüentemente em limites normais, embora possa haver hipo ou hipernatremia.

O coma que pode ocorrer na cetoacidose diabética tem causa obscura, parecendo resultar da combinação de vários fatores, como cetose, acidose, hiperosmolaridade e desidratação das células do sistema nervoso central. II. Avaliação Clínica A. Fatores precipitantes. Para a instalação de cetoacidose diabética, quase sempre existem fatores desencadeantes ou precipitantes. A interrupção da injeção diária de insulina é um dos fatores mais importantes em pacientes com diabetes melito insulino-dependentes. Outros fatores merecem ser ressaltados, como infecções, acidentes cerebrovasculares e cardiovasculares, pancreatite, gravidez, traumas e hipertireoidismo. Erros ou excessos dietéticos podem facilitar a descompensação. Em aproximadamente um terço dos casos não se detecta fator precipitante. B. Sintomas e sinais. Os principais sintomas e sinais são: poliúria, polidipsia, fadiga, perda de peso, vômitos e dor abdominal. Respiração de Kussmaul — respiração compensatória rápida e profunda — pode surgir quando o pH sangüíneo está abaixo de 7,2. Podem coexistir ainda letargia, estupor ou coma, desidratação, depleção de eletrólitos e colapso circulatório. Os achados físicos de interesse imediato são os de desidratação grave e insuficiência circulatória, comprometimento da função cerebral, diminuição da resposta respiratória à acidose, bem como os que acompanham uma infecção desencadeante. O odor de fruta adocicada exalado pelo paciente é característico. C. Achados laboratoriais. O diagnóstico é confirmado pela presença de hiperglicemia, usualmente de 200-800 mg%, hipercetonemia (aumento de ácido beta-hidroxibutírico, ácido acetoacético e acetona), diminuição de pH, HCO3 e PCO2, glicosúria de mais de 2% e cetonúria. Existe azotemia causada pelo aumento do catabolismo protéico e pela diminuição do clearance renal, bem como aumento dos ácidos graxos livres e triglicerídeos, por causa da lipólise acelerada e do aumento da produção de triglicerídeos e lipoproteínas de muito baixa densidade. III. Tratamento 641

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A. Princípios gerais. Os objetivos do tratamento são: restaurar o metabolismo intermediário, pela administração de insulina; corrigir os estados de desidratação e acidose; e tratar as complicações. O tratamento consiste na administração de quantidades adequadas de água, insulina e eletrólitos. O paciente diabético descompensado freqüentemente apresenta-se desidratado (terceiro grau), com perdas de 10-15% de peso. Esta desidratação tende a ser hipertônica, pela elevação da glicemia e retenção de catabólitos (uréia e corpos cetônicos). Devido à hiperglicemia, a utilização inicial de soro glicosado isotônico (SG 5%) é contraindicada. Quando necessário, podem-se administrar soluções salinas, diluídas com água destilada estéril. Quanto à acidose, ela deverá ser corrigida com soluções de bicarbonato de sódio, se o pH estiver abaixo de 7,2 (7,1 para alguns autores). A quantidade de bicarbonato a ser empregada é baseada no déficit de bases (BE), mas infundida de modo progressivamente mais lento nas 24 horas. Citamos, como referências, um quarto das necessidades nas primeiras duas horas, um quarto nas próximas seis horas e um quarto (ou o restante, de acordo com a evolução clínica) nas 16 horas restantes. Para a correção dos distúrbios hidroeletrolíticos, devem-se avaliar as perdas de água e eletrólitos. Estimativa de perdas nos casos mais graves: H2O: 75-100 ml/kg de peso, podendo chegar a 150 ml/kg de peso (15%) Na: 8 mEq/kg de peso Potássio: 6 mEq/kg de peso Cloreto: 5 mEq/kg de peso Fosfato: 1 mEq/kg de peso Magnésio: 0,5 mEq/kg de peso. B. Administração de líquidos e eletrólitos 1. Na criança a. Reparação rápida. Soro fisiológico a 0,9% (20-40 ml/kg) em uma a duas horas. Se o paciente estiver em choque: albumina a 5% (20 ml/kg) ou plasma (10 ml/kg) ou sangue (20 ml/kg) devem ser dados, e, se necessário, repetir a solução salina até que os sinais vitais estejam normais, especialmente os de perfusão capilar. b. Reparação. Na fase de reparação, também rápida, o paciente deverá encontrar-se menos desidratado, com bons sinais vitais, o que refletirá uma função renal confiável (bom fluxo plasmático renal e boa filtração glomerular). 642

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A solução a ser infundida será então SF/H2O bidestilada estéril 1:1 e a seguir 1:2 (0,45 ou 0,33%), já com potássio se houver diurese, na forma de fosfato ou cloreto (3 mEq/kg). Volume e diluição dependem do grau e do tipo de desidratação. Reparar um terço ou metade das perdas em seis horas. c. Manutenção e reparação lenta. Necessidades basais ou de manutenção são de 2.000 ml/m2/24 horas — ou segundo o Quadro 54-1, baseado no peso do indivíduo. A manutenção e o restante da reparação são administrados no primeiro dia e completados no segundo. A diluição e a velocidade de infusão nesta fase dependem da avaliação clínica freqüente, considerando-se a resposta às soluções anteriores, as perdas anormais (caso existam) e a constituição homeostática do paciente. As soluções de manutenção são habitualmente, na infância, quatro partes de SGI 5% e uma parte de SF, adicionando-se cloreto de potássio e gluconato de cálcio. 2. No adulto. Administrar inicialmente solução salina a 0,9% a uma velocidade de 500 ml/hora para os primeiros dois litros; em seguida, manter a infusão a 250 ml/hora, procurando corrigir o déficit em 24 horas. A maioria dos pacientes necessita de 80-100 mEq de potássio a uma velocidade de 20 mEq/hora. Se o K for inferior a 5 mEq/l, deve-se administrá-lo já na primeira hora. A concentração de fosfato acompanha a de potássio, paralelamente, no soro e nas células. O déficit de potássio pode ser corrigido pela administração de fosfato tamponado de potássio em vez de apenas cloreto de potássio, em quantidade de 30-60 mM. a. Acidose. O bicarbonato é distribuído nas 24 horas, basicamente um terço em cada fase. b. Glicemia. Soro glicosado a 5% (isotônico), EV (em substituição à água destilada), deve ser iniciado quando a glicemia se aproxima de 250 mg/dl. C. Insulinoterapia. Doses altas de insulina, em torno de 50-200 U IM, SC ou EV, ainda são utilizadas em adultos. Entretanto, não há evidência de que grandes doses de insulina sejam necessárias para o tratamento da cetoacidose diabética. Por outro lado, essas grandes doses aumentam os riscos de hipoglicemia e hipopotassemia. No que diz respeito ao emprego de pequenas doses, alguns autores mostraram que a taxa de queda de glicose sangüínea em diabetes não-controlado é uniformemente rápida, com concentrações plasmáticas de insulina de 20-200 mU/ml, que podem ser atingidas por infusão EV contínua de 0,1 U/kg/hora, ou por administração de pequenas doses IM de 0,1-0,2 U/kg, aproximadamente a cada duas horas. A via de administração de insulina é importante para o sucesso da terapêutica. Sabe-se que a meia-vida plasmática de insulina é de apenas quatro a cinco minutos. Logo, qualquer esquema que utilize a via EV intermitentemente deveria preconizar injeções freqüentes para ser efetivo, estando assim mesmo sujeito a grandes flutuações nas concentrações plasmáticas. Esses problemas são eliminados pela administração venosa contínua de 643

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pequenas doses. Já a insulina simples por via subcutânea, sendo lentamente absorvida, apresenta uma meia-vida de quatro horas e início de ação retardado, não se prestando ao tratamento inicial de cetoacidose. A insulina por via intramuscular tem uma meia-vida de duas horas e pode ser empregada. Para o uso de pequenas doses de insulina, são conhecidos esquemas que utilizam a via venosa, através de infusão contínua, e os que utilizam a via intramuscular. Atualmente, o esquema de infusão venosa lenta e contínua tem sido superior aos esquemas convencionais de doses fracionadas intramusculares. A insulina simples é administrada na dose de 0,1 U/kg/hora, EV em soro fisiológico, em veia separada, com gotejamento preciso para que se mantenha aquela dose de 0,1 U/kg/hora. A glicemia deve ser monitorada de hora em hora, e, quando estiver em 250-200 mg/dl, a dose de insulina deverá ser baixada para a metade (0,05 U/kg/hora), o que significa apenas diminuir o gotejamento da insulina ao meio. Lembrar de colocar SGI 5% no soro venoso na outra veia. Alguns autores diminuem a dose de insulina nesse momento para 0,02 U/kg/hora e deixamna correr até a manhã seguinte, quando provavelmente já se poderá iniciar insulina de ação intermediária (NPH). No esquema de doses fracionadas, IM, administra-se insulina simples na dose de 0,25 U/kg antes de se conhecer a glicemia. Doses maiores, em crianças, freqüentemente associam-se com hipoglicemia. Esta insulina poderá ser repetida a cada duas a quatro horas (ou até de hora em hora), sempre que a glicemia estiver acima de 200 mg/dl, na dose de 0,1-0,2 U/kg, de acordo com avaliação clínica. Para o cálculo das necessidades de insulina, a fórmula abaixo é útil, porém a dose achada deve ser dividida em quatro partes, sendo aplicados um quarto EV e um quarto IM no início, e o restante só de acordo com a evolução clínica e novas glicemias, quatro horas após. Mesmo esta primeira metade pode, ocasionalmente, causar hipoglicemia. (Glicemia do paciente – glicemia normal) 10 ö 60% do peso corporal em kg. Exemplo: (700 – 100) 10 ö 18 (paciente de 30 kg) 600 ö 10 ö 18 = 6.000 ö 18 = 10.800 = 108 g Este é o excesso de glicose (no organismo) que deve ser queimado. Sabendo-se que: 1 U de insulina queima 2 g de glicose X U de insulina queimam 108 g X = 54 unidades de insulina IV. Tratamento das Complicações ou Doenças Associadas.

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Constituem etapas importantes do tratamento da cetoacidose diabética o diagnóstico e o adequado manuseio dos fatores desencadeantes. V. Dieta. Tão logo o paciente tenha condições, deverá ser iniciada a ingestão de líquidos (sucos de frutas, chás) e, a seguir, dieta de sal na forma de caldos, sopas, canjas; no dia seguinte, dieta normal para diabético, com as calorias apropriadas para a idade e o peso. Para se saber quantas calorias devem ser prescritas, verifica-se uma tabela ou utiliza-se uma fórmula simples e confiável: 1.000 calorias para o primeiro ano de vida e mais 100 calorias para cada ano, até 18 anos, chegando-se a 2.800 cal/dia, suficientes para os adultos em geral. Outro modo de calcular essas mesmas calorias e também as necessidades basais de água é o seguinte: até 10 kg = 100 cal/kg/dia; 10 a 20 kg = 1.000 cal + (P – 10) ö 50; acima de 20 kg = 1.500 cal + (P – 20) ö 20. Vemos que há diferenças bastante significativas entre um método e outro, mostrando que a determinação do que é normal em medicina é difícil e que as variações são amplas, servem de referências e são úteis pelo aspecto prático. O método mais rigoroso é pelo cálculo da superfície corpórea. Referências 1. Alberti KGMM, Hockaday TDR, Turner RC. Small doses of intramuscular insulin in the treatment of diabetic “coma”. Lancet 1973; 2: 515-22. 2. Baruh S, Sherman L, Markowitz S. Diabetes ketoacidosis and coma. The Medical Clinics of North America 1981; 65: 117-32. 3. Kidson W, Casey J, Kragen E, Lazarus L. Treatment of severe diabetes mellitus by insulin: infusion. British Medical Journal 1974; 2: 691-4. 4. Page M McB, Alberti KGMM, Greenwood R. et al. Treatment of diabetic coma with continuous lowdose infusion of insulin. British Medical Journal 1974; 2: 687-90. 5. Sperling MA. Diabetes mellitus. Pediatr Clin North Am 1979; 26: 149. 6. Sperling MA. Diabetic ketoacidosis. Pediatr Clin North Am 1984; 31: 591. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 55 - Infecções do Trato Urinário Mônica Delgado Maciel Abrahão Salomão Filho Ruth Bittar Souto I. Introdução. As infecções do trato urinário — ITUs — constituem um dos problemas clínicos mais comuns entre pacientes ambulatoriais. Nos Estados Unidos, cerca de 15% dos óbitos por insuficiência renal crônica relacionam-se com quadros de pielonefrites, ou seja, lesão renal secundária à infecção crônica local. Qualquer sítio do trato urinário pode ser envolvido, incluindo uretra, próstata, bexiga, ureter, rim e espaço periférico, não sendo simples, rotineiramente, a distinção entre as infecções do trato urináro alto daquelas mais comuns, limitadas às vias urinárias inferiores. As infecções bacterianas são as mais comuns, mas os fungos, Chlamydia, vírus e parasitas podem ser responsáveis em alguns pacientes. As infecções bacterianas têm ocorrido em 20-30% das mulheres, no mínimo, uma vez durante a vida, e em menor porcentagem nos homens. Esta diferença na incidência relacionada ao sexo parece ser devida a mecanismos de defesa contra infecção mais efetiva no homem. A bacteriúria traduz, quando significativa, a presença de um número igual ou superior a 100.000 bactérias formadoras de colônias por mililitros de urina, porém, nos caso de uretrocistite aguda, cerca da metade da população feminina apresenta contagens inferiores a 100.000 colônias/ml. Normalmente só há bactérias no terço distal da uretra, permanecendo estéril o restante do trato urinário. Isto se deve às defesas naturais do hospedeiro, tais como: contínua lavagem pela urina; aprisionamento de microrganismos pela mucosa vesical (com resposta leucocitária subseqüente de polimorfonucleares); pH ácido; osmolaridade muito elevada ou muito reduzida; elevado conteúdo de ácido orgânico. As bactérias podem invadir e propagar-se no trato urinário através de três vias: ascendente — mais comum; via hematogênica — leva a infecções urinárias por espécies de Salmonella, Mycobacterium tuberculosis e Histoplasma; via linfática. II. Epidemiologia. A infecção urinária pode manifestar-se em qualquer idade, havendo uma prevalência maior em três grupos etários: crianças até os 6 anos de idade, mulheres jovens com vida sexual ativa e adultos com mais de 60 anos de idade. As crianças constituem uma população de risco, que pode evoluir para dano renal irreversível, hipertensão arterial e insuficiência renal crônica. A maioria das infecções urinárias se instala por via ascendente, sendo o meato uretral a porta de entrada. 646

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Em recém-nascidos, é provável que a via hematogênica seja a responsável, em cerca de 75% dos casos, pelas ITUs em crianças do sexo masculino. Em crianças com mais de 3 meses de idade, as ITUs se manifestam em cerca de 90% no sexo feminino. Com certa freqüência, as cicatrizes renais ocorrem nestes casos devido a uma possível suscetibilidade renal à agressão por agentes bacterianos. Em crianças acima de 5 anos de idade a prevalência persiste no sexo feminino, 10 vezes mais freqüentemente do que no sexo masculino, porém parece que a ITU nesta fase tem uma evolução menos agressiva. Em mulheres adultas jovens com vida sexual ativa, existe um aumento da incidência das infecções urinárias. Em mulheres idosas, a prevalência de ITUs tem relação com as disfunções hormonais e neurológicas, como dificuldade de esvaziamento da bexiga, perda da força de contração do músculo detrusor, que levam a aumento do volume urinário vesical residual. Nos homens adultos jovens, as ITUs são raras e estão relacionadas com anomalias estruturais locais ou prostatites. Nos homens após 60 anos de idade, há aumento gradual da incidência das infecções urinárias, devido à hiperplasia prostática e à dificuldade do esvaziamento vesical. III. Microrganismos Envolvidos. Bactérias uropatogênicas. A maioria das infecções é causada por aeróbios facultativos que usualmente se originam da flora intestinal, com a Escherichia coli respondendo por 85% das ITUs. Estafilococos e estreptococos (exceto enterococos) são, comumente, simples contaminantes. A bacteriúria por estafilococos é rara, a não ser em diabéticos. O estafilococo coagulase-negativo S. saprophyticus é a bactéria responsável pela cistite aguda não-complicada em cerca de 15 a 20% de mulheres jovens. A Chlamydia trachomatis também parece causar quadros de infecção urinária aguda em mulheres jovens com vida sexual ativa. Nas infecções urinárias agudas sintomáticas, há predominância de E. coli (sorotipos 01, 02, 04, 06, 07, 075), enquanto nas infecções urinárias crônicas, ou adquiridas por contaminação hospitalar ou por anomalias estruturais, há aumento da prevalência das diferentes enterobactérias, como Klebsiella sp., Proteus sp., Pseudomonas sp., Enterobacter sp., Enterococcus e Staphylococcus. As cepas de E. coli que causam bacteriúria assintomática são menos virulentas, havendo uma adaptação do hospedeiro, o que explica a ausência de sintomas clínicos evidentes. É importante ressaltar a associação de litíase nefroureterovesical com ITU, observada em 7 a 59% dos casos. A composição do cálculo urinário está relacionada às características do agente etiológico. Por exemplo, o cálculo coraliforme (crescimento progressivo adquirindo forma dos cálices e da pelve renal) está associado à ITU por agentes etiológicos bacterianos produtores de urease (Proteus mirabilis; Providencia sp.; Pseudomonas aeruginosa; Staphylococcus aureus etc.). 647

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IV. Virulência Bacteriana x Mecanismos de Defesa do Hospedeiro A. As E. coli uropatogênicas servem como modelo para estudo da virulência. Alguns fenômenos responsáveis por esta virulência específica dos agentes bacterianos são: 1. Presença de fímbrias (P-fímbrias) na superfície bacteriana, facilitando a aderência da bactéria às células do epitélio urogenital. 2. Torna-se possível a ascensão da bactéria devido à paralisia da musculatura lisa ureteral, conseqüente à produção de endoxinas bacterianas. 3. Antígenos da E. coli localizados na cápsula (K), na membrana externa da parede celular (0) e no flagelo (H). B. Entre os fatores de resistência do hospedeiro temos: 1. Número de receptores para P-fímbrias no uroepitélio. 2. Malformação no trato urinário, como refluxo vesicoureteral, obstrução, disfunção neurogênica vesical etc. 3. Nefrolitíase. 4. Pacientes com imunodeficiências: diabéticos, transplantados, idosos etc. 5. Instrumentação do trato urinário. 6. Gravidez. 7. Idade avançada. 8. Atividade sexual em mulheres. 9. Hipertonicidade da medula renal. V. Clínica. As infecções localizadas na bexiga (cistite), na uretra (uretrite) e na próstata (prostatite) geralmente são muito desagradáveis e provocam sintomas baixos (oligúria, disúria, polaciúria, urgência miccional e, ocasionalmente, hematúria terminal), mas são incomuns as manifestações sistêmicas e sépticas, como febre, leucocitose, VHS elevada, icterícia etc. A pielonefrite bacteriana aguda, uma inflamação do parênquima renal devida à invasão bacteriana do(s) rim(ns), caracteriza-se por calafrios, febre, manifestações sistêmicas, dores nos flancos (comumente confundidas com lombociatalgias), náuseas, vômitos e diarréia. Às vezes, estas manifestações se confundem, não sendo infreqüente que pacientes apenas com 648

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sintomas urinários baixos também cursem com quadro de pielonefrite aguda. Cerca de 30% das pielonefrites agudas não apresentam manifestações típicas; sendo assim, o quadro clínico isolado não é suficiente e confiável no diagnóstico diferencial das cistites e pielonefrites. Deve-se lembrar das bacteriúrias assintomáticas, cujas importância e necessidade de tratamento dependem da idade, do sexo, da presença de gravidez ou doenças subjacentes. O que dizer quanto à hipótese que afirma que infecção urinária crônica conduz o paciente à insuficiência renal crônica? Há argumentos que se opõem a tal assertiva: numerosas condições não-infecciosas (depleção de potássio, abuso de analgésicos, isquemia) podem provocar alterações inflamatórias no interstício, indistinguíveis da pielonefrite crônica. Estudos prospectivos de homens e mulheres com bacteriúria persistente ou recorrente não demonstraram progressão até o ponto de insuficiência renal, desde que a bacteriúria já não estivesse acompanhada de anormalidades estruturais ou de outras doenças renais subjacentes. A relação de bacteriúria entre mulheres e homens é de 10:1. Por outro lado, à autópsia, não existe tamanha preponderância de pielonefrite nas mulheres. VI. Contribuição da Urinálise (UA). A UA assume grande valor no diagnóstico da ITU em pacientes ambulatoriais, uma vez que a identificação do microrganismo e a seleção quimioterápica adequada requerem alguns dias de espera. Sendo ela tão importante, o ideal, como se faz em outros países, é que o próprio internista oriente a colheita da urina (jato médio, em recipiente bastante limpo, após higiene cuidadosa da genitália) e faça ele próprio o exame microscópico imediatamente. São informações úteis a visualização de bactéria, leucócitos, células epiteliais, hemácias, cilindros leucocitários e grumos piocitários em uma ou duas gotas do sedimento de 10 ml de urina, centrifugadas durante cinco minutos, a 2.500 revoluções por minuto, num tubo cônico. Uma lâmina cobre as gotas e elas são examinadas com baixa iluminação (ampliação de 400 x). Sessenta a 85% dos pacientes com bacteriúria significativa exibem 10 ou mais leucócitos por campo. Não há necessidade de uso de corantes. É rara a necessidade de se colher urina, quer por punção suprapúbica (benigna e segura), quer por cateterismo vesical (risco óbvio de condução de patógenos para a bexiga, causando terríveis infecções nosocomiais). Nunca se deve esquecer do risco de choque por sepse bacteriana gram-negativa após manipulações instrumentais do trato urinário (dores nos flancos, calafrios, febre, náuseas e vômitos, confusão mental, hiperventilação inicial, hipotensão, redução da distensibilidade das veias, redução da perfusão capilar periférica). Este é um quadro grave e que exige rápidos diagnósticos e tratamento. A urina colhida com a metodologia citada será encaminhada para cultura, se o exame assim o ditar, servindo também para um teste bioquímico simples, rápido e eficaz para detecção da bacteriúria. Trata-se do teste de redução de nitratos a nitritos, cuja base assim se explica: todas as enterobactérias são capazes desta redução, sendo elas os patógenos mais comuns nas ITUs. Na urina normal, existe nitrato em pequenas quantidades. Se o número de bactérias na urina é grande, surge nitrito, e um indicador sensível desta substância (hoje

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disponível até em tiras reagentes) detecta, com apenas 5% de resultados falso-positivos, a presença de infecção. Torna-se óbvio que a urina será cultivada se a UA e o teste de nitrito forem sugestivos de ITU. O antibiograma não avalia com absoluta precisão a sensibilidade da bactéria causal aos diversos agentes. Podem-se obter na urina concentrações muito superiores àquelas utilizadas nos testes de sensibilidade, o que poderá torná-la útil, ainda que o antibiograma convencional descreva resistência a tais agentes. O internista atento não esquece que um indivíduo hiperidratado com urina muito diluída tem todas estas informações alteradas. Entre as informações da UA, algumas eventualmente podem ser úteis: o odor da urina infectada é amoniacal, forte, pútrido em certos casos; infecção por Pseudomonas ocasionalmente se associa a cheiro de frutas; o aspecto da urina pode ser turvo, sanguinolento, ou claro (infecções menos graves e em pacientes em bom estado de hidratação); o pH da urina fresca pode ser alcalino na presença de Proteus; considerar a possibilidade de nefrolitíase ou tuberculose renal, se a sugestão de ITU fornecida pela UA não se associar à cultura positiva (piúria estéril). Caso se suspeite de anormalidades anatômicas, indica-se investigação radiológica através de pielografia intravenosa, uretrocistografia miccional etc. Resultados falso-negativos são observados em ITU por Staphylococus saprophyticus (que exige, para o seu crescimento, meios especiais de cultura), Chlamydia trachomatis, Ureaplasma urealiticum, ou quando o paciente fez uso recente de antimicrobianos. Bactérias recobertas por anticorpos são um método de imunofluorescência que permite identificar, na urina, anticorpos na superfície celular. Nos quadros de infecção alta (pielonefrite) as bactérias se apresentam recobertas por anticorpos, enquanto nos quadros de infecção baixa (cistite) o teste é negativo (as bactérias não são recobertas com anticorpos). Porém, resultados falso-negativos podem ser observados em crianças, na litíase urinária crônica, prostatite e em pacientes sondados. VII. Abordagem Terapêutica. O sucesso do tratamento implica o tempo do tratamento e a escolha do antibiótico. A. Cistite aguda. Tratamento feito com dose convencional por 3-10 dias (quinolonas com bons resultados), ou em single dose therapy, que consiste na administração muscular de 120 mg de gentamicina, 3 g de ceftriaxona (Rocefin®), 500 mg de amicacina (Novamin®) ou 150 mg de tobramicina (Tobramin®), podendo-se optar pela administração oral de 800 mg de perfloxacina (Peflacin®); 3 g de amoxicilina; 2 g de sulfametoxazol-trimetoprim; 1,2 g de ácido pipemídico; 3 g de fosfomicina-trometamol (Monuril®), em uma única dose. B. Prostatite aguda ou crônica. Dose convencional, com antimicrobianos específicos da urocultura na próstata. As drogas de escolha devem ser a ciprofloxacina, a ofloxacina, a 650

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norfloxacina, a associação SMZ-TMP e os aminoglicosídeos. Infecção recorrente na prostatite crônica é extremamente comum (persistência de focos microscópicos bacterianos) e pode ser tratada com baixas doses de antimicrobianos, continuamente. C. Bacteriúria assintomática. Eficácia de terapia provada somente em pacientes que estão grávidas, crianças (meninas, principalmente) com menos de 5 anos de idade, refluxo vesicoureteral, cálculos renais ou pacientes que tenham sido submetidos a instrumentação ou cirurgia do trato urinário. D. ITU na gravidez. Enfatiza-se esta condição clínica devido à potencial evolução para quadro de pielonefrite aguda e dano renal. As drogas de primeira escolha nesta condição são: penicilinas, cefalosporinas e fosfomicina-trometamol (Monuril®), desde que se mostre a suscetibilidade da bactéria ao antibiograma; ampicilina 500 mg VO a cada seis ou oito horas, por 7 a 10 dias; cefalexina 500 mg VO a cada seis ou oito horas, por 7 a 10 dias e cefazolina (1 a 2 g EV a cada seis horas por 7 a 10 dias) são as drogas mais utilizadas. Às mulheres grávidas com cistite aguda, indica-se fosfomicina-trometamol, 3 g VO, em dose única. Em casos de maior gravidade, de acordo com o quadro clínico da paciente, ou quando esses agentes bacterianos mostram-se resistentes aos antibióticos citados, há indicação para o uso de aminoglicosídeos (gentamicina ou tobramicina, 3 a 4 mg/kg/dia, a cada oito horas) via IM. Os aminoglicosídeos devem ser administrados por menos de oito dias, intervalo de tempo em que os riscos de ototoxicidade para o feto são desprezíveis. Monitorar a função renal da grávida nestes oito dias. Nas gestantes com ITU recorrente, a prevenção da infecção pode ser feita com nitrofurantoína 100 mg VO a cada 12 horas, ou com cefalexina 250 mg VO, a cada 12 horas, mas a nitrofurantoína deve ser suspensa nas últimas quatro semanas da gravidez, devido ao risco de hemólise e icterícia pós-natal no recém-nascido. E. Pielonefrite aguda. A primeira fase do tratamento é feita em sete a 14 dias, de acordo com antimicrobianos específicos, à urocultura. Após a fase aguda, deve-se manter o tratamento por mais um período de quatro a seis semanas (profilaxia), porque as bactérias remanescentes podem desencadear novo quadro de bacteriúria sintomática. Isto ocorre particularmente em pacientes com malformações do trato urinário, bexiga neurogênica, deficiências imunológicas (AIDS, uso de imunossupressores nos transplantes diabéticos) ou com sondas ou cálculos urinários. O tratamento é feito com drogas potentes nas duas primeiras semanas de terapia: amicacina 500 mg, IM ou EV, a cada 12 horas em adultos, ou 15 mg/kg/dia em crianças; gentamicina 80 mg, IM ou EV, a cada oito horas, em adultos, ou 5 mg/kg/dia em crianças; ceftriaxona 1 g, EV ou IM, a cada 12 ou 24 horas, em adultos, ou 100 mg/kg/dia, em crianças; ou quinolonas, como ciprofloxacina 500 mg, VO, a cada 12 horas, ou ofloxacina 400 mg, VO, a cada 12 horas, ou norfloxacina 400 mg, a cada 12 horas.

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A profilaxia deve completar o esquema com as seguintes drogas: nitrofurantoína 100 mg, VO, a cada 12 ou 24 horas; sulfametoxazol-trimetoprim 500 mg/dia; cefalexina 250 mg/dia; quinolonas (ofloxacina 200 mg/dia); ou norfloxacina (400 a 200 mg/dia), ou de acordo com a suscetibilidade detectada ao antibiograma. F. Pielonefrite crônica (com cálculos ou refluxo vesicoureteral) ou ITUs sintomáticas recorrentes. Dose convencional com antimicrobiano específico da urocultura por 10-14 dias. Após obter-se urina estéril, seguir terapia crônica em baixas doses com antimicrobiano de largo espectro (semelhante à fase de profilaxia descrita na pielonefrite aguda). Este tratamento profilático prolongado também deve ser instituído nos casos de ITU de repetição (três ou mais ITUs por ano), após a cura do quadro agudo. Deve-se, portanto, ter certeza, antes, de que a urina está estéril. G. Cistite após atividade sexual. A terapêutica profilática será feita após cada relação sexual. A paciente deverá urinar após cada relação sexual (e não antes) e manter o ato quando houver boa lubrificação vaginal. H. Abscesso intra-renal. Antimicrobiano específico pela cultura por quatro semanas. Se não houver resposta em sete dias, drenagem cirúrgica. I. Abscesso perinéfrico. Drenagem cirúrgica e antimicrobianos. Alguns tópicos ainda devem ser considerados. É inútil tentar erradicar infecção por Proteus na presença de cálculos, ainda que de modo intenso e prolongado. Caso se esterilize a urina, logo haverá recorrência, devido à persistência do organismo original. Como tal recorrência às vezes demora, surge falsa sensação de segurança. O objetivo do tratamento dos cálculos associados à ITU inclui a erradicação total dos fragmentos do cálculo e a manutenção da urina estéril. Relapsos (recorrência de bacteriúria com o mesmo microrganismo reinfectante) são mais comuns quando a bacteriúria é renal, envolvendo o tecido medular renal (a medula é mais suscetível do que a cortical) profundo, onde o aporte de antimicrobianos pode ser mais do que um problema, motivo pelo qual os autores estendem por seis semanas o período de tratamento para infecção com relapso. A eficácia do tratamento deve ser obrigatoriamente avaliada com urocultura, alguns dias após seu encerramento. Na prática, é habitual iniciar-se a terapêutica antes que se conheçam os resultados dos testes de sensibilidade. Isto se justifica: é penoso para o paciente continuar sintomático por mais dois ou três dias enquanto aguarda o resultado microbiológico, e assim se pode, e deve, prever o patógeno causal e, portanto, as drogas que serão administradas. A um paciente que pareça estar evoluindo com sepse secundária a agentes gram-negativos, é necessária a administração de um aminoglicosídeo associado a um derivado penicilínico de largo espectro (ampicilina/amoxicilina) ou cefalosporina de terceira geração.

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Uma abordagem criteriosa nos casos menos graves, onde se opta pela expectativa do teste de cultura, e que serve para controle de sintomas, é a administração liberal de líquidos, com 2 g de bicarbonato a cada quatro a seis horas, mais fenazopiridina (Pyridium®), 100 mg VO, a cada quatro ou seis horas. Outra alternativa válida é solicitar ao paciente que faça uso de nitrofurantoína, ácido nalidíxico ou ácido pipemídico a intervalos recomendados, até que se obtenha o resultado da urocultura. O emprego de drogas nos pacientes sondados (sonda vesical de demora) é ineficiente, pois a bacteriúria reaparece poucas horas após a interrupção do tratamento. A terapêutica supressora ou profilática deve ser instituída nos casos já descritos, por um período de seis meses a dois anos, utilizando os autores um rodízio entre os antimicrobianos com trocas periódicas (æ 30/30 dias), a fim de dificultar o aparecimento de cepas resistentes. VIII. Comentários Finais. Infelizmente, num bom número de pacientes, os fatores predisponentes não são encontrados. Os tratamentos são bem executados, os pacientes (quase sempre mulheres) são extremamente cuidadosos com a higiene, mas os quadros de infecção se perpetuam, para perplexidade e frustração do médico e do paciente. Nestes casos, é comum reaparecer a infecção assim que se interrompe a terapêutica antimicrobiana. Por quê? Flora mais resistente (Klebsiella, Proteus, Pseudomonas); emergência de cepas resistentes de E. coli. A vaginite, seja específica (Candida albicans, Trichomonas vaginalis, herpes simples) ou não, pode ser causa de disúria; só poderá ser incriminada nos sintomas de síndrome uretral se a urocultura for negativa. As uretrites podem também determinar esta síndrome (polaciúria, disúria). Um agente comum na uretrite é a Chlamydia trachomatis (de difícil confirmação laboratorial), bem como a Neisseria gonorrhoeae. As prostatites também podem causar infecções urinárias de repetição, sendo os patógenos mais comuns os enterobacilos gram-negativos, os estafilococos e os enterococos, identificados nas secreções obtidas por massagens da próstata pela via retal. Em idade avançada, é comum associarem-se dificuldades de esvaziamento vesical e distúrbios miccionais, sendo comuns os achados de urgência, ardor à micção e incompetência do esfíncter urinário com ou sem bacteriúria. Referências 1. Andrade OVB, Chinelato MMR. Litíase e infecção do trato urinário. In: Schor N, Heilberg, Ita P. Calculose Renal. São Paulo: Sarvier, 1995: 77-85. 2. Fowler Jr. JE. Urinary tract infections in women. Urol Clin North Am 1986; 13: 673-83. 653

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3. Goldraich NP, Goldraich IH. Infecção urinária na infância: Patogenia. In: Atualidades em Nefrologia 2. São Paulo: Sarvier, 1992: 105-11. 4. Lasmar EP. In: Paolucci. Nefrologia. 2 ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982: 104. 5. Reller LB. In: Schrier RW. Manual of Nephrology. 1 ed., A Little Brown Spiral Manual, 1981: 99. 6. Rose BD. Pathophysiology of Renal Diseases. Chapter 8, p. 365-407. 7. Silver B, Frederic J. Incontinence and bacteriuria in elderly patients. Hospital Practice 1988; 15. 8. Sober JD, Kaye D. Host defense mechanisms in urinary tract infections. In: Schrier RW, Gottschalk CW. Diseases of the Kidney. 4 ed. 1988: 967-92. 9. Srogi M. Infecções do trato urinário. In: Cruz J, Praxedes JN, Cruz HMM. Nefrologia. São Paulo: Sarvier, 1995: 240-50. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 56 - Cólica Nefrética Mônica Delgado Maciel Lucíola Rios Carneiro Cólica nefrética, ou cólica renal, é o termo que se utiliza comumente para definir a síndrome dolorosa renoureteral aguda. É caracterizada por dor paroxística súbita, de localização predominantemente lombar com irradiação para a fossa ilíaca, para os órgãos genitais, e atingindo até a face interna da coxa. A dor surge quando há aumento da tensão na parede ureteropielocalicial ou cápsula renal, pelo aumento da pressão no sistema coletor secundário à obstrução do fluxo urinário. I. Sintomatologia. A dor geralmente surge de maneira brusca, sem horário fixo, até mesmo durante o sono. Outras vezes, existem pródromos, como dor lombar surda, disúria e sensação de plenitude abdominal. Quando, na etiologia, é litiásica, encontra-se como antecedente imediato um esforço físico, como caminhada ou viagem, ação do calor e desidratação. Geralmente, a dor se inicia e atinge o ponto crítico na região lombar, daí irradiando-se pelo flanco até o umbigo, a região inguinal, os órgãos genitais e a face interna da coxa ipsolateral; é do tipo cólica com intensidade que aumenta e diminui, se bem que de forma mais lenta do que a cólica intestinal. O caráter da dor é bastante variável. Em certos casos, ela se manifesta como uma sensação indefinida de peso na região lombar, latejamento, “ferroadas”, ou assume o quadro de dor lancinante ou espasmódica, culminando no quadro típico de cólica nefrética, em crise paroxística acompanhada ou não de náuseas, vômitos e, às vezes, elevação da temperatura. Em algumas situações, a dor é tão intensa a ponto de provocar um colapso circulatório. A duração da dor pode ser de duas a três horas, até mesmo dias, quando não tratada. O alívio ocorre de modo repentino, após a medicação antiespasmódica, o que lhe confere uma característica diferente de outras dores de patologias urinárias. Não raro, depois de atenuada a crise dolorosa, verifica-se uma zona de hiperestesia no flanco e hipocôndrio, atingindo até a fossa ilíaca ao lado correspondente, e o paciente se queixa de sensação de fraqueza e exaustão, principalmente quando as crises são mais prolongadas e intensas. A crise de cólica termina súbita e definitivamente se foi causada por um único cálculo expulso. A dor, às vezes, assume características variáveis, como a dor relacionada ao cálculo alojado na pelve, que aumenta com a marcha e diminui com o repouso. No caso de rim em “ferradura”, a dor é transversa, “em cinta”, intermitente, aumentando com a extensão forçada do tronco e cedendo com o decúbito, principalmente com a flexão do corpo. Quando há dilatação uretral causada por obstáculos nas vias urinárias baixas, a dor renal pode surgir durante a micção. Deve-se dedicar atenção especial à dor da litíase de ureter esquerdo, que pode apresentar-se como uma síndrome retal, se esta for de localização baixa, ou ainda com diarréias, meteorismo persistente e cólicas intestinais. Picos febris podem surgir no transcurso da cólica. A persistência da febre acompanhada por calafrios indica, quase sempre, a presença de infecção associada. Às vezes, o processo 655

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evolui com pielonefrose ou abscesso perirrenal, levando o paciente a um estado crítico, séptico, e que exige do médico urgência em sua resolução. Neste caso, a drenagem ou mesmo a nefrectomia, parcial ou total, é imperiosa para salvar o paciente. Outras vezes, o médico é surpreendido por um paciente que evolui com insuficiência renal aguda. Isto pode ocorrer quando o paciente apresenta rim único, ou um dos rins é excluso e há obstrução no contralateral. A etiologia da síndrome dolorosa musculares, viscerais e humorais, descrição da dor pelo paciente é de que indicam a etiologia. Portanto, minuciosamente.

renoureteral é múltipla e acompanhada de reações referentes a acometimentos renoureterovesicais. A suma importância e muitas vezes revela antecedentes a anamnese e o exame físico devem ser realizados

Durante a crise, o paciente encontra-se pálido, deprimido e com a face coberta de suor. Com freqüência, observam-se transtornos miccionais, como polaciúria, disúria e oligúria. Quando a dor se irradia até o meato ureteral, o paciente relata uma necessidade imperiosa e infrutífera de urinar. Na grande maioria dos casos, há náuseas, vômitos, certo grau de íleo paralítico com distensão e meteorismo abdominal ou constipação, e intenso mal-estar. O paciente freqüentemente descreve a dor renal de maneira peculiar, com o polegar para trás e os outros dedos apoiados no abdômen, ao contrário das dores de origem vertebral. Ao exame, o abdômen apresenta-se timpânico à percussão, porém sem contratura muscular reflexa. A punhopercussão lombar é quase sempre dolorosa. Os pontos ureterais podem estar dolorosos e são úteis para a identificação do nível da obstrução, embora nem sempre haja uma nítida correlação entre eles. Os principais pontos são o ureteral superior, o ureteral médio e o subcostal, facilmente pesquisados durante o exame físico. O ponto ureteral superior está situado sobre a borda externa do músculo reto do abdômen, no nível da linha umbilical, e corresponde à origem do ureter, estando doloroso nas distensões da pelve, pielonefrites e outras afecções das vias urinárias superiores. Já o ponto ureteral médio corresponde ao trajeto do ureter médio e localiza-se na borda externa do reto do abdômen, na altura da crista ilíaca. Algumas vezes, a palpação do abdômen revela a presença de uma massa nos flancos, que pode ser um tumor, um rim ptótico, ou, ainda, um rim policístico que freqüentemente encontra-se aumentado em tamanho. II. Causas. Há uma grande variedade de causas responsáveis pela síndrome urinária em que a cólica nefrética apresenta-se como principal sintoma. São elas: A. Infecciosas: nefrite ou pielonefrite, pionefrose e abscesso perirrenal. B. Oclusivas na saída da pelve renal: cálculos, células inflamatórias e neoplásicas. C. Obstrutivas na luz ureteral: cálculos, coágulos (traumatismo, pós-biópsia renal percutânea, tuberculose, drepanocitose, doença policística renal), fragmentos de tumor,

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fragmentos de tecido necrótico (tuberculose, necrose de papila, pielonefrite etc.) e espasmos com contração resistente. D. Obstrutivas decorrentes da parede ureteral: fibrose (actínica, tuberculose etc.) e tumor. E. Obstrutivas por compressão extra-ureteral: vaso anômalo; invasão ureteral por tumor ginecológico ou vesical. F. Por refluxo: vesicoureteral. G. Outras: duplicações ureterais incompletas, ureter duplo-cego cranial, acotovelamento de ureter (ptose renal, ectasia renal), neuralgias, tabes, histeria etc. Chauvin e Jean observaram a etiopatogenia da cólica nefrética em 486 casos, sendo 186 destes portadores de litíase, ou seja, 38%. Hidronefrose foi encontrada em 45 pacientes, ptoses com acotovelamento do ureter em 35, malformações congênitas em 7, estreitamentos ureterais em 14, compressões em 5 pacientes, tumores renais em 5, nefrite em 3, e prostatovesiculites em 15. Nos demais 123 pacientes a etiologia não foi determinada. Como se sabe, a litíase urinária é um dos fatores etiológicos mais freqüentes, representando cerca de 40% dos casos. Por esta razão, trataremos do assunto com maior ênfase neste capítulo. A urolitíase e seus sintomas graves têm sido descritos há mais de dois milênios. A real incidência é difícil de ser determinada, mas estima-se que aproximadamente 1% da população seja acometida durante algum período de sua vida. Nos homens, a freqüência é cerca de quatro vezes maior do que nas mulheres, e em ambos os sexos há recorrência. Blacklock e Williams verificaram a recorrência da litíase após a formação do primeiro cálculo em 50% dos casos em até cinco anos e mais 60% no período de nove anos. Os cálculos de oxalato de cálcio ou mistura de oxalato de cálcio com hidroxiapatita são os mais freqüentes na população litiásica. No Quadro 56-1, pode-se observar a freqüência de cada tipo de cálculo, bem como sua opacificidade aos raios X. Estes dados correspondem à análise de Nordin e Hodgkinson, Lagergren, Melick e Hennerman, Prien e Sutor, com um total de 2.668 cálculos investigados. III. Fisiopatologia da Litíase. A formação de cálculos é facilitada pela supersaturação urinária de certos compostos de baixa solubilidade em determinado pH. Existem mecanismos protetores ou inibidores da precipitação de cristais inorgânicos na urina, que são o citrato, o magnésio e o pirofosfato, e os orgânicos, como os glicosaminoglicanos. Além destes, alguns compostos, como o ácido úrico, têm particular importância, pois são capazes de precipitar e formar cálculos, em um pH ácido, e também interferir na ação dos inibidores orgânicos, predispondo à formação de outros cálculos, como os de oxalato de cálcio e fosfato de cálcio.

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A presença de bactérias produtoras de urease, como Proteus, Klebsiella, Pseudomonas e outras, eleva o pH urinário, ocorrendo assim maior precipitação de oxalato de cálcio, compostos de fosfato e magnésio, que têm baixa solubilidade em pH alcalino, formando então o cálculo de estruvita. As colônias de bactérias podem induzir a precipitação de cristais ao seu redor, o que é chamado de nucleação heteróloga, e também alteram a urodinâmica, devido aos efeitos de endotoxinas liberadas. As alterações mecânicas, como distensão das cavidades e obstruções ureterais, além dos distúrbios metabólicos, estão igualmente envolvidas na formação de cálculos. Os distúrbios metabólicos são responsáveis por 85% da urolitíase na população litiásica. O conhecimento destas alterações possibilita a instituição de medidas profiláticas, além de um tratamento clínico mais específico para cada paciente. Os principais distúrbios são a hipercalciúria, a hiperexcreção de ácido úrico, a hipocitratúria, a hiperoxalúria, a cistinúria e a acidose tubular renal. A hipercalciúria idiopática incide em 30-50% dos litiásicos. Considera-se hipercalciúria a dosagem do cálcio na urina de 24 horas acima de 250 mg para mulheres e 300 mg nos homens, ou, ainda, superior a 4 mg/kg de peso corporal/dia numa dieta normal. A hipercalciúria pode ser renal, resultando de um decréscimo na reabsorção tubular de cálcio; absortiva, ocorrendo por aumento na absorção intestinal de cálcio; e reabsortiva, na qual o evento inicial é um excesso na reabsorção óssea, secundária ao aumento do paratormônio (PTH); este estimula a formação de 1,25 diidroxivitamina D, com conseqüente aumento na absorção intestinal de cálcio. Pode ainda ser causada por hipercalcemia decorrente de hiperparatireoidismo, imobilização prolongada no leito, neoplasias, intoxicação pela vitamina D, hipertireoidismo e sarcoidose. A hiperexcreção de ácido úrico é responsável por aproximadamente 25% das alterações metabólicas na criança com litíase e por 40% nos adultos. Os valores admitidos como normais não devem exceder 800 mg nos homens e 750 mg nas mulheres. Ela decorre da ingesta excessiva de purinas, produção endógena aumentada ou alteração na reabsorção tubular renal de ácido úrico. A oxalúria primária é uma doença congênita, rara, de transmissão autossômica recessiva, em que ocorre produção aumentada de oxalato nos tecidos com deficiência de pirodoxina, levando à nefrocalcinose, insuficiência renal crônica e morte por volta da terceira década. A cistinúria é também uma doença hereditária, rara, autossômica, recessiva, com penetração tardia, que leva à formação de cálculos na idade adulta. A acidose tubular renal incide em 1-3% dos pacientes com litíase; pode ser distal ou proximal, e habitualmente cursa com a hipercalciúria. Estas alterações metabólicas devem sempre ser investigadas criteriosamente por nefrologistas ou clínicos experientes e tratadas de acordo com o achado, assim diminuindo a reincidência da litíase e a morbidade do paciente. Foge ao objetivo deste capítulo a abordagem específica do assunto. As conseqüências da litíase são a irritação mecânica, a 658

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infecção e a estase urinária. São importantes também o volume, a forma e a localização do cálculo. Os cálculos lisos e pequenos são facilmente eliminados, às vezes sem provocar cólica. Já os grandes, localizados na pelve, podem permanecer silenciosos ou apenas provocar uma certa sensação de desconforto, ou levar à obstrução das vias urinárias. Praticamente em toda litíase há inflamação da parede da via urinária em contato com o cálculo. A flogose pode decorrer da irritação da mucosa ou da infecção bacteriana. É difícil saber se a flogose é causada por um dos fatores em separado, ou se ambos são responsáveis pelo processo a um só tempo. É provável que os dois atuem na maioria das vezes. Há casos em que predominam os fatores infecciosos, como na pielonefrite secundária, de tal gravidade que pode provocar uma septicemia, a perfuração da parede, ou até mesmo propagação da flogose ao tecido perirrenal, com formação de abscesso. Os abscessos do ureter são raramente autóctones. Provêm, de um modo geral, do bacinete, e em aproximadamente 70% estacionam na junção ureteropélvica, que é um estreitamento fisiológico. Já os autóctones originam-se, em geral, de incrustações sobre fios de sutura, ou se formam em ectasias, divertículos ou estreitamentos inflamatórios ou traumáticos, mais notadamente quando há infecção. Os cálculos ureterais podem logo chegar à bexiga ou voltar ao bacinete, reiniciando-se as dificuldades de expulsão; outras vezes são detidos nas zonas de estreitamentos, como nas junções ureteropélvica e ureterovesical, provocando obstrução a montante. Em relação aos cálculos vesicais, é comum encontrá-los em exames radiológicos intercorrentes, pois na maioria das vezes são silenciosos; predominam nos homens acima de 40 anos de idade, sendo raros no sexo feminino. Quando sintomáticos, provocam polaciúria, dor e hematúria terminal. IV. Diagnóstico e Propedêutica. A crise de cólica nefrética é o sintoma predominante na litíase urinária. A história clínica e pregressa do paciente pode contribuir para o esclarecimento diagnóstico, sendo necessária a realização de exames laboratoriais e de imagens para confirmação da etiologia da síndrome dolorosa. O exame de urina poderá fornecer dados que indiquem o fator desencadeante. Nos casos de litíase, a hematúria microscópica está quase sempre presente, acompanhada por discreta proteinúria. Piócitos e bactérias sugerem infecção, que deve ser confirmada através de cultura de urina. O pH alcalino e a presença de cristais de fosfato-magnésio-cálcio refletem a possibilidade de o paciente ser portador de cálculo de estruvita, principalmente quando coexiste infecção por bactérias desdobradoras de uréia. O sedimento urinário pode ainda mostrar células neoplásicas, cristais de ácido úrico, de cistina e outros, hemácias dismórficas etc. A pesquisa e a cultura para o bacilo de Koch podem ser feitas secundariamente, se há suspeita de tuberculose urinária, como também a investigação metabólica na urina de 24 horas. A análise do leucograma com leucocitose e desvio para a esquerda e a hemossedimentação elevada indicam a presença de infecção urinária grave ou sepse. O hemograma pode revelar anormalidades nas hemácias, o que sugere drepanocitose ou anemia, que é encontrada em doenças crônicas. 659

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Atualmente, a realização de ultra-sonografia abdominal está indicada por ser um método inócuo, não-invasivo e de baixo custo. Ela pode definir a morfologia renal, como a presença de tumor, hidronefrose, abscesso perirrenal, malformação renal, cistos, massas extra-renais, concreções renoureterais, litíase biliar etc. Uma das limitações do método é a não-visualização adequada do ureter médio, devido à superposição de alças intestinais. A obstrução ureteral aguda nem sempre se acompanha, de imediato, de repercussão renal. O estudo radiológico do trato urinário é também de auxílio diagnóstico. Os raios X simples do abdômen podem revelar cálculos radiopacos, alças intestinais com ou sem níveis líquidos, aumento do volume renal etc. A urografia excretora raramente está indicada nos primeiros dias que se seguem às crises de cólica, e só deve ser realizada caso persista dúvida com relação à existência ou não de cálculos. Neste caso, ela deve ser feita por infusão contínua e sem compressão abdominal e, às vezes, exposições retardadas; é de grande valia para pesquisa de obstrução, nível de retenção de cálculo no ureter, ptose renal, ectasia ou duplicação ureteral, distorção de cálices por tumor ou necrose das papilas. Quando há obstrução e a urografia excretora não detecta o nível dela, a pielografia ascendente é utilizada. A anúria obstrutiva exige o cateterismo ureteral para fins de diagnóstico e tratamento. A tomografia computadorizada axial e a ressonância magnética revelam imagens mais definidas do que as da ultra-sonografia, podendo ser benéficas no diagnóstico diferencial de tumores císticos, rins policísticos com infecção, hematoma subcapsular etc. Se o cálculo estiver localizado nos ureteres, principalmente ao nível do ureter lombar, a tomografia computadorizada não será o método de imagem de escolha, sendo a melhor opção, neste caso, a urografia excretora, que demonstrará o local da obstrução com maior facilidade. A arteriografia renal não é de utilização rotineira no estudo da síndrome dolorosa renoureteral. Ela fornece o diagnóstico de malformações vasculares, vasos anômalos e tumores malignos e benignos. V. Diagnóstico Diferencial. Em sua grande maioria, os quadros renoureterais dolorosos devem ser distinguidos dos quadros dolorosos da musculatura lombossacra e do abdômen. Os principais e mais freqüentes são: A. Lumbago. De modo geral, é de fácil identificação. Trata-se de dor de parede, localizada sobre a coluna lombossacra, com irradiação ao longo do território do nervo ciático, pela face posterior da coxa, e chegando até o pé. O sinal de Lasègue freqüentemente está presente. B. Apendicite. No início do quadro, a dor é periumbilical ou epigástrica de pequena intensidade e maldefinida, evoluindo com irradiação e localização para a fossa ilíaca direita, tornando-se mais acentuada e de caráter contínuo, com piora à deambulação. As náuseas e os vômitos surgem no início, reaparecendo na fase de peritonite. Geralmente a 660

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febre é moderada e coincide com a instalação da dor na FID. A temperatura diferencial axilorretal está quase sempre presente. Ao exame do abdômen, há dor na FID, sendo esta máxima no ponto de McBurney e freqüentemente com Blumberg presente. C. Cólica biliar. Síndrome dolorosa paroxística comum a numerosas afecções hepatobiliares, mais notadamente na litíase e na colecistite, que são mais freqüentes após a quarta década, em mulheres e indivíduos obesos. O sintoma mais evidente é a dor no epigástrio ou hipocôndrio direito, muito forte e profunda, irradiando-se para o dorso, região subcapsular, ombro direito, às vezes para a região mamária. Náuseas, vômitos e icterícia são freqüentes. Em geral, é precedida por refeições copiosas, ingestão de alimentos gordurosos, emoções intensas, frio e trepidação durante viagens. O ponto cístico é doloroso, e a vesícula encontra-se palpável em 30-50% dos casos. D. Pancreatite aguda. Fatores precedentes, como alcoolismo, hiperlipemia familial, litíase biliar, traumatismo e intervenções cirúrgicas, estão presentes. O quadro clínico não é característico, e muitas vezes o diagnóstico é feito por exclusão. O sintoma cardinal é a dor, em geral intensa, contínua e de surgimento repentino; é mais freqüente no epigástrio, irradiando-se para a esquerda ou para o ombro; entretanto, pode ser relatada em qualquer região do abdômen. Ao exame, o abdômen é geralmente flácido. A amilase e a lipase séricas estão elevadas na maioria dos casos. E. Obstrução intestinal. As manifestações clínicas típicas são: dor, distensão, vômitos e interrupção da eliminação de gases e fezes, bem como ondas peristálticas visíveis, com dor à palpação do abdômen. O estudo radiológico simples do abdômen com o paciente deitado e de pé confirma o diagnóstico. Outras patologias, como úlcera péptica perfurada, diverticulite, processos anexiais, orquites bacterianas, aneurisma de aorta abdominal, infarto renal, nefropatias etc., são descritas em outros capítulos e devem ser lembradas no diagnóstico diferencial da síndrome dolorosa renoureteral. VI. Tratamento. Na fase aguda, deve-se dedicar maior atenção no sentido de alívio do sintoma de dor do paciente, o que pode ser conseguido com o uso de antiespasmódicos. O mais empregado é a fenildimetilpirazolona 2,5 g EV, em aplicação diluída em água destilada, lenta, para que sejam evitados desconforto e dor na veia. O tenoxican 20 mg pode ser empregado via intramuscular, endovenosa ou retal e é o único AINH endovenoso disponível comercialmente em nosso meio. Na impossibilidade de aplicação destes, por alergia ou por falta de acesso venoso, usa-se o diclofenaco sódico, 75 mg, ou piroxicam, 20 mg, através de injeção intramuscular. Estes compostos são inibidores da síntese de prostaglandinas, e a prostaglandina eleva o fluxo sangüíneo, com aumento da pressão de filtração glomerular, levando à formação de maior volume urinário e, secundariamente, ao aumento da pressão das paredes pieloureterais, o que desencadeia a cólica.

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A síntese de prostaglandinas está aumentada quando há obstrução urinária. Pela mesma ação, a indometacina por via retal ou oral também pode ser empregada. Nos casos raros de resistência às drogas citadas, recorre-se aos analgésicos mais potentes, como a meperidina. O repouso e a hidratação cuidadosa são necessários para assegurar uma diurese mínima de 2 l/dia. O paciente deve ser orientado para filtrar em gaze a sua urina, na busca de cálculos, coágulos ou fragmentos de tecido causadores de obstrução urinária. O tratamento específico da cólica renal é dependente da causa básica, e é esta que determina a conduta a ser seguida. Na litíase urinária, sabe-se que os cálculos inferiores a 5 mm são eliminados espontaneamente em 85-90% dos casos. A intervenção cirúrgica é requerida quando há obstrução, cólicas de repetição, infecção grave, cálculos maiores do que 2-3 cm e insuficiência renal aguda obstrutiva. Pode ser feita por cirurgia aberta (nefrolitotomia ou ureterolitotomia), por via endoscópica com extratores de cálculos do tipo Dormia e outros, ou por nefrolitotomia percutânea. A via endoscópica está indicada nos cálculos de 6-8 mm localizados no ureter distal. O sucesso deste procedimento chega a 80%, e a morbidade é baixa, em torno de 1%. A nefrolitotomia percutânea deve ser o tratamento de escolha nos pacientes com cálculos no trato urinário superior que tenham mais de 2-3 cm, nos cálculos coraliformes, neste caso podendo ser utilizada em combinação com a litotripsia extracorpórea por ondas de choque, nos cálculos de cistina que são de difícil fragmentação por este último método, quando há uropatia obstrutiva superior e em pacientes obesos ou crianças. A litotripsia extracorpórea por ondas de choque é a terapia mais moderna para litíase, e está sendo empregada com freqüência cada vez maior. Está indicada principalmente na litíase ureteral proximal ou renal. Noventa e sete por cento dos cálculos são fragmentados com um único tratamento, outros 2% necessitam de um segundo, e aproximadamente 1% exige outra forma de tratamento. As contra-indicações para realização deste procedimento são discrasias sangüíneas, gravidez, cardiopatias graves, portadores de aneurismas aórticos ou de artéria renal, obstrução ureteral distal, sofrimento renal ou infecção urinária intratável ou urossepse. No caso de obstrução ureteral distal, já há relatos do uso de litotripsia concomitantemente ao uso de sondas endoscópicas. Ainda não há estudos a longo prazo em crianças. Este método apresenta baixos índices de complicações, em torno de 3-7%, sendo o hematoma subcapsular e a urossepse as complicações de maior gravidade e morbidade. O primeiro é responsável por 0,5-2,5% e a segunda, por 0,1-0,5% do total das complicações. Ainda não foi esclarecido se a litotripsia extracorpórea é responsável pela gênese da hipertensão, que pode ter início um ou mais anos após o tratamento. Referências 1. Aizen SA, Christofalo DMJ. Imagem em nefrolitíase. In: Schor N, Heilberg Ita P. Calculose Renal. São Paulo: Sarvier, 1995: 185-94.

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2. Banner MP. Extracorporeal shock wave litrotripsy: selection of patients and long-term complications. Radiol Clin North Am 1991; 29(3): 543-56. 3. Bretas FH. Urologia. In: Lopez M, Medeiros JL. Semiologia Médica. Belo Horizonte: Atheneu & Interminas, 1990: 781-818. 4. Coe FL, Favus MJ. Nephrolithiasis. In: Brenner BM, Rector FC. The Kidney. Philadelphia: Saunders, 1991: 1.728-67. 5. Costa JG. Cólica renal. In: Lopez M. Emergências Médicas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982: 876-82. 6. Cunningham J. Renal and urinary disease. In: Souhami RL, Moxham J. Textbook of Medicine. Nova York: Churchill Livigstone, 1990: 831-3. 7. Heilberg JP, Schor N. Avaliação dos paciente com litíase renal. In: Cruz J, Neto ED, Magalhães RL et al. Atualidades em Nefrologia. São Paulo: Sarvier, 1988: 273-8. 8. Laing FC, Jefrey Jr RB, Wing VW. Ultrasound versus excretory urography in evaluation acute flank pain. Radiology 1995; 354(8): 618-6. 9. Newman LH, Saltzman B. Identifying risk factors in development of clinically significant post-shock-wave lithotripsy subcapsular hematomas. Urology 1991; 38(1): 35-8. 10. Perrone HC, Shor N. Nefrolitíase na infância. In: Toporovski J, Mello VR, Perrone HC, Filho DM. Nefrologia Pediátrica. São Paulo: Sarvier, 1991: 286-96. 11. Surós J. Aparelho urinário. In: Surós J. Semiologia Médica e Técnica Exploratória. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1981: 483-518. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 57 - Comas Francisco das Chagas Lima e Silva Raul Starling Barros I. Conceito. Sabendo-se que consciência é o conjunto de funções do encéfalo que permite ao indivíduo reagir aos estímulos do meio externo e interagir com o ambiente, diz-se que o paciente encontra-se em coma quando um estímulo bastante intenso, como o doloroso, não produz qualquer reação, ou apenas provoca reações automáticas. II. Classificação. A classificação de Fisher define os déficits da consciência do seguinte modo: A. Sonolência. O paciente mantém-se adormecido. Se estimulado, ele mantém diálogo e atividade motora apropriados, voltando a adormecer quando o estímulo cessa. B. Torpor. O paciente mantém-se adormecido. Após estímulos fortes, ele responde monossilabicamente e apresenta atividade motora simples, visando livrar-se do examinador. C. Coma leve. O paciente não mantém contato vertical. Se estimulado dolorosamente, sua atividade motora restringe-se a defender o local afetado. D. Coma moderado. Situa-se entre o coma leve e o profundo. E. Coma profundo. O paciente não mantém contato verbal. A atividade motora, após estímulos intensos, constitui-se apenas de movimentos reflexos, como, por exemplo, aumento de atividade respiratória e postura em decorticação ou descerebração. F. Coma irreversível. Também designado morte cerebral ou coma dépassée, será objeto de estudo no final deste capítulo. Fishgold e Mathis classificam os comas em: coma I: corresponde a torpor; coma II: corresponde ao coma leve; coma III: corresponde ao coma profundo; coma IV: corresponde à morte cerebral. Uma das classificações mais empregadas é conhecida como Escala de Coma de Glasgow, na qual o paciente é observado em relação à abertura ocular e de acordo com as respostas verbal e motora. Nesta escala, o paciente recebe nota pela sua performance, como se vê na Fig. 57-1. Se inteiramente lúcido, recebe nota 15; se em coma irreversível, nota três, o que possibilita uma avaliação mais objetiva dos níveis de consciência. Contudo, mais importante do que utilizar uma classificação é descrever em linguagem coloquial e objetiva o quadro do paciente.

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III. Fisiopatologia. O coma pode ter origem estrutural ou metabólica. No primeiro caso, existe destruição anatômica de áreas do tronco encefálico ou de hemisférios cerebrais. No segundo, ruptura dos processos metabólicos do neurônio. A consciência depende da atividade de formação reticular ascendente, responsável pela função de ligar/desligar do sensório, e da atividade de ambos os hemisférios cerebrais, responsáveis pelo seu caráter cognitivo. A formação reticular ascendente estende-se da metade superior do bulbo até o diencéfalo, e sua atividade produz o ciclo vigília/sono. Mas, enquanto o sono fisiológico é resultado de mecanismo ativo da formação reticular, o coma é resultado de sua destruição. Ainda que os hemisférios cerebrais estejam íntegros, uma lesão do tronco encefálico acima do nível da ponte leva ao coma. Algumas vezes uma lesão pontina pode produzir a síndrome de deaferentação: o paciente ainda tem bastante formação reticular para manter-se consciente, porém está tetraplégico, anártrico, e suas únicas atividades motoras voluntárias são o piscar e os movimentos verticais dos olhos. A denominação o homem fechado sobre si mesmo caracteriza bem este quadro dramático. Por outro lado, pode ocorrer lesão cerebral difusa com preservação de formação reticular, ocasionando o quadro denominado vigil, em que o paciente apresenta ritmo de sono/vigília, atividade motora reflexa, mas sua consciência não tem conteúdo cognitivo. Contudo, lesões cerebrais difusas geralmente produzem hérnia cerebral interna, comprometendo também a formação reticular do tronco. No coma metabólico, a lesão funcional atinge difusamente todo o encéfalo, e o coma pode ocorrer pela interrupção do fornecimento de substrato energético (hipoxia, isquemia, hipoglicemia etc.) ou pela alteração das respostas fisiológicas das membranas neurais (intoxicação por droga ou álcool, epilepsia, concussão cerebral etc.). As integridades funcional e anatômica do encéfalo dependem de fluxo sangüíneo contínuo e do aporte de oxigênio e glicose, que são consumidos em taxas de 3,5 ml/100 g/min e 5 mg/100 g/min, respectivamente. Os depósitos de glicose no cérebro contêm energia para mais ou menos dois minutos depois da interrupção do fluxo sangüíneo. E a consciência se extingue 8-10 segundos após. Se ocorrem ao mesmo tempo isquemia e hipoxia, a glicose é consumida ainda mais rapidamente. O fluxo sangüíneo normal do cérebro em repouso é de aproximadamente 75 ml/100 g/min, na substância branca (média de 55 ml/100 g/min). Se este fluxo cai para 25 ml/100 mg/min, o EEG fica difusamente lentificado; e, se cai para 15 ml/100 g/min, o EEG torna-se isoelétrico. Uma anoxia cerebral aguda com fluxo em torno de 10 ml/100 g/min determina danos encefálicos irreversíveis. A hipercapnia produz diminuição do nível de consciência, proporcional à pCO2 e à rapidez do seu início. 665

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Existe também correlação positiva entre acidose liquórica e gravidade dos sintomas. A fisiopatologia de outras encefalopatias, como hipercalcemia, hipotireoidismo, deficiência de vitamina B12 e hipotermia, ainda não está compreendida. Os efeitos tóxicos sobre o cérebro em hiponatremia, hiposmolaridade, hipercapnia e encefalopatia da insuficiência renal ou hepática estão associados a distúrbios metabólicos de neurônios e astrócitos. A causa da encefalopatia da insuficiência renal é pouco conhecida. Provavelmente, ocorrem causas multifatoriais, pois a uréia não produz toxicidade para o sistema nervoso central. Parecem desempenhar papel importante o excesso de hormônio paratireóide, o aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica a certos ácidos orgânicos, bem como o aumento no cálcio cerebral ou no conteúdo de fosfato liquórico. Alteração de osmolaridade está envolvida no coma e nas convulsões que ocorrem na cetoacidose diabética, no estado hiperosmolar não-cetótico e na hiponatremia. Na hiperosmolaridade, o volume cerebral reduz-se, enquanto na hiposmolaridade sobrevém edema. Os estados hiponatrêmicos/hiposmolares se relacionam melhor com déficits de consciência. Níveis de Na inferiores a 115 mEq/l associam-se a comas e convulsões. No coma hiperosmolar, a osmolaridade geralmente é superior a 350 ml. Substâncias depressoras do sistema nervoso central e algumas toxinas endógenas provavelmente produzem coma, ao suprimir atividades metabólicas e atividades da membrana elétrica da formação reticular ou do córtex cerebral, justificando-se assim a combinação de sinais corticais e de tronco, observados nestas situações. O coma pós-convulsivo, um dos mais freqüentes, pode ser devido à exaustão energética do neurônio ou às moléculas tóxicas produzidas durante a convulsão. O coma também pode decorrer de lesão localizada na fossa posterior (infratentorial). Suas principais características são: instalação rápida, por lesão direta da formação reticular; pupilas puntiformes, por comprometimento predominante da ponte; desvio do olhar conjugado, duradouro, resistente ao ROC e ao ROV, para o lado hemiplégico; sinais de lesão de pares cranianos múltiplos (III, IV, VI e VII). Suas causas mais freqüentes são a hemorragia intraparenquimatosa hipertensiva da ponte e do cerebelo, bem como trombose da artéria basilar. IV. Semiologia do Coma A. Contato inicial com o paciente. Para evitar lesão adicional ao encéfalo, muitas vezes, no contato inicial, são tomadas as primeiras medidas terapêuticas, antes que a causa seja definida, objetivando: 1. Oxigenação adequada.

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2. Manutenção da pressão de perfusão cerebral. 3. Administração de glicose. A primeira medida é a desobstrução das vias aéreas superiores, pela aspiração de secreções ou vômitos e retirada de próteses dentárias, quando houver. Segue-se intubação traqueal ou traqueostomia, se for o caso, manipulando-se cuidadosamente o pescoço, pelo risco de haver associadamente instabilidade da coluna cervical. Se houver quadro de choque, fazer tratamento. Após obtenção de amostras de sangue para testes laboratoriais, administrar, nos casos de etiologia desconhecida, 40 ml de glicose, via venosa, em solução a 50%, visando salvar os hipoglicêmicos, alcoolistas etc. Naqueles com déficit nutricional, 100 mg de tiamina devem ser administrados antes da glicose, pois, na ausência deste co-fator, poderão ocorrer encefalopatia aguda de Wernicke e até morte súbita com colapso circulatório. B. Anamnese. As seguintes informações são relevantes: 1. Modo do início dos sinais e sintomas neurológicos. 2. Sintomas e sinais neurológicos precedentes (cefaléias, convulsões, diplopia, vômitos etc.). 3. Uso de tóxicos e drogas. 4. Antecedentes de doenças do fígado, rins, pulmão, coração e outros. 5. Antecedentes psiquiátricos. 6. História pregressa de traumatismo craniano. 7. Atividade profissional. É importante averiguar, ainda, se o paciente foi encontrado em seu domicílio ou em via pública, e se havia medicamento tóxico ou seringa ao seu lado. C. Exame geral. As roupas do paciente devem ser examinadas à procura de medicamentos, de indícios de agressão, bem como para estudo de material vomitado. Devem-se medir temperatura, pulso, pressão arterial, freqüência e padrão respiratório. As hipertermias sugerem infecção sistêmica, infecção do sistema nervoso central ou hemorragia subaracnóidea, mas podem ser de origem central (hipotalâmica), em conseqüência de traumatismos cranioencefálicos graves, tumores cerebrais ou encefalites por vírus. A hipotermia é observada nas intoxicações alcoólicas, barbitúricas ou fenotiazínicas; nas hiperglicemias; na deficiência circulatória periférica e no mixedema. A hipotermia por si só causa coma, quando a temperatura cai abaixo de 31ºC. A hipertensão arterial acentuada ocorre em caso de encefalopatia hipertensiva, hemorragia cerebral e, às vezes, em hipertensão intracraniana. A hipotensão arterial ocorre em coma 667

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alcoólico ou barbitúrico, hemorragia interna, infarto do miocárdio, septicemia e insuficiência supra-renal aguda. D. Exame neurológico. Diante de um paciente em coma, cabe ao médico responder: (a) ele é de causa orgânica ou psíquica?; (b) se orgânico, é estrutural ou metabólico?; (c) se estrutural, a lesão é focal ou difusa?; (d) se focal, é supra ou infratentorial?; (e) o paciente está melhorando ou piorando?; (f) o quadro é reversível ou já existe morte cerebral? As respostas são obtidas avaliando-se: 1. Respiração. 2. Pupilas. 3. Movimentos oculares. 4. Atividades motoras. Inicialmente, vale lembrar que a cavidade craniana é dividida em um andar superior e um inferior pela tenda do cerebelo, projeção da dura-máter com uma abertura central pela qual trafega o tronco do encéfalo. O andar acima da tenda, chamado de supratentorial, é incompletamente dividido em uma metade direita e uma esquerda pela foice cerebral. Se ocorrer hematoma intracraniano em crescimento, surgirão gradientes de pressão entre esses compartimentos cerebrais, produzindo hérnia cerebral interna. Em princípio, sob a foice cerebral, para o hemisfério contralateral; depois, pela abertura da tenda, para o andar infratentorial. As hérnias cerebrais internas explicam como uma lesão frontal, unilateral, fará disfuncionar progressivamente o hemisfério contralateral, o diencéfalo, depois o mesencéfalo e, a seguir, a ponte e o bulbo. A herniação no nível da tenda é mais freqüentemente bilateral. Contudo, quando a massa se localiza na região temporal, pode haver, inicialmente, herniação da face medial do lobo temporal — o uncus —, acarretando a clássica síndrome da hérnia lateral ou hérnia do uncus (Fig. 57-2). As hérnias cerebrais internas produzem lesões vasculares isquêmicas ou hemorrágicas ao nível do tronco encefálico, causando efeitos funcionais freqüentemente irreversíveis (Fig. 57-3). Para exemplificar a deterioração rostrocaudal das funções encefálicas no caso de uma hérnia cerebral mediana, explicamos a evolução produzida por um hematoma frontal: 1. Respiração. Quando se disfuncionam ambos os hemisférios cerebrais e o diencéfalo, surge a clássica respiração periódica de Cheyne-Stokes, caracterizada por padrão respiratório que, em freqüência e intensidade, atinge o ápice e decresce progressivamente, chegando à apnéia. Esta respiração periódica é o padrão respiratório mais comum nos comas metabólicos.

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Quando a lesão funcional atinge o mesencéfalo, surge hiperventilação neurogênica central, que é caracterizada pela atividade hiperventilatória continuada. Como conseqüência, ocorrem hipocapnia, aumento da pO2 e alcalose respiratória, diferente, portanto, de um coma metabólico com acidose e hiperventilação compensatória. Quando a ponte disfunciona, pode surgir a respiração apnêustica, caracterizada por um padrão respiratório com parada na fase de inspiração. Quando a lesão atinge o bulbo, sede do centro respiratório, há uma tendência para hipoventilação e parada respiratória. Algumas vezes, precedendo a apnéia, nota-se padrão respiratório anárquico, irregular em freqüência e intensidade, descrito como respiração atáxica de Biot. Obviamente, lesão bulbar completa provocará parada respiratória. No coma metabólico, encontra-se respiração de Cheyne-Stokes ou hipoventilação. Os quadros de hiperventilação no coma metabólico são, em geral, compensatórios de acidose sistêmica. 2. Pupilas. O esfíncter da íris recebe dupla inervação autônoma. O parassimpático é responsável pela constrição do esfíncter — efeito miose —, e o simpático, pela dilatação do esfíncter — efeito midríase. O primeiro neurônio do parassimpático localiza-se no mesencéfalo, junto ao núcleo do nervo oculomotor. As fibras trafegam pelo nervo oculomotor até a íris. A anatomia do simpático é mais complicada. Inicia-se no hipotálamo, atravessa o tronco encefálico e a medula cervical, para fazer sinapse no gânglio cervical superior. Daí penetra no crânio com a carótida interna. Enquanto a lesão funcional produtora do coma estiver apenas ao nível dos hemisférios e diencéfalo, ela não produzirá alterações pupilares. Quando ocorrer lesão do mesencéfalo, surgirá midríase por disfunção do núcleo ou nervo oculomotor e conseqüente ação nãobalanceada do simpático. Se o quadro se agravar e a ponte entrar em falência, as pupilas diminuirão de tamanho em relação ao estágio anterior, mantendo-se, contudo, não-reativas à luz. Como se verá adiante, nos casos de hérnia de uncus, surgirá midríase unilateral, correspondente ao lobo temporal afetado. Os comas metabólicos não costumam alterar as pupilas. Só na fase final surge midríase, e é improvável o surgimento de anisocoria, ou seja, midríase unilateral. 3. Movimentos oculares. Existem três centros motores do olhar conjugado no encéfalo. Há um centro frontal, responsável pelo desvio voluntário do olhar, e outro occipital, responsável pelo reflexo de fixação do objeto avistado. Estes dois centros supratentoriais produzem desvio de olhar para o lado oposto. Assim, uma lesão no lobo frontal direito pode produzir hemiparesia esquerda e desvio do olhar para o lado direito, por ação nãobalanceada do centro contralateral. 669

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Está na ponte o terceiro centro de olhar conjugado. Este centro pontino, contudo, produz desvio ipsolateral dos olhos. Assim, uma lesão localizada na metade direita da ponte poderá produzir hemiplegia esquerda, mas produzirá também desvio do olhar para o mesmo lado esquerdo, por ação não-balanceada do centro pontino contralateral. Portanto, os desvios do olhar conjugado, supratentoriais, olham para o lado sadio, e os desvios de origem pontina olham para o lado paralisado. Além disso, os desvios de olhar conjugado, originários da ponte, são muito mais duradouros e não cedem com a estimulação vestibular. Podem-se também produzir movimentos conjugados do olhar, utilizando-se manobras de reflexo oculocefálico (ROC) e oculovestibular (ROV). O ROC, ou “reflexo de olhos de boneca”, pode ser induzido. Girando-se rapidamente a cabeça do paciente para um lado, os olhos imediatamente desviam-se para o lado oposto. Ao se estender ou fletir a cabeça, obtêm-se movimentos verticais do olhar. Uma lesão que compromete o teto mesencefálico produz desvio fixo dos olhos para baixo (sinal de Parinaud). Os movimentos conjugados do olhar são integrados pelo fascículo longitudinal medial, no tronco encefálico. Lesões deste fascículo, ao nível da ponte, freqüentemente produzem oftalmoplegia internuclear, que se caracteriza por incapacidade de adução do olho do mesmo lado, à manobra de reflexo oculocefálico. Vale lembrar que, no indivíduo consciente (p. ex., um histérico ou simulador), o ROC será negativo; também será negativo nos pacientes cujo coma seja de tal gravidade que as funções do fascículo longitudinal medial estejam destruídas. Os movimentos oculares também podem ser desencadeados pela manobra do reflexo oculovestibular. Esta manobra consta de injeção de soro gelado no conduto auditivo. Elevando-se a cabeça do paciente a 30º, obtém-se desvio do olhar para o lado estimulado. Para se obter movimento vertical para cima, eleva-se a cabeça a 60º e estimulam-se os ouvidos bilateralmente. No indivíduo consciente (histérico ou simulador), o ROV não produzirá desvio tônico, mas sim nistagmo com o componente rápido, que representa a inibição cortical do reflexo, para o lado contrário ao estímulo. O ROV está ausente nos comas que comprometem as funções do tronco encefálico. Os comas metabólicos, em geral, não produzem desvios conjugados fixos do olhar, lateralmente. Ocorre, com freqüência, desvio do olhar para baixo, que cede facilmente com as manobras de ROC e ROV. Outra maneira de se induzirem movimentos ao nível dos olhos é por meio de pesquisas do reflexo corneano. Estimulando-se a córnea, ocorre o piscar dos olhos. Este reflexo é

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integrado ao nível da ponte, e sua ausência, desde que não haja lesão do braço aferente (trigêmeo) ou do braço eferente (facial), indica lesão funcional do tronco encefálico. 4. Atividades motoras. O paciente poderá responder aos estímulos dolorosos de forma apropriada ou inapropriada. As respostas inapropriadas apresentam-se como reação em decorticação e descerebração. Na decorticação, ocorre opistótono, além de flexão de membros superiores e extensão de membros inferiores. Na descerebração, há opistótono e extensão dos quatro membros. As reações inapropriadas podem ser uni ou bilaterais. A decorticação ocorre nas lesões funcionais dos hemisférios cerebrais e do diencéfalo. Quando a lesão atinge o mesencéfalo, observa-se postura em descerebração, que tende a desaparecer quando a lesão acomete a ponte, tornando o paciente arrefléxico. Raramente, em lesões da ponte, antes de desaparecer a descerebração, surge reação caracterizada por opistótono, extensão de membros superiores e flexão de membros inferiores. No coma metabólico, pode-se observar decorticação ou descerebração, sempre bilateralmente. A seguir, serão apresentados os canais de herniação central, em estágios esquemáticos: a. Estágio diencefálico: respiração de Cheyne-Stokes; pupilas reativas à luz, de tamanho normal; ROC e ROV presentes; decorticação. b. Estágio mesencefálico: hiperventilação neurogênica central; pupilas dilatadas, nãoreativas à luz; ROC e ROV presentes, às vezes com paralisia de adução dos olhos; descerebração. c. Estágio pontino: hipoventilação ou respiração atáxica (Biot); pupilas menores do que as do estágio mesencefálico, não-reativas à luz; ROC e ROV negativos; ausência de reação à dor ou extensão de membros superiores e flexão de membros inferiores. Nos casos de hérnia lateral ou hérnia de uncus, na fase diencefálica, aparece inicialmente anisocoria com pupila midriática não-reativa no lado da lesão, produzida por compressão direta do nervo oculomotor, ao nível da tenda. Quando a hérnia lateral se agrava, o mesencéfalo passa a sofrer bilateralmente, e o quadro clínico iguala-se ao da hérnia central. E. Exames complementares. Para o diagnóstico do coma estrutural, utilizam-se freqüentemente tomografia computadorizada e angiografia cerebral. Para a elucidação dos comas metabólicos, utilizam-se dosagem de íons, pH sérico, glicose, uréia, creatinina, avaliação de função hepática e, quando necessário, outros exames. Vale, contudo, um comentário sobre o estudo liquórico. Este exame revela o diagnóstico em casos de hemorragia intracraniana, meningite e outros. Entretanto, se o coma decorrer de massa intracraniana, a retirada de liquor determinará aumento do gradiente de pressão e

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piora das hérnias cerebrais internas, aos níveis da tenda e do buraco occipital. Portanto, nesses casos, a punção lombar poderá levar à morte súbita, e não deverá ser realizada. Menos freqüentemente, uma massa infratentorial pode ocasionar hérnia ascendente, ao nível da tenda, após retirada de liquor dos ventrículos. Este quadro, que pode aparecer em tumores da fossa posterior, após derivação liquórica, caracteriza-se por coma, desvio forçado do olhar conjugado para baixo e respiração de Cheyne-Stokes. V. Morte Cerebral. As estruturas filogeneticamente mais antigas do encéfalo resistem melhor às agressões. Assim, se o exame neurológico revela ausência das funções de bulbo e ponte, pode-se admitir que mesencéfalo, diencéfalo e hemisférios cerebrais já estão lesados. O diagnóstico do coma irreversível caracteriza-se basicamente por coma profundo, apnéia, pupilas não-reativas à luz, ROC e ROV negativos e hipotensão arterial grave. Este quadro pode ser considerado irreversível, desde que seja secundário a intoxicações exógenas. Em casos de intoxicação, se o paciente for mantido artificialmente vivo, ele poderá recuperar-se após eliminação e metabolização da droga. VI. Tratamento. Algumas medidas gerais são comuns a todos os casos. A cabeceira deve ser elevada 30º, em relação ao plano horizontal, para facilitar a drenagem venosa do encéfalo. O paciente deverá ser mudado de decúbito a cada quatro horas, para evitar escaras. Quando se fizer necessário introduzir sonda vesical de demora, que deverá ser trocada uma vez por semana, serão tomados, naturalmente, os cuidados de assepsia. Se o paciente não recobrar a consciência em cinco dias, dever-se-á introduzir alimentação por sonda, ou então por gastrostomia, se a expectativa médica for de evolução mais prolongada. Manter ventilação adequada, por meio de intubação orofaríngea, intubação traqueal ou traqueostomia, é necessário como forma de tratamento de edema cerebral. Com esta mesma finalidade, temse utilizado hiperventilação, visando manter pressão de CO2 em torno de 25 ml/mmHg; manitol e corticóides são freqüentemente utilizados no combate ao edema cerebral. Para prevenir a infecção respiratória, convém instituir fisioterapia e medidas para remoção de secreções. Nos pacientes idosos, deve-se fazer prevenção de flebotrombose e de embolia pulmonar. O tratamento do coma estrutural confunde-se com o tratamento de sua causa, exigindo freqüentemente intervenção neurocirúrgica. Pratica-se sedação nos pacientes que apresentam reação de descerebração intensa e espontânea, uma vez que tal postura produz manobra de Valsalva e agrava o edema cerebral, aumenta o consumo de oxigênio e as necessidades metabólicas. Nos comas metabólicos, devem-se corrigir os quadros de hipotensão, hipoglicemia, hipoxemia e hipercapnia, de modo a prevenir lesão definitiva do encéfalo. O tratamento

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específico de cada um dos seus tipos, naturalmente, deve ser voltado para a causa e receberá maior atenção nos capítulos específicos. Nos casos decorrentes de intoxicação exógena, é fundamental promover sustentações respiratória e cardiovascular. Além disso, tomam-se medidas para reduzir a absorção de tóxico ingerido ou em contato com a superfície externa, para eliminá-los da circulação, ou empregam-se antídotos, quando possível, além de medidas gerais. VII. Prognóstico. O prognóstico depende da causa. Grosso modo, os comas estruturais têm pior prognóstico do que os metabólicos. Se o paciente atinge o estágio mesencefálico completo, raramente ele se recupera sem seqüela funcional grave. O estágio de morte cerebral é considerado quadro terminal definitivo. Nos comas estruturais, as crianças e os pacientes mais jovens apresentam melhor prognóstico, principalmente quando se trata de traumatismos cranioencefálicos. Referências 1. Medina A. Distúrbios de Consciência. Belo Horizonte: Editora de Cultura Médica, 1984. 2. Novaes V. Hérnias cerebrais internas. In: Tumores Intracranianos. Missau, 1982. 3. Plum P, Posner JB. The Diagnosis of Stupor and Coma. 7 ed., Philadelphia: F.A. Davis Company, 1976. 4. Sabiar TD. Coma and the acute confusional state in the emergency room. The Medical Clinics of North America 1981; 65: 15. 5. Sanvito WL. Os Comas na Prática Médica. São Paulo: Editora Manole Ltda, 1978. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 58 - Hipertensão Intracraniana Sebastião N.S. Gusmão Márcio Melo Franco A hipertensão intracraniana (HIC) é o denominador comum de várias condições neurológicas e constitui uma emergência médica. O aumento da pressão no interior do crânio pode ser conseqüente a várias doenças que afetam o encéfalo, como lesões vasculares, tóxicas, inflamatórias, parasitárias, neoplásicas e traumáticas. É especialmente freqüente no trauma cranioencefálico, onde é causada pela tumefação cerebral e pelos hematomas intracranianos. I. Fisiopatologia. A. Pressão intracraniana. A pressão intracraniana (PIC) depende da anatomia do espaço craniorraquiano, das propriedades físicas do tecido cerebral, da dinâmica das circulações sangüínea e liquórica e das reações desses fatores às alterações patológicas. O sistema nervoso central encontra-se no recinto cerebroespinhal, que, no adulto, é um reservatório inextensível de volume constante. Três elementos ocupam esta cavidade: o parênquima cerebral, o sistema vascular e o líquido cefalorraquidiano (LCR), correspondendo estes dois últimos componentes a aproximadamente 10% do conteúdo intracraniano. O parênquima cerebral tem um volume constante e, do ponto de vista mecânico, pode ser interpretado como uma esponja submicroscópica, formada de material viscoelástico. Dentro deste parênquima, dois compartimentos, ou cavidades, podem ser isolados: o compartimento venoso e o líquido extracelular. Eles representam a compressibilidade do parênquima cerebral por estarem ligados ao sistema venoso extracraniano exposto à pressão atmosférica. O tecido cerebral por si mesmo não é compressível, mas sua deformação elástica é possível, graças à presença dos compartimentos de líquidos, semelhante ao que ocorre com uma esponja. Assim, a elasticidade do cérebro é devida a uma propriedade de seus tecidos, e a sua compressibilidade, à possibilidade de contração do sistema de líquidos. O sistema vascular intracraniano está em comunicação com o sistema vascular extracraniano. O sistema venoso intracraniano pode, portanto, durante elevação da pressão venosa devida a um aumento da PIC, reajustar sua distribuição de pressão, expulsando uma parte do volume sangüíneo para o sistema venoso extracraniano, comportando-se como um elemento elástico e amortizador das variações da PIC. O LCR é produzido essencialmente ao nível do plexo coróide e retorna à circulação sangüínea através das vilosidades aracnóideas situadas ao nível do seio longitudinal superior. As granulações de Pacchioni representam os aspectos morfológicos das vilosidades aracnóideas. A secreção do LCR proveniente do plexo coróide flui dos ventrículos laterais aos corpúsculos ou granulações de Pacchioni, passando por diferentes forames, aquedutos e espaços subaracnóideos cisternais, até drenar-se no sistema venoso. A pressão do LCR, ou seja, a PIC, origina-se da diferença entre a formação e a reabsorção de um certo débito (D) de LCR, porque esta reabsorção ocorre contra uma certa resistência (R) ao escoamento. Isto pode ser expresso pela equação: PIC = D ö R. Em condições normais de formação e resistência à absorção, a pressão hidrostática do LCR, com o indivíduo em 674

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decúbito lateral, oscila entre 50 e 200 mm de água e é a mesma ao nível dos ventrículos, da cisterna magna e do fundo-de-saco lombar (lei de Pascal). Quando o paciente se encontra de pé, a pressão intraventricular normal ao nível do forame de Monro é, em média, de 70 mm negativos de água, o que corresponde à distância entre o orifício de Monro e a grande cisterna, onde a pressão é próxima de zero. A monitoração da PIC é importante pelo fato de a HIC geralmente preceder a deterioração clínica. Lundberg introduziu a medida contínua da pressão intraventricular. Posteriormente, foram desenvolvidos sensores que podem ser colocados nos espaços extradural, subdural ou subaracnóideo. Diversos sistemas de monitoração têm sido propostos, sendo os de coluna líquida os mais utilizados. Eles estabelecem comunicação do transdutor com espaços liquóricos naturais (ventrículo ou espaço subaracnóideo) e medem, portanto, uma pressão hidrostática que, pela lei de Pascal, é aproximadamente a mesma em qualquer ponto do espaço intracraniano, desde que haja livre comunicação dos sistemas fluidos. Além dos sistemas que se utilizam da pressão hidrostática, há outros que transmitem uma pressão pneumática através de um cabo que conecta um sensor intracraniano ao monitor. Lundberg descreveu as ondas de pressão durante o registro da PIC. As ondas A ou ondas em platô são consideradas patológicas e geralmente estão associadas a sintomas e sinais de HIC. As ondas B podem ocorrer em situações fisiológicas, mas freqüentemente estão associadas a situações patológicas. As ondas C representam a repercussão dos batimentos cardíacos no registro da HIC. O desaparecimento das ondas de pressão é decorrente da falência vasomotora e indica mau prognóstico. B. Relação pressão-volume. Os três compartimentos intracranianos — o parênquima cerebral, o compartimento vascular e o compartimento do líquido extracelular — estão ligados entre si por uma relação volumétrica expressa, depois de 1738, pela lei de MonroKellie-Burrows: a soma dos volumes dos três compartimentos é constante, igual ao volume do recinto osseodural que os contém. Esta lei pode ser também expressa pela forma: a soma algébrica das variações de volume do três setores é nula, ou seja, qualquer alteração volumétrica em um dos componentes intracranianos (cérebro, LCR e sangue) é imediatamente compensada por uma alteração oposta no volume dos demais componentes. O aumento de volume é um dos componentes da cavidade intracraniana (hidrocefalia ou tumefação cerebral) ou a presença de uma lesão expansiva provoca o deslocamento destes componentes. Para que a PIC se mantenha inalterada, é necessário que saia da cavidade intracraniana um volume de líquido igual ao volume acrescentado. Quando o novo volume torna-se superior a 10% do espaço intracraniano, inicia-se a alteração da PIC. Langfitt e seus colaboradores mostraram que a expansão de um balão intracraniano numa velocidade constante em primata subumano determinava elevação muito discreta da PIC inicialmente, até o volume do balão atingir um ponto crítico, a partir do qual a expansão adicional do balão produziria elevação constante da PIC. Este volume crítico do balão foi considerado equivalente ao volume de sangue deslocado da cavidade craniana. O crescimento progressivo de uma lesão expansiva determina um aumento da PIC que segue uma característica curva exponencial volume/pressão. Nos estágios iniciais do aumento volumétrico, o aumento de pressão é pequeno, devido aos mecanismos de compensação. No início do aumento volumétrico, ocorre um deslocamento do LCR em 675

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direção ao canal raquiano. Posteriormente, diminui o volume sangüíneo por compressão do sistema venoso. Caso a lesão expansiva continue, poderá ocorrer bloqueio das vias liquóricas com reduções das cisternas e colapso dos forames dos ventrículos. Caso novas reduções do volume de líquido cefalorraquidiano ou do sangue não sejam possíveis, ocorrerá herniação do tecido cerebral, provocada por gradientes de pressão de um compartimento em relação a outro, com compressão e encarceramento tecidual ao nível da foice do cérebro, da tenda do cerebelo ou do forame magno. Denomina-se complacência a capacidade da cavidade intracraniana adaptar-se ao aumento de volume em seu interior. O processo descrito pode ser ilustrado por uma curva exponencial (curva de Langfitt), também denominada curva de complacência cerebral, que estabelece a relação pressão-volume. Esta curva relaciona, no eixo horizontal, o volume de determinado processo expansivo e, no eixo vertical, a PIC, que inicialmente se mantém estável devido aos mecanismos de compensação (porção horizontal da curva) e, posteriormente, à medida que ocorre maior expansão volumétrica, o aumento de pressão resultante segue uma curva exponencial, discretamente ascendente no início e que apresenta brusca elevação (porção vertical da curva) e, portanto, a complacência diminui quando se esgotam os mecanismos compensadores de espaço. A porção horizontal da curva é denominada período de compensação espacial, e a porção vertical, período de descompensação espacial. O teste de avaliação da complacência, durante a medida contínua da PIC, consiste na injeção ou remoção de 1 ml de líquido no espaço intraventricular, o que provoca uma modificação de pressão. Esta modificação de pressão constitui a resposta volume-pressão, cuja importância clínica reside na possibilidade de se detectar um esgotamento dos mecanismos de compensação intracranianos antes que haja modificações significativas da PIC. A HIC evolui em quatro fases. O aumento inicial da PIC é assintomático, devido aos mecanismos de acomodação mecânica e compensação volumétrica (fase 1). Esta compensação volumétrica é feita à custa de diminuição do LCR e do sangue circulante no leito venoso. Quando os mecanismos compensatórios se esgotam, surgem os sintomas clínicos que coincidem com as ondas em platô ou ondas A (fase 2). Estas ondas se tornam mais freqüentes e com maior amplitude, indicando uma lesão do tronco encefálico por hérnia cerebral interna (fase 3). Nesta fase os sintomas de compressão do tronco encefálico tornam-se evidentes e há comprometimento do nível de consciência. Finalmente, a PIC iguala-se à pressão arterial média, interrompendo a circulação cerebral (fase 4). Isto pode ser evidenciado por meio de angiografia cerebral por parada do contraste ao nível do sifão carotidiano. Nesta última fase, ocorrem coma e alterações da pressão arterial, da freqüência cardíaca e do ritmo respiratório; a morte ocorre por parada cardiorrespiratória. O aumento da pressão arterial sistêmica em resposta à queda da pressão de perfusão cerebral (fenômeno de Cushing) é atribuída a um aumento da resistência vascular sistêmica produzida por isquemia do tronco encefálico. A HIC altera a função neurológica através da diminuição do fluxo sangüíneo cerebral e das hérnias cerebrais. C. Efeito da PIC sobre o fluxo sangüíneo cerebral. O fluxo sangüíneo cerebral (FSC) é igual à relação entre a pressão de perfusão cerebral (PPC) e a resistência vascular cerebral 676

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(RVC). O fluxo sangüíneo cerebral é mantido estável à custa de adaptações da RVC, que é modificada por mecanismos de auto-regulação. A pressão de perfusão cerebral pode ser definida como a diferença entre a pressão arterial média (PAM) e a pressão venosa. Para efeitos práticos, a pressão no interior das veias cerebrais é igual à PIC. A pressão venosa cerebral deve ser mantida pouco acima da PIC, para impedir o colapso das veias. Quando a PIC sobe, a pressão nas veias cerebrais de paredes finas aumenta na mesma proporção. Se isto não ocorresse, as veias entrariam em colapso com conseqüente interrupção do fluxo sangüíneo cerebral. Por isso, a pressão de perfusão cerebral, que consiste na diferença entre a pressão arterial e a venosa, tem valor aproximado da diferença entre as pressões arterial e intracraniana. Estas relações podem ser sistematizadas na seguinte equação: FSC = PPC/RVC = (PAM – PIC)/RVC A manutenção da PPC, obtida pela diferença entre a PAM e a PIC, é fundamental para a manutenção do FSC. O FSC é governado primariamente pelo fenômeno de auto-regulação cerebral, que pode ser definido como a tendência intrínseca do cérebro para manter um fluxo sangüíneo constante em resposta às moderadas variações na pressão de perfusão. As pequenas variações da pressão arterial e da PIC são compensadas por alterações na resistência cerebrovascular. À medida que a PPC cai, seja por causa da hipotensão arterial ou da HIC, ocorre dilatação progressiva das arteríolas e pequenas artérias cerebrais. A resistência vascular então cai para compensar a queda da pressão de perfusão, mantendo o FSC constante. Quando a auto-regulação encontra-se íntegra, a PPC pode ser reduzida para 40 mmHg antes de ocorrer redução importante do FSC. Este processo é denominado auto-regulação, porque é relativamente independente de influências extracerebrais. Quando a PIC adquire um valor próximo daquele da pressão arterial (diferença de 40 mmHg entre a PAM e a PIC), é atingido o ponto crítico, e o aumento ulterior da PIC determina a diminuição pari passu da PPC e do FSC. Esta alteração do FSC é devida à ação da HIC sobre os vasos encefálicos, acarretando diminuição do diâmetro dos mesmos e conseqüente aumento da RVC. A vasoconstrição causa queda do FSC, que determina anoxia cerebral. A redução do FSC e a anoxia provocam aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2), que, por sua vez, determina vasodilatação e aumento do fluxo sangüíneo cerebral. Estes, porém, terminam por agravar a HIC. A HIC influi também sobre a FSC, a partir da elevação da pressão arterial. Esta elevação teria como objetivo restaurar o FSC. A elevação da pressão arterial, a bradicardia e a arritmia respiratória na fase final da evolução da HIC constituem a tríade de Cushing. D. Hérnias cerebrais. Em um líquido, as variações locais de pressão são transmitidas em todos os pontos do mesmo (princípio de Pascal), enquanto as forças externas que atuam sobre um corpo sólido são transmitidas de forma direcional, originando um estresse interno com deslocamento em massa do corpo sólido. O parênquima cerebral é, portanto, submetido a um estresse, enquanto o LCR e o sistema circulatório transmitem pressões. Devido às características físicas do encéfalo e à inextensibilidade da caixa craniana, uma lesão expansiva intracraniana termina por provocar um estresse e deslocamento do tecido 677

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cerebral de um compartimento para outro (hérnia cerebral interna), desde que se estabeleça um gradiente de pressão. A gravidade de uma hérnia cerebral, ou cone de pressão, está na dependência do comprometimento secundário do tronco encefálico ao nível da incisura da tenda e do buraco occipital. Para compreensão das hérnias através dos compartimentos intracranianos, é fundamental o conhecimento da anatomia da foice do cérebro e da tenda do cerebelo, que dividem a cavidade intracraniana em compartimentos. A foice do cérebro é um prolongamento vertical e mediano da dura-máter, situado na cisura inter-hemisférica, que separa os dois hemisférios cerebrais. Ela apresenta uma base que se insere perpendicularmente sobre a parte mediana da tenda do cerebelo, que ela eleva e mantém tensa. Sua borda superior ocupa a linha mediana da crista de Galli até a protuberância occipital interna. A borda inferior corresponde à face superior do corpo caloso, mas ela repousa diretamente sobre ele somente na sua porção posterior (esplênio); anteriormente, ela se afasta de forma progressiva desta estrutura. Forma-se, portanto, neste nível, entre o corpo caloso e a borda inferior da foice do cérebro, um espaço triangular de ângulo posterior, na área em que os dois hemisférios estão diretamente em contato, podendo ocorrer uma hérnia subfalciforme em caso de compressão de um hemisfério cerebral. A tenda do cerebelo é uma membrana transversal, situada na parte posterior da cavidade craniana, entre os lobos occipitais, que estão acima, e o cerebelo, que se encontra abaixo. Ela é acentuadamente inclinada de cima para baixo e da frente para trás, formando uma cobertura de duas vertentes laterais (como uma tenda). Apresenta a forma de um croissant ou de lua crescente com abertura anterior, apresentando, portanto, duas faces, duas circunferências e duas extremidades. A face superior, mais elevada na parte média do que nas laterais, está em contato com a face inferior dos lobos occipitais, que repousam sobre ela. A face inferior, em forma de abóbada, recobre a face superior dos hemisférios cerebelares. A circunferência posterior da borda externa, de forma convexa, vai de uma apófise clinóide posterior à outra. Insere-se sucessivamente sobre: protuberância occipital interna, porção horizontal do sulco transverso, borda superior do rochedo e clinóide posterior. A circunferência anterior, ou borda livre ou borda interna, de forma parabólica ou côncava, estende-se por cima da goteira basilar e forma, com a extremidade desta, um orifício alongado da frente para trás — é o forame oval de Pacchioni, ou hiato tentorial ou incisura tentorial. O hiato tentorial é o orifício que comunica as cavidades supra e infratentoriais, sendo limitado na porção anterior pelos processos clinóideos posteriores e dorso da sela, na lateral, pela borda livre da tenda e do ligamento petroclinóideo e, na posterior, pela confluência da tenda e da foice do cérebro no seio reto. A incisura tentorial corresponde posteriormente aos tubérculos quadrigêmeos, à porção mais alta do vermis cerebelar (culmen) e à porção mais interna e superior dos lobos laterais do cerebelo; ânterolateralmente, aos pedúnculos cerebrais (mesencéfalo).

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Da face anterior do mesencéfalo, na fossa interpeduncular, emergem os nervos oculomotores, que se dirigem obliquamente para a parede externa do seio cavernoso. Em posição superior em relação ao nervo oculomotor estão as artérias comunicante posterior e cerebral posterior, esta última cruzando o nervo no ponto em que se dirige para a fossa supratentorial. Separando o mesencéfalo do clivus e da borda livre da tenda, encontra-se anteriormente a cisterna interpeduncular, lateralmente a cisterna peripeduncular (asas da cisterna ambiens) e posteriormente a cisterna ambiens. A face mesial do uncus e a da porção inicial do giro paraipocampal ultrapassam ligeiramente a porção anterior da incisura tentorial. Chegando à borda superior do rochedo, à frente do forame oval, a borda livre da tenda passa sobre este osso e sobre a circunferência posterior, um pouco por fora da apófise clinóide posterior, e vem fixar-se sobre a borda externa da apófise clinóide anterior. Lateralmente à sela túrcica, as extremidades anteriores das circunferências anterior e posterior delimitam uma pequena região de forma triangular, parede superior do seio cavernoso, cujos três lados são formados: (1) do lado externo, pelo prolongamento da borda livre da tenda; (2) do lado posterior, pelo prolongamento da grande circunferência da tenda, que se vai inserir sobre a apófise clinóide posterior; (3) do lado interno, por uma linha fictícia que une as duas apófises clinóides do mesmo lado. O nervo troclear atravessa a dura-máter no ponto onde se entrecruzam as duas circunferências da tenda e penetra na parede externa do seio cavernoso. O nervo oculomotor cruza a borda posterior do triângulo limitado pelo cruzamento dos dois prolongamentos da tenda do cerebelo, tangenciando o lado externo da apófise clinóide posterior. A seguir, aplica-se sobre a parede superior do seio cavernoso e, dirigindo-se obliquamente para a frente, perfura a dura-máter em um ponto ao nível da metade do trajeto entre os dois processos clinóideos do mesmo lado, para penetrar na parede externa do seio cavernoso. Nas lesões expansivas unilaterais, as estruturas da linha média são desviadas para o lado oposto. O septo interventricular e o terceiro ventrículo são desviados, e o giro do cíngulo se projeta sob a borda livre da foice do cérebro (hérnia supracalosa ou subfalciforme, ou do giro do cíngulo). Nos casos mais intensos, a hérnia subfalciforme pode comprimir uma ou ambas as artérias pericalosas, com conseqüente infarto nos respectivos territórios de irrigação. A hérnia tentorial ou cone de pressão tentorial apresenta-se sob duas formas: a hérnia tentorial lateral (ou hérnia do uncus) e a hérnia tentorial central do tronco encefálico. A hérnia tentorial lateral ou uncal consiste na passagem parcial do uncus e da porção medial do giro paraipocampal entre a borda livre da tenda e o mesencéfalo. Em conseqüência, o mesencéfalo é comprimido no sentido lateral, ocorrendo o alongamento de seu diâmetro ântero-posterior. Poderá ocorrer também a compressão do nervo oculomotor e da artéria cerebral posterior. O exame anatomopatológico pode mostrar, na fase aguda, a presença de um sulco na superfície inferior do lobo temporal (giro paraipocampal), melhor observado nos cortes coronais do cérebro. Quando a cunha de necrose por pressão é hemorrágica, a mesma pode ser identificada macroscopicamente, principalmente nos cortes coronais do cérebro. Quando não existe 679

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hemorragia, sua identificação pode exigir o exame microscópico. Em alguns casos, ocorre hemorragia no nervo oculomotor homolateral. Poderá também ser evidenciado infarto do córtex occipital medial homolateral, conseqüente à oclusão da artéria cerebral posterior. Este infarto é geralmente hemorrágico, porque a oclusão da artéria é incompleta, permitindo a passagem de algum sangue pelo vaso alterado, que tende a se romper. A hérnia do uncus é encontrada nos processos expansivos do lobo temporal ou da região lateral da fossa média, acompanhados ou não de HIC, mas pode ocorrer com qualquer processo expansivo supratentorial. Na hérnia transtentorial central ocorre deslocamento para baixo de todo o tronco encefálico, através do buraco de Pacchioni. Ela é causada, principalmente, por lesões expansivas de localização frontal ou parietal ou por lesões expansivas bilaterais. Durante este processo, ocorre o estiramento das artérias perfurantes do tronco encefálico oriundas da artéria basilar, em virtude de o tronco encefálico deslocar-se para baixo, enquanto a artéria basilar mantém-se relativamente fixa. O estiramento produz isquemia e hemorragia nas proximidades da linha média do tronco encefálico, denominada hemorragia de Duret. Se a compressão supratentorial prossegue e a pressão intraventricular excede em aproximadamente 10 mmHg a pressão subaracnóidea cervical, o quadro de hérnia tentorial é seguido pelo de hérnia das tonsilas, ou amígdalas cerebelares. As tonsilas cerebelares se insinuam, então, através do forame magno, obliterando a cisterna magna e comprimindo o bulbo. A HIC é diagnosticada no exame anatomopatológico por meio dos seguintes sinais: sulco ou necrose no giro paraipocampal, hemorragia pontina ou mesencefálica, infarto occipital, substância negra abaixo da linha do tentório e sulco ou necrose na amígdala cerebelar. Dentre estes sinais, o mais importante do ponto de vista anatomopatológico é a hérnia paraipocampal, por constituir-se em indicador fidedigno de que o paciente apresentou HIC. II. Manifestações Clínicas. A tríade sintomática básica da HIC consiste em cefaléia, vômito e edema de papila. Além destes, podem ocorrer também os seguintes sintomas e sinais: alterações do nível de consciência, crises convulsivas, tonturas, macrocefalia, paralisia dos nervos motores oculares e alterações da pressão arterial, da respiração e da freqüência cardíaca. A cefaléia é de caráter progressivo e mais intensa durante a noite. É causada pela dilatação e tração dos grandes vasos, compressão e distensão dos nervos cranianos sensitivos e da dura-máter por eles inervados. A cefaléia é mais intensa pela manhã, ao acordar, e melhora após o vômito. Sabe-se que a PIC aumenta durante o sono e pode atingir níveis muito elevados nos pacientes com lesão expansiva intracraniana. Isto parece ser devido à retenção de dióxido de carbono, levando à dilatação vascular e ao conseqüente aumento do volume sangüíneo cerebral. Ocorre melhora da cefaléia após o vômito, por diminuição do edema cerebral, que se segue à hiperventilação provocada pelo ato de vomitar. Lundberg observou que as ondas de pressão terminavam após o vômito quando o ato de vomitar era acompanhado por hiperventilação. 680

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O vômito ocorre com maior freqüência pela manhã. Pode ser ou não precedido por náusea; neste último caso é denominado vômito em jato e sugere origem neurológica. Parece ser devido à compressão da área postrema (área do assoalho do quarto ventrículo imediatamente lateral ao trígono do nervo vago). O edema de papila é o sinal mais característico da HIC. No exame oftalmoscópico normal, a papila apresenta a forma de um disco plano, de cor rosa, com bordas nítidas e uma escavação fisiológica no centro. No edema de papila resultante de HIC, as bordas ficam borradas, as veias ingurgitadas e o pulso venoso desaparece. Nos papiledemas avançados, pode ocorrer hemorragia na retina. O nervo óptico é envolvido pelas meninges e banhado pelo liquor. Assim, na HIC, o liquor hipertenso comprime a veia central da retina, dificultando o retorno venoso e determinando a estase papilar. O sangue venoso da retina é represado, as veias tornam-se túrgidas e sinuosas, provocando o edema e, nos casos mais avançados, hemorragias. As alterações do nível de consciência iniciam-se com sonolência, podendo evoluir até o coma progressivamente mais profundo. As crises convulsivas generalizadas podem constituir a manifestação inicial ou manifestar-se durante a doença. As tonturas sem caráter giratório resultam do edema de labirinto secundário à comunicação existente entre a cavidade intracraniana e o ouvido interno. Nas crianças com as suturas ainda não soldadas, o aumento da PIC pode ser compensado, temporariamente, pela disjunção progressiva das suturas, com conseqüente aumento do perímetro cefálico (macrocefalia). O nervo abducente é freqüentemente comprometido na HIC, mas a lesão do mesmo não tem valor de localização. É atribuído ao seu estiramento pelo deslocamento caudal do tronco encefálico. Nas fases finais de evolução da HIC, ocorrem alterações da pressão arterial, da respiração e da freqüência cardíaca. As hérnias que ocorrem durante a evolução da HIC podem ser diagnosticadas através dos sinais de compressão das estruturas nervosas e vasculares. A hérnia supracalosa não apresenta maiores implicações clínicas, exceto quando comprime as artérias pericalosas, determinando infarto isquêmico nos seus territórios de irrigação. O primeiro sinal da hérnia de uncus é a dilatação da pupila (midríase) homolateral por compressão do nervo oculomotor contra o ligamento petroclinóideo. Em um estágio posterior, a artéria cerebral posterior pode ser comprimida contra a borda livre da tenda do cerebelo, resultando em hemianopsia por isquemia do lobo occipital. A insinuação da porção medial do lobo temporal no forame de Pacchioni comprime o pedúnculo cerebral, com o conseqüente desenvolvimento de hemiparesia contralateral por compressão da via piramidal homolateral. Mais raramente, a compressão do pedúnculo cerebral contralateral contra a borda livre da tenda determina uma hemiplegia homolateral. A compressão progressiva do mesencéfalo leva à depressão gradual do nível de consciência, por comprometimento da formação reticular.

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Na hérnia transtentorial central ocorrem deterioração progressiva do nível de consciência, postura de decorticação ou descerebração, alteração do ritmo respiratório e dilatação das pupilas. A hérnia tonsilar ou amigdalina manifesta-se por parada cardiorrespiratória súbita com miose bilateral. Nas hérnias transtentoriais e de amígdala cerebelar, ocorre interrupção da circulação liquórica entre a cavidade intracraniana e o espaço intra-raquídeo. Assim, a punção lombar ou da cisterna magna é contra-indicada na HIC, porque a retirada de LCR levaria a um maior gradiente de pressão entre a cavidades craniana e raquiana, o que poderia desencadear hérnia ou agravar uma já existente. Além dos sinais e sintomas gerais e de compressão das hérnias, o paciente pode apresentar também sintomas e sinais focais resultantes de comprometimento da região onde está localizada a lesão responsável pela HIC. III. Tratamento. O objetivo do tratamento é reduzir a PIC, o que pode ser conseguido a partir da redução do conteúdo intracraniano. A. Redução do volume do LCR. Pode ser obtida por meio da punção lombar, nas hemorragias subaracnóideas, nas meningites e nas hidrocefalias comunicantes. Mas este procedimento está contra-indicado nos casos de HIC secundários a processos expansivos unilaterais. Nas hidrocefalias crônicas, o tratamento preferencial é a derivação do LCR da cavidade ventricular para a cavidade peritoneal ou para o átrio direito. A fim de evitar o colapso completo do sistema ventricular, usa-se uma válvula com certo grau de resistência interposta no sistema de drenagem ventricular. A redução do volume do LCR pode ser feita por meio de drenagem liquórica por cateter ventricular. Nos casos em que o cateter está no ventrículo contralateral à lesão, e se há importante desvio do plano mediano, corre-se o risco de agravar o desvio e, conseqüentemente, o estado clínico do paciente. B. Redução do volume de sangue encefálico. O volume sangüíneo cerebral varia diretamente com a PaCO2. A resposta vasomotora à PaCO2 é mediada pelo efeito do pH do líquido extracelular sobre a musculatura lisa arteriolar pré-capilar. O aumento do volume sangüíneo do encéfalo pode ser causado por acúmulo de CO2 ou por vasodilatação cerebral secundária a comprometimento do mecanismo de auto-regulação do FSC. No traumatismo cranioencefálico é freqüente a tumefação cerebral causada por aumento do volume sangüíneo secundário à vasodilatação. A redução aguda do tono vasomotor resultaria em vasodilatação cerebral, no aumento do volume sangüíneo e na HIC. O tratamento indicado é a hiperventilação, que reduz a pressão parcial de dióxido de carbono do sangue arterial, provocando vasoconstrição e redução do volume sangüíneo intracraniano; a conseqüência é uma redução da PIC. A pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2) é reduzida dos níveis basais de 30 a 35 mmHg para os níveis terapêuticos

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de 25 a 30 mmHg. A hiperventilação não é eficaz quando a paralisia vasomotora se instala, ou seja, quando ocorre perda da auto-regulação vascular. C. Redução do edema cerebral. O edema conseqüente a aumento do teor de água no tecido nervoso central pode ser tratado com soluções hipertônicas (diuréticos osmóticos) e corticosteróides. As soluções hipertônicas aumentam a pressão osmótica intravascular, criando um gradiente osmótico transcapilar (entre o sangue e o líquido intersticial cerebral), de forma que ocorra uma migração de água do parênquima nervoso para o espaço vascular através da barreira hematoencefálica. O resultado final é uma diminuição da PIC por redução do conteúdo do líquido intracraniano. O diurético osmótico mais usado é a solução de manitol a 20% como infusão endovenosa rápida, na dose de 1 g/kg; ele pode também ser administrado intermitentemente na dose de 0,30 g/kg/hora. O efeito inicia-se após 10 minutos e se prolonga por quatro horas, devendo o manitol ser repetido periodicamente. Os corticóides são eficazes na redução do edema cerebral das neoplasias e inflamações. Admite-se que eles atuem na permeabilidade celular, melhorando o seu desempenho. A eficácia dos mesmos nos traumas cranioencefálicos é discutível. O mais utilizado é a dexametasona, devido ao seu elevado efeito antiinflamatório e à menor retenção de sódio. Ela é empregada na dose inicial de 10 mg e, a seguir, 4 mg a cada quatro ou seis horas, podendo ser administrada por vias endovenosa, intramuscular e oral. A principal complicação é a hemorragia digestiva, que pode ser prevenida com a utilização de antiácidos. A retirada da dexametasona deve ser feita gradativamente. Referências 1. Adams JH. Head injury. In: Adams JH, Duchen LW (eds.) Greenfield’s Neuropathology. 5 ed., Nova York: Oxford University Press, 1992: 106-52. 2. Adams JH, Graham DI. The relationship between ventricular fluid pressure and neuropathology of raised intracranial pressure. Neuropath Appl Neurobiol 1976; 2: 323-32. 3. Critchley M, O’Leary JL, Jennet B (eds.) Scientific Foundations of Neurology. London: Heineman Medical, 1972: 478-91. 4. Gaab M, Heissler HE. ICP monitoring. Crit Rev Biomed Engl 1984; 11(3): 189-250. 5. Hassler O. Arterial pattern of human brainstem: normal apperance and deformation in expanding supratentorial conditions. Neurology 1967; 17: 368-75. 6. Klintworth GK. The pathogenesis of secondary brainstem hemorrhages as studied with an experimental model. Am J Path 1965; 47: 525-36. 7. Langfitt TW, Tannanbaun HM, Kassel NF. The etiology of acute brain swelling following experimental head injury. J Neurosurg 1966; 24: 47-56.

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8. Lassen NA. Cerebral blood flow and oxygen consumption in man. Physiol Rev 1959; 39: 163-238. 9. Miller JD, Adams JH. The pathophysiology of raised intracranial pressure. In: Adams JH, Corsellis JAN, Duchen LW (eds.) Greenfield’s Neuropathology, 4 ed., Nova York: John Wiley and Sons, 1984: 53-84. 10. Pittella JEH, Gusmão SNS. Patologia do Trauma Cranioencefálico. Rio de Janeiro: Revinter, 1994. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 59 - Crise Convulsiva Odilon Braz Cardoso I. Introdução. A crise convulsiva é a forma mais freqüente de manifestação epiléptica. A epilepsia (palavra grega que significa “tomar de surpresa”) pode ser definida como um distúrbio cerebral de início e fim bruscos (paroxísticos), com duração de segundos a minutos, e repetitivo. Rarissimamente, é de longa duração, e, neste caso, deve-se estar atento à possibilidade de outro diagnóstico (histeria, tétano, intoxicação exógena etc.). Pode ou não haver perda de consciência (quase sempre há). As crises podem ser generalizadas, parciais, unilaterais ou predominantemente unilaterais, e erráticas do recémnascido. As crises parciais podem ter sintomatologia elementar motora, sensitiva, visual, auditiva, da linguagem, olfatória, gustativa, vertiginosa, vegetativa (digestiva, circulatória e vasomotora, enurética, respiratória ou sexual), bem como podem ter semiologia elaborada (ilusória, alucinatória, dismnésica, ideatória, afetiva, confusional ou com automatismos). As crises generalizadas podem ser tônico-clônicas (Grande Mal), tônicas, clônicas, amiotônicas, amiotônico-clônicas, vegetativas, mioclônicas esporádicas, mioclônicas de repetição periódica, espasmo infantil (síndrome de West ou hipsarritmia) e a tríade do Pequeno Mal (ausências, quedas ou amiotônicas, e as sacudidas ou mioclônicas). Assim, a epilepsia pode manifestar-se de diversas formas. Este distúrbio acomete 0,5% da população em geral em alguma fase de sua vida. II. Fisiopatologia. A crise epiléptica (disritmia cerebral) resulta de uma atividade elétrica anormal das células cerebrais. As reações químicas responsáveis pela atividade elétrica cerebral não são claramente conhecidas, nem os distúrbios químicos que as determinam. As crises podem ser desencadeadas por vários fatores metabólicos, como hipoglicemia, hipernatremia, hiponatremia, hipopiridoxinemia, hipomagnesiemia, alcalose respiratória, hipocalcemia, hipoxemia, galactosemia, erros do metabolismo dos aminoácidos, doenças de metabolismo lipídico, uremia, insuficiência hepática aguda, insuficiência supra-renal, porfiria intermitente aguda, síndrome de Reye, síndromes de abstinência (interrupção brusca de álcool, barbitúricos, tranqüilizantes etc.), intoxicações (água, atropina, inseticidas organoclorados, chumbo, gasolina, querosene, mercúrio, ferro, estricnina, digital, salicilatos, isoniazida, álcool etílico, antidepressivos tricíclicos, sais de tálio, cânfora, cocaína etc.), envenenamentos (escorpiônico, picada de aranha “viúva-negra”). A crise epiléptica pode surgir também como uma forma inespecífica de reação a qualquer acometimento cerebral orgânico (encefalopatia hipertensiva, traumatismo, embolia, tumores, infecções, hemorragias, anomalias congênitas, facomatoses, arterite por colagenoses, neurocisticercose, toxoplasmose, histoplasmose, triquinose, esquistossomose,

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malária, AIDS, doenças degenerativas, como a coréia de Huntington, Jacob Creutzfeldt, Alzheimer, Pick etc.). A reação de estresse da convulsão, causada, por exemplo, por hipoglicemia, leva à liberação de adrenalina, que, por sua vez, eleva a glicemia rapidamente. Assim, a dosagem sangüínea da glicose após uma crise convulsiva pode ser normal ou elevada na vigência real da hipoglicemia. A história e o exame clínico levarão à suspeita de hipoglicemia, que será medicada em desacordo com o resultado laboratorial. Uma crise convulsiva isolada significa predisposição epiléptica, pois outro indivíduo submetido à mesma noxa não a tem. III. Diagnóstico. O diagnóstico da existência da epilepsia é feito a partir da história clínica, em detalhes consistentes e objetivos. Em caso de dúvida, o melhor método auxiliar é dirigir a anamnese a pessoas que presenciaram a crise e a familiares, procurando caracterizar bem o sintoma de início e fim súbitos, durando segundos a minutos e de surgimento espontâneo (sem desencadeante emocional). A história de episódios repetitivos sela o diagnóstico. Verificase também a história do parto, pregressa e familial. O eletroencefalograma nunca tem valor isolado; deverá sempre basear-se em sintomatologia clínica indiscutível, dado o grande número de falso-positivo e falso-negativo que ele acarreta, mesmo se filtrado por computador (mapeamento cerebral). Ele também não permite estabelecer etiologias. Quase todas as atividades paroxísticas descritas na epilepsia já foram encontradas em indivíduos não afetados por esta doença. Gastaut encontrou estas alterações em 4,4% das pessoas normais. O EEG, realizado nas melhores condições, usando como método de ativação, além da hiperventilação, o sono e a luz estroboscópica, é normal em 10% das crianças e em 50% dos adultos portadores de Grande Mal. É também normal em 5% das crises parciais de semiologia elaborada e em 30% das crises parciais de sintomatologia elementar. Cerca de um terço dos pacientes com epilepsia persiste com EEG normal por toda a vida. Este exame alterado nem sempre se normaliza após a cura da epilepsia. Desse modo, ele não impede a suspensão do tratamento. A melhora do EEG sugere apenas melhor prognóstico, estatisticamente. O EEG pode apresentar-se pior durante um período de controle medicamentoso. O EEG falsamente positivo pode trazer danos trabalhistas, pessoais e sociais. A clínica é soberana. Verificamos importantes alterações (pontas e pontas-ondas localizadas) que desaparecem sem tratamento, em razoável número de casos. Assim, não é o EEG que vai determinar a suspensão ou não dos medicamentos, pois sintomas e traçados não mantêm correspondência direta, invariavelmente. Nos casos de diagnóstico difícil, a observação clínica prolongada, principalmente, e traçados repetidos e praticados na proximidade imediata da crise, e às vezes a experimentação medicamentosa, fornecerão dados que o médico usará segundo sua ciência e sua consciência. A experimentação terapêutica tem valor reduzido, devido aos efeitos paralelos da medicação. Em 12 de julho de 1998, após o jogo de decisão da Copa do mundo entre França e Brasil, a imprensa mundial perguntava: O que aconteceu com Ronaldo, o maior jogador de futebol 686

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do mundo? Relatavam “convulsão” e que ele havia se submetido a vários exames, todos normais. Uma conversa com o jogador Roberto Carlos, seu colega de quarto naquele momento, daria o diagnóstico, o que nenhum exame pode fazer com certeza absoluta. Pode ocorrer crise convulsiva única em indivíduos clínica e neurologicamente normais, e 20% destes apresentarão crises posteriores. Giel e cols., examinando pacientes com cefaléia e um grupo-controle assintomático, encontraram anormalidades em porcentagem semelhante nos dois grupos de EEG. A cefaléia como “equivalente epiléptico” é um conceito que deve ser retirado da prática clínica. Verificamos crianças e adultos que melhoram com anticonvulsivantes, mas também com antidepressivos tricíclicos (Tryptanol®) e outros medicamentos. Os pacientes com crises focais ou de início focal e todos os pacientes que iniciaram crises após os 25 anos de idade, independentemente do tipo, deverão fazer tomografia cerebral computadorizada e, às vezes, ressonância nuclear magnética, para verificar a possibilidade de lesão estrutural. Os raios X de crânio e exames de liquor serão indicados de acordo com a suspeita etiológica, bem como a angiografia cerebral. Cerca de 20% dos tumores cerebrais têm convulsão como seu primeiro sintoma. Um EEG normal não afasta uma lesão estrutural, e em muitos casos com alteração focal no EEG não são encontradas lesões nos exames definitivos (tomografia ou ressonância), e quando a lesão existe nem sempre há compatibilidade anatômica com o achado do EEG. Nos pacientes com clínica sugestiva de epilepsia, alterações compatíveis no EEG poderão colaborar com a consistência dos achados. Os raios X de crânio em AP e lateral podem mostrar um adenoma de hipófise antes da tomografia computadorizada. Os exames de liquor poderão auxiliar o diagnóstico de encefalites (nas viróticas, mesmo graves, eles podem ser normais), meningites, parasitoses ou esclerose múltipla, sendo esta última mais bem visualizada nas chapas da ressonância nuclear magnética (RNM). IV. Manifestações Clínicas. As mais comuns são as crises tônico-clônicas generalizadas. O paciente perde subitamente a consciência, podendo ou não ter aura ou “grito” precedendo a crise, bem como visão de luzes ou cores, sensações de mau cheiro, ou sons, ou vegetativas. Em seguida, apresenta contrações musculares bruscas e repetidas, simétricas, podendo haver micção ou defecação involuntária, trismo com mordedura da língua e sialorréia, seguindo-se estados de sonolência e/ou confusional, geralmente com cefaléia, podendo ocorrer vômitos. Nas crises clônicas aparecem espasmos musculares bilaterais, que variam em localização, amplitude e freqüência. As tônicas se caracterizam por tensas contrações e/ou extensões, podendo predominar em alguns grupos musculares. Chamamos de “marcha Jacksoniana” a crise motora de início localizado, que prossegue estendendo-se aos segmentos mais proximais do membro, podendo generalizar-se.

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As crises psicomotoras, ou do lobo temporal, apresentam período de perda parcial ou total da consciência, seguido por movimentos ou atos sem finalidade voluntária, chamados de automatismos. Podem ser relatadas variadas sensações, às vezes bastante complexas, como andar (involuntário), movimentos dos lábios, deglutições, gesticulações, sensações emocionais de órgãos dos sentidos, de familiaridade (dejà vu), de irrealidade (jamais vu). A epilepsia “Alice no país das maravilhas” é um distúrbio focal do lobo temporal, que desencadeia crises com percepção de imagens distorcidas, ou animadas, ou com sensação de tamanho maior ou menor do que o real. Lewis Carrol, autor do livro com este título, tinha uma forma de enxaqueca que se apresentava com este distúrbio de percepção. Na enxaqueca, os sintomas duram vários minutos, horas ou dias, e na epilepsia, de segundos a poucos minutos, dado importante para diferenciação em alguns casos. A cefaléia da enxaqueca é devida à dilatação das artérias do couro cabeludo, e os sintomas que às vezes a precedem são devidos à vasoconstrição cerebral, com vários sintomas possíveis. O Pequeno Mal é caracterizado por crises rápidas, durando poucos segundos, geralmente muito freqüentes, podendo ocorrer várias vezes em um dia. Nas “ausências” o paciente fica parado, com olhar vago, continuando depois o que estava fazendo, podendo a ausência ser acompanhada por movimentos involuntários ou sintomas neurovegetativos. As crises acinéticas são quedas súbitas, ficando às vezes difícil precisar se houve ou não perda de consciência. As crises mioclônicas consistem em contrações musculares breves, de pequena ou grande amplitude, acompanhadas ou não de quedas. As ausências atípicas, ou síndrome de Lennox-Gastaut, caracterizam-se por obnubilação de início e fim graduais, acompanhada de movimentos involuntários, automatismos, alteração postural, fenômeno vegetativo e má-resposta aos medicamentos usuais para o Pequeno Mal. Eles ocorrem em crianças de 1-6 anos, já tendo sido descritas em escolares. Os espasmos infantis são contrações breves, simétricas, predominando a flexão da cabeça e do tronco, durando vários segundos, e se repetem em séries de três a dezenas. Ocorrem, geralmente, do primeiro ao terceiro anos de vida. As crises neonatais podem apresentar movimentos bruscos oculares, palpebrais, faciais, ou postura tônica ou movimentos clônicos de uma única extremidade, ou apenas apnéia. Após uma crise focal, o paciente poderá apresentar paralisia do membro correspondente, reversível em minutos ou horas, e raramente com seqüela (paralisia pós-comicial). As crises de perda de fôlego são crises de ansiedade, de hiperventilação, levando à perda da consciência, podendo também ser tônicas ou com movimentos involuntários. Ocorrem em crianças após 6 meses de idade, apenas após o choro ou distúrbio emocional. Sendo de origem emocional, deverão ser encaminhadas à clínica psicológica. O diagnóstico de eclâmpsia é obtido pela presença de convulsão e hipertensão arterial em repouso, em uma grávida. A pressão arterial pode subir 100 mmHg além da habitual durante uma crise convulsiva, normalizando-se nos minutos seguintes.

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A síndrome de Adams-Stokes deve ser lembrada no diagnóstico diferencial de perda da consciência. O desmaio sincopal ocorre geralmente com o paciente de pé ou sentado, é precedido de mal-estar geral, às vezes palpitação ou sudorese fria, palidez, escurecimento visual e sensação de desmaio iminente, com a queda completando-se de modo gradual em vários segundos; acompanha-se de flacidez muscular generalizada, sendo a inconsciência de menor duração, por segundos (raramente minutos), e a recuperação se faz sem cefaléia e geralmente sem período confusional. Quando a síncope é prolongada, ela pode precipitar abalos clônicos e, excepcionalmente, tônico-clônicos, o que dificulta o diagnóstico. A síncope de Gélineau (narcolepsia-cataplexia) consiste em crises de sono invencíveis durante minutos ou horas, às vezes ocorrendo até várias vezes ao dia, podendo o paciente ser despertado, se estimulado. As crises podem ser acompanhadas de hipotonia muscular (cataplexia) de pequeno grau ou com imobilidade absoluta. Duram toda a vida, sendo o tratamento sintomático (Ritalina® 5 a 10 mg, três vezes ao dia). A etiologia é desconhecida ou secundária a doença orgânica cerebral. A cataplexia pode ser tratada com Tofranil® 25 mg, três vezes ao dia. V. Tratamento. Durante qualquer tipo de crise, o tratamento será a injeção endovenosa de uma ampola de diazepam diluída em água destilada, até completar 10 ml (em solução salina há precipitação, podendo ocorrer tromboflebite). A infusão deverá ser lenta, e suspensa tão logo cesse a crise. Em seguida, deverá ser aplicada, lentamente, uma ampola de Hidantal® (difenil-hidantoína) EV; em crianças a dose de 5-10 mg/kg/dia é administrada dividida a cada oito horas (1 ampola = 5 ml = 250 mg). Depois será aplicada uma ampola de fenobarbital (Gardenal®) IM (1 ampola = 1 ml = 200 mg) e, em crianças, 3-10 mg/kg/dia, uma vez ou a cada 12 horas. A hidantoinização é atingida com a dose de 20 mg/kg até, no máximo, 0,75 mg/min/kg EV, em solução salina (50 mg/kg em adultos). Pode-se chegar até 30 mg/kg. Devem-se aspirar as secreções respiratórias, sendo conveniente, quando possível, administrar oxigênio por inalação, devido à hipoxia que a crise acarreta. Não se deve tentar demasiadamente evitar a mordedura da língua, pois manobras intempestivas podem alterar peças dentárias. Se a boca já está aberta, pode ser colocado um objeto macio (um lenço, por exemplo) na parte lateral dos dentes. O corpo do paciente deve ficar livre e protegido de traumatismos. Mantém-se uma veia com infusão de soro glicosado isotônico. Todos os casos com coma de etiologia não imediatamente evidente devem receber 40 a 60 ml de soro glicosado hipertônico, a 50% EV. Se o paciente é alcoolista ou desnutrido, devem-se aplicar, antes, 100 mg de tiamina EV, ou uma ampola de complexo vitamínico B. Posteriormente, será prescrito o tratamento de manutenção, com os medicamentos escolhidos usados pela ordem descrita a seguir. Deve-se usar apenas uma droga, chegandose progressivamente ao máximo possível para cada uma, em caso de repetição da crise. As associações de drogas somente são experimentadas após ser bem conhecida a eficácia de cada uma separadamente. O tratamento é empírico. Faz-se um hemograma completo e este é guardado para eventual comparação futura.

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Crianças com crises acinéticas devem usar capacete de polícia, de brinquedo, plástico, para proteger a cabeça, em caso de quedas. O tratamento é na realidade sintomático e empírico, e o tempo de duração é determinado pelo tipo de crise apresentado, pela história natural da doença. A melhora ou normalização do EEG sugere melhor prognóstico, mas não tem qualquer valor absoluto. Quem já teve uma crise na verdade sempre estará sujeito a outra, o que é imprevisível. Os pacientes com crises esporádicas, com anos de intervalo entre elas, podem optar por não usar a medicação, mas devem ser avisados de que o risco existe. Os fatores predisponentes devem ser evitados (bebidas alcoólicas, períodos prolongados sem dormir ou o trabalho noturno, períodos prolongados sem se alimentar). Os pacientes devem ter hábitos regulares de vida. Os medicamentos devem ser tomados nos horários corretos ou com variação de uma ou duas horas; havendo dúvidas sobre se o medicamento foi tomado ou não, tomá-lo. Uma ou duas doses a mais não fazem mal, mas a falha na tomada por uma única vez pode desencadear uma crise. Os medicamentos são geralmente bem tolerados, podendo ser misturados com praticamente qualquer outro. No início do uso eles podem causar sonolência, esquecimento ou alteração do comportamento, que geralmente desaparecem após semanas a três meses. Quando há necessidade de altas doses para o controle das crises, o que é individual, é freqüente a diminuição da atenção e da memória. A. Crises generalizadas, exceto Pequeno Mal: Gardenal®, Tegretol®, Primidona®, (Mysoline®), Depakene® (Valprin®), depois Hidantal® (Epelin®), como última opção, especialmente em crianças, pelos efeitos colaterais que pode ter a longo prazo (anemia por deformidade das hemácias, com conseqüente maior destruição pelo baço, aumento da taxa de reticulócitos, hipertrofia gengival e hipertricose, principalmente). O tratamento é mantido até os 25-30 anos de idade, exceto nos pacientes do sexo masculino que tiveram uma única crise entre os 18 e os 21 anos, com histórias pregressa e familial negativas (crise única do final da adolescência). Cerca de 90% dos pacientes não terão mais crises após os 30 anos de idade. Os 10% restantes voltarão a tê-las, devendo manter o uso da medicação por toda a vida. Quando o início das crises se dá após os 30 anos, o índice de recidiva das crises, mesmo após anos sem tê-las, é de 40%. Não existe exame que assegure o que vai acontecer. A epilepsia tem tendência a diminuir de freqüência e intensidade com a idade, único fator “curativo”. B. Pequeno Mal. Depakene®, Zarontin® (a etossuximida foi retirada do mercado brasileiro, mas é encontrada na Argentina), Rivotril®, Trimetadiona® (fora do nosso mercado), e depois a Trimidona®. O tratamento será suspenso após os 20 anos de idade, se o paciente estiver, pelo menos, cinco anos sem crises e não tiver apresentado outro tipo de crise. Às vezes, o Pequeno Mal cede lugar ao Grande Mal ou a outro tipo de ataque. Diamox® pode ser um coadjuvante. C. Convulsões febris. Gardenal®, Depakene®, Tegretol (tratar se a crise foi de longa duração ou se, mesmo rápida, se repetir). O tratamento será feito até os 6 anos de idade. A febre será tratada com métodos físicos (banhos, ventilação, gelo etc.) e Dipirona (1 gota/kg,

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a cada seis horas), tratando-se a etiologia, quando possível. Destes pacientes, 2,9% voltarão a ter crises posteriormente. D. Crises parciais com sintomatologia elementar e/ou crises unilaterais. Tratar como as crises generalizadas. E. Crises parciais com sintomatologia complexa (p. ex., psicomotora). Tegretol®, Primidona®, Hidantal®, Depakene®, Gardenal, depois Rivotril®, por toda a vida. Geralmente usam-se duas ou três drogas associadas. F. Síndrome de Lenox-Gastaut e ausências atípicas. Rivotril®, ou Sonebon®, ou Frisium, associado a Depakene® mais Tegretol® e/ou Gardenal®, ou Epelin®. Se não houver melhora, acrescentar ACTH (Cortrosiona Depot®) IM ou prednisona (Meticorten®) VO, e às vezes dieta cetogênica. A deterioração intelectual é praticamente a regra. Existe pouca informação sobre a evolução a longo prazo. A persistência das crises leva as mães a mudarem de médico. G. Síndrome de West. Nitrazepan, ou Clonazepam, ou Clobazan associado ao ACTH, ao Depakene® e/ou Tegretol®. A mortalidade e as seqüelas intelectuais graves acometem a maioria dos pacientes, mas muitos alcançam nível intelectual normal se o tratamento for precoce. O nitrazepan e o clonazepan são mais indicados para mioclonias, o Depakene®, para ausências, e os novos antiepilépticos, Lamictal®, Trileptal®, Sabril®, Felbatol® e Topamax, nos casos de difícil controle em que já foram tentadas as outras drogas. Alergia ou outras reações sérias indicam a substituição daquele medicamento. Durante a gravidez o tratamento segue normalmente, sendo o fenobarbital o medicamento mais conhecido, mais usado, mais antigo e de menores efeitos colaterais. Na gravidez, os efeitos colaterais são muitíssimo raros, com qualquer das drogas empregadas. O esquema de anticonvulsivantes deve ser o menos tóxico possível, já antes da gravidez, e mantido durante a gestação. A troca por fenobarbital é feita quando o caso permite, pois há casos que não respondem bem a ele. O término de um tratamento é feito com a retirada lenta e gradual, em meses, do medicamento. As medicações controlam totalmente cerca de 85% das crises, e em 15% o controle é parcial, com a diminuição da freqüência e da intensidade das crises. Numa pequena porcentagem, as medicações não exercem qualquer efeito. O tratamento neurocirúrgico está indicado nas crises graves e resistentes à terapêutica clínica (o índice de fracasso completo é de 35%, e o de mortalidade, de 2%). As epilepsias pós-traumáticas serão tratadas até, pelo menos, o período de um ano sem crises. Se elas voltarem, o tratamento seguirá até aproximadamente 30 anos de idade, ou até o fim da vida. Uma crise isolada, secundária a distúrbio tratado, não necessita de tratamento preventivo. Este será instituído se as crises se tornarem repetitivas.

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VI. Status Epilepticus. É o quadro devido a convulsões subentrantes. Ocorre quase exclusivamente no Grande Mal, às vezes na motora focal, e é extremamente raro nos demais. Inicia-se com o mesmo tratamento da crise convulsiva, seguindo-se a nova administração de diazepam, podendo-se empregar até 20 mg de cada vez, no adulto, até, no máximo, 2 mg/min. Em crianças, 0,10,5 mg/kg por vez, lentamente, podendo repetir-se com intervalos de uma a três horas. Deve-se estar atento para o fato de que qualquer dose pode causar parada respiratória, na dependência da sensibilidade individual. Pode-se usar a infusão vigiada de 100 mg de diazepam em 500 ml de SGI a 5%, em 12 horas (15 gotas por minuto). Gastaut considera o Clonazepan mais eficaz, a 0,01-0,1 mg/kg. Devem ser lembradas todas as causas das crises, pois elas podem estar agindo como fator causal ou agravante. Em recém-nascidos, são freqüentes hipoglicemia e/ou hipocalcemia. Os pacientes em uso crônico de anticonvulsivantes podem ter depressão da vitamina D, e se beneficiam com sua administração EV. O fenobarbital sódico EV a 20 mg/kg/dia em SF até, no máximo, 1,5 mg/min/kg (100 mg/min em adultos) atinge níveis terapêuticos em poucos minutos, mas não existe esta apresentação no Brasil; assim, o aplicamos IM. O Hidantal® deve ser dado a 50 mg/min, no máximo (250 mg = 5 ml em 5 min), e não pode ser diluído em soro glicosado (neste se precipita). Nas convulsões prolongadas, quando não há contra-indicação específica, usa-se Decadron®, na dose de 0,2-0,4 mg/kg/dia, dividido de 6/6 horas, EV, para diminuir o edema cerebral. Quando o edema cerebral é importante, usa-se o manitol ou a furosemida (Lasix®), conservando-se em seguida o paciente hipoidratado, mantendo-se a diurese. Utiliza-se bicarbonato de sódio, dependendo do resultado da gasometria. A hiponatremia, se existente, é corrigida pela metade, lentamente, e a seguir pela redução da ingestão de água livre. A correção rápida pode levar à mielinólise pontina central. Nos casos refratários, procede-se ao coma barbitúrico na UTI, com entubação orotraqueal e ventilação, com o pentobarbital (Nembutal®) a 15 mg/kg (6 a 25 mg/kg) EV inicialmente, depois 1 a 3 mg/kg/hora até ser atingido o controle. O tiopental sódico (Pentothal®) tem vida média mais curta, nove horas, e é alternativa, com dose inicial de 3 a 4 mg/kg infundidos em dois minutos EV, depois 0,2 mg/kg/min em SF, podendo ser aumentado em 0,1 mg/kg/min a cada três a cinco minutos, até controle ou depressão da atividade de base no EEG. Ambas as drogas causam hipotensão arterial severa. Outra opção é a curarização com Pavulon® (æ 4 mg EV/adulto), repetindo-se a cada duas horas, e reduzindo-se a dose a cada nova infusão (aproximadamente 2 mg, depois 1 mg etc.), observando-se os dados clínicos e individualizando-se cada caso, já que a resposta difere de paciente para paciente. A curarização prolongada, para ser segura, precisaria de controle com estimulador de nervo periférico, que é mais sensível do que o clínico, para se saber o grau de curarização do paciente. Será aplicado também o sedativo Dormonid® EV (menor depressor respiratório) ou, como segunda linha, o diazepan. O tubo será conectado ao bird para respiração controlada, mecânica. Geralmente o Dormonid® não será necessário, devido à sedação causada pelos anticonvulsivantes.

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Uma alternativa será o uso intercalado, mais ou menos a cada quatro horas, de Pavulon® + Dormonid® (0,15 a 0,2 mg/kg e manutenção de 0,08 mg/kg/h) e anestesia geral com Halotano® ou Isoflurano, o que requer presença de anestesiologista, geralmente impraticável devido a longa duração do status, de horas ou dias. A lidocaína EV tem sido relatada como eficaz para o tratamento do status epilepticus, mas, em dose excessiva, pode causar convulsões. Se ela for eficaz, infundir 1 a 2 mg/kg em bolo, depois 1,5 a 3,5 mg/kg/h em adultos ou 6 mg/kg/h em crianças, diluído em SGI (5%). Ela é efetiva em 20 a 30 segundos, não tendo efeito de manutenção. Não havendo anestesista disponível, infundir lentamente solução de paraldeído a 4% em SF, EV, somente em seringa de vidro, já que o paraldeído decompõe o plástico em menos de dois minutos, a 0,1 a 0,15 ml/kg. No caso de se estar tratando apenas o efeito da crise, é necessário manter o esquema de anticonvulsivantes. A monitoração do EEG pode auxiliar na decisão de quando suspender ou reduzir aqueles medicamentos. O status epilepticus é seis vezes mais freqüente nas crises secundárias. O ácido valpróico é a escolha no status de ausência, podendo ser usado por sonda nasogástrica ou por via retal. O manitol a 20% é empregado quando há edema cerebral, durante 20 minutos, na dose de 7,0 mg/kg, sendo aconselhável o controle com a tomografia cerebral e a monitoração da pressão intracraniana. O controle do pH e da gasometria é fundamental, bem como o ionograma, a glicemia, cálcio e, às vezes, exames do liquor. O eletrocardiograma é de grande valor nos diagnósticos da hipercalcemia e da hipopotassemia. VII. Orientações. Em alguns casos existe uma tendência hereditária, mas muitas pessoas que herdaram estas características não sofrem de epilepsia, e grande número de outras, sem qualquer herança ou fator causal detectável na atualidade, a apresenta. As chances de os filhos terem epilepsia são pequenas, a menos que ambos os pais tenham a doença ou existam muitos casos em ambas as famílias. A pessoa deve deixar que os outros saibam o que ela tem, e, ao pensar em casamento, o relacionamento deve ser completamente honesto, quaisquer que sejam suas conseqüências. A epilepsia não afeta a sexualidade, mas, nos primórdios do uso da medicação, ou quando são necessárias altas doses para controle das crises, pode haver diminuição da libido, o que verificamos mais com o Gardenal®. No Brasil não há leis claras sobre carteiras de motorista para epilépticos. O ideal seria esperar um ano após o controle da crise, e, se esta se repetir, esperar três anos.

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O epiléptico não pode exercer atividades em alturas ou nas quais não possa haver falha de atenção por um curto espaço de tempo. Deve pensar muito seriamente sobre o que gostaria de fazer e sobre o que tem condições de fazer. Ele pode ser médico, arquiteto, advogado, empresário etc. Na realidade, há muito pouco que ele não possa fazer. A epilepsia não afeta o comportamento nem a inteligência, exceto nos casos de crises extremamente freqüentes. A hiperventilação aumenta a tendência para as crises, mas a atividade física por ser exercida se as crises estão bem controladas, devendo haver alguém por perto que possa prestar socorro quando se tratar de esportes de maior risco, como natação, andar a cavalo etc. O melhor é a pessoa participar de atividades com amigos, como vôlei, futebol, tênis, pingue-pongue etc., que são mais seguros. Os pacientes sofrem menos ataques quando levam uma vida ativa e normal. O aspecto emocional é importante em qualquer doença. A epilepsia não é contagiosa. Hipócrates (460-357 a.C.) foi o primeiro a tentar descrever a epilepsia como doença, embora outros antes dele já suspeitassem de que não fosse apenas uma possessão demoníaca. O código de Hamurabi (1760 a.C.) já continha leis sobre o casamento de epilépticos. Ainda hoje o preconceito é muito grande. A doença existe em graus variáveis de intensidade em indivíduos diferentes. A chamada “personalidade epiléptica” não é própria da epilepsia em si, mas de fato ocorre com uma minoria de pacientes que têm constantes aborrecimentos por crises muito freqüentes, além de possíveis seqüelas pela má oxigenação cerebral que ocorre durante as crises. No Nepal, é associada a fraqueza e possessão demoníaca. Na Índia e na China, podem-se proibir ou anular casamentos. Uma lei no Reino Unido que proibia pessoas com epilepsia de casar foi revogada em 1970, e até então era legal nos EUA proibir pessoas com crises epilépticas a acesso a restaurantes, teatros, centros recreativos e outros prédios. Nos EUA, 17 Estados proibiam pessoas com epilepsia de casar, até 1956, e o último Estado a repelir esta lei o fez apenas em 1980. Os pacientes com profissão já estabelecida e incompatível com a epilepsia que passam a apresentar ataques devem ser encaminhados ao Setor de Reabilitação Profissional do SUS para treinamento técnico, passando depois a exercer outra atividade. Infelizmente este serviço da Previdência Social não tem tido vagas suficientes para todos os que o procuram. VIII. Liga Brasileira de Epilepsia. Grupo de Ação Comunitária, Caixa Postal 8091. São Paulo — Telefone: (011) 853-0189. IX. Personalidades da História. Júlio César tinha aura precedendo as crises, o que o levava a abandonar bruscamente o que estava fazendo, às vezes em reunião do Alto Comando Militar de Roma, escondendo-se por minutos, até passar a crise, durante a qual ele era protegido por um criado surdo-mudo, que colocava uma haste de madeira entre seus dentes. Seus companheiros comentavam entre si que César tinha se ausentado por ter o “acesso” de sua doença. Feodor M. Dostoievsky descrevia suas crises como “alguns minutos pelos quais eu trocaria 10 anos de minha vida”. 694

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Ele tinha aura precedendo a crise, com sensação de plenitude, de bem-estar, de prazer intenso, o que nos leva a concluir que era uma crise de início focal nas áreas do prazer, onde se destacam as áreas septal e as regiões percorridas pelo feixe prosencefálico medial, no sistema límbico e no hipotálamo. Guy de Maupassant teve crises epilépticas apenas durante a doença demencial que o vitimou. Seu tio Gustave Flaubert era epiléptico. Vincent van Gogh tinha epilepsia temporal, além de esquizofrenia. Piotr Ilyitch Tchaikovsky, além de crises histéricas emocionais, tinha também convulsões, tendo tido várias crises após tentativa de suicídio, ficando em coma dois dias em 1877. Pedro I, o Grande, Tzar da Rússia, morreu em crises convulsivas subentrantes (naquela época não existia tratamento), e há suspeita de que tivesse câncer; ele era tabagista inveterado. São também citados na História: Machado de Assis, São Paulo, Alexandre Magno, Napoleão Bonaparte (que tinha crises esporádicas), Dante Alighieri, Alfred Nobel, Lord Byron, Sócrates, Handel, Berlioz, Paganini, o cientista Helmholts, Pio IX, que promulgou o dogma da infalibilidade papal, era averso ao progresso científico e condenava toda a civilização moderna, entre outros. Referências 1. Boshes LD, Gibbs FA. Epilepsy Handbook. 2 ed., Springfield, Illinois: Charles C. Thomas Publisher, 1976. 2. Delamonica EA. Eletroencefalografia. Buenos Aires: Editorial “El Ateneo”, 1977. 3. Gastaut H. Epilepsia. 5 ed., Editorial Universitário de Buenos Aires, 1977. Traduzida e adaptada por Marcos Turner. 4. Gastaut H, Tassinari CA. The ictal and interictal EEG in different types of epilepsy. Section IV. In: Vol. 13, The epilepsies. Handbook of Eletroencephalography and Clinical Neurophisiology. Editorin-Chief Ramond, Elsevier, 1975. 5. Giel R et al. Headache and EEG. Eletroencephalography Clin Neurophsiology 1966; 21: 492-5. 6. Natalio Fejerman NF, Medina CS. Convulsiones en la Infância. 2 ed., Madrid, Espanha: Editorial Fundamentos, 1982. 7. Engel JJR, Pedley TA. Epilepsy. 3Vs. Philadelphia-New York: Lippincott-Raven Publishers, 1998. 8. Tolstoi A. Peter Der Erste. Verlag Progress, Moskau. 7 Ausgabe. (Não consta a data nos três livros, em dois volumes, desta obra incompleta, devido à morte deste sobrinho de Leon Tolstoi em fevereiro de 1945.) 9. Waitzkin H. A marxist view of medical care. Annals of Internal Medicine 1978; 89: 264-78. 10. Yahr WD. A physician for all seasons. Archives of Neurology 1978; 35: 185-8.

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11. Guerreiro CAM, Guerreiro MM. Epilepsia. São Paulo: Lemos Editorial, 1996. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 60 - Meningites Eustáquio Claret dos Santos Gilberto Belizário Campos I. Conceito. Bactérias, vírus e outros microrganismos, acometendo o sistema nervoso central (SNC), podem produzir um processo inflamatório que, quando restrito às meninges, recebe o nome de meningite. Havendo comprometimento simultâneo das meninges e do parênquima cerebral ela se denomina meningoencefalite; o comprometimento concomitante da medula espinhal é denominado encefalomielite; quando o processo se restringe ao parênquima, recebe o nome de encefalite. A diferenciação entre meningite não-purulenta (asséptica) e encefalite é freqüentemente indistinta e arbitrariamente delineada em bases clínicas. Basicamente, esta distinção é feita em função do estado de consciência alterado, observado nas encefalites. II. Meningites Purulentas. As meningites purulentas continuam a responder por uma alta taxa de mortalidade e morbidade, apesar de todo o desenvolvimento alcançado com as drogas antimicrobianas. Do ponto de vista conceitual, as meningites caracterizam-se pela inflamação das meninges, ocorrendo quando o espaço subaracnóideo é infectado por bactérias. O diagnóstico precoce e a instituição de tratamento adequado são responsáveis pelo sucesso terapêutico e pela prevenção de seqüelas. A. Etiopatogenia. As bactérias patogênicas alcançam o SNC das seguintes maneiras: (1) invasão direta, se existe comunicação entre o liquor e a superfície externa; (2) por disseminação bacteriana de estruturas contíguas; ou (3) por disseminação hematogênica. Em linhas gerais, no entanto, o sucesso ou não da infecção depende de um defeito na barreira externa (defeitos congênitos, trauma, neurocirurgias) ou de fatores relativos à virulência do patógeno, responsável pela sua “agressividade” e penetração na barreira hematoencefálica. A invasão e o neurotropismo, um complexo fenômeno dinâmico, influenciado por múltiplas interações entre microrganismo e defesas do hospedeiro, resultam seqüencialmente em colonização, invasão sistêmica, sobrevida intravascular e penetração da barreira hematoencefálica. Portanto, a patogênese da meningite depende da invasão sistêmica do hospedeiro, da penetração da barreira hematoencefálica, da replicação bacteriana no liquor e da bacteriemia secundária recorrente, que, se não tratada, ocasionará a morte do hospedeiro. Os agentes responsáveis pelas meningites variam de acordo com o grupo etário acometido. Entre 1 mês e 6 anos de idade, o Haemophilus influenzae tipo B é a bactéria mais comum. Na faixa etária de 0-1 mês, predominam o Streptococcus do grupo B, Escherichia coli, Listeria monocytogenes e outros gram-negativos. Neisseria meningitidis e Streptococcus pneumoniae produzem meningite em todas as faixas de idade infantil. Os picos de maior incidência destas infecções ocorrem entre 1 mês e 1 ano de idade. Os picos de maior 697

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incidência destas infecções ocorrem entre 1 mês e 1 ano de idade. Após 1 ano de idade, a freqüência cai dramaticamente. Entretanto, entre os 6 e os 19 anos, S. pneumoniae e N. meningitidis reassumem como os principais agentes etiológicos (Quadro 60-1). Qualquer bactéria pode produzir meningite, Haemophilus influenzae, N. meningitidis e S. pneumoniae respondem por aproximadamente 80-90% dos casos. Infecções por Listeria monocytogenes são o quarto tipo mais comum de meningite não-traumática em adultos. Menos freqüentemente, encontramos o S. aureus e o Streptococcus do grupo A, associados a abscessos cerebrais, abscesso epidural, trauma craniano, procedimentos neurocirúrgicos, ou tromboflebite craniana. Enterobactérias como Klebsiella, Proteus e Pseudomonas são usualmente encontradas conseqüentemente à punção lombar, anestesia espinhal, ou complicando derivação ventriculoperitoneal. Patógenos mais raros incluem Salmonella, Shigella, Clostridium, N. gonorrhoeae e Acinetobacter calcoaceticus. B. Fisiopatologia. Apesar dos avanços tecnológicos e de tratamento, a mortalidade e a morbidade associadas à meningite bacteriana não se têm modificado de forma apreciável. Os componentes bacterianos implicados na virulência dos organismos comuns causadores de meningite são a cápsula, a parede celular e os lipopolissacarídeos. A superfície mucosa na nasofaringe é o sítio inicial de colonização do H. influenzae, tipo B, do Streptococcus pneumoniae e da N. meningitidis, que são patógenos meníngeos (Fig. 60-1). O sítio inicial de colonização na nasofaringe geralmente resulta num estado de portador assintomático. Ao escapar da fagocitose, o organismo entra no sistema nervoso através de sítios vulneráveis da barreira hematoencefálica. Devido à insuficiência de fatores humorais e à atividade fagocitária do liquor, os organismos sofrem multiplicação rápida e liberam componentes ativos da parede celular ou associados à membrana. Antibioticoterapia inicial resulta em rápida lise de bactéria, com liberação de grandes concentrações de produtos bacterianos ativos no liquor. Estes produtos, devido à sua potente ação inflamatória, estimulam as células endoteliais ou células cerebrais equivalentes a macrófagos, ou ambas, a produzirem fator de necrose tumoral, alfainterleucina 1, e outros mediadores. Estas citocinas ativam receptores promotores de adesão nas células endoteliais dos vasos cerebrais, resultando em atração e fixação de leucócitos ao sítios estimulados. Uma vez aderidos, os leucócitos atravessam as junções intercelulares. Concomitantemente, as citocinas ativam a fosfolipase A2, com subseqüente formação de fatores ativadores de plaquetas e metabólitos do ácido araquidônico. A permeabilidade da barreira hematoencefálica modifica-se em diferentes graus, e proteínas séricas e outras macromoléculas penetram no liquor. O aumento na permeabilidade da barreira leva ao edema vasogênico. Grande quantidade de leucócitos entra no espaço subaracnóideo e libera substâncias tóxicas, resultando em edema citotóxico. Estes conceitos sobre a fisiopatologia molecular da meningite bacteriana demonstram que, se não ajustados pronta e efetivamente, os eventos inflamatórios alteram a dinâmica liquórica, o metabolismo cerebral e a auto-regulação cerebrovascular, resultando em seqüelas graves para o paciente.

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C. Epidemiologia. A meningite bacteriana é mais freqüente no primeiro mês de vida do que em qualquer outra idade. As meningites provocadas por H. influenzae, S. pneumoniae e N. meningitidis são de distribuição mundial e ocorrem durante o outono, o inverno e a primavera. Na meningite meningocócica, observam-se surtos epidêmicos que tendem a ocorrer em ciclos de 10 em 10 anos. Outro dado de importância é o freqüente aumento de meningite por H. influenzae em pacientes acima de 50 anos, ao contrário da meningocócica, que tende ao declínio nesta faixa etária. A meningite pneumocócica predomina em pacientes muito jovens e em adultos com mais de 40 anos. D. Quadro clínico. Os sinais e sintomas precocemente observados no curso da meningite purulenta incluem febre, cefaléia intensa e meningismo. A rigidez da nuca e os sinais de Kerning e Brudzinski devem ser diferenciados da rigidez cervical encontrada em fraturas, artrite e abscesso da coluna cervical, torcicolo, distonia e pneumonia apical. Nestes casos, há resistência a qualquer movimento do pescoço, e não unicamente à sua flexão. Em pacientes muito jovens ou comatosos, os sinais clássicos de irritação meníngea, acima citados, podem estar ausentes. Recém-nascidos freqüentemente manifestam febre, distúrbios respiratórios, sintomas gastrointestinais e letargia. Na faixa etária de 1 mês a 2 anos o quadro é dominado por irritabilidade, vômitos, inapetência, apnéia e convulsões. Nestas crianças e em recém-nascidos a febre pode estar presente, mas usualmente nota-se hipotermia. A meningite meningocócica tende a apresentar-se em epidemias, com evolução extremamente rápida. O meningococo atinge as meninges a partir de sua passagem da nasofaringe para o sangue. O início é acompanhado por um rash petequial ou purpúrico, ou por grandes equimoses localizadas no tronco e nos membros inferiores. Ainda que classicamente associadas ao meningococo, as petéquias também ocorrem por Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae. O meningococo é responsável por cerca de 3040% das meningites purulentas. A maioria dos casos é causada por cepas do tipo A. Casos esporádicos associam-se às cepas dos tipos B, C e D. Apesar de poder ocasionar meningite em qualquer idade, atinge comumente crianças com idade inferior a 10 anos. O seu nãoreconhecimento e o atraso na instituição da terapia apropriada são extremamente danosos. Surdez, paralisia da musculatura extrínseca dos olhos, amaurose, alterações mentais, convulsões e hidrocefalia respondem pelas complicações e seqüelas mais comumentes encontradas. Quando não tratada, a mortalidade da meningite pode atingir 90% dos casos. O prognóstico é pior em lactentes, idosos debilitados e nos casos que cursam com hemorragia maciça da supra-renal. A meningite pneumocócica é geralmente precedida de infecção pulmonar, do ouvido, ou dos seios paranasais. As válvulas cardíacas podem estar afetadas. O alcoolismo, a asplenia e doença falciforme predispõem à ocorrência da meningite. A meningite pelo H. influenzae usualmente ocorre após infecções do trato respiratório superior e ouvido médio. Devido ao exsudato espesso, com tendência a aderências e septações, ela pode produzir bloqueio liquórico, com conseqüente hidrocefalia. 699

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Meningite na presença de furúnculos ou seguindo procedimento neurocirúrgico sugere infecção pelo Staphylococcus coagulase-positivo. Cateteres de derivação ventriculoperitoneal são propensos à infecção com Staphylococcus coagulase-negativo. Abscesso cerebral, doenças mieloproliferativas ou linfoproliferativas, defeitos nos ossos do crânio, colagenoses, metástases cerebrais, terapia com imunossupressores são condições clínicas que favorecem a infecção por enterobacteriáceas, Listeria, Acinetobacter calcoaceticus e Pseudomonas. E. Diagnóstico laboratorial. A punção lombar deve ser realizada quando o diagnóstico de meningite é suspeitado com base nos sinais e sintomas clínicos. O liquor pode ser obtido em outros locais, como nos ventrículos, por punção suboccipital e shunts empregados para derivação ventricular. Em pacientes com sinais de aumento da pressão intracraniana, como papiledema e/ou déficits neurológicos focais, deve-se adiar a punção lombar e providenciar uma tomografia computadorizada, para evitar possíveis complicações da punção lombar, como a precipitação de hérnias cerebrais. Nas meningites purulentas, a pleocitose do LCR é diagnóstica. O número de células varia de 1.000-100.000 células/mm3 (geralmente 1.000-10.000). Predominam os polimorfonucleares neutrófilos. A pressão liquórica mostra-se elevada (acima de 180 mmH2O). Pressão superior a 400 mmH2O sugere edema cerebral e risco de herniação. O baixo nível de glicose no LCR tem sido considerado como um dos mais confiáveis indicadores de meningite, principalmente quando seu valor encontra-se muito abaixo de 50% daquele do sangue. A proteína liquórica encontra-se elevada (acima de 45 mg%). O nível de cloreto é usualmente inferior a 700 mg%, refletindo a desidratação. O estudo bacteriológico do liquor através da coloração por Gram permite a identificação do agente causal na grande maioria dos casos. Culturas são positivas em 70-90% dos casos de meningite bacteriana e auxiliam, junto com o antibiograma, a orientação da terapêutica correta. O Quadro 60-2 resume os valores liquóricos normais e patológicos encontrados nas meningites bacterianas e outras doenças infecciosas do SNC. Outros testes, de rápida execução, são capazes de detectar antígenos bacterianos específicos, tanto na urina quanto no liquor. Os testes de aglutinação do látex apresentam uma sensibilidade de 90-100%, comparados a 85-95% para a coaglutinação e 65-75% para a imunoeletroforese de contracorrente. Estes testes são especialmente úteis nos casos de pacientes pré-tratados onde a cultura não demonstra positividade. Desidrogenase lática (LDH), enzimas lisozimais e dosagem de ácido lático podem ser úteis no prognóstico e no diagnóstico das meningites bacterianas. Além do estudo liquórico, hemoculturas, culturas de focos e infecções aparentes (nasofaringe, celulites, artrites etc.), radiografias de tórax, crânio e seios da face colaboram para a detecção do sítio de disseminação e do agente etiológico.

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F. Tratamento. As medidas gerais no tratamento da meningite bacteriana devem incluir os cuidados necessários à correção do choque séptico, a manutenção da hidratação e a correção dos desequilíbrios hidroeletrolíticos, o uso de antitérmicos e anticonvulsivantes e a redução do edema cerebral. A ocorrência de choque concomitante ao edema cerebral é um dilema terapêutico. Goiten sugere que o tratamento da hipotensão deve ser prioritário e que a pressão de perfusão cerebral deve ser mantida abaixo de 30 mmHg. Mesmo na presença de síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético, a restauração da homeostase circulatória deve ser assegurada. O uso de antimicrobianos deverá ser iniciado tão logo se obtenha uma amostra de LCR para avaliação bacteriológica. A escolha do antibiótico apropriado deverá ser feita em função do grupo etário envolvido. Talan e cols. sugerem que, naqueles pacientes com sinais de hipertensão intracraniana associados à suspeita de meningite bacteriana, antibióticos endovenosos devem ser administrados após retirada de sangue para cultura. A punção lombar deverá ser retardada até que uma tomografia seja realizada, pelas razões mencionadas e quando houver condições para sua realização. Uma série de novos antibióticos, incluindo as cefalosporinas de terceira geração, tem sido desenvolvida, aumentando paulatinamente o arsenal terapêutico. Recentes pesquisas sugerem que: (1) os antibióticos devem exercer efeito bactericida sobre os patógenos implicados (agentes bacteriostáticos em combinação com as defesas do hospedeiro são insuficientes para efetuar a cura microbiológica); (2) concentrações liquóricas de antibióticos maiores do que 10 vezes a concentração bactericida mínima associam-se a uma melhor resposta (tais concentrações são alcanças somente com os mais novos betalactâmicos); (3) a bioatividade do antibiótico varia de acordo com a sua concentração no liquor, atividade no fluido purulento, e com as diferentes suscetibilidades associadas à alta densidade de inoculação das bactérias. Outro fator importante é a via de administração do antibiótico. Dagbjartsson e cols. sugerem que a via endovenosa é a mais recomendada para a administração do antibiótico, e que este deve ser infundido em bolo no princípio do tratamento. A administração de gentamicina intra-raquidiana ou intraventricular, associada à terapia sistêmica, não demonstrou superioridade sobre o tratamento sistêmico isolado. Ampicilina em associação com um aminoglicosídeo ou uma cefalosporina (cefotaxima ou ceftazidima) é satisfatória para a meningite neonatal. No caso de prematuros de baixo peso, nos quais a possibilidade de infecção por Pseudomonas é grande, a ceftazidima é preferida à cefotaxima. A ampicilina e o cloranfenicol têm sido e continuam a ser efetivos e seguros para o tratamento das meningites não-neonatais. As cefalosporinas são igualmente aceitas para a terapêutica inicial. Experiência suficiente no tratamento das meningites com as cefalosporinas existe somente quanto à cefuroxima, cefotaxima, ao moxalactam e à ceftriaxona. Devido à inatividade do moxalactam contra Streptococcus do grupo B e

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Streptococcus pneumoniae, esta droga não deve ser usada isoladamente para o tratamento inicial da meningite. Nas primeiras 6-8 semanas de vida, aconselha-se a adição de ampicilina e cefalosporina, por causa da possibilidade de que a Listeria ou o Enterococcus seja o agente etiológico. Uma vez identificado o organismo responsável pela meningite, o antibiótico apropriado ou a combinação adequada de antibióticos deve ser selecionada. O Quadro 60-3 resume a terapêutica recomendada pelo Comitê de Doenças Infecciosas, acrescentando as doses usuais para adultos e respectivos microrganismos sensíveis. Meningites causadas por Streptococcus do grupo B, N. meningitidis e cepas sensíveis de S. pneumoniae devem ser tratadas com penicilina G ou ampicilina. Cepas de pneumococos resistentes à penicilina respondem bem ao cloranfenicol ou à vancomicina. A ampicilina está indicada nas infecções por Listeria monocytogenes, H. influenzae betalactamasenegativo, enquanto o cloranfenicol ou uma das cefalosporinas deve ser empregada para as cepas betalactamase-positivas. Nas meningites neonatais causadas por bacilos entéricos gram-negativos, os estudos bacteriológicos orientarão a conduta. A cefotaxima e a ceftazidima, isoladas ou combinadas a um aminoglicosídeo, mostram-se satisfatórias no tratamento das meningites por Pseudomonas. A duração do tratamento depende da resposta clínica e do microrganismo agressor. Em linhas gerais, para meningite neonatal causada por estreptococo do grupo B e L. monocytogenes, 14 dias são satisfatórios. Nos casos de bacilos entéricos gram-negativos, recomendam-se três a seis semanas, dependendo da esterilização liquórica: 7 a 10 dias para H. influenzae, 10 dias para pneumococo e sete dias para meningococo mostram-se efetivos e satisfatórios. A persistência de febre em pacientes com meningite bacteriana em tratamento geralmente associa-se a infecções hospitalares (superinfecção), flebites, efusão ou empiema subdural, outros focos de infecção (otite, artrite, pneumonia etc.), desidratação e febre originária do agente antimicrobiano. Nas meningites neonatais, nas meningites por microrganismos pouco usuais, no tratamento com cefalosporinas e quando ocorre uma resposta terapêutica questionável, o liquor deverá ser examinado em 24-48 horas do início do tratamento, para documentação da cura. Quando se utilizam terapias padrões, com resposta clínica satisfatória, a punção lombar é dispensável. Os parâmetros bioquímicos e celulares não mostram melhora nas primeiras 48 horas. A punção lombar de controle, ao final do tratamento das meningites nãocomplicadas, mostra-se desnecessária. O uso de corticosteróides na redução de seqüelas auditivas tem sido reportado. Em crianças com meningite pelo H. influenzae tipo B, o risco de perda auditiva moderada ou grave parece diminuir com o emprego de dexametasona. Em modelos experimentais de meningite bacteriana, a dexametasona diminui o extravasamento de proteínas séricas para dentro do 702

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liquor, minimiza o dano à barreira hematoencefálica e diminui a produção de citocinas inflamatórias. Leva também à redução do edema cerebral e da hipertensão intracraniana. A fisiopatologia da meningite bacteriana é a mesma em crianças e adultos. Assim, a dexametasona deve ser considerada em adultos com suspeita de meningite. A dose recomendada é de 0,15 mg/kg, EV, a cada seis horas por quatro dias. A dose inicial deve ser dada 20 minutos antes da primeira dose de antimicrobiano, para alcançar o benefício máximo. Recomenda-se associar drogas antagonistas do receptor H2 para evitar sangramento gastrointestinal. G. Prognóstico. Vários estudos têm mostrado que cerca de 30-50% das crianças com meningite bacteriana apresentarão seqüelas neurológicas, independentemente do tratamento inicial intensivo e de antibioticoterapia potente. As principais complicações incluem: (1) distúrbios auditivos; (2) desordens da linguagem; (3) anormalidades visuais; (4) retardo cognitivo; (5) distúrbios motores; (6) convulsões; (7) ataxia; (8) hidrocefalia; e (9) diabetes insípido. Idade inferior a 12 anos, déficits neurológicos focais e síndrome de secreção inadequada de hormônio antidiurético respondem pela alta incidência de seqüelas neurológicas. H. Prevenção. Pessoas previamente sadias que tiveram contato com pacientes portadores de meningite pneumocócica não necessitam de quimioprofilaxia. Os contatos de pacientes portadores de infecção meningocócica deverão receber rifampicina ou sulfonamida, de acordo com a sensibilidade da cepa. Imunoprofilaxia com vacina é efetiva apenas para pacientes com 2 anos em diante, e somente disponível contra os sorotipos A e C. Profilaxia com rifampicina para a prevenção da meningite pelo H. influenzae do tipo B em crianças jovens não é recomendada. Ela poderá ser prescrita somente em situações especiais, para casos de contato domiciliar com crianças de idade inferior a 4 anos. O Quadro 60-4 apresenta as doses de rifampicina para a profilaxia dos contatos de N. meningitidis e H. influenzae. III. Meningites Não-Purulentas. Meningites não-purulentas (assépticas) caracterizam-se por sinais e sintomas meníngeos agudos, acompanhados de febre (38-40º), sem distúrbio inicial significativo de consciência. O liquor apresenta-se isento de bactérias; observa-se pleocitose à custa de linfócitos; o nível de glicose encontra-se normal. Os principais agentes responsáveis pela meningite asséptica encontram-se listados no Quadro 60-5. Os principais microrganismos responsáveis pelas meningites assépticas são: enterovírus, polivírus (tipos 1, 2 e 3), Coxsackie B (tipos 1-6), Echovírus (tipos 1-9, 11-25, 30, 31), vírus da parotidite, arbovírus, herpes simples e varicela zóster. Leptospirose e sífilis produzem pleocitose com quadro clínico de meningite asséptica. A leptospirose incide principalmente no verão e no outono. Durante o curso da doença; as

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espiroquetas podem ser isoladas do liquor. Este geralmente apresenta celularidade inferior a 500/mm3. Na forma não-ictérica, o quadro regride em dias a poucas semanas. A meningite sifilítica pode ser assintomática ou apresentar-se com síndrome de meningite asséptica. O comprometimento dos nervos cranianos e as convulsões são mais comuns do que na meningite virótica. Pode ocorrer de meses a anos após a infecção primária; entretanto, a grande maioria ocorre no primeiro ano da doença. O quadro liquórico caracteriza-se por aumento de linfócitos, gamaglobulina elevada e reações sorológicas para sífilis positivas. Os regimes terapêuticos propostos incluem: (a) penicilina G aquosa, 4 milhões EV, a cada quatro horas, durante 14 dias, e (b) penicilina G-procaína, 2,4 milhões de unidades IM/dia, combinada com Probenecid 500 mg oral a cada seis horas, durante 14 dias. O curso da meningite viral é usualmente benigno e autolimitado, exceto em pacientes imunodeprimidos. Não existe terapêutica específica. Caso exista qualquer dúvida quanto à etiologia da meningite, bacteriana ou não, deve-se instituir antibioticoterapia até que os exames laboratoriais esclareçam o quadro. IV. Meningite Tuberculosa. A meningite causada pelo bacilo de Koch representa uma complicação de infecção prévia em outro local do organismo. O principal foco de origem é o pulmão. O início do quadro meníngeo pode coincidir com a disseminação miliar aguda ou com a reativação do foco primário, podendo também ser a única manifestação da doença. A meningite tuberculosa ocorre em todas as idades, com maior incidência em adultos jovens e crianças. Clinicamente, observam-se cefaléia, letargia, confusão e febre, associadas à rigidez da nuca, além dos sinais de Kernig e Brudzinski. Nas crianças jovens e nos recém-nascidos, apatia, hipersensibilidade, vômitos e convulsões são freqüentes, ao passo que a rigidez da nuca pode não ser proeminente ou mesmo ausentar-se do quadro clínico. Os sintomas têm evolução lenta, tendendo à cronicidade. Os sinais de envolvimento de nervos cranianos (paralisias oculares, paralisia facial ou surdez) podem ser observados quando da admissão hospitalar. Déficits neurológicos focais, como hemiparesias, sinais de hipertensão intracraniana e, mais raramente, sintomas referentes à coluna espinhal e às raízes dos nervos podem estar presentes, ocasionalmente. O curso da doença, se não tratada, é caracterizado pela deterioração progressiva do estado mental e conseqüente coma. Associam-se paralisias de nervos cranianos, alterações pupilares, déficits focais, aumento da pressão intracraniana e posturas de descerebração, evoluindo para a morte dentro de quatro a oito semanas após o início. O liquor evidencia pressão inicial elevada e pleocitose de 50-500 células/mm3. Inicialmente, com equilíbrio de polimorfonucleares e linfócitos; após vários dias, predominam os linfócitos. O conteúdo protéico está elevado e a glicose reduzida, mas raramente a valores semelhantes aos encontrados nas meningites purulentas.

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A coloração pelo método de Ziehl-Nielson pode detectar o bacilo. A cultura usualmente demora de três a quatro semanas para que haja crescimento. Caso se tenha o diagnóstico presuntivo, o tratamento deverá ser instituído imediatamente, independente dos resultados bacteriológicos. A tomografia computadorizada do segmento cefálico poderá revelar a presença de exsudato preenchendo as cisternas basais, hidrocefalia, zonas de infarto e tuberculomas. O diagnóstico diferencial deverá ser obtido com as meningites purulentas (pleocitose elevada), meningite sifilítica (positividade dos testes sorológicos e liquóricos para lues), meningite criptocócica, meningite neoplásica e a meningite por neurocisticercose. Com o tratamento precoce, observam-se 90% de cura. A tuberculose florida em outros órgãos ou a tuberculose miliar não afetam o prognóstico, desde que se misture a isoniazida. As recaídas ocorrem, às vezes, meses ou anos após a cura aparente. Cerca de 25% dos pacientes curados manifestam uma série de seqüelas, entre elas surdez, convulsões, amaurose, plegias e calcificações cerebrais. O tratamento consiste na administração de uma combinação de drogas — isoniazida, rifampicina e uma terceira droga, que pode ser etambutol, etionamida ou pirazinamida. Bell e McCormick preconizam o uso de isoniazida, na dose de 20 mg/kg/dia, oral (até 50 mg/dia), estreptomicina (20 mg/kg/dia IM, até 1 g/dia), e rifampicina (15 mg/kg/dia, oral, até 600 mg/dia). A estreptomicina e a rifampicina são mantidas por aproximadamente oito semanas após as melhoras clínica e laboratorial, e a isoniazida, por 18-34 meses. Em virtude da resistência à estreptomicina, bem como da sua inadequada penetração na barreira hematoencefálica, a pirazinamida (15-20 mg/dia, oral, máximo de 600 mg/dia) tem sido preferida. Em nosso meio, a Divisão Nacional de Pneumologia Sanitária tem instituído o esquema de rifampicina + isoniazida + etambutol (dois meses), rifampicina + isoniazida (quatro meses) e isoniazida (seis meses), como tratamento padrão para a meningite tuberculosa. Os efeitos colaterais mais importantes da isoniazida são a neuropatia e a hepatite. A neuropatia pode ser prevenida pelo uso concomitante de 50 mg de piridoxina diariamente. Nos pacientes que desenvolvem hepatite, a droga deve ser descontinuada. Possíveis efeitos adversos da rifampicina incluem náuseas, vômitos, dor abdominal e tonteiras. A estreptomicina, com a rifampicina, tem a desvantagem de desenvolver resistência bacteriana quando administrada isoladamente. A ototoxicidade, com maior envolvimento do ramo vestibular, do VIII nervo craniano, consiste no principal efeito colateral da estreptomicina. A corticoterapia permanece controversa. Entretanto, pacientes com bloqueio subaracnóideo se beneficiam de sua utilização. V. Infecções Fúngicas do Sistema Nervoso.

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Os fungos podem dar origem a meningites, meningoencefalites, tromboflebites intracranianas, abscessos cerebrais e, raramente, aneurismas micóticos, que são causados por infecções bacterianas. As principais doenças fúngicas que envolvem o SNC incluem: criptococoses, coccidioidomicoses, mucormicoses, candidíase e aspergilose. Estes microrganismos são encontrados em portadores de outros processos patológicos, como leucemia, linfomas, doenças malignas, diabetes, colagenoses, imunodeficiências, e em usuários de drogas imunossupressoras. As infecções assim ocasionadas são denominadas oportunistas. O quadro clínico desenvolve-se em um período de dias a semanas, com sintomatologia semelhante à da meningite tuberculosa. Freqüentemente, o paciente é afebril. O envolvimento de nervos cranianos, a hidrocefalia obstrutiva e as arterites complicam o curso da infecção, em virtude de seu caráter crônico. Os achados do liquor são idênticos aos da meningite tuberculosa (Quadro 60-2). O diagnóstico é realizado pelo estudo do sedimento liquórico, corado por nanquim. Imunodifusão, agregação de partículas de látex ou testes de reconhecimento de antígenos são de grande valia. A associação de infecção fúngica e tuberculose, leucemia ou linfoma é de ocorrência freqüente. O tratamento consiste na administração endovenosa de anfotericina B. Recomenda-se iniciar com 5 mg/dia e aumentar para 1 mg/kg até a dose máxima de 2,0-3,0 g. O uso intratecal, intracisternal ou intraventricular é geralmente reservado para os casos que pioram progressivamente, apesar da terapia endovenosa. Nos casos de meningite por coccidióides, a anfotericina B é administrada intratecalmente (reservatório de Ommaya) em associação com o uso parenteral. A adição de 5-fluocitosina (150 mg/kg/dia) à anfotericina B resulta em melhora de eficácia do tratamento. O ketoconazol, seja isolado ou associado à anfotericina B, tem revelado ser adequado na supressão do processo. A dose recomendada é de 4-6 mg/kg/dia, gradualmente aumentada para 15-20 mg/kg/dia (máximo de 1.200 mg/dia), dividida em duas doses. Referências 1. Adams RD, Victor M. Principles of Neurology. 3 ed., Nova York. MacGraw-Hill Book Company, 1985. 2. Adler SP, Toor S. Central nervous system infections. In: Pellock JM, Myer EC. Neurology Emergencies in Infancy and Childhood. Harper and Row Publisheres, 1984. 3. Araújo PKA. Meningites. In: Neves J. Diagnóstico e Tratamento das Doenças Infectuosas e Parasitárias. 2 ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1983. 706

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Capítulo 61 - Acidentes por Animais Peçonhentos Délio Campolina Milza Cintra Januário I. Introdução. Os acidentes provocados por animais peçonhentos são freqüentes, mesmo nas áreas metropolitanas. Os números apresentados nas estatísticas oficiais não apresentam a realidade, devido à subnotificação, principalmente nas localidades do interior, mais distantes das grandes cidades, onde esses acidentes costumam ser tratados por métodos caseiros ou “simpatias”. Apenas no Hospital João XXIII, em Belo Horizonte, Minas Gerais, foram atendidos, em três anos (1995, 1996 e 1997): 515 casos de ofidismo (sendo 241 por serpentes peçonhentas e 274 por não-peçonhentas); 2.370 casos de escorpionismo; 491 de araneísmo; 244 casos de acidentes por abelhas; 469 de erucismo (acidentes com lagartas), além de numerosos casos de picadas por outros insetos. O maior número de casos situou-se entre os meses de setembro e março. Lembramos que animal venenoso e animal peçonhento podem ser considerados a mesma coisa, porém achamos correto o conceito que considera peçonhento aquele animal que possui aparelho inoculador da peçonha ou veneno, e venenoso o que não tem tal aparelho, embora possua o veneno. Abordaremos neste capítulo os acidentes por animais peçonhentos mais freqüentes e importantes em nosso meio, ou seja, aqueles causados por serpentes, aranhas, escorpiões, vespas, abelhas e lagartas urticantes. II. Ofidismo. No Brasil são notificados, anualmente, cerca de 20.000 casos. Existem muitos mitos a respeito das serpentes e seus acidentes. Isto, de certa maneira, prejudica a difusão do modo correto de se atender um paciente picado por cobra. Os erros básicos são cometidos desde os primeiros minutos do acidente (geralmente por leigos) até o atendimento hospitalar. Apesar da dificuldade de atendimento a esses pacientes, que com freqüência não informam bem a respeito do animal agressor, seguindo um raciocínio objetivo e prestando bastante atenção à anamnese, ao quadro clínico e aos exames laboratoriais, pode-se quase sempre identificar o gênero da serpente. Neste momento poderá ser utilizado o soro específico, ou até mesmo dispensado o seu uso ao se concluir tratar-se de mordida de serpente nãovenenosa ou acidente sem inoculação de veneno (dry bite*). _____________ *Estão em implantação testes de ELISA capazes de detectar presença de venenos na circulação, assim como quantificação e identificação do gênero do animal. As serpentes peçonhentas de interesse médico existentes no Brasil podem ser agrupadas em quatro gêneros: (a) Bothrops — p. ex., jararaca; (b) Lachesis — p. ex., surucucu; (c) Crotalus — p. ex., cascavel; (d) Micrurus — p. ex., coral. 711

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A identificação das serpentes pode ser realizada utilizando-se um método muito simples: (a) se possui fosseta loreal (órgão termo-receptor apresentando-se como um orifício entre os olhos e as narinas) — é peçonhenta, subdividindo-se em três tipos: (1) se a cauda termina em chocalho, pertence ao gênero Crotalus (obs.: o filhote de cascavel pode ser identificado por possuir apenas um pequeno botão — início de formação do chocalho — no final da cauda); (2) as serpentes do gênero Lachesis são de dimensões avantajadas e encontradas nas florestas tropicais da Amazônia e na Mata Atlântica — possuem escamas eriçadas na extremidade da cauda; (3) se a cauda não tem chocalho nem há escamas eriçadas, pertence ao gênero Bothrops; (b) se possui anéis coloridos (vermelhos e alaranjados conjugados com pretos e brancos ou amarelos, sendo dois anéis brancos ou amarelos em cada segmento de cor); cauda terminando grossa e presa ântero-mediana, proteróglifa é peçonhenta (gênero Micrurus) — existem algumas espécies com padrões de cores diferentes na Amazônia*. As serpentes da família Colubridae (gênero Philodryas (p. ex., a cobra cipó) possuem substâncias ativas em sua saliva, podendo ocasionar lesões necróticas em caso de mordidas com contato da saliva; nestes casos, o tratamento é apenas sintomático e local, não existindo soro específico. A. Primeiros socorros. Manter o paciente sem atividades físicas e encaminhá-lo ao hospital para soroterapia. Se houver soro disponível e impossibilidade de transferência para o hospital (somente em último caso), o mesmo deverá ser aplicado, observando-se os cuidados necessários; manter o membro afetado elevado; tranqüilizar o paciente; aplicar analgésicos, se possível; não aplicar substâncias depressoras do SNC; limpar o local da picada; controlar o estado geral do paciente; o garrote é sempre contra-indicado; nunca fazer incisões no local da picada; nunca injetar soro no local da picada. B. Observações válidas para soroterapia de todos os acidentes ofídicos: (a) 1 U é a quantidade de soro necessária para neutralizar 1 mg do veneno; (b) deve-se sempre observar a concentração do soro anotada na bula, pois os diversos laboratórios produzem soros com concentrações diferentes; (c) deve-se ter em mente que o soro previne lesões, mas não regenera o que está lesado e, portanto, a soroterapia deve ser sempre efetuada no tempo mais curto possível e aplicada de uma só vez; (d) o soro, quando injetado via subcutânea, leva cerca de quatro horas para penetrar a corrente sangüínea e, portanto, devese sempre usar a via endovenosa; (e) o soro não deve ser aplicado via intramuscular; (f) a dosagem depende do quadro clínico, e não da idade ou do peso do paciente. ___________________ *Mesmo que a serpente seja parecida com as do gênero Bothrops, não será peçonhenta se não possuir fosseta loreal. Escamas na cabeça, pupila em fenda e cauda afilando rapidamente são características de serpentes venenosas, com exceção das corais, que não as apresentam. As serpentes peçonhentas apresentam também, como característica, o hábito noturno. C. Acidente botrópico. No gênero Bothrops estão incluídas várias espécies como B. jararaca (jararaca), B. alternatus (urutu), B. jararacussu (jararacussu), B. neuwiedi, 712

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(jararaca-do-rabo-branco), B. moogeni (caiçara) e B. bilineatus (jararaca verde), entre outras. 1. Fisiopatologia. O veneno botrópico é coagulante, hemorrágico e proteolítico. Penetrando a corrente sangüínea, age sobre o fibrinogênio, convertendo-o em fibrina; por depleção de fibrinogênio, o sangue torna-se incoagulável. Age também sobre outros fatores da coagulação e tem ação lesiva nas paredes dos vasos por ação de hemorragias; produz também plaquetopenia. Quando a dose é elevada e introduzida diretamente na corrente sangüínea, pode ocorrer coagulação intravascular maciça, levando à morte. Em virtude de sua ação proteolítica, o veneno provoca reação no local da picada, que pode variar desde edema e dor até bolhas e necrose de partes moles. Como o veneno provoca coagulação sangüínea, inicialmente há formação de coágulos que dificultam sua absorção. Deste modo, a permanência do veneno por maior tempo no local intensifica as alterações proteolíticas. O veneno pode agir também diretamente nos rins com formação de microtrombos nos capilares e conseqüente isquemia e, associada com outros fatores decorrentes do quadro, acarretar uma insuficiência renal aguda. Pode-se ter idéia da quantidade de veneno inoculado e, conseqüentemente, da gravidade do caso, por meio das provas de coagulação. Se o sangue está incoagulável, o acidente é grave. Se a coagulação não estiver alterada de 30 minutos a uma hora após a picada, o acidente é benigno. Estes exames são, portanto, de grande valor prognóstico e devem ser feitos sempre, para orientar a terapêutica. Os exames solicitados de rotina compreendem TTP, TP, dosagem de fibrinogênio, TC, contagem de plaquetas, urina de rotina, hemograma, uréia e creatinina. Se não forem possíveis outras provas para o estudo da coagulação, poderá ser realizado apenas o tempo de coagulação (TC), que permite uma avaliação razoável, apesar de suas limitações.* ______________ *A permanência de provas de coagulação alteradas de seis a 12 horas após a soroterapia conduz à aplicação de soro adicional. 2. Quadro clínico. Varia com a quantidade de veneno injetada. Sempre há dor no local, que pode ser o único sintoma, geralmente acompanhada de equimose e edema. Segue-se o surgimento de flictenas e necrose de partes moles. Se há grande inoculação de veneno (como nos acidentes com jararacussu), o sangue pode tornar-se incoagulável e causar epistaxe, gengivorragias, petéquias, sangramentos de lesões recentes e impetiginosas e, mais raramente, sangramentos com repercussões clínicas importantes. Deve-se ter cuidado especial com pacientes grávidas, pelo risco de sangramento e aborto. Alguns dias após pode haver formação de abscessos ou necrose extensa dos tecidos moles da região, requerendo tratamento cirúrgico mais agressivo. Muitas vezes, o paciente não consegue fornecer dados conclusivos sobre a serpente; nestes casos, o médico deve orientar-se pelo quadro clínico e pelas provas de coagulação. Nos acidentes crotálicos não há alterações locais, e o paciente normalmente não se queixa de 713

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dor na área atingida, ao contrário do acidente botrópico, em que há dor local e quase sempre o paciente já chega para o atendimento com edema na região atingida. 3. Tratamento. No hospital, tão logo o paciente dê entrada no ambulatório, deve-se retirar sangue para as provas e aplicar o soro imediatamente, se já existem evidências do acidente pela serpente peçonhenta, avaliando-se dose complementar com a evolução clínica e o resultado de exames. É conveniente que o paciente fique hospitalizado por três a cinco dias, período em que normalmente pode ocorrer insuficiência renal. Muitas vezes, desenvolvem-se edema acentuado na área atingida (que pode progredir, comprometendo o membro inteiro), abscessos e necrose extensa. Para regressão do edema deve-se colocar o paciente em repouso com o membro atingido elevado — a maior parte dos acidentes ofídicos atinge o terço inferior dos membros inferiores. Os abscessos deverão ser drenados tão logo se encontrem em condições de flutuação. Quando a lesão é grave, com grande proteólise e infecção secundária, faz-se necessário um tratamento mais agressivo. Adotamos a seguinte conduta: (a) limpeza exaustiva com soro fisiológico e solução à base de PVPI (p. ex., Povidine®; (b) desbridamento amplo da área necrosada e eliminação de todo o material purulento; (c) retirada do excesso da solução PVPI com soro fisiológico; (d) aplicação de uma fina camada de sulfadiazina de prata, nitrato de prata ou qualquer pomada à base de PVPI; e (e) o enfaixamento do local sem compressão.* ____________ *O uso de substâncias à base de mercúrio ou timerozal (Merthiolate®) foi abolido no tratamento das feridas. Também as pomadas comerciais contendo antibióticos tipo aminoglicosídeos e/ou cloranfenicol devem ser evitadas, pois selecionam germes resistentes que podem complicar o tratamento ou causar efeitos colaterais imprevisíveis. Este curativo deverá ser feito duas ou três vezes ao dia, quando a lesão for muito extensa, com infecção secundária e grandes repercussões no estado geral do paciente. Nestes casos, é necessário que se faça tratamento sistêmico paralelo, através de antibioticoterapia, usando-se, por exemplo, cefalosporina de primeira geração ou cloranfenicol. Não devemos esquecer de solicitar a bacterioscopia pelo Gram e cultura com antibiograma de secreção, para nos orientarmos quanto à antibioticoterapia mais adequada; infusão de líquidos, e eletrólitos e sangue, quando o paciente está muito espoliado. Estas lesões podem evoluir com grandes perdas de substâncias, sendo necessários posteriormente, se não tratadas com afinco, enxerto e até mesmo amputação do membro atingido. A internação se justifica também pelo risco da necrose cortical que pode ocorrer nos acidentes botrópicos, com conseqüente insuficiência renal aguda, tornando-se, portanto, imprescindível o acompanhamento do paciente com provas laboratoriais, visando à função renal, além da avaliação clínica.

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Os filhotes de cobras do gênero Bothrops, às vezes também conhecidas como jararacas-dorabo-branco, por possuírem cauda desta cor, têm veneno mais coagulante do que proteolítico. Por isso, se o paciente chega ao hospital dizendo que foi picado por cobra pequena, e não apresenta sintomatologia alguma, antes de interpretar o acidente como por serpente não-peçonhenta, devem-se fazer provas de coagulação. Pode-se estar diante de caso de gravidade moderada, sem que o paciente apresente qualquer sintomatologia. 4. Prognóstico. Quando o paciente faz uso de soroterapia específica corretamente, diminuem bastante as complicações relacionadas ao efeito proteolítico e, conseqüentemente, o tempo de hospitalização. A mortalidade nos casos não tratados é de cerca de 8%. D. Acidente laquético. Causado por serpentes encontradas geralmente na Amazônia e na Mata Atlântica, Lachesis muta muta (surucucu) e Lachesis muta rhombeata (surucucutinga). Seu veneno é proteolítico, coagulante e possivelmente neurotóxico. Os acidentes não são muito freqüentes, principalmente porque estas grandes serpentes (podem atingir até dois metros de comprimento) habitam geralmente áreas de grandes florestas, com poucos habitantes. 1. Tratamento. Soro antilaquético (produzido no Instituto Butantã) deve ser aplicado nas doses de 75 U, 150 U, ou 300 U, de acordo com o quadro: leve, moderado ou grave, respectivamente. O tratamento cirúrgico, se necessário, deve ser feito como já descrito no ofidismo botrópico. De modo geral, a abordagem seguirá os procedimentos realizados nos acidentes botrópico e crotálico, já que seu veneno possui as duas características. E. Acidente crotálico. No Brasil, as serpentes do gênero Crotalus são representadas pela cascavel, cujo veneno é neurotóxico. 1. Fisiopatologia e quadro clínico. A peçonha das serpentes do gênero Crotalus em nosso meio, Crotalus durissus terrificus, possui ação miotóxica, ocasionando rabdomiólise sistêmica, liberando mioglobina (mioglobinúria), e ação nefrotóxica direta, ocasionando lesão tubular e insuficiência renal. Causa lesões reversíveis, como ptose palpebral, perturbação visual (visão turva e diplopia), dor cervical, obnubilação, torpor, odinofagia e dores musculares. Pode haver parada respiratória. O paciente picado por cascavel não apresenta alterações locais e normalmente não se queixa de dor importante na área picada, relatando apenas parestesia. Temos observado que o ofidismo crotálico constantemente leva a alterações na coagulação, com fibrinopenia. Poucas horas após, o paciente pode apresentar fácies neurotóxicas, mas as alterações urinárias não surgem normalmente antes da 12ª hora. 2. Tratamento. Atualmente consideramos os acidentes crotálicos como leves, moderados ou graves. É imprescindível que a soroterapia seja feita rapidamente. Devem-se realizar os testes conforme citados no acidente botrópico e, se possível, CPK, LDH e TGO cujas 715

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alterações auxiliam na avaliação clínica, como também em alguns diagnósticos diferenciais de quadros clínicos incaracterísticos.* ____________ *O paciente, dependendo do tempo após a picada, pode chegar ao hospital assintomático. Mesmo assim, se há certeza de picada por cascavel, e o tempo entre a picada e a chegada ao hospital for pequeno (cerca de uma hora), deve ser considerada de gravidade leve a moderada, aplicando-se o soro com presteza, sem esperar que apareça a sintomatologia para medicar posteriormente. Todo paciente vítima de acidente crotálico deve ser internado em sala de observação ou Unidade de Tratamento Intermediário (UTI). Mesmo assintomático, ele não pode receber alta logo após a soroterapia. Em casos de insuficiência renal aguda, deve ser encaminhado ao Centro de Tratamento Intensivo (CTI). Tratamento complementar: forçar diurese aumentando-se a infusão hídrica endovenosa. A utilização de diurético tem sido recomendada com o objetivo de auxiliar na prevenção de insuficiência renal. 3. Prognóstico. Com base em dados do Instituto Butantã-Hospital Vital Brasil, verifica-se que, após o uso de doses mais elevadas do soro, a mortalidade cai consideravelmente. Não tratados Tratados

72% de mortalidade 11,89% de mortalidade**

____________ **Citação do Manual para Atendimento dos Acidentes Humanos por Peçonhentos — Instituto Butantã, 1982. F. Acidente micrúrico (elapídico). Felizmente, são poucos os acidentes provocados por corais. Primeiro, porque elas não são agressivas e têm hábitos noturnos, vivendo preferencialmente em abrigos subterrâneos; segundo, porque têm a boca pequena, presas fixas e pequenas, dificultando a picada. É difícil a distinção entre a coral verdadeira e a falsa, o que deverá ser realizado apenas por profissionais especializados. 1. Fisiopatologia e quadro clínico. Seu veneno é de ação neurotóxica, por ação inibitória sobre a transmissão neuromuscular, provocando paralisia dos músculos respiratórios, podendo levar o paciente à parada respiratória, que é a causa das mortes. O paciente queixa-se de dormência no local da picada e pode também queixar-se de dor. Posteriormente, apresenta ptose palpebral, diplopia, anisocoria progredindo para sialorréia, dispnéia e parada respiratória. 2. Tratamento. Todo paciente deve ser internado em UTI e, ao menor sinal de distúrbio respiratório, deve ser encaminhado ao CTI, pois é sério candidato à intubação endotraqueal e à respiração artificial.* ____________ 716

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*O soro antiofídico polivalente não é eficaz no tratamento de acidentes por micrurus. Tratamento complementar: anticolinesterásico com fisostigmina (Prostigmine®); cada ampola contém 1 ml-0,5 mg. Somente deve ser empregado quando iniciados os sintomas de depressão respiratória e após administração de atropina. G. Acidentes ofídicos — Conclusões 1. O garroteamento é contra-indicado. 2. Se bem conduzido, o paciente não precisa usar soro polivalente. 3. Provas de coagulação são de extrema importância no diagnóstico, tratamento e prognóstico nos casos de ofidismo crotálico, laquético e botrópico. 4. O teste de sensibilidade não é rotineiramente realizado. A maioria das reações que ocorrem é anafilactóide, tendo gravidade semelhante, porém com teste cutâneo negativo. Outrossim, mesmo que o teste resultasse positivo, o soro seria aplicado, ocorrendo, portanto, atraso desnecessário na soroterapia. Em caso de reação, diminuir o gotejamento — observar o item seguinte. 5. Deve-se estar sempre preparado para um eventual início de reação anafilática ou anafilactóide: ter à mão uma ampola de solução milesimal de andrenalina aquosa e uma seringa graduada de 1 ml. Aos primeiros sinais de reação, aplicar 0,3 ml da solução, via subcutânea, repetindo, se necessário, em 10 a 15 minutos. Se o paciente for hipertenso ou cardíaco, não usar adrenalina, a não ser em casos muito graves; aplicar uma ampola de Decadron® EV ou similar endovenosa. Ter à mão também anti-histamínico e oxigênio. Nunca esquecer de realizar anamnese, visando aos problemas alérgicos, contatos anteriores com soros heterólogos e doenças hepáticas. 6. Quanto mais rápido for o atendimento do paciente, menores serão as complicações. III. Araneísmo. Entre as aranhas de interesse médico, abordaremos as pertencentes aos gêneros Phoneutria, Loxosceles, Latrodectus, Lycosa e Grammostala. Na nossa região são freqüentes os acidentes com as aranhas conhecidas como “armadeira” (Phoneutria), “aranha de jardim” ou “tarândula” (Lycosa) e, mais raramente, com as “caranguejeiras” (Grammostala) e “aranha marrom” (Loxosceles). A “viúva negra” ou “flamenguinha” (Latrodectus mactans), assim chamada por possuir abdômen vermelho e preto, habita geralmente as regiões praianas; possui três pares de olhos. Sua peçonha é neurotóxica potente, de ação central e periférica. O acidente é tratado sintomaticamente e com soro específico. A “caranguejeira” é desprovida de peçonha, apesar de seu aspecto assustador. Possui oito olhos, dispostos em duas fileiras. Apresenta importância pela dor causada pela picada, por 717

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causa de suas fortes quelíceras, e pelas reações alérgicas que podem ser desencadeadas pelo contato com seus pêlos, requerendo tratamento sintomático. A “aranha de jardim” é menor do que a armadeira e pode ser identificada por apresentar uma “seta” desenhada no seu abdômen; possui oito olhos, sendo quatro na fileira anterior e dois nas seguintes. Sua picada geralmente ocasiona apenas dor local, que cede com analgésicos comuns. Trataremos com mais detalhes os acidentes com as aranhas dos gêneros Phoneutria e Loxosceles, que são as mais importantes no nosso meio, respectivamente, pela freqüência e potencialidade da gravidade dos acidentes. A. Acidentes por Phoneutria. Popularmente conhecidas como aranhas armadeiras, são aranhas agressivas que se apóiam nas patas traseiras, levantando as dianteiras quando molestadas. São capazes de saltos de até 30 cm quando atacam. São grandes, embora menores do que as caranguejeiras, com as quais costumam ser confundidas. Medem cerca de 5 cm de corpo e 10-15 cm de envergadura das patas. São cobertas por pêlos cinzentos curtos; possuem manchas claras nas patas e duas fileiras de pontos claros ao longo do abdômen. Apresentam oito olhos, dispostos em três fileiras: dois anteriores, quatro medianos e dois posteriores. Sua peçonha tem ação neurotóxica, ativando o canal de sódio, induzindo a despolarização das fibras sensitivas e musculares, e terminações nervosas motoras e autonômicas. Em geral, causam apenas dor intensa e sinais locais imediatamente após a picada, com ou sem irradiação. Em casos muito graves, geralmente em crianças, podem ocorrer priapismo, sudorese, tremores, convulsões tônicas, sialorréia, taquicardia, arritmias e distúrbios visuais, podendo levar ao choque neurogênico. Apesar dessas possibilidades, o prognóstico quase sempre é bom, e a morte é extremamente rara. 1. Tratamento. Os acidentes com as aranhas armadeiras geralmente são de leve gravidade, apresentando apenas dor no local da picada. Para estes casos o tratamento a ser realizado é apenas assepsia no local da picada, para evitar infecções secundárias, e administração de analgésico por via oral ou injetável, ou antiinflamatórios não-hormonais via IM. Nos casos de dores mais fortes, realiza-se infiltração local ou troncular com anestésico (de preferência lidocaína a 2% sem vasoconstritor — 1,0 a 4,0 ml). Se a dor for persistente, repetir a infiltração até duas vezes, com intervalos de uma hora, podendo-se incluir no tratamento destes casos mepiridina por via IM, com os devidos cuidados. Se ainda assim persiste a sintomatologia, ou se o paciente apresenta qualquer sintomatologia sistêmica, há indicação da aplicação de soro antiaracnídeo polivalente: 5 ampolas de soro EV para os casos moderados (dor intensa persistente ou com sintomatologias sistêmicas); 10 ampolas EV nos casos graves (sintomatologia local e sistêmica acompanhada de agravamento do quadro e/ou choque e edema agudo de pulmão). Devem-se tomar os mesmos cuidados observados na soroterapia utilizada para os acidentes ofídicos.

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B. Acidentes por Loxosceles. Grande número de acidentes com estas aranhas tem ocorrido nos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em Minas Gerais acontecem poucos casos, e quase sempre de gravidade leve. O gênero Loxosceles é representado principalmente pelas espécies: L. gaucho, L. intermedia, L. laeta e Loxosceles sp. Popularmente conhecidas como aranhas marrons, de pequeno tamanho, possuem seis olhos dispostos em três pares, não são agressivas e picam apenas quando espremidas. Encontramse no interior das residências, dentro de sapatos e roupas. É geralmente no ato de se vestir que a vítima é picada. O problema mais sério neste tipo de acidente é o fato de o veneno não causar dor local no momento da picada, e, como a aranha é de pequena dimensão, normalmente o paciente não procura atendimento quando a soroterapia seria mais eficiente. Apenas 12 horas ou um dia após o local se torna dolorido, com edema, hiperemia e, às vezes, febre. Pela ação proteolítica do veneno, podem-se encontrar, ainda, equimose, vesículas, bolhas, necrose e ulceração. Diferentemente da ação proteolítica do veneno botrópico, estas lesões são secas, com crosta escurecida e dura. É interessante observar que o paciente pode procurar socorro com ferimento deste tipo sem saber a causa, porque a aranha pode sequer ter sido observada. A hematúria macroscópica também surge após a 12ª hora, assim como subicterícia. São observados casos de insuficiência renal aguda, devido às características proteolíticas e hemolíticas do veneno. Na forma cutaneovisceral, podem ocorrer, anemia aguda, plaquetopenia, hiperpotassemia, insuficiência renal e distúrbios de coagulação. 1. Tratamento. Limpeza local para evitar infecções secundárias; limpezas e aplicação de anti-sépticos periodicamente na ferida. Utilizar antibióticos em caso de infecções. Tratamento com analgésicos (dipirona ou antiinflamatórios não-hormonais). Tratamento cirúrgico após delimitação da área de necrose (geralmente em 7 a 10 dias). Corticoterapia (prednisona VO — 40 mg/dia para adultos e 1,0 mg/kg/dia para crianças) por cinco dias, pelo menos, nos casos moderados e graves. Tratamento de suporte para os casos de anemia (papa de hemácias) e suporte para os casos de insuficiência renal. Soro antiaracnídeo polivalente ou antiloxoscélico — 5 ampolas EV, nos casos moderados, e 10 ampolas EV, nos casos graves. Os casos leves não apresentam comprometimento do estado geral nem lesão característica 72 horas após a picada. Os casos moderados possuem lesão característica e alterações sistêmicas, mas sem evidência de hemólise. Os casos graves apresentam o quadro moderado mais agravado associado a anemia aguda e presença de hemólise. 2. Prognóstico. A evolução é benigna na maioria dos acidentes. Quando ocorre necrose, as lesões podem complicar-se, sendo necessários desbridamento amplo e enxerto com todas as 719

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suas implicações. Quando ocorrem hemólise intravascular e insuficiência renal, os casos podem tornar-se muito graves, com prognóstico reservado. IV. Escorpionismo. Os acidentes com escorpiões representam grande importância entre os acidentes por animais peçonhentos, seja pela alta incidência ou pela gravidade dos casos, principalmente em crianças com menos de 7 anos ou desnutridas. No gênero Tityus encontram-se os escorpiões de importância médica em nosso país (T. serrulatus, T. bahiensis, T. stigmurus, T. trivitatus, T. cambridgei e T. metuendus). São encontrados, na nossa região, dois tipos principais de escorpiões: Tytius bahiensis (escorpião marrom) e Tytius serrulatus (escorpião amarelo). Entre nós, predomina o último, cujo veneno é mais tóxico. A toxina do T. serrulatus ocasiona dor local em quase 100% dos casos e age nos canais de sódio, ocasionando a despolarização das terminações nervosas pré-ganglionares, com liberação de neurotransmissores adrenérgicos e colinérgicos. O surgimento de manifestações nos diversos órgãos e sistemas orgânicos dependerá do predomínio dos efeitos simpáticos ou parassimpáticos. A peçonha não age no bulbo, conforme se pensava no passado. Podem ocorrer arritmias, alterações pressóricas e choque. Os sintomas digestivos são precoces, como náuseas, sialorréia, diarréia e dor abdominal. Os distúrbios neurológicos são também comuns e vão desde cefaléia, escurecimento de visão, tonturas e coma. Tremores, espasmos musculares, ou mesmo convulsões podem ocorrer em casos mais graves. Pode ocorrer edema pulmonar, que é acompanhado, em alguns pacientes, de alterações no miocárdio, sugerindo a participação de mecanismos cardiogênicos; trabalhos recentes demonstraram casos de edema pulmonar agudo sem alterações sugestivas de lesão miocárdica ou comprometimento da função sistólica esquerda, apresentando, entretanto, alterações pulmonares, com predominância unilateral e/ou periférica, e alterações histológicas compatíveis com o mecanismo não-cardiogênico. A. Quadro clínico. Distinguem-se três formas: (a) leve — com manifestações apenas locais: dor e/ou parestesia; (b) moderada — com manifestações locais, gástricas e cardiorrespiratórias (principalmente taquicardia), sudorese, sialorréia; (c) grave — além dos sintomas citados acima, leva a convulsões, coma, bradicardia, insuficiência cardíaca, edema pulmonar agudo, hipotermia, choque e apnéia. Laboratorialmente, podem ser encontrados: hipopotassemia, hiponatremia, distúrbios ácidos-básicos, albuminúria, glicosúria, hiperglicemia e hiperamilasemia. O ECG mostra alterações variáveis: taquicardia ou bradicardia sinusal, extra-sistolia, alterações de repolarização ventricular, BAV. Estas alterações são reversíveis em três a sete dias. B. Tratamento. Infiltração local com anestésicos analgésicos e/ou antiinflamatórios. Quando se tratar de crianças, idosos ou adultos com repercussão clínica sistêmica, a soroterapia deve ser realizada.

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Caso leve — uma ampola de soro antiescorpiônico EV.

Caso moderado — duas ampolas de soro antiescorpiônico EV.

Caso grave — quatro ampolas de soro antiescorpiônico EV. Alguns profissionais preconizam a utilização de uma dosagem mais elevada de soro, mas na nossa experiência as doses utilizadas têm oferecido ótimos resultados. Trabalhos têm mostrado também a persistência durante muitas horas de antiveneno circulante em altas concentrações. Crianças de até 6 anos, mesmo com sintomatologia leve, devem ser tratadas como casos moderados, o mesmo ocorrendo com idosos acima de 65-70 anos ou com os indivíduos debilitados. As reações ao soro antiescorpiônico não é comum, permitindo sua administração com bastante segurança, principalmente em pacientes que apresentam manifestações adrenérgicas secundárias às ações do veneno escorpiônico. O paciente de baixo peso deve permanecer hospitalizado até a completa definição do quadro. Os adultos, desde que assintomáticos após a infiltração, podem receber alta do ambulatório; contudo, seu exame físico deve ser feito detalhadamente; caso haja qualquer dúvida, também está indicada observação. Nos casos benignos não surge sintomatologia sistêmica, o que ocorre geralmente dentro de duas horas. Os exames complementares solicitados são: urina de rotina, hemograma, glicemia, amilasemia e eletrocardiograma, nos casos moderados a graves em crianças menores. Na soroterapia, devem ser tomados todos os cuidados observados no ofidismo. A observação clínica dos casos graves é de extrema importância, dada a grande mortalidade dos casos que evoluem para edema pulmonar agudo. Pode ser necessária a administração de atropina nos casos de bradicardia acentuada. Casos graves devem ser tratados em CTI, onde os procedimentos de suporte são essenciais para a recuperação do paciente. V. Erucismo (Acidentes com Lagartas Urticantes). Nomes vulgares: bicho cabeludo, lagarta-de-fogo, lagarta-de-hera, mandruvá, mucuarana, taturana. Várias famílias da ordem dos Lepdoptera (mariposas e borboletas) são conhecidas por terem larvas ou lagartas equipadas com pêlos portadores de veneno. Os pêlos das formas adultas também podem provocar reações semelhantes às das lagartas. Normalmente uma lagarta é portadora, em alguma fase de seu desenvolvimento, de pêlos ou espinhos e/ou cerdas que, direta ou indiretamente, causam acidentes nos seres humanos. Estas estruturas, quando em contato com as vítimas, desprendem-se e inoculam o veneno, sendo causa de profundo mal-estar. À exceção da região ventral, podem estar distribuídas em tufos de seis a oito para cada somito ou de forma homogênea por todo o corpo. Pertencem

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principalmente a três famílias: Megalopygidae (g. Podalia sp.), Saturniidae (g. Lonomia sp.) e Arctiidae (Premolis semirufa). A maioria dos acidentes com lagartas urticantes ocorre no verão e no início do outono, quando as larvas eclodem de seus ovos. Elas podem ser encontradas em goiabeiras, abacateiros, nogais, cajueiros, roseiras, cafeeiros, eucaliptos, figueiras, bananeiros, mamoeiros, mandioqueiras, seringueiras, etc.* ____________ *A abordagem dos acidentes com as lagartas do gênero Lonomia sp. será feita separadamente, devido às diferentes características do veneno e sua importância toxicológica. A. Aspectos toxicológicos do veneno. Princípios ativos do veneno das espículas e da hemolinfa: histamina, acetilcolina e plasmocinina; provavelmente também uma toxialbumina e uma enzima proteolítica não bem diferenciadas laboratorialmente. B. Quadro clínico. As vítimas de erucismo (do grupo ERUGA: lagarta) são crianças desavisadas que tocam as lagartas com as mãos e outros indivíduos que, acidentalmente, se encostam ou comprimem sua pele contra as lagartas em pomares e jardins ou plantações. Os sintomas clínicos variam acentuadamente e dependem de uma gama de fatores: das espécies e dos diferentes tipos de pêlos que as cobrem, da qualidade do veneno, da duração do contato, da pressão exercida pela lagarta sobre a vítima, ou de todos juntos. A despeito da diversidade de manifestações, um quadro clínico geral é observado. 1. Sintomas subjetivos. Estes incluem uma sensação de queimação de intensidade moderada, com ou sem prurido importante, até uma dor em queimação ou perfurante significativa, que pode permanecer por horas e ser acompanhada ou seguida por prurido de maior ou menor relevância. Certos pacientes apresentam dor insuportável com irradiação pelo trajeto dos nervos. 2. Sinais objetivos. Uma série de mudanças pode ser observada sucessivamente nos elementos dermatológicos, a saber: eritema de maior ou menor intensidade, pequenas pápulas sobre a área edemaciada, placa urticariforme, vesículas, bolhas, petéquias e pápulas avermelhadas estéreis, sendo estas seguidas por erosão secundária, escoriação, descamação e pigmentação. Este quadro clínico pode ser complicado pela infecção secundária. Entre estes fenômenos não é incomum observarem-se mal-estar geral, insônia, febre, náuseas, vômitos e espasmos musculares. Podem ocorrer neurites local e regional, tais como parestesia, anestesia, paresia e, às vezes, paralisias, todas de caráter temporário. C. Tratamento. Não há antídoto específico. O tratamento é essencialmente sintomático. Impõe-se a remoção da lagarta com certo cuidado, lembrando que sua face ventral não oferece riscos. A limpeza da área exposta deverá ser cuidadosa. É importante citar que a dor local não só é determinada pela irritação das terminações nervosas sensitivas, estimuladas pela ação direta do veneno, mas também pela trepidação das cerdas no local 722

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sensibilizado, provocadas pelo ar circulante, o que indica a raspagem do local com lâmina de barbear ou bisturi, de forma rápida e precisa, para evitar a dor intensa que a manipulação desnecessária determina. Na impossibilidade de raspagem do local (sobrancelhas, áreas de difícil manipulação ou previamente acometidas por outras doenças), pode ser aplicada uma pomada de vaselina. As dermatites não-complicadas podem ser tratadas com loções fracamente ácidas e/ou com características sedativas, as quais são geralmente satisfatórias. Temos utilizado uma locação de hipossulfito de sódio a 50%, como indicado no tratamento dos casos de lepidopterismo, com um bom índice de melhora. A aplicação desta loção na primeira meia hora após o acidente leva à abolição do prurido e ao rápido desaparecimento das lesões cutâneas elementares. A aplicação local de compressas de água gelada, o uso de analgésicos e até mesmo a infiltração de anestésicos podem ser indicados nos casos de moderada a grande intensidade. D. Acidentes com lagartas do gênero Lonomia sp. Estes acidentes podem apresentar, além do quadro clínico que ocorre com as outras lagartas, importantes distúrbios de coagulação por ação fibrinolítica e inibição do fator VIII, que podem aparecer até três dias após a picada, aspecto que também depende da quantidade de veneno inoculado. Torna-se importante, portanto, a diferenciação da Lonomia das outras espécies. Elas possuem como características: cor marrom claro-esverdeada; manchas amarelas; listras castanho-escuras no corpo; geralmente possuem comprimento inferior a 7 cm; as cerdas são esverdeadas, apresentando ramificações; possuem hábito de permanecerem agrupadas, formando grandes colônias. Grande número de acidentes tem sido registrado na região Sul do Brasil. 1. Quadro clínico. Dor, edema, eritema, urticária, artralgias, cefaléia de intensidade variável, náuseas, vômitos e até necrose superficial. O quadro hemorrágico pode manifestar-se por hematomas, a distância ou locais, e sangramentos diversos, inclusive do SNC. 2. Tratamento. Casos leves: sintomáticos (pomadas de corticóides, anti-histamínicos, antiinflamatórios e analgésicos). Não utilizar ácido acetilsalicílico por causa dos fenômenos hemorrágicos. Monitorar laboratorialmente até dois dias após o acidente, por meio de provas de coagulação, urina rotina e provas de função renal. Nos casos muito graves, podese utilizar, por via endovenosa, o ácido épsilon-aminocapróico (Ipsilon®), na dose de 30 mg/kg de peso como dose de ataque, seguida da dose de 15 mg/kg de peso a cada quatro horas até normalização das provas de coagulação. Corrigir a anemia, se presente, com papa de hemácias. O soro antilonômico (em fase de disponibilização) poderá, quando disponível, ser aplicado nos casos moderados e graves — 5 a 10 ampolas, respectivamente, além das medidas sintomáticas aplicadas para os casos leves. Os casos moderados e graves apresentam sangramentos em peles e mucosas, sendo que os casos classificados como graves apresentam ainda sangramentos viscerais. Os cuidados e a forma de administração são iguais aos implantados em outras soroterapias heterólogas. VI. Abelhas.

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Nomes científicos das espécies mais importantes: Apis mellifera mellifera, A. M. scutellata, A. M. ligustica. Nomes vulgares das espécies: abelha alemã, abelha italiana, abelha africana. As abelhas africanizadas são mais agressivas; são originadas do cruzamento da africana com a européia, adaptando-se e difundindo-se amplamente pelo Brasil e por outros países. As abelhas, ao picarem, perdem o ferrão e parte do abdômen, o que ocasiona a sua morte. A. Princípios ativos do veneno. O veneno das abelhas é constituído de substâncias farmacológicas e bioquimicamente ativas, incluindo entre elas: enzimas (hialuronidase e fosfolipase), aminas biogênicas (histamina, serotonina) e peptídeos (melitina e apamina). Elas podem causar, entre outros efeitos: lesão celular, degranulação de mastócitos com liberação de histamina e serotonina, hemólise, lesão neurológica, aumento da permeabilidade capilar, hipotensão e excitação do SNC. B. Quadro clínico. O diagnóstico da picada de abelha é geralmente fácil, já que ocorre dor local forte e o inseto é visualizado; a dor geralmente desaparece após alguns minutos, ficando o local com eritema e edema. A picada é rapidamente identificada pelo fato de a abelha perder seu aparelho inoculador no local agredido, o que não acontece com os outros insetos. Os efeitos imediatos que surgem após a picada pelos insetos variam, dependendo de vários fatores, e a picada por abelha não foge a esta regra. Os fatores são: sensibilidade individual, poder toxigênico e alergizante das proteínas inoculadas, dose, exposição prévia à picada, estado geral e idade do paciente. Grandes reações locais ocasionalmente precedem uma reação sistêmica quando estes insetos picam. O indivíduo picado, em geral, apresenta dor local intensa seguida de edema e prurido. A área mostra uma zona central clara, circundada por um halo avermelhado. O ferrão é encontrado dentro dessa zona clara, podendo apresentar movimentos espasmódicos nos momentos iniciais. A reação local geralmente melhora em poucas horas. Admite-se que o acidente na região da face e do pescoço pode favorecer o surgimento de distúrbios do sistema nervoso central, e que as picadas nestes locais podem provocar edema local, com a compressão das vias aéreas superiores causando asfixia mecânica, angústia, depressão respiratória, vertigem, urticária gigante, vômitos, dispnéia, lacrimejamento, taquicardia e, às vezes, crises convulsivas podem ser evidentes. Quando um grande número de abelhas ataca o indivíduo, podem surgir dores, edemas, hipotensão arterial, choque, transtornos neurológicos, náuseas, vômitos, distúrbios hemorrágicos e hemólise, que costumam acontecer nos primeiros minutos e apresentam maior intensidade após 30 minutos. Poliúria e diarréia podem ocorrer.

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Pode ocorrer insuficiência renal aguda após a picada desses insetos. Quatrocentas picadas podem ter um efeito letal no adulto, apesar de alguns apicultores já terem sido atingidos por um número superior a mil abelhas e não terem evoluído desta maneira. C. Tratamento. O tratamento consiste na rápida remoção do ferrão, pois, permanecendo no local, ele se vai aprofundando e injetando o restante do veneno; nunca deve ser removido com os dedos ou pinças, que pressionam a bolsa de veneno e colaboram na injeção deste. Retira-se o ferrão com uma lâmina de barbear, ou de bisturi, ou faca, rente à pele, ou com material pontiagudo, de baixo para cima. Lavar e desinfetar o local e passar uma pomada com corticóides (questiona-se este uso), anti-histamínicos por via oral ou intramuscular e analgésicos, se necessário. Nos indivíduos previamente sensibilizados ou que apresentam intensas reações, a administração imediata de adrenalina (0,01 mg/kg) por via subcutânea é imperativa e eficaz na grande maioria dos casos, podendo ser repetida, se necessário. Aplicam-se analgésicos em caso de dor mais persistente. As urticárias moderadas podem ser tratadas com antihistamínicos. As reações muito graves com distúrbios hemodinâmicos sérios devem ser conduzidas através da posição de Trendelenburg, infusão endovenosa de solução salina e 0,01 mg/kg de adrenalina na diluição 1:1.000, administrada subcutaneamente. A uma resposta inadequada corresponde o tratamento clássico de choque anafilático. Portanto, o tratamento é sintomático e de manutenção, com cuidado especial para as complicações cardiocirculatórias e renais. Em pacientes hipersensibilizados e naqueles com cardiopatia prévia, o quadro pode ser extremamente grave, podendo evoluir para óbito, principalmente nas picadas múltiplas. VII. Vespas. Nomes vulgares das espécies: vespão, mata-cavalo, marimbondo, vespa-que-zumbe, caçaaranha etc. A. Aspectos toxicológicos. O veneno das vespas tem sido pouco estudado, e a lista dos componentes identificados ainda é pequena. Alguns autores têm definido a existência de potentes alérgenos no veneno das vespas. Os acidentes acham-se na dependência do número de picadas. O quadro habitual, após a picada, é de dor intensa e eritema local, com edema de intensidade variável e prurido. O quadro é idêntico ao da picada por abelha, embora neste acidente não seja encontrado o ferrão. Mal-estar, ansiedade, sudorese, náuseas, vômitos e tremores são sinais e sintomas comuns. Nos indivíduos hipersensibilizados podem ocorrer urticária, edema angioneurótico, broncoespasmo, hipotensão arterial, inconsciência e choque, que pode evoluir para a morte. B. Tratamento. Lavar e desinfetar o local da picada, aplicando-se uma pomada com corticóides, anti-histamínicos, por via oral ou intramuscular, e analgésicos, se necessário.

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As reações muito graves, com sérios distúrbios hemodinâmicos, devem ser conduzidas através da posição de Trendelenburg, infusão endovenosa de solução salina e 0,01 mg/kg de adrenalina. 1:1.000, administrada subcutaneamente. A uma resposta inadequada corresponde uma conduta mais agressiva que requererá a injeção endovenosa de adrenalina, 1:10.000, maior volume de fluidos, 1 g de hidrocortisona e oxigenoterapia, isto é, o tratamento clássico do choque anafilático. Portanto, o tratamento é sintomático e de manutenção, com especial cuidado para as condições cardiocirculatórias e renais. Referências 1. Amaral CFS, Campolina D, Dias MB et al. Torniquet ineffectiveness to reduce the severity of envenoming after Crotalus durissus snake bite. Toxicon 1998; 36(5): 805-8. 2. Amaral CFS, Dias MB, Campolina D et al. Children with adrenergic manifestations of envenomation after Tityus serrulatus scorpion stings are protectes from early anaphylactic antivenom reactions. Toxicon 1993; 32: 211-5. 3. Barraviera B. Venenos Animais — Uma Visão Integrada. EPUC, Rio de Janeiro 1994. 4. Brasil, Ministério da Saúde, FNS. Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos. Brasília, 1998. 5. Bucherl W, Buckley EE. Venomous Animals and Their Venoms. Vol. III, 1971. 6. Cardoso JLC, Brande RB. Acidentes por Animais Peçonhentos, 1982. 7. Chavez-Olortegui C, Fonseca SCG, Campolina D et al. ELISA for the detections of toxic antigens in clinical and experimental envenoming by Tityus serrulatus scorpion envenoming. Toxicon 1994; 32: 1.649-56. 8. Freire Maia L, Campos JA, Amaral CFS. Approaches to the treatment of scorpion envenoming. Toxicon 1994; 32: 1.009-14. 9. Manual para Atendimento dos Acidentes Humanos por Animais Peçonhentos. Secretaria de Estado da Saúde, Coordenadoria de Serviços Técnicos Especializados, Instituto Butantan, Hospital Vital Brasil, São Paulo, 1982. 10. Organização Mundial de Saúde. Progress in the Characterization of Venoms and Standardization of Antivenoms. Geneva, 1981. 11. Rezende NA, Dias MB, Campolina D et al. Efficacy of antivenom therapy for neutralizing circulating venom antigens in patients stung by Tityus serrulatus scorpions. American J Trop Med Hyg 1995; 52: 277-80. 12. Rezende NA, Campolina D, Chavez Olortegui C, Amaral CFS. Crotalus durissus snake bite without envenoming (dry bite). Toxicon 1998: 36.

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13. Schvartsman S. Plantas Venenosas e Animais Peçonhentos. 2 ed., S. Paulo, Ed. Sarvier, 1992. 14. Theakston RDG, Fan HW, Warrel DA et al. Use of enzyme immunoassays to compare the effect and assess the dosage regimens of three Brasilian Bothrops antivenoms. Am J Trop Med Hyg 1992, 47(5): 593-604. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 62 - Distúrbios Hidroeletrolíticos e Ácidos-Básicos José Carlos Bruno da Silveira O estudo dos distúrbios hidroeletrolíticos e ácidos-básicos (DHEABs) é de grande importância para o médico, qualquer que seja a sua especialidade clínica ou cirúrgica. São distúrbios freqüentes e muitas vezes determinantes prognósticos para a doença do paciente. Entretanto, a relativa complexidade teórica do tema e a necessidade freqüente de exames laboratoriais para o diagnóstico preciso dos DHEABs limitam de certa forma o seu tratamento correto. O objetivo deste capítulo é definir princípios básicos para uma abordagem clínica eminentemente prática dos DHEABs mais comuns. I. Distúrbios Hidroeletrolíticos A. Alterações do equilíbrio da água. Cerca de 60% do peso corporal de um homem adulto são constituídos por água: 40% intracelular (IC) e 20% extracelular (EC), como mostra a Fig. 62-1. Esta distribuição hídrica, ou seja, a distribuição do solvente, mantém íntima relação com a distribuição dos solutos do organismo: proteínas, lipídios, uréia, glicose, aminoácidos e eletrólitos (sódio, potássio, cloretos, cálcio, magnésio, bicarbonato, fosfatos e sulfatos). A homeostase do organismo é dada pela interação desses dois componentes, através de uma pressão osmótica efetiva (Quadro 62-1), que mantém equilíbrio com uma concentração eletrolítica definida (Quadro 62-2). Essa homeostase e essa pressão osmótica recebem influências fisiológicas, hormonais e neuronais que, quando comprometidas por qualquer doença orgânica ou mesmo situações de estresse físico ou emocional, podem determinar as mais variadas alterações dos equilíbrios hídrico e eletrolítico. B. Desidratação. Deve-se considerar a desidratação como a depleção do volume extracelular, devido à diminuição da oferta e/ou ao aumento das perdas de água. Quantitativamente, pode-se dividir a desidratação em leve (5-10% de perda hídrica), moderada (10-20%) ou grave (acima de 20%). Qualitativamente, a desidratação pode ser hipotônica (sódio diminuído), isotônica (sódio normal) ou hipertônica (sódio elevado). O diagnóstico clínico da desidratação é bem mais difícil de ser estabelecido e quantificado em adultos do que em crianças. A oligúria é sinal precoce e sensível, devendo sempre ser pesquisada. Outros sinais e sintomas incluem: mucosas secas, olhos “encovados” com relevos ósseos faciais mais salientes e diminuição da tensão palpatória do globo ocular. Sinais mais tardios e, por isso, revestidos de pior prognóstico são representados pela diminuição do turgor e da elasticidade da pele (examinados de preferência na região infraescapular), apatia, hipotensão arterial (principalmente ortostática), febre, disfagia, alterações do estado de consciência, fraqueza muscular e hiporreflexia. Desse modo, em adultos, a história clínica, objetivando a busca das causas determinantes da depleção extracelular (EC) e o tipo de perda, supera nitidamente o exame físico como

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método propedêutico para a elucidação do tipo de desidratação apresentada pelo paciente (Quadro 62-3). O tratamento da desidratação é uma urgência médica. Entretanto, todo o empenho e experiência do médico são necessários para que se possa evitar a correção intempestiva ou mesmo iatrogênica do distúrbio. Assim, não se considera desejável a correção total da desidratação nas primeiras 24 horas, desde que este tratamento possa ser feito em até dois a três dias sem qualquer prejuízo para o paciente (usualmente, utilizamos 50-100 ml/kg de peso/dia). Deste modo, um paciente com peso corporal de 70 kg e com perdas estimadas em 10% deve receber 4,2 litros de líquidos nas primeiras 24 horas, ou seja, 10% de 60% do peso corporal, com uma concentração média de 100 mEq/l de cloro e 140 mEq/l de sódio, o que corresponde, grosseiramente, ao soro fisiológico (SF) habitualmente utilizado em nossos hospitais*. _____________ *Preferimos, nas desidratações leves e moderadas, soluções glicofisiológicas (SGI + NaCl 10%). Deve-se optar, sempre que possível, pela hidratação oral, à base do chamado “soro caseiro”, especialmente nas desidratações mais leves. C. Hiper-hidratação. A hiper-hidratação é excesso do conteúdo hídrico do organismo. Este excesso do líquido extracelular decorre basicamente de insuficiência cardíaca congestiva, cirrose hepática, nefropatias várias e iatrogenismo. O diagnóstico da hiper-hidratação baseia-se na história clínica do paciente, na presença de edemas, no aumento do peso corporal e em outros sinais mais tardios, especialmente aqueles relacionados ao sistema nervoso (apatia, lassidão, convulsões, coma). O tratamento consiste na remoção do excesso de água do organismo, seja pela restrição absoluta de líquidos (considerar a água endógena, que pode variar de 300 ml/dia, em condições basais, até 1.000 ml/dia, nos estados de grande catabolismo), seja pelo uso dos diuréticos ou procedimentos terapêuticos invasivos: plasmaférese ou métodos dialíticos, na dependência da gravidade de cada caso em particular. II. Alterações Eletrolíticas Específicas A. Sódio. O sódio é um dos determinantes mais importantes da osmolaridade plasmática (Quadro 62-1). Assim, as alterações plasmáticas deste cátion podem determinar importantes modificações na homeostase do organismo. 1. Hiponatremia. A concentração normal de sódio no espaço extracelular e no sangue é de 135-145 mEq/l. Porém, as manifestações clínicas de hiponatremia são observadas somente quando os níveis séricos deste cátion caem abaixo de 120-125 mEq/l: fibrilações musculares, cãibras, contrações, mialgia, alterações sensoriais e convulsões. Estas manifestações clínicas não dependem apenas dos níveis de sódio, mas também da condição básica determinante do seu déficit. 729

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As hiponatremias podem ser divididas em três grupos principais, de acordo com o processo básico responsável pelo distúrbio: a. Hiponatremia com excesso do líquido extracelular e edema. É a hiponatremia observada na insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência renal, cirrose hepática e síndrome nefrótica. Nada mais é do que uma hiponatremia dilucional, decorrente do bloqueio da eliminação renal de água. O tratamento deve ser dirigido para a doença de base, incluindo-se a restrição da ingestão de água e o emprego de diuréticos. b. Hiponatremia sem evidências clínicas de desidratação ou edema. É a hiponatremia observada nos estados de hiperosmolaridade, como no diabetes melito (glicemia de 180 mg% eleva a osmolaridade de 10 mOsm e diminui a natremia de 3,5 mEq/l), ou na síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético. Também a intoxicação hídrica iatrogênica, a polidipsia compulsiva, o hipotireoidismo e o uso de algumas drogas podem determinar o surgimento deste tipo de hiponatremia. O tratamento consiste na restrição de água e, principalmente, no tratamento da doença subjacente. c. Hiponatremia associada com depleção do líquido extracelular. É um estado de real depleção de sódio, que ocorre na nefropatia perdedora de sal, na fase de diurese da necrose tubular aguda, na diurese pós-obstrutiva, com o uso de diuréticos, na presença de hipoaldosteronismo, diarréia, vômitos, sudorese excessiva, queimaduras. Nesse caso, o tratamento da doença ou do processo mórbido de base isoladamente pode não ser capaz de reverter o distúrbio, tornando-se necessária a reposição de sódio. Em alguns casos, onde a hiponatremia é muito acentuada (sódio abaixo de 110 mEq/l), e/ou as condições clínicas do paciente assim vierem a determinar, podem-se empregar as soluções salinas hipertônicas (Quadro 62-10), tomando-se por base o déficit estimado de sódio (Quadro 62-4). 2. Hipernatremia. É distúrbio de observação clínica pouco freqüente, devendo-se geralmente ao iatrogenismo na reposição do sódio. Especialmente observada no tratamento do diabetes melito, também pode ser observada no diabetes insípido, nas lesões hipotalâmicas, ou nas nefrites intersticiais, quando a reposição de sódio é feita intempestivamente, ou no coma hiperosmolar dos diabéticos. Clinicamente, o paciente pode apresentar-se com sede intensa, febre e alterações do sistema nervoso (excitação, delírio, hiperexcitabilidade neuromuscular, coma). O diagnóstico, como ocorre nas hiponatremias, somente pode ser confirmado pelo laboratório, que mostra hiperosmolaridade plasmática e hipernatremia. A hipernatremia pode ser quantificada em leve (sódio de 146-150 mEq/l), moderada (151-160 mEq/l) ou grave (acima de 160 mEq/l).

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O tratamento consiste na supressão do fornecimento de sódio ao organismo, bem como na diluição e na eliminação do cátion, principalmente à custa da infusão de soluções glicosadas. B. Potássio. O potássio é íon eminentemente intracelular (98% do total do organismo), com concentrações plasmáticas de 3,5-5,5 mEq/l. 1. Hipopotassemia. As principais causas de hipocapotassemia incluem: vômitos repetidos, diarréia, fístulas entéricas, uso de diuréticos, a diurese osmótica do diabetes melito e/ou a reposição inadequada do cátion. Os sinais e sintomas da hipopotassemia (hiporreflexia, fraqueza muscular, diminuição da peristalse) devem ser analisados à luz da história clínica do doente e/ou do ECG (achatamento ou inversão de ST-T, prolongamento do PRi, presença de onda U, elevação da onda P, alargamento do complexo QRS, arritmias diversas). O tratamento depende da gravidade do distúrbio identificado e das condições do paciente. Nas hipopotassemias moderadas (potássio acima de 2,5 mEq/l), a reposição deve ser feita preferencialmente por via oral, sob a forma de ampolas ou “xaropes” (Quadro 62-8). Nas hipopotassemias graves (potássio abaixo de 2,5 mEq/l), a reposição é por via endovenosa, em um máximo de 40 mEq/l hora, de acordo com a fórmula do Quadro 62-5. 2. Hiperpotassemia. A hiperpotassemia, mais do que a hipopotassemia, é uma emergência médica, geralmente observada em pacientes com déficit de função renal, politraumatizados (principalmente na síndrome de esmagamento), pacientes com acidose metabólica e/ou por iatrogenismo na reposição do potássio. A sintomatologia pouco difere daquela descrita na hipopotassemia. Deste modo, a história clínica, a dosagem plasmática do íon e, especialmente, a interpretação do ECG (onda T “em tenda”, achatamento de P, alargamento progressivo do QRS, até a fibrilação ventricular) são os elementos capazes de decidir o diagnóstico. O tratamento imediato consiste na administração de gluconato ou cloreto de cálcio (Quadro 62-8), na dose média de uma ampola por via endovenosa a cada 15 minutos, na tentativa de reverter a alteração cardíaca-eletrocardiográfica, que pode levar o doente ao óbito. O uso de bicarbonato de sódio deve ser também indicado, principalmente naqueles casos em que coexiste acidose metabólica. Outra medida terapêutica útil, porém com início de efeito mais tardio (cerca de 30 minutos), é o emprego da chamada solução polarizante: 350 ml de SGI + 150 ml de SGH (50%) + 20 unidades de insulina cristalina, para uso endovenoso a 20 gotas/minuto. Essas medidas paliativas são, na maioria das vezes, suficientes para que o médico consiga tempo para a decisão da conduta terapêutica definitiva (escolha do método dialítico a ser utilizado), ou para que o processo patológico de base possa ser revertido. C. Cálcio. A hipocalcemia é o distúrbio mais freqüente entre as alterações do metabolismo do cálcio, tendo como principais causas a hipoalbuminemia e as pancreatites agudas. O tratamento é feito com gluconato de cálcio a 10%, por via endovenosa.

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D. Magnésio. A hipomagnesiemia tem como principais causas: vômitos, diarréias, fístulas digestivas, pancreatites agudas, alcoolismo e cetoacisose diabética. A reposição do magnésio deverá ser proposta quando os níveis séricos estiverem abaixo de 1,8 mEq/l, utilizando-se o sulfato de magnésio a 50% por via endovenosa (2-4 ml). A hipercalcemia e a hipermagnesiemia, sendo raras, não serão aqui abordadas. III. Distúrbios Ácidos-Básicos. O médico deve habituar-se a identificar e tratar os distúrbios do equilíbrio ácido-básico. A história clínica e o exame físico do paciente, precedendo uma gasometria arterial confiável, são indispensáveis para a abordagem terapêutica correta desses distúrbios. O médico deve saber identificar a anormalidade primária, separando-a das respostas compensatórias secundárias. A gasometria arterial (GA) deve ser interpretada de maneira prática e objetiva (Quadro 62-6), utilizada como um elemento de facilitação, e não de complicação diagnóstica. A. Interpretação da gasometria arterial. Todos os dados fornecidos pela GA são obviamente importantes para a interpretação correta do distúrbio ácido-básico (DAB) do paciente. Entretanto, sob o ponto de vista eminentemente prático, podem-se considerar, na maioria das vezes, apenas três das várias medidas fornecidas pela GA; o pH, o pCO2 e o excesso de base (BE), além do pO2, para avaliação dos distúrbios de oxigenação (Quadro 62-7). O pH tem valor diagnóstico e prognóstico. Assim, um pH abaixo de 7,2 em um paciente com quadro de insuficiência respiratória é indicativo de mau prognóstico. Na acidose metabólica, um pH menor do que 7,0 é indicativo de distúrbio mais grave e, portanto, da necessidade de uma abordagem terapêutica mais radical. Sob este mesmo aspecto, a determinação do pH informa sobre as condições do distúrbio presente: DAB compensado (pH normal), parcialmente compensado (pH pouco alterado) ou descompensado (pH nitidamente alterado). A dosagem do BE define o diagnóstico do distúrbio metabólico: BE aumentado na alcalose metabólica, BE diminuído (mais negativo na acidose metabólica). A determinação do pCO2 permite a análise da função respiratória do paciente: aumentada na acidose e diminuída na alcalose respiratória. Os outros valores laboratoriais fornecidos pela GA são úteis como elementos de confrontação e de comprovação da fidelidade do exame que se está interpretando, porém não devem ser considerados como imprescindíveis para o diagnóstico prático dos DABs mais comuns nas urgências médicas. B. DAB específico. Podemos ter quatro tipos de DAB, apesar da infinidade de condições a eles predisponentes: acidose metabólica, alcalose metabólica, acidose respiratória e alcalose respiratória.

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1. Acidose metabólica. As principais condições determinantes de acidose metabólica na prática médica compreendem os estados de má perfusão (choque, sepse, insuficiência cardíaca congestiva, desidratação grave), fístulas pancreáticas e cetoacidose diabética. Portanto, o diagnóstico clínico desses processos patológicos é de fundamental importância para a posterior confirmação diagnóstica através da gasometria arterial: o pH se encontra diminuído, o BE se torna mais negativo, e o pCO2, com mecanismo de compensação, também se mostra diminuído. O pCO2 da redução compensatória da acidose metabólica pode sofrer acentuada redução (10-15 mmHg), enquanto na alcalose respiratória primária ele raramente cai abaixo de 25 mmHg. Alguns tipos de acidose metabólica (acidose lática, cetoacidose diabética, cetoacidose alcoólica, acidose urêmica, acidose induzida por drogas) tendem a se apresentar com ânion gap (AG) abaixo de 12 mEq/l (Quadro 62-8), porque a neutralização de um ácido forte no plasma, como o ácido lático, resultará na formação de ânions. Deste modo, a medida do AG poderá ser útil no diagnóstico diferencial de uma acidose metabólica. O tratamento da acidose metabólica deve ser dirigido para o mecanismo ou doença básica determinante do distúrbio. Porém, as soluções de bicarbonato de sódio a 5 e 8,4% (Quadro 62-8) são habitualmente empregadas para a correção desse DAB, utilizando-se a fórmula: déficit de HCO3 (em mEq) = peso corporal do paciente (em kg) ö 0,3 ö BE. Emprega-se inicialmente a metade do déficit calculado; repete-se a GA 20-40 minutos após, para a definição de novos parâmetros. 2. Alcalose metabólica. A alcalose metabólica é observada nos pacientes que necessitam da utilização prolongada de sonda nasogástrica, naqueles com vômitos repetidos ou em uso de diuréticos. O diagnóstico é confirmado pela constatação da elevação do pH e do BE. A alcalose predispõe a arritmias cardíacas e diminui o débito cardíaco. O tratamento baseia-se no emprego de soluções de cloreto de sódio e de cloreto de potássio, além da atuação médica efetiva sobre o distúrbio subjacente. 3. Acidose respiratória. A acidose respiratória é devida à eliminação inadequada de CO2 pelos pulmões, devido a causas centrais (AVC, intoxicação exógena, comas em geral) ou pulmonares (doença pulmonar obstrutiva crônica, pneumonias, atelectasias, pneumotórax). A GA mostra elevação do pCO2 e diminuição do pH do sangue arterial: pCO2 acima de 60 mmHg e pO2 menor do que 50 mmHg (com pH < 7,35) = insuficiência respiratória. A insuficiência respiratória pode ser dividida em dois tipos básicos: insuficiência respiratória com déficit de oxigênio (tipo I), com pO2 muito baixa e pCO2 normal ou até diminuída, e insuficiência respiratória ventilatória (tipo II), com pO2 diminuída e pCO2 aumentada. A pO2 está diminuída nos dois tipos de insuficiência respiratória. Deste modo, é importante determinar se a hipoxemia é devida à hipoventilação ou a outros mecanismos (“pulmonares-parenquimatosos”). Na hipoventilação, o gradiente alvéolo-arterial de oxigênio, ou seja, a diferença entre a pO2 arterial (PaO2) e a pO2 alveolar (PAO2), deverá 733

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ser menor ou igual a 10 mmHg. Na insuficiência respiratória do tipo I, esse gradiente deverá ser superior a 10 mmHg. O gradiente alvéolo-arterial de O2, representado pela expressão P(A-a)O2, é obtido pela utilização da seguinte fórmula (simplificada), descrita no quadro 62-9, que dependerá apenas do pO2 obtido na gasometria arterial, com o paciente em respiração espontânea: O tratamento consiste na melhora da ventilação alveolar, mesmo que para isso seja necessária a utilização de procedimentos cirúrgicos (traqueostomia) ou de ventilação artificial (respiradores mecânicos). 4. Alcalose respiratória. Este distúrbio ácido-básico é devido à hiperventilação decorrente de causas psicogênicas (as mais comuns), estados hipermetabólicos (febre, tireotoxicose, delirium tremens), sepse, ventilação artificial excessiva e hipoxemia. O paciente pode apresentar-se com tonturas, parestesias, irritabilidade, tetania ou síncope. No tromboembolismo pulmonar, a gasometria arterial tende a mostrar alcalose respiratória (usualmente moderada) com hipoxemia ou, pelo menos, aumento do gradiente alvéoloarterial de oxigênio, contribuindo, assim, para o diagnóstico diferencial da embolia pulmonar com outras doenças. O tratamento é dirigido para o distúrbio subjacente, geralmente não requerendo terapia, ou simplesmente fazendo-se com que o paciente respire o seu próprio ar expirado (em um saco de papel), ou ar atmosférico (quando submetido à ventilação artificial com respiradores mecânicos). 5. Hipoxemia. Pode ser devida a hipoventilação, efeito shunt e/ou desequilíbrio ventilação/perfusão. Na hipoventilação, a diferença entre a pO2 alveolar e a pO2 arterial é normal, fato não observado nos outros dois tipos. Referências 1. Carvalho EB. Distúrbios na composição dos líquidos orgânicos. In: Lopez, M. Emergências Médicas. 4 ed., Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 1984: 338-55. 2. Delmez JA. Fluid and eletrolyte disturbance. In: Campbell JW, Frisse M. Manual of Medical Therapeutics. 24 ed., Boston: Little Brown and Company, 1983: 23-43. 3. Foscarini LG, Pedroso ERP. Distúrbios hidroeletrolíticos e ácidos-básicos. In: López M. Emergências Médicas. 3 ed., Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 1982: 312-38. 4. Goldberger RC. A Printer of Water, Eletrolyte and Acid-Basic Syndromes. 4 ed., Philadelphia: Lea & Febiger, 1970: 436. 5. Lorenzi Fº G et al. Insuficiência respiratória aguda. In: Knobel E. Condutas no Paciente Grave. São Paulo: Ed. Atheneu, 1994: 272-9.

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6. Maxwell MH, Kleeman. 2 ed., Nova York: 1972: 1.164. 7. Shapiro BA, Harrison RA, Walton JR. Clinical Applications of Blood gases. 3 ed., Chicago: Year Book Medical Publishers Inc., 1982: 316. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 63 - Agentes Antimicrobianos Márcio Hamilton Protzner de Oliveira I. Introdução. Os antibióticos são substâncias químicas, naturais ou sintéticas, empregadas no combate às doenças infecciosas, inibindo ou destruindo os microrganismos patogênicos. O uso racional dos antibióticos nas infecções bacterianas requer o isolamento e a determinação da sensibilidade do germe infectante. Entretanto, em se tratando de infecções bacterianas agudas, que colocam em risco a vida do paciente, comumente vistas nos ambulatórios de emergência, o tratamento inicial deve ser baseado na evidência presuntiva do patógeno causador, originada da avaliação clínica do paciente. A base lógica para o início do tratamento empírico apóia-se na avaliação clínica do paciente (história da doença e exame físico meticuloso), nas informações dos exames laboratoriais, na presunção da etiologia bacteriana, no conhecimento da história natural da doença e nos padrões epidemiológicos locais. Este capítulo abordará, de modo sucinto, os princípios gerais para o uso clínico dos antibióticos e as características individuais dos grupos de antibióticos. II. Princípios Gerais. A. O germe. A identificação do germe, como foi mencionado anteriormente, é condição primordial para a utilização racional dos antibióticos. As tentativas para se isolar determinado germe devem ser feitas em bases individuais, dependendo de vários fatores, tais como as condições do hospedeiro, o tempo e a gravidade da infecção e a disponibilidade de recursos propedêuticos. Não se fazendo esta identificação, a presunção etiológica deve ser feita com razoável aproximação, para a seleção do antibiótico mais adequado. O médico deve ter conhecimento de quais germes serão, com probabilidade, encontrados em situações particulares. B. O hospedeiro. O estado fisiológico prévio do hospedeiro e o impacto da agressão infecciosa terão importância óbvia na escolha do antibiótico, da sua via de administração e na rapidez do início desta administração. Inicialmente, a avaliação global do paciente, por meio de uma anamnese criteriosa e de um exame físico meticuloso, permite uma análise básica do estado do hospedeiro, completada posteriormente pelos exames laboratoriais. Deve-se inquirir, nesta avaliação inicial, sobre a presença de doenças consuntivas ou doenças crônicas associadas, uso de drogas imunodepressoras, imunodeficiências, estado nutricional e gravidez, alterações que influenciam na dosagem e muitas vezes na própria escolha dos antibióticos. A presença de insuficiência renal ou hepática também influencia na dose e na escolha do antibiótico. É necessário que o médico tenha sempre em mente que o uso dos antibióticos não é curativo por si próprio. C. Métodos propedêuticos. O tratamento com antibióticos deve, sempre que possível, iniciar-se somente após a determinação do germe infectante. Muitas vezes, por ser o quadro 736

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clínico tão distinto e a sensibilidade do germe tão previsível, o tratamento empírico é seguido de êxito. Outras vezes, a urgência em se iniciar o tratamento impede que se esperem a identificação e a determinação da sensibilidade do germe infectante ao antibiótico. Mas, mesmo nestes casos, deve-se obter material para exames e culturas antes do início da terapêutica antimicrobiana. Em outras situações, a ausência de recursos propedêuticos obriga o médico a iniciar o tratamento antimicrobiano empiricamente. O diagnóstico etiológico de uma infecção pode ser conseguido basicamente de duas maneiras: demonstrando o germe infectante diretamente ao microscópio, através de coloração adequada ou por cultivo; ou demonstrando-o indiretamente, através de antígenos do germe ou de anticorpos por métodos laboratoriais sorológicos. O resultado dos exames laboratoriais permite o diagnóstico etiológico da infecção e, muitas vezes, a seleção precisa do antibiótico e das suas dosagens. Deve-se ter sempre em mente que a utilização eficiente de um laboratório de microbiologia fundamenta-se em três fatores: adequada obtenção, transporte e processamento das amostras para identificação dos germes; proporcionar informações fidedignas do quadro clínico ao laboratório, além de adequada e judiciosa interpretação dos resultados laboratoriais, que devem ser analisados à luz da evolução do quadro clínico do paciente. D. O antibiótico. O antibiótico a ser empregado em determinada infecção deve ser sempre aquele ao qual o germe é sensível, ou seja, deve-se respeitar a sua especificidade. Além deste fator primordial, outros fatores precisam ser considerados, tais como: efeitos colaterais, vias de administração, penetração e ação da droga no local da infecção, alergias do hospedeiro, custo do antibiótico. Portanto, exige-se do médico, para uso correto destes antibióticos, um conhecimento teórico mínimo das doses terapêuticas, do intervalo entre estas doses, das vias de administração, do mecanismo de ação, do metabolismo, da excreção, da toxicidade e dos efeitos colaterais e das interações medicamentosas. E. Associação de antibióticos. Sempre que possível, deve ser prescrito um só antibiótico para o tratamento de determinada infecção. Entretanto, a associação de antibióticos pode ser necessária ou mesmo imprescindível. As ocasiões em que se usa a combinação de dois ou mais antibióticos são: (a) infecções bacterianas mistas; (b) sinergismo de ação contra o organismo causador; (c) evitar ou retardar o aparecimento de resistência bacteriana em tratamentos prolongados; (d) diminuir a toxicidade do antibiótico mais eficaz; (e) impedir a inativação do antibiótico mais eficaz; (f) tratamento de infecções graves de etiologia desconhecida. Podemos citar como desvantagens da associação de antibióticos: antagonismo entre dois antibióticos; acentuada alteração da flora normal, levando à possibilidade de surgimento de superinfecções com patógenos resistentes; interações farmacológicas adversas entre os antibióticos; aumento dos efeitos colaterais e aumento dos custos do tratamento, sem benefício para o paciente. F. Resistência aos antibióticos. Bactéria resistente é aquela que tem a capacidade de crescer na presença de concentração sangüínea adequada de determinado antibiótico. A resistência pode ser natural, quando é regularmente observada em determinada espécie bacteriana, fazendo parte de suas características biológicas primitivas; ou adquirida, que surge em uma bactéria primitivamente sensível a um dado antibiótico.

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As bactérias podem apresentar resistência aos antibióticos por diversos mecanismos: os germes produzem enzimas que destroem o antibiótico; alteram sua permeabilidade à droga; desenvolvem uma alteração estrutural no receptor ao antibiótico; desenvolvem uma via metabólica alternativa, que contorna a reação inibida pelo antibiótico. Os dois principais mecanismos para transmissão da resistência bacteriana são transdução, que envolve a participação virótica na carreação de pequenos fragmentos de ácidos nucléicos responsáveis pela resistência entre as bactérias, e a conjugação, quando há troca de material genético entre as bactérias. G. Uso profilático dos antibióticos. A profilaxia antibiótica ainda é um assunto complexo e controverso. As indicações estão geralmente limitadas a: (a) proteção de pessoas hígidas contra a contaminação a germes específicos a que estiveram ou estejam expostas; (b) prevenção de doenças bacterianas em doenças agudas graves, geralmente de origem virótica; (c) redução do risco de infecções bacterianas em pacientes portadores de doenças crônicas consuntivas, imunodeprimidos ou em uso de drogas imunodepressoras; (d) inibição da disseminação de uma doença bacteriana a partir de áreas limitadas e prevenção da infecção após trauma cirúrgico. Algumas normas básicas devem ser seguidas ao se instituir a profilaxia antimicrobiana: conhecer o germe potencialmente causador da infecção e seu padrão de sensibilidade; iniciar a administração do antibiótico antes do surgimento da infecção; tentar administrar antibiótico diferente daquele que será usado caso se desenvolva a infecção; usar, quando possível, por curtos períodos; usar antibióticos bactericidas e que tenham poucos efeitos colaterais; preferir antibióticos de baixo custo. H. Causas do insucesso terapêutico. Ocasionalmente não existirá uma resposta adequada do hospedeiro aos antibióticos utilizados Dever-se-á, então, pensar nas seguintes causas para o insucesso: (a) diagnóstico incorreto de infecção, com o uso de antibióticos nas viroses ou em febres de etiologia a esclarecer, nem sempre de origem infecciosa bacteriana; (b) uso incorreto do antibiótico, podendo haver erro na sua escolha, na dose, nos intervalos entre as doses ou com via de administração inadequada; (c) incapacidade do antibiótico em atingir o foco infeccioso, por má irrigação sangüínea ou por presença de corpos estranhos; (d) inativação do antibiótico por interação medicamentosa, por ação de fatores ambientais ou por má-absorção; (e) surgimento de resistência bacteriana: (f) incapacidade do hospedeiro, pela própria evolução da doença ou do quadro clínico, em reagir, mesmo com o uso adequado do antibiótico. III. Antibióticos. A. Penicilinas 1 Classificação a. Naturais: penicilina G, procaína e benzatina; penicilina V; fenoximetilpenicilina.

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b. Semi-sintéticas: (a) sensíveis à penicilinase: ampicilina, amoxicilina, carbenicilina, piperacilina; (b) resistentes à penicilinase: oxacilina, cloxacilina, dicloxacilina, amoxicilina/clavulanato. 2. Mecanismo de ação. As penicilinas, antibióticos bactericidas, atuam inibindo seletivamente a síntese do mucopeptídeo da parede celular bacteriana, na terceira etapa de sua formação, causando a lise osmótica das bactérias. Portanto, a ação ocorre nas bactérias em crescimento, não sendo boa medida associá-la a agentes bacteriostáticos. O clavulanato é um produto natural de estrutura similar à da penicilina, que atua bloqueando a degradação da amoxicilina pela penicilinase; possui ação antibacteriana desprezível. 3. Farmacologia. As penicilinas naturais, à exceção da fenoximetilpenicilina e da penicilina V, são ácido-lábeis e, portanto, não são absorvidas pela VO, assim como a penicilina antipseudomonas (carbenicilina). Já as penicilinas semi-sintéticas, tanto as sensíveis como as resistentes à penicilinase, são absorvidas pela VO e, portanto, são ácido-resistentes. Após a absorção, de acordo com a sua estabilidade em meio ácido, são metabolizadas em grau mínimo e excretadas rapidamente na urina por secreção tubular. Em caso de insuficiência renal, são necessários ajustes nas dosagens da maioria das penicilinas. 4. Espectro de ação a. Penicilina G. Atua contra cocos gram-positivos (exceto os produtores de penicilinase), cocos gram-negativos (exceto as enterobactérias), anaeróbios (exceto Bacteroides fragilis), espiroquetas e fusoespiroquetas. b. Fenoximetilpenicilina. Semelhante ao da penicilina G. c. Ampicilina e amoxicilina. Atuam contra cocos gram-positivos (exceto os produtores de penicilinase), cocos gram-negativos, bastonetes gram-negativos e gram-positivos (Listeria monocytogenes). d. Carbenicilina. Atua contra bastonetes gram-negativos (Proteus e Pseudomonas). e. Penicilinas resistentes à penicilinase. Atuam contra cocos gram-positivos, principalmente estafilococos produtores de penicilinase. f. Piperacilina. Atua contra bastonetes gram-negativos (Proteus e Pseudomonas). g. Ticarcilina. Atua contra cocos gram-positivos, bastonetes gram-negativos, cocos gramnegativos, anaeróbios. 5. Administração e dosagens a. Penicilina cristalina (Penicilina G Potássica®) — EV, 20.000 a 50.000 U/kg/dia em quatro a seis doses. b. Penicilina procaína (Despacilina®) — IM, 200.000 a 400.000 U de 12/12 horas. 739

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c. Penicilina benzatina (Benzetacil®) — IM, 600.000 a 2.400.000 U, com 15 a 30 dias de intervalo. d. Fenoximetilpenicilina (Pen-Ve-Oral®) — VO, 25.000 a 90.000 U/kg/dia em quatro a seis doses. e. Ampicilina (Binotal®) — VO, 2 a 4 g/dia em quatro doses — vias IM e EV, 2 a 8 g/dia em quatro doses. f. Amoxicilina (Amoxil®) — VO, 25 a 50 mg/kg/dia em três doses. g. Carbenicilina (Carbenicilina®) — EV, 4 a 40 g/dia em oito a 12 doses. h. Oxacilina (Staficilin-N®) — EV, 2 a 8 g/dia em quatro doses. i. Amoxicilina/clavulanato (Clavulin®) — VO, 25 a 50 mg/kg/dia em três doses. j. Piperacilina (Tazocin®) — IM e EV, 1 a 2 g a cada seis a oito horas. l. Ticarcilina/clavunanato (Timetin®) — EV, 3 g a cada quatro a seis horas. 6. Interações medicamentosas: heparina, anticoagulantes orais, betabloqueadores e anticoncepcionais orais. 7. Efeitos adversos. As mais graves reações são devidas à hipersensibilidade, principalmente com o uso das penicilinas naturais. Pode ocorrer desde discreto prurido até anafilaxia. Descreve-se ainda a ocorrência de sintomas gastrointestinais, anemia hemolítica e irritação do SNC. Devem-se observar cuidados, no uso da penicilina G e carbenicilina, em pacientes portadores de insuficiência renal e de distúrbios cardiovasculares, devido às grandes quantidades de potássio e sódio respectivamente injetadas. B. Cefalosporinas 1. Classificação. As cefalosporinas, antibióticos bactericidas, são classificadas, de acordo com o seu aparecimento cronológico e espectro bacteriano, em cefalosporinas de primeira, segunda, terceira ou quarta geração. As de terceira e quarta gerações diferem das demais pelo seus maiores espectros de ação, atividade terapêutica mais efetiva, farmacocinética diferenciada e custo mais elevado. a. Primeira geração: cefalotina (Keflin®), cefalexina (Keflex®), cefazolina (Kefazol®), cefadroxil (Cefamox®), cefaclor (Ceclor®). b. Segunda geração: cefoxitina (Mefoxin®), cefuroxima axetil (Zinnat®), cefuroxima (Zinacef®).

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c. Terceira geração: cefotaxima (Claforan®), cefoperazona (Cefobid®), ceftazidima (Fortaz®), ceftriaxona (Rocefin®), cefixima (Plenax®), cefetamet pivoxil (Globocef®), cefodizima (Timecef®). d. Quarta geração: cefepima (Maxcef®), cefpiroma (Cefrom®). As cefalosporinas de segunda geração são caracterizadas por maior resistência à degradação pelas betalactamases das bactérias gram-negativas; portanto, têm maior espectro de ação. As de terceira geração apresentam vantagens de maior atividade antimicrobiana em concentrações menores, precisando de intervalos menores entre as doses, além de sua relativa estabilidade contra os produtores de betalactamases. As cefalosporinas de quarta geração apresentam espectro mais amplo de atividade antibacteriana e são menos sensíveis à hidrólise por algumas betalactamases do que as de terceira geração. 2. Mecanismo de ação. As cefalosporinas têm mecanismo de ação semelhante ao das penicilinas, inibindo seletivamente a síntese do mucopeptídeo da parede celular de bactérias em fase de multplicação. 3. Farmacologia. Após a administração oral ou parenteral, as cefalosporinas difundem-se por todo o organismo, à exceção das meninges, sendo pequena a sua concentração no liquor, fato este que, entretanto, não ocorre com as cefalosporinas de terceira e quarta gerações. A eliminação ocorre por via renal, tanto por filtração glomerular quanto por excreção glomerular, em grande proporção na forma ativa, já que as cefalosporinas sofrem metabolização mínima no fígado. São necessários, apesar de sua baixa toxicidade, ajustes nas doses em casos de insuficiência renal. 4. Espectro de Ação. As cefalosporinas são ativas contra os cocos gram-positivos, sendo que as de terceira e quarta gerações atuam contra estafilococos produtores de penicilinase. Atuam ainda contra os anaeróbios, exceto o B. fragilis. As cefalosporinas ampliam sua atividade contra germes gram-negativos, quando progridem da primeira para a quarta geração, reduzindo, entretanto, a atividade contra germes gram-positivos. As cefalosporinas de terceira e quarta gerações agem contra P. aeruginosa. 5. Administração e dosagens. Algumas cefalosporinas de primeira e segunda gerações (cefalexina, cefradoxil, cefaclor, cefuroxima axetil) são de uso oral, com doses usais de 1 a 6 g/dia, a intervalos de 4 a 12 horas. Outras apresentam uso exclusivamente endovenoso ou intramuscular (cefalotina, cefazolina, cefoxitina, cefuroxima) com doses de 2 a 8 g/dia e intervalo entre as doses variando de quatro a seis horas. À exceção da cefixima, com dose única diária de 100 a 400 mg, e do cefetamet pivoxil, com dose diária de 1 g em intervalos de 12 horas, ambas de uso oral, todas as outras cefalosporinas de terceira geração são de uso parenteral, com doses variando de 1 a 4 g/dia e intervalo entre as doses de 6 a 24 horas. As cefalosporinas de quarta geração são para uso endovenoso ou intramuscular, com intervalo de 12 horas entre as doses. 6. Interações medicamentosas: diuréticos, probenicida e aminoglicosídeos.

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7. Efeitos adversos. Podem ocorrer fenômenos de hipersensibilidade, inclusive cruzados com a penicilina. São freqüentes os sintomas gastrointestinais e a ocorrência de tromboflebites, quando do uso endovenoso. Alterações hematopoiéticas são também descritas. C. Tetraciclinas 1. Classificação. As tetraciclinas são antibióticos bacteriostáticos, classificados em: a. Primeira geração (ação curta): tetraciclina (Tetrex®) e oxitetraciclina (Terramicina®). b. Segunda geração (longa ação): doxiciclina (Vibramicina®); minociclina (Minomax®). As tetraciclinas de segunda geração são classificadas como de longa ação porque requerem intervalos maiores entre as doses. Elas ainda apresentam maior poder de penetração nos tecidos corporais, devido à sua maior lipossolubilidade. 2. Mecanismo de ação. As tetraciclinas atuam impedindo a síntese protéica ao inibirem a ligação do complexo aminoácido RNA-t aos ribossomos. 3. Farmacologia. As tetraciclinas são absorvidas pelo trato gastrointestinal de forma incompleta. Tendem a se precipitar em meios neutros e alcalinos, formando quelatos na presença de íons metálicos de cálcio e magnésio e inativando a sua ação. Difundem-se por todo o organismo e são eliminadas no leite materno. Apresentam baixas concentrações no tecido cerebral e no liquor. As tetraciclinas são eliminadas por via renal na forma ativa, provavelmente por filtração glomerular; são ainda concentradas no fígado e eliminadas por via biliar na forma inativa. À exceção da doxiciclina, as tetraciclinas necessitam de ajustes nas dosagens, quando utilizadas em portadores de insuficiência renal. 4. Espectro de ação. As tetraciclinas apresentam amplo espectro de ação, agindo contra bactérias gram-positivas, gram-negativas, rickétsias, espiroquetas, micoplasmas, clamídias, e alguns vírus, além de certos protozoários. 5. Administração e dosagens. O uso das tetraciclinas é predominantemente oral. Nas de primeira geração as doses variam de 1 a 2 g/dia, com intervalo de seis a oito horas. Nas de segunda geração, as doses variam de 100 a 200 mg/dia, em intervalos de 12 a 24 horas. A única de uso intramuscular é a oxitetraciclina. 6. Interações medicamentosas: anticoagulantes orais, heparina, anticoncepcionais orais, antiácidos, digoxina e teofilina. 7. Efeitos adversos. As tetraciclinas são contra-indicadas em gestantes, devido à possibilidade de ocorrerem lesões hepáticas graves, e em nutrizes e crianças, devido à sua deposição óssea, com a ocorrência de deformidades ósseas e do esmalte dentário, com hipoplasia secundária. Podem ocorrer ainda: sintomas gastrointestinais, superinfecções, reações fototóxicas e nefrotoxicidade.

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D. Aminoglicosídeos 1. Classificação. Os aminoglicosídeos fazem parte de um grupo de antibióticos com características semelhantes, geralmente bactericidas, variando entre si na eficácia clínica e no grau de toxicidade. 2. Mecanismo de ação. Agem inibindo a síntese das proteínas bacterianas, atuando diretamente nas unidades ribossômicas bacterianas 30S. 3. Farmacologia. Os aminoglicosídeos são fracamente absorvidos por VO, não sendo, entretanto inativados pelo suco gástrico, agindo, portanto, sobre as bactérias do tubo digestivo. Usualmente a via de administração é a intramuscular, podendo ser ainda utilizada, em casos selecionados, a via endovenosa. Os aminoglicosídeos são eliminados pelos rins, na forma ativa, já que não sofrem metabolização, através de filtração glomerular. A dose deve ser ajustada sempre que forem utilizados em pacientes com insuficiência renal. 4. Espectro de ação. Os aminoglicosídeos são ativos contra a maioria das bactérias gramnegativas aeróbias. A estreptomicina é especificamente usada no tratamento da tuberculose. Cepas de estafilococos produtores de betalactamase são geralmente sensíveis aos aminoglicosídeos. 5. Administração e dosagens a. Estreptomicina — IM, 1 a 2 g/dia de 12 a 24 horas. b. Gentamicina (Garamicina®) — IM, 3 a 5 mg/kg/dia em três doses. c. Amicacina (Novamin®) — IM, 15 mg/kg/dia em duas doses. d. Tobramicina (Tobramina®) — IM, 3 a 4 mg/kg/dia em três doses. e. Netilmicina (Netromicina®) — IM, 6 a 9 mg/kg/dia em duas ou três doses. f. Espectinomicina (Trobicin®) — IM, 2 g em uma ou duas doses/dia. g. Neomicina — usado por VO para esterilização da flora intestinal, na dose de 2 a 8 g/dia. 6. Interações medicamentosas: anticoagulantes orais, diuréticos e hipnoanalgésicos. 7. Efeitos adversos. O efeito adverso mais grave e mais freqüente dos aminoglicosídeos ocorre sobre o VIII par craniano, principalmente sobre a função vestibular. Podem ocorrer ainda: nefrotoxicidade, reações de hipersensibilidade, bloqueio neuromuscular (sinergismo com o uso de curare) e superinfecções. E. Cloranfenicol

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1. Classificação. O cloranfenicol e seu derivado sintético tianfenicol são antibióticos de amplo espectro, bacteriostáticos, podendo ser bactericidas quando usados em altas concentrações. 2. Mecanismo de ação. O cloranfenicol se liga à subunidade 50S do ribossomo bacteriano, inibindo a síntese protéica bacteriana. 3. Farmacologia. O cloranfenicol, ao contrário do tianfenicol, não deve ser administrado por via intramuscular, já que não ocorre a ativação da droga, devido à hidrólise incompleta do ácido succínico. Ele se distribui por todo o organismo, alcançando níveis elevados no liquor e no tecido cerebral. Atravessa a barreira placentária, alcançando níveis elevados no feto. O cloranfenicol sofre metabolização hepática e é eliminado sob a forma inativa por via renal. O tianfenicol é eliminado por via renal na forma ativa, já que não sofre metabolização hepática. É necessário o ajuste na dosagem do tianfenicol em pacientes com insuficiência renal, e o cloranfenicol deve ser empregado com cautela nos pacientes com insuficiência hepática. 4. Espectro de ação. Possui amplo espectro de ação, atuando contra bactérias gramnegativas, gram-positivas, anaeróbios, inclusive o B. fragilis, rickétsias e clamídias. 5. Administração e dosagens. O cloranfenicol (Sintomicetina®) é usado por VO ou endovenosa, na dose de 1 a 4 g/dia a intervalos de seis horas. O tianfenicol (Glitisol®) pode ser usado por VO, intramuscular ou endovenosa, na dosagem de 25 a 50 mg/kg/dia em duas ou três doses. 6. Interações medicamentosas: anticoncepcionais, hidantoína, cumarínicos, rifampicina e hipoglicemiantes orais. 7. Efeitos adversos. Os mais graves efeitos adversos devido ao uso do cloranfenicol ocorrem no sistema hematológico, podendo surgir anemia aplásica, trombocitopenia e granulocitopenia, nem sempre relacionadas com a dose. Não deve ser usado em récemnascidos, já que eles não conseguem, por imaturidade hepática, conjugar a medicação, desenvolvendo a toxicidade (síndrome cinzenta). São descritos ainda sintomas gastrointestinais e manifestações alérgicas. F. Eritromicina 1. Classificação. A eritromicina e drogas correlatas são antibióticos bacteriostáticos, pertencentes ao grupo dos macrolídeos. 2. Mecanismo de ação. Os macrolídeos agem ao nível das subunidades ribossômicas 50S bacterianas, inibindo a síntese das proteínas RNA-dependentes. 3. Farmacologia. Os macrolídeos são antibióticos de uso exclusivamente oral. Os níveis séricos obtidos após a administração oral acham-se relacionados com vários fatores, entre eles a estrutura física do sal, a cobertura externa do comprimido e a presença de alimentos no estômago. Os macrolídeos são captados pelo fígado, onde sofrem metabolização parcial, 744

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sendo eliminados pela bile. Existe excreção renal de pequenas porções dos macrolídeos. São necessárias alterações de dosagens para a maioria dos macrolídeos, tanto na insuficiência renal, quanto na hepática. 4. Espectro de ação. Os macrolídeos agem contra cocos gram-positivos e gram-negativos, clamídias, micoplasmas e legionelas, além do Toxoplasma gondii. 5. Administração e dosagens a. Eritromicina — estearato (Pantomicina®) — VO, com doses variando de 0,5 a 2 g/dia, em duas a quatro doses. Eritromicina — estolato (Eritrex®) — VO, com doses variando de 0,5 a 2 g/dia, em duas a quatro doses. b. Roxitromicina (Rotram®) — VO, 100 a 300 mg, uma ou duas vezes ao dia. c. Claritromicina (Klaricid®) — VO, 250 a 500 mg, duas vezes ao dia. d. Azitromicina (Zitromax®) — VO, 500 mg/dia, em dose única. e. Diritromicina (Dynabac®) — VO, 500 mg/dia, em dose única. f. Espiramicina (Rovamicina®) — VO, 1 g, três vezes ao dia. g. Miocamicina (Midecamin®) — VO, 30 mg/kg/dia, em duas doses. 6. Interações medicamentosas: digoxina, teofilina, cumarínicos, alcalóides do ergot, carbamazepina e anticoncepcionais orais. 7. Efeitos adversos. Os macrolídeos são praticamente isentos de efeitos colaterais; o mais grave é a hepatite colestática, enquanto os mais freqüentes são os sintomas gastrointestinais. G. Lincomicina e clindamicina 1. Classificação. A lincomicina e seu derivado químico, a clindamicina, são antibióticos bacteriostáticos, podendo, entretanto, em altas concentrações, ter ação bactericida. 2. Mecanismo de ação. O mecanismo de ação das lincomicinas é semelhante ao dos macrolídeos, inibindo a síntese das proteínas bacterianas através da ligação às subunidades 50S dos ribossomos bacterianos. 3. Farmacologia. A clindamicina difere da lincomicina por apresentar melhor absorção oral e menor incidência de efeitos colaterais. Ambas são disponíveis para uso parenteral. Sofrem metabolização hepática e apenas pequena porção dos compostos, na forma ativa, é

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excretada por via renal. Os produtos do metabolismo hepático são eliminados por vias renal e biliar. As dosagens devem ser ajustadas em casos de insuficiência hepática e renal. 4. Espectro de ação. Atuam principalmente contra cocos gram-positivos, inclusive com boa ação contra estafilococos produtores de penicilinase. Atuam sobre praticamente todos os anaeróbios, inclusive Clostridium e Bacteroides. 5. Administração e dosagens a. Lincomicina (Frademicina®) — VO, 2 a 4 g/dia, em três a quatro doses; IM e EV, 0,6 a 4 g/dia, em duas ou três doses. b. Clindamicina (Dalacin C®) — VO, 0,6 a 1,2 g/dia, em quatro doses; IM e EV, 0,6 a 4,8 g/dia em duas a quatro doses. 6. Interações medicamentosas: anestésicos inalantes, hipnoanalgésicos e antidiarréicos. 7. Efeitos adversos. A diarréia, muitas vezes associada à colite pseudomembranosa, é o seu efeito adverso mais significativo. Podem ocorrer ainda: hipersensibilidade, alterações hematopoiéticas e alterações das provas de função hepática. H. Metronidazol 1. Classificação. O metronidazol é um antimicrobiano bactericida do grupo dos compostos nitroimidazólicos. 2. Mecanismo de ação. A ação do metronidazol ocorre através de lesões bioquímicas sobre a molécula do DNA bacteriano, provenientes de metabólitos intracelulares da degradação do metronidazol. 3. Farmacologia. O metronidazol (Flagyl®) é utilizado tanto por via oral quanto endovenosa. Distribui-se por todo o organismo, alcançando níveis significativos no tecido cerebral, em abscessos e nos ossos. Sofre metabolização hepática, sendo eliminado tanto por via renal quanto biliar. Há necessidade de ajustes nas doses, quando for usado em pacientes com insuficiência hepática. 4. Espectro de ação. O metronidazol possui grande eficácia contra as bactérias anaeróbias obrigatórias, agindo pouco contra os aeróbios e anaeróbios facultativos. É ainda ativo contra protozoários. 5. Administração e dosagens a. Uso endovenoso — dose de ataque, 15 mg/kg; dose de manutenção, 7,5 mg/kg a cada seis horas. b. Uso oral — 750 mg a 1 g/dia em três doses.

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6. Interações medicamentosas: álcool, cumarínicos, cimetidina e anticonvulsivantes. 7. Efeitos adversos. Os efeitos adversos mais significativos relacionam-se com o sistema digestivo, podendo surgir anorexia, náuseas e vômitos. Relata-se ainda a ocorrência de neutropenia transitória e de sintomas neurológicos (ataxia e parestesias), também transitórios. O metronidazol aumenta o efeito do warfarin sódico, necessitando-se de ajustes na dose deste último, durante o uso concomitante. Quando utilizados com bebidas alcoólicas, podem produzir efeito antabuse. I. Aztreonam 1. Classificação. O aztreonam é um antimicrobiano sintético, monobactâmico, bactericida, diferente dos outros betalactâmicos por não ter um anel fundido ao anel betalactâmico. 2. Mecanismo de ação. Atua sobre a síntese da parede celular bacteriana, inibindo a sua formação através da ligação com a proteína fixadora de penicilina número 3 (PBP3). Atua de maneira semelhante às cefalosporinas. 3. Farmacologia. O aztreonam é de uso exclusivamente parenteral, por não ser absorvido por via oral. A absorção pela via intramuscular é semelhante à absorção pela via endovenosa, com o medicamento se distribuindo rápida e amplamente pelos tecidos corporais, inclusive no liquor. É eliminado, predominantemente, de modo inalterado pela via renal, através de filtração glomerular e secreção tubular. Pequenas quantidades são eliminadas pelas fezes. 4. Espectro de ação. O aztreonam atua contra as bactérias gram-negativas aeróbicas. 5. Administração e dosagens. A dose do aztreonam (Azactam®) varia de 1 a 8 g/dia, em duas a quatro doses. Usualmente, utiliza-se 1 g a cada oito horas. 6. Interações medicamentosas. Incompatível com metronidazol e com a vancomicina, quando diluídos no mesmo frasco. 7. Efeitos adversos. São descritos: sintomas gastrointestinais, reações dermatológicas, flebites nos locais da aplicação endovenosa e superinfecções por bactérias gram-positivas. O uso do aztreonam não é recomendado às grávidas e nutrizes. São necessários ajustes nas dosagens, quando utilizados em pacientes com insuficiência renal ou hepática. J. Imipenem 1. Classificação. O imipenem, antibiótico bactericida, congênere sintético da tienamicina, pertence ao grupo dos cabapenens, nova classe de antibióticos, que apresenta grande semelhança com a estrutura betalactâmica convencional. 2. Mecanismo de ação. Atua sobre as PBP (proteínas conjugadoras de penicilina) das bactérias, interferindo na síntese da parede bacteriana.

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3. Farmacologia. O imipenem é de uso exclusivamente endovenoso. Possui baixa ligação protéica, estando disponível em grande parte para a ação terapêutica. Devido ao intenso metabolismo sofrido no organismo, ele é administrado com a cilastatina, um inibidor específico da desidropeptidase I, bloqueando o metabolismo do imipenem. A eliminação se dá por via renal, e são necessários ajustes nas doses quando ele é usado em paciente com insuficiência renal. 4. Espectro de ação. O imipenem atua contra bactérias gram-positivas e gram-negativas aeróbicas e anaeróbicas. O estafilococo resistente à meticilina é geralmente resistente ao imipenem. 5. Administração e dosagens. A dose diária do imipenem (Tienam®) é de 1 a 2 g, podendo, entretanto, em casos graves, chegar a 4 g, infundidos endovenosamente. O uso do imipenem não está recomendado para menores de 12 anos. 6. Interações medicamentosas. A administração concomitante de outro antibiótico deve ser feita em local diferente. 7. Efeitos adversos. O uso do imipenem pode provocar efeitos adversos de pequena intensidade e semelhantes aos do grupo betalactâmico. Eles incluem náuseas, vômitos, diarréia, flebite no local da infusão, exantema, febre e convulsões. L. Quinolonas 1. Classificação. As quinolonas estruturalmente ao ácido nalidíxico.

são

antimicrobianos

bactericidas

relacionados

2. Mecanismo de ação. As quinolonas atuam sobre a enzima DNA-girase, bloqueando-a, induzindo rompimentos na cadeia de DNA das bactérias e destruindo-as. 3. Farmacologia. As quinolonas podem ser administradas por via oral, sendo absorvidas em graus variáveis, ou por infusão venosa. A concentração sérica máxima é atingida em duas horas, mantendo níveis plasmáticos ativos durante até 24 horas. Apresentam mínima ligação às proteínas séricas e, quando administradas em doses terapêuticas, não se acumulam no organismo. As quinolonas são eliminadas principalmente por via renal, na forma ativa. As doses devem ser ajustadas em casos de insuficiência renal. 4. Espectro de ação. As quinolonas inativam praticamente todas as enterobactérias. Possuem ação variável contra Pseudomonas e contra cocos gram-positivos. Apresentam ação fraca contra os bacteróides. 5. Administração e dosagens a. Norfloxacino (Floxacin®) — VO, na dose de 800 mg/dia a intervalos de 12 horas. b. Ciprofloxacino (Cipro®) — VO, na dose de 0,5 a 1,5 g/dia, em intervalos de 12 horas; EV, na dose de 200 a 400 mg/dia, a intervalos de 12 horas. 748

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c. Ofloxacino (Floxstat®) — VO, na dose de 400 a 800 mg/dia, a intervalos de 12 horas. d. Perfloxacino (Peflacin®) — VO e EV, na dose de 800 mg/dia, a intervalos de 12 horas. e. Lomefloxacino (Maxaquin®) — VO, em dose única diária de 400 mg. f. Levofloxacina (Tavanic®) — VO e EV, em doses de 250 mg a 1 g/dia, uma ou duas doses. 6. Interações medicamentosas: teofilina, antiácidos e hipoglicemiantes orais. 7. Efeitos adversos. As quinolonas apresentam baixa incidência de efeitos colaterais. Estes, geralmente, estão relacionados ao sistema gastrointestinal e ao SNC. Podem levar a alterações das provas de função hepática. Não é recomendado o uso das quinolonas em grávidas e crianças. M. Vancomicina e teicoplanina 1. Classificação. Pertencem ao grupo dos antibióticos glicopeptídeos. 2. Mecanismo de ação. A vancomicina e a teicoplanina agem na segunda etapa da síntese da parede celular bacteriana, interferindo na produção do glicopeptídeo. Atuam ainda sobre a membrana celular bacteriana e são capazes de inibir a síntese do DNA do microrganismo sensível. 3. Farmacologia. A vancomicina é utilizada por via endovenosa; entretanto, por não ser destruída pelo suco gástrico e nem absorvida pela via oral, é também utilizada no tratamento de colite pseudomembranosa devido ao Clostridium difficile. Já a teicoplanina tem utilização exclusivamente parenteral, seja endovenosa ou intramuscular. Distribuem-se por todo o organismo, à exceção da bile. São eliminadas, na forma ativa, por via renal, através de filtração glomerular. Devem ser feitos ajustes nas doses, quando empregadas em pacientes com insuficiência renal. 4. Espectro de ação. Agem contra bactérias gram-positivas, inclusive estafilococos meticilina-resistentes, estreptococos, enterococos e difteróides, à exceção do Clostridium diphteriae. 5. Administração e dosagens a. Vancomicina (Vancocina®) — EV, crianças na dose de 30 mg/kg/dia, em duas a quatro vezes, e adultos na dose de 2 g/dia em quatro vezes; VO, em casos de colite pseudomembranosa, na dose de 500 mg de 6/6 horas. b. Teicoplanina (Targocid®) — EV e IM, na dose de: crianças, 6 mg/kg a cada 12 horas; adultos, 400 mg inicialmente e posteriormente 200 mg/dia, em dose única.

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6. Interações medicamentosas: aminoglicosídeos.

anti-histamínicos,

salicilatos,

furosemida

e

7. Efeitos adversos. A vancomicina e a teicoplanina, quando administradas em alta concentração ou rapidamente, produzem a “síndrome do paciente vermelho”, uma reação de hipersensibilidade e hipotensão. Relatam-se ainda nefro e ototoxicidade, neutropenia e flebite no local da infusão. N. Sulfametoxazol-trimetoprim 1. Classificação. As sulfas, de acordo com as variações dos radicais no grupo NH2, apresentam características diferentes quanto ao tempo de ação, à solubilidade e à disponibilidade e, portanto, têm diferenças na farmacocinética. O trimetoprim é utilizado na proporção fixa de 1:5, considerada ótima para o sinergismo entre as duas drogas. 2. Mecanismo de ação. Ainda é desconhecido o modo preciso de ação das sulfas, porém elas agem interferindo na síntese dos folatos pelas bactérias, ação semelhante à do trimetoprim. 3. Farmacologia. A combinação sulfametoxazol-trimetoprim é utilizada tanto por via oral quanto parenteral. São encontradas concentrações elevadas nos rins e pulmões. A sulfametoxazol é eliminada, na forma acetilada, por via renal; entretanto, aproximadamente 30% são eliminados na forma ativa. O trimetoprim é eliminado na mesma proporção, na forma ativa e metabólitos, por via urinária. São necessárias alterações nas dosagens, quando empregados em pacientes com insuficiência renal. 4. Espectro de ação. Os bacilos e cocos gram-negativos são constantemente sensíveis à ação desta combinação. Existe sensibilidade variável dos cocos gram-positivos. As bactérias anaeróbias são resistentes. 5. Administração e dosagens. As formulações químicas da combinação sulfametoxazoltrimetoprim (Bactrim®) guardam a proporção de 400 mg de sulfametoxazol para 80 mg de trimetoprim. a. Uso oral — doses de 1,6 g de sulfametoxazol e de 0,32 g de trimetoprim por dia, a intervalos de 12 horas. b. Uso intramuscular — mesma dose e posologia da via oral. c. Uso endovenoso — as doses variam de uma a duas vezes a dose oral em intervalos de 12 horas. 6. Interações medicamentosas: hipoglicemiantes orais e cumarínicos. 7. Efeitos adversos. Podem ocorrer reações de hipersensibilidade, sintomas gastrointestinais e alterações hematopoiéticas.

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Referências 1. Cunha BA. Terapia antimicrobiana. Clín Méd Amér Norte. Rio de janeiro: Ed. Interlivros, 1995. 2. Korolkovas A. Dicionário Terapêutico Guanabara. ed. 1996/1997, Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan S.A., 1996. 3. Pinto CAG. In: Rocha MOC, Pedroso ERP, Santos AGR. Infectologia Geriátrica. São Paulo: Fundação BYK, 1997. 4. Silveira JCB. In: Pedroso ERP, Rocha MOC, Silva OA. Clínica Médica — Os Princípios da Prática Ambulatorial. São Paulo: Livraria Atheneu Editora, 1993. 5. Tavares W. Manual de Antibióticos e Quimioterápicos Antiinfecciosos. 2ª Reimp./1ª ed., São Paulo: Livraria Atheneu Editora, 1994. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 64 - Urgências Psiquiátricas Marcos Rodrigo Teixeira de Abreu I. Introdução. Urgentes são os tratamentos que precisam ser feitos com rapidez. As pessoas que procuram ou são encaminhadas aos atendimentos de urgência mostram, na imensa maioria dos casos, alterações emocionais. O indivíduo é uma unidade pluridimensional, e tudo aquilo que ameace ou perturbe sua saúde, como os acidentes e as doenças das mais diversas naturezas, pode levar aos mais variados tipos de descontrole ou desequilíbrio. O médico, por lidar com o ser humano em situações de sofrimento, deve levar em consideração essa realidade e nela atuar, ouvindo, apaziguando e orientando tanto os pacientes quanto os familiares ou acompanhantes, pois a crise afeta a todos. Este aspecto da pastoral médica deve ser levado a todos os pacientes (e acompanhantes). A precariedade material de nossas instituições de saúde abate as motivações dos médicos que nelas atuam, mas não pode fazê-los esquecer que têm diante de si e de seu compromisso profissional o fenômeno existencial mais importante: a vida e a saúde. E é precisamente a vida que fica ameaçada ou limitada pelas doenças e pelos acidentes. Estes trazem à consciência, fundamentalmente, a iminência da morte ou das limitações vitais, desestruturando, conseqüentemente, o equilíbrio emocional. A compreensão das diversas perspectivas envolvidas numa crise é que vai capacitar o médico a ajudar-se e ao paciente. Claro que os diagnósticos e os procedimentos clínicos, medicamentosos ou cirúrgicos, são os inicialmente prioritários, mas longe de serem os únicos numa conduta terapêutica eficiente. A crise instala-se num determinado momento histórico e circunstancial da vida de um indivíduo; pensar que é apenas vítima da crise é reduzir a compreensão do seu quadro. Todo apoio é importante, mas numa visão dinâmica: a de que o paciente foi o participante, consciente ou não, de sua situação, e que esta pode implicar transformações na sua vida. O médico, na medida de suas possibilidades e no momento apropriado, pode ajudar o paciente a elaborar seu sofrimento e a crescer a partir dele. Um passo importante é levá-lo a aceitar que não é exclusividade dele, paciente, passar por tragédias pessoais. É vivenciando internamente a crise que o sujeito cria condições de transcendê-la: “É preciso trazer o caos dentro de si, para fazer nascer a estrela bailarina” (F.W. Nietzsche). Um centro de atendimento de urgência não oferece, em geral, condições adequadas para um tratamento psiquiátrico completo. Após o diagnóstico e de serem realizadas as propedêuticas iniciais, deve-se encaminhar o paciente a um tratamento psiquiátrico (em ambulatório, clínica psiquiátrica ou psicoterapia), orientando-o, assim como seus acompanhantes. Os médicos que fazem ou já se submeteram a uma psicoterapia conduzem com mais segurança estas situações. Estudar o cérebro significa entender os neurônios, as sinapses, os neurotransmissores, os receptores, os mensageiros, os circuitos e sistemas e os resultados dos processamentos das informações elétricas que nele transitam. É a mente que estabelece relações entre o cérebro e o mundo, caracterizando quem a tem como sujeito; algumas de suas produções são a ciência, a cultura, a arte. A mente surge de um modo cerebral de processamento: o “hardware-cérebro” e o “software-experiência”, por analogia. 752

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A consciência (e aquilo que se pode tornar consciente) é o grande atributo da mente. Entre as várias funções mentais distinguimos: atenção, percepção, memória, vontade, pensamento, afetos, emoções, personalidade, motricidade, juízos, sonhos e, em especial, a linguagem, porque nossa participação com o mundo se dá, em grande parte, através dela. II. Principais Síndromes e Condutas. Contraria contrariis curentur: O princípio básico da medicina alopática consiste em tratar as doenças com remédios que produzam efeitos contrários aos da doença. A. Síndromes ligadas à ansiedade. A ansiedade, conseqüente à situação ou aos conflitos pessoais do indivíduo, manifesta-se em graus variados de intensidade: desde uma leve sensação de desconforto e mal-estar a medos, apreensões e inquietude, fobias, pânico, conversões e agitação psicomotora. Geralmente, a ansiedade é acompanhada de taquicardia, sudorese, palidez, taquipnéia e hiperventilação (com conseqüentes alcalose e tonteira). As síndromes ligadas à ansiedade tanto podem ser primárias (psicogênicas) como conseqüentes aos mais diversos distúrbios somáticos, pelas sensações e consciência de que perturbam a saúde e ameaçam a vida. A ansiedade pode ser considerada, nos mamíferos, uma reação fisiológica normal às ameaças ambientais, e no sujeito humano estas vêm acrescidas das pressões sociais, econômicas e conflitos emocionais. É uma das reações mais comuns da vida animal, que esboçam, diante do perigo, as reações de fuga ou luta, que são viabilizadas por descargas de neurotransmissores no organismo. Assim, a descarga de adrenalina providencia maior aporte sangüíneo aos sistemas necessários para a defesa ou ataque: taquipnéia, com conseqüentes alcalose e tonteira, taquicardia, pele fria e pálida, sudorese, a digestão pára, os pêlos se eriçam. Embora normal, a ansiedade pode ser: exacerbada; cronicamente exacerbada; instantaneamente exacerbada sem motivo aparente (como na síndrome do pânico); independente de perigo real e imediato. Portanto, manifesta-se em graus variados de intensidade e freqüência, desde uma leve sensação de desconforto a medos, inquietações, fobias, conversão psicomotora, pânico, constituindo a metáfora fisiológica do mal-estar na civilização. Os distúrbios fóbicos caracterizam-se pelo medo persistente e irracional de um objeto ou determinada situação, levando o indivíduo à tentativa de evitá-los, causando significativo sofrimento, a ponto de interferir em sua atividade social ou profissional. Exemplificando: na agorafobia, que consiste em um imenso medo de estar só ou em lugares públicos de onde seja difícil sair (como elevadores, túneis, multidão, transportes públicos), a ansiedade manifesta-se inclusive antecipadamente. A fobia social consiste no temor irracional que o indivíduo sente diante de situações em que pode ser observado, como se apresentar, falar ou escrever diante dos outros, temendo comportar-se de forma embaraçosa ou humilhante. Geralmente o indivíduo está consciente de que seu medo consiste em que os outros detectem sinais de sua ansiedade, como gagueira ou tremores das mãos. Os distúrbios do pânico caracterizam-se pelo surgimento súbito de uma apreensão intensa, chegando ao terror, associados a sentimentos catastróficos iminentes, medo de morrer, de 753

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enlouquecer ou de cometer um ato descontrolado. Os ataques duram minutos e, mais raramente, horas. Durante os ataques, o indivíduo geralmente sente dispnéia, palpitações, sensações de sufocação ou “estrangulamento”, mal-estar, dores torácicas, vertigens, tonturas, desmaios (raramente), parestesias, contrações musculares e sensação de irrealidade. Geralmente os indivíduos que sofrem da síndrome do pânico são apreensivos e tensos, com hiperatividade neurovegetativa. Deve-se efetuar o diagnóstico diferencial com hipoglicemia, feocromocitoma, hipertireoidismo e síndrome de abstinência de algumas substâncias (como barbitúricos) e em algumas intoxicações (como cafeína, anfetaminas, cocaína, psilocibina ou “chá de cogumelo”, LSD, mescalina). São promissoras, para os distúrbios fóbicos e do pânico, as técnicas neurolingüísticas e terapias cognitivascomportamentais. Grande número de pessoas que chegam para atendimento de urgência apresenta sintomas como hipoestesias, paresias, parestesias, paralisias, anestesias, diminuição ou perda de um dos sentidos (fala, visão) e desmaios que parecem convulsões. Estas manifestações podem surgir isoladas ou associadas, tornando às vezes difícil o diagnóstico diferencial relativo a enfermidades orgânicas ou neurológicas. Geralmente, são pessoas “teatrais” e escandalosas, atraindo para si atenções e cuidados, devido às suas encenações. Costumam ser sedutoras em algumas ocasiões e hostis em outras, podendo simular sintomas intencionais ou, ao contrário, inconscientes. Trata-se das crises conversivas, que muitas vezes despertam risos e muitas vezes rejeição por parte da equipe médica que presta atendimento. Qualquer indivíduo pode manifestar uma crise de agitação psicomotora, conforme situações ou conflitos pessoais, mas estas predominam nos indivíduos psicóticos, alcoolistas, drogaditos, pacientes neurológicos (especialmente epilépticos) e pacientes internados em UTI. Podem apresentar hetero ou auto-agressividade, exigindo atuação mais contundente da equipe de profissionais. Finalmente, muitos casos encaminhados aos atendimentos de urgência são essencialmente psicossomáticos. Basicamente, caracterizam-se por distúrbios em determinados órgãos ou sistemas, e o fenômeno consiste num deslocamento da angústia para uma alteração orgânica, aliviando, em parte, a angústia original, mas surgindo grande ansiedade, proveniente dos sintomas somáticos. Como exemplos: (1) no sistema digestivo: diarréia, vômitos, gastrites, úlcera duodenal, retocolite hemorrágica, cólon irritável; (2) no sistema respiratório: tosse, dispnéia, opressão torácica, asma; (3) no sistema cardiovascular: taquicardia, algias precordiais, alterações transitórias da tensão arterial, infarto, hipertensão arterial; (4) distúrbios alérgicos, hipoglicemia, diabetes, obesidade, bulimia, anorexia, insônia, amenorréia. Logo, para um atendimento mais eficiente e humano, é necessário ouvir atentamente o paciente, seus acompanhantes, observando expressões, gestos e atitudes: “Tudo quanto há, é aviso” (J. Guimarães Rosa). 1. Conduta. Nos casos mais simples, administrar benzodiazepínicos, como diazepam, 5 mg, duas vezes ao dia, ou uma ampola IM. Nos casos mais exacerbados, como na síndrome do pânico, administrar um benzodiazepínico: diazepam 10 mg, 2-3 vezes ao dia, ou bromazepam (Lexotan®), 3 mg, 2-3 vezes ao dia, ou alprazolam (Frontal®), 0,5 mg, 2-3 754

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vezes ao dia, ou cloxazolam (Olcadil®), 2 mg, 2-3 vezes ao dia. Utiliza-se de forma associada um antidepressivo: clomipramina (Anafranil®), 25 mg, 2-3 vezes ao dia, ou paroxetina (Aropax®), 20 mg, 1-2 vezes ao dia, ou fluoxetina (Prozac®), 20 mg, 1-2 vezes ao dia, ou mirtazapina (Remeron®) 30 mg, uma vez ao deitar, ou citalopran (Cipramil®), 20 mg, 1-2 vezes ao dia. No momento da crise, pode ser administrado diazepam (1 ampola IM) puro, ou associado à prometazina (Fenergan®), 1 ampola IM. Nas agitações psicomotoras, geralmente o paciente precisa ser contido, pelos riscos que oferece. Para sedá-lo, pode ser administrado diazepam, 1 ampola IM, puro ou associado à prometazina, 1 ampola IM. Também promove boa sedação o haloperidol (Haldol®), 1-2 ampolas IM, associadas a 1 ampola IM de prometazina. Outra opção é a clorpromazina (Amplictil®) ou a levomepromazina (Neozine®), 1 ampola IM, pura, ou associada à prometazina, 1 ampola IM. Observar, após a sedação, a pressão arterial do paciente, pois pode ocorrer hipotensão. Os benzodiazepínicos podem levar à dependência física e psicológica. B. Síndromes ligadas à inibição psicomotora. Estas síndromes predominam nas: 1. Depressões. O paciente apresenta-se apático, abatido, mostrando pouco interesse por tudo (até mesmo pela vida), pessimista e choroso, muitas vezes evitando conversar. De acordo com a intensidade da depressão, como na fase depressiva da psicose maníacodepressiva, pode ser necessária a internação para tratamento e cuidados gerais, como hidratação, higiene, proteção contra tentativas de suicídio (inclusive internação em quarto térreo e prevenção contra materiais cortantes) e uso de antidepressivos. Destes, podemos citar: amitriptilina (Tryptanol®), 25 mg, 2-3 vezes ao dia; clomipramina (Anafranil®), 25 mg, 2-3 vezes ao dia; imipramina (Tofranil®), 25 mg, 2-3 vezes ao dia; fluoxetina (Prozac®), 20 mg, 1-2 vezes ao dia; moclobemida (Aurorix®), 150 mg, duas vezes ao dia; paroxetina (Aropax®), 20 mg, 1-2 vezes ao dia; mirtazapina (Remeron®), 30 mg, ao deitar, citalopran (Cipramil®) 20 mg, 1-2 vezes ao dia; venlafaxina (Efexor®), 37,5 mg, 1-2 vezes ao dia; sertralina (Zoloft®), 50 mg, 1-2 vezes ao dia. A estes antidepressivos, pode-se acrescentar um hipnótico, como o zopiclone (Imovane®), 7,5 mg, uma vez à noite; midazolan (Dormonid®), 15 mg, uma vez à noite; flunitrazepan (Rohypnol®), 1 mg, uma vez à noite; ou zolpidem (Stilnox®), 10 mg, uma vez à noite. O emprego de ansiolíticos pode ser indicado, às vezes, nas depressões ansiosas. Utiliza-se o bromazepan (Lexotan®), 3 mg, 1-2 vezes ao dia, ou alprazolam (Frontal®), 0,5 mg, 1-2 vezes ao dia, ou diazepam, 5 mg, 1-2 vezes ao dia, ou cloxazolan (Olcadil®), 2 mg, 1-2 vezes ao dia. Deve-se considerar que qualquer antidepressivo leva em torno de 14-30 dias para manifestar plenamente seus efeitos. 2. Pacientes com doenças orgânicas, neurológicas e metabólicas podem mostrar-se deprimidos e desvitalizados, podendo ser avaliado o emprego de antidepressivos paralelamente ao tratamento clínico, além do suporte psicológico, por meio de visitas médicas e esclarecimentos sobre seu quadro. Algumas síndromes psicóticas manifestam quadros de apatia, desinteresse, inibição psicomotora e mesmo estupor (como na esquizofrenia catatônica). Os pacientes mostram-se com falas incoerentes e/ou desconexas, desorientados no tempo, no espaço e mesmo quanto a informações pessoais. Às vezes delirantes, podem também apresentar alucinações, 755

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solilóquios e risos imotivados. Podem necessitar de internação em clínica psiquiátrica para cuidados gerais e tratamento farmacológico. Este geralmente é feito usando-se neurolépticos, como o haloperidol (Haldol®), 2-15 mg/dia, ou flufenazina (Anatensol®), 0,2-10 mg/dia, geralmente associados a um antiparkinsoniano, como o biperideno (Akineton®), 1-3 comprimidos ao dia; risperidona (Risperdal®), 2 a 6 mg por dia; olanzapina (Zyprexa®), 10 mg à noite. Também são empregados os fenotiazínicos, que têm efeito predominantemente sedativo, como a clorpromazina (Amplictil®), 25 mg, 2-8 vezes ao dia, ou a levomepromazina (Neozine®), 25 mg, 2-8 vezes ao dia, de acordo com o quadro. Muitos pacientes podem chegar ao atendimento de urgência apresentando síndrome de impregnação neuroléptica, devido ao uso de neurolépticos, fenotiazínicos, metoclopramida (Plasil®), tetramisol e piperazina. Esta síndrome pode manifestar-se com discinesias (que consistem na contratura da musculatura ocular, bucal, dorsal, de origem extrapiramidal), tremores finos nas extremidades, hipertonia muscular generalizada ou acatisia. Para se tratar ou prevenir estes efeitos extrapiramidais desagradáveis, utiliza-se o antiparkinsoniano biperideno (Akineton®), 1-3 comprimidos ao dia, ou, em quadros agudos, uma ampola IM ou EV. 3. Tentativas de auto-extermínio. Grande parte dos indivíduos que são encaminhados ao atendimento de urgência apresenta este quadro, promovendo-o de diversas maneiras, podendo indicar ao médico até que ponto foi real a vontade de suicídio. Na verdade, muitos usam mais as tentativas de suicídio como meio definitivo de eliminar um sofrimento agudo e intenso — como dívidas, falência financeira, ciúme, medos, pânico, desmesurado padecimento físico, culpa, vergonha — do que como vontade de destruir sua existência. Outros utilizam a tentativa de suicídio para mobilizar as pessoas acerca de seu envolvimento afetivo, de forma a receberem maior atenção e cuidados. Estes geralmente procedem de modo a não se machucarem nem padecerem fisicamente, e é comum repetirem esse ato quando sentem que podem tirar proveito de sua frágil condição. Inúmeras pessoas têm atitudes que aumentam o risco de morte sem ter exatamente a intenção de se matar; a morte ocorre acidentalmente (como brincar com armas de fogo ou dirigir embriagado). Não são poucos os indivíduos — entre eles alguns esportistas — que parecem desconsiderar o risco de morte, diante do prazer que podem ter em sensações de imensa velocidade, alguns procedimentos aéreos ou aquáticos etc. De fato, a morte é nossa grande certeza, mas de maneira voluntária é, em sua imensa maioria, um ato psicótico. O homem é, potencialmente, um ser homicida. E não suicida. Pessoas até então deprimidas e que saem rapidamente deste estado — através de tratamento — podem efetivar uma tentativa que não ocorreu na fase depressiva. Nos indivíduos psicóticos, devido às interpretações delirantes, à pouca crítica e às distorções que fazem da realidade, esse risco deve ser considerado, assim como com pacientes em confusão mental, por intoxicações exógenas ou endógenas, infecções e síndromes neurológicas. Os suicidas despertam sentimentos e reações com os quais é difícil lidar — como compaixão, pena, rejeição, raiva, curiosidade etc. Sempre é prioritário o tratamento clínico específico. No caso de suspeita de intoxicação exógena medicamentosa, pode ser usado o flumazenil (Lanexat®), 0,3 mg EV, seguido de reinjeções a cada 60 segundos até o despertar (dose total máxima de 2 mg). É utilizado como recurso diagnóstico para determinar o envolvimento de benzodiazepínicos e/ou como recurso terapêutico, para 756

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reverter os efeitos centrais induzidos pelos mesmos (recuperação da ventilação espontânea e da consciência, evitando-se a intubação ou facilitando a extubação). É um medicamento comumente empregado em anestesiologia, um antagonista específico dos benzodiazepínicos, e os efeitos das substâncias que não possuem afinidade pelos receptores dos benzodiazepínicos — como os barbitúricos, o meprobamato e o etanol — não são modificados por ele. No caso de internação, deve ser realizada em andar térreo. Observação mais rigorosa é recomendada, pois os pacientes podem repetir a tentativa pulando de janelas, cortando-se, ingerindo comprimidos ou líquidos tóxicos. Quando eles têm alta clínica, é indispensável o encaminhamento a um tratamento especializado (psicoterápico e/ou psiquiátrico). Referências 1. Arendt H. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Editora Forense — Universitária, 2. Becker E. A Negação da Morte. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 3. Del Nero HS. Pensamento, Emoção e Vontade no Cérebro Humano: O Sítio da Mente. Collegium Cognitio editora, 1997. 4. Fernandez FA. Fundamentos de la Psiquiatria Actual. Buenos Aires: Editora Paz Montalvo, 5. Flaherty CD. Psiquiatria: Diagnóstico e Tratamento. Editora Artes Médicas, 1990. 6. Freud S. Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora. 7. Kalina, Kovadloff. Os Cerimoniais da Destruição. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 8. Kaplan, Sadock. Compêndio de Psiquiatria. Editora Artes Médicas, 2 ed., 1988. 9. Nietzsche FW. Así Habló Zaratustra. Alianza Editorial-Madrid, 1997. 10. Rosa JG. Grande Sertão, Veredas. Ed. Nova Aguilar: Ficção completa, 1994. 11. Rosenfeld H. Os Estados Psicóticos. Jorge Zahar Editor. 12. Stahl S. Psicofarmacologia dos Antidepressivos. Martin Dunitz Editora, 1997. 13. Sontag S. A Doença e suas Metáforas. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 10. 14. Tosi R. Dicionário de Sentenças Gregas e Latinas. Ed. Martins Fontes, 1996. Copyright © 2000 eHealth Latin America

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Capítulo 65 - A Relação Médico-Paciente no Atendimento de Urgência Roberto Marini Ladeira A movimentação habitual de um Serviço de Urgência Médica, aliada à necessidade de rapidez diagnóstica e terapêutica, faz com que, na maioria das vezes, sejam esquecidos alguns preceitos básicos do relacionamento médico-paciente. Deste modo, são muitas vezes desconsiderados o medo, a ansiedade e as frustrações do paciente e também do próprio médico, fazendo com que se produza um contato centrado exclusivamente na existência ou não de uma lesão orgânica detectável. Compreender este desvio e tentar superá-lo é condição essencial para melhorar a qualidade da nossa relação com os pacientes que nos procuram e reorientar o foco desta relação. Para isto, temos de refletir sobre as características individuais do médico, do paciente e também do encontro entre os dois. I. O Médico. O médico de pronto-socorro trabalha em regime de plantões cansativos e geradores de estresse, muitas vezes em condições materiais distantes do desejável. Normalmente estes plantões antecedem ou sucedem atividades profissionais em outros locais, aumentando o desgaste. Nos hospitais, as equipes de plantão são compostas por vários especialistas, em virtude da necessidade criada pela complexidade das doenças existentes. Geralmente, o paciente gravemente enfermo necessita da avaliação de profissionais de várias especialidades médicas. Se, por um lado, isto possibilita uma noção mais precisa do estado do paciente, por outro favorece a diluição da responsabilidade frente ao doente. Deste modo, é muito comum encontrarmos pacientes avaliados por vários médicos sem que nenhum deles tenha efetivamente assumido a condução do caso. Além disso, o médico que atende urgências lida com doentes graves, fato que o mobiliza profundamente, dificultando o estabelecimento de vínculo com estes pacientes. Devemos reconhecer por último que, em nível acadêmico, o médico recebe pouca ou nenhuma formação na área de psicologia médica, acarretando uma ausência de capacidade de identificar e tratar problemas relativos a esta área. II. O Paciente. Na maioria das vezes, o indivíduo admitido nos hospitais de pronto-socorro vítima de traumatismos ou doença clínica aguda é um adulto jovem em idade de franca atividade física. Estava, antes desta admissão, totalmente hígido, sendo que alguns jamais necessitaram de cuidados médicos. Ele possui fantasias sobre hospitais, médicos e doenças, que influirão decisivamente na resposta que dará à condição que sofreu. Obviamente, existe também o indivíduo portador de enfermidade crônica que piora seu estado e, ainda, aquele que já experimentou internações anteriormente e conhece bem um pronto-socorro. Estes, provavelmente, se comportarão de forma diferente dos primeiros. III. O Encontro.

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O indivíduo com uma condição aguda e que tem sua consciência preservada tem a oportunidade de viver uma série de experiências que podem modificar profundamente o curso de sua vida. O medo da morte, a vivência da dor e a ansiedade gerada pela admissão em um hospital são eventos que desestabilizam seriamente o equilíbrio interno da pessoa. No hospital, ela, agora paciente, será submetida a uma série de exames e tratamentos que, aos seus olhos, podem parecer mais agressivos do que a própria condição que motivou o atendimento. Cabe ao médico, nesse momento, priorizar suas intervenções, no sentido de remover qualquer fator que ameace a sobrevivência do paciente. Ele não pode, entretanto, esquecerse de que está diante de um ser humano carente de segurança e em dúvida sobre o que lhe vai acontecer. É bom lembrar que, em situações de extrema urgência ou quando em coma, o paciente não possui meios de fazer prevalecer seus desejos e, invariavelmente, está à mercê das decisões médicas. Nesta hora, para evitar danos maiores, é importante que o médico tenha conhecimento dos limites de sua capacidade e controle sobre sua onipotência. IV. SCPM. De ocorrência extremamente comum em urgência são os casos dos pacientes diagnosticados como tendo síndrome de conversão psicomotora (SCPM). Sob este termo inadequado são englobados pacientes histéricos, psicóticos etc., que sistematicamente procuram hospitais para obter alívio de seus sintomas, sem, no entanto, apresentar qualquer lesão orgânica que os explique. A estes pacientes nem sempre é dispensado um tratamento digno e respeitoso. Eles são, às vezes, injustamente deixados em segundo plano e, em geral, saem pior do que entraram, sem que os médicos tenham sequer conseguido compreender sua problemática. Sem contar, é óbvio, com o risco que esta postura implica, uma vez que nada impede que um histérico sofra realmente alguma condição grave. Certamente, vários fatores (senão todos) em um pronto-socorro desfavorecem uma abordagem ampla do paciente; começando pelo excesso de ruídos, passando pela falta de privacidade e culminando com a necessidade de atendimentos rápidos. Mas, embora nem sempre seja possível diagnosticar corretamente a condição psicológica do paciente, sempre é possível dar atenção e consideração à pessoa que nos procura, fato que por si só serve para diminuir seu sofrimento. V. A Família do Paciente. Muitas vezes, conversar com a família do paciente significa compreender mais exatamente a situação daquele indivíduo. Mesmo que em algumas situações esta conversa seja desgastante, através deste contato podemos perceber o tipo de relação existente entre o paciente e seu núcleo familiar e, quase sempre, captar a existência de sentimentos de culpa, raiva ou chantagem emocional nesta relação. Esta atitude permite ao médico uma melhor escolha da estratégia terapêutica a ser utilizada. Além disso, o médico cumpre sua função de esclarecer o quadro real do paciente, para que sua família saiba como se conduzir futuramente e tome as providências necessárias ao caso. 759

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VI. Situações Especiais. Apesar de enquadrados como especiais, são comuns os atendimentos prestados a suicidas, indivíduos alcoolizados, agressivos e, eventualmente, pacientes conduzidos ao prontosocorro por agentes da lei. Estas situações exigem muito mais do médico que faz o atendimento. Além das preocupações habituais, ele deve estar atento para preservar sua própria integridade física e também a de seu paciente. Nestas horas, uma atitude firme e equilibrada garante um bom atendimento. Nos casos de possíveis doadores para transplantes, existindo um órgão público especializado na questão, o profissional deste órgão deverá ser o responsável pela abordagem da família, por ser especialmente treinado para estas situações. VII. Registro. Todos os passos diagnósticos e terapêuticos realizados devem ser fidedigna e minuciosamente registrados no prontuário do paciente, tendo em vista o grande número de profissionais envolvidos no atendimento e também como uma precaução contra eventuais demandas policiais ou judiciais que possam surgir no futuro. Em se tratando da realização de procedimentos de risco, como cirurgias, sempre que possível, autorizações escritas do paciente ou responsável devem ser obtidas, nas quais estes procedimentos fiquem detalhados, assim como possíveis complicações que puderem ser antecipadas. VIII. Conclusão. Ao atender um paciente em regime de urgência, não basta ao médico ter senso apurado para diagnóstico e habilidade técnica para a realização de procedimentos propedêuticos e terapêuticos. É necessário, também, ter habilidade, sensibilidade e conhecimento para lidar com os sentimentos do paciente e os de sua família, além de lidar com suas próprias emoções. Afinal, o fato de o diagnóstico ser um infarto do miocárdio ou uma crise de pânico é importante, mas não é tudo, pois ao paciente interessa realmente ser ouvido, compreendido e ajudado. Referências 1. Freyberger H. Psicossomática. In: Lawin P (ed.). Cuidados Intensivos. 3 ed. Barcelona: Salvat Editores, 1986: 83-94. 2. Leigh H, Reiser MF. Biological, Psychological and Social Dimension of Medical Practice. 2 ed. Plenum Medical Book Company, 1985.

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3. Lindenmayer JP, Kline NS. Psychiatric emergencies in medical, surgical or obstetric patients who are severely ill. In: Schwartz GR, Safar P, Stone JH et al. (eds.) Principles and Practice of Emergency Medicine. 2 ed. W.B. Saunders Co., 1986: 1.191-201.

4. Mello Filho J. Concepção Psicossomática: Visão Atual. 3 ed., Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983. 5. Moreira AA. Teoria e Prática da Relação Médico-Paciente. 1 ed., Belo Horizonte: Interlivros, 1979. 6. Perry S. Viederman M. Tratamento das reações emocionais à enfermidade clínica aguda. Clínicas Médicas da América do Norte. 1981: 3-14. 7. Schmidt Jr CW. Psychiatric management of acute trauma. In: Zuidema GD, Rutherford RB, Ballinger WF (eds.) The Management of Trauma. 4 ed. W.B. Saunders Co., 1985: 80714. Copyright © 2000 eHealth Latin America Esta imagem não está disponível para a versão Palm OS Quadro 40-2. Doses, vias de administração impaticomiméticos Agente Inalação Nebulização Oral Parenteral Epinefrina (Adrenalina) Não disponível Pode ser usada a mistura racêmica Sem efeito por esta via Ampolas 1ml a 1:1000 SC: 0,01 mg/Kg/dose até 0,3 mg, máx. 2 doses Terbutalina 1-2 inalações de pó seco Sol, 1% - 0,15 mg/Kg 0,075 mg/Kg/dose Ampolas 0,5 ml/1 ml (Bricanyl) A cada 4-6 h Máx. 5mg - cada 4-6h Máx. 2,5 mg - cada 6-8h EV: 250 mg em 10 mim Manut. 1,5 a 5 mg/mim SC:0,005 mg/Kg/dose até 0,3 mg, máx. 3doses

e

apresentações

dos

principais

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Salbutamol 100 mg/jato Sol.0,5% a cada 4-6h 0,1 - 0,15 mg/Kg/dose Ampolas 500 mg/1 ml (Aerolin) 1-2 jatos cada 4-6h 0,05 - 0,15 mg/Kg Máx. 5mg/dose Máx. 2 mg cada 6-8h EV: 250 mg em 10 mim Manut. 3 a 20 mg/mim Fenoterol 100-200 mg/jato Sol. 0,5% a cada 4-6h 0,1 - 0,2 mg/kg/dose (Berotec) 1-2 jatos cada 4-6h 0,05 - 0,15 mg/Kg Máx. 5mg/Kg/dose Máx. 2,5mg cada 6-8h Não disponível Salmeterol (Serevent) de pó seco ou 2 jatos (uso intercrise) Não disponível Não disponível Não disponível

Quadro 40-3. Taxa de infusão contínua de aminofilina e teofilina, após a dose de ataque, para manter o nível sérico em torno de 10 mg/ml Grupo etário Aminofilina (mg/Kg/hora) Teofilina (mg/Kg/hora) Neonato 1-6 meses 7-11 meses 1-9 anos Acima de 9 anos e fumantes Adultos e não-fumantes ICC, disfunção hepática e idosos 0,16 0,5 0,85 1 0,75 0,5 762

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0,25 0,13 0,4 0,7 0,8 0,6 0,4 0,2

Quadro 40-6. Apresentação, vias de administração e doses principais corticóides utilizados no tratamento da asma Droga Apresentação Concentração Via Dose Hidrocortisona (Flebocortid, Solucortef) Frasco 100 mg/2ml 500 mg/4ml EV Ataque: 5-7 mg/Kg 6/6h Manutenção: 5 mg/Kg Metilprednisolona (Solumedrol) Frasco 40 mg/1ml 125 mg/2ml EV Ataque: 1mg/Kg Manutenção: 0,8 mg/Kg 6/6h Deflazacort (Calcort) Comprimidos 6 e 30 mg Oral 1-2,4 mg/Kg/dia Até 120 mg/dia Prednisolona (Prednisolona) Solução 1 mg/ml Oral 1-2 mg/Kg/dia Até 80 mg/dia Prednisona (Meticorden) Comprimidos 763

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5 a 20 mg Oral 1-2 mg/Kg/dia Até 80 mg/dia Dexametasona (Decadron) Ampola Frasco 2 mg/ 1ml 10mg/2,5ml Nebulização 0,1 mg/Kg 6/6h Beclometasona (Beclosol, Clenil, aldecina) Tubo pressurizado 50 mg/jato 250 mg/jato Aerossol 4-8 jatos/dia 2-4 jatos/dia

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Manual de Urgências em Pronto-Socorro, Erazo, 6ª Ed.

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